Arquitetura e Cinema: Uma via de aproximação com a percepção da cidade de São Paulo

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ARQUITETURA E CINEMA UMA VIA DE APROXIMAÇÃO COM A PERCEPÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO

I G O R R O D R I G U E S D E C A R VA L H O O R I E N TA Ç Ã O : P R O F ª M S . A N A PA U L A G O N Ç A LV E S P O N T E S



UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

“ARQUITETURA E CINEMA: UMA VIA DE APROXIMAÇÃO COM A PERCEPÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO”

AUTOR: IGOR RODRIGUES DE CARVALHO ORIENTAÇÃO: PROFª MS. ANA PAULA GONÇALVES PONTES

SÃO PAULO, DEZEMBRO/2017.



Chegar a esse trabalho pronto não é um mérito individual. Na capa deveria repousar o nome de muitas outras pessoas, as quais contribuíram direta ou indiretamente para que ele fosse concluído. Em primeiro lugar, agradeço à minha mãe e ao meu pai. À minha mãe agradeço por cada noite que insisti que ela fosse dormir, mas que ela permaneceu acordada ao meu lado observando o que era feito e tentando entender toda a complexidade que lá se formava. Ao meu pai agradeço a força que ele teve todos os dias, desde que eu nasci: a força de trabalhar arduamente para me dar a chance de estudar e me aprofundar em universos tão deslumbrantes. Sou muito grato a tudo que eles me proporcionaram até o presente. Em segundo lugar agradeço aos meus amigos. Uma segunda família que se formou, unida por uma causa comum: tornar cada momento difícil da faculdade um pouco menos complicado de ser superado. Sou grato por tê-los, amigos. Sou grato por ter conhecido pessoas tão incríveis como vocês, que são cheios de vidas, histórias e lealdade. Agradeço também à minha orientadora, Ana Paula Pontes. Obrigado por ter trazido luz nos momentos mais sombrios desse último ano de graduação. E, por fim, agradeço a todos professores que passaram por minha formação. Vocês me inspiram a cada dia, me fazem acreditar que a construção de um mundo melhor pode ser feita mais efetivamente por meio da educação e generosidade com o próximo. Esse trabalho e a minha pessoa são quem são por causa de vocês. Obrigado a todos!



O CAOS É UMA ORDEM POR DECIFRAR. — O LIVRO DOS CONTRÁRIOS (“O homem duplicado”, José Saramago)


08 11 35 67 103 139 144

PRÓLOGO CAP. I CAP. II CAP. III CAP. IV EPÍLOGO CRÉDITOS

INTRODUÇÃO

ESPAÇO URBANO: IMAGEM E AÇÃO

MÚLTIPLA PERCEPÇÃO DA CIDADE

CIDADE E CINEMA: “DE ONDE EU TE VEJO”

CENTRO DO CINEMA NACIONAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS DE CONTEÚDO


A cidade e sua imagem ambiental _ Um novo vetor: o ser-humano Uma nova dimensão: cidade para pessoas _ Espaços: públicos, de permanência e de combate

Interpretação do caos: leitura ambiental _ A leitura seriada de um lugar _ Interpretação da ordem: Gestalt e legibilidade _ Mapa afetivo e uma nova possibilidade de interpretação _ Ensaio prático: a Praça da República, percursos e afeto _ Identidade, lugar, fotografia e audiovisual

Questão I: Memória da cidade e fluxo imobiliário _ Questão II: O enredo certo, no lugar certo _ Questão III: Cidade humana, cidade plural

O lugar: a Praça da República _ O projeto: Centro do cinema nacional


PRÓLOGO

“De Onde Eu Te Vejo”. Essa análise poderá fornecer uma coesão entre as teorias e conceitos expressos na análise urbana e as questões de percepção e desenvolvimento Esse trabalho fará uma intersecção de narrativa – estas tanto no espaço urbano entre dois campos do conhecimento que quanto no cinema. diversas vezes estão intimamente ligados: Dois motivos principais nortearam a a arquitetura – incluindo o urbanismo – e escolha da cidade de São Paulo como local o cinema, considerado como a “sétima de estudo: o primeiro consiste na grande arte”. Dentro do campo da arquitetura será relação que as produções audiovisuais investigado a importância de uma cidade possuem com essa cidade, a qual serve que seja concebida e desenhada de forma de cenário para produções nacionais a compreender e envolver a sociedade, e internacionais; o segundo motivo é sendo considerada uma cidade humana (e embasado em uma grande relação afetiva que existe entre este que vos escreve e o não voltada aos carros, como presenciamos local de estudo – uma relação que consiste no nosso cotidiano). Não obstante, essa em memórias da infância, momentos problemática da cidade humana não está marcantes e fotografias tiradas sempre que limitada apenas ao campo da arquitetura; possível. a abordagem feita será ampliada para O trabalho será estruturado em três campos da filosofia, sociologia e artes, áreas estas que servirão de apoio para capítulos principais. No primeiro capítulo autores como Kevin Lynch, Gordon Cullen discutir sobre a cidade de São Paulo no e Jan Gehl ajudarão a discussão dos século XXI. aspectos gerais que dão origem aos mais diversos tipos de cidade, sejam ocidentais Dessa forma, nessa pesquisa se ou orientais, tendo um impacto significativo relacionará o espaço urbano e a sua imagem na paisagem urbana e, consequentemente, com a percepção que os cidadãos constroem na qualidade que determinada cidade dele, encaminhando a problemática para possui a partir da ação dos seus agentes. uma observação empírica sobre um filme brasileiro recente, dirigido por Luiz Villaça:

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A discussão da qualidade da cidade do ponto de vista do pedestre será de extrema importância no capítulo primeiro para dar origem à abordagem a relação entre o ser e a cidade, a qual não depende apenas da percepção do ser, mas também de uma relação dele com a sociedade. No segundo capítulo, portanto, serão abordadas questões como a legibilidade da cidade, as consequentes relações de identidade e também a sua importância na construção tanto de uma memória pessoal quanto uma memória coletiva. Nesse momento, então, se torna importante introduzir como o cotidiano dentro de uma cidade e os diversos eventos que o acompanham conseguem se assemelhar a uma narrativa presente no cinema, mostrando tanto o papel das cidades como cenário dentro de um filme quanto como se dá o processo da relação imagem-cidade no cinema.

eventos que se cruzam. Além do mais, será abordado junto ao filme uma outra forma de representação da cidade: a produção de mapas afetivos, que conseguem de modo gráfico resumir a relação entre o ser e a cidade. Antes de começar a leitura é importante saber que esse trabalho não foi construído apenas durante os anos de graduação. De certa forma ele é uma junção de ideias e sentimentos diversos que permearam a vida deste que vos escreve desde que há registro de memórias em sua mente. Esse trabalho vai além de uma conclusão da graduação; é uma tentativa de elencar diversos aspectos que despertaram um senso mais crítico em relação à cidade, e além de tudo, à sociedade.

O terceiro capítulo contará com uma abordagem empírica do que foi abordado e/ou introduzido nos capítulos anteriores. Por meio do filme “De Onde Eu Te Vejo”, um filme que permeia gêneros como a comédia, drama e romance, serão abordadas tanto as questões inerentes à cidade que fazem parte do enredo do filme quanto a participação de São Paulo como um veículo de diversas histórias e

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Avenida São Luís, em São Paulo, vista da Galeria Metrópole. Fonte: Acervo Pessoal.


I

ESPAÇO URBANO: IMAGEM E AÇÃO



Uma rápida conferida em alguma rede social nos trará, além de selfies e algumas postagens insignificantes, uma imagem certa: a de uma cidade. Algum amigo pode estar de férias e visitando Nova York, ou talvez uma conhecida resolveu desbravar sua cidade natal e conhecer alguns pontos novos; a circunstância específica não importa tanto nesse momento, mas é interessante destacar esse prazer que as pessoas sentem em relação a estarem perante uma cidade – ou até mesmo desprazer, considerando que ainda há pessoas que preferem o ambiente mais bucólico. Estar dentro de uma cidade é um estado que alterna entre o físico e o mental, acaba por contagiar nosso jeito de falar, de pensar, de enxergar as coisas; nos dá a oportunidade de poder interpretar aquele ambiente e, a partir dele, nos transformar.

inexplicável. É um reflexo da percepção do ser em relação ao ambiente em que ele está, reflexo este que depende do “design da cidade”, expressão usada pelo urbanista e escritor estadunidense Kevin Lynch em uma das suas mais famosas obras, “A Imagem da Cidade”. Quando o autor cita o design da cidade ele nos introduz a ideia de que a cidade é uma arte temporal1 , mas que não está atrelada à presença de sequências únicas, tais como a música e os filmes estão sujeitos, e sim a uma sequência que pode ser invertida e reinterpretada do jeito plausível àquele momento.

Quando Lynch nos introduz essa ideia de que o desenho da cidade não possui uma sequência específica que pode ser seguida ele está nos dizendo a respeito da condição de uma quarta dimensão que atua sobre a cidade, além das três Todo esse efeito que a cidade provoca dimensões já conhecidas: a altura, a largura sobre o ser humano que dentro dela está e a profundidade dos objetos dos mais não é algo místico, espiritual ou até mesmo diversos tamanhos que nos cercam. Essa 1. Ideia abordada em LYNCH, Kevin. “A imagem da Cidade”. Editora WMF: Martins Fontes. São Paulo, SP. 2011. Página 01.

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quarta dimensão, abordada pelo arquiteto, CIDADE E SUA IMAGEM AMBIENTAL crítico e historiador Bruno Zevi, diz A cidade, com seus mais diversos respeito ao tempo e ao incrível número de possibilidades que ele nos oferece perante aspectos, é resultado de um processo de construção coletivo tanto entre a estruturas físicas: cidade quanto seus mais diversos agentes (...) por exemplo uma caixa ou uma socioeconômicos. Sendo um espaço físico mesa; vejo-o de um ponto de vista e faço o seu retrato em três dimensões e permeável pelos cidadãos, a cidade tem a partir desse ponto de vista. Mas se aspectos morfológicos que são comuns girar a caixa nas mãos, ou caminhar ao redor da mesa, a cada passo mudo o à sua tipologia e acabam por caracterizámeu ponto de vista, e para representar las. Mais facilmente perceptíveis aos olhos o objeto desse ponto devo fazer uma humanos, mas ainda assim múltiplos, tais nova perspectiva. Consequentemente, a realidade do objeto não se esgota aspectos foram compilados pelo arquiteto nas três dimensões da perspectiva; lisbonense José M. Ressano Garcia Lamas para possuí-la integralmente eu deveria fazer um número infinito de em um dos diversos capítulos da sua obra perspectivas dos infinitos pontos de “Morfologia Urbana e Desenho da Cidade”. vista. (...)

(ZEVI, 2009, p.21-22)

Contudo, considerando essa volubilidade da imagem da cidade e a ideia desenvolvida por Lynch de que nada nela é vivenciado em si mesmo, mas sempre em relação aos seus arredores e às sequências de elementos que a ele conduzem, é dito como plausível que antes seja discutido os aspectos físicos acabam por compor a imagem geral de uma cidade genérica.

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Lamas disseca a morfologia da cidade e nos traz elementos das mais diversas escalas. Para ele um dos principais elementos que regem o espaço urbano são os edifícios, os quais estão sujeitados a unidades de parcelamento como o lote e a quadra e acabam por ser projetados com base na importância originada desses dois elementos, fazendo com que a forma, uso e modo de ocupação de lotes e quadras vizinhas sejam potencializados.


Como fruto do parcelamento dado a um pedaço de terra é dada origem a outros cinco elementos que, assim como os edifícios, são capazes de incidir e constituir a morfologia de uma cidade: o traçado das ruas, as praças, os monumentos, a árvore e a vegetação e, por fim, o mobiliário urbano. Então, de forma mínima, o desenho da cidade se inicia por esses elementos e acaba por evoluir para uma ocupação baseada em usos e expressões plásticas dos edifícios. Contudo, considerar a cidade fruto apenas desse conjunto de eixos e pontos projetados na paisagem seria, nessa pesquisa, contraditório à condição expressa por Zevi quanto ao fator do tempo. A cidade não é apenas uma escultura composta por traçados, lotes e quadras, mas sim um conjunto muito mais complexo, o qual é percebido e construído mutuamente. Com base nessa constatação, voltamos a Kevin Lynch para dissertar um pouco sobre aspectos referentes à imagem da cidade, a qual não é fruto apenas de uma mente, mas sim de mentes conjuntas.

Ao tornar científico aquilo que é empírico o autor consegue nos trazer cinco elementos que estruturam a imagem da cidade, a qual se caracteriza por ser “única, com um conteúdo que, raramente, ou nunca, é compartilhado”: os caminhos, sejam terrestres ou aquáticos, possuem a função de fazer a conexão entre dois pontos físicos (podendo ser ruas, calçadas, linhas de trânsito, canais ou vias férreas) ; os limites, que apesar de serem elementos lineares e que acabam fazendo algum tipo de ligação também, acabam por se tornar uma barreira dentro da paisagem urbana, tal como os rios, valas de estradas de ferro e muros; os bairros, que são fragmentos da cidade e que muitas vezes constituem um caráter específico, tal como podemos ver nos bairros paulistanos de Higienópolis, Liberdade e Bom Retiro, com uma composição específica de arquitetura, classes e estruturas sociais, que acabam por resultar em uma percepção específica por parte do estrangeiro que visita cada um deles. Há também dentre os elementos citados por Kevin Lynch os “nós”, que

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poderiam muito bem render muitos e muitos parágrafos sobre sua dinâmica, mas que somente interessa a nós sua compreensão como um acúmulo de funções em um determinado ponto da malha urbana, seja em uma arquitetura ou apenas no espaço urbano. E, por fim, há os pontos de referência, categoria na qual é possível colocar edifícios, sinais gráficos e acidentes geográficos. É possível lembrar dentro dessa categoria de imagens diversas da cidade de São Paulo: o Obelisco do Parque do Ibirapuera, o Edifício Itália, o grande grafite do rosto do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, feito por Eduardo Kobra, na Avenida Paulista ou até mesmo lembrar de elementos maiores, tal como ocorre com o Pico do Jaraguá. Em um nível pouco mais abstrato e que diz muito mais ao já citado design da cidade é possível também destacar alguns conceitos que para Lynch estruturam o ambiente da cidade – ou a “imagem ambiental”, como ele mesmo chama. Antes de qualquer coisa um espaço urbano deve oferecer àquele que o usufrui meios de orientação; para isso uma cidade deve

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ser, antes de qualquer coisa, legível. Essa característica – a legibilidade – é uma qualidade que diz respeito à clareza visual das paisagens urbanas, indicando a facilidade com que suas partes podem ser reconhecidas e organizadas em um modelo coerente. Para uma cidade ser legível é necessário que características como a escala, o tempo e a complexidade estejam em consonância, a fim de auxiliar os diversos sentidos do corpo humano para otimizar sua orientação na presença ou ausência de outros suportes. Tais suportes estão muito presentes na cidade contemporânea e podem ser exemplificados por meio de placas de trânsito e de mobilidade urbana, que fazem referência aos lugares próximos. Outro aspecto importante na leitura da imagem de uma cidade é a sua imaginabilidade, que é a característica de um objeto com um alto poder de evocar outras imagens na mente do observador, que no caso do espaço urbano pode ser aplicado por meio de cores, formas e disposições diversas que tornam o ambiente totalmente visível e menos previsíveis. Essa


característica está muito ligada à construção da imagem que um observador tem sobre determinado espaço, processo este que se dá bilateralmente entre o observador e o ambiente. A imagem ambiental resultante desse processo diverge conforme o observador, visto que cada um filtra as informações dadas pelo espaço físico de acordo com sua bagagem e modo de ver. Contudo é notável que dentre as diversas imagens ambientais que são formadas pelos mais diversos observadores há uma imagem comum que acaba por ser formada.

Contudo, um dos questionamentos que surgem ao longo de seu discurso é se essa percepção do espaço pode ocorrer apenas internamente, o que, perante campos do conhecimento como o urbanismo, pode ser respondido com o argumento de que o espaço não se dá apenas no vazio, mas em todo o raio que cerca um ser com capacidade de percepção.

Dessa forma é compreensível que o homem não apenas exerça no espaço urbano uma função importante de construção por meio de vetores socioeconômicos, mas UM NOVO VETOR: O SER-HUMANO também de interpretação e de participação ativa na modificação daquele espaço como Bruno Zevi diz, ao discorrer um um singelo cidadão. pouco sobre o espaço como protagonista da arquitetura e fazer uso da arte para Quando discutimos a forma física do defender suas ideias, que “a escultura atua espaço urbano, seja pela visão de Lamas em três dimensões, mas o homem fica de ou de Lynch, chegamos à conclusão de que fora, desligado, olhando do exterior as três na verdade tais elementos são capazes de dimensões”2 , enquanto na arquitetura o constituir uma potencialidade para que se homem assume uma função mais forte, como faça dele não apenas uma estrutura física, se estivesse adentrando essa escultura. mas sim um espaço de representação3 , 2. ZEVI, Bruno. “Saber ver a arquitetura”. Editora WMF - Martins Fontes, São Paulo, SP. 2009. Página 17. 3. Conceito desenvolvido por Peter Einseman em seu texto “Arquitetura e o problema da figura retórica”, datado em 1987.

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conceito este desenvolvido pelo arquiteto Peter Eisenman, que coloca em destaque a importância da presença do corpo no espaço.

com os fenômenos. Por meio de um poema de Georg Trakl o autor explicita o caráter único que alguns eventos possuem, visto que ocorrem de forma única e, ao mesmo tempo, global, tendo impacto em outras coisas. Além do conceito de fenomenologia, Christian Norberg-Schulz resgata o conceito romano de genius loci, que relaciona o espírito que um lugar tem de acordo com o período histórico, além de deixar nele implícitas questões como a relação amistosa do homem com aquele ambiente de acordo com sua organização e capacidade de existir entre ambos uma relação de identidade. Para ele, então, a arquitetura seria uma forma de concretizar o genius loci por meio de uma compreensão da vocação que determinado local possui.

Dentro desse panorama da presença e relação do corpo com o espaço é possível colocar o pensamento de três arquitetos e teóricos em questão: o espaço de representação de Peter Eisenman, a fenomenologia de Christian NorbergSchulz e o corpo-como-sujeito de Bernard Tschumi4 . O primeiro autor, como já dito, introduz a ideia de um espaço em que o corpo é inserido a fim de atuar e realizar suas modificações; o segundo autor desenvolve em seu texto “O Fenômeno do Lugar” a fenomenologia como uma volta às características dos lugares a partir da ação do homem, a partir de uma experiência Para uma melhor compreensão do cotidiana. conceito de fenomenologia é importante que resgatemos também a visão de um Dentro das ideias de Norberg-Schulz outro arquiteto; para Juhani Pallasmaa somos colocados perante relações do 5a função do arquiteto se dá por meio espaço com os eventos que nele ocorrem, 4. Referência à série de textos do arquiteto Bernard Tschumi, “Arquitetura e Limites” volume I ao III. 5. Juhani Pallasmaa é um arquiteto finlandês, também professor da Universidade de Aalto.

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do projeto de imagens e sentimentos das pessoas usando como veículo um edifício, ou seja, o projeto é o instrumento utilizado para trazer ao espaço uma construção tridimensional que possibilite uma interpretação das pessoas com base na carga emocional e formação que cada indivíduo traz. Para Pallasmaa a relação de um indivíduo com o espaço que o cerca é tão íntima, tão interior, que ele mesmo elenca dois fenômenos que relacionam arquitetura e a vivência: a arquitetura sem arquitetos, que é aquela que projetamos e aparece em nossos sonhos, filmes e lembranças apenas para dar um lugar a algum acontecimento, semelhante ao que ocorre no filme “A Origem”, de Christopher Nolan. No filme o personagem Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) é responsável por plantar ideias na mente das pessoas, o que acaba exigindo que sua equipe arquitete sonhos e situações adequadas à intenção da missão; dessa forma o que é real acaba se confundindo com o que é onírico. Cena do filme “A Origem”(2010), na qual Don Dobb (Leonardo DiCaprio observa a construção e sobreposição mental de mundos. Fonte: Warner Bros.

O outro fenômeno citado por Pallasmaa é a arquitetura da memória, que é o fenômeno de retenção de cenas

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e composições na nossa memória, não apenas de objetos ou detalhes. De certa forma se relaciona bastante com o primeiro fenômeno, mas esse faz referência à organização da nossa mente quanto às memórias. Fazendo delas não apenas objetos ou detalhes fragmentados, mas composições. Para esse fenômeno é possível lembrar da animação produzida pela Pixar “Divertida Mente”, dirigida por Pete Docter e Ronaldo del Carmen; o plot principal do filme consiste na divisão das memórias e reações em cinco sentimentos principais: Alegria, Raiva, Tristeza, Nojinho e Medo. Esses cinco fatores controlam as reações de todos personagens e são responsáveis também pelo armazenamento das memórias; no estoque mental elas ficam envolvidas em um globo e adquirem a cor respectiva a cada sentimento, apoiadas em grandes prateleiras. Dessa forma conseguimos notar que no grupo que envolve a fenomenologia e o genius loci temos uma compreensão que vai além de teorias. Depende da percepção do indivíduo no espaço e da forma com que ele irá ocupar e interpretar aquilo que

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Cena do filme “Divertida Mente”(2015), mostrando à direita o estoque de memórias presente na cabeça de cada pessoa. Fonte: Disney.


o cerca. E, por último, temos um embate de conceitos proposto por Bernard Tschumi: corpo-como-objeto e corpo-como-sujeito, os quais estão muito ligados com a visão que o arquiteto – responsável pelo projeto do Parque La Vilette – de que a arquitetura é composta pela interação do espaço com os eventos, como algo sujeito a fenômenos e que está altamente relacionada à atividade humana. Inclusive, como reflexo desse pensamento, Tschumi chega a discutir a questão do programa arquitetônico – ou até mesmo urbano, quem sabe? – como uma consequência do que é pedido pela sociedade daquele momento e que está sujeito a alterações ao passo que ela também tem suas transformações.

“La Géode” no Parque La Vilette. Fonte: Wikipedia.

Dessa forma é possível atrelarmos ao espaço urbano, seja na escala de um determinado trecho de rua ou até mesmo em uma mancha urbana, uma relação muito próxima da estrutura física resultada da morfologia daquela determinada cidade com as pessoas que fazem uso daquele objeto de estudo. Por exemplo, se considerarmos alguns pontos com

uma personalidade mais forte dentro da cidade de São Paulo – tais como a Rua Avanhandava, a Rua Oscar Freire, a Avenida Paulista, a Praça Roosevelt e o Beco do Batman – veremos que a nossa imagem mental daquele lugar acaba por associar completamente o espaço com os seres que o ocupam. UMA NOVA DIMENSÃO: CIDADE FEITA PARA PESSOAS Tratar de tal assunto é abrir, automaticamente, margem para que seja discutido sobre um assunto que Jan Gehl fez uso de mais de 250 páginas para dissertar: as características e conteúdo das cidades que possuem o pedestre como regra para seu planejamento. Quando citamos anteriormente espaços tais como a Rua Avanhandava e a Praça Roosevelt temos em mente que a personalidade ofertada a esses lugares não deriva apenas das pessoas que os frequentam, mas também dos procedimentos de projeto que levaram tais espaços serem desenhados daquela maneira.

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Quando pensamos na Avenida Questão I: Espaço Urbano e Mobiliário Paulista sendo ocupada por pedestres é No projeto das calçadas da Rua possível ver nela a tradução espacial de Avanhandava é possível perceber com uma das citações de Gehl: distinção a área destinada para o mobiliário “A vida na cidade é um processo de de serviço, tal como os postes, placas de autoalimentação, de autorreforço. Algo acontece porque algo acontece sinalização, balizadores e árvores; e a área porque algo acontece. Após iniciada, destinada à ocupação do pedestre. O uma brincadeira de criança pode, rapidamente, atrair mais participantes. uso de mobiliário destinado às pessoas Processos similares ocorrem com é destacado por Gehl fazendo uso do atividades de adultos. As pessoas vão exemplo do porto de Aker Brygge, em aonde o povo está. ” Oslo: “em 1998, os bancos antigos foram (GEHL. p. 64) substituídos por modelos novos que mais que dobraram a capacidade de assentos É essencial que dentro dos espaços da área (+129%)” (GEHL, p. 16). Como urbanos haja algumas preocupações gerais resposta a isso, se constatou que dobrou elencadas pelo autor: um projeto adequado o número de ocupantes daquele espaço à escala humana e todas suas limitações, também. uma cidade que seja viva, segura, sustentável e saudável e uma cidade que É importante destacar a necessidade seja projetada ao nível dos olhos. de que haja mobiliário disponível para que as pessoas ocupem aquele lugar. Espaços A Rua Avanhandava, na região abertos e que não oferecem estrutura paulistana do Baixo Augusta, pode ser alguma acabam por criar um vazio urbano considerada um bom exemplo para discutir que não tende a ser ocupado. algumas coisas ditas por Gehl, como será visto nos próximos parágrafos: Rua Avanhandava, São Paulo - SP. Fonte: Acervo pessoal.

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Rua Avanhandava, SĂŁo Paulo - SP. Fonte: Acervo pessoal.

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Questão II: A arquitetura de 5km/h Para Jan Gehl a arquitetura de 5km/h é aquela que “baseia-se numa cornucópia de impressões sensoriais, os espaços são pequenos, os edifícios mais próximos e a combinação de detalhes, rostos e atividades contribui para uma experiência sensorial rica e intensa” (GEHL, p. 44) Na Rua Avanhandava temos uma via estreita e desenhada de modo a não permitir que o motorista de automóvel ou motocicleta atinja uma velocidade alta em sã consciência; esse desenho ajuda a fazer com que as calçadas sejam mais largas e passíveis de ocupação, permitindo também uma maior proximidade entre os usos dos lados opostos da rua. No caso da fotografia, conseguimos identificar a proximidade entre as duas calçadas. A pessoa que está do outro lado da rua consegue ter a expressão facial facilmente identificada, permitindo que haja até uma breve conversa; é um modelo de rua que permite que haja maior densidade de uso e pessoas no espaço público.

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Rua Avanhandava, São Paulo - SP. Fonte: Acervo pessoal.


Questão III: Espaços de transição suave entre espaço público e privado, por favor Sob a ótica do arquiteto especialista em segurança territorial Oscar Newman, Gehl enfatiza como as zonas de transição, terraços e recuos frontais podem contribuir para a segurança, vitalidade e distinção entre o espaço público e privado. Os instrumentos para garantir essa distinção são simples, tais como “mudanças no piso, paisagismo, mobiliário, cercas vivas, portões e toldos”, e acabam por ajudar a suavizar a transição entre os espaços interiores e exteriores.

Rua Avanhandava, São Paulo - SP. Fonte: Acervo pessoal.

Por outro lado, é importante saber que essa suavidade na transição pode ajudar também na criação de dúvidas ao usufruir do espaço público. Cansado em permear espaços hostis, posso dizer que ao me deparar com uma situação igual à da fotografia tive como primeira reação a dúvida: o que é privado? O que é público? Será que posso me sentar e passar um tempo aqui sem sequer comprar uma água ou almoçar?

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A aplicação empírica do que Jan Gehl reflete em seu livro poderia ser dada a muitas outras questões e situações do espaço público, contudo, esses três exemplos se fazem suficientes para introduzir à mente do leitor uma perspectiva de cidade caminhável próxima à nossa existência, que se faz palpável a qualquer pessoa que viva na cidade de São Paulo.

of Great American Cities”(1961), lançado a tempo de criar dentro dos Estados Unidos uma corrente pró-urbana, inspirando o remodelamento do centro de algumas cidades como Boston e Filadélfia.

Dentro do seu “manifesto” é possível identificar algumas diretrizes que garantem a manutenção e segurança das cidades por meio dos próprios cidadãos em diversos níveis: o do pedestre, do observador e até mesmo do dono de comércios; níveis ESPAÇOS: PÚBLICOS, DE estes que se encontram entrelaçados. Para PERMANÊNCIA E DE COMBATE que o pedestre possa fazer uso da rua é necessário que outros agentes, entre eles Diversas vezes na literatura específica os donos de comércio, promovam para o nos apoiamos na visão de outros ambiente urbano usos, visto que: especialistas para discutir sobre algum assunto específico, especialistas esses que (...) não podemos obrigar ninguém a utilizar a rua sem motivos. Ela tem trarão seus termos específicos e uma visão de oferecer o atrativo de uma grande urbana que poderá ir além da percepção quantidade de lojas e lugares públicos ao longo das calçadas; alguns desses comum e muitas vezes crítica até demais lugares devem também ficar abertos que um arquiteto urbanista possui. Para à noite. Lojas, bares, restaurantes discorrer um pouco sobre os espaços contribuem, pois, na prática, para dar segurança à rua. públicos e as linhas de combate, termo que será explicado em breve, será feito Em primeiro lugar, oferecem aos inicialmente uso da visão de Jane Jacobs, transeuntes (...) razões concretas para utilizar as calçadas em que se situam. jornalista norte-americana já falecida responsável pelo livro “The Death and Life Em segundo lugar, atraem o tráfego

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para lugares que não possuem atrativos próprios, mas que se tornam assim locais de passagem vivos, povoados. (...) Em terceiro lugar, os comerciantes e proprietários de pequenos negócios são os melhores agentes de segurança. Detestam as vitrines quebradas (...); querem que seus clientes se sintam seguros.

Então você tem o arquiteto. Você tem o desenvolvedor ou o grupo de desenvolvedores. Você tem agências federais, estaduais e municipais. Você tem o público, que é um componente importante. Você tem pontos de referência ou outros grupos com ideias históricas. E todos se juntam para trabalhar contra e com o outro para a realização do projeto. Estes podem variar desde pequenas e temporárias intervenções até grandes projetos de infraestrutura, com grande escala. Forças de mudança estão acontecendo em todos os níveis. Mudanças tecnológicas, novas formas e modos de transporte. As eventualidades de catástrofes naturais e artificiais. Estas são todas as coisas que serão abordadas pelo desenho urbano.

Contudo, é notável que o espaço urbano não é feito apenas dessas pacíficas diretrizes que a jornalista elenca; dentro da dinâmica urbana há a presença dos mais diversos agentes que acabam por intervir nas múltiplas questões. Dentre elas, apenas algumas específicas nos importam de fato; neste momento é importante O espaço urbano, então, é algumas palavras ditas por Noah Chasin, professor de história da arquitetura na Bard naturalmente constituído dessa diversidade College de Nova Iorque no documentário entre intenções e visões, construído pelo coletivo. E é exatamente dentro dessa “Urbanized”: pluralidade que somos introduzidos a Ao que diz respeito ao desenho conhecer alguns conflitos presentes no urbano é que, ao contrário de ser uma empresa solitária de um artista sentado espaço público por meio do autor Mauro em seu estúdio, o que você realmente Calliari e seu blog “Caminhadas Urbanas”. tem é um grupo interdisciplinar de Calliari é um administrador de empresas, pessoas que se reúnem trabalhando no mesmo projeto, mas que possuem consultor organizacional e mestre em perspectivas muito diferentes, tendo urbanismo pela FAU-USP e em abril de diferentes agendas e diferentes papéis. 2017 fez um relato curioso em um texto.

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À época se desenvolvia na cidade de São Paulo uma luta entre as pichações, grafites e a gestão do atual prefeito João Dória Jr. e Mauro relata por meio da ação de um senhor chamado João Batista da Silva um dos conflitos que fazem parte da urbanidade: o embate entre o público e o privado. O muro do Sr. João era coberto por um grafite em um dos logradouros mais famosos de São Paulo justamente por esse uso: o Beco do Batman. Mas é justamente na sua formação como espaço público que encontramos um grande conflito: o dono do muro não aguentava mais a “bagunça dos turistas, fotógrafos, visitantes e até músicos durante o dia, mas principalmente à noite”. Contudo esse ocorrido não parou por aí. Vivemos em uma década na qual o compartilhamento de notícias e a reação a elas é quase que imediato, sem uma posição reflexiva; com esse ocorrido não foi diferente, considerando que o muro do Sr. José Batista é parte da paisagem urbana e, para alguns, pertence a todos. Mas não é a realidade, visto que o muro foi construído por um agente privado, em um

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lote que tecnicamente é privado e só pode ser alterado por seu dono. Esse caso, diz Mauro Calliari, “revela de modo exemplar o conflito inerente à ocupação do espaço público. Não há ocupação sem conflito e não há resolução do conflito sem mediação, principalmente do poder público”. Como é possível imaginar, tais conflitos não são uma exclusividade da cidade de São Paulo, ocorrendo também em outros espaços urbanos. Rem Koolhaas tem uma fala muito interessante no seu texto “Por uma cidade contemporânea”: (...). Nos dias de hoje, todo espaço vazio é alvo fácil para um frenesi de preencher, tapar. Mas, a meu ver, dois motivos concorrem para fazer dos espaços vazios, no mínimo, uma linha de combate, se não a única, para as pessoas que se preocupam com a cidade. O primeiro é muito simples: hoje é bem mais fácil controlar o espaço vazio do que jogar com volumes cheios e formas aglomeradas que, embora ninguém tenha conseguido explicar como, se tornaram incontroláveis. O segundo tem a ver com algo que observei: vazio, paisagem, espaço – se quisermos usá-los como meio, se quisermos incluí-los num projeto – podem tornar-se um campo de batalha e obter apoio genérico de quase todo mundo.


Ou seja, quando associamos a um lugar o status de vazio ele acaba sendo destinado facilmente à condição de espaço de batalha, algo facilmente notável em muitos espaços do centro de São Paulo nos mais diversos momentos do ano. Por exemplo, nos dois últimos anos passou-se a firmar na cidade a presença do Carnaval de rua em plena metrópole, uma ocupação por crianças, adolescentes, adultos e idosos de grandes áreas urbanas como se fossem um parque. No carnaval mais recente, em fevereiro de 2017, a área da República foi ocupada em diversos finais de semana com blocos de rua que focavam diferentes públicos; a Praça Roosevelt também foi um espaço ocupado durante o Carnaval e, assim como o Elevado Presidente João Goulart, tem sua área ocupada por diversas atividades ao longo do ano também. E em outro texto6 Mauro nos comunica o conflito que essas atividades também geram aos moradores das duas áreas: “Moradores do Minhocão sofrem com o barulho dos carros.

Moradores da Roosevelt reclamam dos skatistas e dos shows. Moradores da Vila Madalena sofrem com a multidão em suas portas durante o dia e a noite”. Sobre o Minhocão o problema se estende um pouco mais e é descrito, em uma reportagem7 do jornal paulistano Folha de São Paulo, pela ótica dos dois usos que a área possui: o da transposição e o da diversão: “É preciso ter paciência. O Minhocão passa bem na minha cabeça”, diz a aposentada Marta Fonseca, 58, moradora do primeiro andar de um prédio da região. Para ela, o maior problema de viver ali é o barulho dos automóveis, que vem, ao mesmo tempo, de cima e de baixo do viaduto. (...) “A sensação é a de comer fumaça de colher”, afirma. “O pó preto, tenho que limpar a casa o tempo todo.” À noite e aos fins de semana, quando o elevado fecha para os carros e abre para os pedestres, Fonseca afirma sentir um conforto maior. “As pessoas só são curiosas demais, ficam olhando

6. Texto retirado de <http://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/caminhadas-urbanas/carnaval-a-cidadeque-redescobriu-seus-espacos-publicos-agora-vai-ter-que-aprender-a-resolver-seus-conflitos/>. Acesso: 30/07/2017. 7. Texto retirado de < http://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/morar/2017/04/1879525-quem-viveperto-do-minhocao-lida-com-o-barulho-de-carros-e-pedestres.shtml>. Acesso: 01/08/2017

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aqui para dentro. Como gosto de gente, isso não me incomoda.”

genius-loci8 e de como os diversos agentes irão se articular entre eles.

Mas incomoda e muito a empresária Irene Oliveira, 55, que mora no terceiro andar de um edifício há poucos metros dali. “Me sinto um animal em um zoológico. As pessoas não só nos observam como fotografam. É uma invasão de privacidade”, diz.

Dentro do espaço urbano foi possível verificar, então, que há aspectos que envolvem tanto a estrutura física quanto os vetores de ação sobre ele. Todas as ações sobre o espaço físico podem derivar uma cidade mais ou menos humana, que refletirá Dessa forma é possível enxergar naqueles que a percorrem um pensamento como, dentro da questão que trata do de acordo com a qualidade de vida que que é “ser um lugar” vem muitas outras possuem. questões adjacentes. O lugar, com sua estruturação de espaço e caráter unidos, A cidade de São Paulo passou como anteriormente citado, não depende durante a gestão do prefeito Fernando apenas de características dimensionais ou Haddad (2013-2016) por um processo materiais, que responderiam facilmente a de humanização. O primeiro passo dado nossa pergunta; o lugar depende de outros constituiu-se na reforma do Plano Diretor fatores que não podem ser condicionados, Estratégico, código de leis que rege o como Lynch sugeriu ao comparar a cidade crescimento da cidade; ao longo dos com a sequência de interpretação de uma anos, então, deu-se também a proposta música. Ser um lugar depende das pessoas do bloqueio de diversas ruas para que e das formas de uso e ocupação que são os pedestres pudessem ocupa-las e fazer promovidas em determinado período usos além de manifestações e simples histórico. Depende, de certa forma, do apresentações musicais. 8. “Genius-loci” é um conceito citado por Christian Norberg-Schulz, que significa “o espírito do lugar”, a essência que os homens precisam aprender a lidar para serem capazes de habitar. É citado em seu texto “O Fenômeno do Lugar”.

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Elevado Presidente João Goulart (Minhocão), São Paulo - SP. Fonte: Acervo pessoal.


Com o programa Ruas Abertas deuse começo a uma redescoberta de como o espaço público pode ser confortável, de como é possível fazer uma ocupação eficaz e divertida mesmo em espaços que fujam do caráter tradicional de parques e praças.

moradores da periferia que fazem grande uso de bicicletas.

Atualmente, sob a gestão do empresário, jornalista, publicitário e político João Dória Jr., São Paulo vive momentos que colocam seu caráter humano na Além disso, a mobilidade sofreu incerteza sob a máxima de fazê-la ser uma algumas mudanças essenciais para a “Cidade Linda”, princípio este que nos melhoria da qualidade do trânsito: a remete às ações higienistas do século XX. redução da velocidade – ação essa que teve A gestão passou, até o presente grande impacto na redução de acidentes e mortes no trânsito – e também a criação momento (outubro/2017) por alguns de diversas faixas exclusivas para ônibus, momentos de tensão. Um dos grandes táxis e bicicletas. Dessa forma o transporte feitos da gestão anterior fora a redução sustentável e/ou coletivo acabava da velocidade de algumas vias da cidade, tornando-se prioridade na mobilidade, a o que contribuiu para uma redução de qual se ligava amplamente com metrôs e acidentes e também para uma otimização do trânsito; João Dória abandonou esse trens já disponíveis. princípio e aumentou a velocidade nas vias Claro que dentro dessa questão gera- Marginais novamente. se discussões em relação ao plano de Outro momento de conflito foi instalação de ciclovias, que muitas vezes foram locadas em pontos e linhas de fluxo gerado a partir da arte urbana paulistana. pelos quais não passavam frequentemente Grafites e pichações foram retirados sem 9. Notícia retirada de : <https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/doria-diz-que-avaliou-mal-a-questaodos-grafites-da-avenida-23-de-maio.ghtml> Acesso: 12/09/2017

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critério de diversas regiões da cidade9 ; em um caso mais grave, o grande mural de grafites que se estabelecia na Avenida 23 de Maio começou a ser apagado logo na terceira semana da gestão, sendo substituído por jardins verticais. Em outros pontos da cidade nota-se, ainda hoje, uma resistência à adoção dessa diretriz do programa “Cidade Linda”. No caso da Praça Roosevelt e entorno é frequente ver grafites e intervenções novas, e algumas semanas depois funcionários da prefeitura despejando novamente tinta cinza sobre eles. A questão mais recente em assunto urbano faz referência ao bairro do Centro de SP. Com um projeto de intervenções realizado pelo Secovi/SP, com colaboração do escritório do arquiteto Jaime Lerner, há diretrizes de projeto urbano que envolvem a criação de boulevares, galerias e também de edifícios ícones. Como vem sendo desenvolvido nesse trabalho, é possível imaginar que essa ideia de “ausência de edifícios ícones” na cidade acaba conflitando com a imagem geral que se tem da cidade; São Paulo já possui diversos

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lugares que se tornaram marcos de sua paisagem. E há diversos lugares que se tornarão. Colocar o valor de uma cidade em marcos pontuais é ignorar toda a dinâmica urbana que se constitui; é colocar o valor dela apenas em uma imagem midiática, ignorando toda a percepção e identidade formada pelas inter-relações de seus moradores e outros agentes.

Arte Urbana presente em muros próximos à Praça Roosevelt e alça de acesso ao Elevado Pres. João Goulart. Fonte: Acervo pessoal.


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Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, ao nĂ­vel de olhos do pedestre. Fonte: Acervo Pessoal.


II

MÚLTIPLA PERCEPÇÃO DA CIDADE


“O caos é uma ordem por decifrar.” — O LIVRO DOS CONTRÁRIOS10 (“O homem duplicado”, José Saramago)


José Saramago, escritor português autor de grandes obras tais como “Ensaio Sobre a Cegueira” e “Ensaio Sobre a Lucidez” faz uso da frase acima, junto com algumas outras, como mote para sua obra “O Homem Duplicado”. Com um enredo sobre um professor de História chamado Tertuliano Máximo Augusto que certo dia encontra um outro homem fisicamente igual a ele. Essa possibilidade de existir um duplo gera uma situação caótica na vida do professor visto que ele se coloca involuntariamente perante algo que ele não é capaz de entender à primeira vista. Esse enredo foi recentemente adaptado para o cinema sob a direção de Dennis Villenueve e com a participação do ator Jake Gyllenhaal; apesar das divergências de adaptação entre filme e livro, a intenção inicial de Saramago é mantida: investigar e entender a ordem presente no caos, que diversas vezes é tido como indecifrável.

as coisas que não conseguimos decifrar, que não conseguimos ler integralmente, pode ser aplicada a diversos aspectos socioculturais. Dentro da arte temos diversos movimentos e vanguardas que produziram peças gráficas, escritas ou musicais que à primeira instância poderiam ser consideradas de má qualidade, contudo a partir do momento que são entendidas e decifradas é possível enxergar a coerência de tais peças. Um exemplo muito mais recente e próximo da cultura popular é a música “Bohemian Rapsody”, da banda britânica Queen. A estrutura do arranjo da longa canção é irregular, com diversos tipos de ritmos em sua composição, o que soa um tanto caótico pela primeira vez que se ouve. Contudo é quase uma opinião unânime quão complexa é a composição resultante da letra e do arranjo, sendo lembrada até os dias atuais.

O fato de que tomamos como caos

Cena do filme “O Homem Duplicado”. Fonte: Imagem Filmes/ Reprodução.

10. O chamado “Livro dos Contrários” é fictício. Esse é um instrumento utilizado pelo autor português José Saramago tanto no livro “O Homem Duplicado” quanto em outros. Dessa forma Saramago traz para o contexto do livro frases criadas especialmente para tal enredo. 11.Entrevista integral disponível em < http://www.bbc.com/portuguese/cultura/021107_saramagobg. shtml> .

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INTERPRETAÇÃO DO CAOS: A LEITURA e detalhista do entorno. AMBIENTAL A fim de conseguir experimentar Uma cidade tem por constituição empiricamente o que o autor escreve uma ordem (ou desordem) de diversos construiu-se uma visão seriada, estratégia elementos físicos, os quais compõe a essa que consiste no registro de um paisagem urbana. Ao manifestar o desejo percurso em algum local específico por de estudar tal paisagem podemos nos meio de desenhos. Para este trabalho tal defrontar com dois autores que possuem experimentação foi realizada na Rua Sete abordagens diferentes do modo com quem de Abril, localizada entre as estações podemos perceber a forma das cidades. Anhangabaú e República da Linha 3 – Vermelha do Metrô de São Paulo. A primeira abordagem diz respeito à do arquiteto, ilustrador e paisagista Gordon O local foi escolhido devido dois Cullen, o qual desenvolve dentro de sua aspectos principais: a rua Sete de Abril obra “Paisagens Urbanas” um manual de é uma das ruas que se conectam à Praça reconhecimento de conceitos estéticos e da República, objeto de estudo projetual de percurso dentro do desenho urbano e – como detalhado no quarto capítulo – e, edificações que o compõe. Como o mesmo em segundo lugar, por possuir um traçado diz ao introduzir a obra, “o propósito desse urbano não tão retilíneo, que a princípio livro é mostrar que assim como a reunião já ofereceria a sensação de descoberta de pessoas cria um excedente de atrações que Gordon Cullen descreve no seguinte para toda a coletividade, também um trecho: conjunto de edifícios adquire um poder de “(...). No caso do conjunto, imaginemos atração visual a que dificilmente poderá o percurso do transeunte: ao afastar-se almejar um edifício isolado”. O que Gordon pouco a pouco dos edifícios depara, ao virar uma esquina, com um edifício escreve e ilustra diz sobre o percurso que totalmente inesperado. É normal que se faz nas cidades e todas as sensações fique surpreendido ou até mesmo espantado; mas a sua reação deve-se possíveis, demonstrando um olhar apurado

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Rua Sete de Abril, República, São Paulo. Fonte: Acervo pessoal.


mais à composição do grupo do que a uma construção específica. (...)” (CULLEN, Gordon. P. 9)

Infelizmente o ponto de chegada do percurso da proposta já era do conhecimento antes da execução da visão seriada, contudo a possibilidade de desenhar in loco oferece a oportunidade de expandir a visão que se tem sobre o lugar e observar características tais como o comportamento das pessoas naquele determinado lugar em um intervalo de tempo.

ENSAIO PRÁTICO: A LEITURA SERIADA DE UM LUGAR Essa sequência de desenhos tem como intenção explorar aspectos específicos em cada quadro obtido. A distância entre os planos varia, mas foi posicionada de acordo com a sensação de descoberta que o transeunte pode presenciar ao andar por tal calçadão.

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DESENHO I: RUA SETE DE ABRIL, PRÓXIMO AO BANCO ITAÚ No primeiro desenho a Praça da República se apresenta como apenas uma sinalização no fundo, uma massa arbórea que apenas existe como um marco visual. O contorno dos edifícios consegue proporcionar uma moldura para essa vista, a qual recebe como bloqueio apenas alguns mobiliários urbanos e pedestres.

Fonte: Acervo pessoal.

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DESENHO II: RUA SETE DE ABRIL, PRÓXIMO AO Nº 296, SENTADO No segundo desenho há uma maior revelação do que terá no final do percurso, mas o detalhamento ainda é pouco; o maior destaque do desenho passa a ser a flexão presente no traçado da rua, que acaba por ocultar um trecho da quadra. O que se torna possível de ver é apenas as marquises do lado esquerdo, e como elas somem.

Fonte: Acervo pessoal.

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DESENHO III: RUA SETE DE ABRIL, PRÓXIMO AO Nº 330, SENTADO No terceiro desenho o panorama tido da Praça da República é muito mais detalhado. É possível ver as atividades que ocorrem naquele local, é possível ver também que o desenho do lado esquerdo das fachadas acaba sendo interrompido pela finalização da quadra e surgimento de uma nova – a qual comporta o Edifício Esther, o primeiro edifício de uso misto da cidade de São Paulo e que atualmente comporta dois empreendimentos gastronômicos do chef francês Olivier Anquier. O mobiliário urbano se faz mais presente também e a possibilidade de detalhar a esquina da Rua Sete de Abril se torna maior.

Fonte: Acervo pessoal.

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DESENHO IV: RUA SETE DE ABRIL, PRÓXIMO AO Nº401, EM PÉ O quarto desenho teria, pela lógica, a maior chance de se mostrar o mais detalhado e rico. Contudo, uma deficiência do projeto da rua consegue afetar a qualidade final: nesse ponto não há um espaço dedicado à permanência do transeunte, como havia anteriormente. A rua já passa a ser compartilhada por carros e pedestres e o fluxo é muito mais intenso devido a calçada que se estreita. Como reflexo, o desenho se faz muito mais singelo, com a simples intenção de revelar o que antes não fora revelado: a Escola Caetano de Campos e sua relação com o pedestre e com a massa arbórea à sua frente. Nessa distância, menor que 100m, é possível fazer o detalhamento visual da fachada dos edifícios; contudo a identificação de rostos ainda se faz dificilmente.

Fonte: Acervo pessoal.

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Por meio dessa experimentação in loco e por meio de registros gráficos é possível identificar alguns dos inúmeros conceitos que Gordon Cullen exemplifica em seu livro. Quanto ao local é notada a presença das relações de aqui e além, uma perspectiva delimitada, algumas saliências e reentrâncias, a sensação de expectativa e a presença de recintos no meio da rua, estratégia esta que aumenta o caráter humano daquele local.

INTERPRETAÇÃO DA ORDEM: GESTALT E LEGIBILIDADE

Dentro dos estudos da forma nos deparamos algumas vezes com princípios de psicologia da forma estruturados pelos pesquisadores alemães Max Wertheimer, Wolfgan Kohler e Kurt Koffka em sua Escola Gestalt de Psicologia. Dentro dos diversos estudos deles está a Lei da Gestalt, a qual discute sobre a pregnância das formas, questões de proximidade e semelhança, Em relação ao conteúdo a estratégia continuidade e fechamento. de urban sketching oferece uma maior A Pregnância da forma diz sobre “a percepção quanto ao conteúdo, enfatizando conceitos tais como a identificabilidade, capacidade de perceber e reconhecer os pormenores e a nostalgia, os quais formas”(LIMA, 2010) e é sabido que quanto permitem que se trace um caráter único mais simples for uma determinada forma, daquele local. Desde a vegetação que mais facilmente interpretada e assimilada nasce acima das marquises, a fachada ela será. Uma dessas aplicações se dá no desorganizada de uma loja e a presença crescente uso de ícones e diagramas dentro de proteções em ferro contra grafiteiros da propagação de informações, adequando em alguns imóveis até a observação de o tempo de leitura e interpretação ao lojistas dispostos a venderes cópias fajutas tempo disponível por uma pessoa comum de perfumes para os pedestres que por lá para absorver determinada informação. passavam faz daquele local único. E, nesse caso, registrado por meio de desenhos.

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Quando a autora Mariana Lima12 discorre sobre as questões da percepção visual é possível ler diversas análises que se dão relacionadas a objetos arquitetônicos, obras de arte e questões de iluminação; mas de certa forma é essencial que sinapses sejam feitas e com isso seja identificada uma certa conexão com um conceito desenvolvido por Kevin Lynch: a legibilidade. Para o autor norte-americano a legibilidade tem muita relação com a clareza presente na imagem mental que os habitantes fazem da cidade que residem, prezando pela identificação de partes que podem ser devidamente reconhecidas e organizadas em um modelo coerente. Para LYNCH (2010, p. 3) “uma cidade legível seria aquela cujos bairros, marcos ou vias fossem facilmente reconhecíveis e agrupados num modelo geral”; de certa forma isso diz muito sobre a criação de um sistema de estruturação do ambiente para

que orientação do homem nele se dê de forma mais fácil. Há uma frase usada frequentemente na língua inglesa, presente inclusive na adaptação cinematográfica do livro “Paper Towns”, do autor norte-americano John Green, em que se diz “get lost, get found”. Essa frase quer dizer, em tradução não literal, algo como “é preciso se perder para poder se encontrar”; algo que claramente é dito em nível emocional ou até mesmo psicológico. Mas se aplicarmos essa “máxima” ao contexto de desenvolvimento de sinapses entre Gestalt e legibilidade, é praticamente possível imaginar que na cidade contemporânea o ato de se perder literalmente se faz quase impossível. Somos cercados por meios de referências que diversas vezes forçam a nossa orientação ou leitura da cidade: são diversas placas indicativas, mapas físicos e digitais, sistemas de orientação geográfica, aplicativos que monitoram sua posição na

12. A arquiteta e autora Mariana Lima apresenta suas ideias que relacionam iluminação, percepção visual e valorização de ambientes internos e externos no livro “Percepção Visual Aplicada à Arquitetura e à Iluminação”.

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cidade a fim de oferecer alertar – sendo eles os mais diversos: proximidade de amigos, permanência em determinado lugar, mudança de temperatura à frente ou até mesmo estimativa de tempo para o provável próximo lugar que você irá. Dessa forma o ser urbano da contemporaneidade se vê cada vez mais apoiado a esses instrumentos, fazendo com que em sua ausência “o sentimento de angústia – e mesmo de terror – que o acompanha irá mostrar com que intensidade a orientação é importante para a nossa sensação de equilíbrio e bem-estar” (LYNCH, 2011, p. 4). A capacidade de conseguir ler um ambiente e ordená-lo “oferece a seu possuidor um importante sentimento de segurança emocional. Ele pode estabelecer uma relação harmoniosa entre ele e o mundo à sua volta. ” (LYNCH, 2011, p. 5) fazendo com que essa segurança oferecida pela ordem se oponha à sensação de incerteza, o medo tão característico do caos.

cidade legível: uma forte expressividade e uma maior profundidade e intensidade da experiência humana. Em contraposição, também cita a alta capacidade que o cérebro humano possui em se adaptar e encontrar caminhos em cenários que sejam desorganizados ou descaracterizados à medida do possível; claro que em ambientes austeros tais como florestas fechadas, alto mar e desertos uma navegação precisa se torna difícil e perigosa sem o auxílio de instrumentos. Por outro lado, há a exposição também do desejo que o incerto desperta no serhumano: o urbanista cita como exemplos a Casa dos Espelhos e as ruas tortas de Boston, que podem dar ao pedestre sensações de surpresa sem a perda de um ponto referencial de orientação – algo extremamente importante para que não se volte à falta de ponto de apoio que serve de ponto de ignição para a sensação de desorientação.

Com base nessa necessidade de descoberta Lynch desperta uma ideia Lynch ainda desenvolve algumas que se faz muito necessária para pensar outras vantagens e características da a urbanidade, em especial a urbanidade

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paulistana, nos últimos anos: o observador deve ter um papel ativo na percepção do mundo e uma participação criativa no desenvolvimento de sua imagem (LYNCH, 2011, p. 6). Ou seja, é de forma necessária que dentro da cidade os cidadãos não assumam um papel de apenas passageiros, mas que assumam também um papel de agentes transformadores. MAPA AFETIVO E UMA NOVA POSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO A confecção e estudo de mapas mentais tem cada vez mais dominado o meio acadêmico. Por meio de uma simples composição gráfica com palavras-chave é possível condensar o conhecimento e tornalo mais facilmente replicável. Além do mais, é possível que sejam criadas fichas com os respectivos mapas mentais, ajudando em um processo de memorização ou lembrança de tal assunto posteriormente. Contudo, dependendo do tipo de assunto a se tratar a aplicação de mapas mentais se faz não tão eficiente, principalmente em se tratando de assuntos com predominância imagética. Como

resposta a essa necessidade surge, então, uma prática metodológica que vem sendo cada vez mais aplicada em ambiente escolar e acadêmico: os mapas afetivos. É comum em fase de aprendizado as crianças serem condicionadas em atividades escolares a retratarem a sua vizinhança ou bairro em que moram por meio de desenhos. Em diversos casos há, na verdade, a construção de uma cartografia que consegue estabelecer os pontos com que a criança estabelece uma relação mais próxima de identidade. Além do mais, é possível elencar sensações que determinados pontos oferecem ao pedestre ou habitante. Angélica Macedo Lozano Lima, Mestre em Geografia e Professora da rede Pública Estadual do Paraná, e Salete Kozel, Doutora em Geografia e Professora Titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná, escreveram em 2009 um artigo intitulado “Lugar e Mapa Mental: Uma Análise Possível” , o qual narra conceitualmente e empiricamente a experiência de percepção e vivência na cidade de Santa Felicidade.

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Quando se questiona a finalidade única e pessoal de representar as visões dos mapas mentais, ou nesse caso, mapas que uma pessoa tem de determinado lugar afetivos, as autoras conceituam: ou situação. De certa forma a confecção de mapas afetivos se relaciona à prática muito Os mapas mentais fornecem signos, marcas deixadas no papel: ‘as imagens comum dentro da classe de arquitetos públicas, as figuras mentais comuns e urbanistas: à do urban sketching. Tal que um grande número de habitantes prática consiste no desenho de observação de uma cidade possui’, são as áreas que estão relacionadas à vivência de situações urbanas, fazendo com que deles. (LYNCH, 1980, p.17) seja uma experiência de contato muito profundo com a região escolhida para ser (p. 213) retratada. Além do mais, apontam também Junto à prática da mentalização da cinco funções gerais dos mapas mentais cidade está o conceito de deriva, o qual: elencadas por SEEMANN: Eles nos preparam para comunicar efetivamente informações espaciais; tornam possível ensaiar o comportamento espacial da mente; são dispositivos mnemônicos: quando desejamos memorizar eventos, pessoas ou coisas, eles nos ajudam a saber a sua localização; como são mapas reais, mapas mentais são meios de estruturas e armazenar conhecimento; eles são mundos imaginários, porque permitem retratar lugares não acessíveis para as pessoas.

Está indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de efeitos de natureza psicogeográfica e à afirmação de um comportamento lúdico-construtivo, o que, de todos os pontos de vista, o opõe às normas clássicas de viagem e passeio (...). Na sua unidade a deriva abarca, ao mesmo tempo, esse deixarse ir conforme as solicitações do terreno e sua contradição necessária: o domínio das variações psicogeográficas através da consciência e do cálculo das suas possibilidades.

(SEEMANN 2003, s.n. apud Tuan, 1975)

(CARERI, 2013, p.88 apud DEBORD, 1956)

Dessa forma é possível dizer que os mapas afetivos surgem como uma forma

Sobre esse assunto do caminhar

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como uma prática estética, assunto este abordado pelo arquiteto, professor e artista italiano – ou, como o mesmo prefere, “poeta”13 Francesco Careri, a designer gráfica e editora de narrativas visuais Didiana Prata destaca que “o homem deixa seus rastros, os menires. Ele também explora a noção de ocupação do espaço e da experimentação estética transurbana caminhante. O caminhar é um instrumento estético capaz de modificar os espaços urbanos, preenchidos de significados, de coisas. (CARERI, 2013, p. 28-33).” (PRATA, vol. 2, pág. 8) A prática do caminhar consegue interferir muito na percepção da cidade, dos seus cheios e vazios. Carla Caffé, arquiteta formada pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP) é atualmente diretora de arte e esteve envolvida na produção recente do longa metragem “Era o Hotel Cambridge”. Seu trabalho sempre busca traduzir o espaço;

“é a espacialidade que me seduz, uma espacialidade construída, com perspectiva. Gosto do que é construído” (CAFFÉ, C. 2009, pág. 46), diz Carla ao discutir sobre a Luz e Espacialidade em sua obra . Para seu trabalho é essencial que se construa um olhar, uma percepção aguçada que apenas o caminhar e viver aquele determinado espaço pode oferecer. Outro aspecto destacado por Carla é a importância de traduzir essa experiência que temos em um espaço para algo mais mecânico como o desenho, e não tão racional como a fotografia: (...) O traço é meditativo. Diferente da fotografia, que faz um registro da realidade. Gosto de comparar a fotografia de um prédio feita pelo Bob Wolfenson e um trabalho meu, porque compreendo e reafirmo para mim o que é desenho: liberdade de percorrer o olhar e mostrar o que está dentro para fora, (...) ou o que está em cima embaixo, (...) e, assim, apresentar o mesmo prédio

13. Em uma palestra proferida no dia 05 de julho de 2016, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, São Paulo, o mesmo afirmou que tem o costume de se apresentar como poeta pois “aos poetas não se pede nada e dos poetas ninguém espera nada”. (Relato por Aurora Bernadini, disponível em <http://sibila. com.br/critica/francesco-careri-arquitetura-e-poiesis/12643> , acessado em 08 de outubro de 2017.)

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de uma perspectiva diferente, (...). Na fotografia não é possível ampliar um detalhe e, ao mesmo tempo, mostrar o todo. No trabalho da Paulista, quis criar um outro modo de olhar a avenida. (...). Perambulei à beça para mostrar uma outra dimensão. (CAFFÉ, C. 2009, pág. 51)

O trabalho de Carla Caffé como desenhista traz aos mapas afetivos uma nova interpretação. Seu mapeamento não traz para aquela paisagem urbana as pessoas, mas traz todos os efeitos que o convívio com as pessoas possibilita. Não é um ato de mapear ruas em planta, mas por meio do seu trabalho de desenho na Avenida Paulista e uma pósprodução do mapeamento das curvas de

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nível do entorno, formando um painel em que se une a topografia e diversidade que tanto caracterizam aquela a avenida e seus entornos, é possível dizer que naquela peça final está o afeto das pessoas que passaram e da autora: O que fiz neste livro foi quase antropologia urbana. Tive de voltar várias vezes ao mesmo lugar, fui me apropriando de outras memórias, das histórias que as pessoas me contavam. O ato de ir à rua desenhar é essencialmente urbano. (...). Não é ilustração de coisa alguma. Ele [o livro, que não apresenta ligação com um texto] simplesmente é. Dialoga com a experiência de ir para a rua e desenhar. Talvez esse seja o pulo do gato. (CAFFÉ, C., 2009, pág. 53)


(ABAIXO) Obra “A(é)rea Paulista”(2011), de Carla Caffé Fonte: livro “Av. Paulista”, Carla Caffé.

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ENSAIO PRÁTICO: A PRAÇA DA REPÚBLICA, SEUS PERCURSOS E O AFETO Anteriormente fora feito já um exercício de desenho urbano a fim de decifrar a estrutura do olhar na Rua Sete de Abril seguindo a prática da visão seriada de Gordon Cullen. Agora a proposta desse ensaio passa a ser a estruturação afetiva do entorno correspondente à Praça da República e o registro do percurso da estação República até a Universidade Presbiteriana Mackenzie.

quem percorrem a memória e imagem pessoal daquele lugar, envolvendo obras arquitetônicas históricas tais como o Edifício Itália, Edifício Esther, Edifício Eiffel e Escola Caetano de Campos; as características tão diversas entre as ruas Sete de Abril (que possui um comércio mais diversificado), Barão de Itapetininga (a qual tem como maior marco o comércio de ouro) e a rua 24 de Maio, a qual tem sido muito mais falada desde a inauguração do Sesc 24 de Maio, projeto da parceria o escritório MMBB e o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Nessa rua, em específico, se reúne outros dois marcos do comércio e grupos sociais: a Galeria do Rock e a Galeria do Reggae (Galeria Presidente), as quais conseguem em diversas ocasiões juntar simpatizantes de ambos estilos de vida.

Para cumprir com mais detalhamento as propostas produziu-se dois mapas afetivos com diferentes intensões e linguagens gráficas. O primeiro se constitui da marcação de locais e ruas que beiram Outros aspectos destacados fazem a Praça da República, almejando atribuir referência ao desenho do piso em frente à a cada aspecto lembrado uma identidade Escola Caetano de Campos, a presença da única. Associação da Parada do Orgulho LGBT+, os percursos internos da Praça, a faixa de MAPA AFETIVO I: REPÚBLICA E SEUS pedestres percorrida todos os dias e algumas LUGARES SIGNIFICATIVOS ruas do entorno, tal como a Avenida São João Nesse ensaio a praça ocupa um lugar (e uma irresistível citação à canção Sampa, de central, tal como o Sol ocupa no Sistema Caetano Veloso). Solar. Ao seu redor orbitam aspectos

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(DIR.) Mapa afetivo com lugares significativos ao redor da Praça da República. Fonte: Autoria própria.


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MAPA AFETIVO II: O PERCURSO ENTRE A ESTAÇÃO REPÚBLICA E A UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Como dependente do transporte público, diariamente se fez esse percurso. Contudo, nesse mapa se faz o registro gráfico (e não apenas fotográfico, como de costume) a partir do redesenho de fotografias tiradas, fazendo com que se destaque apenas o necessário àquela narrativa.

relato se faz muito mais confuso; o espaço se torna menos atrativo e mais dedicado ao fluxo dos carros, passando inclusive pela vista do Elevado João Goulart. Um fato interessante a se destacar nesse mapa é a validade dele como marcação de um percurso que atualmente é tido como comum por diversos estudantes, mas que em breve se tornará algo mais raro devido à inauguração da Estação Mackenzie-Higienópolis da Linha 04 – Amarela.

Por meio do desenho se traz uma continuidade do percurso sem fazer referências claras, em planta, ao lugar que aquela visada se faz presente. É um mapeamento que consegue ser lido apenas com a investigação do espaço, a partir da identificação daqueles planos registrados. Indiretamente se registrou também a velocidade do percurso; na Avenida Ipiranga o percurso se faz muito mais agradável devido à arborização e calçadas largas, o que resulta em uma maior quantidade de registros. No percurso nas Ruas da Consolação e Maria Antônia o

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(DIR.) Mapa afetivo do percurso entre o metrô e a universidade. Fonte: Autoria própria.


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IDENTIDADE, LUGAR, FOTOGRAFIA E AUDIOVISUAL (ESQ.) Recorte do site do jornal O Globo com o título da notícia. Fonte: Acervo O Globo. (ABAIXO) Capturas do videoclipe de “They Don’t Care About Us”, do cantor Michael Jackson. Fonte: Canal MichaelJacksonVEVO, YouTube/ Reprodução

Em 1996 o cantor Michael Jackson, falecido em 2009, desembarcou no Brasil com o propósito de gravar um novo clipe musical para a sua canção “They Don’t Care About Us”. A canção não é sobre o caráter único que o povo brasileiro tem em questões de felicidade; é sobre todas as questões sociais que rondam não somente o Brasil, mas muitos povos que ainda vivem em situações pontuais ou gerais de miséria, pobreza e dependentes de uma classe de governantes com interesses próprios. Contudo o clipe não opta por mostrar o lado ruim dos cenários escolhidos. Michael desembarcou em duas cidades brasileiras: Salvador e Rio de Janeiro. Na primeira gravou com o Olodum, um blocoafro de carnaval; na segunda, gravou no Morro da Dona Marta sob a observação de muitos moradores. À época o clipe

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não teve grande apoio de algumas figuras nacionais, tais como Ronaldo Cezar Coelho – secretário estadual de Comércio e Turismo da época – e o jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, não tinham o desejo de que ele fosse gravado, temendo uma repercussão negativa para a imagem do país. Muitos anos depois, a imagem que se tem do clipe não é negativa. Foi expressada uma identidade natural, um senso de comunidade. Um dos aspectos que conseguem trazer ao videoclipe uma imagem positiva das cidades que retrata – e consequentemente do país como um todo – é a paleta de cores aplicada junto às cenas que foram escolhidas para compor o conjunto editado. Os espaços e povos mostrados não se colocam como dependentes ou carentes de algo; se


(ABAIXO) Cena de Game of Thrones e, abaixo, a locação real: a Fortaleza de Bokar. Fonte: Radiotimes/ Reprodução

colocam do jeito que existem, com uma condição econômica menos favorecida, mas extremamente rica de harmonia e sintonia. Nesse caso a fotografia com cores saturadas e sem a presença de áreas escuras que tragam algum tipo de obscuridade à tela fazem com que a imagem alegre e condescendente do país seja mantida. Para os moradores do Morro Dona Marta e do Pelourinho ter esse reconhecimento por parte de um astro da música pop foi de grande importância, fazendo com que as características específicas daqueles locais se espalhassem pelo mundo.

grande parte das pessoas e populações estão condicionadas e, em segundo lugar: fazer de um local cenário para um contexto possibilita que outras pessoas, muitas vezes desconectadas física e culturalmente daquele lugar, acabem por se ver motivadas a estabelecerem fortes relações. O caso do videoclipe “They Don’t Care About Us” pode ser enquadrado na satisfação de um povo em se ver fora do status de invisibilidade. Para exemplificar essa criação de identidade impulsionada pelas produções audiovisuais os exemplos são variados. Game of Thrones é uma série baseada nos livros de George R. R. Martin e produzida pela HBO, consiste na luta de nove nobres famílias para ter o controle dos territórios místicos de Westeros. Apesar de ser uma obra totalmente de ficção, é frequente o uso de locações reais para que sejam realizadas parte das filmagens.

Seria possível citar um número muito grande de produções audiovisuais que fizeram uso de alguma cidade real como cenário; que se apropriaram de tal imagem para reforça-la ou muda-la de contexto. Dentro da percepção da cidade esse processo de locação de um objeto audiovisual é de extrema importância No ano de 2016 a Unesco se sentiu devido dois aspectos: a satisfação de um povo específico em se ver representado necessitada em emitir, depois de concluída perante algo maior, com uma chance uma inspeção, um alerta referente ao de sair de uma invisibilidade social que centro histórico da cidade de Dubrovnik,

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na Croácia. Devido ao uso da cidade para cenas que representam a cidade de King’s Landing o número de interessados em visita-la teve um aumento exponencial, o que coloca em risco a conservação de toda a estrutura que fez a cidade ser considerada Patrimônio da Humanidade em 1979: suas igrejas, monastérios, palácios e fontes de estilos gótico, renascentista e barroco que estão cercados por uma grande muralha datada da idade média.14

Alan Rickman e Maggie Smith, nos papéis de Albus Dumbledore, Severus Snape e Profª Minerva McGonnagall, os filmes continuam levando diversos espectadores às salas de cinema com uma nova série de filmes, intititulada “Animais Fantásticos” e até mesmo às salas de teatro, com a peça “Harry Potter e a Criança Amaldiçoada”. No processo de adaptação dos sete livros em oito filmes se fez necessário o uso de diversas locações, sejam elas paisagens naturais ou edifícios. Essa necessidade que se criou ao longo dos anos acabou por motivar a construção de diversos roteiros de turismo por tais locações, fazendo com que muitos fãs acabassem por conhecer mais da cultura inglesa e também da paisagem e identidade natural de diversos lugares do mundo.

Escrita pela britânica J.K. Rownling, a série Harry Potter tornou-se um fenômeno mundial devido á simplicidade com que consegue conquistar seus leitores. Lançado em 1997, o primeiro livro da série iniciou um processo que, 20 anos depois, ainda não teve seu fim: o mundo mágico criado por J.K. Rownling, que coexiste com o mundo real em diversas épocas, foi adaptado para São exemplos15 de locações que o cinema a partir do ano 2001. Tendo como protagonistas grandes nomes do teatro e podem ser reconhecidas por qualquer cinema inglês tais como Richard Harris, espectador dos filmes17 : 1) Castelo de Alnwick, na Inglaterra, que foi utilizado nas

14. Esse relato acabou por virar notícia por causa da ameaça iminente que a alta no turismo pode representar às cidades com patrimônio histórico. Notícia disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/ noticia/como-turistas-viraram-uma-ameaca-a-cidade-de-game-of-thrones.ghtml>. Acesso: 24/10/2017. 15. Os exemplos de locações são os mais diversos. A saga teve sequências gravadas em diversos países, tais como Escócia, Inglaterra e País de Gales.

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(ABAIXO) Cena de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, primeiro filme da saga, na qual os alunos têm sua primeira aula de voô dedicado ao esporte de Quadribol. Fonte: Warner Bros./ Reprodução. (DIR.) Fotografia da locação da cena do filme, o Castelo de Alnwick. Fonte: Paul Davies/ Flickr.


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gravações de cenas de treino de Quadribol no filme “Harry Potter e a Pedra Filosofal”; 2) Estação de St. Pancras, na Inglaterra, que é utilizada em diversos filmes da série como entrada para o embarque no Expresso Hogwarts; 3) Catedral de Gloucester, na Inglaterra, que foi uma das locações utilizadas para trazer às telas a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e 4) Millennium’s Bridge, na Inglaterra, uma travessia projetada por Norman Foster na virada do milênio e que durante o sexto filme da saga, “Harry Potter e o Enigma do Príncipe”, é destruída em um ataque por Comensais da Morte. A partir do quinto filme da saga (“Harry Potter e a Ordem da Fênix”) é notável que o mundo bruxo e o mundo real se misturam muito mais: há diversas cenas de ação que fazem uso de voos aéreos por Londres, mostrando diversas vezes o Rio Tâmisa e suas margens, o London City Sequência do filme Harry Potter e a Câmara Secreta, filmada em um dos corredores da Catedral de Gloucester. Fonte: Warner Bros./ Reprodução Corredor da Catedral de Gloucester, na Inglaterra. Fonte: Dal Jovetic/Flickr

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Hall, o Big Ben, o Palácio de Westminster, o entorno da estação de Piccadily Circus, entre outros. No caso da série de prólogo, “Animais Fantásticos”, há a exploração da ambiência da cidade de Nova York nos anos 1920. É criado um mundo bruxo paralelo totalmente diferente do apresentado em Harry Potter, com costumes e uma organização de sociedade diferente. Nesse caso, contudo, o filme age resgatando fatos históricos da cidade. Um deles é a presença das linhas férreas elevadas pela cidade, que na atualidade deram lugar ao High Line Park. Por último, há a série “3%”. Sendo a primeira série brasileira produzida pela Netflix, uma provedora de filmes e séries para streaming, a série foi criada por Cesar Charlone e Pedro Aguilera, tendo dentro dela um clima distópico, no qual uma sociedade é dividida em dois mundos social Sequência de Harry Potter e o Enigma do Príncipe, a qual começa no London City Hall, permeia Londres e acaba na Millennium Bridge. Fonte: Warner Bros./ Reprodução (ACIMA) London City Hall e (ABAIXO) Millennium Bridge. Fonte: Jim Nix/Flickr e Jose Canta/Flickr

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e economicamente diferentes e que para entrar no mundo privilegiado é necessário passar por um processo, uma espécie de jogo de inteligência e sobrevivência que coloca o caráter dos participantes em jogo.

no catálogo global da Netflix, é de extrema importância que haja locações que representam a nacionalidade do filme e consigam trazer uma outra imagem que outras produções de ficção acabam por construir do Brasil e de suas cidades. Claro que sua potência não designa um sucesso tal como produções estrangeiras tendem a ter, mas é possível que dentro de algumas pessoas se desperte a coragem de conhecer alguns lugares pelo simples fato de ter visto em um episódio ou outro.

Sendo produzida no Brasil, com atores de mesma nacionalidade, foi feita pela equipe da série um esforço para fazer uso de algumas locações em território nacional, sem fazer uso exclusivo de CGI e cenários construídos e pensados de acordo com um universo paralelo. Em São Paulo os diretores conseguiram achar uma especificidade A construção da identidade de uma para a série: “A gente tem o Maralto e o pessoa com algum lugar é dada por diversos continente ao mesmo tempo em São Paulo. meios. Nesse capítulo já foram discutidos E muitas vezes é só atravessar a rua”. meios como a caminhada, o desenho e até mesmo a identificação e visita de locações Para retratar o “Lado de Lá”, que tem de filmes, séries e videoclipes. Como último um nível econômico muito mais elevado, veículo a ser citado, se insere a discussão fez-se uso de parte da Arena Corinthians, sobre a mobgrafia. recente estádio do time homônimo inaugurado na capital; é possível reparar ao assistir a série que são utilizados outros cenários como o centro de São Paulo e uma estrutura entre árvores no Parque da Juventude, em Santana. Por ser uma série que está disponível

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(AO LADO I) Estrutura metálica presente no Parque da Juventude/SP. Fonte: Alice Asato/ Flickr. (AO LADO II) Cenas da série 3% filmada no Parque da Juventude, na zona norte de São Paulo, que serve de ambiência para o “Lado de Lá”. Fonte: Netflix/ Reprodução.


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A palavra, que deriva de um neologismo que envolve as palavras mobilidade e fotografia, diz respeito a uma prática que vem crescendo junto com o desenvolvimento da tecnologia de câmeras e aplicativos de smartphones. Já com grande número de adeptos ao redor do mundo, a mobgrafia é, segundo o site “mObgraphia”, um movimento cultural, artístico e tecnológico por essência democrático e inclusivo, visto que é capaz de envolver não apenas profissionais como fotógrafos e cineastas, mas também amadores que tenha apreço pela arte da fotografia. Por definição, a mobgrafia “é um movimento que estimula a arte fotográfica e visual produzida (capturada, editada e compartilhada) em plataformas móveis. Celulares, tablets, não importa. Tudo é arte, imagem e conteúdo.”16 Como parte da exploração dessa arte, entre os capítulos desse volume há a

presença de fotografias que, com exceção à publicação impressa, foram concebidas nos princípios da mobgrafia: fotografadas com um smartphone, editadas em algum aplicativo móvel tal como o Snapseed, Photoshop ou VSCO e publicadas em redes sociais como Instagram, Snapchat, Facebook, Twitter e Flickr.

(AO LADO) Fotografia tirada em uma cafeteria na Avenida Paulista, no simples ato de tirar o celular do bolso. O equipamento usado consiste apenas em um iPhone SE e o recurso de Live Photo, para efetivar a longa exposição. A Mobgrafia é um instrumento importante nos tempos contemporâneos para afinar a percepção, estender a memória do lugar e ajudar a criar uma relação de identidade entre pessoas e os lugares que elas frequentam. Fonte: Acervo pessoal.

16. Essa definição pode ser encontrada na matéria “mObgraphia, Cultura Visual: Manifesto”, no site: <http://mobgraphia.com/about/>. Acesso: 08/10/2017.

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Edifícios Louveira (primeiro plano) e Prof. Vilaboim. São Paulo, SP. Fonte: Acervo Pessoal.


III

Cidade e Cinema: “De Onde Eu Te Vejo”


(AO LADO) Imagens dos filmes “Central do Brasil”, “Cidade de Deus” e “Lisbela e o Prisioneiro”, expoentes da retomada do cinema nacional nos últimos vinte anos. Fonte: Reprodução da internet.


Sempre que começamos a contar uma história ou evento ocorrido tendemos a situar tal ação em um local físico. É muitas vezes uma ação automática, mas nem sempre obrigatória à arte de construir narrativas. A construção de um filme, portanto, não poderia ser diferente; se faz necessário colocar dentro de um filme um cenário específico, seja qual for sua escala. Em um texto que busca dissertar sobre as relações da cidade com o cinema, Leonardo dos Passos Miranda Name (Leo Name) – arquiteto-urbanista formado pela FAU-UFRJ – tem uma fala específica que chama atenção: “A maneira com que os espaços são usados e lugares são retratados nos filmes lhes dá significados que podem contribuir, intencionalmente ou não, para a difusão de um conjunto de crenças e valores muitas vezes ligados a estruturas de dominação cultural, política e econômica. ”

daquele enredo em um cenário específico não se faz intencionalmente. É uma inserção repleta de intenções e condutas, as quais irão se desdobrar no decorrer do filme e na percepção que os espectadores terão do mesmo.

Se pensarmos na trajetória do cinema nacional é notável que nas últimas duas décadas iniciou-se um processo de valorização e alta na produção de filmes e séries. Dois dos principais responsáveis por esse novo começo foram os filmes “Central do Brasil” (1999), com a atriz Fernanda Montenegro e dirigido por Walter Salles, e “Cidade de Deus” (2002), dirigido por Fernando Meirelles. Tais produções trouxeram enredos mais próximos à realidade do brasileiro, sem deixar de lado um cuidado técnico, o que acabou conquistando o público e dando um maior fôlego aos produtores que se viam Em paralelo, pensemos naquele desanimados com o cenário nacional. ditado popular, o qual diz que “a primeira Junto a essa alta vieram algumas impressão é a que fica”. Sendo o cinema um meio de formular um discurso acerca outras produções que ajudaram a formar de uma situação, seja ela real ou fictícia, é parte da identidade do cinema nacional necessário que pensemos que a inserção e divulgar a imagem de diversas cidades brasileiras. Em 2003 foi lançado nas salas

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nacionais o filme “Lisbela e o Prisioneiro”, o qual conseguiu por meio da direção geral de Guel Arraes mostrar uma identidade rica do nordeste brasileiro com filmagens em cidades da Paraíba; em 2007 uma face violenta e conturbada do Rio de Janeiro veio à tona por meio da direção de José Padilha no filme “Tropa de Elite”, o qual teve grande impacto ao ser lançado devido a abordagem da ação da polícia dentro do tráfico tanto como agente de combate quanto como agente de ajuda. Por outro lado, filmes como “Minha Mãe é uma Peça” (2013) conseguem trazer ao Rio de Janeiro a imagem mais comum e elitista que é exposta para aqueles que não pertencem à cidade: sol, praia e muita descontração. Felizmente a lente que um diretor escolhe para seu enredo nem sempre resolve abordar uma hiper-realidade; por exemplo, ao apreciarmos o filme “O Filme da Minha Vida”(2017), dirigido por Selton Mello e com a fotografia coordenada por Walter Carvalho, é notável que há um ar feérico lançado sobre a Serra Gaúcha, a qual parece embebida em um encanto que nos remete tanto a anos mais antigos

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– intenção explícita dos diretores, já que o filme é ambientado aproximadamente na década de 1950 e 1960 – tanto como nos remete ao ambiente bucólico e pacífico que muitos espectadores mais jovens poderiam considerar frustrantes. Na última década uma cidade específica que tem sido abordada de forma sublime por meio do diretor Kléber Mendonça é Recife, no nordeste brasileiro. Buscando explorar questões inerentes à urbanidade, Kléber trouxe para o cinema dois títulos de destaque: “O Som ao Redor” e “Aquarius”. Este último, protagonizado pela atriz Sonia Braga, traz uma questão muito contemporânea: a pressão imobiliária exercida sobre os imóveis antigos a fim de demoli-los e em seu lugar erguer edifícios que sejam muito mais rentáveis para uma mísera parcela da população. Quando o foco é a cidade de São Paulo a abordagem dada por seus diretores é muito mais diversa, tanto em relação ao modo quanto ao veículo. As novelas, uma das grandes paixões do público nacional, fez uso da imagem e contexto social da cidade diversas vezes; um dos registros

(AO LADO) Imagens dos filmes “O Filme da Minha Vida”, dirigido por Selton Mello e “O Som ao Redor” e “Aquarius”, dirigidos por Kléber Mendonça. Fonte: Reprodução da internet.


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mais antigos desse evento é a novela “Beto Rockfeller”, transmitida entre os anos de 1968 e 1969 pela extinta TV Tupi, sendo precedida por alguns outros títulos exibidos em outras grandes emissoras como o SBT e a TV Globo.

populares e recentes tais como “Deixa Ele Sofrer”, da cantora carioca Anitta e “Alexandria”, clipe filmado sem um roteiro pré-definido pelo cantor brasiliense Tiago Iorc. No caso da última peça visual, a efemeridade da cidade de São Paulo foi marcante: o cantor marcara, pelas redes sociais, um show surpresa que seria feito em uma das esquinas da avenida Paulista. Após um grande acúmulo repentino de ouvintes, a apresentação foi interrompida pela Polícia Militar e, a partir disso, o clipe musical nasceu como uma resposta à ação que não deu certo.

Uma das vezes em que o uso de São Paulo como cenário na teledramaturgia se fez visualmente mais efetivo foi em “Vila Madalena”, novela transmitida pela TV Globo entre os anos de 1999 e 2000, na qual o bairro que dá título à novela serviu como plano de fundo para conflitos que envolviam o comércio alternativo, a vida noturna da cidade e os moradores de classe Contudo, entre tantas aparições média e alta. dentro dos mais diversos conteúdos, caberá recortar durante a pesquisa a função da Nas últimas três décadas o uso da cidade de São Paulo dentro de um meio cidade pela mídia se intensificou; foram específico de difusão de discursos: o cinema. filmados na cidade os mais diversos tipos Como nas telenovelas, no cinema brasileiro de produções. Com uma difusão muito a cidade fez aparições também na década grande dentro de cada público específico, de 1960; um dos maiores exemplos é “São tivemos os clipes musicais dos mais Paulo S/A”, dirigido por Luís Sérgio Person. diversos gêneros: “Mil Acasos”, da banda Com a participação de grandes atores da mineira Skank, “Let’s Make Love and Listen história da dramaturgia tais como Walmor Death From Above”, da banda paulistana Chagas e Eva Wilma, diversas áreas do Cansei de Ser Sexy, “Déjà Vu” da cantora centro da cidade fazem rápidas aparições baiana Pitty e até mesmo alguns hits mais

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(AO LADO) Imagens dos videoclipes “Let’s Make Love and Listen Death from above”, da CSS; “Déja Vu”, da cantora Pitty e “Alexandria”, do cantor Tiago Iorc. Fonte: YouTube


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durante as cenas, dando ao espectador um panorama interessante sobre o contexto histórico desenvolvimentista que a capital vivia. É notável também, na fusão entre esses dois campos (arquitetura e cinema) a presença do filme “Fogo e Paixão”(1988), dirigido por dois grandes arquitetos do cenário contemporâneo: Marcio Kogan e Isay Weinfeld. Com direito à participação de Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Tônia Carrero, Fernanda Torres, Regina Casé, Rita Lee e muitos outros nomes de peso no cenário artístico, o filme tem como uma

“Que Horas Ela Volta?”, filme dirigido por Anna Muylaert. Fonte: Globo Filmes.

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das cenas mais marcantes um piquenique que ocorre em cenário bucólico e, com um zoom out, há a revelação de que a cena ocorre em meio ao cenário urbano de São Paulo. Há grande diversidade também em relação à abordagem que diretores os últimos anos costumam fazer sobre a cidade de São Paulo. Para isso basta colocarmos em questão alguns títulos como os filmes “Que Horas Ela Volta? ”, de Anna Muylaert; “Amores Urbanos”, de Vera Egito; “Amor em Sampa”, de Carlos Alberto Riccelli; “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, de Daniel

“Amores Urbanos”, filme dirigido por Vera Egito. Fonte: Europa Filmes.

“Amor em Sampa”, filme dirigido por Carlos Alberto Riccelli. Fonte: Coração da Selva Filmes.


Ribeiro; “Obra”, de Gregório Graziosi e, por relacionamentos interpessoais que por último, o filme “De Onde Eu Te Vejo” se confundem diversas vezes entre vida dirigido por Luiz Villaça. pessoal e vida profissional; 4) uma cidade que serve de lar para bairros menores e Nessa seleção de filmes recentes mais tranquilos, nos quais as crianças e temos, em sequência, a representação de adolescentes ainda possuem uma rotina diversas facetas da cidade de São Paulo: mais simplificada de saírem da escola e irem 1) uma cidade segregada em que muitas até sua residência – ou de algum parente – pessoas se veem destinadas a dormir em andando; 5) uma cidade palimpsesto, a qual seus empregos devido à distância e um se vê em diversos momentos colocada em comportamento escravocrata arraigado; 2) questões de demolição e conflitos e, por uma cidade que serve de lar para problemas último, 6) uma cidade que serve de suporte e complicações jovens, que se desenrolam para diversas histórias e acontecimentos, regadas a álcool durante a madrugada; sejam eles bons ou ruins. 3) uma cidade regida por negócios e

“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, filme dirigido por Daniel Ribeiro. Fonte: Lacuna Filmes.

“Obra”, filme dirigido por Gregório Graziosi. Fonte: Cinematográfica Superfilmes.

“De Onde Eu Te Vejo”, filme dirigido por Luiz Villaça. Fonte: Globo Filmes.

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Expor uma cidade em um filme, curta-metragem, novela ou qualquer outro meio audiovisual é determinante tanto para a formação da imagem que o público poderá criar sobre aquele objeto quanto para o conteúdo que será atrelado ao enredo. Quanto à formação da imagem sobre a cidade é interessante destacarmos a conclusão da arquiteta Giuliana Bruno17 de que nem todas são cinemáticas, ou seja, nem todas apresentam uma fotogenia por meio da presença ou movimentação de pessoas; algumas cidades fazem do movimento inverso seu diferencial – o que talvez seja o caso de cidades gaúchas como Santa Tereza, Bento, Cotiporã, Farroupilha, Garibaldi, Monte Belo do Sul e Veranópolis que servem de locação ao já citado “O Filme da Minha Vida”. Ou talvez seja apenas um caso de direcionamento de ótica por parte do diretor, nos fazendo acreditar que tais cidades sejam de fato pacatas em excesso. Para

introduzir

uma

cidade em uma produção muitos diretores optam por fazê-lo por meio do que Deleuze nomeia como “imagem-movimento”18, a qual tem como conteúdo a ação líquida, com uma representação indireta do tempo19.. Com isso é essencial que seja destinada uma luz mais forte sobre três títulos específicos anteriormente citados: “Aquarius”, “De Onde Eu Te Vejo” e “Obra”. Entre os três filmes há uma sutileza muito grande quanto ao modo com que o filme é iniciado, mostrando em cada um tanto um traço do contexto do filme tanto quanto o modo com que o cenário será interpretado. No caso de “Aquarius” somos introduzidos à cidade do Recife por meio de fotografias antigas que nos levarão, inclusive, a cenas passadas na década de 1980 na família de Clara (Barbara Colen/ Sonia Braga).

determinada

17. Ideia desenvolvida no texto “City Views: The Voyage of Film Images”, presente em CLARK, David B. “The Cinematic City”. 18. Conceito abordado em LIMA, Marília Xavier de, ALVARENGA, Nilson Assunção. “O afeto em Deleuze: o regime cristalino e o processo afetivo da imagem-tempo no cinema”. 19. Tempo, neste caso, como cronologia imediata. Contudo é possível que com a ação presente nas

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Dez primeiras composições que o público é convidado a ver no filme “Aquarius”, incluindo o título do filme. Diversas imagens estáticas da cidade de Recife, que transportam o espectador para os anos 1980 e condição urbana da cidade àquela época. Fonte: Reprodução do filme.


devidas cenas haja um entendimento de qual época servirá de cenário para tal enredo ou parte da produção audiovisual.

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No filme “De Onde Eu Te Vejo” o diretor Luiz Villaça faz uso de diversos movimentos de câmera – opondo-se à estática das fotografias de “Aquarius” – para introduzir que o enredo se passará em grande maioria no centro de São Paulo. São feitas tomadas aéreas da movimentação de pontos como o Viaduto Santa Efigênia, Pátio do Colégio, Estação da Luz, Rua Dona Maria Paula, Edifício Itália e Copan, Edifício Viadutos, Terminal Bandeira, Avenida Paulista, Edifício Altino Arantes, Vale do Anhangabaú e, finalmente, o

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encontro dos edifícios Louveira e Profº Villaboim. Todo esse percurso pela cidade, que consegue formar uma imagem inicial panorâmica até mesmo para aquele que não tem contato com a região central de São Paulo, é embalado por um monólogo da personagem Ana (Denise Fraga) que reforça toda a complexidade da cidade que será abordada: “São Paulo tem mais de mil e quinhentos quilômetros quadrados. Se em cada prédio morar, mais ou menos, umas cinquenta pessoas, e em cada quilômetro quadrado tivermos trinta prédios, já

Dez primeiras locações mostradas no filme “De Onde Eu Te Vejo”, o qual aponta inicialmente uma imagem da cidade já conhecida, salvo exceções. Fonte: Reprodução do filme.


As dez primeiras cenas do filme “Obra”, que conseguem dar, apenas pela presença da névoa, um caráter sombrio a ele. Fonte: Reprodução do filme.

imaginou quantas histórias cabem nessa interpretado por Irandhir Santos. cidade? ”. Contudo, entre todas essas Já no filme “Obra” é dado o tom divergências de técnica sonora e melancólico e angustiante que perdurará fotográfica, há uma divergência maior que por todo o filme sobre São Paulo. A introduz o caráter que o segundo filme introdução é feita por linhas do céu citado terá: o de trazer o afeto entre a paulistano repletas de névoa e poluição, memória pessoal e a cidade. Ao contrário em preto-e-branco, dando um caráter do que foi dito anteriormente, o segundo pessimista no horizonte. Caráter este que filme não começa apenas com essa enorme será reforçado fortemente por meio do sequência de cenários e cenas; ele começa desenho de som característico do filme, o a partir de um mapa afetivo desenhado qual consegue trazer a atmosfera que pesa na história pela Ana (Denise Fraga) para sobre os ombros de João Carlos, arquiteto representar nas linhas morfológicas da

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cidade a relação de amor e cumplicidade que ela e seu marido (ou ex-marido?) Fábio (Domingos Montaner) viveram desde que se conheceram no Terminal Rodoviário do Tietê. Como dito anteriormente, primeiro frame que o espectador tem contato ao assistir o filme é, na verdade, um mapa afetivo. Posteriormente, ao mostrar diversas locações de um ponto de vista aéreo, é citado o grande número de histórias que convivem diariamente dentro da cidade de São Paulo, o que acaba por reforçar a presença de uma questão no filme: a memória individual e a memória coletiva. É possível dizer que, além do romance entre a Ana e o Fábio, essa seja a principal questão do filme. E é por meio dela que outras questões pertinentes à discussão da arquitetura e urbanismo acabam por vir à tona.

(AO LADO) Um dos primeiros frames que o espectador é convidado a ver no filme. É um mapa afetivo que narra a história de amor de Ana e Fábio. Fonte: Reprodução do filme.

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QUESTÃO I: MEMÓRIA DA CIDADE E FLUXO IMOBILIÁRIO Assim como em “Aquarius”, esse filme também discute a questão imobiliária e a relação não somente com a cidade, mas também com a figura do arquiteto na realidade. A personagem da Denise Fraga, Ana, é uma arquiteta carioca que veio para São Paulo com o discurso de “trocar o mar pelos prédios” e acaba, devido à precarização da figura do arquiteto, cedendo ao emprego de agenciadora de imóveis. Ana Lúcia percorre diversos lugares ao longo do enredo em busca de uma negociação daquele imóvel específico, contudo os outros personagens também vivenciam situações em que questões imobiliárias refletem na cidade. As situações são diversas e com alguma característica especial, que ajudam a diferenciar cada uma. A primeira é uma residência bem antiga e simples, que se funde a um viveiro de pássaros. Quem mora nela é Dona Yolanda (Laura Cardoso), cercada por sabiás e outras espécies de pássaros que a ajudam não se sentir sozinha. A locação

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Fotografia da locação em um dia normal vs. Frame do filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.


externa fica próxima à Vila Itororó, na Rua Martiniano de Carvalho.

Fotografia da locação em um dia normal vs. Frame do filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.

A segunda situação é uma loja de sapatos, um negócio familiar. Ana questiona o funcionário, filho do dono, sobre a possibilidade da venda daquele imóvel e ele coloca em questão a impossibilidade de pagar pela fidelidade dos clientes que eles conquistaram ao longo dos anos. Um momento de destaque é quando Ana é questionada pelo vendedor se faz tempo que ela trabalha com isso, com o agenciamento de imóveis; ela responde que na verdade é arquiteta, o que gera uma leve reprovação e desconfiança por parte do vendedor. “Mas esse é um trabalho qualificado, eles precisavam...” é a tentativa de Ana em contornar a situação, contudo o laço entre ela e a loja já é mostrado assim que ela está saindo: é irresistível não olhar a vitrine de calçados e se interessar por algum. Ao atravessar a rua, Ana se depara com a terceira situação: outra loja, dessa vez de vestidos de noiva (provavelmente a localização das situações dois e três se dá na Rua São Caetano, conhecida por ter um

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forte comércio para festas e casamentos). O discurso construído por Ana é que a cidade está avançando, e que é necessário construir um prédio naquele terreno; a vendedora rebate duvidando do avanço da contemporaneidade e dos costumes do não casamento, visto que ela nunca vendeu vestidos como naquele momento. Nessa terceira situação Ana é pega de surpresa quando a vendedora diz que “toda mulher já quis se vestir de noiva”, algo que ela aponta nunca ter sentido; como estratégia a vendedora estimula ela a provar um vestido. Contudo essa proposta é apenas um meio para criar em Ana uma camada emocional e aproveitar para propor um aumento na proposta de exclusividade com base no valor emocional daquele lugar. A quarta e a quinta situação se passa com Fábio. Após sair da redação que ele e Olga (Marisa Orth) trabalham eles caminham pela Avenida Ipiranga e se deparam com o antigo Hotel Marabá todo fechado com tapumes. Nessa cena é interessante a crítica que a personagem Olga faz a uma outra estratégia imobiliária decorrente

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Fotografia da locação em um dia normal vs. Frame do filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.


no final dos anos 1900: a conversão de cinemas de rua em igrejas – “queria ser rica só para comprar tudo que é igreja, só para transformar de volta em cinema!”, ela diz.

Fotografia da locação em um dia normal vs. Frame do filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.

A quinta situação gira em torno de um restaurante fictício, que ficaria localizado na Rua Barata Ribeiro. O “Restaurante do Seu Hélio” é o lugar em que a Ana e o Fábio comemoraram diversos aniversários de casamento, além de frequentá-los regularmente. O Seu Hélio (Fúlvio Stefanini) é amigo do casal também, e em alguns feedbacks é uma personagem lembrada com muito carinho. Porém o imóvel no qual o restaurante ficava é demolido na história, sendo ocupado na atualidade por um estacionamento. Esse fato, apesar de fictício, traz uma verossimilhança interessante para a história, na qual a cidade parece mostrar, junto à Ana e o Fábio, ser um fruto de relações que se constroem e se quebram. Há uma sexta situação também em que Ana tenta capturar um imóvel para demolição e construção de um empreendimento. O imóvel em questão é um casarão antigo, com donos reticentes

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quanto à venda, localizado na esquina da Rua dos Patriotas e Rua Bom Pastor. A questão de cada local ter um caráter muito específico quanto ao contexto, personagens e localização na cidade também ajuda a construir outro aspecto: a relação presente entre a história pessoal daquele personagem e tanto a cidade quanto a sua memória coletiva. Para essa relação acaba-se por lembrar de um excerto destacado por Aldo Rossi em “A Arquitetura da Cidade”, vindo de Hallbwachs : “Quando um grupo é inserido numa parte do espaço, ele a transforma à sua imagem, mas, ao mesmo tempo, dobra-se e adapta-se a coisas materiais que resistem a ele. A imagem do meio exterior e das relações estáveis que este mantém com aquele passa para o primeiro plano da ideia que o meio faz de si mesmo”. (ROSSI, 2001 apud HALBWACHS, 1950)

É interessante destacar como o enredo de cada um dos personagens parece estar atrelado ao enredo da cidade; nessa história, assim como na realidade, a cidade de São Paulo é viva e assume um papel de

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Fotografia da locação em um dia normal vs. Frame do filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.


protagonista também e, nesse caso, o fluxo imobiliário consegue refletir duas coisas: a efemeridade das coisas, que é observada pela Ana Lúcia ao Fábio quando os dois tentam resgatar a relação por meio de um teatro de como se conheceram no Terminal Rodoviário do Tietê. Ela diz que não dá para ela e Fábio serem os mesmos depois de tanto tempo; as coisas mudam.

Fotografia da locação em um dia normal vs. Frame do filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.

A segunda coisa que a representação de São Paulo como protagonista consegue trazer é o apego que temos em relação aos lugares que frequentamos; e que muitas vezes não se tornam apenas um lugar particular, mas sim um lugar no qual compartilhamos memórias e momentos com vários conhecidos, amigos e parentes. Para Fábio o Cine Marabá e o Restaurante do Seu Hélio representam esse aspecto. São lugares nos quais ele compartilhou momentos incríveis com a Ana, e sente muito ao ver que tanto os lugares quanto sua relação estão em crise.

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QUESTÃO II: O ENREDO CERTO, NO LUGAR CERTO É comum na indústria cinematográfica acompanharmos diversos filmes que fazem uso de determinadas locações e a nomeiam dentro do contexto como se fosse um outro local, seja ele real ou fictício. Essa estratégia é comum e visa, muitas vezes, a redução de custos de determinada produção, mas tem intrínseca a ela uma outra questão: a viabilidade de conseguir contar uma determinada história fora do seu cenário original. Há obras que conseguem se destacar do cenário, da geografia que serve como plano de fundo para seu contexto. Muitas vezes são filmes em que o cenário é posto como genérico e estereotipado, sem muita especificação às referências reais. No caso do filme analisado nesse capítulo tal fenômeno é impossível de ocorrer. A cidade de São Paulo é posta com intenções, faz parte da construção da personalidade dos personagens. Uma das grandes demonstrações disso fica por parte do mapa desenhado por Ana

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Frames do filme. Fonte: Reprodução.


Lúcia, que mostra como sua história e de Fábio cresceu junto com São Paulo. Claro que não é apenas a cidade de São Paulo que se mostra importante, mas é apenas ela que tem sua personalidade e função desenvolvida. No filme há citações também a Bauru – SP (indiretamente, apenas pela presença de uma universidade federal no interior), Ribeirão Preto – SP e Rio de Janeiro – RJ.

Fotografia da locação em um dia normal vs. Frame do filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.

Seria difícil trazer a sensação de juventude e boemia que o Largo do Arouche possui, e que coincide com a história de dois recém-chegados na cidade, animados por começar a morar juntos e ter matérias publicadas na mesma página do mesmo caderno de jornal. Seria difícil conseguir o mesmo ar de juventude, mas dentro de um ambiente mais adulto, proporcionado pelo Edifício Louveira – e a sua relação com o Edifício Professor Vilaboim – características especiais desse local e dessa rua da cidade, que possibilita a equidade de nível entre os apartamentos. Assim como em outros filmes que fazem uso da cidade de São Paulo como um cenário forte, que condiz com

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os personagens, tais como o já citado “Obra” de Gregório Graziosi e o filme “As Melhores Coisas do Mundo” (2010), dirigido por Laís Bodansky, o enredo do “De Onde Eu Te Vejo” é pensado de acordo com as locações, não há apenas uma representatividade baseada em ícones ou marcos da arquitetura paulistana. Claro que velhos clichês da paisagem urbana são mostrados, tais como a Avenida Paulista e o Edifício Copan, mas há também alguns locais específicos que demandam pesquisa – ou um conhecimento muito grande – para que sejam identificados. Locais que de fato apenas alguém que já tem uma história enraizada na cidade faria uso. São exemplos de locações menos conhecidas dentro do filme a Rua Martiniano de Carvalho, o Edifício Arlinda, a Rua Galvão Bueno, o cruzamento da Rua dos Patriotas com a rua Bom Pastor e a Rua Barata Ribeiro. Contudo é importante destacar que a percepção de conhecido ou desconhecido é variável, sendo um juízo de valor pessoal e não-universal. Entrada do Edifício Louveira. Fonte: Acervo pessoal.

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Entrada do Edifício Profº Vilaboim. Fonte: Acervo pessoal.

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QUESTÃO III: CIDADE HUMANA, CIDADE PLURAL É inspirador ver o cotidiano dos personagens do filme. Claro que nem todos os momentos são inspiradores, há assuntos em jogo tais como crise familiar e perda de emprego, que são capazes de desestruturar fortemente qualquer tipo de pessoa. Contudo, há situações específicas que conseguem trazer à tona quão plural a cidade de São Paulo é, colocando in voga também a necessidade de que a cidade seja feita para o pedestre. Fruto do destino, Ana conhece Marcelo (Marcello Airoldi), um homem que acaba achando o celular dela em frente ao Cine Marabá. Com espírito livre, Marcelo traz à vida de Ana novas experiências dentro da cidade – desde um almoço na Liberdade até um passeio de bicicleta por São Paulo, partindo da Praça do Ciclista e percorrendo lugares como a Ponte Octávio Frias de Oliveira. Essa atividade traz o sentimento de liberdade dentro da cidade que ocorre por um dos meios mais singelos de mobilidade: a bicicleta.

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Frames do filme. Fonte: Reprodução.


Outra ocasião em que a mobilidade urbana singela, por meio da caminhada e do transporte público, se faz muito importante é quando Fábio começa a ouvir o áudio de Ana e percorrer a cidade seguindo o mapa que ela fez. É realizado um passeio sentimental acompanhado em grande parte de imagens ao nível do pedestre, mostrando a grande relação de intimidade possível quando andamos pela cidade e a absorvemos em baixa velocidade.

Frames do filme. Fonte: Reprodução.

Em certo momento do filme Ana e Olga participam de uma aula de ioga. Aparentemente, nada anormal em tal atividade; contudo essa aula é em um terraço localizado na esquina das Ruas Capitão Salomão e do Seminário, próximas ao Viaduto Santa Efigênia. É uma atividade coletiva que se insere em um lugar particular provavelmente pouco utilizado, dentro de uma área urbana que sofre carência de atividades noturnas. E, para completar essa sensação de coletividade, a aula de ioga se estende para uma house party no apartamento da Ana, no Edifício Louveira. A cidade é apresentada não como um instrumento de opressão aos desejos

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dos seus cidadãos, mas sim como um instrumento de liberdade da expressão pessoal e coletiva. É apresentada como um terreno amigável no qual é permitido ter uma vida coletiva ao nível da rua, caminhando e participando de atividades diversas, não apenas dentro de um carro e reclamando do trânsito excessivo – situação esta que não está descartada do filme; há uma cena de congestionamento em que as personagens Ana, Manuela e Fábio participam, a qual acaba sendo preenchida por pequenos conflitos familiares tais como problemas da mudança de um edifício para o outro, ou até mesmo a possibilidade da Manuela ir fazer faculdade em outra cidade.

(AO LADO) O cruzamento da Avenida São João com a Ipiranga, eternizado pela canção de Caetano Veloso, “Sampa”. Em preto e branco, fotografia tirada na locação; em colorido, frame do filme no qual o ponto aparece. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.

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Viaduto Major Quedinho, na vida real e no filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.

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Terminal Rodoviário do Tietê, na vida real e no filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.

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Edifícios Louveira e Prof. Vilaboim, frente-a-frente. Comparação entre a vida cotidiana e o filme. Fonte: Acervo pessoal/ Reprodução.

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Perspectiva artĂ­stica do projeto do Centro do Cinema Nacional. Fonte: Acervo Pessoal.


IV Centro do Cinema Nacional


Desenho tĂŠcnico da fachada do Skating Palace. Fonte: SOUZA, 2016.


O LUGAR: A PRAÇA DA REPÚBLICA O terreno no qual se desenvolveu o projeto de conclusão do curso de arquitetura tem uma característica histórica que motiva ainda mais o programa aplicado a ele: no começo do século XX, mais precisamente na década de 1910, foi inaugurado nesse mesmo terreno um Skating Palace, um equipamento que unia em sua estrutura uma pista para patinação e também um espaço hábil para projeções cinematográficas. No livro “Salas de Cinema e História Urbana de São Paulo (1895-1930): o Cinema dos Engenheiros”, de José Inácio de Melo Souza (SOUZA,2006) é possível termos uma compreensão parcial da história desse equipamento, que mais acabou sendo demolido e atualmente é sobreposto por um estacionamento. O responsável pelo pedido de licença para que o projeto do edifício para patinação e cinematógrafo fosse construído foi o engenheiro e empreiteiro José Rossi, a serviço da Companhia Sport e Atrações. Como à época o parcelamento do solo da região da República já apresentava uma característica mais consolidada, como

podemos observar na comparação dos mapas históricos abaixo, é possível notar a semelhança das medidas do terreno com a atualidade: uma frente de 31m em relação à Praça da República e uma frente de 31,25m em relação à Rua Aurora, tendo uma área de 2170m². A priori o projeto teria capacidade de abrigar até 1500 pessoas, divididas em galerias, camarotes, pista e térreo, sendo inaugurado oficialmente no dia 28 de dezembro de 1912. Contanto, já no dia anterior fora realizado no Skating Palace uma inauguração privada apenas com a função de patinação, com a presença de nomes importantes da época tais como Paulo Moraes de Barros (Secretário da Agricultura à época) e a banda de música da Força Pública. A projeção de filmes, os quais eram fornecidos pela Companhia Internacional Cinematográfica, era realizada de forma simultânea à patinação, semelhante ao que ocorre na atualidade no Cine Joia após o processo de recuperação promovido pelo Grupo Vegas: a projeção de vídeos e filmes enquanto nas pistas e camarotes ocorrem

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eventos tais como shows e festas. Quanto ao caráter estético do edifício temos, além de alguns desenhos da época, uma descrição dele: (...) um bloco frontal e o corpo principal destinado à pista de patinação. A fachada principal apresenta um elemento central composto pelas portas principais, encimado por uma abertura envidraçada em arco no primeiro andar, coroada por uma cúpula. A simetria do conjunto é interrompida apenas por uma pequena extensão à esquerda do observador, que será destinada à entrada para as galerias, com assentos de preço mais acessível, constituindo então um anexo de menor altura que se estende ao longo da edificação. O conjunto de gosto eclético aparece encimado por pequenas pilastras adornadas junto à cúpula e grades ornamentais ao longo da platibanda. A fachada para a Rua Aurora é distinta, com grande frontão triangular abrigando um arco envidraçado, constituindo um conjunto de aspecto mais severo.20

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A partir do ano de 1914 o Skating Palace começou a passar por algumas transformações, derivadas das condições econômicas da época: em janeiro de 1914 ele foi arrendado pela Companhia Cinematográfica do Brasil, em 1915 teve seu nome modificado para Gaumont Palácio, voltando ao nome antigo no final do mesmo ano. Em 1920 o edifício não abrigou mais a pista de patinação e projeções: começou nele a funcionar por um curto período instalações da Ford Motor Co., até o ano de 1921, no qual seria realizada a venda daquele edifício para Lupércio Teixeira de Camargo, o qual mudou novamente o uso do edifício para um cine-teatro: o CineTeatro República, chamado posteriormente também de Cine República. As décadas de 1950 e 1960 foram movimentadas para o Cine República, o qual recebeu em seu interior a exibição de diversas películas da época, como é possível acompanhar em alguns excertos


do jornal impresso O Estado de São Paulo: (...) O cine República e circuito continuam apresentando ‘DEUSES VENCIDOS’ (The Young Lions), produção de Al Lichtman para a Fox, de abril último, 167 minutos de projeção e já comentada pela crítica cinematográfica deste jornal. – O Estado de São Paulo, 18 de setembro de 1958. Página 9 (imagem ao lado)

’The Omen’, EUA, 1976. Direção de Richard Donner com Gregory Peck e Lee Remick. O filho do embaixador americano em Londres deve ser o Anticristo e tem como objetivo todo o poder do mundo. Cine República, praça da República, 365 e Cine Paulistano (...) – O Estado de São Paulo, 17 de abril de 1977. Página 224

Como visto, há registros do final da década de 1970 com programação no Cine República. Infelizmente é nessa década em que a programação também começa a passar por um momento triste: o de inexistência. Devido às obras da Linha 3 –

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Vermelha o centro da cidade sofreu com a desapropriação de 31 imóveis, como no excerto de reportagem a seguir: A prefeitura desapropriará 21 imóveis no centro da cidade e uma área de 125 mil metros quadrados na Zona Leste, para construção do trecho Leste da segunda linha do metrô. O decreto de desapropriação, publicado hoje no “Diário Oficial” do Município, inclui desde um prédio de 12 andares (Palacete Riachuelo), até o cine República e dois estacionamentos. Dos 31 imóveis, 16 serão desapropriados definitivamente e os demais serão devolvidos após a conclusão das obras, com ou sem restrição de uso, de acordo com a legislação. Pela primeira vez o metrô usa o sistema de devolução de terrenos como forma de reduzir os custos de construção da linha do metrô. (O Estado de S. Paulo, 05 de junho de 1976. Pág. 14)

No caso da quadra em que se situa o projeto arquitetônico a maior perda se fez com mais força em dois lotes específicos. Na esquina da Praça da República com a Rua do Arouche se localizava o Hotel Barros, terreno no qual atualmente se estabelece uma das entradas para o Metrô República e algumas lojas desocupadas. No terreno

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ao lado, também facetado à Praça da República, se estabelecia o Cine República. Nos jornais da época fora relatado também o descontentamento dos moradores e lojistas desses imóveis: Mas nem liquidação acabaria com o estoque de intermináveis novelos de lãs, caixinhas com agulhas, botões e fitinhas de Fotius Theoharidis, dono, há 40 anos, do Magazine Gaby. Muito nervoso, porque sabe que necessitará mudar às pressas, embora não tenha recebido qualquer comunicado da Cia. Do Metrô, ele explica que, mesmo “não comprando mais nada, eu não conseguiria vender tudo o que tenho em dois anos”. E o que mais revolta é o preço do ponto: “São 800 mil cruzeiros. Quem irá me indenizar, se é que irão?” (...) Jornal

O

Estado

de

S.

Paulo,

05/06/1976. Página 14.

(AO LADO) Fotografia da Praça da República durante e Avenida Ipiranga durante a edificação da Estação de Metrô da Linha 3-Vermelha. Fonte: “Leste-Oeste, em busca de uma solução integrada”.

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O PROJETO: CENTRO DO CINEMA NACIONAL

coletivos. São salas de exibição fechadas que dão para a rua, são telas em meio a praças, bares, restaurantes e até mesmo Trazer para o contexto desse em empenas cegas. trabalho dessa reflexão entre arquitetura e cinema um projeto arquitetônico foi uma O cinema, em contraposição aos grande dificuldade. Claro que há traços downloads de filmes ilegalmente e os imprescindíveis para a concepção de um serviços de streaming, mantém sua força. O programa, visto que tratamos abertamente sentimento que o embala. Com base nisso da cidade, do aproveitamento das que se pensa, então, no programa de um permanências e do cinema. Contudo, com Centro do Cinema Nacional. uma abordagem muito mais sensorial, se torna muito mais efetivo a tradução em DIRETRIZES PROGRAMÁTICAS peças audiovisuais do que em um programa Dentro da arquitetura terá 4 linhas em si. programáticas: o ensino, a exibição, o Mas junto a esse conflito se faz forte fomento e a produção. São linhas que se também a questão crescente do cinema completam para a compreensão, estudo na cidade de São Paulo. A cidade que já e divulgação do cinema nacional, fazendo foi inundada por cinemas de rua acabou com que um antigo uso do terreno em colocando em detrimento essa tipologia, questão se faça presente novamente e de substituindo por salas de exibição um jeito reinventado. trancafiadas em shopping centers. Agora, perante o resgate de cinemas como o PlayArte Marabá, o Caixa Belas Artes e a proposta de financiamento coletivo para a construção de um cinema aberto no Mirante 9 de Julho, se enxerga na cidade uma volta da projeção invadindo ambientes

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Dentro dessas quatro linhas a que sofre uma maior revolução é a exibição. Considerando todo o poder de atração que outras atividades na cidade possuem, se fez necessária uma reinvenção: a sala de exibição tradicional continua no edifício,


mas surge também uma sala de exibição aberta, que permite que a exibição que ocorre nela seja vista também de fora do edifício. Nesse caso a projeção se torna uma lanterna para o entorno. Além do mais, existiu também uma preocupação de estabelecer atividades não somente diurnas, mas também noturnas e que se prolonguem na madrugada. Essa é uma diretriz para tornar o entorno mais amigável para o pedestre em horários diferentes, buscando um aproveitamento integral da rua. Para incentivar esses usos, o Centro do Cinema Nacional conta com um bar panorâmico no topo do edifício, um restaurante no piso do térreo elevado e a disponibilidade das salas de exibição e exposição para uso prolongado. É uma arquitetura para viver em diversos horários, com diversos tipos de pessoas unidas por uma paixão em comum.

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O PROJETO: INSERÇÃO URBANA

PRAÇA DA REPÚBLICA _ REPÚBLICA, SÃO PAULO, SP.

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O PROJETO: PLANTAS

SUBSOLO II: ÁREAS TÉCNICAS

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SUBSOLO II: ESTACIONAMENTO

TÉRREO INFERIOR


TÉRREO REPÚBLICA ACESSO CARROS

ACESSO PEDESTRES

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O PROJETO: PLANTAS

PAVIMENTO I

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PAVIMENTO II

PAVIMENTO II (MEZANINO)


PAVIMENTO III

PAVIMENTO III (MEZANINO)

PAVIMENTO IV

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O PROJETO: PLANTAS

PAVIMENTO V

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PAVIMENTO V (MEZANINO)

PAVIMENTO VI


PAVIMENTO VII

PAVIMENTO VIII

PAVIMENTO IX

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Perspectiva artĂ­stica do rooftop bar do Centro do Cinema Nacional. Fonte: Acervo pessoal.

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Diagrama conceitual mostrando o espaço do tÊrreo elevado e suas aberturas. Fonte: Acervo pessoal.

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O PROJETO: CORTE A-A’

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O PROJETO: CORTE B-B’

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O PROJETO: ELEVAÇÃO PRAÇA DA REPÚBLICA

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O PROJETO: ELEVAÇÃO AV. VIEIRA DE CARVALHO

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O PROJETO: ELEVAÇÃO RUA AURORA

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O PROJETO: ELEVAÇÃO RUA DO AROUCHE

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DETALHE 1:50 _ PARTE I 130


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DETALHE 1:50 _ PARTE II 132


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DETALHE 1:50 _ PARTE III 134


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Perspectiva artística. Vista da Praça da República. Fonte: Acervo pessoal.

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O PAINEL PERFURADO: UMA EXTERIORIZAÇÃO DO CINEMA NACIONAL Adotou-se para uma das fachadas um painel de chapas de Aluzinc perfuradas, de acordo com um desenho préconcebido. Esse grafismo consiste em uma compilação de diversos filmes nacionais que se destacaram tanto nacional quanto internacionalmente, sendo reconhecidos por Festivais e Prêmios. Estão inclusos no painel os filmes: “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, “Aquarius”, “Central do Brasil”, “2 Coelhos”, “O Auto da Compadecida”, “Que Horas Ela Volta?”, “Tropa de Elite” e o filme que serviu de objeto desse trabalho, “De Onde Eu Te Vejo”.

Imagem do conceito do painel perfurado. Fonte: Acervo pessoal.

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Vista aos olhos do pedestre, colocando em destaque a relação do térreo com a rua. Fonte: Acervo pessoal.

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Avenida Paulista vista do IMS-Paulista, em dia de Paulista Aberta. Fonte: Acervo Pessoal.


EPÍLOGO



Ao longo desse trabalho foi desenvolvido, sob o título de “Arquitetura e Cinema: uma via de aproximação com a cidade de São Paulo”, a busca de uma conceituação para uma observação empírica que teve início em uma sala de cinema guarulhense antes de um feriado.

mais nada se afirmou, a cada visita e nova leitura, a importância de uma cidade de qualidade nos tempos atuais, não somente como benefício estético e paisagístico, mas também como um benefício psicológico. Para resumir alguns dos pensamentos que se formaram será aplicada uma metodologia semelhante à já aplicada: as Naquela tarde foi observado o poder conclusões serão extraídas de filmes, sejam que estava contido no filme “De Onde Eu eles nacionais ou internacionais. Te Vejo” e, por entre algumas lágrimas, foi possível ter início um processo de Um dos primeiros filmes que se construção de questões por cima daqueles apresentaram envoltos por relações entre minutos de história que se passaram tão Arquitetura e Cinema foi “Medianeras”, rápido. Eram questões sobre as locações um filme argentino dirigido por Gustavo – muitas delas ainda se encontravam sob Taretto. E é nele que se faz possível encontrar o status de desconhecidas para o autor semelhanças de questões encontradas no deste trabalho –, questões sobre o poder “De Onde Eu Te Vejo”. Ambos ocorrem em que a cidade e a urbanidade tem sobre cidades controversas, que se apresentam seus habitantes, e, com caráter mais em potencial, mas que durante sua existencialista, questões sobre como a concepção acabaram por abandonar um nossa existência acaba se conectando com caráter qualitativo e planejado. Buenos outras existências ao redor da cidade. Aires é a cidade do filme argentino, São Paulo é a cidade do filme brasileiro. E nas Pois bem, diante de uma enxurrada duas há um enredo que consegue interligar de questões, que sempre se colocaram pessoas com problemas de relacionamento como questões mais gerais e sem intenção inter e intrapessoal com o papel do de filtrar um aspecto específico para ser arquiteto e do desenho da cidade. respondido, se fez esse trabalho. Antes de

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Em “Medianeras” há a construção de encontros e desencontros dos personagens Martín e Mariana. Ambos são figuras complexas que se veem danificadas tanto por relacionamentos anteriores quanto por uma condição urbana esquizofrênica: ao mesmo tempo em que a tecnologia dá um salto enorme na transição do século e passa a se apresentar de modo mais efetivo nas telecomunicações é encontrada na realidade um distanciamento igualmente enorme. A comunicação, que é retratada como era no ano de lançamento do filme (2007), se apresenta por meio de mensagens de texto e bate-papo virtual, tentando condensar toda a possível vivência da cidade, dos encontros e desencontros, dentro de telas, processadores e bytes. Todo esse cenário preocupante acaba por afetar o modo com que os personagens se apresentam. Eles são mais frágeis emocionalmente, se veem dependentes do seu trabalho e reconhecem uma carência forte de contato físico.

da contemporaneidade por meio da tecnologia. Ele apresenta como as relações interpessoais se encontram também fragilizadas quando o intermédio delas é o espaço público da contemporaneidade. É apresentado no filme uma devastação crescente de espaços que guardavam memórias específicas, espaços estes que marcaram relacionamentos e pessoas. Fábio e Ana veem ao mesmo tempo a cidade que eles tinham como deles ruindo ao mesmo tempo que seu relacionamento; Martín e Mariana, mesmo sem se conhecer, veem uma cidade que já é ruína e veloz refletir no modo com que eles constroem seus relacionamentos.

Trabalhar a interface da arquitetura e do cinema aplicados à percepção da cidade trouxe ganhos significativos em um instrumento simples: o olhar. Ao abordar conceitos tais como a fenomenologia e o corpo-no-espaço se fez possível a reflexão de alguns tópicos: 1) a importância de um projeto urbano e de gestores que Por outro lado, o filme “De Onde se coloquem na posição de pensar a Eu Te Vejo” não apresenta com mais cidade para os pedestres, fazendo com força esses aspectos mais preocupantes que a dinâmica da cidade se faça muito

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mais inclusiva tanto em aspectos de acessibilidade física quanto social; 2) a intrínseca relação que existe entre a cidade, quem somos, quem seremos e as nossas lembranças e, 3) como se faz importante a ação de enxergar e interpretar aparências e acontecimentos em um plano além daquele que é percebido a priori.

o segredo para muitas das questões que rondaram a percepção e retrato das cidades tenha muita relação com a frase já citada durante o trabalho: “O caos é a ordem por decifrar”. Dentro da cidade e dentro de um filme é essencial a organização do pensamento; não apenas do seu, mas como do pensamento da equipe que trabalhou na construção daquele objeto, ou dos acontecimentos históricos que levaram àquela situação. Se faz necessária a construção de um olhar investigativo; um olhar digno do detetive Sherlock Holmes.

Por entre autores clássicos como Kevin Lynch e Jane Jacobs, ou autores mais contemporâneos tais como Carla Caffé e Mauro Calliari, se fez possível o aprendizado teórico e empírico do olhar, da absorção de imagens e sensações. A partir desses E mais uma vez, a ficção invade a autores e muitos outros que compuseram a realidade com a simples intenção de nos construção do pensamento nesse trabalho fazer enxergar além. E adiante. se fez uma conexão muito satisfatória entre o que se observava e se compreendia em alguns filmes – tais como “Blade Runner – O Caçador de Androides”, “Aquarius”, “Canção da Volta”, “O Som ao Redor”, “Metrópolis” e “O Homem ao Lado” – para uma argumentação teórica mais coerente e forte. Por meio das relações imagéticas e sensoriais se fez o enlaçamento da teoria e do empírico. Talvez seja possível dizer, então, que

Fim.

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CRÉDITOS FINAIS DOCUMENTÁRIOS URBANIZED. Direção de Gary Hustwit. Produção de Gary Hustwit. 2011. (85 min.), son., color. Legendado. FILMES A ORIGEM. Direção de Christopher Nolan. Produção de Christopher Nolan; Emma Thomas. Roteiro: Christopher Nolan. Estados Unidos da América; Reino Unido da Grã-bretanha; Irlanda do Norte: Warner Bros, 2010. COLOR. AMOR em Sampa. Direção de Carlos Alberto Riccelli. Roteiro: Bruna Lombardi. São Paulo: Pulsar Cinema, Coração da Selva, 2013. Son., color. AMORES Urbanos. Direção de Vera Egito. Produção de Adipe Neto. Roteiro: Vera Egito. São Paulo: Paranoid Filmes, 2016. (102 min.), son., color. AQUARIUS. Direção de Kleber Mendonça Filho. Produção de Emilie Lesclaux, Saïd Ben Saïd, Michel Merkt. Roteiro: Kleber Mendonça Filho. Recife: Cinemascópio, Sbs Productions, Videofilmes, Globo Filmes, 2016. (145 min.), son., color. AS MELHORES Coisas do Mundo. Direção de Laís Bodanksy. Produção de Caio Gullane, Fabiano Gullane, Debora Ivanov e Gabriel Lacerda. Roteiro: Luiz Bolognesi. Música: Bid. São Paulo: Gullane, Warner Bros. Pictures, Casa Redonda, Buriti Filmes e Riofilme, 2010. (105 min.), son., color. CENTRAL do Brasil. Direção de Walter Salles. Produção de Arthur Cohn, Martine de Clermont-Tonnerre. Roteiro: João Emanuel Carneiro, Marcos Bernstein, Walter Salles. Música: Antonio Pinto, Jaques Morelenbaum. Brasil, França: Videofilmes, 1998. Son., color. CIDADE de Deus. Direção de Fernando Meirelles. Produção de Andrea Barata Ribeiro, Maurício Andrade Ramos. Roteiro: Braulio Mantovani. Música: Antonio Pinto, Ed Cortês. Rio de Janeiro: O2 Filmes, Globo Filmes, 2002. (130 min.), son., color.

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DE ONDE Eu Te Vejo. Direção de Luiz Villaça. Produção de Cacá Diegues, Marcelo Torres. Roteiro: Leonardo Moreira, Rafael Gomes. São Paulo, Sp: Globo Filmes, Bossanovafilms, 2016. Son., color. Legendado. DIVERTIDA Mente. Direção de Pete Docter. Roteiro: Meg Lefauve. Josh Cooley, Pete Docter. Música: Michael Giacchino. Estados Unidos da América: Walt Disney Pictures, Pixar Animation Studios, 2015. Son., color. Legendado. FOGO e Paixão. Direção de Isay Weinfeld, Márcio Kogan. Roteiro: Isay Weinfeld, Márcio Kogan. São Paulo: Wkw Filmes, 1988. Son., color. HOJE Eu Quero Voltar Sozinho. Direção de Daniel Ribeiro. Produção de Daniel Ribeiro, Diana Almeida. Roteiro: Daniel Ribeiro. Música: Ariel Henrique, Gabriela Cunha. São Paulo: Lacuna Filmes, 2014. (96 min.), son., color. LISBELA e o Prisioneiro. Direção de Guel Arraes. Produção de Paula Lavigne. Roteiro: Guel Arraes, Pedro Cardoso, Jorge Furtado. Música: João Falcão. S.i.: Natasha Filmes, Globo Filmes, Estúdios Mega, 2003. Son., color. MINHA Mãe é uma Peça: O Filme. Direção de André Pellenz. Produção de Iafa Britz. Roteiro: Paulo Gustavo, Rafael Dragaud, Fil Braz. Música: Plínio Profeta. Rio de Janeiro: Globo Filmes, Migdal, Dowtown, Paris, 2013. (95 min.), son., color. O FILME da Minha Vida. Direção de Selton Mello. Produção de Vania Catani. Roteiro: Selton Mello, Marcello Vindicatto. Música: Plínio Profeta. S.i.: Vitrine e Mgm, 2017. Son., color. O HOMEM Duplicado (Enemy). Direção de Denis Villeneuve. Produção de M.a. Faura, Niv Fichman. Roteiro: Javier Gullón. Toronto, Ontario, Canadá: Imagem Filmes, 2013. (90 min.), son., color. Legendado. O SOM ao Redor. Direção de Kleber Mendonça Filho. Produção de Emilie Lesclaux. Roteiro: Kleber Mendonça Filho. Música: Dj Dolores. Recife: Cinemascópio, 2013. (131 min.), son., color. OBRA. Direção de Gregorio Graziosi. Produção de Zita Carvalhosa, Leonardo Mecchi. Roteiro: Gregorio Graziosi, José Menezes, Paulo Gregori. São Paulo: Cinematográfica Superfilmes, 2014. Son., P&B.

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QUE Horas Ela Volta?. Direção de Anna Muylaert. Produção de Fabiano Gullane, Caio Gullane, Débora Ivanov, Anna Muylaert. Roteiro: Anna Muylaert. São Paulo: África Filmes, Globo Filmes, 2015. (114 min.), son., color. SÃO Paulo, Sociedade Anônima. Direção de Luís Sérgio Person. Produção de Renato Magalhães Gouvêa. Roteiro: Luís Sérgio Person. São Paulo: Sócine Produções Cinematográficas, 1965. Son., P&B. TROPA de Elite. Direção de José Padilha. Produção de José Padilha, Marcos Prado. Roteiro: Bráulio Mantovani, José Padilha, Rodrigo Pimentel. Música: Pedro Bromfman. Rio de Janeiro: Universal Pictures, 2007. Son., color. LIVROS E TEXTOS CAFFÉ, Carla. Av. Paulista. São Paulo: Cosac & Naify, 2009. 55 p. (Ópera Urbana) CARERI, Francesco Antonio; JACQUES, Paola Berenstein; TIBERGHIEN, Gilles A. (Pref.). Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: G. Gili, 2016. 188 [4] p. CLARKE, D.B.. (ed.) (1997a) The Cinematic City, London: Routledge. CULLEN, Gordon. Paisagem urbana. Lisboa: Edições 70, 2010. 202, [3] p. (Arquitectura e urbanismo) EISENMAN, P. Arquitetura e o Problema da Figura Retórica (1987) in NESBITT, Kate; PEREIRA, Vera. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 1965-1995. 2. ed. São Paulo: Cosac & Naify, 2010. GEHL, Jan. Cidades para pessoas. 3. ed. São Paulo: Pesperctiva, 2015. xv, 262 p. GREEN, John. Cidades de Papel. São Paulo: Intrínseca, 2013. 368 p. JACOBS, Jane M. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. 510 p. (Coleção A). LAMAS, José M. Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.

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