Miolo para promover e guardar a fe

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PARA PROMOVER

E GUARDAR A FÉ Do Santo Ofício à Congregação para a Doutrina da Fé

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CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

PARA PROMOVER E GUARDAR A FÉ Do Santo Ofício à Congregação para a Doutrina da Fé

1a edição São Paulo 2016

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Edições Fons Sapientiae um selo da Distribuidora Loyola

Título Original:

Per promuovere e custodire la fede Dal Santo Uffizio alla Congregazione per la Dottina della Fede

ISBN Original:

978-88-209-9623-9

Direitos:

© Copyright 2015 dos Textos originais Libreria Editrice Vaticana 00120 Città del Vaticano © Copyright 2016 – Edições Fons Sapientiae

Título:

Para promover e guardar a fé Do Santo Ofício à Congregação para a Doutrina da Fé

ISBN:

978-85-63042-40-8

Tradução:

D. Hugo C. da S. Cavalcante, OSB

Revisão:

Pe. Dr. Valdir M. dos Santos Filho, SCJ

Fundador:

Jair Canizela (1941-2016)

Diretor Geral:

Vitor Tavares

Conselho Editoral:

Vitor Tavares Rogério Reis Bispo Diego de Castro D. Hugo C. da S. Cavalcante, OSB

Capa/Diagramação:

Diego de Castro

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Índice PREFÁCIO........................................................................................................7 PARA PROMOVER E GUARDAR A FÉ .....................................................13 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO SANTO OFÍCIO.........................................15 AS REFORMAS DO INÍCIO DO SÉCULO XX..........................................27 A CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ...................................33 O DICASTÉRIO SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO PASTOR BONUS..... 37 PESSOAL, OFÍCIOS, PROCEDIMENTOS..................................................41 O EXAME DAS DOUTRINAS......................................................................49 NORMATIVA PARA OS DELITOS RESERVADOS...................................53 A PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA........................................................55 A COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNARCIONAL..................................57 A PONTIFÍCIA COMISSÃO ECCLESIA DEI............................................ 59 DOCUMENTAÇÃO........................................................................................61 APÊNDICE 1....................................................................................................63 APÊNDICE 2....................................................................................................67 APÊNDICE 3....................................................................................................73

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Os Pastores da Igreja, que têm a missão de anunciar a palavra da salvação recebida na divina Revelação, têm o dever de guardar integralmente o depósito da fé a eles confiado por Cristo. Para cumprir melhor tal tarefa, no curso da plurissecular história da Igreja os Sumos Pontífices serviram-se de diversos instrumentos segundo as necessidades que se apresentavam. Com o tempo surgiram vários Dicastérios, com a finalidade de facilitar o governo da Igreja tutelando a observância das leis emanadas, favorecendo as iniciativas para os fins próprios da Igreja, resolvendo as controvérsias eventualmente surgidas. Neste contexto vai enquadrada a origem da Congregação para a Doutrina da Fé. A renovada pesquisa documental sobre a história desta instituição está entregando hoje uma imagem com tinta menos foscas de quanto não ocorreu para o passado, imagem que permitiu superar os prejuízos de caráter ideológico e desacreditar muitos lugares comuns a ela coligados. Tal imagem nova se funda também sobre algumas louváveis iniciativas editoriais que estão pondo à disposição de um vasto público textos poucos conhecidos fora do ciclo restrito dos especialistas.

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PREFÁCIO

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O progresso dos estudos foi favorecido pela abertura do arquivo histórico da Congregação para a Doutrina da Fé. Naquela ocasião, em 23 de janeiro de 1998, o então Prefeito, o Cardeal Joseph Ratzinger, declarou: “A abertura do nosso Arquivo se inspira na própria tarefa indicada pelo Santo Padre à nossa Congregação de “promover e tutelar a doutrina da fé e dos costumes de todo o orbe católico”. Estou seguro de que abrindo os nossos Arquivos se responderá não apenas às legítimas aspirações dos estudiosos, mas também à intenção firme da Igreja de servir ao homem ajudando-o a entender a si mesmo lendo sem prejulgamentos a própria história” (Cardeal Joseph Ratzinger, “La soglia della verità”, in Avvenire, 23 de janeiro de 1988, p. 21). Neste contexto de nova e favorável estação se coloca o presente opúsculo, cuja finalidade é conjuntamente informativa (nível histórico) e formativa (educação à fé). Nele são apresentados: A origem e a evolução do Santo Ofício; A reforma dos primeiros anos do século XIX; A Congregação para a Doutrina da Fé; o Dicastério segundo a Constituição Apostólica Pastor Bonus. Oferecem-se, outrossim, informações detalhadas no que se refere à estrutura e à organização seja da Congregação para a Doutrina da Fé (pessoas, ofícios, procedimentos, exame das doutrinas, normativa para o delitos reservados), seja dos outros organismos a ela coligados: a Pontifícia Comissão Bíblica, a Comissão Teológica Internacional e a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei.

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No atual contexto da sociedade e da Igreja, marcado por rápidas mudanças culturais, políticas, técnicas e econômicas, bem como pela opinião pública sempre mais homologada por modelos e direções propostas pelos meios de comunicação social de massa, se pode compreender como a Congregação para a Doutrina da Fé seja posta cotidianamente diante de um desafio assaz árduo.

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A Congregação para a Doutrina da Fé, como todo outro Dicastério da Cúria Romana, é uma instituição de direito eclesiástico, a serviço do Santo Padre, na sua missão universal, para aquilo que se refere à doutrina sobre a fé e sobre a moral. Ela tem a tarefa de vigiar a fim de que a profissão da reta fé seja a guia de toda a atividade da Igreja: a liturgia, a pregação, a catequese, a vida espiritual, a ação ecumênica, a doutrina social, etc.

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O esforço do Dicastério é o de conseguir discernir no fluxo das problemáticas culturais e das opiniões teológicas emergentes os núcleos de pensamentos e as propostas mais significativas. É preciso, portanto, estudar estes problemas, aprofundá-los nas raízes mais profundas e propor em mérito uma avaliação e linhas orientadoras que se inspiram no Evangelho e na Tradição católica. Esta ação vem conduzida em conformidade com a natureza específica da Igreja, Povo de Deus, na sua dupla dimensão de comunidade universal e de comunidade local.

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A vida na Congregação para a Doutrina da Fé é feita de colóquios, de sessões de estudo, de densa correspondência com Bispos, Núncios, Superiores de Instituto em todo o mundo. As relações com os principais Dicastérios da Santa Sé se fazem mais intensas por ocasião da elaboração de documentos oficiais ou da preparação de decisões que concernem à doutrina da fé e a vida moral. Assim se compreende também a presença, junto da Congregação, da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional, que lhe oferecem o auxílio de uma diversificada e competente consulta nos diversos campos. E ao mesmo tempo com os seus documentos ajudam também o caminho de aprofundamento da fé de toda a Igreja. A atividade de escuta se explica especialmente nas periódicas visitas ad limina, nas quais todos os Bispos têm a possibilidade de expor os problemas dos seus Países e de pedir indicações a este propósito. Periodicamente, além disso, alguns representantes da Congregação se dirigem aos diversos Continentes, para um encontro com os Presidentes das Comissões Doutrinais das Conferências Episcopais, com a finalidade de examinar juntos os problemas doutrinais mais relevantes. Cuida-se também de uma periódica avaliação das revistas teológicas de todo o mundo, para estar constantemente informados sobre novos desenvolvimentos da teologia. Para certas questões mais difíceis à própria Congregação provê a um aprofundamento do tema trâmite Simpósios específicos de especialistas mundiais.

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GERHARD Cardeal MÜLLER Prefeito

Cidade do Vaticano, 30 de abril de 2015, memória de São Pio V, Patrono da Congregação

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Possa este instrumento útil favorecer entre os fieis o crescimento e o amadurecimento da fé, para que a Palavra de Deus se difunda e dê fruto.

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A transmissão da fé cristã é confiada à Igreja inteira. Esta tarefa fundamental compete então a todos os cristãos, mas de modo especial a promoção e a guarda da fé são asseguradas pelo Papa e pelos Bispos em comunhão com a Igreja de Roma. Assim, desde os primeiros séculos a preocupação de defender a ortodoxia esteve presente no cristianismo, em forma obviamente diferente dependendo do envolvimento dos diversos contextos históricos.

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Na primeira metade do século XIII, sob o pontificado de Gregório IX (1227-1241) remontam ao invés as origens da inquisição medieval, nascida com fim principal de reprimir toda forma de heresia. A partir daquela época, a repressão anti-herética, precedentemente confiada aos Ordinários diocesanos, foi exercida também diretamente pela Santa Sé através da nomeação de legados especiais e, em seguida, pelos pertencentes às ordens religiosas, especialmente do-

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minicanos e franciscanos. Desenvolveu-se assim uma peculiar instituição eclesiástica – exatamente a inquisição – formada por uma rede de tribunais, cujos titulares, em força de expressa delegação pontifícia, eram chamados a julgar e, eventualmente, condenar os acusados do delito de heresia. Segundo a práxis em vigor em todos os sistemas judiciários europeus até o século XVIII, o procedimento previa, em circunstâncias bem precisas, o recurso à tortura e, nos casos mais graves, a condenação à morte na fogueira. A execução da sentença capital era todavia confiada as autoridades civis (0 chamado “braço secular”). O poder temporal, de fato, se demonstrava geralmente pronto a colaborar na luta contra a heresia, enquanto o herético vinha percebido como uma ameaça à coesão da sociedade.

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Por volta da metade do século XV, a inquisição era agora uma instituição em declínio. Com a extinção dos movimentos heréticos de massa (como o dos cátaros), alguns tribunais tinham desaparecido, outros permaneceram inativos ou desenvolveram uma ação judiciária reduzida. Uma nova fase na história da instituição se abriu com a fundação da inquisição espanhola. Em 1478 Sisto IV, acolhendo um urgente pedido dos reis católicos, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, aceitou restaurar e estender aos reinos e domínios peninsulares a inquisição. A concessão era motivada pelo alarme suscitado pela difusão de cripto-judaísmo, a heresia, isto é, cometida pelos judeus convertidos ao cristianismo, os quais, depois de ter recebido o batismo, voltavam a praticar clandestinamente a religião dos seus antepassados.

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ORIGEM E EVOLUÇÃO DO SANTO OFÍCIO

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Superado um primeiro período transitório, o sistema se estabilizou segundo o seguinte esquema: os soberanos indicavam ao Pontífice o nome do candida-

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to para o encargo de inquisidor geral da Espanha (direito régio de apresentação). A ele o Pontífice conferia a jurisdição em matéria dos delitos contra a fé, concedendo-lhe a faculdade de subdelegar os próprios poderes aos inquisidores periféricos. Os tribunais locais aplicavam o direito inquisitorial pontifício, mesmo se sucessivos privilégios acabaram, com a atribuição do inteiro aparato, um certo grau de autonomia em relação à autoridade papal. Privilégios análogos, pelos mesmos motivos, foram depois concedidos por Paulo III aos soberanos de Portugal, entre 1536 e 1547: nascia assim, ao lado da espanhola, a inquisição portuguesa. Naqueles mesmos anos tinha sido erigida a chamada inquisição romana. Surgida sobre as cinzas da preexistente inquisição medieval, ela tinha surgido com a finalidade de combater e reprimir a penetração na península italiana das doutrinas reformadas. Diante da difusão do protestantismo, de fato, Paulo III instituiu, com a constituição Licet ab initio de 21 de julho de 1542, uma Comissão especial composta por seis Cardeais competentes para julgar os delitos em matéria de fé. É provável que, desde o princípio, os Cardeais estivessem ladeados por teólogos e canonistas na veste de consultores. Nos anos imediatamente sucessivos, o organograma da Comissão foi se ampliando: em data imprecisa, mas certamente não posterior a 1548, tornou-se membro ex officio o Mestre dos Sacros Palácios (título antigamente levado pelo Teólo-

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Um organismo – depois denominado Congregação da Santa Romana e Universal Inquisição (ou Congregação do Santo Ofício) e cuja esfera de ação, ao menos na teoria, devia estender-se a toda a cristandade, a começar da Itália e da Cúria Romana – tinha a faculdade de enviar, onde se apresentasse a necessidade, delegados próprios que podiam decidir os eventuais apelos e tinham o poder de agir contra os apóstatas, heréticos, suspeitas de heresias e os seus defensores, seguidores e proponentes, qualquer que tivesse sido a dignidade e o grau, com a possibilidade pelos inquisidores gerais de recorrer também ao braço secular.

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go da Casa Pontifícia), em 1551 foi criado o cargo da Comissário, com função de secretário, e em 1553 este último foi ladeado por um prelado com o título de Assessor.

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O estabelecer-se da inquisição romana com o seu caráter universal, explicitamente declarado na sua própria denominação, estava portanto a significar a centralização de Roma, sede do papado, da jurisdição em matéria de heresia. De fato, todavia, como se verá mais adiante, tal jurisdição universal não foi plenamente exercida antes do princípio do século XIX. A imediata confirmação, no princípio de 1550, da Romana e Universal Inquisição constituiu um dos primeiros atos de governo de Júlio III. O Papa dispôs que ela deveria ocupar-se especialmente da vida religiosa na Itália, onde se percebia ainda a presença de nume-

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rosos heréticos, e reiterou que tal organismo constituía para todos os Países cristãos a autoridade central competente para proceder judicialmente em defesa da verdadeira fé. O Pontífice proveu pois a emanar em 15 de fevereiro de 1551 a constituição Licet a diversis, na qual condenava a pretensão das autoridades civis de alguns estados de interferir nos processos a cargo dos hereges, como tinha acontecido, por exemplo, na República de Veneza. Gian Pietro Carafa, fervoroso promotor da inquisição romana e desde a sua instituição demonstrando-se um dos mais ativos Cardeais inquisidores gerais, subiu ao trono pontifício em maio de 1555 com o nome de Paulo IV, esforçou-se imediatamente em favor da instituição. Disto providenciou fazer restaurar a sede na Via Ripetta, que ele mesmo como Cardeal tinha adquirido com expensas próprias no momento da fundação em 1542. O Papa providenciou ainda, com o Motu proprio Attendentes onera de 11 de fevereiro de 1556, tanto ao edifício quanto àqueles que ali prestariam serviço, uma série de privilégios e de isenções fiscais, além da concessão de novas faculdades aos membros do tribunal, com uma considerável ampliação da sua esfera jurisdicional. Esta última ultrapassou os confins dos dogmas verdadeiros e próprios, e foram assim submetidos à inquisição também os delitos de lenocínio, estupro, prostituição e sodomia, com posterior acréscimo de quanto poderia cair sob a imputação de “heresia simoníaca”, segundo a definição dada pelo próprio Paulo IV, isto é, a venda dos sacramentos, a ordenação de menores, os abusos em matéria de bene-

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A redimensionar o excessivo poder atribuído por Paulo IV à inquisição e aos seus membros se esforçou imediatamente Pio IV, fortemente impressionado além disso pela devastação do palácio na Via de Ripetta, sede do tribunal, e pela destruição e dispersão dos atos processuais, postos em ato, no mesmo dia (18 de agosto de 1559) pela morte do predecessor, pela multidão em revolta contra o rigor exercido pelos inquisidores. Abandonando, contudo, a primeira ideia de até mesmo abolir a inquisição, Pio IV buscou trazer de volta para ela as funções ordinárias, dentro da normalidade, começando de fato com o reduzir, em uma Congregação de 11 de janeiro de 1560, a jurisdição dos Cardeais inquisidores, reconduzidos a absorver a própria tarefa institucional relativa à tutela da integridade da fé.

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fício, e assim por diante. Em consideração do extenso âmbito das competências deste tribunal, o Pontífice providenciou também a acrescer o número dos Cardeais membros: entre dezembro de 1558 e maio de 1559, resulta que eram adscritos à Congregação bem 17 purpurados.

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Reconhecendo a eficácia da ação até então desenvolvida pelos Santo Ofício, Pio IV delineou então novamente, com a constituição Pastoralis officii munus de 14 de outubro de 1562, as funções dos Cardeais membros, estabelecendo em igual tempo o âmbito exato da sua jurisdição que se tornou ainda mais extensa. No sucessivo 31 de outubro, com o Motu pro-

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prio Saepius inte arcana, confirmou pois a inquisição romana o poder de proceder também contra Prelados, Bispos, Arcebispos, Patriarcas e Cardeais, reservando porém sempre ao Papa o pronunciamento da sentença final no consistório. Ainda com o Motu proprio Cum sicut accepimus de 2 de agosto de 1564 trouxe para oito o número dos Cardeais inquisidores (precedentemente tinha alcançado o número de 23), aos quais todavia foram acrescentados um nono precisando-se a função dele, e enfim, com o Motu proprio Cum inter crimina de 27 de agosto seguinte, concedeu as Cardeais inquisidores a faculdade de possuir e de ler livros heréticos, ou contudo proibidos, e de permitir por sua vez a outros a posse e a leitura deles. O dominicano Miguel (no século Antônio) Ghislieri, da comissão da inquisição desde a instituição do cargo, sob Paulo IV, de Cardeal inquisidor geral que se tornou Papa com o nome de Pio V em 17 de janeiro de 1566, forneceu ao organismo uma nova sede. Esta se tornava necessária depois da destruição da originária na Rua de Ripetta que tinha constrito os Cardeais inquisidores a realizar as reuniões na casa do mais idoso entre eles. Para tal fim São Pio V adquiriu em 1566, fazendo-o restaurar, um edifício situado nas proximidades da basílica vaticana que estava a ser erguida, cujos trabalhos foram interrompidos com a precisa finalidade de acelerar a reestruturação do novo palácio do Santo Ofício. Utilizável já desde 1569, o edifício foi completado em 1586, quando Sisto V, lhe fez acrescentar os cárceres. Estes foram demolidos no século passado, durante os trabalhos de amplia-

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São Pio V ordenou também a constituição de um arquivo específico para a conservação de todos os atos processuais – do qual era expressamente vedado fazer cópia, mas que na necessidade poderia ser consultados no lugar – e tornou mais rigorosa a obrigação de segredo sobre todas as questões tratadas nos processos, considerando a infração delas com uma ofensa pessoal ao Papa. Emanou, pois, posteriormente, disposições para proteger os Cardeais inquisidores e os encarregados de trabalho de ameaças e violências, e para salvaguardar as testemunhas de eventuais molestações e represálias da parte dos próprios acusados ou dos parentes e amigos dele. Com o Motu proprio Cum felices recordationes de 5 de dezembro de 1971, o Pontífice estabeleceu que para a validade das decisões do Santo Ofício era suficiente a intervenção de apenas dois Cardeais, antes que de três, como era prescrito para todo outro organismo curial.

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ção (1921-1925) do palácio onde tem sede a hodierna Congregação para a Doutrina da Fé, que o ocupa em grande parte.

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A Sacra Romana e Universal Inquisição foi ladeada pela Congregação do Índice, instituída por São Pio V em 1571, mas formalmente erigida pelo seu sucessor Gregório XIII, em 13 de setembro de 1573, com a tarefa específica de examinar as obras suspeitas, de corrigir (expurgar) aquelas que, depois das devida intervenções dos censores, poderiam continuar a cir-

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cular e de atualizar periodicamente o elenco dos livros proibidos (Index librorum proibitorum).

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Pelo menos cinquenta anos depois da sua ereção, o Santo Ofício romano chegou a uma posição de absoluto privilégio depois da reorganização geral do governo central da Igreja e do Estado pontifício atuada por Sisto V com a constituição apostólica Immensa aeterni Dei de 22 de janeiro de 1588. De fato, à testa das quinze congregações estabelecidas por Sisto V (incluídas as cinco já existentes) foi colocada, conservando o caráter de tribunal, a Congregatio sanctae Inquisitioneis haereticae pravitatis. Colocada sob a direta presidência do Pontífice pela importância das questões tratadas, a inquisição romana vem dotada por Sisto V das mais amplas faculdades, para a qual reentrava na sua esfera jurisdicional tudo quanto poderia referir-se à fé, com extensão dos seus poderes não apenas a Roma e no Estado pontifício, mas por toda a parte e contra qualquer um, de modo que tanto os latinos quanto os orientais dependiam diretamente dela, com exceção dos tribunais pertencentes às inquisições espanhola e portuguesa, cujos respectivos privilégios não podiam ser modificados sem o expresso assentimento do Pontífice. A despeito da circunstância que a Congregação fosse investida, em teoria, de uma jurisdição universal, de fato a documentação até agora conhecida demonstra que o Dicastério exercitou as próprias competências, além dos tribunais italianos, somente sobre aqueles de Mal-

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Como quer que seja, a Congregação foi investida de jurisdição absoluta sobre todos os delitos concernentes à fé – heresia, cismas, apostasia, adivinhação, feitiço, magia – e da faculdade de dispensar dos impedimentos de mista religião e de disparidade de culto, com especial competência acerca do chamado privilégio paulino na dissolução do vínculo matrimonial. A Congregação era também competente sobre tudo aquilo que, embora não referindo-se propriamente à fé, tivesse relação com ela, isto é, o delito de solicitação ad turpibia, os votos religiosos, a santificação das festas, o jejum e a abstinência. Não obstante o silêncio da Constituição sistina, o Santo Ofício permaneceu encarregado também da censura e proscrição dos livros reconhecidos heréticos, enquanto ao exame das obras suspeitas provia a Congregação do Índice, confirmada por Sisto V. A atividade deste Dicastério vinha a integrar a ação que no setor era chamada a explicar a mesma inquisição, a qual, empenhada na resolução das questões mais graves referentes à fé e à moral, se encontrava na impossibilidade de exercer uma completa vigilância sobre as obras que sempre mais numerosas eram impressas em toda parte.

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ta (então domínio pontifício), Besançon, Carcassona, Tolosa (na atual França) e Colônia (Sacro Império da Alemanha).

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A grande importância a que ascendera com Sisto V a Congregação da Inquisição crescia entre os membros do Sacro Colégio o desejo de pertencer a ela. Depois da ampla reorganização sistina da Cúria Romana, a Congregação da Inquisição coloca a sua posição preeminente entre as várias Congregações, permanecendo quase inalterada na sua estrutura e nas suas tarefas institucionais até o princípio do século XX. Gregório XV com a Constituição Universi dominici gregis de 30 de agosto de 1622 confirmou a competência da Congregação da Inquisição contra o delito de solicitação ad turpia, competência reafirmada por Bento XIV com a Constituição Sollicita ac provida de 9 de julho de 1753, elaborada e escrita pessoalmente pelo Papa. O Pontífice exortou os membros da Congregação do Índice a um exame mais atento e imparcial das obras submetidas à eles pra prevenir as lamentações dos autores e dispôs que aos teólogos fossem juntadas pessoas eminentes pela cultura, em procedimentos mais objetivos e que provessem também a escuta dos acusados ou de seus representantes. O Papa buscou dirimir a questão, jamais resolvida, da jurisdição concorrente em matéria de censura entre Santo Ofício e Congregação do Índice. Estabelece, portanto, que esta última devia ocupar-se somente das obras expressamente denunciadas como perigosas, sempre que elas não fossem já submetidas ao exame da Congregação da Inquisição.

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No século XIX, sob o Pontificado de Gregório XVI, além disso, a inquisição foi encarregada por algum tempo de ocupar-se também das causas dos santos, sempre porém no que se refere à doutrina e especialmente ao conceito de martírio.

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Por volta do fim do século dezoito vinha antes submetidas à jurisdição desta última certos delitos que não estivessem sido jamais considerados em estreita relação com o âmbito doutrinal, e depois, com Pio VI, lhe foi acrescentada toda a matéria referente às ordens sagradas tanto para a parte dogmática quanto para aquela disciplinar.

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Um último incremento às competências da Congregação da Inquisição, antes da grande reforma atuada por São Pio X em 1908, foi aquilo feito pelo mesmo Papa com o Motu proprio Romanis pontificibus de 17 de dezembro de 1903, em virtude do qual vinha decretada a fusão da antiga Congregação sobre a Eleição dos Bispos com o Santo Ofício. A este foi portanto deferida, salvaguardadas as oportunas exceções, a matéria relativa à escolha e à promoção dos Bispos de todo o mundo, executados os territórios dependentes respectivamente da Congregação da Propaganda Fide e daquela dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários.

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AS REFORMAS DO INÍCIO DO SÉCULO XX

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Várias e mais significativas inovações na vetusta Congregação da Sacra Romana e Universal Inquisição foram introduzidas com a primeira reforma total da Cúria romana no século XX. Esta foi devida quase exclusivamente à iniciativa pessoal de São Pio X, passando através da triagem de bem cinco diversos projetos – um dos quais elaborado pelo próprio Pontífice – e foi por ele realizada, com a Constituição Sapienti consilio de 29 de junho de 1908, para imprimir aos

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vários organismos curiais uma direção moderna correspondente às necessidades de mudança dos tempos.

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Relativamente às suas competências, restou subtraída ao Santo Ofício toda a matéria atinente à observância dos preceitos da Igreja, devolvida à Congregação do Concílio (a hodierna Congregação para o Clero), sendo acolhido o relevante fato do próprio São Pio X no seu projeto pessoal de reforma. O que se referia à eleição dos Bispos foi transferido à Congregação Consistorial (a atual Congregação para os Bispos), enquanto as dispensas dos votos religiosos foram reservadas à nova Congregação dos Religiosos (a hodierna Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica). À Congregação do Santo Ofício foi em vez disso atribuída toda a matéria referente às indulgências. À Constituição Sapienti consilio seguiu a publicação do Ordo servandus in Sacris Congregationibus, Tribunalibus, Officiis, Romanae Curiae, com normas gerais e peculiares que deviam ser observadas por cada Congregação ou pelos diversos organismos da Cúria Romana. Para o Santo Ofício se estabeleceu formalmente que o grau de oficiais maiores reconhecido apenas ao assessor e ao comissário. Ordenou-se, além disso, para redigir o quanto antes a ratio agendi da Congregação, sendo publicada em 1911 com o nome de Lex et ordo Sancti Officii e com a qual vem definida a normativa própria da Congregação com a precisa indicação dos papéis, das funções e dos organismos do Dicastério.

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Acerca das competências específicas do Santo Ofício interveio também Bento XV, o qual, decretando com o Motu proprio Alloquentes de 25 de março de 1917 a supressão da antiga Congregação do Índice como organismo autônomo, dispunha, além disso, a sua reincorporação ao Santo Ofício, já ademais inicialmente prospetada na própria reforma de São Pio X, e que se tornava necessário para prevenir os conflitos de competência entre os dois Dicastérios. Com o mesmo documento, todavia, Bento XIV, para aliviar as incumbências do Santo Ofício, lhe subtraiu toda a matéria referente ao uso e a concessão das indulgências para transferi-la inteiramente à Penitenciaria Apostólica, salvo o exame da doutrina das novas orações e devoções.

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Depois da reforma de São Pio X a renovada Congregação do Santo Ofício foi mantida no primeiro lugar entre as várias Congregações romanas e a ela foi conferido sucessivamente também o título de Suprema, derivado do fato de ser presidida pelo próprio Papa. Na sua esfera jurisdicional reentravam antes de tudo a defesa da doutrina da fé e dos costumes, os procedimentos contra as heresias e todos os outros delitos que induzem à suspeita de heresia (celebração da missa e escuta da confissão da parte de quem não tenha ainda recebido a ordenação sacerdotal, solicitação ad turpia entretanto feita por sacerdotes confessores, adivinhação, feitiçaria, malefícios, e assim por diante), a concessão do privilégio paulino e das dispensas dos impedimentos de disparidade de culto e de mista religião, e toda a matéria atinente às indulgências.

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Mesmo depois da reestruturação operada por São Pio X, a prefeitura do Santo Ofício permaneceu reservada ao Papa, a cuja relativa ação diretiva vinha normalmente exercida por um Cardeal secretário, cargo revestido por longo tempo pelo decano dos Cardeais membros do Dicastério, contudo denominados inquisidores gerais, a última vez em um decreto de 2 de agosto de 1929. A organização da Congregação do Santo Ofício era composta por certo número de oficiais: os primeiros dois, ditos maiores, eram o assessor e o comissário. O assessor, pertencente ao clero secular, coadjuvava o Cardeal secretário em questões práticas ordinárias e supervisionava a disciplina geral. O comissário, um religioso dominicano, tinha o encargo de prover a instrutória das causas penais que deviam ser julgadas pela própria Congregação em função de tribunal. Assistido pelo “primeiro companheiro” e pelo “segundo companheiro” também eles dominicanos. Todos os três pertenciam à província dominicana da Lombardia em virtude de um privilégio concedido à ela por Pio V, que como religioso tinha sido comissário de 1551 a 1556 fazendo parte daquela província. O terceiro oficial maior da Congregação era considerado também o substituto preposto à especial Sessão das indulgências, durante o decênio da sua atividade (1908-1917). O complexo dos oficiais menores era constituído por: dois advogados, ditos um “fiscal” (até 1920, e depois denominado promotor de justiça) e o outro “dos reis”, encarregados de sustentar respectivamente a acusação e ao patrocínio de ofício dos acusados que

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Faziam parte da Congregação também numerosos consultores, escolhidos entre o clero secular e regular, teólogos e juristas, entre os quais figuravam, segundo o direito antigo, o mestre geral dos dominicanos, o mestre dos Sacros Palácios e um teólogo pertencente à ordem dos franciscanos conventuais, enquanto considerados “consultores natos” do Santo Ofício. Além destes, eram colaboradores da Congregação vários “qualificadores” que constituíam uma categoria especial de consulentes (para não confundir-se com os consultores) escolhidos entre os mais conhecidos e eminentes teólogos e canonistas residentes em Roma. Estes eram chamados a exprimir e apresentar o seu parecer escrito, para submeter ao exame dos consultores, sobre o grau de erro de um livro ou de uma doutrina deferidos ao juízo da Congregação. Acolhida no Codex iuris canonici de 1917, a normativa referente à reestruturada Congregação do Santo Ofício brotada da reforma de São Pio X vem fixada, com as modificações feitas por Bento XV, no cân. 247.

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não tivessem podido ou querido nomear um próprio defensor; um “sumista”, que providenciava a preparação do rescrito dos processos; um notário, com alguns substitutos, para a organização dos atos processuais; um arquivista para a ordenação e a guarda da documentação.

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