A África e a Europa: Resolução de Conflitos, Governação e Integração Regional BACKGROUND PAPER
As Relações Europa-África: Contexto Geral O diálogo euro-africano ao nível intergovernamental e continental teve como marco simbólico a primeira Cimeira Euro-Africana, realizada no Cairo em 2000, a qual veio estabelecer uma nova plataforma de relacionamento multilateral. Apesar da ruptura motivada pelo desacordo em relação à questão zimbabueana e do adiamento de uma segunda Cimeira, o diálogo tem evoluído de forma positiva em diversas matérias ao nível da “troika” ministerial, particularmente após a criação da União Africana. O estabelecimento de um grupo de trabalho entre a Comissão Europeia (CE) e a Comissão da União Africana (CUA) foi um passo significativo de um diálogo que se desenrola actualmente em torno de quatro áreas temáticas: (i) paz e segurança; (ii) democracia e boa governação; (iii) integração regional e comércio; e (iv) questões do desenvolvimento (englobando, entre outras, a dívida externa, matérias ambientais, segurança alimentar, HIV-SIDA). Este diálogo está inevitavelmente ligado às recentes transformações internas nos dois continentes, decorrentes em parte da evolução dos processos de integração regional e política.
União Europeia
No plano europeu, as relações com África são dificultadas pela panóplia de instituições, acordos e políticas nela envolvidos. Desde que Delors, em 1984, dividiu a Comissão Europeia numa Direcção-Geral de Desenvolvimento (DG DEV) e numa Direcção de Relações Exteriores (RELEX), um longo caminho institucional foi percorrido. Nos últimos anos, a política europeia de cooperação para o desenvolvimento tem sofrido alterações decorrentes do próprio aprofundamento político da União, sendo os principais debates respeitantes ao posicionamento desta política face aos objectivos da política externa, às implicações do alargamento, ao futuro das relações UE-ACP, ou ainda à nova arquitectura institucional, que terá certamente reflexos no relacionamento com África. Subjacentes a estas questões, estão vários debates em curso na comunidade de doadores ao nível global, como sejam o novo contexto de segurança, a ajuda aos Estados com fraco desempenho ou em conflito, o financiamento do desenvolvimento, a liberalização comercial, ou a obtenção de resultados positivos nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio1. A assinatura do novo Tratado constitucional europeu é uma das evoluções que levanta questões importantes para o futuro da cooperação para o desenvolvimento, uma vez que condiciona esta política a uma crescente tomada de decisão intergovernamental e a subordina institucionalmente à totalidade das relações externas2, deixando em aberto a possibilidade de recursos financeiros destinados à cooperação e ajuda humanitária serem utilizados noutras vertentes da política Fixados em Setembro de 2000, na sequência da aprovação da Declaração do Milénio das Nações Unidas, os objectivos incluem uma lista de áreas nas quais a ajuda ao desenvolvimento se deve concentrar e estabelecem metas quantitativas a alcançar dentro de prazos fixados, entre as quais a redução dos índices globais de pobreza para metade até 2015. 2 A criação da figura de um ministro dos Negócios Estrangeiros da União, com presença ora no Conselho ora na Comissão, responsável por todos os aspectos ligados às acções externas europeias; a diluição do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) no orçamento comunitário; a restruturação no seio das Direcções-Gerais e a fusão em Junho de 2002 do Conselho de Desenvolvimento no Conselho de Assuntos Gerais e Relações Externas (GAERC), encarregue das várias políticas relativas às relações externas da UE; são alguns exemplos de reformas que poderão afectar a visibilidade e o peso relativo da política de cooperação. 1
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externa. Não estando expresso o princípio de não diminuição dos montantes afectos à ajuda ao desenvolvimento, nem qualquer abordagem estratégica de longo prazo baseada em critérios objectivos, a área da cooperação estará condicionada a uma negociação anual sujeita a interesses sectoriais e políticos (nomeadamente de uma agenda de segurança). Os desafios que se colocam à política europeia de cooperação para o desenvolvimento vão muito para além do texto constitucional. Os sinais dados pela nova Comissão Europeia são, na verdade, contraditórios. Por um lado, é inegável o papel fundamental da UE e dos países membros, enquanto maiores doadores internacionais no seu conjunto (cerca de 55% da ajuda mundial) e mais importante parceiro comercial dos PED. A União desempenhou um papel activo na mobilização política que abriu caminho aos resultados da Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento (2002, em Monterrey), ao colocar em cima da mesa os chamados “objectivos de Barcelona” para aumentar a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) até 0,39% do RNB colectivo europeu em 2006. Segundo a evolução actual, a UE no seu todo vai ultrapassar esta meta e atingir 0,42% em 2006, muito como resultado daqueles que já contribuem com mais de 0,7% (caso da Dinamarca, Holanda, Luxemburgo, Suécia e Noruega) e do esforço dos novos membros em aumentar as contribuições. O novo Comissário para o Desenvolvimento – Louis Michel – estabeleceu como um dos principais objectivos conseguir unir e mobilizar os cidadãos europeus em torno da política de cooperação para o desenvolvimento, sendo que actualmente cerca de dois terços diz acreditar que esta política contribui efectivamente para a redução global da pobreza. Por outro lado, perspectivam-se alterações importantes no financiamento da política de desenvolvimento. Até agora, a ajuda externa da União tem sido implementada por um vasto e complexo conjunto de instrumentos temáticos e regionais -como sejam os programas CARDS, TACIS ou MEDA-, que foram surgindo e alargando-se de forma ad-hoc ao longo dos anos. Estes instrumentos possuem regras distintas em termos de programação e implementação, o que dificulta a sua gestão e coordenação. A Comissão Europeia decidiu recentemente a reforma dos instrumentos de financiamento da ajuda externa da UE, no sentido de promover a simplificação e a eficácia, no quadro das perspectivas financeiras para 2007-20133. No entanto, enquanto é reforçado o orçamento na área da segurança, a cooperação para o desenvolvimento ou a ajuda humanitária não beneficiarão de qualquer investimento adicional. Isto apesar de, no plano dos princípios, se reconhecer que a política de desenvolvimento é um dos instrumentos mais poderosos no combate às causas dos conflitos e do terrorismo. Mais, as novas propostas da Comissão vão no sentido de favorecer claramente a cooperação com países candidatos à adesão e com países geograficamente próximos, agrupando num outro instrumento a cooperação económica e a cooperação para o desenvolvimento com todos os restantes países terceiros, sem qualquer referência de aplicação específica aos países em desenvolvimento. Para além disso, persistem ainda incoerências importantes na prática comunitária. Em primeiro lugar, apesar da complementaridade entre a cooperação multilateral e bilateral estar consagrada no plano dos princípios, existem muitas vezes divergências ou duplicação de esforços entre a ajuda concedida pelos Estados Membros bilateralmente e aquela que é gerida e implementada pela Comissão. Cerca de 80% da ajuda externa europeia continua a ser bilateral, obedecendo a critérios de definição estratégica, controlo político e interesses próprios dos Estados membros, o que torna difícil a coordenação. Neste contexto, parece difícil promover
Para mais informações, ver a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre os Instrumentos da Ajuda Externa no Quadro da Perspectiva Financeira 2007-2013, Julho 2004.
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uma agenda unificada de cooperação para o desenvolvimento ou mecanismos que evitem o risco de “renacionalização” da visão europeia da cooperação. Em segundo lugar, uma das maiores inconsistências da acção externa da UE reside nas numerosas contradições impostas pela política agrícola ou a política comercial. A primeira suscita desde há muito polémica devido ao proteccionismo dos produtos europeus face a produtos agrícolas dos países em desenvolvimento, permitindo a prática de subvenções e contendo elementos discriminatórios dos PED, o que contradiz o objectivo geral de luta contra a pobreza mundial. Enquanto o FMI estima que a abolição dos subsídios aos agricultores europeus significaria uma aumento de 0,6 no PIB anual dos países africanos, um acordo entre a França e a Alemanha assegura que esses subsídios irão continuar no nível actual de cerca de 50 mil milhões de dólares pelo menos até 2013, o que representa o claro favorecimento de uma minoria, dentro e fora da UE.
África
No plano africano, a criação da União Africana (UA) em Maio de 2001 e a subsequente actuação da Comissão liderada por Konaré4, abrem novas perspectivas face ao reforço da cooperação continental em áreas chave como sejam a intervenção diplomática e militar na resolução de conflitos, a promoção da governação através de novos mecanismos e instituições, ou ainda a prossecução de estratégias comuns de desenvolvimento, ainda por concretizar através da previsível incorporação da NEPAD (Nova Parceria Económica para o Desenvolvimento da África) na UA. Em termos institucionais, porém, os maiores desafios situam-se a três níveis: o problema da sustentabilidade financeira de uma organização que tem grande dificuldade em mobilizar os Estados-Membros para o pagamento das suas quotas, a fraqueza institucional que deriva igualmente da escassez de recursos humanos, e a dificuldade de coordenação, quer entre entre os diversos órgãos, quer com outros níveis de governação (NEPAD, outras organizações regionais, políticas bilaterais dos Estados-Membros). Com efeito, a panóplia de iniciativas continua a representar uma duplicação e dispersão de esforços. Refira-se a título de exemplo a coexistência de dois fóruns bilaterais de discussão: o African Partnership Forum (APF)5, surgido a convite de Jacques Chirac e pensado como um fórum de agilização e supervisão dos compromissos assumidos em matéria de cooperação; e a recentemente criada Comissão para África da administração Blair, que realizou já diversas reuniões e produziu um relatório onde disserta sobre os principais desafios e obstáculos ao desenvolvimento do continente africano. Tanto o relatório da Comissão para África como o plano recentemente elaborado pelas Nações Unidas relativamente aos Objectivos do Milénio alertam para a impossibilidade de atingir esses objectivos caso não sejam tomadas medidas urgentes ao nível global, como sejam a duplicação do montante global da ajuda a África, o perdão efectivo da dívida, a diminuição dos subsídios agrícolas nos países desenvolvidos, ou o fim do envolvimento destes na corrupção e lavagem de dinheiro em países africanos. No entanto, não existe qualquer vontade política de aumentar significativamente a ajuda, quando as prioridades internacionais se situam noutros planos (nomeadamente da segurança) e se questiona a eficácia dessa ajuda ou os métodos de gestão e utilização desta por parte dos países africanos.
A Comissão Konaré tomou posse em 2003 por um período de cinco anos e estabeleceu planos para a integração continental, com metas de curto, médio e longo-prazo. 5 O APF é constituido pelos países da NEPAD, os países do G8 e outros da UE que têm compromissos significativos no campo da ajuda pública ao desenvolvimento, incluindo Portugal. 4
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Os novos Desafios da Segurança Internacional Quais são as principais consequências dos acontecimentos internacionais mais recentes (ataques do 11 de Setembro e 11 de Março, intervenção no Iraque) no relacionamento com os países africanos? O interesse aparentemente renovado dos EUA em África resulta de um envolvimento de contingência, ou de uma estratégia de longo-prazo da administração norteamericana? Que reflexos terão as mudanças nas prioridades internacionais – agora centralizadas nas questões de segurança - na política externa da UE e sua influência? Qual a reacção dos países do Sul face a esta arquitectura e agenda internacional? O aumento da complexidade das situações de crise ou conflito na África Subsaariana e o surgimento de novas ameaças à segurança global colocam actualmente as questões de resolução de conflitos no cerne dos processos de integração regional no continente, bem como dos programas de apoio desenvolvidos, ao nível bilateral e multilateral, pelos principais parceiros externos. Com efeito, verificamos desde o fim da Guerra Fria uma alteração do tipo predominante de conflitos, com a proliferação de conflitos intraestatais, onde a crise de soberania em muitos Estados aficanos conduziu a lealdades mais estreitas e exclusivas, ou seja, em torno da língua, da religião, da etnia, de clivagens regionais ou outros elementos constitutivos da sua identidade. A mudança na natureza dos conflitos, com o surgimento de novas alianças e actores (grupos rebeldes, “senhores da guerra”, companhias multinacionais, etc), tornou impossível a procura de soluções duradouras sem que se equacionem devidamente as suas ramificações, interligações e impacto ao nível regional, bem como a existência de questões transversais ou supranacionais. Ao nível europeu, para além de a paz ser hoje encarada na generalidade das políticas para África como condição necessária à estabilidade político-social e ao desenvolvimento, os conflitos africanos têm um impacto directo na segurança europeia, quer através dos reflexos nos fluxos migratórios, quer pela ligação do tráfico de armas e de recursos naturais às redes terroristas e de crime organizado ao nível global. A actuação europeia insere-se, naturalmente, no contexto geral de luta contra o terrorismo, dominante nas agendas mundiais desde os ataques do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e reforçados com os acontecimentos de 11 de Março de 2004 em Espanha. As conclusões de várias investigações aos atentados, apontando para a existência de contactos regulares das células terroristas, quer no Norte de África com grupos islamistas radicais, quer com grupos rebeldes na África Ocidental, vieram recolocar o continente africano no mapa da segurança global. Com efeito, várias investigações conduzidas por jornais norte-americanos – como o Washington Post - , por várias organizações não governamentais – caso da Global Witness -, ou por vários analistas independentes – como Douglas Farah6 – afirmam ter havido uma alteração das estratégias de financiamento por parte da Al-Qaeda, particularmente após o congelamento de alguns bens da organização após os atentados às embaixadas no Quénia e na Tanzânia no final da década de 90. A organização terá apostado no comércio de mercadorias de alto valor e facilmente transportáveis, como os diamantes, estabelecendo ligações com os rebeldes da Serra Leoa, quer através do Hezbollah7, quer através de Charles Taylor, na altura presidente da Libéria. No início da presente década, tanto a Serra Leoa como a Libéria encontravam-se mergulhados numa crise Correspondente do Washington Post e investigador do National Strategy Information Center, escreveu recentemente Blood for Stones: The Secret Financial Network of Terror. 7 O Hezbollah utiliza já há mais de uma década a vasta comunidade libanesa na África Ocidental - 120mil,a maioria dos quais dedicados ao negócio de importação e exportação- para angariar fundos através de tráfico de mercadorias. 6
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profunda e constituíam o paradigma de Estados claramente falhados, com altos níveis de corrupção e de expansão de actividades criminosas, com a estrutura comercial desregulada e com vastas zonas do território ricas em recursos naturais sem controlo governamental. Apesar da resolução aparente – pelo menos a curto-prazo – destes dois conflitos, a persistência de factores de crise estruturantes nas sociedades africanas, passíveis de gerar espaço para a actuação de grupos terroristas, motivaram, a par com preocupações de ordem económica (relacionadas com o petróleo8), a abertura de uma nova frente da campanha americana contra o terrorismo, abrangendo um vasto território que vai desde o Corno de África até à costa atlântica, incluindo diversos países da faixa do Sahel e da África Ocidental. O reconhecimento de alguns dos erros cometidos no Afeganistão e no Iraque, bem como a falta de capacidade, recursos ou interesse dos serviços de inteligência dos países ocidentais se estenderem a estas zonas, conduziram a uma abordagem que se pretende preventiva, através da mobilização de unidades especiais para fornecer treino e equipamento a forças de segurança locais. É neste contexto que se insere, por exemplo, o programa norte-americano designado de Trans Sahara Counter-Terrorism Initiative (anteriormente Pan-Sahel Initiative), que abrangerá – a ser aprovado pelo Congresso - um apoio de mais de 100 milhões de dólares para a criação de unidades de reacção rápida e outros meios para uma melhoria do controlo das fronteiras e do território, em oito países da faixa do Sahel9. O Papel da Cooperação Europa-África na Resolução de Conflitos Quais as melhores vias para reforçar as capacidades africanas em matéria de resolução de conflitos, manutenção da paz e alerta antecipado? Qual o papel do diálogo UE-UA nesse reforço? Que estratégias a seguir no quadro do diálogo Europa-África para a mobilização e uso racional de recursos a favor da prevenção de conflitos? Qual o papel desempenhado pelas organizações sub-regionais e como estabelecer uma verdadeira coerência e complementaridade das acções destas com a actuação da UA? Quais são as principais lições a reter da intervenção internacional em conflitos africanos? O panorama de intervenção e mediação nos conflitos ainda prevalecentes em vários países e regiões de África registou, nos últimos anos, alterações importantes, com o reforço evidente das capacidades institucionais africanas ao nível continental e sub-regional. A nova arquitectura institucional, com a União Africana (UA) no topo daquilo que se pretende vir a ser um sistema integrado de segurança, tem suscitado reacções positivas não obstante o grau elevado de expectativas. Neste contexto, o Conselho de Paz e Segurança (CPS) da UA – onde nenhum dos 15 membros possui direito de veto -, pretende constituir-se como órgão aglutinador e definidor da actuação em termos de gestão e resolução de conflitos, tendo como um dos seus componentes essenciais o estabelecimento de um Sistema Continental de Alerta Antecipado (Continental Early Warning System - CEWS), o qual estará estreitamente ligado às unidades de observação e monitorização das organizações sub-regionais - como as que estão a ser estabelecidas na África Oriental no seio da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), na Comunidade de A África Subsaariana representa actualmente 15-18% das importações norteamericanas de petróleo, prevendo-se que essa percentagem suba para 25% em 2015. 9 São eles a Argélia, o Chade, o Mali, a Mauritânia, Marrocos, o Níger, a Tunísia e o Senegal. Para mais informações, ver International Crisis Group (2005): Islamist Terrorism in the Sahel: Fact or Fiction? ICG Report, Março (www.icg.org); e também Briefing: The US in Africa, Janes Defense Review, 12 Janeiro 2005 (jdw.janes.com). 8
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Estados da África Ocidental (CEDEAO) e na Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Estas unidades deverão coligir e processar os dados a nível sub-regional e transmiti-los para a sala de situação do CEWS. A metodologia, largamente inspirada no princípio da subsidariedade, assume uma importância acrescida no contexto africano, onde a falta de recursos a todos os níveis obriga à não-duplicação de esforços. Ao nível regional, o reforço de capacidades de mediação e intervenção é evidente, como ilustram os recentes processos de paz no Burundi (mediação sul-africana e missão da UA), República Democrática do Congo (mediação sul-africana), Somália e Sudão (mediação da IGAD), Libéria ou Serra Leoa (mediação e intervenção da CEDEAO). No entanto, as diversas organizações ilustram realidades e evoluções diferenciadas: enquanto os principais sucessos da IGAD se situam no campo da mediação de processos de paz, a CEDEAO tem registado avanços significativos na capacidade de intervenção militar e no controlo de armas ligeiras, enquanto a SADC aposta em iniciativas conjuntas de contenção da criminalidade. A capacidade de responder em tempo útil ao surgimento de conflitos violentos deverá vir a ser desenvolvida nas cinco sub-regiões africanas através da formação de Brigadas stand-by em cada uma delas, sob supervisão máxima da União Africana e sempre em estreita coordenação com as Nações Unidas. Se este objectivo se revela difícil de atingir no curto-prazo em regiões com organizações regionais bastante fracas e sem qualquer capacidade de intervenção militar – como a África Central, já no caso da África Ocidental o caminho parece menos longo, pretendendo-se que a CEDEAO lidere todo o processo. Neste sentido, foram recentemente criados um Fundo regional para a Paz, com o objectivo de diminuir a dependência de contribuições de contingência feitas pelos países ocidentais, bem como um centro regional de treino – o Kofi Annan International Peacekeeping Training Centre no Gana – que, em complemento com as academias militares em funcionamento na Nigéria e no Mali, assegurará a formação dos efectivos da futura força permanente da organização. Em Junho de 2004, a CEDEAO autorizou a criação de uma força deste tipo, com 6500 efectivos treinados e equipados, para destacamento rápido em qualquer país da África Ocidental, tendo a África Oriental seguido o exemplo em Setembro do mesmo ano – com a autorização para uma força stand-by de 3000 efectivos (a Eastern African Standby Brigade – EASBRIG). Estas unidades irão integrar uma força de intervenção ao nível continental – a African stand-by force -, que representa um novo paradigma para manutenção da paz em África e terá cerca de 15.000 efectivos distribuídos pelas cinco brigadas de forças militares, policiais e obervadores, podendo ser mandatada por decisão do Conselho de Paz e Segurança da UA, através de maioria de dois terços10. Apesar de ter actuado muito à semelhança das forças de paz das Nações Unidas (com cada país a controlar os seus soldados), a primeira missão de paz da UA, realizada entre Abril de 2003 e Junho de 2004 no Burundi, constituiu um exercício importante na preparação de uma força própria. A Missão da União Africana no Burundi (AMIB), constituída por cerca de 2600 efectivos militares da Etiópia, Moçambique e África do Sul, desempenhou um papel muito positivo na prossecução das tarefas para as quais estava mandatada – supervisionar o cessar-fogo, apoiar iniciativas de desmilitarização e contribuir para a estabilidade política do país -, mas debateu-se desde o início com limitações financeiras importantes que acabaram por ameaçar a continuidade da missão. O Sudão é actualmente o segundo cenário de guerra onde as forças da UA estão presentes. A actuação das Nações Unidas continua, assim, a ser essencial para os diversos processos de paz em curso nos países africanos, não só por razões práticas, mas igualmente como factor de legitimação das intervenções regionais. Nos últimos anos, as missões internacionais de paz têm10
Para mais informações, consultar “Roadmap for the Operationalization of the African Stand-by Force”, União Africana, Março de 2005.
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se desenrolado por várias vezes numa fase posterior à imposição da segurança por forças regionais com mandatos específicos de curta duração. Na verdade esta substituição não é mais do que uma absorção dos efectivos africanos no contingente das Nações Unidas – tal aconteceu já em 2004 com o contingente da CEDEAO (A ECOMIL) na Libéria, com os 1400 efectivos da CEDEAO presentes na Costa do Marfim (integrados na Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim – UNOCI) e com os cerca de 2650 efectivos militares da Missão da União Africana no Burundi (absorvidos pela Operação das Nações Unidas no Burundi – UNOB). Isto tem permitido colmatar as limitações financeiras das forças regionais, resolvendo simultaneamente o problema da lentidão na implementação das forças das Nações Unidas no terreno. A perda de importância estratégica do continente africano ao nível internacional, a existência de desaires marcantes ao nível da intervenção externa (como a Somália em 1992 ou o Ruanda em 1994) e a reorientação dos esforços militares para outros pontos do globo (como o Médio Oriente ou os Balcãs) vieram traduzir-se na relutância dos países mais desenvolvidos em correr riscos no que concerne a um envolvimento efectivo de recursos humanos em intervenções militares em África. Esta tendência está ligada ao surgimento de programas de apoio à capacitação das organizações africanas no campo da segurança e da paz, abrangendo, entre outros, a preparação de unidades para mobilização rápida, a formação de forças armadas e policiais em tarefas fundamentais para manutenção da paz, formação de formadores, treinos multinacionais e fornecimento de equipamento para essas missões. É o caso do programa RECAMP (Reinforcement de la Capacité de Maintien de la Paix), implementado pela França desde 1996, ou do programa ACOTA (African Contingency Operations Training and Assistance), desenvolvido pelos Estados Unidos a partir de 2003 em substituição da ACRI (African Crisis Response Initiative) que desde 1997 tinha já treinado cerca de 9 mil efectivos em oito países africanos. Em 2001, o Governo britânico decidiu agregar diferentes instrumentos e fundos dispersos por vários departamentos numa iniciativa multidimensional de prevenção de conflitos denominada Africa Conflict Prevention Pool, a qual abrange áreas tão diversificadas como o controlo da proliferação de armas ligeiras, a redução da exploração de recursos naturais com fins bélicos, a reforma dos sectores de segurança dos países africanos, o apoio a organismos de segurança regional e às capacidades africanas de manutenção da paz. Para além destes programas, destacam-se uma série de iniciativas bilaterais desenvolvidas por outros países em várias áreas: apoio financeiro e logístico à participação dos países africanos em missões de paz no continente (caso da Bélgica, Dinamarca, Alemanha e Holanda); o apoio financeiro directo às organizações regionais, como é o caso de Fundo de Paz da UA (Canadá, Dinamarca, Finlândia, Japão, Noruega e Suécia são os maiores contribuintes); formação de forças africanas para tarefas de manutenção da paz (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Noruega, Portugal e Suécia); apoio a exercícios de treino ao nível regional (Suécia, Canadá, Bélgica, Dinamarca e Holanda); actividades de mediação (Noruega e Portugal); ou o apoio a iniciativas da sociedade civil para a prevenção de conflitos (Suécia). A existência de iniciativas bilaterais, nem sempre coordenadas ou convergentes, tem conduzido por várias vezes ao financiamento privilegiado de algumas áreas em detrimento de outras igualmente relevantes, ou à duplicação de iniciativas, pelo que é importante salientar as actuais tentativas, ainda que insuficientes, de harmonização e coordenação de políticas. A França, o Reino Unido e os EUA iniciaram esses esforços apenas em 1997 na chamada “Iniciativa P-3”, depois alargada a outros Estados interessados. Nesse contexto, foi iniciado um diálogo com os países africanos, no sentido de promover a paz e segurança no continente através de programas integrados. Os países membros do G-8 acordaram igualmente na Cimeira realizada em Junho de 2003 apoiar o financiamento de brigadas stand-by em África, sob a direcção das organizações regionais, até 2010. Isto inclui o apoio ao treino e formação de militares, não só nas tarefas 7
básicas de uma missão de paz tradicional, mas igualmente num leque mais alargado de capacidades, desde o desarmamento e desmobilização dos combatentes até aos desafios de missões de peace enforcement, provavelmente mais usuais e necessárias no contexto africano. Ao nível multilateral, as questões relativas aos conflitos em África assumiram particular importância na política europeia para o continente a partir de década de 90. Por um lado, os programas de cooperação para o desenvolvimento e de apoio à democratização são, em si mesmos, encarados como uma forma de prevenção de conflitos e de construção da paz. Por outro lado, os esforços de inclusão da prevenção de conflitos em todas as acções externas da UE, quer ao nível comunitário quer no plano intergovernamental, tiveram nos ultimos anos expressão prática em diversos documentos oficiais e iniciativas, das quais se destacam, entre outras: - As Comunicações da Comissão Europeia relativas à Prevenção de Conflitos (1996 e 2001) e ao Diálogo UE-África (Junho de 2003). - O Programa de Prevenção de Conflitos Violentos aprovado pelo Conselho de Gutemburgo em Junho de 2001. - A inclusão de cláusulas relativas a países afectados por conflitos no Acordo de Parceria UE-ACP (Cotonou), definindo áreas de cooperação dentro da segurança e conferindo um mandato à CE e aos Estados-membros para actuarem nestes países, através da utilização das capacidade nacionais e regionais africanas, bem como da interligação entre medidas de emergência, reabilitação e desenvolvimento. - O processo de diálogo euro-africano ao nível ministerial, sendo a prevenção e resolução de conflitos uma das áreas onde se tem registado mais progressos. - A criação de vários instrumentos políticos de gestão de crises, como o Mecanismo de Reacção Rápida, para responder em tempo útil a situações de emergência, conflito eminente ou necessidades do pós-conflito (o qual já financiou a Missão da União Africana no Burundi) - A inclusão desde 2002 da prevenção de conflitos como um dos sectores de apoio do 9º Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) nos programas regionais com os países de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) No caso específico do continente africano, as questões relativas à paz e segurança são uma das prioridades do diálogo político e do apoio às organizações regionais africanas. O reforço institucional da União Africana foi consagrado pela assinatura em 2003 de um Programa de apoio às actividades de peacebuilding no seio do Conselho de Paz e Segurança (CPS), podendo incluir financiamentos para apoio logístico e financeiro às missões de observação e de manutenção da paz. Recentemente, destacam-se a adopção de um plano de acção no quadro da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) para o reforço das capacidades africanas e o apoio multilateral concedido pela União Europeia no quadro da “Africa Peace Facility”, criada em Abril de 2004 e abrangendo no total um fundo de 250 milhões de Euros gerido pela UA.. Apesar de privilegiar claramente as acções não-militares, a UE não exclui a possibilidade de utilização de meios militares para a prossecução da paz e segurança no continente africano, desde que utilizados como instrumentos de curto-prazo no contexto de uma estratégia integrada de gestão e resolução de crises. Sem qualquer interligação entre a área da resolução de conflitos e a área do desenvolvimento, tanto a Europa como a África estarão perpetuamente a gerir e não a prevenir conflitos. Assim, uma estratégia abrangente deverá sempre ter presente a necessidade de coordenação entre um vasto número de instrumentos económicos (ajuda de emergência, reconstrução e reabilitação, cooperação para o desenvolvimento) e políticos (diálogo político com os países e organizações regionais africanas, mediação, enviados especiais e outros instrumentos PESC e PESD), que permitam responder tanto às causas como aos sintomas dos
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conflitos. Não obstante a formulação teórica, o fosso com a actuação prática da UE continua a ser uma realidade inquestionável, como demonstra o conflito na província sudanesa de Darfur – exemplo mais recente de inoperância da UE ao nível político11. Governação e Democracia Que estratégias concretas devem ser prosseguidas pelos doadores, em especial pela UE, para ajudar a reforçar a cultura democrática e as práticas de boa governação nos países africanos? Qual o papel aqui desempenhado pela condicionalidade e por critérios de performance no plano político? Qual deve ser o papel do Parlamento pan-africano no quadro institucional da UA e na sua relação com os parlamentos nacionais e sub-regionais? Em que medida a sociedade civil africana, nomeadamente os media, actuam no sentido de promover a democracia? O lançamento da UA e a adopção do NEPAD vieram trazer ao diálogo Europa-África duas novas dimensões essenciais, estabelecendo um novo “nível de governação pan-africano”. No seio desta primeira instituição, dois aspectos há a destacar. Em primeiro lugar, a criação do Parlamento pan-africano em Março de 2004 e do Economic, Social And Cultural Council Of The African Union - ECOSOCC (formado por organizações da sociedade civil) em Março de 2005, reconhecendo a importância fundamental de outros actores – para além dos governos centrais – no desenvolvimento dos países africanos. Em segundo lugar, a entrada em funcionamento do mecanismo de “revisão pelos pares” (African Peer Review Mechanism - APRM), em que cada Estado se submete à avaliação dos outros relativamente a questões como o respeito pelos direitos humanos ou a transparência das políticas públicas, contribuindo assim para promover a legitimidade interna e credibilidade externa dos regimes africanos12. A União Europeia tem aqui desempenhado um papel fundamental, quer no apoio financeiro através do APRM Trust Fund e de contribuições directas para a agenda da UA nesta área – incluindo a observação eleitoral -, quer no apoio técnico e de capacitação institucional para o estabelecimento futuro de uma Unidade de Governação no seio da UA. No entanto, torna-se necessário referir que as instituições democráticas africanas como os parlamentos, os tribunais ou os corpos de polícia independentes, denotam ainda grande fragilidade e em vários casos assentam numa longa cultura institucional decorrente de regimes ditatoriais, a qual dificilmente é alterada pela simples criação de instituições ou mecanismos. Por outro lado, a mudança das lógicas de actuação e o reforço da cultura democrática são objectivos difilcilmente atingíveis por uma cooperação internacional que continua, em muitos casos, a preconizar uma interpretação restrita da condicionalidade, assente no preenchimento de “checklists” em que a realização formal de eleições surge como o fim de uma transição e não como o início de um processo. Este problema é especialmente premente em países que saem de um conflito, muitas vezes com o estabelecimento de governos de unidade nacional e de transição, os quais não são devidamente apoiados devido ao facto de não terem sido ainda sufragados (a Guiné-Bissau constitui um bom exemplo, quer em 1999, quer em 2003). Também o conceito de “boa governação”13, estando actualmente presente em todos os programas das grandes agências e países doadores e sendo considerado um elemento 11 Para mais informação, ver FERREIRA, Patrícia Magalhães (2005): O paradoxo afro-árabe: Conflitos e Intervenção no Sudão. Política Internacional, n.27, Fevereiro. 12 Este mecanismo, ao qual já aderiram 24 países, foi já essencial p.ex no caso do Togo, na medida em que teve um papel fundamental na pressão para impedir a tomada inconstitucional do poder 13 O conceito foi introduzido na cooperação interncional no final dos anos 80, no seguimento de debates sobre os resultados dos programas de ajustamento estrutural, principalmente no seio do Banco Mundial.
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fundamental da parceria entre a UE e os Estados ACP, continua a ser passível de interpretação dúbia e de indicadores de avaliação dificilmente quantificáveis. A limitação a critérios de accountability dos governos centrais (baseados exclusivamente na questão da corrupção) realiza-se em detrimento de questões de base da governação, como sejam o reforço institucional, a prossecução de reformas estruturais, a capacitação ao nível dos recursos humanos, ou a participação dos cidadãos no controlo e no exercício dessa governação. Isto favorece, em suma, lógicas de curto-prazo que tendem a promover a transparência apenas superficialmente, sem qualquer reflexo na natureza e estilo dos regimes políticos. O debate em torno da utilidade das políticas de cooperação para o desenvolvimento enquanto promotoras de boa governação nos países africanos, permanece, assim, em aberto e carece de aprofundamento. Integração Regional e Comércio De que formas pode a UE apoiar os esforços de integração regional e continental em África e qual a viabilidade desses esforços? Quais as vantagens e dificuldades dos Acordos de Parceria Económica, a celebrar entre a UE e as várias regiões africanas? Qual o papel da NEPAD na promoção do investimento internacional nos países africanos? Quais as perspectivas de reforço desse investimento nos próximos anos? As negociações dos APE até 2007, a Reforma da PAC e as rondas negociais no quadro da Organização Mundial de Comércio (OMC), são algumas das questões inevitavelmente presentes no diálogo entre a Europa e a África e que terão uma influência fundamental no futuro das relações económicas e comerciais entre os dois continentes. Ao nível comercial, a UE tem progressivamente vindo a defender que o comércio é a melhor via para reduzir as desigualdades mundiais. No entanto, muitas opiniões vão no sentido contrário. Tomemos como exemplo o novo regime comercial actualmente em negociação entre a UE e os Estados ACP, no quadro do Acordo de Cotonou. Os Acordos de Parceria Económica (APE) representam um culminar do processo de erosão do regime comercial preferencial e nãorecíproco existente durante décadas no quadro dos Acordos de Lomé, cujos resultados não foram considerados positivos, na medida em que os ACP continuaram a ter uma parcela de mercado muito reduzida na UE e economias assentes numa baixa diversificação das exportações. Para além disso, a necessidade de compatibilidade com as novas regras da OMC conduziu à procura de um novo regime comercial, que prevê o fim do regime preferencial para os não-PMA a partir de 2008, a negociação dos APE ou de outros Acordos bilaterais definidos conjuntamente, e ainda para os PMA a possibilidade de manutenção das preferências comerciais, estabelecendo um acesso melhorado ao mercado da UE – o chamado Lomé plus, ou “tout sauf les armes”. No entanto, o estabelecimento de APE tem gerado opiniões divergentes. Por um lado, são susceptíveis de criar mercados mais alargados (regionais) e atrair investimento directo estrangeiro. Por outro lado, podem englobar elementos negativos ou menos favoráveis para os países africanos, quer porque suscitam problemas de capacidade a todos os níveis (de negociação, de coordenação, de produção, de gestão, etc), quer porque prejudicam em muito o nível de receitas aduaneiras que constituem para muitos países africanos uma parte importante da economia; quer ainda porque originam uma aumento da complexidade em termos de integração regional destes países, introduzindo novos factores de diferenciação (por exemplo, os PMA e os não-PMA). Assim, um país que seja considerado PMA poderá ter um regime diferente de todos os países da sua região que possuirão, nesse caso, um APE com a UE. 10
Actualmente, a política comercial da UE conta ainda com vários factores de distorção, como sejam a imposição de taxas de importação, quotas e outras restrições a produtos essenciais nos PED. A liberalização do acesso aos mercados só terá efeitos no desenvolvimento destes países se for complementada por outras políticas comunitárias que também o favoreçam e por um conjunto mais alargado de medidas como o aumento do investimento directo nesses países, uma redução efectiva da dívida, acesso à informação e às redes mundiais, medidas de promoção do emprego e do sector privado. No entanto, o investimento directo em países africanos é ainda marginal relativamente às outras regiões do mundo, devido às condições de sustentabilidade, de estabilidade e de infraestruturas ainda inexistentes em vastas regiões do continente. A NEPAD, sendo importante do ponto de vista de defesa de uma estratégia económica integrada e de longo-prazo, permanece em muitos países africanos como algo desconhecido, que ainda não foi discutido nem apropriado pelos próprios países, e que também não conseguiu os níveis externos de compromissos financeiros inicialmente almejados. Ao nível da integração regional, é justificável questionarmo-nos sobre os limites e potencialidades dos processos de integração africanos – continental e regionais – na sua vertente económica. Com efeito, se essa integração parece evoluir de forma muito positiva ao nível político, já ao nível económico parece impossível avançar no caminho da integração em zonas de comércio livre ou uniões aduaneiras sem que exista industrialização, sem que África deixe de ser marginal em termos de investimento internacional, e numa situação em que o comércio entre países da mesma região ou continente é diminuto. A este propósito, refira-se que a existência de uma multiplicidade de organizações de integração regional – com agendas económicas nem sempre compatíveis - , que se cruzam, confundem e duplicam14, acaba por prejudicar uma possível complementaridade entre países e uma maior racionalidade na cooperação entre estes, dificultando igualmente as negociações económicas e comerciais com a União Europeia. Uma última questão prende-se com a importância efectiva da integração económica regional nas agendas de prioridades da governação em África. Na verdade, face aos complexos desafios políticos e económicos internos e perante a crescente ameaça que representa a epidemia de HIV em vastas regiões do continente, o discurso político da unidade e das prioridades regionais, compreensível quando se trata de questões de estabilidade e segurança, torna-se muito menos efectivo quando olhado de um ponto de vista das realidades económicas.
Elaborado por Patrícia Magalhães Ferreira, IEEI
14 Refira-se, a título de exemplo, que Angola faz parte simultaneamente da Southern Africa Development Community (SADC); do Common Market for Eastern and Southern Africa (COMESA) e da Comunidade de Económica de Estados da África Central (CEEAC). Esta é uma situação comum para a maioria dos países da África Subsaariana.
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