1. Introdução Desde o corte dos cursos no dia 20 de Novembro, os estudantes prejudicados têm encarado uma jornada longa e cansativa. Partindo da ação judicial, passando por participações em reuniões técnicas na Câmara dos Deputados, visitas presenciais ao CNPq e Capes e entrevistas para a imprensa, o Movimento Ciência com Fronteiras tem acompanhado as declarações dos presidentes dos órgãos gestores do Programa Ciência sem Fronteiras. E é com base nelas que apresenta o presente manifesto técnico, expondo fatos e provas que rebatem os dados informados nos meios de comunicação. É importante ressaltar que o Movimento não reivindica a inclusão definitiva dos cursos retirados no Programa Ciência sem Fronteiras. O objetivo que caracteriza o pedido de tutela antecipada assegurado pela Justiça Federal baseia-se no dano de estudantes que se prepararam, psicológica e financeiramente, para a abertura das inscrições com viagens previstas para Setembro de 2013. Por hora, queremos apenas assegurar que estes alunos tenham seu direito de participar garantido pelo governo. O Movimento reconhece a legitimidade do objetivo do programa, focado no desenvolvimento de ciência e tecnologia (ainda que seja no mínimo desrespeitoso não conceber as áreas Humanas como ciência e pressupor que é incapaz de gerar tecnologia), mas questiona a legitimidade em se abrir precedente em duas chamadas para depois configurar uma inesperada restrição. Também se ressalta aqui que o questionamento estende-se apenas a editais abertos desde o início do ano; Alemanha, Austrália, Canadá, Coréia do Sul, Holanda e Reino Unido. O Manifesto Técnico do Movimento Ciência com Fronteiras busca, portanto, apresentar por meios práticos, administrativos e teóricos, argumentos que embasam a ação civil pública movida contra a União.
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2. Argumentos práticos 2.1 Da inexistência de vagas nas universidades parceiras do programa de intercâmbio acadêmico Uma breve pesquisa comprova a fragilidade deste argumento utilizado pela Capes/CNPq. Para efeito de amostragem, selecionamos quatro países que aceitam inscrições. 2.1.1 Austrália (Consórcio Go8) Questionada no dia 26 de novembro1 sobre a inexistência de vagas para alunos dos cursos excluídos, a coordenadora do programa dentro da Latino Australia Education (LAE Brasil), sra. Erika Watanabe, foi enfática ao dizer que não existe nenhuma indisposição por parte das universidades parceiras. Dentre as instituições que estão aptas a receber estes estudantes estão a University of Western Australia, University of Queensland e Monash University, entre outras. 2.1.2 Canadá Em conformidade com o edital lançado no início do ano, o site do consórcio CBIE2, que oferece a maior parte das bolsas para o Canadá assim define a área de Indústria, uma das que mais sofreu cortes: Indústria Criativa (arquitetura, design, software, jogos de computadores, publicidade, filme, vídeo, fotografia, música, dança, editoração), voltados a produtos e processos para desenvolvimento tecnológico e inovação;
Publicidade e Propaganda, Cinema, Jornalismo/Fotojornalismo, Música, Dança e Biblioteconomia são apenas alguns dos cursos não mais contemplados pelo Ciência sem Fronteiras. 2.1.3 Holanda
1A resposta pode ser conferida pelo link – http://on.fb.me/U9KoER
2 Para verificar a informação, acesse – http://bit.ly/TxE7YK 2
Em e-mail recebido seis dias antes do início da segunda chamada dentre os editais abertos, a estudante de psicologia Joyce Nascimento recebeu a confirmação da University of Groningen3 de que seu curso era contemplado pelo Ciência sem Fronteiras e que ela não teria maiores problemas em se aplicar para a instituição. Iris de Boer [coordenadora de psicologia] sabe sobre o Programa CsF e o curso de Psicologia está aberto para estudantes do Ciência sem Fronteiras na Universidade de Groningen. Iris vai contatar você quando ela souber que você foi aceita pela coordenação do programa. (Tradução própria)
2.1.4 Reino Unido No último dia 22 de Dezembro, a Universities UK (UUK) divulgou um documento4 contendo a lista de todas as universidades que participarão do programa e os respectivos cursos ofertados. Eis a lista de instituições que dizem aceitar alguns dos cursos excluídos: Anglia Ruskin University, Birmingham City University, Cardiff Metropolitan University, Coventry University, De Montfort University, Edge Hill University, Glasgow Caledonian University, Guildhall School of Music and Drama, Heriot-Watt University, Keele University, Kingston University, Leeds Metropolitan Universit, Loughborough University, Nottingham Trent University, Queen's University Belfast, Roehampton University, Sheffield Hallam University, Teesside University, The University of Kent, The University of Reading, The University of Salford, The University of West London, University College Falmouth, University of Bristol, University of Chester, University of Dundee, University of East Anglia, University of East London, University of Exeter, University of Glamorgan, University of Glasgow, University of Hertfordshire, University of Portsmouth, University of Sunderland, University of Surrey, University of the Arts London, University of the West of England, University of Ulster, University of Wolverhampton. Importante destacar que as universidades com o nome em negrito estão abertas apenas para estudantes provenientes dos cursos excluídos.
3 A cópia do e-mail encontra-se em – http://bit.ly/UmQiVM 4 Documento disponível na íntegra em - http://migre.me/cycV5 3
2.2 Da inexistência de vagas ociosas para o programa Durante entrevista cedida ao programa Ensino Superior da Univesp TV, o presidente do CNPq, sr. Glacius Oliva afirma no minuto 04:38 que existe demanda para preenchimento das bolsas ofertadas pelo Ciência sem Fronteiras, o que teoricamente faria com que estudantes de humanas ocupassem as vagas de outros provenientes de áreas consideradas de maior prioridade. O dado tem se apresentado incorreto. O ano de 2012 se encerrou com apenas 20% da meta de 101 mil bolsas previstas até 2014. Das quase 2.000 bolsas oferecidas pelo programa para entrada em Janeiro de 2013 no edital do Reino Unido, por exemplo, apenas 554 foram ocupadas 5. No consórcio Go8 da Austrália também não foi diferente; das 1.000 bolsas oferecidas, apenas 384 foram ocupadas. A principal barreira oferecida é a proficiência em idiomas. Como forma de promover o acesso facilitado de estudantes, o governo tem oferecido padrões impensáveis de proficiência para os interessados em participar. Para o edital da UUK, por exemplo, tem sido exigida a pontuação de 4.5 (de um universo de 9.0) no Internacional English Test System (IELTS) para aprovação condicionada a curso de inglês. No edital da Austrália, é pedida a pontuação de 39 (de um universo de 120) no Test of English as a Foreign Language (TOEFL). O padrão internacional Common European Framework of Reference for Languages assim definem a referida faixa de idioma exigida pelo governo: É capaz de compreender os pontos principais de assuntos abordados no trabalho, lazer, escola, etc É capaz de lidar com a maioria das situações que podem surgir durante uma viagem a um local onde a língua é falada. Consegue produzir textos simples sobre temas que lhe são familiares ou de interesse pessoal. Pode descrever experiências e eventos, sonhos, esperanças e ambições, bem como expor brevemente razões e explicações para opiniões e planos. (Tradução própria)
O próprio British Council/IELTS assim define a banda 4.0 de seu exame:
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De acordo com a lista de aprovados disponível no site do programa pelo link - http://migre.me/cyfSu
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“Competência básica limitada a situações familiares. Tem problemas frequentes no uso de linguagem complexa. (Tradução própria)”.
Universidades reconhecidas no Reino Unido costumam exigir de seu candidato um resultado de pelo menos 6.0, sendo mais comum o resultado de 6.5+. É evidente que estudar em uma universidade exige mais que o domínio básico de situações do cotidiano. É necessário um conhecimento profundo de vocabulário acadêmico específico, indispensável para a compreensão das aulas. Conhecimento esse que dificilmente será adquirido na totalidade com apenas 6 meses de curso oferecidos pelo governo. Em contrapartida, para efeito de amostragem, o estudante de Comunicação na Universidade Federal de Minas Gerais Pedro Pinho, apresenta resultado de 117 no TOEFL6 (o equivalente a aproximadamente 8.5 no IELTS) e está impedido de tentar. 2.3 – Da inexistência de corte de cursos Ao longo de várias reportagens, a Capes e o CNPq vêm afirmando que não houve corte de cursos, mas sim uma maior especificação da área de Indústria Criativa. Este é apenas um argumento técnico. Segundo reportagem do Jornal Estado de São Paulo, 1.114 estudantes provenientes dos cursos – reafirmamos – que foram cortados viajaram por meio do Ciência sem Fronteiras. Se alunos dos mesmos cursos não mais podem fazer o intercâmbio, fica claro que houve corte e trata-se de uma especificação puramente burocrática. Ainda assim, a informação de que “houve especificação, não exclusão” foi contradita pelos próprios representantes da Capes e do CNPq em Audiência Pública convocada pelo deputado Izalci (PSDB-DF) na Câmara dos Deputados para tratar do programa. De acordo com reportagem cedida pela Agência Câmara e reproduzida pelo Portal IG, ao ser questionado sobre a exclusão, o coordenador do Ciência sem Fronteiras, Geraldo Nunes, assim justificou: “Então
houve
uma
retirada:
jornalismo,
administração,
comunicação, etc (...) para que os próximos editais contemplassem exclusivamente as áreas que fossem com enfoque exclusivo tecnológico”.
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O resultado do estudante, disponibilizado on-line pela ETS, pode ser visto em - http://migre.me/cyhxd
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Em suma, a inexistência do corte é um argumento tão fraco que não é reconhecido nem mesmo pela totalidade da própria coordenação do programa. 2.4 – Da independência de chamadas e do lançamento de novos editais Em entrevista ao Jornal Estado de São Paulo, o presidente da Capes, sr. Jorge Guimarães, disse que “cada chamada é um edital novo. Não teríamos a quem informar previamente”. A informação é de uma imprecisão tão absurda que chega a assustar que o presidente de uma instituição nacional não tenha conhecimento dos editais de um dos maiores programas da agência que gerencia. Como é bastante fácil perceber ao abrir os editais que questionamos judicialmente (Alemanha, Austrália, Canadá, Coréia do Sul, Holanda e Reino Unido), o calendário destes prevê um único edital com duas datas de inscrições diferentes. Como exemplo, citamos o edital do Reino Unido7, cuja disposição 11 denominada “Cronograma”, mostra claramente que existem entradas em Janeiro e Setembro. Há, portanto, um único edital para dois períodos de inscrição distintos. 2.5 Da inexistência de dano aos estudantes excluídos Reportagem publicada pelo Jornal Correio Braziliense no dia 27 de Novembro de 2012 reproduz uma fala do Presidente do CNPq Glacius Oliva. A reportagem cita que “segundo Oliva, a alteração no edital não prejudica os alunos dos cursos não constados em edital”. A fala do sr. Presidente mostra desconhecer os custos financeiros provenientes da participação no Ciência sem Fronteiras. Para estar apto a se inscrever, é necessário uma série de pré-requisitos, sendo os mais onerosos o passaporte e o exame de proficiência em idioma. É de conhecimento público o custo para retirada do passaporte brasileiro (R$156 pagos à União Federal). Da mesma forma, exames de proficiência são bastante caros para estudantes de graduação que, não raro, só conseguem manter seus estudos com
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Disponível no site do programa “Ciência sem Fronteiras” pelo link - http://bit.ly/QylX0z
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ajuda financeira dos pais. Na deste documento, o TOEFL custava US$210 e o IELTS, R$440. O processo enviado à justiça e que será apreciado em segunda instância contém comprovantes de pagamento para realização das provas internacionais, bem como outros gastos provenientes delas como cursos preparatórios e viagens (passagens aéreas e hospedagem) para realização das mesmas em outra parte do país (já que muitas vezes, elas são oferecidas apenas em algumas regiões). Assim, dizer que a alteração não prejudica os alunos excluídos é uma afirmação infundada e que não leva em conta o esforço empreendido pelos candidatos. 2.6 Da existência de programas da Capes para estudantes de Ciências Humanas Em mais de uma ocasião, a Capes e o CNPq afirmaram que os cursos das áreas de Ciências Humanas continuavam sendo atendidos pelo governo em chamadas até mesmo menos concorridas. Um breve acesso ao site da instituição constata que essa oferta é bastante limitada e não oferece os mesmos benefícios que o programa Ciência sem Fronteiras. Em sua maioria, são editais desenvolvidos pensando unicamente nas graduações de Licenciatura (o que excluiria cursos como Cinema, Jornalismo, Publicidade, Imagem & Som, Midialogia, entre outros) ou focados em Mestrado e Doutorado Pleno e Sanduíche. Como a retificação do Ciência sem Fronteiras é uma ação voltada para os cursos de graduação, bolsas de Mestrado e Doutorado não satisfazem a necessidade dos candidatos atualmente prejudicados. Além disso, a Capes não oferece grande variedade de bolsas de Graduação Sanduíche e quando o faz, é através de chamadas pontuais e restritas a alguns países. Como exemplo, citamos o Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI)8, o único atualmente que atende a graduação e responsável por distribuir bolsas para estudantes de Artes, Educação Física, Matemática, entre outros. As bolsas disponíveis contemplam apenas universidades portuguesas como a Universidade Nova de Lisboa, Universidade da Beira Interior, Universidade do Algarve e a Universidade de Aveiro. O edital do PLI, que não contempla Bacharelado, ainda cita entre os requisitos:
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Informações retiradas do site da Capes no link - http://migre.me/cyqeV
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3.1 Alunos ingressantes no Ensino Superior no ano de 2010, tendo cursado até o primeiro semestre letivo de 2011 pelo menos dois semestres; 3.2 Ter cursado todo o ensino médio e pelo menos dois anos do ensino fundamental, em escolas públicas brasileiras.
Estas são cláusulas excludentes para muitos candidatos do Ciência sem Fronteiras. Conclui-se, portanto que só as chamadas da Capes não são o suficiente para atender os estudantes excluídos pela retificação dos editais. 2.7 Da inexistência de argumentos técnicos que embasem o corte de cursos de Saúde A retificação lançada pelo Ciência sem Fronteiras excluiu cursos como Nutrição, Enfermagem, Psicologia e Fisioterapia, mas manteve Medicina e Odontologia. Questionado sobre o corte de áreas correlatas durante a Audiência Pública realizada pelo deputado Izalci (PSDB-DF) na Câmara dos Deputados, o coordenador Geraldo Nunes não soube justificar a retirada, dizendo que repassaria a questão para uma reunião que teria em seguida. A questão parece contemplar não a validade tecnológica e científica dos cursos, mas a tradição de graduações como Odontologia e Medicina no Brasil. Não existem quaisquer manifestações da Capes e do CNPq no sentido de justificar a retirada dos alunos de saúde. 2.8 Das divergências com o e-MEC Um dos grandes problemas advindos da retificação e também abordado pelo Movimento Ciência com Fronteiras diz respeito da disparidade quanto às nomenclaturas de alguns cursos como Design e Sistemas de Informação, impedidos de se inscreverem no programa por um erro simples. Ao lançarem a chamada, o CNPq e a Capes divulgaram também uma lista de cursos elegíveis. Porém, ao elaborarem tal documento, não levaram em conta o nome oficial dos cursos na plataforma do e-MEC. A mudança causou transtornos para alunos de graduações com o mesmo currículo, mas com nomenclaturas diferentes.
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Desde 2010, uma portaria do Ministério da Educação determina a padronização e consequente mudança dos nomes dos cursos na área de Design. Um exemplo é Desenho Industrial, que passou a ser chamado de Curso Superior de Tecnologia em Design. Entretanto, embora os novos nomes constem na plataforma do e-MEC, responsável pelas alterações, a nomenclatura não foi seguida pelo Ciência sem Fronteiras que impede a inscrição desses alunos por uma questão unicamente burocrática. A mesma situação atinge alunos de Sistemas de Informação, cujo curso é chamado pelo Ciência sem Fronteiras como Análise de Sistema de Informação. A graduação com nome conforme pedido na inscrição só é oferecida em uma única universidade do país. A lista chega a conter nomes de cursos que não existem no e-MEC como é o caso de Software Livre. 2.9 Da validade dos exames O MEC e o MCTI têm insistido na máxima de que o esforço empreendido para retirar certificação não foi em vão e que os estudantes certamente poderão utilizar o exame em oportunidades vindouras. Não funciona assim. Tanto os exames do TOEFL e do IELTS são válidos apenas por dois anos. Expirado este período, as notas obtidas deixam de ter valor. O mecanismo funciona assim devido a um fator simples: aquele que deixa de praticar um segundo idioma acaba esquecendo-o. Dois anos são considerados prazo padrão para mudança de nível, seja para cima ou para baixo. Da mesma forma, dizer que o investimento para aprender a língua não se perde é desconhecer a forma como os testes de proficiência são criados. Ninguém que não saiba inglês consegue realizar um exame do TOEFL, por exemplo, porque este é desenvolvido para avaliar a nível avançado. Assim, as pessoas que gastaram com cursos preparatórios não buscavam aprender inglês, mas sim entender a dinâmica da prova cujas notas vencerão em futuro próximo. O caso é ainda mais complicado no que tange ao intercâmbio para o Canadá/França (pedimos a inclusão apenas no primeiro). O estudante de Comunicação da
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Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jean Carlos Pereira da Costa9 realizou um teste específico, denominado “Teste de Proficiência Francesa CNPQ/Capes”, fruto de cooperação entre as agências com a Aliança Francesa. Neste caso específico, além de ser utilizado apenas para os programas governamentais de intercâmbio, o exame tem validade de apenas um ano, configurando perda irreparável caso o mesmo não possa se inscrever. 2.10 Da porcentagem de integralização dos cursos Para participar do Ciência sem Fronteiras, o candidato deve ter entre 20% e 90% do total de carga horária/cadeiras do seu curso. O número é calculado com base no total integralizado no período previsto para a viagem de intercâmbio acadêmico. Não é raro dentre os estudantes que se prepararam para esta chamada e tiveram o curso retirado, casos como o do estudante de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia, Yuri Girardi, que terá 80% do curso concluído ao final do primeiro semestre de 2013. Tal porcentagem só lhe permite participar da atual chamada aberta uma vez que, se não viajar no próximo setembro, terá ultrapassado o total exigido pelo programa. Yuri já pagou e realizou o IELTS, aguardando apenas a decisão judicial para saber se poderá participar daquela que pode ser sua última chance de entrar no Ciência sem Fronteiras.
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A cópia do exame realizado pelo estudante pode ser consultada em http://bit.ly/YmfACi 10
3.0 Argumentos administrativos 3.1 Da ilegitimidade passiva da União Federal e dos Ministérios da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) Questionada pela Justiça Federal quanto à ação civil pública movida pelo Ministério Público do Ceará, a União, aqui na condição de representante do MEC e do MCTI alegou ilegitimidade passiva do caso, ou seja, não ter poderes sob o Ciência sem Fronteiras. O argumento foi embasado por uma nota técnica que, supostamente, eximia os Ministérios de responsabilidade quanto ao programa. Contudo, o Decreto 7.642/2011 assim designa as funções dos referidos Ministérios dentro do Comitê de Acompanhamento e Assessoramento do CsF. “Art. 1º As ações empreendidas no âmbito do Programa Ciência sem Fronteiras serão complementares às atividades de cooperação internacional e de concessão de bolsas no exterior desenvolvidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior – CAPES, do Ministério da Educação, e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. [...] Art. 4º Fica criado o Comitê de Acompanhamento e Assessoramento do Programa Ciência sem Fronteiras, que será composto pelos seguintes membros: I – um representante da Casa Civil da Presidência da República; II – um representante do Ministério da Educação; III – um representante do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; IV – um representante do Ministério de Relações Exteriores; V – um representante do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior; VI – um representante do Ministério da Fazenda; VII – um representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; e
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VIII – quatro representantes de entidades privadas que participem do financiamento do Programa. § 1º Os membros serão indicados pelos titulares dos órgãos e entidades que representam e designados em ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação. [...] § 3o A presidência do Comitê de Acompanhamento e Assessoramento caberá, a cada doze meses, alternadamente, aos representantes do Ministério da Educação e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. [...] Art. 5o São atribuições do Comitê de Acompanhamento e Assessoramento do Programa Ciência sem Fronteiras: I - propor, aos Ministros de Estado da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação, os atos complementares necessários à implementação do Programa; [...] Art. 10. Cabe ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação: I - disponibilizar recursos financeiros para bolsas e fomento à pesquisa, destinados à execução do Programa Ciência sem Fronteiras pelo CNPq, que poderá repassar recursos a instituições ou organismos internacionais de fomento e de intercâmbio acadêmico; II - promover e incentivar a participação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia no Programa; e III - firmar parcerias e acordos com instituições internacionais. Art. 11. Cabe ao Ministério da Educação: I - disponibilizar recursos financeiros para bolsas e fomento à pesquisa, destinados à execução do Programa Ciência sem Fronteiras pela CAPES, que poderá repassar recursos a instituições ou organismos internacionais de fomento e de intercâmbio acadêmico;
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II - promover e incentivar a participação das universidades, institutos tecnológicos e cursos de pós-graduação no Programa; III - promover o ensino e a aprendizagem de idiomas estrangeiros; e IV - firmar parcerias e acordos com instituições internacionais. Art. 13. Os Ministros de Estado da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação editarão ato conjunto, mediante proposta do Comitê de Acompanhamento e Assessoramento, dispondo sobre: I - áreas prioritárias de atuação do Programa; II - instituições
brasileiras
e
estrangeiras
participantes
do
Programa; [...]”
O Decreto assinado pela Presidente da República deixa bem claro as atribuições do MCTI e do MEC no sentido de presidir, financiar e definir as diretrizes do Ciência sem Fronteiras, invalidando o argumento de ilegitimidade passiva. 3.2 Da legalidade da mudança A mudança de última hora na chamada no edital do Ciência sem Fronteiras fere os princípios constitucionais da impessoalidade e isonomia, quando atribui decisões diferentes a dois grupos iguais de condições e direitos. Diz a Constituição de 1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; [...] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá
aos
princípios
de
legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade;” (BRASIL, 2005)
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Da mesma forma, o art. 41, caput, da Lei nº 8.666/93 diz que “a administração não pode descumprir as normas e condições do edital ao qual se acha estritamente vinculada”. O edital, neste caso, torna-se lei entre as partes, um contrato de adesão cujas cláusulas são elaboradas unilateralmente pelo Estado. Este mesmo princípio dá origem a outro, o da inalterabilidade do instrumento convocatório. Alterar um edital em curso de modo a beneficiar o grupo de bolsistas que viajam em Janeiro de 2013 em detrimento dos candidatos às bolsas de Setembro de 2013 configura-se assim como uma afronta aos próprios mecanismos constitucionais que regulam tais ações. 3.3 Da interferência administrativa em política pública Quando questionado sobre a decisão judicial obtida na Justiça Federal de Primeira Instância (5ª região), o Ministério da Educação se manifestou dizendo que iria recorrer da decisão por considerar a sentença “interferência administrativa em política pública, cujos critérios cabem ao Poder Executivo”. De fato, há de se respeitar a separação, a legitimidade e a autonomia de cada um dos três poderes que compõem a democracia moderna. Contudo, é necessário que revisitemos o conceito de tal separação. Proposta pelos filósofos iluministas John Locke e Charles de Montesquieu, tal separação propunha uma descentralização igualitária de poder, de modo a impedir a concentração em um ou outro setor. Contudo, é frequente a errônea interpretação de que os poderes (reunião de órgãos com funções preponderantes comuns) não podem intervir no funcionamento do outro. Como embasamento, citamos o trecho do artigo do Doutor em Descentralização do Estado Constitucional Brasileiro, José Luiz Quadros de Magalhães para a Revista Jus Navengandi: “Importante lembrar que os poderes (que reúnem órgãos) são autônomos e não soberanos ou independentes [...] Outro aspecto é o fato de que os Poderes têm funções preponderantes, mas não exclusivas. Desta forma quem legisla é o legislativo, existindo, entretanto
funções
normativas,
através
de
competências
administrativas normativa no judiciário e no executivo. Da mesma forma a função jurisdicional pertence ao Poder Judiciário, existindo funções jurisdicionais em órgãos da administração do Executivo e do Legislativo. O Contencioso administrativo no
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Brasil não faz coisa julgada material, pois a Constituição impõe que toda lesão ou ameaça a Direito seja apreciada pelo Judiciário (Artigo 5 inciso XXXV da CF). [...] Com a evolução do Estado moderno, percebemos que a ideia de tripartição de poderes se tornou insuficiente para dar conta das necessidades de controle democrático do exercício do poder, sendo necessário superar a ideia de três poderes, para chegar a uma organização de órgãos autônomos reunidos em mais funções do que as três originais. Esta ideia vem se afirmando em uma prática diária de órgãos de fiscalização essenciais a democracia como os Tribunais de Contas e principalmente o Ministério Público. Ora, por mais esforço que os teóricos tenham feito, o encaixe destes órgãos autônomos em um dos três poderes é absolutamente artificial, e mais, inadequado. O Ministério Público recebeu na Constituição de 1988 uma autonomia especial, que lhe permite proteger, fiscalizando o respeito a lei e a Constituição, e logo, os direitos fundamentais da pessoa, o patrimônio publico, histórico, o meio ambiente, o respeito aos direitos humanos, etc.” (MAGALHÃES, 2004)
Analisando tal trecho e levando em conta os pontos estabelecidos no inciso 3.2, não há o que se questionar quanto à validade da sentença do judiciário sobre decisão executiva. Se o propósito fundamental da autonomia e separação de poderes é estabelecer o caráter plural das autoridades do Estado e promover limitação de poder político, o Judiciário nada fez além de garantir direito legal dos estudantes em relação a uma decisão inconstitucional tomada pelo Comitê de Assessoramento e Acompanhamento do Ciência sem Fronteiras.
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4. Argumentos Teóricos Por se tratarem de cursos distintos, especificar-se-á aqui a argumentação teórica de Indústria Criativa como um todo (dando atenção especial apenas a Expressão Gráfica, um caso especial). Pelas características heterogêneas de cada curso, será dado enfoque específico para as graduações cortadas na área de saúde. 4.1 Indústria Criativa A ilegibilidade dos universitários provenientes dos cursos de Ciências Humanas já foi amplamente criticada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e pela Associação Nacional de Pós-Graduação. A questão é a aparente impressão de que aos olhos oficiais, os cursos de Humanas e Saúde são incapazes de produzir ciência e inovação tecnológica. O termo Indústria Criativa foi criado nos anos 1990 pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS) do Reino Unido para designar setores nos quais a criatividade é uma dimensão essencial do negócio. As indústrias criativas englobam principalmente as atividades relacionadas ao cinema, ao teatro, à música e às artes plásticas. Em 2010 e 2011, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) produziu estudo inédito sobre o campo no Brasil e constatou: o salário dos profissionais da Indústria Criativa são, em média, 55% maiores que a média nacional. Enquanto o índice no Brasil gira em torno de R$1733, o destes profissionais alcançou a casa de R$4693 em 2011. Ao Jornal O Globo, o coordenador do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, Gabriel Santini, justificou a diferença devido ao “valor da criatividade, que dá vantagem competitiva. É o valor agregado do produto, a solução inovadora para um problema”. Dentre os resultados colhidos pela pesquisa estão:
1º O núcleo criativo é responsável por gerar 2,7% do Produto Interno Bruto brasileiro, movimentando por ano cerca de R$110 bilhões; 2º O mercado formal da Indústria Criativa compreende 1,7% do total de trabalhadores brasileiros, contabilizando 810 mil profissionais;
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3º Nos Estados Unidos, o setor criativo movimenta mais de R$1 trilhão, seguido do Reino Unido com R$286 bilhões. O Brasil é apenas o quinto na lista; 4º Só o setor de Publicidade foi responsável por ocupar 116.425 vagas profissionais do país;
Ressaltando ainda mais a importância da economia e da Indústria Criativa para o desenvolvimento nacional, reportagem de Adriana Guarda destaca a perspectiva do setor para os próximos anos: “‘O futuro está na indústria de serviços modernos, que tem maior empregabilidade e agrega mais investimentos. Por isso, é necessário mudar a maneira como a gestão pública vê esses setores. Suape é importante, mas uma refinaria de petróleo gera poucos empregos na fase de operação’, analisa o consultor Cláudio Marinho, da Porto Marinho. Ele alerta, ainda, sobre a importância de inovar no modelo de negócio, que necessita de um arcabouço diferente do praticado pela economia conservadora. O consultor também compara que o crescimento da economia criativa é superior ao da economia tradicional. Segundo ele, entre 2006 e 2009, a expansão da indústria criativa foi de 21%, diante de 6% da formal”. (GUARDA, 2012)
O Brasil também já é o maior desenvolvedor de aplicativos da América Latina, segundo reportagem exibida no Jornal da Globo no dia 25 de dezembro de 2012. O mercado cresceu 83% só no primeiro semestre de 2012 de acordo com estudo realizado pela pesquisadora de Comunicação Digital da UFMG, Joana Ziller. Os aplicativos mais populares depois dos jogos na App Store brasileira e na Google Play, destinadas a aparelhos com iOS e Android respectivamente, são direcionados a notícias (como exemplo, citamos o Brasil 247, já consolidado como grande veículo de imprensa móvel). A construção de um aplicativo – uma das principais apostas para o futuro da indústria da comunicação –, demanda um profissional afinado com as novas tecnologias do trabalho e a interdisciplinaridade com cursos como Ciências da Computação, Engenharia da Informação, Publicidade, Web Design entre outros. Só um estudante de programação, por exemplo, não é capaz de desenvolver uma versão móvel de um grande jornal porque, 17
além de linhas de código e comandos operacionais, é preciso pensar em um conteúdo interativo, em consonância com os efeitos na audiência, capacidade de impacto e facilidade de produção, tópicos aprendidos nas cadeiras de Comunicação. Frente aos dados oficiais apresentados, fica perceptível a necessidade a garantia de retorno no setor enquanto campo próspero da economia no futuro. Enquanto as tradicionais áreas de tecnologia são responsáveis pela inovação e criação, é na Indústria Criativa que se agrega valor de produto e diferencial de mercado. Para mais informações, recomenda-se leitura do artigo “Indústria Criativa: Definição, limites e possibilidades”, escrito pelos professores da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, Pedro Bedassolli e Thomas Wood Jr., pelo professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, Miguel Pina e Cunha e pelo professor do Departamento de Administração do Instituito Brasileiro de Mercados e Capitais (Ibmec), Charles Kirschbaum.
4.1.2 Expressão Gráfica (antiga nomenclatura: Desenho e Plástica) A Expressão Gráfica é uma linguagem de comunicação que utiliza uma simbologia gráfica que integra as áreas de Ciências Exatas, Tecnologia e Artes. Pioneiro no Brasil, o curso de Bacharelado em Expressão Gráfica tem como objetivo formar profissionais que trabalhem no desenvolvimento de projetos gráficos digitais, atuando no intervalo de funções existente entre a criação e a produção e em conjunto com Engenheiros, Designers ou Arquitetos, como acontece na Universidade Federal do Paraná. No caso da Universidade Federal de Pernambuco, também pioneiro, a formação profissional é a licenciatura. O curso Expressão Gráfica, seja ele licenciatura ou bacharelado, oferece disciplinas para os cursos: Agronomia; Arquitetura e Urbanismo; Artes; Design; Engenharia de Alimentos; Engenharia Civil; Engenharia de Controle e Automação; Engenharia Elétrica; Engenharia de Materiais; Engenharia Mecânica; Engenharia de Produção Civil; Engenharia de Produção Elétrica; Engenharia de Produção Mecânica; Engenharia Química; Engenharia Sanitária e Ambiental; Matemática; Química. Tendo em vista que o desenho, a essência do curso, é a base na maioria das engenharias assim como em Artes, Design e Arquitetura, cursos estes que fazem parte da 18
Indústria Criativa citado pelo então programa do Governo, Ciência sem Fronteiras. Como um exemplo de como o desenho, um curso pertencente à indústria criativa, é tão importante na formação do engenheiro, que segundo o Art. 4º e 6º da resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE, 2002), a formação do bacharel em engenharia, independente de sua modalidade, deve versar sobre algumas competências e conteúdos básicos. Um dos tópicos foca a competência na comunicação e expressão gráfica como parte da formação básica do engenheiro para, só então, desenvolver uma das habilidades fundamentais para a formação do bacharel em Engenharia: a inteligência espacial. Além do CNE, é possível citar outros estudiosos como Sorby (1999), que em seus estudos acerca do desenvolvimento da percepção visual concluem que em diversas carreiras a inteligência espacial interpreta um papel de grande importância. Profissões da área tecnológica e das ciências, como engenharia, necessitam tanto dessa habilidade quanto as profissões ligadas às artes. Segundo Gardner (1994), a inteligência viso-espacial é a capacidade de perceber o universo visual e espacial de maneira precisa, [...] reconhecer exemplos do mesmo elemento; a capacidade de transformar ou reconhecer uma transformação de um elemento em outro; a capacidade de evocar formar mentais e então transformar estas formas; a capacidade de produzir uma representação gráfica de informações espaciais [...] (GARDNER, 1994, p.136137).
Essa habilidade é desenvolvida por arquitetos, artistas plásticos, engenheiros, decoradores, etc. e envolve uso da cor, linha, traço, forma e configuração do espaço. As pessoas com essa habilidade bem desenvolvida têm uma percepção do mundo multidimensional, facilidade para distinguir objetos no espaço, boa orientação espacial (uso de mapas e percurso) e se expressa com mais frequência visualmente (desenho, pintura) do que verbalmente (escrita, fala). O “Desenho” tem como objetivo desenvolver a capacidade de percepção visual dos alunos, enquanto acadêmicos e futuros profissionais, e a partir de representações gráficas, construir essa habilidade.
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De acordo com Ferguson (1992 apud Sorby, 1999), os primeiros engenheiros começaram como artistas no Renascimento (como Leonardo da Vinci, Francesco di Giorgio e Georg Agrícola). Ferguson afirma ainda que os currículos atuais dos cursos de engenharias se apoiam muito nos métodos analíticos, distanciando-se do uso da percepção visual e que as falhas mais recentes da engenharia (a explosão do ônibus espacial Challenger, a queda da ponte Tacoma Narrows e a falha do cruzador USS Vincennes) são decorrentes da ausência de percepção visual, tátil e sensorial do currículo de bacharelado em Engenharia.
4.2 Cursos na área de Saúde O SUS – Sistema Único de Saúde, criado em 1988, pela promulgação da Constituição Federal de 1988, através do Art. 196 define: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 2005)
Considerando-se esta afirmativa e todas as outras contidas nos Artigos 196, 197, 198, 199 e 200 da Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a portaria Nº 399 de 22 de fevereiro de 2006, considera-se a atenção integral ao cidadão como princípio básico na assistência à saúde. Ainda no âmbito das políticas públicas, em 2008, mediante Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008, o Ministério da Saúde criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), constituído por uma equipe multiprofissional que atua em conjunto com as esquipes de Saúde da Família, através do matriciamento. “Assim, a organização dos processos de trabalho dos Nasf, tendo sempre como foco o território sob sua responsabilidade, deve ser estruturada
priorizando
interdisciplinar,
com
o
atendimento
troca
de
compartilhado
saberes,
capacitação
e e
responsabilidades mútuas, gerando experiência para todos os profissionais envolvidos, mediante amplas metodologias, tais como estudo e discussão de casos e situações, projetos
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terapêuticos, orientações e atendimento conjunto etc”. (grifo nosso)
Como exemplo do reflexo dessas políticas na formação profissional, destacamos a criação de programas com equipes multiprofissionais, como o Programa de Educação para o Trabalho em Saúde (PET-Saúde), criado em parceria pelos Ministérios da Saúde e Educação, com o objetivo de formar estudantes de graduação da área da saúde através da integração entre serviços e ensino. Dentre os cursos participantes estão enfermagem, psicologia, terapia ocupacional, nutrição, educação física, fisioterapia, fonoaudiologia, todos excluídos do programa
Ciência
sem
Fronteiras.
Além
da
crescente
oferta
de
residências
multiprofissionais no país, “modalidade de ensino em nível de pós-graduação lato sensu, que se caracteriza como treinamento em serviço sob supervisão de profissionais habilitados”. As residências abrangem as profissões da área da saúde, a saber: Biomedicina, Ciências
Biológicas,
Educação
Física,
Enfermagem,
Farmácia,
Fisioterapia,
Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. Dentre os cursos citados, somente quatro estão comtemplados no Ciência sem Fronteiras. Através desses exemplos, percebemos a importância da interdisciplinaridade nas políticas de saúde no Brasil. A retificação do edital vigente para os interessados em viajar em setembro de 2013, feita em novembro e a consequente exclusão de cursos que antes vinham sendo amplamente contemplados se revela como uma maneira de legitimar preconceitos e desconsiderar o potencial científico e desenvolvimentista destas áreas. No que tange aos cursos da área de saúde excluídos por esta retificação (Psicologia,
Enfermagem,
Fisioterapia,
Terapia
Ocupacional,
Educação
Física,
Fonoaudiologia, Nutrição, etc), marca-se, na contramão do que preconizam as diretrizes do SUS, uma ratificação da hierarquia medicalocêntrica vigente e prejuízo para as áreas que tanto vem contribuindo para o desenvolvimento da qualidade de vida dos cidadãos brasileiros.
21
De acordo com a 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (CNTIS), foram definidas prioridades de pesquisa em saúde para o desenvolvimento da ciência no País. Essas prioridades foram definidas em 24 temas, sendo eles: Saúde dos Povos Indígenas; Saúde Mental; Violência, Acidentes e Trauma; Saúde da População Negra; Doenças Não-Transmissíveis; Saúde do Idoso; Saúde da Criança e do Adolescente; Saúde da Mulher; Saúde dos Portadores de Necessidades Especiais; Alimentação e Nutrição; Bioética e Ética na Pesquisa; Pesquisa Clínica; Complexo Produtivo da Saúde; Avaliação de Tecnologias e Economia da Saúde; Epidemiologia; Demografia e Saúde; Saúde Bucal; Promoção da Saúde; Doenças Transmissíveis; Comunicação e Informação em Saúde; Gestão do Trabalho e Educação em Saúde; Sistemas e Políticas de Saúde; Saúde, Ambiente, Trabalho e Biossegurança; Assistência Farmacêutica. O foco desta Política Nacional de Pesquisa em Saúde (2008) do Ministério da Saúde, contudo, é a promoção da ação integral em todos os níveis de atenção a saúde. As últimas decisões do comitê executivo do Programa Ciência sem Fronteiras entram em dissonância com o que é indicado pela Política Nacional de Pesquisa em Saúde, ao restringir o desenvolvimento de pesquisas em saúde. Ainda que um curso ou outro da área de saúde ainda possa participar do Programa Ciência sem Fronteira, a maior parte dos destes que tem a saúde como sua práxis estão barrados a participarem do intercâmbio e a receberem o incentivo à pesquisa. Além de tudo isso, esse fato aponta para uma falta de interlocução entre os ministérios e programas governamentais. Por outro lado, foi lançada em 2011, mesmo ano de criação do Programa Ciência Sem Fronteiras, a publicação "Pesquisas Estratégicas para o Sistema de Saúde". “Com o lançamento do documento, pela primeira vez, o Ministério da Saúde dispõe de um conjunto de temas prioritários contidos no Plano Plurianual 2012-2015 que refletem as necessidades de pesquisa, alinhadas com os objetivos estratégicos aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde”. Esta publicação está de acordo com as necessidades de mudança do Sistema Único de Saúde. Este sistema é formado por várias categorias profissionais, então, como esperar que o incentivo em apenas Medicina ou Odontologia possa satisfazer as enormes necessidades do SUS? E as demandas por cuidados primários, psicológicos, reabilitadores, reintegradores? Com certeza essas respostas não serão facilmente respondidas. A 22
priorização de uma classe profissional por outra, dentro de um mesmo âmbito profissional – saúde – indica como lidamos com a saúde no Brasil: de forma corretivista, sanadora. Este modelo gera gastos enormes para o país, que poderia, por outro lado, estar investindo em prevenção e em cuidados primários. Com tudo isso, levanta-se o questionamento de o porquê do programa Ciência sem Fronteiras determinar apenas algumas formações em saúde para compor o quadro de intercambistas elegíveis ao programa, visto que o próprio MEC, Ministério da Saúde, a CAPES, o CNPQ e o Ministério da Ciência e Tecnologia em outros momentos reconhecem a necessidade de intervenções multidisciplinares na saúde e na pesquisa em saúde integral como prioritárias para desenvolvimento nacional. Dentro do cenário de pesquisa em saúde no Brasil e no Exterior, existem milhares de redes, convênios, programas, linhas de pesquisa e grupos de pesquisa que contemplam a tecnologia em saúde, inclusive a Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Rebrats), e em momento algum há qualquer diferenciação entre os cursos de saúde, como embasamento de produtor ou não de tecnologia. A partir da definição das áreas prioritárias, as formações em saúde, todas elas, se encaixam em pelo menos uma das três áreas referentes à saúde, a saber: Biologia, Ciências Biomédicas e da Saúde; Fármacos; e Biotecnologia. Desse modo, a partir da sua formação curricular, todos os acadêmicos dos cursos que se encaixam nas áreas prioritárias, mas que foram extemporaneamente excluídos, podem desenvolver pesquisa em pelo menos uma das três áreas e participar de qualquer programa de pós-graduação destas. Não há explicação para a exclusão além de esta ser mais uma ação legitimadora das hierarquias socialmente construídas entre as classes profissionais em saúde, além de desconsiderar o potencial científico e desenvolvimentista destas áreas. A ação exclusivista de uma grande parcela dos cursos de saúde, sem justificativa plausível, é uma forma do programa Ciência sem Fronteiras demonstrar desconhecimento sobre o que vem sendo desenhado para o SUS, que é a descentralização do cuidado em saúde e tratamento integral do paciente. Ademais, essa medida deslegitima o potencial científico dos cursos de Psicologia, Enfermagem, Nutrição, Terapia ocupacional, Educação física, Fisioterapia e Fonoaudiologia; corrobora o cenário atual de disparidade entre as produções 23
científicas, devido, principalmente ao “curto” tempo de existência destas ciências e à histórica centralização de incentivo na classe médica. Através das recentes epidemias brasileiras, não é possível visualizar pesquisas em obesidade, por exemplo, sem vislumbrar a participação de nutricionistas, educadores físicos e psicólogos, ou vislumbrar a pesquisa em doenças como a AIDS/SIDA sem contemplar o profissional de enfermagem, psicologia, fisioterapeuta, nutricionista, médico ou ainda promover pesquisas em traumas automobilísticos sem a participação de fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, etc. A atenção em saúde jamais seria possível se apenas médicos e odontólogos trabalhassem. Dessa forma, a medida do programa Ciência sem Fronteira caracteriza-se preconceituosa e deslegitimadora do potencial científico dos cursos de saúde excluídos do programa a partir da retificação do edital. 4.2.1 Educação Física 4.2.1.1 Articulações teóricas e epistemológicas da Educação Física. Dentre os cursos pertencentes às denominadas ciências da saúde excluídos da atual chamada do programa ‘Ciência sem Fronteiras’, se encontra o curso de Educação Física, inserido na área 21 ao lado de três outros cursos, a saber, fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia. Sobre eles, será afirmado pela CAPES em um dos seus comunicados no seu website: “Ainda que as quatro áreas sejam inequivocadamente pertencentes à área da saúde, as abordagens são bastante diferenciadas visto as características inerentes de seus objetos de estudo.”
Conquanto uma expressiva interdisciplinaridade seja verificada, o mesmo comunicado diz o seguinte, em relação a área 21 e por consequência, acerca da Educação Física: “A Área 21 é bastante fértil em termos de exemplos de suas ações disciplinares e sua inter-relação com os aspectos fisiológicos, biológicos e mecânicos dos movimentos, os quais têm sido sistematicamente estudados”.
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Além disso, mais adiante é reconhecida a conexão com áreas do conhecimento orientadas à tecnologias, como enfatizado pela Diretoria de Avaliação da CAPES: “A área possui ainda forte influência na construção de equipamentos e desenvolvimento de tecnologias voltadas a funções orgânicas, as quais requerem forte conhecimento de processamento de sinais biológicos, as quais carecem de instrumentos das áreas exatas para suas análises. Tal abordagem aproxima a área 21 das Áreas das Medicinas e especificamente dos fenômenos abordados pela biomedicina.”
Um fato ilustrativo é a existência do projeto interdisciplinar ‘Atletas do Futuro’, que se configura pela combinação de várias ciências aplicadas (genômica, fisiologia do exercício, bioinformática etc), onde conhecimentos desdobrados de linhas de pesquisa da Educação Física, também estão presentes. As seguintes referências reforçam a inexistência de justificativas que abalizem a exclusão do curso de Educação Física e os demais supracitados (incluídos na área 21) e indicam a compatibilidade destes com a proposta do programa, e mais especificamente, com cursos que remanesceram na atual chamada, como medicina, biomedicina etc. Fica demonstrado que o impedimento destes ingressos no quadro da graduação sanduíche, é em verdade, uma negação dos objetivos delineados e até então sustentados pelo ‘Ciência sem fronteiras’. 4.2.1.2 Presença nas áreas estratégicas e cursos elegíveis. Conforme expresso pela figura 1, o crescimento da pesquisa em Educação Física no território brasileiro é expressivo:
Fig. 1 – Números absolutos dos grupos de pesquisa em Educação Física no Brasil. Nahas e Garcia. 2011
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Não somente na publicação aqui recortada, mas de forma pontual na literatura especializada, é enfatizado o progresso da Educação Física em seu contínuo desenvolvimento científico, entretanto, persistindo a falta de incentivo ou mecanismos capazes de tornar a sua pesquisa ainda mais robusta e bem estabelecida, e nesse sentido, o programa ‘Ciência sem fronteiras’ se revela um evento claramente oportuno, sobretudo, diante da iminência dos grandes eventos, a saber, Copa das Confederações, Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas, que estarão atrelados a impactos sociais, culturais e principalmente econômicos, e neste último quesito, o esporte, (também) objeto de estudo da Educação Física, cada vez mais tem se mostrado um importante vetor em quesitos econômicos no Brasil. De acordo com reportagem publicada em maio de 2012 no site ‘o Globo’, o PIB esportivo obteve um crescimento maior do que o PIB nacional. No decênio 20002010, o PIB brasileiro cresceu 3,2%, ao passo que o PIB esportivo registrou um crescimento de 6,2%. Em outra reportagem sobre o mesmo contexto, o site “ahe!” no mês de julho de 2012 informa uma contribuição de 17% do PIB do Brasil, oriunda do setor esportivo. No mês de setembro de 2012, em sua página na web, o governo afirma o papel a ser desenvolvido pela indústria esportiva na economia do Brasil, em que está prevista a injeção de R$ 112 bilhões apenas pela ‘presença’ da Copa do Mundo. Com base no exposto, e condensando as proposições apresentadas, se insiste na validade da Educação Física enquanto integrante das áreas estratégicas e elegíveis pelo ‘Ciência sem fronteiras’, por se levar em consideração a adequação desta área do conhecimento às premissas circunscritas pelo referido evento, somada ao seu papel no desenvolvimento do esporte e as suas respectivas abrangências e aplicações socioeconômicas no País. 4.2.2. Enfermagem O curso de enfermagem não somente forma um profissional generalista da área de saúde, como permite que o acadêmico desenvolva pesquisas da área da saúde que vislumbrem desde a pesquisa biomédica na produção de fármacos, até as pesquisas empíricas. Dentro da sua grade curricular existem disciplinas básicas a todos os cursos de saúde incluindo os cursos de medicina, odontologia, biomedicina e farmácia, que estão 26
entre os elegíveis, como: anatomia, farmacologia, biologia celular, bioquímica, epidemiologia e embriologia. Como estipulado pelos parceiros internacionais, os acadêmicos oriundos de cursos de saúde só poderão se matricular em disciplinas do ciclo básico, disposição que contempla o curso de enfermagem. Além da Associação Brasileira de Enfermagem que fomenta a pesquisa no curso, a enfermagem possui diversos núcleos, redes, programas, projetos e diretórios de pesquisa. Dentro da sua grade curricular possui disciplinas que fomentam os acadêmicos a desenvolverem pesquisa. Além, claro de poder participar de iniciação cientifica dentro das áreas básicas ou das áreas especificas do curso. A enfermagem tem papel crucial dentro de pesquisas epidemiológicas e gerenciais para o SUS, além de métodos de prevenção e promoção de saúde, o enfermeiro tem papel importante dentro do desenvolvimento de pesquisas para o cuidado, como novos métodos de técnicas, de procedimentos em enfermagem e ainda de tecnologias para a saúde. Na área hospitalar podemos destacar o desenvolvimento de métodos de prevenção de infecção hospitalar, de tecnologias de gestão, tecnologias para equipamentos e ate desenvolvimento de diagnósticos, além de desenvolvimento de gestão. Para a atenção básica podemos vislumbrar o potencial impacto da aplicabilidade da pesquisa em enfermagem diretamente na comunidade atendida como a técnica da mamãe canguru, que tem reduzido o desenvolvimento de doenças em bebês. O acadêmico pode trabalhar dentro do desenvolvimento de novas tecnologias aliado a um trabalho multiprofissional, para desenvolvimento de softwares e/ou dispositivos para a aplicação dentro da saúde publica ou ainda para o desenvolvimento de técnicas de cuidado, ou para tecnologias de educação em saúde. Portanto, sob o ponto de vista cientifico, é difícil dissociarmos a enfermagem do desenvolvimento tecnológico em saúde do País, tanto pela sua formação única, como pela sua paridade com outros cursos da mesma área. Podemos perceber que nas fileiras da pesquisa cientifica em saúde, tanto na parte de biológicos, de tecnologias, educação e cuidado, podemos encontrar profissionais de enfermagem comprometidos com o desenvolvimento de suas áreas.
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4.2.3 Nutrição 4.2.3.1. Articulações teórico-epistemológicas da Nutrição. Dentre os cursos provenientes das Ciências da Saúde excluídos da atual chamada do programa ‘Ciência sem Fronteiras’, encontra-se o curso de NUTRIÇÃO, inserido na área de Medicina II. Sobre a Nutrição, foi afirmado pela CAPES em um dos seus comunicados no seu website: “A nova área de Nutrição foi constituída a partir de 18 programas emanados da área da medicina II e como esta guarda características multidisciplinares e interdisciplinares com interface nas áreas biológicas I, II e III, Saúde coletiva, sociologia, antropologia e psicologia que também apresentam certa interface com a medicina II, com a Ciência e tecnologia de alimentos, que pertence à área das agrárias.”
Além disso, mais adiante no mesmo comunicado é reconhecida a conexão com outras áreas da medicina: “Além da conexão com a medicina II, especialmente com os temas Saúde materno- Infantil e psiquiatria, a nova área da Nutrição apresenta uma interação bastante acentuada nas áreas de Medicina I, com os temas de endocrinologia, Nefrologia e cardiologia e também com a Medicina III, com os temas cirúrgicos em geral.”
Também é verificada a interdisciplinaridade da Nutrição com outras áreas do conhecimento: “Desta forma, os programas que constituem a área da Nutrição já possuem em seu corpo docente profissionais com formação nas áreas de Nutrição, que é sua maioria, mas também em proporções relevantes: bioquímicos, médicos, epidemiologistas, químicos, farmacêuticos, fisiologistas, farmacologistas, educadores físicos”.
Os fatos apresentados subsidiam a inexistência de justificativas que corroborem a exclusão do curso de Nutrição e indicam a compatibilidade deste com a proposta do programa, e mais especificamente, com cursos remanescentes da atual chamada, como Medicina, Ciência de alimentos, Ciência dos alimentos, Ciência e tecnologia de alimentos. Até mesmo cursos de outras áreas que possuem correlação com o 28
quesito alimentar foram preservados, a saber: Química de Alimentos, Farmácia – Análise de alimentos, Farmácia – Bioquímica em alimentos, Engenharia de Alimentos, Ciência e Tecnologia Agroalimentar, entre outros. 4.2.3.2 Contextualização nas áreas estratégicas e cursos elegíveis. O Brasil tem experimentado, nas últimas décadas, importantes transformações no seu padrão de morbi-mortalidade, em decorrência dos processos de transição epidemiológica, demográfica e nutricional. Em relação ao primeiro, ocorreu importante redução das doenças infecciosas e aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como câncer, doenças cardiovasculares e hipertensão arterial. A obesidade também é um problema crescente. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que 50,1% dos homens brasileiros com mais de 20 anos estão acima do peso; entre as mulheres, o número é de 48%. São considerados obesos 12,4% dos homens e 16,9% das mulheres. O excesso de peso também foi observado em 33,5% das crianças entre cinco a nove anos, sendo que 16,6% dos meninos também eram obesos; entre as meninas, a obesidade apareceu em 11,8%. Nos últimos anos, as DCNT vêm representando 69% dos gastos hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre os fatores de risco comuns as DCNT, destacamos o consumo de tabaco, bebidas alcoólicas, inatividade física e hábitos alimentares inadequados, como o consumo excessivo de gorduras saturadas e baixo consumo de frutas e hortaliças. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado em 2003 aponta que a saúde não é só consequência de desenvolvimento e sim requisito para o desenvolvimento econômico de um país. Com saúde se vive mais, falta-se menos ao trabalho, ao estudo então se produz mais e a economia ganha. De acordo com a entrevista do Coordenador do centro de desenvolvimento tecnológico em saúde da Fiocruz e professor da UFRJ Carlos Murel, publicada em junho de 2010 no Jornal O Globo, “o Brasil está querendo se desenvolver, mas esbarra na falta de muita coisa, como mão de obra qualificada para a área. Além da falta da própria saúde para a população”. A importância do profissional Nutricionista nas ações de prevenção de doenças e promoção da saúde, e, ao mesmo tempo, se insiste na validade do curso de Nutrição enquanto integrante das áreas estratégicas e elegíveis pelo ‘Ciência sem fronteiras’, por se levar em consideração a oportunidade de expansão e internacionalização da ciência e a importância da saúde para o desenvolvimento econômico do país. 29
4.2.4 Psicologia Entre as 20 áreas já classificadas como prioritárias, destaca-se a seguir um conjunto no qual a Psicologia tem desenvolvido estudos de interface: Biologia, Ciências Biomédicas e da Saúde, Produção Agrícola Sustentável, Tecnologia de Prevenção e Mitigação de Desastres Naturais e Novas Tecnologias de Engenharia Construtiva. A área de conhecimento da Psicologia tem sido desenvolvida no cenário nacional e internacional via pesquisas, intervenções e tecnologias voltadas para diferentes campos de atuação. Inicialmente, a educação e saúde são temas altamente representados – do contexto de trabalho/organizacional aos contextos de saúde e de educação. Entre outras atuações
estão
os
campos
de
prevenção/intervenção
sobre
a
violência;
prevenção/intervenção de desastres naturais e tecnológicos; o enriquecimento ambiental para animais mantidos em cativeiro; a toxicologia comportamental com análises de ambientes de plantio, assim como de manutenção em aeronaves; a psicologia ambiental em equipes interdisciplinares de planejamento urbano; a inteligência artificial, a neurociência do comportamento, a ergonomia, os processos psicológicos básicos como motivação, emoções e percepção mostram interface com as engenharias e comunicação. E, em diferentes campos de atuação, o psicólogo tem contribuído também com análises de políticas públicas (e.g., políticas de transferências de renda; Estatuto da Criança e do Adolescente; Estatuto do Idoso). Finalmente, ao considerar a agricultura, é interessante observar que se trata de uma área que tem mantido alto número de citações/intercâmbios com a psicologia. Assim, para as áreas prioritárias acima destacadas, identifica-se uma ampla literatura científica que anuncia as contribuições da psicologia e os potenciais campos de estudos interdisciplinares, os quais podem compor itens de importância estratégica em áreas tais como desenvolvimento social, saúde, educação e cultura. Desde a criação da Psicologia no Brasil (Lei 4.119 de 27 de agosto de 1962, regulamentada pelo Decreto 53.464 de 21 de janeiro de 1964), as áreas da psicologia mostraram significativo desenvolvimento que resultou em importantes subáreas. Nos anos 1980, com a ampliação do conceito de saúde ao envolver dimensões físicas e psicológicas, o psicólogo ampliou sua atuação ao envolver temas como a saúde do trabalhador, as
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análises da dinâmica familiar para além do espaço de trabalho como uma forma segura de potencializar a produção com qualidade de vida para as equipes envolvidas. Portanto, instituições de saúde, além dos consultórios da psicologia clínica, passaram a fortalecer a participação do psicólogo em equipes multidisciplinares no tratamento e prevenção. Na Psicologia voltada para a área escolar, o psicólogo passou a contribuir desde o Projeto Político Pedagógico da escola à formação continuada de professores e técnicos de ensino. Nos campos da psicologia social, psicologia ambiental, medidas psicológicas, psicologia organizacional e de trabalho ampliou-se além de especificações das competências necessárias a serem desenvolvidas pelo estudante, pelo trabalhador em diferentes ambientes de análise. A diversidade cultural nas organizações, escolas e unidades de tratamento de saúde, e as análises de gênero sobre o desenvolvimento econômico, manutenção e diversidade de modelos familiares são algumas das variáveis investigadas que possibilitam explicações/intervenções efetivas de forma a promover qualidade de vida, alta produção e inovação. Portanto, a Psicologia com toda a sua base teórico-metodológica tem adotado análises individuais, grupais e da cultura contribuindo para setores estratégicos do governo federal em suas buscas de intervenção sobre as desigualdades e exclusões regionais. 4.2.5 Terapia Ocupacional Na atual chamada do programa “Ciências sem fronteiras” os alunos de Terapia Ocupacional, juntamente com alunos de diversos outros cursos da área da saúde, foram impossibilitados de se inscreverem devido à exclusão de seus respectivos cursos. Mais especificamente, a Terapia Ocupacional, a Fonoaudiologia, a Educação Física e a Fisioterapia, que estão aglomeradas na subárea 21. Entretanto, a própria CAPES, em comunicado oficial (nº002 2012), nos apresenta argumentos que justificam a participação desses diversos cursos e contradizem a exclusão dos mesmos. Segundo o comunicado, a área 21 está extremamente interconectada com a engenharia, por exemplo, no desenvolvimento de tecnologias ligadas ao desenvolvimento de dispositivos de tecnologia assistiva, próteses, órteses e equipamentos fundamentais ao desempenho de atividades cotidianas, laborais e de lazer que são o objeto de estudo da Terapia Ocupacional. A robótica e o uso de tecnologias de alta complexidade está intimamente relacionada à essas praticas, o que demanda investimentos e estudos pelo 31
Terapeuta Ocupacional. Ainda segundo a CAPES, a subárea 21 realiza ações importantes na criação de tecnologias voltadas para as funções orgânicas que requerem pesquisas e ferramentas das ciências exatas para serem desenvolvidas. Um exemplo claro dessa interdisciplinaridade (na UFMG) é o projeto PARAMEC, composto por estudantes de engenharia, Terapia Ocupacional e Fisioterapia que se propõe a desenvolver equipamentos inovadores e de baixo custo que facilitem o cotidiano de pessoas com deficiências. Esse exemplo deixa evidente que o papel da Terapia Ocupacional é fundamental nesse projeto e em tantos outros, pois traz fundamentação teórica a respeito das necessidades das pessoas com deficiência, as demandas destas para com os aparelhos além da orientação para o uso dos mesmos. Diversas pesquisas vêm mostrando que com os avanços da medicina e dos cuidados em saúde, a expectativa de vida e a proporção de pessoas com deficiências estão aumentando o que, mais uma vez, justifica o investimento em áreas referentes à reabilitação e promoção e saúde, uma vez que uma pessoa dependente representa mais gastos para o governo e tem sua qualidade de vida diminuída. Além disso, a nova definição de saúde dada pela OMS (situação de perfeito bem-estar físico, mental e social) também justifica o investimento em pesquisas no campo da Terapia Ocupacional que possam garantir a saúde da população, seja pela criação de dispositivos que facilitem a vida, pela promoção de modos de vida saudáveis ou pela prevenção de doenças. Levando em consideração a produção cientifica em Terapia Ocupacional também podemos perceber que esta vem aumentando nos últimos anos. Isso deve ao crescente ingresso de Terapeutas Ocupacionais em programas de mestrado e doutorado e ao maior reconhecimento da produção cientifica por revistas nacionais e internacionais.
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5. Conclusão
Através deste Manifesto Técnico, o Movimento Ciência com Fronteiras conclui não apenas a ilegalidade das mudanças nos editais questionados, como também a necessidade crescente de investimento nas áreas consideradas menos importantes pelo Governo Federal. A Indústria Criativa, em pouco tempo representará importante fatia da economia mundial, em um momento em que apenas o modelo de negócio baseado em extração de matéria natural e produção de tecnologia partindo desta se mostra falido. É importante destacar também que o principal benefício de um programa de intercâmbio – seja ele colegial, acadêmico ou profissional –, é a abertura de horizontes e o desenvolvimento humano, provido pelo contato com costumes e um modo de vida distinto. Assim, é impensável conceber o Ciência sem Fronteiras apenas como uma ferramenta governamental de produção de mão de obra em massa. Em entrevista à Revista Veja no dia 26 de dezembro, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Marco Antônio Raupp, disse que "não existe país que tenha se desenvolvido sem uma classe forte de engenheiros”. Como se constata cada vez mais, também não existe país que tenha se desenvolvido sem um projeto humano de pensamento e de negócios (com igual capacidade de produzir tecnologia), razão pela qual se pede a imediata reinclusão dos cursos retirados dos editais abertos no início de 2012.
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6.0 Referências bibliográficas
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