VIDA NA ESTRADA: O risco de ser caminhoneiro em Alagoas

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O risco de ser caminhoneiro em Alagoas

VIDA NA ESTRADA

por Igor Gouveia


O DESAFIO DE VIVER NAS RODOVIAS

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omeça a escurecer. O corpo, após longas horas ao volante, já manifesta as dores da exaustão. A carga, perecível, precisa ser entregue antes do amanhecer. O sono chega, mas a urgência não permite pausas para um descanso. A foto da família e o terço pendurado na boleia do caminhão são as únicas companhias nos momentos em que a saudade

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aperta. A dor é grande, mas falta muita estrada até o ponto final. Ele recosta-se na cabine e lembra-se da oferta da semana anterior. A proposta inicialmente o incomodou, mas, agora, com o cansaço acumulado, até parece atrativa. “Enganar o sono e chegar mais rápido”. É com esse pensamento que José Firmino, de 43 anos, na tentativa de estimular o corpo, decide experimentar a co-

caína. “A saudade de casa aperta, mas preciso dirigir. Ainda há muita noite e chão pela frente”. A história de José Firmino é fictícia, mas qualquer semelhança com fatos reais não é mera coincidência. Essa é, por certo, a realidade de milhares de motoristas brasileiros que arriscam vidas pelo pão de todo dia. Sem alternativas,

muitas vezes, acabam fazendo uso de drogas e medicamentos, os chamados ‘rebites’, para enfrentar as duras jornadas nas estradas do País. Estradas consideradas boas, caminhões modernos e lei de descanso do motorista. O cenário parece perfeito para uma condução segura e sem acidentes, mas ao contrário do que deveria ser, o número de sinistros envolvendo caminhões continua em ritmo crescente no Brasil. Como justificar um veículo tombado em uma rodovia em perfeito estado de conservação, e com toda assistência oferecida pelas concessionárias de rodovia? A resposta é imediata: falha humana,

a principal responsável pela grande maioria dos acidentes envolvendo caminhões. De acordo com dados da Policia Rodoviária Federal, em 2014 foram computados 168.593 acidentes. Desse total, 31.692, respectivamente, tiveram o envolvimento de caminhão. Colisão lateral, traseira, saída de pista, tombamento e colisão transversal são os registros mais comuns quando se trata de veículo pesado. As principais causas presumíveis registradas pela PRF são a falta de atenção, responsável por 32,28% dos acidentes, veloci-

dade incompatível, com 20,90%, e ultrapassagem indevida, representando 12,33% do total. O fato é que ao transportarem 70% de toda a carga do país, os caminhões deixam um rastro sangrento. Além do mais, são pouco econômicos. A razão de entupirem nossas estradas está em decisões de governo, tomadas há algumas décadas. Enquanto nações mais desenvolvidas priorizaram outros meios de transporte por um motivo eloquente — entre todos, o

rodoviário é o mais caro —, a opção pela rodovia firmou-se por aqui. Isso começou a acontecer com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Na década de 40, o Brasil ainda contava com 38 000 quilômetros de ferrovias. Na boleia, vão motoristas que, em sua maioria, trabalham mais de dez horas por dia, sem folga semanal. Para aguentar, 33% levam uma t e - levisão na cabine — ou seja, dividem a atenção entre a TV, as curvas e as ultrapassagens. Pilotam naves em condições precárias, quase todas com freios e faróis desregulados, folga no volante e

problemas na suspensão. A concordância com as estatísticas apontadas pela Polícia Rodoviária Federal não é a toa. Afinal, os caminhoneiros reforçam que, embora a Lei do Motorista cite em seu texto descanso de meia hora a cada cinco horas ao volante, mais nove horas de descanso após oito horas de trabalho, o cansaço e a falta de investimento na profissão estão entre as principais causas dos acidentes. Segundo os carreteiros, por não existir fiscalização nas estradas, muitas empresas continuam exigindo horários apertados nas entregas, resultando em estresse e pressa de chegar ao destino. I.G.

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EXCESSO DE JORNADA PÕE VIDAS EM RISCO

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e acordo com os motoristas, as drogas realmente se tornaram um grande inimigo na estrada. Cocaína, maconha e até mesmo o craque passaram a fazer parte do dia a dia como uma alternativa para se manter mais tempo acordado. “Os motoristas, principalmente os mais jovens, usam todo tipo de droga. Eles consomem qualquer material e pegam na direção, com maior frequência à noite, para aguentar mais. A verdade é que muitos nem se preocupam com os efeitos, como a perda de reflexo”, explica presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviário de Carga de Alagoas (ST-

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TRC/AL), João Sampaio. De acordo com o órgão, o estresse o qual acomete muitos motoristas e a falta da manutenção da saúde do condutor são alguns dos principais fatores para a grande quantidade de acidentes. “Hoje em dia ninguém mais tem paciência quando está no volante. Percebe-se que a obrigação de cumprir os horários de entrega estipulados pelos patrões faz com que o motorista exceda o tempo de direção e descuide da própria saúde”, lamenta o vice-presidente da entidade Carlos Roberto. Um levantamento, feito pela Polícia Rodoviária Federal, revelou que, em Alagoas, os caminhões estiveram envolvidos em 60% de todas

as mortes ocorridas nas rodovias estaduais, nos últimos cinco anos. Em meio à falta de dados seguros a respeito do envolvimento desses bólidos pesados nas trombadas fatais, o superintendente da Polícia Rodoviária Federal no estado, Osmar Gabriel Haj, explica que levantar com rigor a responsabilidade dos veículos de transporte no front rodoviário é uma tarefa tão difícil quanto viajar por ele. “Em 60 a 70% dos acidentes registrados, há alguma responsabilidade dos caminhoneiros estarem sob o efeito de alguma droga. São razões históricas, mecânicas e até humanas. No asfalto, a junção de drogas e caminhão mata”, relata. O motorista empre-

gado Silviomar de Araújo, natural da cidade de Viçosa, 50 anos de idade e 32 de profissão, comenta que viaja por todas as regiõ es

do Brasil e vê que, cada vez mais, as estradas estão tomadas por pessoas que vendem drogas

para os caminhoneiros. “É muito fácil encontrar cocaína, por exemplo. É muito comum

ver pessoas vendendo essa droga nos postos de gasolina de todo o estado. Não há fiscalização”, relata o motorista que já perdeu vários amigos de boleia para as drogas. “Conheço pelo menos uns cinco colegas que enterraram seus filhos motoristas por conta de consumo de droga. A facilidade de encontra-las contribui para o excesso de consumo e o comprometimento da nossa segurança”, lamenta. Ainda de acordo com o STTRC, atualmente, as drogas são encontradas em vários pontos de Alagoas, e, por isso, viram uma opção fácil, barata e comum para os condutores. “Já perdi as contas de quantas vezes vi motorista dormindo com os olhos abertos. Isso, obviamente, além de ser um perigo, é causado por drogas. O mais interessante é que a fiscalização é qua-

se inexistente”, critica o caminhoneiro Paulo Ricardo, há 33 anos nas estradas, que aproveita para alertar os colegas sobre a importância de descansar e dirigir de maneira consciente. “O caminhão não é um carro de corrida e a estrada é um lugar que exige concentração e responsabilidade. Sempre existirá alguém te esperando, portanto não faça loucuras, não use drogas, respeite as leis e descanse sempre que sentir necessidade”, aconselha. Imprudência, falta de atenção, cansaço e consumo de drogas são as justificativas dadas pelo carreteiro maceioense Luiz Fernando Rodrigues, de 31 anos, para a ocorrência de tantos acidentes mesmo em rodovias consideradas boas e seguras. “Muitos motoristas não têm consciência do quanto é perigoso dirigir tanto tempo sem descansar e acabam colocando a vida de todos que estão na estrada em risco. Eu mesmo não cometo uma loucura dessas”. I.G.

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LEI 12.619 AINDA NÃO É CUMPRIDA

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xiste uma guerra no asfalto. Às vezes, o maior sai amassado, mas quem perde é sempre o menor. Perde e morre. Todo mundo sabe disso. São tragédias que acontecem diariamente nas rodovias brasileiras, mas que, com medidas simples podem ser evitadas. São razões históricas, mecânicas e até humanas e que levam, diariamente, centenas de motoristas para um caminho sem volta. Apesar de completar três anos de exis-

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tência, a mais recente lei sobre o exercício da profissão de motorista no Brasil, que regulamentou a jornada de trabalho e o tempo de direção desses profissionais, ainda não é respeitada por completo. Mesmo assegurando ao motorista um intervalo mínimo para descanso a cada quatro horas ininterruptas de direção, além de repouso de 11 horas a cada 24 horas trabalhadas, a lei 12.619 não funciona nas vias do País. Em Alagoas, a situação é caótica. Sindicatos e federações que representam motoristas pro-

fissionais alegam que a falta dos pontos de parada ao longo das rodovias dificulta o cumprimento da lei. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Carga de Alagoas (STTRC/AL), João Sampaio, os motoristas

alagoanos de caminhão, durante o exercício da profissão, não são benquistos em nenhum lugar para parar e cumprir o descanso previsto em lei. “O motorista é um expurgo que não é aceito em nenhum lugar. No posto de combustível só pode parar se for consumir e às vezes o caminhoneiro não tem dinheiro; nem no posto de polícia, nem na beira da estrada ele pode parar agora. Em outros estados já existem pontos de parada do jeito que a lei manda e aqui em Alagoas

tem que ter também”, afirmou. A situação relatada pelo sindicalista é consenso entre os demais representantes de caminhoneiros, sindicatos, federações e até do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT). “As BRs alagoanas, infelizmente, ainda estão entre as principais vias que causam acidentes envolvendo caminhões no país. O trabalho que o MPF, juntamente com o MPT, pretende fazer é para que a lei seja cumprida no que diz respeito à construção dos pontos de parada o mais breve possível. P a r a

isso, estamos envolvendo todas as instituições relacionadas ao assunto e vamos trazer a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) para que a situação seja resolvida”, explica o Procurador da República, Rodrigo Antônio Correia. O tráfego nas principais rodovias, em Alagoas, é de 10 a 11 mil veículos por dia, sendo que 80% deles são usados para transporte de cargas, de acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal. “O descumprimento da legislação traz insegurança ao meio ambiente de trabalho dos motoristas, que é a estrada. Eles não estão descansados, não estão apt o s fisicamen-

te e acabam exercendo suas funções colocando em risco a própria vida e os dos demais condutores que estão na rodovia, bem como o patrimônio das empresas. É preciso entender que eles ficam expostos a estresse constante, altos níveis de ruído, desconforto térmico e, ainda, a extensas jornadas de trabalho. Não é de se espantar os altos índices de acidentes provocados por fadiga ou uso de drogas entre esses trabalhadores para suportar a excessiva jornada de trabalho imposta”, explica a Procuradora do Trabalho em Alagoas, Eme Carla Carvalho. Fiscalizações realizadas em parceria entre o MPT-AL e a Polícia Ro-

doviária Federal (PRF) mostram que, mesmo com a legislação em vigor, os motoristas burlam os mecanismos de controle. Em cerca de metade das abordagens o tacógrafo, que monitora o tempo de uso, a distância percorrida e a velocidade do veículo, estava irregular. “É um desafio para o MPT atuar nesses casos. Muitas vezes os motoristas preferem avariar o tacógrafo, e pagar a multa correspondente a essa infração de trânsito, do que arcar com a lei trabalhista. Estamos do lado deles, mas é necessário entender que algumas regras devem ser seguidas e é, por isso, que o MPT trabalha”, completa o procurador Rodrigo Antônio Correia. I.G.

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QUANDO SEGURANÇA É A MELHOR OPÇÃO

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e por um lado fatores como a inexperiência, cansaço e drogas parecem comprometer a segurança na estrada, por outro já existem empresas desenvolvendo ações para conscientizar seus motoristas a dirigirem com segurança. Uma delas é a JSL, que realiza uma série de ações para orientar seus motoristas em relação à segurança no trânsito. Todos os colaboradores da empresa recebem treinamentos frequentes, os quais incluem aulas de código de trânsito, direção defensiva e orientações sobre os danos provocados pelo uso de álcool e drogas. Para o presidente da

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empresa, Márcio Rosman, a maior parte dos acidentes ainda é causada por falha humana, como excesso de velocidade, uso de álcool e falta de atenção. “O motorista está sujeito a jornadas extensas e ao trânsito excessivo, o que causa estresse e afeta seu desempenho. Por isso, acreditamos na capacitação do motorista para diminuir índices negativos. Apenas em 2013, R$ 1,6 milhões foram investidos nesses profissionais”, explica. De acordo com o empresário, entre as medidas consideradas importantes para alterar o modo como

os caminhoneiros vivem atualmente, estão o investimento no fator humano, melhorias das rodovias e mudanças de comportamento pela educação. “No Brasil, a maioria dos motoristas se forma no volante, sem acompanhamento educacional com base escolar. Esse profissional tem uma responsabilidade muito grande em suas mãos. Cabe então a empresas investir no profissional, seja por meio de programas internos ou de parcerias. É

possível ainda que as operadoras logísticas realizem gestão à distância, o que é facilmente realizado com as diversas tecnologias disponíveis no mercado”, salienta. O despreparo dos motoristas para atender a legislação de trânsito, excesso de confiança, falta de manutenção dos veículos, jornadas excessivas de

trabalho e uso de álcool e drogas são os principais motivos dos acidentes envolvendo caminhão, segundo opinião da técnica em segurança do trabalho, Tamires Brito. Segundo ela, realizar treinamento periodicamente com todos os motoristas sobre prevenção de aciden-

tes de trânsito é importante para evitar posteriores problemas. “Sabemos que um bom treinamento sobre direção segura, transpor-

te com produtos perigosos e cumprimento da jornada de trabalho é de grande

ajuda para minimizar esse problema”, afirma. I.G. 9


´ DO SAÚDE: ATRÁS TEMPO PERDIDO

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trabalho no setor dos transportes rodoviários exige um elevado nível de aptidões e competências profissionais. Os motoristas de veículos de transporte rodoviário de longo curso têm de ser competentes enquanto profissional. Além de estarem aptos a efetuar cargas e descargas, resolver pro10

blemas técnicos, executar algumas tarefas básicas de gestão, eles precisam entregar a mercadoria a tempo, sejam quais forem as condições meteorológicas e o estado das estradas. Podem transportar substâncias perigosas ou mercadorias frágeis, que requerem cuidados especiais e acarretam um acréscimo de responsabilidade. Nesse setor, como em qualquer outro, é muito importante

prestar atenção às condições de trabalho, para garantir que haja mão-de-obra qualificada e saudável para exercer a profissão. De acordo com um relatório realizado pelo Observatório Europeu dos Riscos (da EU-OSHA), que abrange todo o setor dos transportes, são destacados, relativamente ao dia a dia dos caminhoneiros grandes perigos, riscos e problemas no domínio da Segurança e Saúde do Trabalho.

Entre os principais perigos e riscos físicos, contam-se os seguintes: a exposição a vibrações e a longa permanência na posição de sentado (concepção do assento, da cabina e de outros equipamentos); a movimentação manual de cargas; a exposição ao ruído – nas operações de carga e descarga, e durante a condução de caminhões (motores, pneus, ventilador, etc.); inalação de gases e vapores, e manipulação de substâncias perigosas (gases de escape, produtos químicos trans-

portados, combustível, exposição ao pó da estrada nas operações de carga e descarga e nas pausas para descanso e para lavagem e preparação do veículo); condições climáticas (calor, frio, seca, chuva, etc.); pouca margem para a adopção de condições de trabalho ergonómicas e estilos de vida saudáveis. Outro risco grande para o caminhoneiro é a fadiga que, de acordo com estudo, é considerado o problema de saúde mais comumente referido nos transportes terrestres. Conforme a procuradora do Trabalho em Alagoas, Eme Carla Carvalho, o trabalho é cada vez mais intenso, e os motoristas sofrem pressões cada vez maiores. “A pressão também vem por parte dos clientes, que querem que as entregas sejam mais rápidas e mais baratas, a que se somam problemas como os da gestão baseada na satisfação imediata das encomendas, do aumento do tráfego e da monitorização remota, bem como os dos horários irregulares e dos longos períodos de

trabalho de muitos destes trabalhadores. É realmente muito preocupante”, explica. Além dos desafios sofridos todos os dias, os casos de violência e assédio estão aumentando, cada vez mais, nesse setor. É frequente os trabalhadores do setor dos transportes terem de agir como intermediários involuntários em matéria de mudanças organizativas que afetam o serviço prestado aos clientes. Faltam, também, procedimentos de comunica-

ção, medidas de prevenção e hábitos de acompanhamento. Foi em um ato de violência que Antônio Pereira dos Santos Filho, 38, foi assaltado durante o serviço. Motorista de caminhão há dois anos, Antônio revela que, em dois anos de serviço, sofreu sete roubos nas rodovias de Alagoas. As ações dos assaltantes, ele conta, são “relâmpago”. Em uma das ocorrências, ao cruzar o interior alagoano, um grupo interceptou o seu

veículo e levou toda a sua carga. “Um homem subiu, botou a arma em minha cabeça e disse que era um assalto”, relata. Cerca de 30 mil reais estavam distribuídos entre a carga que Antônio transportava. “Ele levou tudo e disse que eu seguisse. Fiquei desolado, mas já viu rotina esse tipo de coisa. É por essas e outras que nem paro mais a noite”, relata o motorista. I.G. 11


CAMINHONEIRAS TAMBÉM SOFREM

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as estradas brasileiras, elas demonstram sua capacidade e profissionalismo e trabalham de igual para igual com os homens. Mas além do reconhecimento que vem conquistando ao longo dos anos, as mulheres caminhoneiras precisam cuidar muito bem de sua saúde, visto que a vida estressante na boleia pode desencadear uma série de doenças graves. Até bem pouco tempo, ser caminhoneiro era uma ocupação predomi-

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nantemente masculina. Ou seja, somente homens tinham a coragem de abraçar uma profissão que exige dedicação, desapego – afinal, são dias e até meses fora de casa e longe da família –, muita paciência e paixão. Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, hoje no Brasil são mais de 1,2 milhão de caminhoneiros, responsáveis por transportar quase 60% das riquezas do País. Trata-se de uma ocupação perigosa, que mata mais de oito mil

por ano e deixa 100 mil feridos, seja em assaltos ou acidentes. Apesar dessa realidade, nos últimos anos, tem-se notado um aumento no número de mulheres no setor. Se a vida na boleia não é fácil para os homens, imagine então para o sexo feminino. Além do preconceito, que ainda existe no segmento, algumas já relataram estupros, também são vistas como prostitutas e têm sua capacidade de trabalho, muitas vezes, questionada pelos próprios colegas de trabalho.

Mesmo assim, continuam firmes em sua vocação, mostrando seu valor e realizando seu trabalho com profissionalismo e responsabilidade. Para enfrentar as jornadas exaustivas de trabalho, a mulher caminhoneira precisa cuidar muito bem de sua saúde. Afinal, o sexo feminino possui características fisiológicas que exigem atenção para evitar problemas mais sérios. Aliás, no que se refere à saúde, tanto homens quanto as mulheres que rodam pelas estradas do País não se cuidam muito bem. No ano passado, uma pesquisa realizada pela Concessionária de Rodovias Arteris, que ouviu 3.405 trabalhadores em transporte durante 18 meses, mostrou que 35,97% dos en-

trevistados são obesos; 40,53% estão com sobrepeso; 15% têm hipertensão; 28% colesterol alto; e 39% glicemia alta. Além disso, 13% afirmaram usar anfetamina; 24% sofreram algum acidente e 30% disseram não possuir plano de saúde. As justificativas pela

falta de atenção à saúde são sempre as mesmas: rotinas estressantes de trabalho, má alimentação, falta de sono, entre outras. Maria Fátima Souza, caminhoneira autônoma há oito anos, atribuiu à falta de tempo o fato de ficar quase dois anos sem passar por uma con-

sulta médica. “O tempo é sempre muito corrido. E com essa crise pela qual o setor está passando, é preciso se esforçar e trabalhar muito mais. Com isso, vamos deixando a saúde de lado”, justifica. Já para a motorista Socorro Silva, caminhoneira há seis anos, a visi-

ta ao médico é algo que já não faz mais parte de sua rotina. “Infelizmente, o tempo, a correria e os contratempos são fatores que adiam a visita ao médico. E o pior é que quando nos damos conta já estamos desenvolvendo algum problema de saúde”, desabafa. I.G.

SAÚDE NAS ESTRADAS

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RISCO DE INFARTO CRESCE EM VIAS

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or out r o lado, existem tamb é m

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as caminhoneiras que mesmo com as jornadas estressantes não se descuidam de seu bem mais

precioso. A arapiraquense Maria do Carmo, há seis anos na boleia, diz que costuma fazer exames periódicos anualmente. Mesmo sem plano de saúde, ela recorre ao sistema público de saúde. “Nem sempre consigo fazer to-

dos os exames preventivos necessários, pois o agendamento na rede pública é demorado. Em outras vezes, quando tenho trabalho em outras cidades, acabo não conseguindo comparecer. Mas não me descuido”, conta ela, que há dois anos fez tratamento para reduzir as taxas de gordura do corpo. “A vida na estrada é difícil. Mas temos de aprender a nos alimentar melhor. A boa alimentação é tudo para a saúde do caminhoneiro”, alerta Maria.

E o problema é que obesidade, colesterol alto e hipertensão são fatores de riscos para doenças mais graves, como as cardíacas. Para se ter ideia, estudos médicos apontam que, no Brasil, uma em cada cinco mulheres tem risco de sofrer um infarto. As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte entre as mulheres, de acordo com o Ministério da Saúde. Aproximadamente 20 mil óbitos são decorrentes de

problemas cardiovasculares. Segundo a Organização Mundial de Saúde – as doenças cardiovasculares são responsáveis por 1/3 de todas as mortes de mulheres no mundo, o equivalente a cerca de 8,5 milhões de óbitos por ano, mais de 23 mil por dia. Estimativas também apontam que a probabilidade da mulher morrer de infarto é 50% maior quando comparada aos homens. Segundo o Dr. Paulo Amorim, cirurgião cardí-

aco da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, isso acontece por uma série de fatores. Um das explicações refere-se ao menor calibre das artérias das mulheres: as placas ateromatosas tendem a fechar mais as artérias delas do que dos homens, o que faz com que a obstrução seja mais grave, tornando-as mais propicias a oclusões arteriais. “O estrógeno tem função vasodilata-

dora, evita o acúmulo do LDL, o colesterol ruim, e facilita o HDL, colesterol bom. Mas, na menopausa, período em que as mulheres estão mais velhas e mais propensas a males cardiovasculares, o estrógeno apresenta queda progressiva e diminuição desse efeito protetor”, explica o médico. I.G.

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OBESIDADE TAMBÉM PREOCUPA CLASSE

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que preocupa os médicos é que, diferentemente dos homens, as mulheres nem sempre percebem os sinais de que algo está errado. Um dos principais sinais de alerta está no colesterol. Conforme os nutricionistas, o bom colesterol, HDL, deve estar acima de 50 mg/dl. O mau, LDL, abaixo de 100 mg/dl e a pressão arterial não deve passar de 12 por 8. “As mulheres se queixam mais de dores nas costas, cansaço, queimação no estômago e náusea. Esses sinais, nem sempre reconhecidos e relacionados ao coração,

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levam as mulheres a associar o mal-estar a problemas gastrointestinais ou ortopédicos, o que faz com que demorem para procurar socorro médico. É algo pre o c up a nt e , pois sabemos que os indivíduos enfartados sem atendimento morrem mais”, esclarece o doutor Paulo Amorim. Ainda de acordo com o cirurgião, o aumento da incidência de eventos cardiovasculares na mulher é consequência também do estilo de vida. “Somado a isso, outros sinais negligenciados pelas mulheres as transformam em vítimas

potenciais, como o crescimento da obesidade, o descontrole do diabetes e dos níveis do colesterol, tabagismo, sedenta-

rismo, o estresse do dia a dia e a pressão arterial elevada. A jornada exaustiva da mulher moderna aumentou: o estresse e a ansiedade são fatores que também as deixam mais suscetíveis aos problemas cardíacos”, salienta.

A obesidade é um dos fatores de risco mais preocupantes, já que o número de mulheres obesas no Brasil cresceu 64% em dez anos. Quando a mulher fuma e usa pílula anticoncepcional, os riscos cardiovasculares são triplicados. SEGURANÇA Na tentativa de combater futuros problemas

ligados a saúde dos caminhoneiros, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o Serviço Social do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de

Aprendizagem do Transporte (Senat) estão desenvolvendo um projeto nas rodovias do Estado. Intitulado como ‘Comando de Saúde nas Rodovias’ (CSRs), a ação visa alertar os caminhoneiros sobre hábitos saudáveis. Segundo informações da assessoria de comunicação da PRF, a iniciativa está sendo realizada simultaneamente em todo o país. “Estamos parando os caminhoneiros para oferecer exames

pressão arterial, glicemia, medição de peso, altura e circunferência abdominal. Além disso, também estão sendo feitos testes de acuidades visual e auditiva e de força motora, gratuitamente”, explica o agente da PRF/AL, Paulo Pinto. Ainda de acordo com a entidade, os participantes também estão sendo convidados a responder a um questionário que aborda temas como qualidade do sono, jornada de trabalho e consumo de álcool e outras drogas, utilizados para diminuir o

sono dos motoristas que precisam cumprir metas e jornadas exaustivas. Para o carreteiro Mário Cezar, a ação é importante para que os profissionais se previnam e tomem conta da saúde. “Essa atitude contribui para uma viagem tranquila e reduz bastante o risco de acidente, pois os motoristas dirigem descansados e focados. podem achar bobeira, mas para mim os treinamentos que participei foram muito úteis. Mudei o meu jeito de pensar e agir. A vida é muito mais que entregar na hora certa. Temos que

nos cuidar”, aconselha. De acordo com dados da PRF, houve diminuição de 25% na taxa de acidentes com caminhões nas BRs que passam por Alagoas. Em 2014, foram realizados três CSRs e mais de 400 caminhoneiros participaram das ações. “Sabemos que sem os caminhoneiros o país fica totalmente parado. E é justamente por este motivo que devemos conscientizá-los sobre a importância da vida. Ter boa saúde para enfrentar a rotina é extramente fundamental para não colocar vidas em risco”, finaliza o agente da PRF. I.G.

para a aferição da

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