TFG - Aquitetura e Urbanismo - UNIFOR

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

IGOR MOTA DIAS

REESTABELECENDO CONEXÕES A CIDADE, A PRAIA E O POÇO

Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista.

sob orientação do

PROF. EMANUEL CAVALCANTI Fortaleza, 2016


Ficha catalográfica da obra elaborada pelo autor através do programa de geração automática da Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza

Dias, Igor. Restabelecendo conexões: A cidade, a praia e o poço. / Igor Dias. - 2016 123 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade de Fortaleza. Curso de Arquitetura e Urbanismo, Fortaleza, 2016. Orientação: Emanuel Cavalcanti. 1. urbanismo. 2. poço da draga. I. Cavalcanti, Emanuel . II. Título.


IGOR MOTA DIAS

BANCA EXAMINADORA



AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo amor, incentivo е apoio incondicional. Agradeço а minha Mãе Marjorie Mota, por ser o exemplo de profissional que procuro me espelhar e um ser humano único. Ao mеυ Pai Rui Dias, que indiscutivelmente foi a pessoa que mais preocupou-se com todos os percursos até chegar a este produto final. Obrigada ao Cristiano Prado, que por meio de todo esse difícil caminho esteve ao meu lado sempre me incentivando a continuar. Obrigada a minha família sempre atenciosa por meio de mensagens, abraços e palavras de apoio A amiga Victória Muniz, que passou algumas noites mal dormidas por minha culpa. Meus agradecimentos аоs amigos Raissa Jereissati e Igor Ricarte, companheiros dе trabalhos е amigos qυе fizeram parte dа minha formação. Aos amigos da vida, vocês sabem quem, obrigado por estarem presentes, literalmente, em todos os momentos. Ao professor Emanuel Cavalcanti, que me orientou sabiamente durante todo esse processo.


SUMÁRIO

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CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS OCUPAÇÕES IRREGULARES E POLÍTICAS URBANAS NO BRASIL

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CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CIDADE DE FORTALEZA E SEU CRESCIMENTO DESORDENADO

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CAPÍTULO 3 O POÇO DA DRAGA E SUA RELAÇÃO DE EXCLUSÃO COM SEU ENTORNO


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CAPÍTULO 4 REFERÊNCIAS PROJETUAIS

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CAPÍTULO 5 PROJETO

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CONSIDERAÇÕES FINAIS BIBLIOGRAFIA


INTRODUÇÃO Fortaleza, em estudo divulgado no ano de 2013 pelo IBGE, possui hoje a segunda maior população em favelas do Nordeste, equivalendo a quase 396 mil habitantes, chegando a 11 por cento da população total. No atual contexto urbano e social da cidade, a comunidade do Poço da Draga por possuir localização considerada “nobre”, sofre constantes ameaças de remoção pelo poder público e pela iniciativa privada. Definida como ZEIS l pelo Plano Diretor Participativo de 2009, a comunidade luta pela regularização de sua terra, podendo assim, garantir sua permanência. Situada em espaço litorâneo, próximo a área central, é atingida com recorrentes especulações geradas por obras de melhorias no entorno da mesma. A reforma da ponte dos ingleses em 1994, a construção do Centro Dragão do Mar em 1998 e mais recentemente a construção do Acquario do Ceará, são exemplos de iniciativas do Governo do Estado do Ceará que contribuem para essa valorização da área, acarretando um possível processo de gentrificação, ameaçando as moradias populares e expulsando os moradores do Poço da Draga. De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2013, Fortaleza possui o segundo maior déficit habitacional do país. Por fatores como domicílios precários e coabitação, o Poço da Draga também enfrenta esse problema. Tantos agentes públicos, como privados durante anos tentam remover a população residente, porém mesmo com constante ameaça, a comunidade se une e resiste. Esse histórico de luta pela terra, atrai o interesse para o local. O desenvolvimento da pesquisa em conjunto com o diagnóstico, resultando em um projeto para a comunidade servirá de apoio, para que esta continue a resistir, e assim garantir a criação da ZEIS do Poço da Draga, facilitando a regularização da moradia popular.


OBJETIVOS GERAL »» Propor um projeto urbano para a comunidade do Poço da Draga, contemplando projeto de habitação de interesse social condizente com a os resultados obtidos no diagnóstico.

ESPECÍFICOS »» Realizar diagnóstico e descobrir a real necessidade de uma proposta de Habitação de interesse Social; »» Compreender a relação comunidade x bairro, apresentando possíveis problemas e potencialidades provenientes dessa interação; »» Propor plano de intervenções para a comunidade e entorno imediato.

PROCEDIMENTO DE PESQUISA Esta pesquisa será desenvolvida através de levantamento de dados sobre a área em órgãos oficiais, em produções acadêmicas e publicações sobre a temática de aglomerados subnormais e déficit habitacional no Brasil. Visitas ao local serão realizadas para que se possa compreender a necessidade e anseios dos moradores, e principalmente, averiguar a real estrutura urbana e social da comunidade.


CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS OCUPAÇÕES IRREGULARES E POLÍTICAS URBANAS NO BRASIL

Fonte: Sebastião Assis Pereira

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O Brasil do século XIX pode ser descrito como um país monárquico e agrícola, mas já com viés progressista e urbano. Com a abertura dos portos, a proclamação da república e no fim deste século, a abolição da escravatura, o país passa por um processo de modernização em vários âmbitos, tais como: políticos, econômicos, e sociais, consequentemente, a população do país teve que adaptarse a esse novo tempo. Com a crescente industrialização, a chegada de imigrantes e a mão de obra que passara a ser assalariada, a população rural começa a migrar para as cidades em busca de inserisse nesse novo contexto, de acordo com Rolnik (1981), é nesse período de 1886 a 1900 que “São Paulo explode”, desencadeando-se a sua primeira crise habitacional. No começo do século XX as grandes cidades do país passavam por um processo de embelezamento se espelhando principalmente em moldes europeus, vide o caso de Paris liderada pelo seu então prefeito Haussmann. Buscando principalmente objetivos estéticos, os governantes das cidades tinham por objetivo principal atrair o capital exterior para o país, porém essa dita modernização ia de contraponto as moradias precárias e insalubres dos mais pobres que habitavam o centro das cidades (FIG 1), no caso do Rio de Janeiro a reforma Pereira Passos foi um exemplo dessa política excludente. A elite dominante via os cortiços como um empecilho para a desejada “ordem urbana”, e os terrenos destes para fins imobiliários e industriais. Justificada por uma “preocupação” sanitária, já que surto de febre amarela e malária eram comuns nas grandes cidades da época, casarões começam a ser demolidos no centro da cidade do Rio de Janeiro (FIG 2), sem qualquer consentimento, ou, pagamento de indenizações as pessoas lesadas, obrigando estes, sem moradias, a encontrem novos locais para suas habitações. Beckheuser descreve em sua visão um cortiço em 1906: E assim reunida, aglomerada, essa gente, trabalhadores, lavadeiras, costureiras de baixa freguesia, mulheres de vida reles, entopem ‘as casas de cômodos’, velhos casarões de muitos andares, divididos e subdivididos por um sem número de tapumes de madeira, até nos vãos de telhados, entre a cobertura carcomida e o ferro 13


carunchoso. Às vezes, nem as divisões de madeira; nada mais que sacos de aniagem estendidos verticalmente em septo, permitindo quase a vida em comum, em uma promiscuidade de horrorizar. (BECKHEUSER, 1906, p. 3) Estes segregados do processo de aformoseamento da cidade, junto aos soldados recém retornados da guerra de Canudos, começam a construir barracos de madeiras em morros e terrenos subutilizados nos arredores do centro da cidade, surgindo assim as primeiras favelas. Em 1930 com o início do período Getúlista (1930 - 1945), ocorre o primeiro grande “surto” de imigração para as cidades, afetada pela crise mundial, a produção agrícola do país começa a ruir. A população urbana que em 1930 representava 11,3% do total, em 1940 passa a representar 31,2% do todo (GRÁFICO 1). A questão do déficit habitacional passa a ser enfrentado de maneira diferente. Já era sabido pelos responsáveis da época que a iniciativa privada já não era capaz sozinha enfrentar esse problema, era necessário que o estado intervisse na questão. No Estado Novo de Getúlio a questão habitacional tinha um objetivo, viabilizar a casa própria para o trabalhador de baixa renda, várias medidas foram tomadas pelo governo para a criação de uma política habitacional para o país, como: reestruturação dos IAPs (Instituto de Aposentadoria e Pensões), órgão que não tinha como função principal a provisão de habitação, mas que assume esse papel no governo Vargas e a criação de uma “superagência habitacional” (Melo 1991). Porém é somente na década de 40 que o governo toma as principais ações para consolidar a política de habitação.

Fig. 1. Cortiço no Rio de Janeiro no começo do século XX. Fonte: nuevomundo.revues.org Fig. 2. Casarões sendo destruídos em 1904 para da lugar a nova avenida. Fonte: educacaopublica.rj.gov.br

A década de 40 é, portanto, crucial no que se refere a ação do Estado no setor habitacional, quando ocorrem as principais intervenções do governo federal - congelamento dos aluguéis, produção em massa de moradias por intermédio dos IAPs e criação da Fundação da Casa popular. Além disso, no mesmo período consolidouse a aceitação, pelo Estado e pela população, de alternativas habitacionais precárias, ilegais e excluídas do âmbito capitalista, como a favela e a casa própria em loteamentos clandestinos e desprovidos de infraestrutura. (BONDUKI, 1998, p. 288) Enfrentando de frente o mercado de aluguéis na década de 40, o governo resolve tabelar os preços dos mesmos e cria a chamada Lei do Inquilinato, passando a controlar os 14

Graf. 1. Taxa de Urbanização no Brasil. Fonte: IBGE - Censo 2010.


Fig. 3. Vista aérea do Conjunto Residencial de Pedregulho, percebendo sua implantação, projeto por Alfonso Reidy. Fonte: au.pini.com.br Fig. 4. Detalhe da influência modernista no conjunto, com vão livre e passarela que conecta o prédio ao passeio. Fonte: archdaily.net

despejos, por consequência disso, desaparece os empreendimentos privados e a crise habitacional se agrava. A população mais pobre sem conseguir pagar pelos aluguéis, que mesmo tabelados não atingia essa parcela da população, começa a construir suas próprias habitações, sem qualquer infraestrutura, e situadas em loteamentos irregulares nas periferias, esses se multiplicam sem qualquer intervenção estatal. Paralelamente multiplica-se favelas, palafitas e mocambos por todas as partes das cidades ligadas ao processo de industrialização. Paralelamente a essa situação, o IAP, constrói uma série de habitações populares pelo país guiado pelos preceitos modernistas, alguns destes, destacamse pela qualidade de seu projeto arquitetônico, sua inserção na área e seu caráter social para com o entorno, como exemplo podemos citar, o conjunto Residencial do Realengo o Conjunto residencial de Deodoro, Conjunto residencial da Gávea, Conjunto Residencial Japurá e o Conjunto Residencial de Pedregulho (FIG 3, 4), que apesar de não ser do IAP, é de iniciativa estatal. Na década de 50 a igreja católica atua junto as favelas do Rio de Janeiro, surgindo as primeiras propostas de implantação de rede de infraestrutura e construção de novas moradias com participação popular. Na década seguinte começa a luta pela reforma urbana, setores progressistas da sociedade já pressionavam governantes para a questão fundiária. A proposta de uma reforma urbana nas cidades promovida pelo IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) em 1963 surge como um anseio dessa sociedade por reformas reais no contexto urbano, porém, com o golpe militar em 1964, essas reformas foram adiadas. 15


De acordo com Bonduki, em seu artigo Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no governo Lula, o Banco Nacional de Habitação, criado após o golpe em 1964, foi uma resposta do governo militar à forte crise de moradia presente num país que se urbanizava aceleradamente, buscando, por um lado, angariar apoio entre as massas populares urbanas, segmento que era uma das principais bases de sustentação do populismo e, por outro, criar uma política permanente de financiamento capaz de estruturar em moldes capitalistas o setor da construção civil habitacional, objetivo que acabou por prevalecer. Juntamente com o SFH (Sistema Financeiro de Habitação), o BNH teve sua importância no cenário da política habitacional no país, estruturado e abastecido financeiramente pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), a política habitacional dessa época teve seu êxito no que se refere ao quantitativo, financiando a construção de pelo menos 4,3 milhões de novas habitações. A critica vem em relação a qualidade arquitetônica e urbanística dos projetos como transcrito abaixo: É necessário enfatizar ainda o desastre, do ponto de vista arquitetônico e urbanístico, da intervenção realizada. Dentre os erros praticados se destaca a opção por grandes conjuntos na periferia das cidades, o que gerou verdadeiros bairros dormitórios; a desarticulação entre os projetos habitacionais e a política urbana e o absoluto desprezo pela qualidade do projeto, gerando soluções uniformizadas, padronizadas e sem nenhuma preocupação com a qualidade da moradia, com a inserção urbana e com o respeito ao meio físico. Indiferente à diversidade existente num país de dimensões continentais, o BNH desconsiderou as peculiaridades de cada região, não levando em conta aspectos culturais, ambientais e de contexto urbano, reproduzindo à exaustão modelos padronizados (BONDUKI, 1998, p. 74) No fim da ditadura militar na década de 80, os movimentos sociais começam novamente a ganhar força com discursos que enfatizavam reverter as desigualdades sociais. Em 1984 com a queda da ditadura, o Brasil vive um período de efervescência em vários setores de sociedade, paira um sentimento de mudança. Aproveitando-se do contexto transformador da sociedade brasileira, é criado em 1985, oficialmente, o movimento de reforma urbana, movimento que tem como grande mérito juntar vários setores da sociedade em prol da eliminação da disparidade social. Para Uzzo, em seus artigo A trajetória da reforma urbana no Brasil, o movimento define o conceito da reforma urbana como uma nova ética social, que condena a cidade como fonte de lucros para poucos em troca da pobreza de muitos. Assume-se, portanto, a crítica e a denúncia do quadro de desigualdade social, considerando a dualidade vivida em uma mesma cidade: a cidade dos ricos e a cidade dos pobres; a cidade legal e a cidade ilegal. O incentivo pela proposição de emendas populares pela Assembleia Constituinte com o preceito de participação popular, no objetivo de afastasse dos tempos de restrição a liberdade do período ditatorial, faz com que o movimento pela reforma urbana, por meio de várias instituições de prestígio no país, como: IAB(Instituo dos Arquitetos do Brasil), Articulação Nacional do Solo Urbano (ANSUR), Federação Nacional dos Arquitetos (FNA), Federação Nacional dos Engenheiros, Coordenação Nacional das Associações de Mutuários do BNH, Movimento em Defesa do Favelado, entre outros, mandasse ao congresso uma emenda popular aonde as principais propostas eram pautadas na Função Social da propriedade privada, calçadas em uma série de instrumentos jurídicos e urbanísticos, impondo ao proprietário do solo urbano ocioso – que se vê sustentado pela especulação imobiliária, ou mantém seu imóvel não utilizado, subutilizado ou não edificado – graves sanções, inclusive a desapropriação, outro objetivo desta emenda era a criação do plano diretor e o incentivo da participação popular no mesmo. Em 1988, a Constituição é publicada, e pela primeira vez na história, o Brasil possui um capitulo em sua constituição sobre política urbana. Resumido em dois artigos, os anseios do movimento não foram completamente representados, sendo necessário logo após a criação do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), com o objetivo imediato de pressionar o Congresso Nacional para regulamentar o Capítulo da política urbana, da Constituição Federal de 1988. Porem isso só vem a ocorrer em 2001 com a Lei n° 10.257, denominada, Estatuto das cidades. Apesar do esforço do Movimento Nacional de Reforma Urbana, o quadro da política habitacional no país 16


após a queda da ditadura torna-se bastante descentralizado, não existindo mais um setor responsável prioritariamente em reduzir o déficit habitacional brasileiro, problema esse, que vem a se solucionar somente na criação do Ministério das Cidades em 2003. Durante os governos Collor, Itamar Franco e FHC, a política urbana e a questão da habitação social apareceram como segundo plano. No início do governo FHC, em 1995, setores da sociedade como sindicalistas, empresários, movimentos populares debatiam propostas para influir na definição da nova configuração institucional da política setorial, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) seria remodelado, foi então organizado um seminário pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara Federal, no final de 1995, além desses representantes de segmentos sociais, juntaramse outros dos governos municipais e estaduais, da Caixa Econômica Federal (CEF), de ONGs e de entidades profissionais. Foram debatidos os diversos projetos de lei que propunham nova estrutura e modo de gestão para a política nacional de habitação, o saneamento e o chamado desenvolvimento urbano. Outra medida de impacto deste governo, foi a criação da Secretaria de Política Urbana, subordinada ao Ministério do Planejamento, de acordo com Maricato: “rompendo com a desintegração entre a política urbana e as políticas setoriais de habitação, saneamento e transporte. O governo FHC propôs uma Secretaria de Política Urbana, à qual ficaram subordinadas as diretorias de habitação e saneamento.” (MARICATO, 1998, p. 6) Apesar de medidas esperançosas na esfera da política urbana, pouco foi efetivamente feito para solucionar a já histórica desigualdade urbana, ou a questão do déficit habitacional no país, como cita novamente Maricato: A impressão que ficou é de que, no decorrer do período de gestão o governo desistiu de executar uma política social prevista nos documentos iniciais. Os números atualmente divulgados (de famílias atendidas, empregos criados, etc.) não escondem o fracasso enquanto política social. Pois os números, tão apreciados pela mídia, não são indicadores de importância absoluta. Mudanças na matriz institucional, legal, fundiária, que modifiquem o quadro da produção e da distribuição da moradia poderiam ocupar os quatro anos e resultar em ganhos definitivos no futuro. E isso não ocorreu. O governo concentrou esforços no remanejo dos recursos onerosos existentes, reduzindo a política habitacional a uma questão financeira e de mercado, com a CEF submetendo a própria e frágil SEPURB. Enfim, o tema da moradia social não mereceu muita importância na gestão FHC. (MARICATO, 1998, p. 10) Em 2000, antes mesmo das eleições presidenciais, o então futuro presidente Lula, em parceria com pessoas qualificadas da área urbana, social e política, tais como: Clara Ant. Junto, André Luiz de Souza, Ermínia Maricato, Evaniza Rodrigues, Iara Bernardi, Lúcio Kowarick, Nabil Bonduki e Pedro Paulo Martoni Branco, formulam o projeto moradia, com o intuito de elaborar uma proposta para o equacionamento da questão da habitação no Brasil. Desde o início, as diretrizes estabelecidas pelos coordenadores do projeto deixavam claro que não se tratava de um programa de governo para a campanha presidencial, mas da montagem de uma estratégia geral envolvendo todos os níveis de governo, setor privado, ONG’s, Universidades, movimentos sociais etc-, que objetivava transformar a moradia numa prioridade nacional, visando, num prazo a ser determinado pela proposta, a garantir a todo cidadão brasileiro uma moradia digna. Este desafio seria, portanto, não uma tarefa exclusiva do governo, mas exigiria o cumprimento de um conjunto de ações de todos os segmentos da sociedade comprometidos com a proposta. (BONDUKI, 2006, p. 90) O início do governo Lula (2003 – 2011) é marcado por medidas que ressuscitam a esperança de articular e planejar uma política urbana mais eficiente, democrática e igualitária. Pela primeira vez desde o extinto BNH, um governo une as principais áreas de combate ao déficit habitacional e a segregação urbana posteriormente 17


gerenciada pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, criando em 1 de janeiro de 2003, o Ministério das Cidades. Este é criado com o principal objetivo de elaborar políticas públicas de desenvolvimento urbano, de habitação, de transporte urbano e de trânsito. O Ministério também trata da promoção de ações nas áreas de urbanização e de saneamento básico e ambiental. A pasta é ainda encarregada de políticas de subsídio à habitação popular, ao saneamento básico e ao transporte urbano. Na lei de criação, alguns órgãos e atribuições foram transferidos de outros ministérios para a pasta das Cidades. Foi o caso do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do Conselho Nacional de Trânsito, que pertenciam ao Ministério da Justiça e de atribuições do Ministério dos Transportes e da Justiça relativas ao trânsito, que passaram para o Ministério das Cidades. O primeiro ministro a assumir a pasta, é Olívio Dutra, este na tentativa de corrigir erros históricos, como a exclusão da parcela mais pobre da população em programas habitacionais e a não participação da população na criação de políticas habitacionais, começa a viabilizar inicialmente a esfera local nos municípios, partindo para a esfera estadual e depois federal, o conselho nacional das Cidades, mobilizando diversos agentes sociais para discutir políticas públicas a respeito da questão urbana. Em 2003, ocorre o processo de convocação da Conferencia Nacional das cidades, traçando linhas gerais e diretrizes da política nacional de desenvolvimento urbano. Entre os planos estava participação do setor privado no atendimento da população com renda superior a cinco salários mínimos e a criação de subsistemas. O primeiro subsistema seria o de Habitação de Interesse Social (subsídio à população de menor renda) e o segundo, o subsistema de Habitação de Mercado (que tinha como objetivo incluir novos agentes, facilitando a promoção imobiliária). Entre 2005 e 2008 foram criados novos programas, sobretudo aqueles que movimentavam o FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social) e eram destinados à população de até três salários mínimos de renda mensal. Porém os programas que obtiveram recursos provenientes do FGTS, em sua maioria, podiam ser acessados por famílias com renda acima de três salários mínimos, chegando até a doze salários mínimos. Esse subsistema acabou sendo acessado pelo mercado imobiliário, a taxas de juros inferiores aos construtores na produção de residências para as camadas com faixa de renda superior a três salários mínimos. De acordo com Shimbo (2010), página 92, o pacote habitacional “Minha Casa Minha Vida” foi lançado em 2009, como forma de acelerar as ações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no setor habitacional, e “foi apresentado como uma das principais ações do governo em reação à crise econômica internacional e também como uma política social de grande escala”. A forma de implantação dos conjuntos habitacionais provenientes de recursos do Minha Casa Minha Vida vem sendo alvo de muita discussão entre os arquitetos, urbanistas, geógrafos e economistas do país. Assim como na década de 1960, estes continuam sendo construídos em áreas distantes, com casas ainda menores. O que se vê novamente é o problema habitacional brasileiro sendo tratado como meramente produção de casas (FIG. 5), sem um planejamento que adeque localização, infraestrutura e padrão de moradia. Se não houver um planejamento coerente, com a instalação das habitações em lugares adequados, o que ocorrerá segundo Maricato, 2009, p.63, “é uma condição de deseconomia e de insustentabilidade, que no mínimo gera muitas viagens. O contrário do que o urbanismo atualmente preconiza”. O Minha Casa Minha Vida é apontado como extremamente positivo por Oliveira, 2014, p. 42, do ponto de vista de ser um programa que visa reduzir o déficit habitacional (GRÁFICO 2), visto que mesmo após décadas do fim do BNH nenhuma outra política exclusiva à construção de novas habitações fora implantada. Porém, algumas falhas, assim como no passado, continuam a se repetir, que é o fato do problema habitacional ser tratado resumidamente como casas a serem construídas, não levando em consideração outros fatores como a proximidade da malha urbana, acessibilidade, qualidade, infraestrutura, entre outros recursos que reconheçam o direito à cidade. Hoje, afinal, o Brasil tem um Plano Nacional de Habitação, que trabalha com um cenário para 20 anos. A meu ver, o que falta para o Minha Casa, Minha Vida é o que sempre faltou na maioria dos programas habitacionais brasileiros: uma visão mais estrutural do que deve ser esse combate ao déficit. O combate ao déficit não pode se resumir apenas aos números. E desde os tempos do Banco Nacional da Habitação, o BNH, que foi criado pelos militares na década 18


Fig. 5. Típico Conjunto Habitacional construído pelo Minha Casa Minha vida, este no estado da Bahia e concluído em fevereiro de 2016. Fonte: dialogospoliticos.files.wordpress.com

de 1960, a questão habitacional no Brasil foi quase sempre tratada como meramente quantitativa, e o sucesso ou fracasso dos programas medido pelo número de unidades construídas. É óbvio que deveria ter outros fatores envolvidos, como a maior articulação deles com políticas urbanas e sociais. (MARICATO, 2009, p.62)

Graf. 2. Número de residências construídas pelo Programa Minha Casa, Minha Vida 1 e 2. Fonte: Caixa Econômica Federal

Em 2012 é lançado um edital de pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e o Ministério das cidades para avaliar os resultados do Programa Minha Casa, Minha Vida. Onze das equipes estabelecidas formaram a Rede Cidade e Moradia e avaliaram empreendimentos em 22 municípios de 6 estados: Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Analisando as habitações construídas para a chamada Faixa 1, voltados a famílias de mais baixa renda, as equipes abordaram temáticas e localidades específicas: dos projetos arquitetônicos e urbanísticos aos canteiros de obra e desempenho ambiental das unidades entregues; dos agentes operadores do programa, que passam pelos poderes locais, Caixa Econômica Federal e movimentos sociais, ao trabalho social realizado em empreendimentos 19


selecionados. A Rede Cidade e Moradia emite nota pública pautando a necessidade de uma reavaliação no programa como mostra o trecho a seguir: Os municípios, em geral, limitam-se a aprovar os empreendimentos, flexibilizando suas legislações para adaptá-las ao modelo do Programa e permitir a construção dos empreendimentos em localizações mais baratas, como por exemplo, antigas zonas rurais englobadas por alterações nos perímetros urbanos. A despeito das mudanças de normativas que passaram a exigir das prefeituras um mínimo de equipamentos sociais no entorno dos empreendimentos, são áreas que “viabilizam” financeiramente as obras dentro dos tetos estabelecidos, mas que reproduzem um padrão de cidade segregada e sem urbanidade, pois são mal servidas por transporte, infraestrutura ou ofertas de serviços urbanos adequados ao desenvolvimento econômico e humano…Verificamos também a incompatibilidade entre as tipologias habitacionais com seu programa arquitetônico único (sala, cozinha, banheiro e dois dormitórios) e a diversidade das composições familiares dos beneficiários, além da impossibilidade de readequações da unidade habitacional ao longo do tempo, segundo as necessidades dos moradores… Esperamos, firmemente, que os resultados das pesquisas possam levar a terceira etapa do Programa a correção de rumos, aperfeiçoamento em direção às reais necessidades habitacionais da população, à construção de moradias e cidades dignas, justas e includentes e que a política urbana e habitacional nacional a ser empreendida pela próxima gestão da presidenta Dilma Rousseff assuma compromissos com as questões sinalizadas nessa nota (REDE CIDADE E MORADIA, 2013, p. 2) No fim do mês de março de 2016, a presidenta Dilma Rousseff lança o Minha Casa, Minha Vida 3 prometendo entregar até 2018, dois milhões de moradias. A terceira etapa do Minha Casa Minha Vida terá investimentos de cerca de R$ 210,6 bilhões – R$ 39,7 bilhões de subsídios do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); R$ 41, 2 bilhões do Orçamento Geral da União; e R$ 129,7 bilhões de financiamentos por meio do FGTS. Com dados de 2011 produzidos pela Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério das Cidades, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), estimasse que o déficit habitacional no Brasil esteja perto de 5,6 milhões de habitações, é de grande valia o esforço do governo federal em diminuir numericamente esse déficit, porém, é de vital importância que este reavalie a forma como o programa é conduzido, cometendo erros do passado, e reproduzindo habitações sem nenhum vínculo com seus futuros moradores, com as particularidade de onde é implantada, e em muitos casos, com qualidade bastante aquém de uma moradia digna. Condomínios construídos fora da malha urbana da cidade, sem estrutura de equipamento urbano essenciais, como escolas e postos de saúde, bem como transporte público precário. Predomina-se o interesse econômico sobre as necessidades sociais.

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CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CIDADE DE FORTALEZA E SEU CRESCIMENTO DESORDENADO

Fonte: Cândido Portinari

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Fortaleza, elevada a categoria de vila em 1726, e hoje 5° maior cidade do país em população, de acordo com o IBGE, possui ao longo de sua recente história uma ocupação pautada por planos urbanos, que não obtiveram êxito em guiar o crescimento da cidade e medidas governamentais, que consolidaram as desigualdades sociais, segundo a (ONU-Habitate) de 2012, Fortaleza é a segunda cidade mais desigual do país. Neste capítulo traço um breve histórico do desenvolvimento da cidade, e as políticas habitacionais que influenciaram a população e o seu morar. Um fato sem nenhum vínculo aparente com a cidade de Fortaleza torna-se o principal motor de impulso para o desenvolvimento da cidade. A guerra da Secessão nos Estados Unidos, entre 1861 e 1865, abala o cultivo de algodão no país, oferecendo oportunidade para que outros centros produtores crescessem, o Ceará se credencia como um dos fornecedores privilegiados de matéria-prima para as industrias têxteis da Inglaterra, experimenta-se assim, o apogeu do algodão, ganhando nomenclatura nobre, o “ouro branco”. Os primeiros resultados desse impulso na economia são; a canalização da água, a substituição da iluminação de óleo de peixe pelos elegantes lampiões de gás carbônico e a inauguração da linha férrea entre Fortaleza e Parangaba, consolidando Fortaleza como polo exportador e centralizador do estado. Vivenciando uma enxurrada de modernidades, é proposto a Adolfo Herbster (FIG 7) a oportunidade de redesenhar a nova planta da cidade, inspirado pelo modelo de Haussmann, este, acrescenta ao traçado xadrez de Fortaleza uma série de bulevares largas avenidas que rasgavam os quatro cantos da cidade e foram pensadas a facilitar, racionalizar e ordenar futuras expansões. Vivenciando os anos de apogeu da cidade, a população residente não estava esperando, quando milhares de flagelados invadem Fortaleza fugindo da seca que assolava o agreste cearense em 1877, a tragédia ficaria ainda maior quando no ano seguinte, uma epidemia de varíola mataria um quinto da população de Fortaleza. O fluxo de imigrantes não parava de crescer, dados de 1878 estimavam a população de fortaleza em 20 mil habitantes, com a ininterrupta chegada de imigrantes nos anos posteriores, devido a novas secas que assolaram o interior do Ceará, este número subiria para 130 mil habitantes em 1930 (GRÁFICO. 3?). Certamente a frágil 23


Fig. 6. Planta de Aldofo Hebster. Fonte: wikimedia.org

estrutura local não teve meios de absorver o impacto provocado por essa leva de migrantes. Estes se aglomeram pelas ruas, esquinas, praças e travessas da capital: No século passado, os migrantes, chegando a Fortaleza, alojavam-se sob árvores, nas praças, no Passeio Público, nas ruas, em terrenos vagos. A administração pública tentava impor ordem no espaço do migrante da seca, construindo “abarracamentos”, distribuindo alimentos, oferecendo assistência médica e em troca, exigia desta população o trabalho para realização de obras públicas (COSTA, 2001, p.102). O governo então decide construir barracos no entorno da cidade, declaradamente para afastar esses flagelados da área central. O inabitado Meireles, a estrada de Pacatuba, o alagadiço e o Morro do Moinho são alguns dos locais que os imigrantes foram mandados para “habitar”. O processo inicial de favelização da cidade está ligado, em grande parte, aos deslocamentos de lavradores sem terra e pequenos proprietários em direção à cidade devido à rigidez da estrutura fundiária, que lhes impedia o acesso à terra e aos outros meios de produção, sendo intensificado nos 45 períodos de estiagem mais prolongados (SILVA, 1992, p.62) Os doentes com varíola eram mandados para um abrigo a 3km de Fortaleza, aonde eram basicamente condenados a morte, pois não haveria assistência básica para estes efêmeros. Com o aumento da proliferação da varíola e da febre, ocorre uma remoção maciça dos flagelados para a zona oeste de Fortaleza, aonde “supostamente” a população central não receberia o “miasma” dos doentes, prática que viria a repetirse nos anos seguintes. Esses “campos de concentração” (Raquel de Queiroz, 1930) eram rotina durante as grandes secas no Nordeste, em O Quinze, Rachel de Queiroz descreve a situação de miséria e descaso: Conceição passava agora quase o dia inteiro no Campo de Concentração, ajudando a tratar, vendo morrer às centenas as criancinhas lazarentas e trôpegas que as retirantes atiravam no chão, entre montes de trapos, como um lixo humano que aos poucos se integrava de todo no imundo ambiente onde jazia. (QUEIROZ, 1930, p. 134). A situação começa a melhorar por volta de 1879 quando o período chuvoso faz a doença ceder um pouco e milhares de imigrantes voltam aos seus locais de origem. Porém pelo menos cinco mil deles continuam na cidade, sem condições apropriadas, 24


surgem dessa permanência, as primeiras aglomerações pobres de Fortaleza. Na paisagem da cidade, o arraial Moura Brasil estabeleceu-se como o primeiro núcleo de afavelamento de Fortaleza. Junto deste, “brotam” outras aglomerações desprovidas de infraestrutura básica ao redor dos antigos acampamentos dos flagelados. A desigualdade social fruto dessa segregação espacial, era evidente. O discurso de higienização ganhava força, resultando em uma política de afastamento das populações mais pobres do centro, localizando estas a oeste do mesmo, aonde de acordo com os sanitaristas, o vento levaria o ar viciado e maléfico a saúde. Por esta razão, a Santa Casa de Misericórdia, a cadeia Pública e o Cemitério São João Batista foram erguidos anos antes, para aquele lado do centro de Fortaleza. Outro fato curioso nos equipamentos públicos construídos no século XIX na cidade de Fortaleza, nenhum deles eram voltados para o mar. A faixa de praia era destino de todas as atividades insalubres produzidas na cidade, canos de esgoto, lixos amontoados e dejetos humanos, podem ser citados. Depósitos e armazéns que margeavam os trapiches da cidade (FIG 8) atraíram trabalhadores sem qualificação, inflando ainda mais o arraial moura brasil e ocupando os terrenos do Centro mais próximos a praia. As últimas décadas do século XIX observam o crescimento vertiginoso dessa população excluída do processo de transformação urbana trazida pelos novos tempos. Com o crescimento de Fortaleza, verificou-se uma preocupação do poder público e das elites em controlar e disciplinar as camadas populares da cidade. A capital cearense crescera e a economia dinamizava-se, porém com as contradições do capitalismo: havia uma inquietante tensão social provocada pela diferença abissal entre os setores dominantes e os mais pobres, cada vez mais concentrados na crescente periferia. (BRUNO, 2010, p. 4) Começo do novo século e a cidade de Fortaleza vive sua famosa “Belle Epoque”, aonde os mais abastados desfilavam seus trajes importados da França nas praças ajardinadas do centro, podendo estes frequentar o recém-inaugurado Theatro José de Alencar ou o belo Cine Majestic, como cita Pontes: De fato, o aformoseamento continuou como uma das questões centrais do anseio de remodelação urbana da Capital. A década de 20, evidenciando as preocupações nesse sentido, viu surgirem expressivas obras públicas e privadas que reformularam os espaços e criaram outros. Dentre elas, (...): o Parque da Liberdade, a nova reforma da Praça do Ferreira, um sistema de avenidas e a constituição de bairros elegantes. (PONTE, 1999, p. 57).

Fig. 7. Trapiche da Prainha. Fonte: blogspot.com

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Fig. 8. Rua Barão do Rio Branco, início do Século XX. Fonte: blogspot.com

Porém esta mesma cidade que se beneficiava de belíssimos edifícios ecléticos e praças neoclássicas, era a mesma que sofria pela falta de saneamento público, abastecimento de água encanada nas residências e segregação espacial, exemplificado pelo Passeio Público da cidade, aonde o mesmo era divido em três níveis, sendo este frequentado em sua porção elevada, a 17 metros do nível do mar, densamente arborizada e iluminada a gás de hidrogênio, a elite fortalezense. Na porção mediana situada 6 metros abaixo do nível superior, a classe média que frequentava, já a classe pobre só teria a liberdade de passear pela porção mais a nível do mar. A seca de 1932 faz surgir novamente a política de segregação dos imigrantes da seca, de novo, a população de Fortaleza incha e milhares de cortiços irregulares surgem pela cidade. O arraial Moura Brasil e o seu prolongamento Pirambu não paravam de se expandir em direção a barra do Ceará, outras favelas e bairros populares foram tomando forma em vários outros cantos da cidade, a favela do lagamar e do Mucuripe datam da década de 30. Nova seca em 1942 e o processo de afavelmente agrava-se, a oeste da cidade, o Morro do Ouro, a Floresta, o Brasil Oiticica e o Monte Castelo surgiram como extensões da via férrea e da zona fabril, ao longo da Avenida Francisco Sá. Afastados do campo, os trabalhadores rurais chegavam a cidade sem nenhuma qualificação profissional, servindo de mão de obra barata para as classes médias e altas, assim como operários de fábricas. Já na década de 30, Fortaleza acostumava-se com as ruas cheias de pedintes e de menores abandonados advindos da consolidada e segregada periferia. Nos anos 30 intensifica-se o abandono do Centro da capital pelos setores mais abastados, processo que havia se iniciado na década anterior – a porção central foi assumindo cada vez mais a característica de zona comercial e em parelho surgem os primeiros bairros mais abastados. Ainda nos anos 20, o bairro da Jacarecanga ganhou essa denominação. As elites fortalezenses foram ocupando, em menor escala a região do Benfica, ao sul do Centro, vencendo a “barreira” representada pelo riacho Pajeú, áreas da Praia de Iracema e Aldeota, ao leste. Ficava cada vez mais explícita a segregação espacial e de classes dentro da cidade. No lado leste de Fortaleza, os setores abastados, e no lado oeste, o reverso, onde moravam os mais pobres. Apesar de na zona oeste caracterizar-se pela predominância de assentamentos não formais em crescimento, não se deve esquecer que diversas áreas de assentamentos populares se faziam presentes em outras regiões da cidade. Até o final dos anos 1950 e início da década seguinte, o lugar da habitação para a classe mais segregada da cidade formal foi sendo definido de maneira relativamente dispersa pela cidade. Somente no início da década de 1960 que o problema habitacional passa a ser encarado como uma das vertentes para solucionar os encargos da capital, este aumento de importância da temática ocorre após a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza (Plandirf), que visava traçar diretrizes para solucionar os “nós” das grandes cidades brasileiras. A produção de habitações na periferia não era uma política específica voltada para Fortaleza, mas era posta em prática por todo o país tendo como suporte o SFH/BNH, no âmbito federal, e as Cohabs, no âmbito estadual. O Plandirf traz como principal meta, programas no intuito 26


Fig. 9. Conjunto Habitacional Prefeito José Walter. Fonte: fortalezaemfotos.com.br Fig. 10. Conjunto Habitacional Industrial, construído no ano de 1979 pelo BNH em Maracanaú. Fonte: infohab.org.br

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de viabilizar a integração do desenvolvimento urbano, sendo assim, é planejado os corredores de adensamento em Fortaleza. Primeiramente, é construído as avenidas José Bastos, João Pessoa e Aguanambi, com o objetivo de integrar as áreas centrais juntamente as áreas periféricas, e logo depois, a Avenida Bezerra de Menezes, que constituiria a principal saída para a BR 222, melhorando a ligação com o município de Caucaia, que concentraria em futuro próximo os grandes conjuntos habitacionais. Segundo Pequeno (2010), em 1966 se inicia a construção do primeiro conjunto pela FSSF, o Conjunto Habitacional Santa Luzia do Cocó, no bairro Água Fria. No ano seguinte, por sua vez, a política habitacional promovida pelo governo federal, através do BNH junto à COHAB, viabiliza a construção do primeiro grande conjunto habitacional na periferia de Fortaleza: o Conjunto Habitacional Prefeito José Walter (FIG. 9), este na época considerado o maior da América Latina. Acoplada à política habitacional, o planejamento metropolitano contemplava também uma política de desenvolvimento de áreas industriais. Nesse momento, a produção de grandes conjuntos habitacionais, por parte do governo federal, mais precisamente na segunda metade dos anos 70, na periferia de Fortaleza, deu-se notadamente nas regiões oeste e sudoeste da RMF, onde já se localizava o primeiro distrito industrial do Ceará, construído em 1964, mais precisamente no então distrito de Maracanaú (FIG. 10). Nas décadas seguintes a cidade de Fortaleza alinha-se com a postura da politica habitacional nacional, mantendo as COHABS, continua-se a construir grandes conjuntos habitacionais sem nenhum vínculo com a estrutura da cidade e com as pessoas que habitariam nestes. Impulsionado pelo período de redemocratização e a nova Constituição de 1988 é criado em 1991, o Cadastro de Favelas de Fortaleza, servindo de ferramenta para um início de uma certa conscientização a partir da política municipal da existência de assentamentos precários, foram contabilizados naquela época a existência de 314 assentamentos precários, onde habitavam mais de 108 mil famílias (Pequeno, 2008), porém efetivamente, as políticas urbanas municipais de habitação pouco mudaram a situação das pessoas em condições precárias. Em busca de uma nova política habitacional para a cidade, a administração municipal, em 2004, influenciado pela criação do Ministério das Cidades e do Estatuto das Cidades, criou a Fundação da Habitação Social de Fortaleza, HABITAFOR, tendo este por objetivo: realizar regularizações fundiárias, promover abertura para diálogo com os movimentos sociais, abrir oportunidade para estudo e aplicação de novos projetos, realizar cadastros de famílias a serem beneficiadas, criar um banco de dados sobre as comunidades. De acordo com Pequeno (2008), por questões econômicas, politicas, técnicas, algumas destas metas foram alcançadas porem outras foram abandonadas. A HABITAFOR realizou a regularização fundiária e a construção de novas habitações em várias comunidades de Fortaleza, intervindo prioritariamente em áreas de risco, entretanto, um “velho” problema da politica habitacional nacional persiste em continuar, a falta de qualidade do projeto arquitetônico, urbanístico e paisagístico.

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CAPÍTULO 3 O POÇO DA DRAGA E SUA RELAÇÃO DE EXCLUSÃO COM SEU ENTORNO

Mapa 1. A ÁREA DE ESTUDO Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)

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“a memória da favela do Poço da Draga está [...] nas lutas pela preservação do seu espaçomemória e no próprio espaço da favela, cuja história se confunde com a própria história da Praia de Iracema, que, por sua vez, é a própria memória da cidade de Fortaleza.” (FEITOSA, 1998, p:187) Localizado na cidade de Fortaleza, a comunidade do Poço da Draga insere-se na malha da cidade em situação “privilegiada”, entre os bairros do Centro e da Praia de Iracema, na Regional 2 da cidade de Fortaleza. O bairro do Centro com sua tendência comerciária resultado do seu esvaziamento na década de 60, influi na região com seu rico patrimônio histórico, que atrai turistas e locais em busca de atividades culturais, e ou lazer. Uma mistura de comércios e serviços, mostrados nas mais diferentes escalas, de lojas pequenas a grandes varejos faz parte da atual essência do bairro central da cidade. Já na Praia de Iracema, bairro que reflete mais a história e vivência do Poço da Draga, traz enraizado em sua origem forte conexão com a praia e as diversas atividades que podem ser desenvolvidas por meio dela, como por exemplo, a pesca e o surf. Por ser próximo de regiões turísticas e comerciais, proporciona assim diversos polos geradores de emprego aos seus moradores. Apesar dos aspectos positivos, o Poço da Draga torna-se invisível aos olhos da cidade, tanto pelas barreiras visuais como sociais.

“Segregação social, discriminação racial. Segregação social, discriminação racial. Mesmo não querendo, nós temos um inimigo, em dias de tempestades nos negam abrigo, esse é o sistema, nós armaremos nosso esquema lutando com nossas próprias armas pra anular o poder do inimigo e ajudar o povo a esquecer que um dia ficou sem abrigo” Ponto de equilíbrio, música segregação

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Mapa 2. DIVISÃO DE BAIRROS DE FORTALEZA Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


Mapa 3. ZONAS DE USO NA REGIĂƒO Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


Mapa 4. EDIFÍCIOS HISTÓRICOS NA REGIÃO CENTRAL DE FORTALEZA Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


Mapa 5. Ă REAS VERDES Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


Mapa 6. ESTACIONAMENTOS, GALPÕES E VAZIOS Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


A partir da evolução histórica e urbana de Fortaleza, compreenderemos a formação da comunidade do Poço da Draga intimamente associada ao surgimento do Porto e do bairro da Praia de Iracema. O que podemos observar na comunidade em estudo e em muitas outras no Brasil, em escalas diferentes, é que as comunidades carentes, não se localizam predominante em lugares afastados, mas no centro das grandes cidades, e devido essa localização sofrem uma segregação social, de um lado da rua existe tratamento de saneamento básico, e do outro um verdadeiro esgoto a céu aberto, onde seus moradores são obrigados a conviver com a total falta de infraestrutura, e espaços precários. Ainda precisam enfrentar o processo de globalização desenfreado, ficando cada vez mais acuados, tendo o risco constante de serem despejados, pois não se enquadram com o modelo, e a nova organização urbana estabelecida pelas políticas públicas, ou grandes eventos que a cidade irá receber. Por esse motivo começo meu pensamento e a elaboração desse trabalho com um trecho da música do Ponto de equilíbrio, que tão bem descreve a realidade vivida por muitos na comunidade. Vemos o interesse público e de grandes empresários em maquiar a realidade do local, mas não notamos a vontade de realizar mudanças, fazer do local um ambiente melhor e mais estruturado. É sempre fácil esconder, colocar para baixo do tapete ou no caso, colocar longe dos prédios e construções de luxos, que não são obrigados a conviver com as pessoas e mundo tão diferentes. Em nossa capital, com o passar do tempo, com a evolução da indústria, dos meios de produção o capital foi acumulado nas mãos de poucos. No século XIX Fortaleza e sua elite, tinha seu domínio no centro da cidade, onde residia as famílias mais distintas, naquela região era o encontro dos burgueses cearenses. Nesta época é inaugurada a linha final da estrada de ferro, a iluminação pública, os transportes públicos coletivos, bonde a tração animal, inicia-se a expansão urbana, a cidade cresce no formanto de um xadrez, conforme planejado pelo Adolfo Herbster, começa o cenário cultural conhecido como Belle Époque, inspirada na cidade de Paris. Em contrapartida no sertão do estado do Ceará aconteceram grandes secas, e com isso o êxodo rural foi marcante, pessoas migrando para a capital e construindo suas casas, na então Praia do Peixe. A ocupação inicial da comunidade se assemelhava a uma vila de pescadores, com casas construídas de barro ou madeira e cobertas com palha. Algumas delas localizavam-se nas proximidades do trilho do trem, o qual ligava o porto à estação ferroviária, desde 1879 até 1980, quando foi desativado, mas até hoje pode ser visto na Rua Gerson Gradvol. Outras ficavam próximas a um braço do riacho Pajeú, que passava pelo local. Muitas famílias tiravam seu sustento da pesca artesanal, assim como também do comércio informal (Oliveira, 2006: 24). A favelização da área ocorreu ao longo do tempo, como afirma Feitosa: “O Poço da Draga, nos seus primórdios, não tinha todas as características de uma favela, como elevada densidade e problemas de saneamento. Na verdade, a colônia de pescadores que iniciou a ocupação do terreno sofreu um processo de favelização, entendida como a deterioração da área, em decorrência do crescimento da população e da falta de serviços públicos, como saneamento básico, escolas e postos de saúde” (Feitosa: 1998. p.45).

Fig. 11. As casas de pescadores da Praia do Peixe. Fonte: Arquivo Nirez 37


Fig. 12. Casas no Poço da Draga, ao lado oeste do Porto, tirada na década de 70. Fonte: Arquivo Nirez Fig. 13. Processo industrialização do começo do século XX. Fonte: Arquivo Nirez

Porém, com a virada do século XIX para o século XX, Fortaleza passou por grandes mudanças urbanas, dentre elas a construção do porto, no projeto inicial seria um quebra mar, no entanto aconteceu um erro no projeto, que por consequência criase uma bacia de águas paradas, o mar jogava água por cima do paredão e havia uma draga que puxava a água para o outro lado. Em 1902 começa a construção de um novo cais, a futura ponte metálica. Esse projeto serviria para facilitar o movimento das pessoas e cargas no porto, essa primeira construção foi concluída no dia 26 de maio de 1906, contudo sem nenhuma segurança, e com escadas móveis, sendo aperfeiçoado no ano de 1928, a nova ponte metálica é inaugurada e ganhou esse nome porque era de ferro com lastro de madeira, sendo esse lastro substituído por ferro, daí o nome. Durante muito tempo esse foi o principal porto de exportação do Ceará, perdendo seu posto com a inauguração do porto do Mucuripe em 1954. Nesse contexto de região portuária com grandes armazéns, a elite começou a construir bangalôs, passando a ser área de veraneio e lazer, pouco tempo depois mudariam o nome do bairro para Praia de Iracema, por meio de um concurso público. Com a declinação da atividade portuária e a decadência da região nasce a comunidade Poço da Draga, no lugar incompatível com o uso habitacional, as margens da linha férrea, próximo ao mangue, por causa disso tendo facilidade a ocorrência de alagamentos no local, diante destas condições a população vai ocupando a comunidade e construído suas casas, entre os armazéns, promovendo um total isolamento físico e visual, sem nenhuma infraestrutura básica. Entre 1963 e 1967, o Plano Diretor elaborado pelo urbanista Hélio Modesto demonstra preocupações de ordem meramente econômica e administrativa, desenvolvendo a cartografia da cidade e constituindo o cadastro imobiliário, com finalidade tributária. Esse plano apresenta a primeira ameaça de remoção do Poço da Draga, com a proposta de um Centro Cívico nessa localidade, que, porém, não se concretiza (GONDIM, 2008) Desde o seu surgimento até os dias de hoje a comunidade sofre ameaças de retirada, pelo interesse público e privado. A criação da INACE em 1969 apresenta-se como uma incoerência urbanística, ao impedir os moradores e demais cidadãos de terem acesso ao litoral, prejudicando as potencialidades paisagísticas e as atividades ligadas ao lazer e à pesca. Esse fato consolidou o isolamento da comunidade e prejudicou uma das principais fontes de renda dos moradores de então, deteriorando as já graves condições sócio-econômicas em que vivem. (Almeida, 2014, p.9)

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Fig. 14. Construção da primeira ponte metálica. Fonte: Arquivo Nirez

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Fig. 15. Pavilhão Atlântico, com função de restaurante. Fonte: Arquivo Nirez Fig. 16. Foto da Avenida Almirante Tamandaré. Fonte: Arquivo Nirez Fig. 17. INACE em 1965, já é possível observar moradias ao redor da mesma. Fonte: inace.com.br

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Na década de 80, com a expansão do INACE, ocorreu a remoção de uma parte dos moradores para a comunidade do Conjunto Palmeiras, bairro localizado na região periférica e distante do centro de Fortaleza. Importante salientar que com essa recorrente pressão de remoção do Poço da Draga alguns movimentos sociais passam a fortalecer essa resistência, dentre eles, o Centro de Defesa e Proteção aos Direitos Humanos (CDPDH), organização não-governamental ligada à arquidiocese de Fortaleza, que passa a apoiar a Associação dos Moradores do Poço da Draga (AMPODRA) em seu pleito junto à União para obter a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) da área ocupada, entretanto, isso não ocorreu. Na década de 90, com os projetos de requalificação da praia de Iracema, e de outros pontos turístico de Fortaleza como o Centro Cultural Dragão do Mar e o Estoril, a comunidade foi ameaçada por diversas vezes. No projeto denominado de “Rua 24horas”, que requalificaria a região da Praia de Iracema, a comunidade foi avisada que seria removida para localidade próxima, dois anos esse projeto mudaria e a comunidade é avisada que seria removida para região periférica da cidade, por fim, o projeto é descartado. Em 1999 é inaugurado o CDMAC (Centro Cultural Dragão do Mar), investimento de grande porte, porém que mais uma vez não contempla a comunidade. Em 2001, o governo estadual lançou um novo projeto para a Praia de Iracema, o Centro de Feiras e Eventos do Ceará, que teria uma parte implantada no local onde hoje está a INACE, e outra a ser implantada em um aterro projetado, que atingiria também o poço da draga forçando a retirada da comunidade do local (Figura 36). Este projeto envolveu vários escritórios de arquitetura da cidade através de contrato de consultoria através do Centro de Tecnologia Universidade Federal do Ceará. Ele também propunha a construção de um conjunto habitacional para os moradores do Poço da Draga no mesmo bairro e próximo de onde eles sairiam. Tal projeto contemplaria unidades habitacionais com até dois pavimentos, comércios, estacionamentos, creche, escola, sede para a Associação de Moradores, posto de saúde e uma praça (Oliveira, 2006, p:64). O projeto foi apresentado para os moradores da comunidade, a maioria deles haviam até concordado em mudar-se para lá, mas este foi mais um projeto que não foi realizado.

Fig. 18. Centro Cultural Dragão do Mar. Fonte: wikimedia.org Fig. 19. Perspectiva do novo centro de eventos do Ceará, a ser locado em aterro ao lado da comunidade do Poço da Draga. Fonte: photobucket.com

Com o apoio de várias ONGS, como a Velaumar, que se situa na própria comunidade, o poço vem lutando para permanecer no local. Vale destacar o apoio da arquidiocese de Fortaleza, que por muito tempo foi a voz do Poço da Draga, lutando junto com os moradores pelo direito de continuar na região. Contudo os investimentos que estão sendo feitos na região trazem drogas, prostituição e violência para o local. Tais investimentos são feitos, na maioria das vezes, sem a preocupação no ser humano que mora na comunidade e vive o dia a dia no Poço da Draga, visando apenas o comércio e o lucro de forma desenfreada. Mais recentemente, foi visto o surgimento de um novo projeto, a construção do aquário de Fortaleza, esse projeto será construído no local de um antigo prédio público que se localiza perto da comunidade, será colocado neste novo empreendimento 15 milhões de litros de água, porém, ironicamente, na comunidade do Poço da Draga 40


Fig. 20. Render do futuro Acquário do Ceará. Fonte: Jornal O povo

não existe um saneamento básico decente. Acredita-se que as autoridades públicas, e a iniciativa privada não querem uma comunidade de baixa renda ao lado de um projeto tão grandioso, sendo esse mais um motivo de tensão para os moradores da comunidade. O projeto de requalificação da Praia de Iracema teve início nos anos 90 e perdura até hoje, porém essas melhorias que o poder público e os grandes empresários difundem, são desenvolvidas apenas para o lucro dos mesmos, não visando em realizar nenhuma melhoria na vida dos moradores da comunidade. O projeto de requalificação tem a finalidade de resgatar a área, de regiões que estão degradadas, regiões essas que são reflexos, espelho da falta de interesse dos órgãos públicos, que até os dias de hoje nunca tiveram a devida atenção com essas comunidades, que ficam a margem da sociedade, sem direito a qualquer infraestrutura básica, tendo que sobreviver em locais degradantes. A requalificação de ambientes urbanos deve sempre ser iniciada oferecendo uma qualidade de vida mínima para as famílias, não estipulando rótulos para o ambiente e moradores. Os projetos e obras públicas não devem privilegiar seus agentes ou poucos que normalmente são aqueles mais providos financeiramente, eles devem ser realizados em benefício da sociedade civil no seu sentido mais amplo, beneficiando o interesse geral. Menciono o pensamento do Henri Lefebvre (2004), vejamos: “[...] não construir um modelo urbano, mas abrir uma via em direção a ele. (Ibidem, pag.68)” Não temos que ter sempre um projeto para tudo, um modelo arquitetônico, um modelo de urbanismo gigante, as vezes é essencial levar em consideração nosso ser crítico, nosso lado humano na elaboração de projetos urbanos, pois cada situação, cada área urbana sempre tem toda uma história que a deixou da forma que ela é atualmente, sendo da maior importância a análise histórica e social dessas áreas previamente a qualquer construção ou reforma urbana. Nesse sentido é necessário que os agentes públicos analisem como estão elaborando o desenvolvimento urbano da cidade de Fortaleza, é essencial analisar o contesto histórico de cada comunidade, no caso em tela do Poço da Draga, para somente depois de uma análise humana avaliar o que realmente é importante e fundamental para a região da Praia de Iracema. Concluo, tendo a certeza que o conhecimento e a conscientização do povo e dos órgãos públicos para realização de melhorias urbanas são o único meio de conseguirmos evoluir nossas cidades de uma maneira menos desigual e injusta, fazendo com que o crescimento econômico possa andar de mãos dadas com o desenvolvimento social.

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1812

Uma das grandes secas que atingiram o Ceará foram três anos seguidos sem chuva, levando a uma grande migração para Fortaleza, que passou de 21mil habitantes para 130 mil, acarretando em uma situação de completo desespero pelas autoridades, com pessoas chegando desnutridas e sem moradias.

1877

Fig. 21. Timeline. Fonte: Editado pelo autor

Construção da Alfândega de Fortaleza (Atual Caixa Cultural)

1726

Fortaleza torna-se Vila

TIMELINE

1865

Belle Epoque,

1906

Inauguração da Ponte Metálica, que serviu de porto da cidade até 1950

Em 1963, o plano diretor elaborado por Hélio Modesto apresenta a primeira proposta de remoção dos moradores do Poço da Draga com a proposta de um centro cívico nessa área.

1954

Início do processo de formação do Poço da Draga

1930

1963

O porto de Fortaleza é tranferido para o a região do Mucuripe, aonde encontra-se até hoje.

1968

Inauguração da INACE (industria naval do ceará), removendo parte da comunidade de pescadores que já habitavam ali, sendo estes tranferidos para o Conjunto Palmeiras

1984

1995

Projeto de requalificação da Praia de Iracema denominado “Rua 24 horas” a comunidade foi avisada que seria relocada para um terreno no mesmo bairro. Dois anos depois, esta proposta mudaria e eles foram informados que iriam ser transferidos para uma área na periferia de Fortaleza. Por fim e para a alegria da comunidade este projeto não foi concretizado (Oliveira, 2006:62).

Expansão da INACE, o estaleiro passou por uma enorme expansão, onde uma área de aproximadamente 30.000m2 foi aterrada e o quebra-mar foi ampliado em três vezes o seu tamanho original.

O Centro de Defesa e Proteção aos Direitos Humanos passa a apoiar a Associação dos Moradores do Poço da Draga (AMPODRA) em seu pleito de regularização fundiária junto à União para obter a CDRU, Concessão de Direito Real de Uso.

1970

1999

Inauguração do Centro C u l t u r a l Dragão do Mar

2001

O Poço da Draga é classificado como ZEIS l (Zona Especiald de Interesse Sccial) pelo Plano Diretor de Fortaleza

Em 2001, o governo estadual lançou um novo projeto para a Praia de Iracema, o Centro de Feiras e Eventos do Ceará, que teria uma parte implantada no local onde hoje está a INACE, e outra a ser implantada em um aterro projetado, que atingiria também o poço da draga forçando a retirada da comunidade do local

2009

2010

No ano de 2010, o governo estadual comprou o terreno onde se localizava a antiga sede do DNOCS, que estava abandonada há alguns anos, demoliu a edificação e em seu lugar está propondo a construção de um aquário, denominado Acquário Ceará, o qual pretende que seja o maior da América Latina


ESTRUTURA VIÁRIA Analisando a estrutura viária do Poço da Draga e seus bairros adjacentes, é perceptível o papel preponderante desempenhado pela av. Pessoa Anta, principal rota das linhas de ônibus que circulam pelo local, assim como dos veículos automotores em geral. As paradas e pontos de ônibus, em sua maioria, também se localizam na referida avenida. Outro modal alternativo de transporte vem com a presença, na lateral do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultural, da estação número 20 do programa municipal de bicicletas compartilhadas, que visa estimular o fluxo de ciclistas nas ruas. As vias que perpassam a Comunidade do Poço da Draga são classificadas como locais, de acordo com a Lei de Uso e Ocupação do Solo e desempenham um papel majoritariamente voltado a atender às necessidades da população residente no referido local. Não são, portanto, responsáveis pela conexão do setor em estudo com outras regiões da cidade de Fortaleza. Dentro da comunidade as vias possuem diferentes tipos de revestimento de solo, sendo em algumas a falta deste revestimento a realidade. Considera-se três ruas principais, a Viaduto Moreira da Rocha, a Guilherme Blum e a Gerson Gradvol. Estas são mais largas, permitindo a passagem de veículos e por conta disso mais movimentadas, sendo os principais acessos para a comunidade. O local também possui duas ruas secundárias, que são a Travessa Cidal e a Beco do Estaleiro, onde também é possível a passagem de veículos em alguns momentos, mas o movimento é bem menor; duas locais, que são a da Vila Vitória e outra sem nome, que são acessos exclusivos de algumas casas; e vários becos, os quais muitas vezes são bastante estreitos, dificultando inclusive a passagem de pedestres. Tratando do revestimento do solo, tanto as ruas principais da comunidade, como as secundárias, como os becos, todas são em terra batida, dificultando a passagem de veículos automotivos e principalmente de proporcionar aos pedestres um bom trajeto. A situação altera-se um pouco nas margens da comunidade, com pedra tosca, passeio largo e em bom estado, com acessibilidade e iluminação de boa qualidade como na Avenida Almirante Tamandaré e com rua asfaltada, mas com passeio bastante danificado como na Guilherme Blum e na Gérson Gradhvol antes dessa adentrar a comunidade.

Fig. 22. Rua Viaduto Moreira da Rocha. Fonte: Aluno 43


Mapa 7. ESTRUTURA VIĂ RIA Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


Mapa 8. ESTRUTURA VIÁRIA DO POÇO DA DRAGA Fonte: Editado pelo aluno


Mapa 9. REVESTIMENTOS DA VIA E A CONDIÇÃO DOS PASSEIOS Fonte: Editado pelo aluno


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Fig. 23. Colagem de imagens mostrando visão 360o da entrada da comunidade pela rua Gérson Grahvol. Fonte: Aluno Fig. 24. Rua Almirante Tamandaré. Fonte: Aluno Fig. 25. Rua secundária, na entrada da Vila Vitória. Fonte: Aluno 47


ZONEAMENTO E QUESTÃO AMBIENTAL O Plano Diretor Participativo de Fortaleza, o PDP-FOR, foi elaborado em 2009, entre seus objetivos estão: garantir o direito à cidade e a função social da propriedade. A parte disso, as ZEIS são um dos instrumentos que garantem esses objetivos. De acordo com a prefeitura de Fortaleza, ZEIS são definidas como áreas: Destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados e ao desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado popular nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeitas a critérios especiais de edificação, parcelamento, uso e ocupação do solo. (PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, 2009, p. 16). O Poço da Draga encontra-se em área definida como ZEIS l, que de acordo com o Artigo 126 são compostas por assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental. As ZEIS apesar de serem um instrumento importante para assegurar a terra aos seus moradores, para serem regulamentadas, necessitam de legislação especifica, plano de regularização e Comitê Gestor. No caso de Fortaleza, nenhuma ZEIS foi regulamentada. Dentro da subdivisão da Macrozona de Proteção Ambiental, o Poço da Draga possui uma ZPA 1 – Zona de Preservação Ambiental, que delimita a “Faixa de Preservação Permanente dos Recursos Hídricos” (PDPFor, 2009: 11).

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Mapa 10. ZONEAMENTO Fonte: Google Earth (editado pelo aluno) Dados: PDD-FOR


Fig. 26. Atual situação na comunidade

Fig. 27. Plano de remoções

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Fig. 28. Situação após remoções


No entanto, uma recente polêmica sobre o assunto paira sobre a consistência do direito da comunidade em permanecer em seu presente local. Disserta a arquiteta Cecília Andrade, mestranda em Artes Visuais pela Universidade Federal do Ceará, sobre a relação entre o poder político, a representação gráfica de materiais de suma importância para o urbanismo e as silenciosas alterações sobre os mesmos em função de alcançar objetivos em prol de uma minoria inconsciente - propositalmente ou não - à cerca da importância da história da cidade e da preservação de sua identidade. Coletando e analisando diversos mapas de diferentes épocas da cidade de Fortaleza, a autora chega a conclusão que ao longo dos anos mudanças aparentemente inofensivas culminaram num desastre que fragiliza e desestrutura a comunidade por inteira. Desastre esse embasado na alteração do curso do Riacho Pajeú, recurso hídrico centenário, para uma área inserida dentro da demarcação da comunidade, tornando-a passível de rigorosas alterações se então considerada como Área de Preservação Permanente (APP) além da maliciosa retirada da mancha que traduz a ZEIS1 da área da comunidade, considerada como um pequeno erro que não merece alarde. Andrade (2016) explicita em: “A LUOS que está para ser votada segue as demarcações de um mapa de Macrozoneamento Ambiental de 2008. Nesse mapa (mostra-se a imagem) uma faixa de cor verde delimita uma área de Preservação Permanente (ZPA1) dentro da Comunidade do Poço da Draga. A ZPA determina uma área que tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica. Uma lei complementar (Fortaleza, 2015) instituiu uma área de preservação para o Riacho Pajeú de 40 metros de largura, 20 metros para cada margem, que não pode ser edificada onde este se encontrar a céu aberto.” Isso significa dizer que, reiterando, devido aos interesses políticos de uma minoria, drásticas alterações de representação discretamente foram feitas em bases cartográficas de relevância e, em teoria, confiáveis, permitindo legalmente a retirada de toda a comunidade para futuros investimentos majestáticos. Além disso, fica a mascarada questão sobre como a foz do Pajeú a princípio localizada interna à INACE, aparece em novas bases dentro da comunidade, um olho d’água que aparenta, para alguns autores e pessoas da comunidade, nada mais que apenas uma zona de água de origem incerta, talvez da influência das marés. Decide-se então que para este projeto, as remoções de moradia em ZPA serão feitas com base nas observações “in loco” das condições das casas e da sua suscetibilidade de alagamento nos períodos chuvosos. Ainda decide-se realizar remoções pontuais aonde exista cohabitação em lotes menores que 45m2 valor definido pelo programa minha casa minha vida, assim como, insalubridade, dificuldade de acesso e qualidade construtiva. Estes serão realocados para terreno dentro da ZEIS, afim de não perderem sua identidade com o local. Serão removidas 45 moradias por questões de risco de alagamento e 6 moradias pela qualidade construtiva de suas casas, totalizando 51 moradias a serem realocadas, sendo este valor 15,1% do total de domicílios.

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DADOS SOCIOECONÔMICOS Segundo dados do Movimento Pró-Poço, coletados em 2016, o Poço da Draga é composto por aproximadamente 337 casas sendo estas habitados por aproximadamente 373 famílias, estima-se um total de um pouco mais de 1.000 habitantes. Desses 1000 habitantes, cerca de 58,8% consideram-se pardos, 16,2% negros e 9,3% brancos. Quanto a escolaridade na comunidade, 31% possuem o 1o grau completo, 23% o 2o grau completo, 8% o 3o grau completo e apenas 3% possuem ensino superior. Quanto a renda dos moradores que lá residem, 39% possuem renda de 0,5 a 1 salários mínimos, 33% possuem renda de 1,5 a 2 salários mínimos, 20% de 2,5 a 3 salários mínimos, 5% de 3,5 a 4 salários mínimos e 3% recebem acima de 4 salários mínimos. Através desta pesquisa realizada, é possível notar também a significativa diferença econômica existente entre as famílias da comunidade, pois existem algumas sem nenhuma fonte de renda e outras que recebem até mais de quatro salários mínimos, porém é importante notar que mais de 60% da população possui renda maior que 1,5 salários mínimos.

industrial institucional educacional lazer/cutural vazios/estacionamentos

linha cuca barra/ papicu/1 circular I/1

via arterial l via arterial ll

massas vegetais

Arv

cheios e vazios

Arv

Arv

Arv Arv

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serviço

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Quanto aos equipamentos públicos relacionados a educação e saúde, os raios de atendimento usados são os considerados no Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), finalizado em 2013. Pode-se notar que existe uma grande rede de escolas de nível médio, já as crianças e pré-adolescentes possuem como possiblidade a escola São Rafael, que hoje sofre ameaças de desativação relatadas por moradores da comunidade. Com relação aos Centros de Saúde da Família a situação é mais complicada, não existe nenhum destes no bairro da Praia de Iracema sendo o mais próximo fora do raio considerado adequado pelo PLHIS.

residencial

Arv

As atividades laborais realizadas pelos moradores da área são bastante variadas, alguns são vendedores ambulantes, prestadores de serviços em geral, comerciantes, professores, guardadores de carros, coletores de materiais reciclados, dentre outros. Segundo um levantamento da SEINFRA, em 2001, 38,61% dos habitantes do Poço da Draga trabalhavam no mesmo bairro que moravam e 62,26% não utilizavam nenhum tipo de transporte para chegar ao trabalho (Oliveira, 2006: 85). De acordo com dados do órgão citado anteriormente, quase 10% da população ativa da comunidade eram donas de casa, aproximadamente 6% eram aposentados ou pensionistas e 7,46% estavam desempregados ou sem ocupação (Oliveira, 2006: 83).

comércio

Fig. 29. Diagrama sintetizando os usos do solo, as linhas de ônibus, a classificação das vias, as massas vegetais e os cheios e vazios. Fonte: Editado pelo autor


Mapa 11. EDUCAÇÃO I Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


Mapa 12. EDUCAÇÃO II Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


Mapa 13. SAĂšDE Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


ESPORTES E LAZER De acordo com pesquisa feita pelo movimento pró-poço, 28% dos moradores realizam corridas e caminhadas, 20% se interessam pelo futebol/ futsal, 17% participam de esportes aquáticos, sendo os citados, natação, surf e o triátlon. Dos entrevistados, 77% possuem algum tipo de relação com a praia, e já 89% responderam que o Poço da Draga perderia a identidade se não existisse a praia. Um lazer bastante característico da comunidade, é o salto realizado da ponte metálica em direção a água.

Fig. 30. Rapaz pulando da Ponte Metálica em direção ao Mar. Fonte: Luiz Alves Fig. 31. Quadra poliesportiva localizada ao lado da comunidade. Fonte: Autor

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Mapa 14. PRINCIPAIS ATIVIDADES DE LAZER REALIZADAS PELOS MORADORES Fonte: Autor, em entrevista com moradores


ESTUDO DO POÇO Por meio de visitas ao Poço da Draga e conversas, na maioria das vezes, informais com os moradores, procura-se sentir o ambiente da comunidade para assim desenvolver imagens e desenhos gráficos que possibilitarão a compreensão mais real por esse autor das vivências dos que lá habitam. Procurando observar em vez de só olhar, observar no sentindo mais profundo da palavra, nos remete ao ato de ver aliado com o verbo compreender. Como foi descrito anteriormente, o Poço da Draga tem em seu histórico uma forte ligação com o antigo porto, possuindo no seu entorno muitos equipamentos culturais, comerciais, bares, restaurantes, boates, pontos turísticos, quadras de esportes, praça, praia, escola, bancos, instituições públicas e privadas, entre outros. O Poço da Draga é limitado geograficamente pelas ruas Viaduto Moreira da Rocha a leste, Guilherme Blum a oeste, Gerson Gradvol ao sul e pela INACE ao norte e a oeste. Estas são suas ruas principais e seus acessos. Estão demarcadas por grandes muros, deixando o local praticamente “enclausurado” e escondido do seu entorno. Muitas pessoas inclusive desconhecem a existência da comunidade neste local. Este “enclausuramento” é bem delimitado, reforçando a diferença entre a cidade legal, que está fora dos muros, e a ocupação ilegal, que está rodeada por eles.

Fig. 32. “O macaqueiro”. Fonte: Arquivo Nirez Fig. 33. Idem.

Cercado por muros, portões e cercas elétricas, o Poço da Draga - ou seria Baixa Pau, desenvolveu ao longo de sua história dinâmicas de vivências, atividades e complexidades próprias, distante da realidade que os cerca. Na conversa com moradores da comunidade ouve-se uma nomenclatura própria para relatar ruas e becos, bem diferente das encontradas em mapas oficiais. A avenida Almirante Tamandaré é simplesmente chamada de CIDAO, referente a antiga empresa que um dia teve sede naquela rua, e assim segue; com a rua dos trilhos, em referência clara ao antigo trilho que um dia passou ali, o beco do macaqueiro, que saudosamente relembra um morador e seu macaco que ali habitaram, o beco da portelinha e assim segue, cada beco, seu conto. Os problemas típicos das comunidades de baixa renda no Brasil repetem-se no caso de estudo, saneamento básico deficiente, riacho assoreado, exalando mal cheiro e causando alagamentos nos períodos chuvosos, deixando algumas moradias em situação de risco. Acúmulo de lixo em vários pontos da comunidade. Criminalidade alta, principalmente nos arredores da comunidade e pavimentação inexistente. Já as potencialidades relacionam-se principalmente com atividades relacionadas a praia, os esportes, o salto a água e o pavilhão que agrega os eventos da comunidade. Representado por uma estrela está o local considerado preferido por muitas pessoas da comunidade, a Ponte Metálica.

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Mapa 15. BARREIRAS Barreiras que enclausuram a comunidade e imagens de como essa relação barreira e comunidade desenvolvem-se Fonte: Autor, em entrevista com moradores


PAVILHÃO/IRMÃZINHAS

BECO DA PORTELINHA BECO DO ESTALEIRO/MACAQUEIRO GAUDINOS

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Fig. 34. Desenho gráfico mostrando as barreiras que enclausuram a comunidade, e os nomes formais e informais das vias na comunidade. Fonte: Autor, em entrevista com moradores

Fig. 35. Desenho gráfico mostrando os problemas e portencialidades da comunidade. Fonte: Autor, em entrevista com moradores 60


Mapa 16. PROBLEMAS E POTENCIALIDADES Fonte: Autor, em entrevista com moradores.


Mapa 17. SÍNTESE DIAGNÓSTICO Fonte: Autor


Fig. 36. A ponte metรกlica e a praia. Fonte: Autor

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PROBLEMAS URBANÍSTICOS SITUAÇÃO OCORRENTE

CAUSAS

DIRETRIZES DE PROJETO

OCUPAÇÃO IRREGULAR EM TERRENO DA UNIÃO

FREQUENTES AMEAÇAS DE REMOÇÃO

CONSTRUÇÃO DE EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS EM SEU ENTORNO

LEI DE DIREITO DE REAL USO PARA FINS DE MORADIA

VALORIZAÇÃO IMOBILIARIA

REGULAMENTAÇÃO DA ZEIS DO POÇO DA DRAGA

AUSÊNCIA PARCIAL DE POSSE FUNDIÁRIA

LOTES MENORES QUE 25m2/ LOTE MINIMO ESTABELECIDO PARA REGULAMENTAÇÃO DAS ZEIS 1

MANGUE ASSOREADO

OCUPAÇÃO IRREGULAR E DESORDENADA SEM PROJETO AUSÊNCIA DE PARCELAMENTO DE SOLO

DESPEJAMENTO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO NA ÁREA AUSÊNCIA DE AÇÕES DO PODER PÚBLICO PARA ALTERAR A SITUAÇÃO

REGULARIZAÇÃO DA ZEIS, SENDO AS FAMÍLIAS EM LOTES MENORES QUE 25m2 REASSENTADAS EM NOVAS HABITAÇÕES, SENDO OS LOTES AGREGADOS A LOTES VIZINHOS OU DADO USO PÚBLICO IMPLANTAR SISTEMA DE SANEAMENTO BÁSICO ORIENTAR A POPULAÇÃO SOBRE O ESPAÇO E COMO MANTER REQUALIFICAÇÃO DA ÁREA DE MANGUE REMOÇÃO DA INACE (RELOCAÇÃO PARA O PECÉM) PLANO DE MASSAS PARA A ÁREA USO PÚBLICO AO ESPAÇO

ORLA PRIVATIZADA

USO CONFLITANTE PELA INACE

DESCONFORTO TÉRMICO NA COMUNIDADE E EM SEU ENTORNO

AUSÊNCIA DE ESPAÇO VERDE DE QUALIDADE

REVESTIMENTO DO SOLO NÃO APROPRIADO OU MUITO DEFEITUOSO

AUSÊNCIA DE AÇÕES DO PODER PÚBLICO PARA ALTERAR A SITUAÇÃO

PADRONIZAR AS RUAS, VIELAS. BECOS COM REVESTIMENTO DE SOLO DANDO UMA QUALIDADE FORMAL AO ESPAÇO

PONTE METÁLICA DETEORIORADA

INEXISTÊNCIA DE MANUNTÊNÇÃO

REVITALIZAR O LOCAL

COMUNIDADE CERCADA POR MUROS

VAZIOS EM TORNO DO POÇO

PLANTIO DE ÁVORES

FALTA DE POLÍTICA PÚBLICA PARA INTEGRAÇÃO DA COMUNIDADE OCUPAÇÃO POSTERIOR, IGNORANDO O POÇO DA DRAGA DEGRADAÇÃO DA ÁREA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA

BOULEVARD POÇO DA DRAGA (REQUALIFICAÇÃO DO ACESSO A COMUNIDADE)

REQUALIFICAR OS PRINCIPAIS ACESSOS DA COMUNIDADE POR MEIO DE PAISAGISMO E PROMOÇÃO DE USO PARA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO

DAR USO AO MESMOS, PROMOVENDO ATIVIDADES QUE CONTEMPLEM A COMUNIDADE

POTENCIALIDADES URBANÍSTICAS SITUAÇÃO OCORRENTE

CAUSAS

DIRETRIZES DE PROJETO

LOCALIZAÇÃO PRIVILEGIADA, COM BOM ACESSO AO TRANSPORTE PÚBLICO

ENTRE BAIRROS CONSIDERADOS RICOS

JUSTIFICAR O PRIVILÉGIO, INTEGRAR-SE A MALHA EXISTENTE POR MEIO DE ESPAÇOS LIVRES E PÚBLICOS.

PONTE METALICA

PRINCIPAL LOCAL DE LAZER DA COMUNIDADE, PASSADO HISTÓRICO E LIGADO A COMUNIDADE, VISUALMENTE INTERESSANTE, CRIADOR DE MOMENTOS

REQUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO

ALGUMAS CASAS EM BOM ESTADO

RENDA DE CERTA PARTE DA POPULAÇÃO RESIDENTE BOA

MANTER HABITAÇÕES EM BOM ESTADO

PROBLEMAS HABITACIONAIS SITUAÇÃO OCORRENTE

CAUSAS

CASAS PEQUENAS PARA A QUANTIDADE DE PESSOAS / CASAS PEQUENAS PARA UMA VIDA DE QUALIDADE

INCAPACIDADE FINANCEIRA

CASAS COM INFRAESTRUTURA PRECÁRIA

INCAPACIDADE FINANCEIRA

COABITAÇÃO

DIRETRIZES DE PROJETO PROMOVER HABITAÇÕES COM DIMENSÕES ADEQUADAS MELHORIA NAS CASAS QUE NECESSITAM E EM CASOS GRAVES A RETIRADA PROMOVER NOVAS HABITAÇÕES

ALTA DENSIDADE

Graf. 3. Problemas e Potencialidades 64

DESORGANIZAÇÃO ESPACIAL DEVIDO A OCUPAÇÃO DESREGULADA

RELOCAÇÃO DE FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO DE COABITAÇÃO PROMOVER NOVAS HABITAÇÕES


Mapa 18. INTERVENÇÕES Fonte: Google Earth (editado pelo aluno)


CAPÍTULO 4 REFERÊNCIAS PROJETUAIS

Fig. 37. Visão Aérea SEHAB – Gleba G. Fonte: archdaily.com.br

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PROJETO: SEHAB HELIÓPOLIS - GLEBA G Arquiteto: Biselli & Katchborian Arquitetos Ano: 2014 Local: São Paulo

Projeto realizado em Heliópolis, a maior favela de São Paulo, esta intervenção faz parte do Programa de Reurbanização de Favelas da Prefeitura do Município de São Paulo, através da Secretaria de Habitação. O terreno localiza-se em uma posição de ligação entre a cidade formal e a cidade informal. Anteriormente, usado como alojamento provisório, o novo projeto totaliza 420 unidades habitacionais de 50 m² cada. O projeto privilegia os espaços públicos, adotando uma estratégia de implantação de quadra europeia, ou seja, compreendendo os espaços de lazer comum no centro da quadra (pátio interno), protegendo os moradores locados à beira da rua e localizando o programa comercial e de serviço no térreo. Este pátio interno exerce função articuladora entre a cidade formal e a cidade informal, cria-se uma fluída conexão, incivilizada por pórticos. A construção tem até 8 pavimentos, não foi usado elevadores e isso só foi possível pelo desnível natural do terreno e por um conjunto de passarelas que conectam os blocos, aproveitando assim, o coeficiente máximo de construção. Como na maioria das habitações de interesse social, havia uma demanda por baixo custo. O sistema de construção adotado foi bastante simples: a alvenaria de blocos de concreto. A própria configuração das unidades habitacionais produz uma volumetria de ritmo singular, que leva a interpretação do conjunto arquitetônico como uma série de edifícios independentes, o que é reforçado pelo uso da cor. No projeto das unidades prevalece o cuidado com os layouts dos ambientes, garantindo flexibilidade de configurações, pois as futuras famílias que as ocuparão variam de 5 a 11 pessoas, demanda essa levantada pela equipe social da Sehab. As habitações contam também com espaço para pequenos trabalhos como costureiras e pequenos consertos, pois muitas das famílias fazem deste trabalho em casa fonte de renda complementar. São 420 apartamentos que variam entre dois tipos, com 2 dormitórios, espaço integrado de cozinha, estar e sacada. Os conjuntos contam também com unidades adaptadas aos portadores de necessidades especiais, locados no pavimento térreo, com acesso direto pela rua. O projeto de paisagismo prevê a integração dos dois conjuntos através dos pórticos, com variações de pisos e vegetações, dotados de equipamentos de ginástica e recreativos, potencializando o espaço do pátio interno. As áreas destinadas a lazer coberto ficam locados justamente nos pavimentos de chegada, que permitem o acesso aos conjuntos pela rua Comandante Taylor, além dos espaços cobertos dos pórticos, que receberam uma iluminação especial. 67


Fig. 38. Desenho Gráfico mostrando a conexão fluída. Fonte: archdaily.com.br Fig. 39. Visão das passarelas. Fonte: idem 68


Fig. 40. Fachada. Fonte: archdaily.com.br Fig. 41. Visรฃo do Pรณrtico. Fonte: idem 69


BIENALLE DE VENEZIA Esse ano, a Bienal Internacional de Arquitetura traz como tema: “Reporting from the front”, em tradução livre, reportando do futuro. Em sua introdução da Bienal, o presidente da fundação da Bienal de Veneza, Afonso Baratta afirma: “A gente sempre reclama nas aberturas das últimas bienais que o presente parece ser caracterizado por um aumento das divergências entre a arquitetura e a sociedade civil... Nessa edição queríamos examinar explicitamente se, e aonde existem fenômenos que mostram estar indo em direção oposta a essa divergência, a gente está procurando por mensagens positivas”. Buscando soluções para o presente, e respostas para o futuro, a Bienal pauta sua mensagem e suas exibições buscando soluções inovadoras para reduzir os espaços entre a arquitetura, regularmente vista como algo “para poucos” e a população alheia à amplitude do arquiteto. Remetendo a uma temática social, a Bienal convida Alejandro Aravena, arquiteto chileno e atual ganhador do prêmio Pritzer para ser o diretor artístico e curador dessa 15o mostra. Em sua introdução no livro oficial da Bienal, Alejandro Aravena conta a história por trás da imagem que representa a bienal, traduzindo com clareza o que a Bienal estava buscando: “Em sua viagem a América do Sul, Bruce Chatwin encontrou uma velha senhora andando no deserto cuidadosamente carregando uma escada de alumínio em seu ombro. Era a arqueologista alemã Maria Reiche estudando as Linhas Nazca. Deitadas sobre o chão, as pedras não faziam o menor sentido, eram pedras aleatórias. Porém, vistas do

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Fig. 42. Imagem da Bienal 2016. Fonte: brasilarquitetura.com.br


alto essas pedras transformavam-se em um pássaro, um jaguar, uma árvore, ou uma flor. Maria Reiche não possuía os recursos para alugar um avião para estudar as linhas sobrevoando a área, nem, existia a tecnologia de possuir um drone a voar pelo deserto. Porém, ela foi criativa e persistente o suficiente para achar uma maneira de atingir seu objetivo. A senhora modesta é a prova de que não devemos culpar as dificuldades das limitações para nossa incapacidade de fazer o nosso trabalho. Ao contrário da escassez: Inventividade.”(ARAVENA, 2016, p.6)

Fig. 43. Esboço dos objetivos da curadoria, desenhado por Aravena, um coeficiente entre vários assuntos: Desigualdades, Sustentabilidade, Tráfico, Lixo, Crime, Poluição, Comunidade, Imigração, Segregação, Desastres Naturais, Informalidade, Periferias, Habitação, Qualidade de vida. Fonte: Livro Bienalle de Venecia 2016

Ele resume os objetivos da curadoria da mostra em dois pontos, primeiro, ampliar a gama de assuntos que a arquitetura e o arquiteto deveriam possuir respostas, tanto nas dimensões culturas e artísticas que os arquitetos normalmente já possuem um certo respaldo sobre, como em assuntos que não estão no topo da nossa gama de conhecimento, como a política, a economia, e o social. O outro objetivo da curadoria da bienal foi mostrar que o arquiteto deveria responder a mais de uma dimensão ao mesmo tempo, integrando um leque de variedades, em vez, de responder a apenas um ou outro campo específico. Alejandro e sua equipe selecionaram 88 trabalhos para a exposição principal, foram escolhidos dois deles para compor esta pesquisa.

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O TRABALHO DE SOLANO BENÍTEZ NO PARAGUAI Trabalhando com os dois dos elementos mais fáceis de serem encontrados: Tijolo e Mão de Obra Desqualificada, uma forma de transformar escassez em abundância. No Paraguai usar tijolo na construção é praticamente uma obrigação, não há outro material a ser utilizado, entretanto, em vez de reclamar do que estava faltando (materiais de construção industrializados), Benítez elevou seu entendimento sobre o que estava em abundância: o tijolo. Apesar da pouca qualidade da mão de obra no Paraguai, Benitez foi capaz de projetar para dissociar o produto final da mão de obra desqualificada. A estrutura por eles criada com extrema sofisticação aliada com uma fluída naturalidade pavimentou um caminho para usar trabalhadores com pouca técnica construtiva resultando em um produto de extrema qualidade, Benítez nos mostra o tipo de operação que nós precisamos unir em nosso rápido processo de globalização: material barato, trabalhador desqualificado e criatividade.

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Fig. 44. Projeto de Entrada na Bienal, Centro de Reabilitação Infantil da Teleton. Fonte: archdaily.com.br Fig. 45. Estrutura em exposição na Bienal, Arco de tijolo. Fonte: inexhibit.com Fig. 46. Detalhe da estrutura em exposição. Fonte: Do Autor


HABITAÇÃO SUSTENTÁVEL EM GRANDE ESCALA Richard Rogers conhecido por sua capacidade em usar ideias vanguardistas aliando estas com tecnologia de ponta vem por anos desenvolvendo arranha céus e espaços de trabalho, porém ao longo de sua trajetória, ele tem explorado o uso dos espaços na habitação. Sistemas integrados e eficiência energética são os principais eixos de sua pesquisa no campo habitacional. Em seu estudo apresentado na Bienal, Rogers procura por diferentes layouts para contrapor o insuficiente espaço urbano que encontramos nos dias de hoje. Na esfera principal do estudo encontra-se um núcleo vertical que concentra as principais atividades e circulação, porém a forma como as unidades estão dispostas ao redor desse núcleo deixa propositalmente vazios. Esses espaços formam áreas livres que complementam a relação espacial entre o coberto e o descoberto, entre o público e o privado. Apesar de tudo, o principal ponto desses vazios são suas incertezas, seguramente desejável na procura de espaços vitais de habitação. Esses espaços podem ser uma oportunidade dada pela arquitetura de auto expressão e adaptação das preferencias, diversidades e necessidades dos serem humanos. 44

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Fig. 47. Detalhe da exposição com a seguinte frase por trás: Quanto mais você mistura funções, rendas e idades, mais humana a cidade se torna. Fonte: ribaj.com

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Fig. 48. Modelo exposto de proposta de Habitação: Nosso futuro urbano: Em 2050, dois terços da população mundial morarão em cidades. A única forma de desenvolvimento sustentável é a cidade compacta. Fonte: Do autor Fig. 49. Idem. Fig. 50. Habitando as pessoas: Demandar mais dos profissionais – Arquitetos. Engenheiros, Planejadores e Empreiteiros / Projetar casas adaptáveis e bairros que evoluíam, não estagnem. / Autoridades Públicas deveriam trabalhar com a comunidade, construindo mais, melhor e rápido. / Criar Espaços generosos privados e públicos, espaços vivos dentro e fora – Terraços, Balcões, Parques e Jardins. / Criar uma cultura de inovação no ramo habitacional, Baixo custo, Bom design, Pré-Fabricados, Construção Rápida e Alta Performance. Fonte: Do autor

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COMPLEXO CANTINHO DO CÉU Nome da Obra: Urbanização do Complexo Cantinho do Céu Data da Obra: 2010 (conclusão da primeira etapa) Arquiteto: Boldarini Arquitetura e Urbanismo Localização: Grajaú – São Paulo – Brasil Área do Loteamento: 200 hectares

Atualmente as políticas públicas referentes à melhoria na qualidade de vida de pessoas de baixa renda, direcionadas neste caso a habitações, vêm sendo algo crescente no Brasil. Com o agravante de por vezes tais moradias serem ilegalmente implantadas em áreas de cunho ambiental, a necessidade de equalizar o meio ambiente e a população necessitada de infraestrutura tornou as comentadas políticas públicas ainda mais eficazes. A Comunidade Cantinho do Céu é um exemplo de espaço apropriado por população de baixa renda com o agravante ambiental. Até os anos 50, o território onde hoje encontra-se a comunidade era pertencente à Mata Atlântica. No entanto, o cenário mudou quando em 1987, um empreendedor privado juntamente com a Cipramar lotearam a área, causando a destruição de massas vegetativas, tudo de forma ilegal, para vende lotes de 125m² para compradores de baixa renda. Muitas casas foram construídas sobre terrenos íngremes e portando riscos de desabamentos e erosões. Pode-se dizer que a situação era bem precária. Não havia pavimentação nas ruas, abastecimento de água potável e sistema de esgotamento e eletricidade. Porém, em 1994 o quadro começou a mudar e a população passa por alguns ganhos deste ano para frente: a implementação de caixas d’água, rede de esgoto e rede elétrica incluindo alguns pontos de iluminação pública, reconheceu-se, então, a real necessidade de melhorias urbanísticas como infraestrutura e equipamentos públicos para usufruto da população ali residente. É válido ressaltar que a importância da urbanização do Cantinho do Céu é principalmente pontuada pelo paradigma que causou frente ao tradicional método de resolução para problemas similares, métodos esses que consistiam basicamente em remover todos e recomeçar do zero. Morais (2015) descreve as relevâncias do projeto em: O Cantinho do Céu torna-se referência de projeto de urbanização de favela que não só tornou a comunidade num novo bairro de São Paulo como provou que é sim possível realizar a recuperação ambiental evitando a remoção de milhares de famílias. Promover segurança, infraestrutura e saneamento básico tem sua prioridade, no entanto, a arquitetura pode ser a ponte para o direito à cidade e seus benefícios, transformando a paisagem e ainda auxiliando na proteção ambiental. Apostar em estratégias projetuais que estabeleçam e aproximem as relações sociais e ambientais como a implantação de espaços públicos de qualidade pode ser a chave para o sucesso do projeto e respeito pelo ambiente que anteriormente era agredido e esquecido pelos seus próprios usuários. (MORAIS, 2015. Estratégias de Projeto em Assentamentos Periféricos para a Construção de Territórios Habitacionais. XXIII Congresso de Iniciação Científica da Unicamp)

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Fig. 51. Localização do Complexo Cantinho do Céu na cidade (acima) e no entorno (abaixo). Fonte: google.com.br/maps

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Fig. 52. Vista do deck com acesso à Represa Billings implementado (acima) e em fase projetual (abaixo). Fonte: archdaily.com.br

Atualmente o Cantinho do Céu abrange uma área aproximada de 154 hectares e abriga cerda de 30.000 moradores (9.789 famílias). Também está inserido numa Zona Especial de Interesse Social 1 e é comunidade prioritária no Programa Mananciais de São Paulo, cujo objetivos estão diretamente relacionados à qualidade de vida dos moradores com a área ambiental existente. Inicialmente, tratando-se de uma Área de Preservação Permanente (APP), a premissa era a retirada de todas as famílias ali existentes. No entanto, essa premissa foi revista e notou-se a impossibilidade de ser cumprida tanto pela amplitude da comunidade, tanto pela perda de identidade que todas essas famílias teriam de arcar. Logo, a medida tomada foi a retirada de parte dessas famílias, as que realmente correriam risco geotécnico ou que de alguma forma comprometesse a qualidade de água do reservatório que totalizavam um número de 2.483 famílias e, ao longo da execução, esse número fechou em 1.700 famílias. Objetivos da reurbanização da comunidade Cantinho de Céu: »» Instalação de rede de coleta de esgoto e abastecimento de água. »» Drenagem de águas pluviais. »» Realização de obras de contenção de encostas. »» Remoção de moradores em áreas de risco. »» Melhoria do sistema viário para pedestres e veículos. »» Implantação de iluminação pública eficiente. »» Acesso dos moradores aos serviços básicos de saúde e educação. »» Implantação de vastas áreas de lazer, equipamentos públicos e sociais.

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Fig. 53. Localização das moradias removidas. Fonte: vitruvius.com.br Fig. 54. Conexões reformuladas. Fonte: vitruvius.com.br Fig. 55. A mancha que inclui o parque e sistemas de áreas verdes. Fonte: vitruvius.com.br

O escritório Boldarini, responsável pelo projeto executivo e de detalhamento, esclarece que as vias de acesso foram ajustadas em sua geometria para uma maior padronização e novas ruas foram inclusas visando a articulação entre bairros, garantindo uma melhoria na locomoção dos moradores. Já as vias de menores caixas foram tratadas como vias compartilhadas, que recebem o fluxo de pedestres e de automóveis em velocidades reduzidas. Além disso, as praças existentes receberam suas devidas reformas e foram articuladas ao novo parque criado, gerando um sistema de espaços públicos. A proposta para o parque é que excetuando a faixa de famílias que não foi removida, tenha características semelhantes a de uma APP compensando as regras exigidas com o aumento da área do parque além do exigido pelo Código Florestal.s verdes. O parque divide-se em 6 trechos, totalizando aproximadamente 300.000m² que receberão diversos equipamentos que se espalham em função da predominância de faixa etária de cada trecho, elemento interessante para a concepção do partido. No primeiro trecho, por exemplo, foi implementado um conjunto de equipamentos de esporte e lazer, decks e circuitos com água na intenção de integrar a população com o ambiente. Foram implantadas também pista de skate, espaços de estar e uma variedade de paginação de piso para demarcar as diversas atividades do local.

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Fig. 56. Trecho 01 do parque, que abrange a ĂĄrea do residencial dos lagos (acima) e a respectiva maquete volumĂŠtrica (abaixo). Fonte: vitruvius.com.br

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CAPÍTULO 5 PROJETO

Fig. 57. Croquis: Parque Pajeú, escadaria que se conecta ao riacho.

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“Mas as favelas não fazem parte da cidade há mais de um século? Será necessária essa integração formal? Não seria uma imposição autoritária de uma estética formalista visando à uniformização do tecido urbano? (…) Uma outra forma de ação, inspirada na estética das favelas poderia ser interessante, e não só para as favelas, mas para a cidade como um todo (…). “ (JACQUES, 2002, p.14)

Essa intervenção tem início no momento da “quebra de barreiras”, em que o autor, transpassa as barreiras visuais, herméticas e sociais, e estabelece contato com uma realidade diversa. O Poço da Draga, sofre com o descaso das politicas publicas, mas ao contrario disso, percebe-se dentro da comunidade uma realidade irreverentemente ideal para a cidade formal que tanto segrega os que não “se encaixam” nesta. Alta densidade, pessoas e veículos compartilhando o mesmo espaço, muitas vezes, em harmonia, uso misto, uma inconsciente sensação de segurança que surge por meio da parceria, cumplicidade, convivência e unidade que ocorre nas relações interpessoais, e uma escala humana invejável das edificações. A espontaneidade do surgimento das comunidades de baixa renda, gerando formas orgânicas, que se assemelham, porque não, as cidades medievais europeias, ou aos fantásticos balneários gregos e italianos, certamente é possível tirar partido dos méritos dessa existência espontânea e tornar estas favelas ambientes igualmente prestigiosos. Acredita-se que o modo de fazer orgânico e emergente é pertença de uma longa tradição, a mesma responsável pela pitoresca cidade medieval, a mesma que terá originado a cidade colonial, e desvalorizada pelo pensamento modernista cuja base científica exigia uma perspectiva ordenadora e racional (MORIN, 1990) 81


A proposta intervém em todo o perímetro da comunidade, procurando obter soluções para os problemas e potencializar as qualidades diagnosticadas. O processo, porém, torna-se ainda mais complexo, no momento, em que surge a oportunidade, de aumentar essa área de intervenção. A possibilidade de restabelecer o contato da cidade e da comunidade com o mar, retirando a INACE, surgiu como ponto chave no processo de intervenção. Porém, surge junto deste desafio, uma série de questões, como intervir em duas escalas tão diversas? A barreira que segrega o Poço da Draga, não seria a mesma que o protege? Une-se o Poço a esse novo espaço? Ao analisar um ponto chave deste projeto, surge algumas respostas. A questão habitacional, inicialmente, seria tratada do modo tradicional, um grande bloco com diversos andares, possivelmente de uso misto abrigaria todas as famílias realocadas. Investigando as necessidades e desejos dos moradores, percebe-se, a quase total aversão aos famigerados prédios residenciais que emolduram Fortaleza. Adaptar-se as necessidades dos principais impactados por essa intervenção é necessariamente um ponto de partida para a mudança do conceito, de um grande bloco com altura considerável, para a repartição destas famílias relocadas em cinco blocos diferentes, com apenas, três pavimentos cada. A implantação destes é disposta de uma maneira tal, que a comunidade seja integrada a essas novas edificações, e que estas sejam uma transição suave entre o grande espaço público, na antiga INACE, e a pequena comunidade do Poço da Draga. Intervir em um espaço de 150.000m2, transformando uma área industrial em um parque urbano procurando restabelecer as conexões entre o centro da cidade e sua orla foi um desafio, por isso foi utilizado como premissa 12 conceitos que fizeram parte da exposição “Cidades para as Pessoas”, baseada na obra do urbanista dinamarquês Jan Gehl, são estes; proteção contra o tráfego, a segurança dos espações públicos, proteção contra experiências sensoriais desagradáveis, espaços para caminhar, espaços de permanência, ter onde sentar, a possibilidade de observar, a oportunidade de conversar, locais para se exercitar, respeitar a escala humana, possibilidade de aproveitar o clima e ter uma boa experiência sensorial. O desenho do projeto desenvolve-se a partir de uma série de ideias “rabiscadas”. Procurar alinhar as diretrizes de projeto com o desenho da proposta é um fator crucial para um resultado final maduro. Com as imagens a seguir, procura-se materializar o desenvolvimento das ideias e explicar como o resultado final foi obtido. No primeiro desenho, os círculos representam conexões chaves a se trabalhar, como primeira intenção surge o desejo de passar uma grande avenida conectando a Conde D’eu e a rua dos tabajaras. No segundo desenho, traça-se linhas, estas em amarelo, na qual seriam as principais vias de passeio por meio do novo espaço, a grande avenida, agora com um desenho mais claro junta-se a outras ideias que começam a permear o papel, como um parque no Poço da Draga, uma área destinada a esportes, escadaria no novo espigão, o reuso dos galpões para fins ainda não definidos, uma nova praça no espaço que hoje é a CIDAO, uma implantação mais madura da habitação de interesse social e ainda ideias que não passaram deste desenho, como uma grande passarela que conectaria o final da Rua Barão do Rio Branco até o novo espaço a beira da orla. No terceiro desenho, após um amadurecimento de ideias, buscou-se selecionar as melhores ideias e excluir as que não se encaixavam com o perfil de projeto procurado, o traçado do lápis mais orgânico já previa o resultado que viria a aparecer no masterplan final. O primeiro ponto que foi observado e discutido e assim excluído, foi a grande avenida, que além da escala não condizer com a escala da comunidade e com as reais necessidades da cidade, iria de contraponto aos doze conceitos que procurou-se seguir para um bom projeto urbano. Um parque a margem do riacho Pajeú, um passeio conectando a orla de leste a oeste com um grande espaço para eventos diversos a beira de orla, passeios conectando a área da comunidade com o novo parque urbano e uma via compartilhada marcando a entrada da comunidade e conectando-se com a praça no antigo local do posto de gasolina¬. Nesta fase foi realizada uma série de croquis, que viria a ajudar a amadurecer o projeto, propõem-se em um destes, um “rasgo” no antigo prédio da CIDAO, que potencializaria a conexão entre a avenida almirante Tamandaré, o poço da draga e o novo parque. A via compartilhada foi pensada com muitas cores, o anfiteatro, a margem do Pajeú e a via principal da comunidade foram também desenhadas para materializar os pensamentos. 82


Fig. 58. Croquis: “Rasgo na edificação CIDAO”, conectando a almirante Tamandaré com o poço da draga. Fig. 59. Croquis: Via compartilhada na entrada do poço da draga, com paginação de piso diferenciada. 83


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Fig. 60. Croquis: Parque Pajeú, ambiente bucólico. Fig. 61. Croquis: anfiteatro Fig. 62. Desenho 1

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Fig. 63. Desenho 2 Fig. 64. Desenho 3

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A PROPOSTA DESENHO Procurou-se traçar o parque urbano de forma orgânica, porém permitindo o visitante a traçar fluxos objetivos pautados nos estudos das principais conexões a serem feitas, observa-se que o desenho tradicional de orla foi utilizado, o “calçadão” margeia todo o oceano da ponta leste a oeste, conectando-se em alguns pontos chaves com o traçado orgânico do parque. O traçado do parque envolve e ao mesmo tempo protege duas áreas importantes, o playground e o anfiteatro. O desenho ramifica-se apontando dois pontos principais, a orla, representado no desenho pelo grande espaço aberto, e o pavilhão atlântico, que aparece como um ponto de conexão entre a orla da praia de Iracema e a nova orla pública. Por meio da paginação de piso, a ligação entre o parque e a comunidade permanece viva mesmo que o visitante esteja distante fisicamente de um ou do outro. Dentro da comunidade o desenho, pautou-se principalmente na permeabilidade, alguns caminhos foram traçados para induzir o morador a andar por certos percursos. ­

ACESSIBILIDADE Pensando no desenho universal, idealizou-se toda uma readequação de níveis de forma a tornar todo o projeto acessível. Sempre que possível, os desníveis são vencidos por suaves inclinações (de até 4%) ou quando necessário por rampas. Informações em braile estarão presentes nos tótens de sinalização, bebedouros e lixeiras. Demais equipamentos contarão com um desenho especial para atender todas as pessoas portadoras de necessidades especiais.

ILUMINAÇÃO Os atuais postes de luz serão substituídos por elementos mais adequados que possam atender diferentes escalas de iluminação, tornando a praça um lugar seguro e atrativo no período noturno. Pontos de luz também estarão presentes abaixo dos bancos, em balizadores na altura do pedestre e no chão ressaltando os elementos de destaque do paisagismo.

EQUIPAMENTOS Todos os equipamentos do projeto foram pensados para uma execução simples, barata e que minimize manutenção: os bancos são elementos fixos em concreto moldado in loco, os pergolados deverão ser construídos em madeira certificada com tratamento antifungo e os postes e tótens são em aço inoxidável. Já o mobiliário da praça CIDAO será composto por três tipos de blocos em diferentes alturas, estes revestidos por cerâmicas e ecomadeiras.

PROJETO DE PLANTIO O principal partido dentro do parque para o plantio foi de criar um envelope arbóreo utilizando principalmente a arborização já existente e adicionando para o contorno do riacho pajeú e do anfitratro espécies nativas. Dentro da comunidade preservou-se a maioria das árvores já existente. Entre as vielas sópara pedestres na comunidade foi adicionado arvores de pesqueno e médio porte para melhorar a condição climática dentro da comunidade. 88


01 Nome Científico: Tabebuia impetiginosa 
 Nome Popular: Ipê-roxo 
 Família: Bignoniaceae 
 Categoria: Árvores, Árvores Ornamentais 
 Clima: Equatorial, Subtropical, Tropical 
 Altura: 6.0 a 9.0 metros 
 Luminosidade: Sol Pleno 
 Ciclo de Vida: Perene 
 Características: possui flores muito bonitas. Perde todas (ou parte das) folhas durante a floração, e se enche de flores roxas, oferecendo um espetáculo visual.

02 Nome Científico: Tabebuia aurea
 Nome Popular: Caraúba ou ipêamarelo-do-cerrado
 Família: Bignoniaceae
 Categoria: Árvores, Árvores Ornamentais
 Clima: Equatorial, Subtropical, Tropical
 Altura: 4.0 a 8.0 metros
 Luminosidade: Sol Pleno
 Ciclo de Vida: Perene
 Características: Fornece sombra e tem flores amarelas em cachos, que atraem beija-flores.

03 Nome Científico: Tabebuia roseo-alba

Altura: 6.0 a 12.0 metros

Nome Popular: Ipê-branco

Luminosidade: Sol Pleno

Família: Bignoniaceae

Ciclo de Vida: Perene

Categoria: Árvores, Árvores Ornamentais

Características: árvore nativa das florestas do litoral do Ceará, possui belíssimas flores brancas.

Clima: Subtropical, Tropical
 Origem: América do Sul

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04 Nome Científico: Andira surinamensis 
 Nome Popular: Angelim 
 Família: Fabaceae Faboideae 
 Categoria: Árvores, Árvores Ornamentais 
 Clima: Subtropical, tropical 
 Altura: 14.0 a 18.0 metros 
 Luminosidade: Sol Pleno 
 Ciclo de Vida: Perene 
 Características: tem boa sombra e flores muito bonitas. Durante a floração sua beleza chama a atenção de quem passa pelas ruas.

05 Nome Científico: Byrsonima sericea 
 Nome Popular: Murici 
 Família: Malpighiaceae 
 Categoria: Árvores, Árvores Ornamentais 
 Altura: 7.0 a 20.0 metros 
 Características: árvore, nativa do litoral e serras do Ceará, é bem ornamental, com belas flores amarelas e frutos que atraem aves, além de sombra agradável. Uma boa opção para ruas e praças.

06 Nome Científico: Auxemma oncocalyx 
 Nome Popular: Pau-branco
 Família: Boraginaceae 
 Categoria: Árvores, Árvoretas

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Altura: 12.0 metros 
 Características: flores bonitas e sombra moderada. Já é usada na arborização de Fortaleza, mas ainda com baixa abundância.


07 Nome Científico: Licania tomentosa
 Nome Popular: Oiti
 Família: Chrysobalanaceae
 Categoria: Árvores, Árvores Ornamentais
 Clima: Equatorial, Oceânico, Tropical
 Origem: América do Sul, Brasil
 Altura: 6.0 a 9.0 metros, 9.0 a 12 metros, acima de 12 metros
• Luminosidade: Sol Pleno
• Ciclo de Vida: Perene
• Características: uma das poucas árvores nativas a estar presente entre as mais cultivadas em Fortaleza. Tem ótima sombra. Indivíduos muito antigos estão presentes em algumas avenidas e praças de Fortaleza, especialmente no Centro.

FORRAÇÃO Nome Científico: Sphagneticola trilobata
 Nomes Populares: Vedélia

08 Nome Científico: Licania rigida 
 Nome Popular: Oiticica 
 Família: Chrysobalanaceae 
 Categoria: Árvores, Árvores Ornamen- tais 
 Clima: Equatorial, Oceânico, Tropical 
 Origem: América do Sul, Brasil 
 Altura: 15.0 metros

Família: Asteraceae
 Categoria: Flores Perenes, Forrações à Meia Sombra, Forrações ao Sol Pleno Clima: Equatorial, Oceânico, Subtropical, Tropical Origem: América do Sul, Brasil Altura: 0.1 a 0.3 metros Luminosidade: Meia Sombra, Sol Pleno Ciclo de Vida: Perene
 (Fonte: Marcelo Freire Moro)

Luminosidade: Sol Pleno 
 Ciclo de Vida: Perene 
 Características: Outra árvore emblemática da Caatinga, pois fica muito grande e não perde as folhas na estação seca. É uma espécie de grande porte, adequada à arborização de praças e avenidas. Apenas alguns exemplares antigos estão presentes em Fortaleza.

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PAVIMENTAÇÃO Nas vias compartilhadas e na Av. Almirante do Tamandaré o asfalto será retirado e em substituição será colocado “Blocos de Concreto Intertravado Permeável de Juntas Alargadas na cor grafite”, o que viabiliza uma redução na velocidade dos carros que transitam na via proporcionando segurança ao pedestre. Os passeios serão revestidos com piso intertravado natural e a praça CIDAO utilizará “Placa Permeável Drenante de Concreto Poroso – Cor Neutra. As ciclofaixas e ciclovias serão de “Concreto Poroso Drenante Retangular - Cor Vermelho. Todos os pisos acima descritos são da empresa: Orterprem – Blocos e Pisos Intertravados de Concreto. A pavimentação dentro da comunidade será feita nas vias exclusivamente para pedestres no piso intertravado cor camurça e nas vias aonde poderão transitar veículos automotivos o piso será o intertravado cor grafite, e nos passeios a cor intertravado natural será a utilizada. Todo o piso ao redor do riacho Pajeú, ao redor do riacho dentro da comunidade do Poço da Draga e na orla do novo parque serão em ecomadeira, que é um piso ecologicamente correto e sustentável composto de 70% de resíduos plásticos industriais e domésticos e 30% de resíduos de fibras naturais como casca de arroz, casca de coco, raspa de couro, juta, dentre muitos outros. Sua aparência, ao contrário ao das madeiras puramente plásticas, muito se assemelha à madeira natural, pois é proveniente de resíduos plásticos e fibras vegetais, resultado de um complexo e patenteado processo de transformação, único no mercado. Resistente a impactos, não racha e não solta farpas. É imune à ação de cupins, pragas, germes e mofos. Não apodrece, é impermeável, podendo ficar exposta a condições climáticas extremas sem alteração de suas características e, para sua limpeza, basta usar a água e sabão. Além disso, dispensa pintura e manutenção. Fonte (http://sustentarqui.com.br/produtos/ecomadeira/)

Dentro do parque serão utilizados ainda piso intertravado cor natural, placas cimenticias prémoldadas, além de piso concregrama nas áreas de estacionamento. Fig. 65. Tipos de pavimentação utilizadas no projeto

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1 - estacionamento 2 - quadra poliesportiva

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3 - quadra de volêi 4 - campo de futebol 5 - galpão de esportes 6 - ponto de informações 7 - administrativ/manutenção/segurança 8 - galpão de alimentação 9 - anfiteatro 10 - playground

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11 - centro de apoio aos esportes náuticos 12 - skate park 13 - espaço para grandes aglomerações -

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14 - espigão 15 - marina pública 16 - pista de atletismo 17 - aparelhos de ginástica 14

18 - horta comunitária

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19 - praça CIDAO 20 - pavilhão atlântico 21 - ponte metálica

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22 - praça SEFAZ

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23 - boulevard do poço

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Marina Pública, espaço inexistente na orla de fortaleza.

espigões como espaços de contemplação, serão preservados e recuperados os dois guindastes já existentes, resguardando a memória do local e proporcionando aos visitantes uma experiência visual. Entre os espigões uma escadaria unirá o passeio ao mar, porporcionando os visitantes uma experiencia sensorial e visual

Grande espaço aberto a beira de orla, servirá como espaço de convivência, podendo o mesmo ser utilizado para atividades de aglomeração de pessoas, como passeatas, protestos, shows, festas

teatro ao ar-livre, localizado no coração do espaço arborizada do novo parque, circundado por árvores de grande porte que protegerão o usuário.

Ga;pão será reutilizado, agora para fins alimentícios.

área para esportes, com campo de futebol, duas quadras poliesportivas, duas quadras de volêi e estacionamento ao lado. Ao lado edificação que conteplará a área com espaço de café, manuntenção e vestiários.

O riacho pajeú será requalificado junto com sua arborização nativa, em sua margem a paginação de piso sofrerá recortes e contará sua história e da cidade de Fortaleza.

Bancos ao redor do pavilhão atlântico potencializarão seu uso como espaço de aglomeração da comunidade, paginação de piso com led’s embutido no mesmo, apoiados por bancos, marcarão a entrada da antiga ponte metálica, trazendo ao morador do poço mais um motivo de orgalhar-se deste local

Espaço de praia para banhistas.

Playground que utilizará barco restaurado e adapatado como principal “brinquedo”, proporcionando as crianças contato com a memória do local e novas experiências não existentes na cidade.

Gramados com arborização de grande porte proporcionando sobreamento de qualidade em várias horas do dia, estes espaços serão contemplados com esculturas de artistas cearenses.

Nova praça derrubando os muros que ali existiram no espaço da antiga CIDAO. Paginação de piso diferenciada marcará aonde foram localizados os antigos depósitos resguardando a memória do local. Mobiliário simples e multifacetários proporcionará aos usuáris diferentes tipos de uso a adaptar-se as vontades destes.

Ga;pão será reutilizado, agora para fins esportivos.

Novo espaço urbano da comunidade do Poço integrando campo de futebol e quadra poliesportiva com as novas habitações e as moradias preservadas. Pista de atletismo, horta comunitária, espaço fitness, área de caminhada potencializam os pontos positivos da comunidade.

O ponto de ónibus existente na avenida pessoa anta será deslocado para a nova praça. Nesta os transeuntes poderão utilizar os dois platôs que darão uma escala diferente ao terreno, compondo com uma coberta metálica que protegerá estes de intempéries climaticos.

escala 1:2500


MASTERPLAN 0 5 10 20

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Seção 5 Seção 3

Seção 4 Seção 1

Seção 2

escala 1:2500




Legenda

arvore grande porte

piso ecomadeira

intertravado vermelho

intertravado grafite

intertravado camurça

arvore médio e pequeno porte

arvore existente grande porte

blocos de concreto

piso cimentício

arvore existente médio e pequeno porte

intertravado natural arvore médio e pequeno porte com floração

família Arecaceae (palmeira, coqueiro)

vegetação arbustiva

visão do observador (perspectivas eletrônicas)

concregrama


Seção 1 0 12345

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Corte B 0

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0,00m

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Perspectiva 1

Perspectiva 3

Perspectiva 2


Seção 2

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escala: 1/500


Perpectiva 4


Seção 3

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escala: 1/500


Vista 1

escala: 1/250

Corte C

escala: 1/250


Perpectiva 5


Seção 4

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escala: 1/500


Perpectiva 6


Seção 5

2,20m

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escala: 1/500


HABITAÇÃO

Perpectiva 8

Perpectiva 7

Perpectiva 9

A implantação das habitações como foi sugerido anteriormente possui o fator de conexão, e ou, barreira, entre o parque urbano e a comunidade do Poço da Draga. Buscando uma simplicidade volumétrica, procurou-se utilizar de materiais com baixo custo, alinhando com ideias que trouxessem identidade a essas edificações e aos que lá habitariam. O uso dos cobogós de concreto é um desses elementos que trazem identidade as edificações, porém seu uso primeiramente foi devido a melhoria do conforto térmico aproveitando os ventos que sopram abundantemente naquela região da cidade. Outro aspecto estético, são os pórticos que emolduram as circulações verticais nos blocos, cada bloco terá uma cor específica, sugerindo um possível sentimento de apropriação do futuro morador que habitará o bloco azul, ou o amarelo, ou o verde, assim por diante. No andar térreo de alguns blocos procurou-se inserir pontos comerciáveis, criando condições de fluxo e interações interpessoais, aspecto de suma importância para gerar a esperada urbanidade. O baixo gabarito das edificações, três pavimentos, possibilitará uma forte conexão entre o morador e a “rua”. Três tipologias diferentes foram usadas para projetar os blocos, uma com 45m2, dois quartos e um banheiro, outra de 75m2, com dois quartos e dois banheiros e uma tipologia duplex que inicialmente possui 63m2 com possiblidade de expansão de 20m2.


IMPLANTAÇÃO DA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL o1

Bloco 2

c Blo

Bloco 4

Bloco 3

rosa dos ventos (média anual Fortaleza) N

O

E

Bloco 5 S

esc: 1/750










CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegar a este ponto me envolve com um misto de sentimentos; alívio, felicidade, preocupação e dúvidas são alguns que posso citar. Porém, sem dúvida alguma, o sentimento de materializar um produto que de alguma forma ou outra possui uma preocupação social, já por si só, fez valer todas as noites mal dormidas durante estes cinco anos cursando arquitetura e urbanismo. Ao logo deste tempo, vários mestres enfatizaram a importância de pensarmos grande, pensarmos diferente do que estamos acostumados a observar ao nosso redor. O desafio de propor um projeto urbano para uma favela, ao mesmo tempo propor uma habitação de interesse social já era grande, unindo-se a isso, surge um desafio ainda maior, o de propor um parque urbano para a cidade. Muitas vezes passou pela minha cabeça se realmente valeria a pena se arriscar em intervir em uma área tão grande, se eu conseguiria chegar a um certo nível de detalhamento esperado, porém, como já diria algum sábio, se ainda está na sua cabeça, é porque vale a pena arriscar. E foi arriscado, as ideias apresentadas neste trabalho são apenas hipóteses levantadas dentro deste tema tão amplo aqui apresentado, porém, podem ser usadas para um futuro projeto, ou, porque não, para embasar a defesa da comunidade do Poço da Draga de alguma futura intervenção agressiva... já valeria a pena.

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BIBLIOGRAFIA

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