VOL TA revista de performance
VOL TA revista de performance
O corpo representa a materialidade da memória, já que ele por si só é um registro subjetivo e material da vivência e da sua ancestralidade. As performances exibidas em Volta apresentam questionamentos pessoais dos artistas, sejam eles políticos, sociais ou religiosos, nos quais o corpo mostra-se indissociável de sua carga histórica, dessa forma, mantém-se em constante retorno a questões que persistem no inconsciente. As memórias do corpo não são exclusivas do indivíduo, formam-se coletivamente durante a passagem do tempo e das gerações que perpetuaa história de um determinado grupo.OsartistasOlyvia Bynum, Anna Leite e Igor Brasa tratam não apenas dessa volta às questões do passado, referentes aos seus antecedentes vivos ou mortos, mas também de uma resposta, réplica ao tempo que se foi.
Olyvia Bynum, em Quebra-prato, assume elementosdacultura afrodescendente estabelecendo relação ritualística com o espaço por meio da quebra de máscaras criadas pela artista, tais máscaras personificam as imagens dos seus supostos antepassados. A situação de ritual ocorre também em A Herança do Silêncio, em que Anna Leite serve vinho às diversas xícaras dispostas ao longo do seu vestido, propondo uma reunião silenciosa entre as mulheres do passado e suas obsessões referentes a higiene, religião e corpo cristão. Igor Brasa expressa a pressão dos dogmas religiosos transmitidos por gerações em Em Estado Laico, na qual permanece enjaulado frente à vigilância de uma pequena imagem da Virgem Maria, supostamente inofensiva por seu tamanho, porém dotada de uma forte simbologia na sociedade brasileira.
Olyvia Bynum
ANNA LEITE IGOR BRASA
A performance surgiu de um processo e produção intuitiva e ressignificada através de conceitos atrelados, uma pesquisa plástica de acertos e erros. Primeiramente eu havia pensado em vínculos afetivos valiosos, comecei um processo de auto conhecimento e no incio me percebi frustrada e projetando meus conflitos nas pessoas em minha volta, nos meus amigos e familiares por isso a minha primeira proposta foi quebrar porcelanas chinesas, devido ao valor da mesma, quebra-las e colar os cacos formando uma espécie de totem. Não tive dinheiro para investir em porcelanas e comprei pratos de vidro comuns do 1,99$ , experienciei no Espaço di Grado, na Faculdade Belas artes de São Paulo.
Penso na evocação de elementos pertencentes ao meu imaginário feminino para a criação de uma imagem mito na performance. As imagens surgem na minha mente quase sempre fragmentadas, envolvidas por uma neblina, dispersas. Tenho que coletar essas peças, montar e desmontar, é como um jogo que tem como conclusão a criação de uma imagem simbólica. O desenho, por muitas vezes é uma forma de organização da imagem como uma estrutura performática que ocupa o espaço tridimensional. Me permito encarnar essa imagem, personificar os objetos à minha volta, trazendo suas histórias, suas ligações com as mulheres do passado. A repetição da ação e necessária para a transformação do corpo, a persistência da auto-contenção provoca a minha transfiguração interior e exterior. O tempo decorrido durante a performance deve ser prolongado, para que se estabeleça uma relação com público, uma espécie de acordo silencioso.
“Em estado Laico” a proposta era criticar os dogmas da religião em suma, na performance me colocava dentro de uma espécie de gaiola de madeira bem parecida com a do artista Nelson Lerner no trabalho: O porco empalhado -1966. Pinacoteca do Estado de São Paulo. Nesse mesmo espaço cerrado, havia comigo uma imagem de Nossa Sra. de Aparecida, símbolo máximo da devoção brasileira, não como uma critica direta a igreja católica, mas sim por se tratar da padroeira do Brasil, que é um estado que se auto intitula “Laico”, a caixa ficou completamente fechada por cadeados e as chaves que abriam essa estrutura ficaram dispostas ao lado de fora da caixa longe do meu alcance, porém próximas aos transeuntes de onde foi realizada a ação, sendo assim os mesmos tinham total liberdade para me livrarem daquela situação, o que só ocorreu 40 minutos após o inicio do trabalho.
A memória plástica de A Herança do Silêncio é de uma brutal delicadeza. A visão da grande saia redonda que a performer vestia e se espalhava pela sala, com as xícaras depositadas pelo tecido, lembra-me uma flor que ao longo da ação foi morrendo de forma lenta e silenciosa. Uma mulher/mesa posta para um chá em que você não foi convidado. Anna Leite dentro do espaço da performance se transformou em um ser capaz de capaz de modificar o fluxo do tempo. Aquela imensa saia rodada, aquela flor foi se transformando em sentido anti-horário e, de forma tão lenta a performer conduziu o trabalho que inúmeras vezes me levantei para verificar se a câmera filmadora continuava a registrando a ação e me pegava surpreso “a câmera travou?!”. Nada disso. O tempo daquele gesto era tão externo ao mundo que era imperceptível à máquina. Esse ritual tinha cheiro de vinho, era branco e estéril e não tem o contato de sua realizadora com os observadores. Criei um diálogo silencioso e unilateral com a artista, uma paixão, encantamento. Me apaixonei pelo rito e torcia pra que tudo terminasse logo, era também uma tortura. Até que a performer se levantou, todo o vinho das xícaras profanou o tecido branco, o barulho da porcelana trincando atingiu decibéis sobre-humanos, e a paixão ruiu com aquele gesto, agora de destruição. Tudo foi profanado, Anna Leite me violentou. Cadu Gonçalves
ANNA LEITE
Me lembro que, durante as férias sempre viajava para o interior de São Paulo para visitar a casa de meus avôs maternos, ou melhor, a casa da minha avó, não sei porquê disso, sempre à vi mais como sendo como dela do que dele. A viajem era muito longa (pelo menos para uma criança), por isso ficava observando as nuvens como distração, sempre tentando interpreta-las como algum animal, ou ser mágico. Ao chegar na casinha amarela, o primeiro cômodo era a cozinha, junto à sala de jantar, onde havia uma grande mesa de madeira pura, daquelas que não se acha mais, as cadeiras eram estofadas com um tecido estampado ornamental enquanto que em cima da mesa havia sempre um enorme vaso com flores secas, tudo isso coberto por uma certa de quantidade de pó, já que tal mesa nunca era utilizada. Na parede, um daqueles relógios antigos que fazem um enorme barulho, indicando o meio-dia e a meia-noite. Bom, praticamente um antiquário! Minha avó sempre gostou de guardar coisas. Uma imensidão de bibelôs, de diferentes épocas sobre a mesa de buffet, que também era uma cristaleira? E ai! Lá estava a louça de porcelana atrás do vidro, todas peças muito arrumadinhas. As xícaras ficavam na frente. Lembro de ter uns 3 modelos de jogo, um deles dispunha de uma estampa oriental, com um
lago ao lado de uma pequena árvore retorcida sobre o céu alaranjado de fim de tarde. Não recordo de ter tocado nelas, e nem de ter pedido por isso, minha mãe sempre me ensinou a não mexer nas coisas da vó. Me contentei com os copos de requeijão, e os pratos de vidro âmbar. Pensar em tocar naqueles objetos, definitivamente inviável, eram os orgulhos da casa! Algo que acho curioso é que entrei apenas uma vez no quarto da minha avó, e com muito receio. Quando criança tinha medo abrir a porta e encontrar...alguém? Quando pergunto à minha mãe sobre o que há e havia lá, nem mesmo ela sabe me dizer, pois de todas vezes que estávamos lá nunca vi à passar por aquelas portas. Bom, quem sabe uma máquina do tempo?
FOTOS: VAN GUIMARÃES
Em “A herança do silêncio”, Anna Bigão apresenta-se centralizada em uma sala com meia luz, em um vestido branco de cauda circular com aproximados 4 metros de diâmetro. Dispostas como em uma grande mesa, restam 30 xícaras brancas espalhadas sobre o branco esticado. Sentada sobre seus joelhos, a artista calmamente puxa o tecido e preenche cada xícara com o vinho tirado de uma das três garrafas dispostas ao seu lado. Apesar de toda a instalação criada, Bigão coloca-se no foco dos espectadores que entram no local. Coberta de branco em uma sala escura, ela destaca-se do seu envolto, seja apenas pelo contraste de luz e sombra ou pelo grande vestido branco, grande fardo que sustenta com tanto cuidado e meticulosidade. Cada xícara que alcança suas mãos recebe sua quantidade de vinho e é corrompida pelo vermelho. Essas permanecem próximas ao seu corpo, quebram a estética e simetria propostas no início da ação e, lentamente, começam a retirar a inocência do branco. Disposta a mercê em uma situação onde sua locomoção foi privada, a roupa branca talvez acentue sua falta de defesa e mostre, à primeira vista, uma mulher com dezenas de xícaras para servir, presa em sua condição e indiferente a ela. Porém, ao acompanharmos sua ação,
testemunhamos o quão cuidadosa e com quanta precisão essa é revertida. Durante uma hora e meia a artista repete o processo de encher uma xícara. Diferente de uma mesa, onde estaria servindo o chá para os convidados, cada item puxado permanece junto a ela, cada pedaço do que a prende é puxado para perto, é corrompido, transformado e guardado. Aos poucos a estética limpa, plana e impecável é substituída por ondas e camadas de tecido branco, por desenhos turvos e confusos ao redor da artista e por pontos vermelhos, pelo líquido que tanto nos remete ao próprio processo de amadurecimento de todas as mulheres, quando à partilha, ao vinho e, por que não, ao prazer. Embora o ato de Anna nos remeta a algo mais intimista e feminino, os olhos que a assistem podem carregar qualquer tipo de interpretação quando à gama de materiais utilizados em sua composição. Para aqueles que observam a ação completa e acompanham seu desenvolvimento, a duração e a velocidade em que tudo ocorre pode chamar a atenção. Como algo intrínseco a artista, aquele momento decorre em uma lentidão separada do mundo acelerado que a cerca. Como se fôssemos convidados para assistir algo íntimo, que não nos pertence, acompanhamos uma ação que poderia ser realizada em metade do tempo decorrido. Porém, se assim o fosse, a mensagem passada não seria a mesma e a sensação da libertação que ocorre paulatinamente não existiria. O fato da sala não possuir um tamanho muito superior ao espaço ocupado pelo vestido, faz com que aqueles que lá estão, assistam recuados na parede, com medo de interferir, de talvez ultrapassar a linha onde “seu mundo” acaba e a intimidade da artista começa.
Assim como em sua performance “Laço”, onde Anna Bigão dispõe uma jarra com café e água e uma com água limpa e, repetindo a ação de beber o primeiro líquido deixando que boa parte escorra, utiliza um pano embebido na água para limpar o chão, o tempo desacelerado em que realiza a ação é algo necessário e natural para cada performance. Podemos sair e retornar para a sala que a narrativa será a mesma, mas não apenas a resistência da artista, como sua concentração e comprometimento com o que aquilo se tornará, nos chama a atenção e nos faz querer ver “apenas um pouquinho mais”. Assim que todas as xícaras são preenchidas, com duas garrafas vazias e uma pela metade, a artista abraça o vinho restante e levanta-se. Sem cerimônia alguma ela caminha derrubando grande parte do líquido que tão cuidadosamente derramou nos recipientes. Certamente, no momento em que começa a caminhar, todo o crescendo em que a ação desenvolveu-se é revelado. Todo o cultivo, todo o trabalho necessário ocorreu para que, no final, pudesse existir uma libertação. Nenhuma xícara é deixada para trás, são parte da artista. O líquido vermelho é derramado tanto em seu vestido quanto no chão em que caminha. E as garrafas vazias, ao contrário daquela em que, carregando o líquido restante,
está presa em seus braços, são derrubadas no chão com o caminhar e deixadas lá. A artista deixa o espaço com apenas os vestígios do que ocorreu. Utilizando-se da instalação tanto durante quanto após a performance, lembranco Márcia X. em “Cair em Si”, Anna prepara todo um ambiente que será “destruído”, e substituído pelas marcas e rastros deixados pela ação. Do começo ao fim, o espaço em que a ação acontece é transformado, apresentando três situações chaves. O início, disposta em toda sua vulnerabilidade e pureza, presa em sua condição; o processo, pequenas e controladas ações que lentamente quebram toda a estética proposta; e o final, onde não apenas a libertação ocorre, mesmo que parcial, mas a consciência a atinge, seu fardo é carregado, manchando aquilo que cuidava com tanto zelo e que, querendo ou não, faz parte dela. Semelhante a essa condição, a vídeo performance “Jogo de costura” da artista, nos apresenta a mesma paleta de cores e uma relação muito próxima a anterior. Um fundo completamente branco é interceptado por quatro pares de mãos que, calmamente, costuram-se. Cada par, disposto em direções diferentes, indicando ou não pessoas, mulheres diferentes, traz uma mão espalmada, com a palma virada para a câmera, e a outra
que acompanhada de uma agulha e linha vermelha, percorre áreas diferentes da primeira e liga pontos, talvez estratégicos, talvez aleatórios com a linha. Da mesma forma como a instalação, a fina linha vermelha na imensidão branca poderia passar despercebida. É quando acontece um acúmulo delas, quando são muito entrelaçadas ou quando percorrem seus caminhos sob e sobre a pele que o olhar passa a acompanhá-la. A costura claramente superficial adquire significado não pelo ato em si, pela autoflagelação, mas por sua repetição. A exaustão em que a própria pele é submetida. Um ato que, a priori, não é danoso, doloroso ou importante, mas que ao ser reproduzido incansáveis vezes danifica e prejudica a pele. Ao contrário da libertação que a ação nos mostra, o vídeo expõe quase uma ação obsessiva. Calma e serena, uma mão passa a agulha e amarra pontos da mão. A ação é repetida e assim novamente, e o fato da exibição ser em loop apenas aumenta a
sequência criada. Talvez seja uma punição, talvez essa seja inconsciente. Apenas um hábito realizado vezes o suficiente para ser prejudicial. Ao final de cada seção, quando individualmente as mãos já estão entrelaçadas de vermelho, há, ainda que pequena, uma pequena libertação. Partes das linhas costuradas soltam-se da pele. Porém, diferente de uma libertação parcial, mas final, como a da performance ao vivo, essa é apenas a volta ao início da ação. A ilusão é criada quando a pele finalmente encontra-se livre e o espectador pode esquecer a aflição. Segundos mais tarde a ação recomeça mostrando que não há realmente um fim. Não há uma narrativa como na anterior, não é uma história contada, e sim um relato, um recorte de uma ação, de um período ou situação.
ANNA LEITE
A performance surgiu de um processo e produção intuitiva e ressignificada através de conceitos atrelados, uma pesquisa plástica de acertos e erros. Primeiramente eu havia pensado em vínculos afetivos valiosos, comecei um processo de auto conhecimento e no incio me percebi frustrada e projetando meus conflitos nas pessoas em minha volta, nos meus amigos e familiares por isso a minha primeira proposta foi quebrar porcelanas chinesas, devido ao valor da mesma, quebra-las e colar os cacos formando uma espécie de totem. Não tive dinheiro para investir em porcelanas e comprei pratos de vidro comuns do 1,99$ , experienciei no Espaço di Grado, na Faculdade Belas artes de São Paulo: http://www.youtube.com/watch?v=-b6p6fCTYgM O link do vídeo acima é o primeiro teste, em março de 2013, eu quebrava pratos e procurava juntar os cacos espalhados enquanto Luisa Oliveira ritimava a minha busca no atabaque, no momento em que eu jogava o prato no chão o som do atabaque parava e se ouvia o estilhaçar, e assim sucessivamente. Um amigo, o Rafel Massuda estava na plateia e durante a performance ele começou a exclamar : “ Segura seu Erê, Iansã!! Eparrey!!”. Após o teste, ele me explicou que a sua percepção perante a experiência o remeteu a manifestação ou dança chamada “quebra-prato” , referente ao Orixa ,Iansã. Eu já conhecia o arquétipo mas não a dança, fiquei instigada e me dediquei a uma pesquisa mais aprofundada sobre. Os Orixas são provenientes da religião do Orisa,uma das vertentes religiosas africanas correspondentes a civilização Yoruba, que são uma das matrizes africanas que compõe o Brasil. De maneira miscigenada os Orixas foram introduzidos nas culturas latino americanas através dos navios negreiros, essas divindades que representam essencialmente aos elementos e vibrações da natureza que constituem e orientam os seres humanos em diversas questões como cultura, sociedade, religião e família, ancestralidade. Envolve toda uma complexidade cultural que foi simplificada e resignificada devido aos processos de colonização, o arquétipo faz parte desta resignificação, quando os orixás são representados por características humanas. A ancestralidade é a maior tradição e herança do afro diasporico, porém ela ocorre de maneira subjetiva e inconsciente, pois o negro sofreu um processo de esquecimento, sua memória foi apagada ou silenciada . O silenciamento da memória é uma estratégia antropológica de dominação, mas voltando, em algumas civilizações africanas os Orixas foram pessoas que desempenharam um papel importante na sociedade em que viveu de tal maneira que a vivência daquela pessoa influi na história de todos, uma espécie de herói cultural que é cultuado como um espírito da natureza, Iansã representa uma das primeiras mulheres que foi para a guerra lutar com os homens. Aqui no Brasil ela é representada pela força de trabalho negra e feminina, a mulher lutando no mercado de trabalho que é ilustrada pelas baianas do acarajé, a mulher que faz comida e sai de casa para vender, em busca da sua sobrevivência e de sua família. O elemento da natureza que a representa a divindade Iansã, que também é conhecida como Oya que significa rapidez, são: os chifres de búfalo,raios, trovões, ventos, o fogo feminino e o próprio tempo, sua cor na umbanda é o vermelho. Sua manifestação nos terreiros é tão forte, intensa, perspicaz, ligeira, lasciva que foi chamada de quebra pratos, devido a rapidez e densidade dos movimentos dos braços e dos quadris. Mas todas histórias podem ser estórias, pois são transformadas a medidas em que contadas, a oralidade é uma das maneiras mais tradicionais africanas de se transmitir conhecimentos esses que são transformados a medida de acordo com as rupturas culturais .Porém a raiz
Olyvia Bynum mitológica também faz parte das matrizes africanas, os mitos tem uma natureza dinâmica ele é transformado a medida em que contado e com os processos diaspóricos faz com que as histórias , principalmente ligadas a religiosidade africana se transformem ou assuma um novo significado ou faceta sobre o divino a todo momento. Os costumes, as representações, os nomes dos Orixas e entidades são variáveis a cada nação, a cada terreiro, em cada lugar diferente da América Latina, o que eu quero dizer é que nunca foi a África, são as Áfricas ou o Continente Africano que é constituído por uma gama de diversidade cultural,que passou por um processo de diluição devido as condições coloniais exploratórias, não há purismo. Há toda uma teia, uma trama cultural composta por uma lógica diferente da ocidental eurocêntrica, inclusive o prórpio conceito de Arte não existe em nenhuma sociedade africana, a arte é uma determinação, um juízo estétido do colonizador europeu sobre qualquer utensílio ou objeto religioso, ritualístico, político, doméstico e cotidiano. Esta pesquisa teórica me levou a compositiva, desta maneira tive que reconstruir a performance, deixou de ser a performance “ Queridos Amigos” e virou “ Quebra-Prato”, devido a pesquisa teórica a proposta transcendeu de micro para macro. A primeira proposta do quebra prato foi uma saia vermelha e rodada com vários pratos de cerâmica pendurados, e conforme eu fosse movimentando o quadril os pratos iriam entrando em atrito e quebrando. Pesquisei como fazer uma saia de armação , mas era algo quase que matemático e fora do meu alcance, então decidi fazer uma saia rodada referente as vendedoras de acarajé da Bahia e foi outra saga descobrir como faz esta saia. Não descobri até hoje como faz, quando eu estava prestes a desistir fui buscar ajuda da estilista Monique De Paula, que me aconselhou a testar o tule grosso para compor um tutu gigante, pesquisei na internet e fiz a saia vermelha e todo o figurino. A ação de quebrar pratos faz parte de vários rituais antigos dentro de diferentes culturas, Africana e Grega, e ambas são mitológicas. Isso me instigou a pensar sobre a diluição e apropriação cultural, decidi criar uma performance em que eu mesma produziria cem pratos em cerâmica para quebra-los em seguida. Escolhi a cerâmica pois considero a argila uma espécie matriz devido toda aura mitológica e religiosa que este material se refere, além da diversidade de cores da argila , acredito que a materialidade da cerâmica representa grande parte da minha pesquisa. Eu estava em D. P em cerâmica, a professora Rosana Mariotto me orientou nas técnicas das cordas e das placas, e em uma bela madrugada eu estava produzindo os pratos na técnica das cordas, enquanto ouvia o cd Tambores de Minas, do Milton Nascimento.Percebi que a técnica promove um volume
no centro do objeto prato que me propôs a feitura de um nariz no meio do prato. Comecei a construir uma nariz negro, afro e junto a canção eu comecei um processo de problematização estética sobre traços étnicos, auto estima negra e a interferência eurocentrica, uma espécie de transe ou reflexão profunda. Mas enfim e assim eu comecei a produzir as máscara e outros objetos não identificados para serem quebrados. Eu pesquisei pouco sobre as mascaras, mas até onde pude compreender é um elemento religioso e sócio cultural que envolve o conceito de incorporação de alguma proposta ou expressão, mas isto é culturalmente variável dentro do Continente Africano. Uma composição de cem pratos, máscaras, pirâmides e formas abstratas de cerâmicas propostas de maneira circular sobre a redoma de concreto do Espaço di Grado, uma saia constituída por tule vermelho com palha da costa amarrada pendurando pratos de cerâmica das cores marfim e terracota no centro da redoma. Eu entrei de costas e vesti a saia, em volta do meu corpo em direção ao publico e agachei até as máscaras e as experimenta-as ,em seguida eu as quebrava. O ambiente era envolvido por um aroma de incenso de arruada e delimitado por uma Teresa, vários lenços amarrados um no outro formando uma corda gigante. A Teresa era uma técnica antiga da qual os prisioneiros elaboravam as cordas para fugir . Os cacos da performance foram recolhidos, e estou tentando fazer um terceiro produto, uma escultura de cacos, que também gera uma ação performática, pois os cacos não colam e despencam toda a vez q eu termino. A ação me remete uma espécie de luta ou afirmação . Me remeteu ao próprio conceito de afro brasileiro, a resignificaçao através da quebra de conceitos que gera a miscigenação e propõe a construção de uma nova identidade única e particular, que se baseia e refere aos semblante do passado, as quebras das expressões da memórias que é sujeita a
transformações atuais e futuras devido as intervenções aglomeradas do presente, a busca pela identidade do individuo contemporâneo que se constrói sobre os cacos e resquícios ancestrais. Estes são conceitos oiticiquianos que estudo alguns anos, a novo objetividade brasileira proposta pelo artista Helio Oiticica que estou transitando para questões etnicas,pois a nova objetividade se trata da identidade das artes visuais no Brasil,nova identidade que é o próprio hibridismo, mas o hibridismo como uma forma consciente e identidaria. Acredito que o afro diasporico passa constantemente pelo processo da nova objetividade , de maneira sucessiva e infinita por uma busca pela identidade das raízes que gritam no fundo das entranhas de cada negra e negro, no meu ponto de vista e assim percebo que toda a minha produção indenpendente da linguagem questiona o corpo, o que é este corpo negro na sociedade contemporânea ? O que é o corpo afro diasporico? Qual é o corpo do grito entranhado? O corpo como identidade ou diluição? Qual é a representação deste corpo? O que representa o corpo da mulher negra entre tantas as sociedade?Como diria o professor Natal, como lidar com o corpo sacralizado numa sociedade em que o corpo é desacralizado? O que é a liberdade do corpo? Como este corpo compõe a sociedade contemporânea? O que é o corpo étnico? A etnia é o resultante de características estéticas semelhantes entre um grupo de pessoas?O corpo e a alteridade, o corpo e a classifcação... É muito louco, pois ao invés da performance me gerar respostas ela me gerou questionamentos mais profundos. O resultado da performance não foi como eu esperava e não me agradou, quanto mais eu assisto maior é a minha necessidade de refaze-la. Mas a vida é assim...
http://vimeo.com/89680922
FOTOS: AMANDA CAPACCIOLI
QUEBRA PRATO - 2013 A artista Olyvia Bynum propõe em sua performance Quebra Prato uma pesquisa reflexiva das diluições culturais no contexto brasileiro. Seguindo a linha de pensamento do antropólogo Darcy Ribeiro, Brasil o país dos povos-novos, somos uma conjunção de matrizes étnicas imposta por interesses coloniais-escravistas. No entanto, apesar da força política e cultural que a artista traz em sua pesquisa, seu trabalho corre para um campo mais intimista e pessoal e menos global. A performance é iniciada com todo um ambiente criado pela artista, incensos no jardim compondo a margem de um círculo com pratos e máscaras de cerâmica dispostos ao redor. Olyvia Bynum entra de costas e veste um tutu de tule vermelho com pratos, inicia-se então uma performance fluida, mutante e contemplativa. De maneira ritualística observamos a artista pegar as primeiras máscaras e pratos e quebrá-los. O processo é reformulado o tempo todo, quando a artista começa mudar sua maneira de quebrar pratos, movimentar-se e até mesmo sua própria feição muda. A performance começa com uma pessoa séria que aos poucos vai adquirindo mais leveza e fluidez em suas ações, movimentos mais livres e quebra de pratos mais violentas. O som suave dos pratos amarrados à saia funde-se com o som ácido da quebra de pratos, a busca em meio aos cacos por pratos e máscaras ainda inteiros destinados à quebra, nos instiga a buscar sons cores e elementos cada vez mais discretos em uma performance marcada pelo espetáculo. Apesar do caráter destrutivo, o contato com a performance nos traz mais um
conceito de transformação que de finitude, tanto na forma como a artista vai se transformando durante a ação quanto no espaço que adquire uma plasticidade de cores distintas da cerâmica que se fundem ao redor da artista que começa perder parte de sua vestimenta. O caráter de transformação é acentuado pela escolha da artista em ficar com os cacos de cerâmica para produzir uma escultura a partir deles. Uma performance preocupada com o resultado visual que é gerado na ação, há uma relação nesta escolha com Marcia X, performer que sempre deixava como registro uma obra além da linguagem da performance. As máscaras reforçam o contexto cultural da performance. Todas as culturas possuem a existência de máscaras após o deselvolvimento da civilização humana. De ponta a ponta do planeta as máscaras são utilizadas como fenômenos artísticos e culturais. A artista segue um processo intuitivo, tanto na produção das máscaras quanto no momento da quebra, um processo que não exige rigidez plástica na produção nem na ação, reforçando a transformação visível na obra. Toda a plasticidade ambientada na performance nos traz conceitos sobrepostos, buscando sintetizar as principais referências desenvolvidas e destaca aquilo que há de mais forte na performance, um comportamento que requer a presença física frente a uma audiência. E toda a pesquisa e forma como é apresentada a performance nos abre uma porta à produção de Olyvia Bynum, uma produção conceituada em questões culturais e concretizadas visualmente no excesso de informação e elementos.
ANNA LEITE
IGOR BRASA
EM ESTADO LAICO - 2013 A performance “Em Estado Laico” de Igor Brasa, teve início às 9h00 do dia 26 de novembro de 2013. Em frente ao espaço Di Grado, unidade 2 do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, posicionou uma espécie de jaula de madeira, e na frente da mesma, a poucos metros de distância, havia um molho de chaves. Permaneceu dentro dessa jaula por volta de 20 minutos, cerrado por cadeados, trajado com roupas pretas, entoando orações incessantemente, e em suas mãos segurava a imagem de Nossa Senhora Aparecida. A ação causou estranhamento nos arredores da Universidade e levaram muitos a se questionarem sobre o que estava acontecendo. O conjunto da obra parecia ter um aviso para manter distância: as pessoas não se aproximavam e não observavam por muito tempo. A passagem das catracas até o elevador da instituição era o suficiente para que isso fosse entendido. Comentários do tipo “Que porra é essa?” ou “Deve ser do povo de artes” eram os mais ouvidos no momento da ação. Dos poucos que presenciaram. Aos exatos 21 minutos, três estudantes da Instituição, que não eram do curso de Artes Visuais, pegou o molho de chaves e o destrancou, restando então, apenas a parte física-material do trabalho, que se tornou uma instalação a ser indagada, que a meu ver, podia ser entendida como armadilha para outras pessoas. A presença da imagem de Nossa Senhora Aparecida, uma pessoa orando repetitivamente dentro de uma jaula, faz com que a leitura seja óbvia. Trata-se de uma crítica a Religião. A influência que ela tem na sociedade e no Estado nos dias de hoje, já que mitos servem como alicerce
para justificar comportamentos e as religiões usam desse mecanismo para se manter. A ideia de que a religião pode ser a salvação é muito presente na sociedade brasileira, fazendo com que se submetam e que gire um grande capital em torno disso. Segundo o próprio artista, Igreja é aquele lugar aonde você vai uma vez por semana, e te cobram 10% do seu salário como mensalidade para que você possa fazer parte do clube dos "detentores da verdade absoluta". “Se a religião oferece num além a salvação dos males deste mundo, significa que reconhece a existência real destes males, isto é, a existência de uma limitação ao pleno desenvolvimento do homem e, neste sentido, é “a expressão da miséria real”. Por outro lado, prometendo este de desenvolvimento na vida, significa que, também nesta forma, a religião não se resigna com males deste mundo e lhes dá uma solução, ainda que num mundo ultra terreno, colocado além do mundo real”.(VÁZQUEZ,PG 89) Além da conceituação de seu trabalho, tem como referência visual o trabalho de Nelson Leirner, “Porco Empalhado” de 1967, onde visualmente falando, substitui apenas o animal por si mesmo, dando a ideia que não é um ser racional. Igor Brasa vem trabalhando sob um viés político em suas criações mais recentes, como a “Bailarina”, 2013, onde bailarinas de gelo derretem tratando da discussão do tempo e o vídeo-performance “As barrigas que sentem fome”, 2013: “As barrigas que sentem fome não têm partido, odeiam da mesma forma, esquerda e direita.”
FOTOS: FERNANDA HEITZMAN
A N A LE I T E IG O R B R A S A OLY V I A BYN U M
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