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CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
APRESENTAÇÃO
E
Esta segunda revista da série Caderno de Debates do ILAESE carrega uma singularidade que certamente será notada e apreciada pelo leitor atento. Neste número, é oferecida ao leitor a reprodução do conjunto temático debatido no Seminário Nacional de Educação, promovido pelo ILAESE, em novembro do último ano, na cidade de São Paulo. Na ocasião, reuniram-se lideranças sindicais oposicionistas ao projeto do governo Lula e da CUT, que debateram temas relacionados à realidade da educação pública. No Brasil, as políticas neoliberais têm favorecido a acumulação do capital em setores antes controlados pelo Estado, tanto naquele ligado à atividade produtora, concentrada nas empresas estatais, como no setor destinado à prestação de serviços públicos ao conjunto da população. Esse é o verdadeiro sentido das políticas aplicadas no setor da educação pública. O Estado, antes único responsável direto pelos gastos e investimentos, agora cede espaço aos anseios lucrativos do setor privado. Assim, a deterioração da educação pública constitui parte do projeto de permitir a comercialização da formação escolar. É a essência da sociedade capitalista sendo revelada. Os distintos governos apóiam-se numa verdadeira ofensiva ideológica contra os trabalhadores da educação e aqueles que demandam o ensino público. Sejamos voluntários, amigos da escola, são ideologias que fazem parte do arsenal da burguesia e difundidas no meio escolar para convencer todos da inevitabilidade das políticas neoliberais para a educação. Sabemos todos que os trabalhadores possuem suas armas de luta. A História comprova-nos que o arsenal é amplo e faz parte dele até mesmo o questionamento das urnas. Neste sentido, não é exagerado afirmar que a eleição do governo Lula representou certa medida de protesto ao modelo neoliberal. Confirmada a eleição, rapidamente as organizações dos trabalhadores como CUT, UNE, dentre outras, declararam apoio e se integraram ao governo recém-leito. Por conseqüência, as iniciativas
combativas foram apagadas do calendário militante. A conivência, cumplicidade com as políticas neoliberais, passou a fazer parte da vida da CUT e de outras organizações dos trabalhadores. A experiência, porém, avança e, junto com ela, o desejo de reorganização e luta. O governo Lula, tão aclamado em sua fase inicial, começa a revelar a setores importantes da classe trabalhadora os limites que a estratégia reformista impõe a anos de suor e militância política. Para comentar apenas o setor dos trabalhadores em educação, as medidas neoliberais continuam avançando, demonstrando o compromisso deste governo com o projeto do Banco Mundial e os organismos internacionais controlados pelos países ricos imperialistas. Hoje é possível perceber os efeitos melhor do que ontem. O seminário reproduzido nesta revista é parte desse processo, expressa o anseio pela reorganização e luta. A importância do evento nota-se pelo compromisso dos trabalhadores militantes presentes, que, a partir de suas experiências, dedicaram-se a uma elaboração teórica contrária às idéias neoliberais. E também pela abrangência dos temas abordados, todos devidamente comprometidos com os problemas que no momento afligem os trabalhadores do setor de educação. Os artigos que o leitor dispõe estão devidamente organizados em dois blocos: o primeiro reúne os que abordam a temática da aplicação dos planos neoliberais na educação e o debate estratégico orientado para a construção de um novo modelo educacional destinado exclusivamente aos interesses dos trabalhadores. Os três primeiros, de autoria dos professores Euclides de Agrela, Edgar Fernandes e Nicholas Davies, versam sobre o processo de aplicação das políticas neoliberais, cada qual expondo uma particularidade desse processo. Euclides de Agrela dedica-se à reflexão sobre o papel do Estado na etapa do neoliberalismo. Ao contrário das publicações orientadas a convencernos da idéia de Estado mínimo, o autor procura demonstrar que o neoliberalismo se impôs sob a proteção do Estado.
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Edgar Fernandes contempla-nos com uma interpretação muito interessante do processo de aplicação das reformas neoliberais na educação pública no Brasil. Depois de analisar as mudanças na realidade socioeconômica mundial que levaram à aplicação do modelo neoliberal, explica-nos porquê é correto concluir que o projeto do governo Lula para a educação segue de maneira comprometida com o plano neoliberal. Nicholas Davies aborda o assunto do financiamento da educação. Com a condição de ser um estudioso do tema, o autor explica-nos por que o Fundeb constitui mais um engodo da política educacional do governo Lula. Os outros dois artigos desse primeiro bloco são assinados pelos professores Edmundo Fernandes Dias e Valério Arcary, que apresentam, cada qual a seu modo, importantes reflexões sobre a problemática Educação: reforma ou revolução. Edmundo Dias debate o papel das ideologias na consolidação dos interesses de classe. Em seu texto, deixa claro que a educação deve ser compreendida como um processo amplo, associado ao plano de construção de direções e militância perfeitamente comprometidas com os interesses da classe trabalhadora e o projeto de uma outra sociedade. O artigo de Valério Arcary destaca-se pela forma com que ele convida o leitor a refletir alguns temas ligados à realidade da educação pública no Brasil. O autor debate os limites do projeto reformista para a educação, e ressalta o papel exclusivo dos agentes comprometidos com o projeto de uma nova sociedade na construção de um modelo educacional de caráter público e gratuito. O segundo bloco reúne os textos de Cilda Sales, Pedro Valadares, Janaina Rodrigues, Nando Poeta e novamente Edgar Fernandes, todos trabalhadores da rede pública de ensino e militantes do movimento sindical, que a partir da iniciativa do seminário dedicaram-se à elaboração teórica sobre a realidade laboral da educação pública. Cilda Sales e Pedro Valadares sintetizam duas pesquisas feitas junto aos trabalhadores da educação municipal, respectivamente da cidade de Caxias, localizada no Rio de Janeiro, e Belo Horizonte. Os autores expõem uma realidade certamente muito conhecida por aqueles que atuam diretamente na educação pública no Brasil.
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No texto de Janaina Rodrigues, o leitor encontra uma importante reflexão sobre a condição da mulher profissional na educação. Como entender a opressão levando em consideração as classes sociais? O papel da escola como reprodutora ideológica do Estado e, portanto, reprodutora do machismo. Como se pode notar, a autora aborda temas que estão presentes no cotidiano da profissão e muitas vezes secundarizados no debate sindical. Nando Poeta analisa o crescimento da terceirização e outras formas precárias de contratação no meio escolar. O texto dele é singular porque procura demonstrar que a política empregatícia do Estado visa destruir direitos dos trabalhadores para ampliar as condições de acumulação do setor privado. Neste outro texto, Edgar Fernandes expõe toda sua experiência militante e o compromisso de quem também se preocupa com a elaboração teórica para provocar um importante debate: podemos assumir que existe alienação no trabalho do professor e dos funcionários da escola? Ele mesmo destaca que a questão precisa ser debatida. Neste sentido, o texto é sem dúvida instigante e, por que não, provocativo. O texto de Gualberto Tinoco (Pitéu), destaca-se pela particularidade de tocar no tema do processo de reorganização política e sindical no Brasil. No cenário em que os trabalhadores se desiludem com o governo Lula e avançam na compreensão sobre a falência da CUT, o autor discute a tarefa de construção de uma nova direção para o movimento dos trabalhadores brasileiros. Por último, cabe ressaltar a particularidade desta publicação do ILAESE. Os temas abordados nesta revista percorrem desde as idéias debatidas no meio escolar até a realidade objetiva dos trabalhadores do setor de educação. O leitor então dispõe agora de um instrumento que pode ser utilizado para auxiliar a sua compreensão sobre a vida laboral e, quem sabe, para desmistificar a falsidade da ideologia neoliberal tão apregoada nos últimos anos. É sem dúvida uma ferramenta a mais na atividade militante. Desse modo, o ILAESE avança em seu objetivo principal: promover formação para a ação.
Cristiano Monteiro da Silva da Coordenação do ILAESE
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ÍNDICE Reforma Neoliberal do Estado
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EUCLIDES DE AGRELA
A Alienação do Trabalho na Escola
13
EDGARD FERNANDES NETO
Fundos para o Financiamento da Educação: Solução ou Remendo?
23
NICHOLAS DAVIES
Educação: Reforma ou Revolução
31
EDMUNDO FERNANDES DIAS
Cinco Observações sobre a Crise da Educação Pública para uma Estratégia Revolucionária
41
VALÉRIO ARCARY
* A Violência no Cotidiano Escolar
53
CILDA SALES
Reformas na Educação e Saúde do Professor
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PEDRO AFONSO VALADARES
EXPEDIENTE Coordenação Wiliam Felippe, Luci Praun, Erika Andreassy, Daniel Romero, Cristiano Monteiro, Nívia Leão Revisão Maria Lucia F. C. Bierrenbach Projeto gráfico e diagramação Mônica Biasi Gráfica Ferrari Correspondência Rua Matias Aires, 78 – Consolação São Paulo – SP – Brasil – CEP: 01309-020 e-mail: ilaese@yahoo.com.br
Sobre a Opressão
65
JANAINA RODRIGUES
Funcionários de Escola: Terceirização é uma Ameaça ao Trabalho
73
NANDO POETA
As Reformas Neoliberais na Educação
79
EDGARD FERNANDES NETO
A CONLUTAS e os Desafios da Organização Nacional dos Trabalhadores da Educação
85
PITÉU
I LAESE
INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE ESTUDOS SOCIO-ECONÔMICOS Caderno de Debates é uma publicação do Instituto Latino-Americano de Estudos Sócio-Econômicos – Ilaese CNPJ 05.844.658/0001-01 – Atividade Principal 91.99-5-00
Resultados de uma pesquisa realizada com os participantes do Seminário Nacional de Educação promovido pelo ILAESE
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Reforma Neoliberal do Estado Quando o Mínimo é o Máximo Euclides de Agrela, Professor de História e Assesssor da Oposição Alternativa (APEOESP-SP)
“
entre os países imperialistas, semicoloniais e coloniais e mesmo entre cada um deles – os Estados Unidos não são a Alemanha, e o Brasil
“O capital financeiro é um fator,
poderíamos dizer, tão poderoso,
tão decisivo, em todas as relações econômicas e internacionais que é capaz de subordinar, e subordina efetivamente, até
”
mesmo Estados que gozam de uma
completa independência política.” 1
O
Apesar de haver importantes diferenças
O presente artigo tem por objetivo discutir
a relação entre superestrutura estatal e economia capitalista. Buscaremos nestas páginas desmistificar que a propalada reforma neoliberal do Estado significa a não intervenção estatal na economia e demonstrar que há um movimento exatamente oposto: uma crescente intervenção estatal a serviço do capital financeiro. Na verdade, para a burguesia e o imperialismo, não há um Estado mínimo, mas um Estado máximo, que protege, subsidia e remunera o capital financeiro num nível nunca visto
não é a Índia nem a China –, acreditamos que os elementos essenciais que guiam o novo paradigma da relação entre superestrutura estatal e economia capitalista são os mesmos e têm por objetivo assegurar a proteção, o subsídio e a remuneração do capital financeiro transnacional com sede nos países imperialistas. Sem medo de cometer exageros, queremos crer que o debate em torno da questão do Estado é hoje não só atual, mas um dos temas centrais e, porque não dizer, o mais importante, para o marxismo revolucionário.
Restauração capitalista e mito do Estado mínimo A relação dialética entre superestrutura estatal e estrutura econômica da sociedade, não só no modo de produção capitalista, mas, até, nas sociedades transitórias em que a burguesia tenha sido expropriada (China, ex-URSS, Cuba, etc.), requer um estudo sério, sobretudo depois da restauração do capitalismo nas últimas.
antes. Vivemos, portanto, o fenômeno previsto
Os Estados Operários, ainda que buro-
por Lênin em seu imperialismo levado às últimas
cratizados, protegiam a propriedade estatal dos
conseqüências:
meios de produção, promoviam a planificação
É cada vez mais com maior relevo que se manifesta uma das tendências do imperialismo: a criação de um Estado-Rentista, de um Estado usurário, cuja burguesia vive, cada vez mais, da exportação dos seus capitais e do “corte de cupons de títulos”2.
central da economia e o monopólio do comércio exterior. A mudança do caráter desses Estados se dá no momento em que passam a proteger, promover e subsidiar a propriedade privada dos meios de produção e os monopólios transnacionais, por meio de privatizações e do planejamen-
1 LÊNIN, V. I. Imperialismo, fase superior do capitalismo. 6. ed. São Paulo: Global, 1991. p. 81. 2 Idem, p. 124
to da restauração capitalista, no qual um dos mecanismos fundamentais foi a quebra do monopólio estatal do comércio exterior.
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Dessa forma, a restauração do capitalismo
estabilidade garantidas pelo triunfo da buro-
nos ex-Estados Operários ocorreu, em geral, não
cracia do Partido Comunista Chinês contra a
como fruto de uma invasão imperialista ou de
insurreição da Praça da Paz Celestial em 1989,
uma guerra civil. Foi a própria burocracia stali-
o que possibilitou a essa ditadura militar-policial
nista que planificou a restauração do capitalis-
manter seu aparato estatal intacto e seguir seu
mo como uma política de Estado. Na China, esse
plano restauracionista sem maiores sobressaltos
processo se deu a partir de 1979, com a criação
de maneira centralizada.
das chamadas ZPEs (Zonas de Processamento de Exportação), e na ex-URSS, em 1986, com o lançamento da Perestroika e da Glasnost.3
A burocracia chinesa, ao manter um Estado forte e centralizador, conseguiu proteger, subsidiar e remunerar o capital financeiro de
Mesmo onde assistimos a eclosão de guer-
maneira segura. Desta forma pariu um Estado
ras civis como na Albânia e na ex-Iugoslávia, essas
máximo... para os capitalistas. O paradigma
assumiam o caráter de uma luta armada entre
chinês é hoje o melhor representante do futuro
diferentes frações da burocracia pelo espólio do
das relações entre Estado burguês e economia
Estado, como na Albânia, ou para submeter
capitalista.
outras nacionalidades, como o demonstrava o projeto fascista da Grã-Sérvia e sua guerra genocida, em particular, contra a Bósnia-Herzegóvina. A própria intervenção do imperialismo nessa guerra não se deu contra um Estado que protegia a propriedade estatal, mas para disciplinar os burocratas stalinistas convertidos em burgueses fascistas e seu ambicioso plano de expansão e anexação territorial que ameaçava desestabilizar a Europa, o que poria em risco os interesses imperialistas na região dos Bálcãs.
Agora, a China enreda-se profundamente nas contradições do modo de produção capitalista – uma economia cada vez mais dependente dos monopólios imperialistas, voltada fundamentalmente para a exportação, com altíssimos subsídios estatais para garantir a reprodução do capital financeiro e a extração de uma absurda taxa de mais-valia de seus trabalhadores – com a mesma rapidez e força do seu crescimento econômico, o que poderá levá-la em breve a uma brutal crise de super-
O exemplo da China, que anunciou um
produção combinada com a explosão de uma
crescimento de 9,9% do PIB em 2005, o que ele-
não menos grave crise social. Como diz o velho
vou seu Produto Interno Bruto (PIB) anual para
ditado: quanto mais alto, maior o tombo.
US$2,26 trilhões ou 1,85 trilhão de euros 4 , deslanchando como a quarta economia do mundo à frente de Itália, França e Inglaterra, não é
Estado máximo para o capital financeiro transnacional
marginal neste debate. A burocracia chinesa
Nos últimos 25 anos, houve mudanças subs-
conseguiu elaborar e gerenciar um plano de res-
tanciais no que diz respeito à relação entre
tauração do capitalismo como uma política
superestrutura estatal e estrutura econômica nos
de Estado muito mais coerente, eficaz e estável
países capitalistas típicos, tanto coloniais,
do que a russa.
semicoloniais e mesmo nos imperialistas. E essas
5
Coerência, eficácia e
mudanças são, sem sombra de dúvidas, influenciadas diretamente pela experiência da res3 Ver HERNÁNDEZ, Martín. O veredicto da história (Introdução). In: TROTSKY, Leon. A revolução traída. São Paulo: Ed. José Luís e Rosa Sundermann, 2005. 286 p.
tauração capitalista nos ex-Estados Operários.
4 Dados do Escritório Nacional de Estatística da China, janeiro de 2006.
substanciais operadas desde a década de 1980?
5 “Aquele ano (1979) foi o primeiro em que o Partido Comunista Chinês começou a realizar experimentos de abertura do país ao capital externo e à iniciativa privada. Dez anos antes da queda do Muro de Berlim, os dirigentes chineses passaram a receber de braços abertos a empresas estrangeiras”. “A reforma chinesa se distingue da adotada na ex-URSS, que preferiu o atalho da rápida e maciça privatização. O Estado chinês manteve o controle de milhares de empresas e abriu espaço para a iniciativa privada, que cresceu de maneira ininterrupta desde 1979”. (Editorial FSP, 27/1/2006)
6
Quais Para
seriam
responder
então a
estas
pergunta,
mudanças utilizaremos
fundamentalmente o exemplo do Brasil. Podemos identificar dois mecanismos que deram início à chamada reforma neoliberal do Estado. Um foi o expediente da privatização das empresas estatais. O outro foi a abertura comercial e financeira.
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A venda de empresas estatais a preço de
na disputa pela instalação dessas novas plantas
banana, muito abaixo do seu valor patrimonial,
industriais, ao oferecer inúmeras vantagens,
como vimos no Brasil com o caso da Cia. Vale
inclusive isenção de impostos por um longo
do Rio Doce, Cia. Siderúrgica Nacional e as
período, é parte do mesmo processo. Com a
empresas do sistema Telebrás e Eletrobrás, por si
Alca, prepara-se um novo salto nesse processo
só denotam uma poderosa intervenção do
de “desregulamentação” como uma política
Estado
de
em
favor
do
capital
financeiro
Estado
a
serviço
das
corporações
imperialistas.
transnacional. Mesmo antes de serem privatizadas, essas
Tudo isso deu início a um forte processo de
empresas forneciam matérias-primas, produtos
desnacionalização da economia, quando
industrializados e serviços abaixo do custo para
várias empresas privadas nacionais fundiram-se
grandes conglomerados privados nacionais e
com ou foram adquiridas por transnacionais.
estrangeiros. Não é à toa que boa parte delas
Indústrias de autopeças e alimentos estão entre
era deficitária. À medida que ocupavam ramos
os ramos da economia que estiveram na
de infra-estrutura que exigiam investimentos
vanguarda do processo de desnacionalização
elevadíssimos no longo prazo à custa do
com a bênção do Estado.
financiamento estatal, estavam perfeitamente encaixadas na economia de mercado. Assim, o Estado construiu essas empresas com base no endividamento interno e externo para depois entregá-las para as transnacionais quando o investimento já havia sido pago à custa dos cofres do próprio Estado.
A abertura do mercado financeiro nacional também foi outro importante golpe em favor do mercado mundial, entendido como o domínio dos bancos com sede nos países imperialistas. A facilitação da entrada e saída de milhões de dólares nas bolsas, a multiplicação dos papéis de curto prazo da dívida pública
A burguesia não tem nenhum problema
atrelados ao dólar e à aplicação de programas
com o “estatismo”. Muito pelo contrário, pode
de salvamento de bancos falidos como o Proer
criar empresas estatais de infra-estrutura ou
(Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
estatizar empresas falidas, assumindo prejuízos
Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional)
e dívidas, para depois devolvê-las saneadas à
– que consumiu à época do governo Fernando
mão invisível do mercado. O Estado, dessa
Henrique, segundo dados oficiais, pelo menos
forma, garante o seguro de vida da proprie-
2,5% do PIB –, a fusão e aquisição de bancos
dade privada.
brasileiros por estrangeiros como HSBS, ABN AMRO
As
inúmeras
facilidades
dadas
aos
consórcios nacionais e estrangeiros nos processos de privatização, desde empréstimos do BNDES, passando pela transferência das dívidas das ex-estatais para o próprio Estado, até a
Bank e Santander são um componente importante da desnacionalização da economia e a demonstração cabal do quanto o Estado brasileiro subsidia o capital financeiro, particularmente o capital bancário.
participação, como parte desses mesmos con-
Todas essas mudanças não se dão em
sórcios, dos fundos de pensão de outras
função do mercado interno ou em favor dos
empresas e bancos estatais, como a Petrobras
capitalistas dos países coloniais e semicoloniais.
e o Banco do Brasil, reforçam o que afirmamos
Não se trata de subsidiar prioritariamente o
anteriormente.
“capital nacional”, mas de dar cada vez mais
Por outro lado, a quebra das tarifas alfandegárias, a chamada abertura das importações e a concessão de subsídios para a construção de novas plantas das empresas transnacionais, particularmente da indústria automobilística no
garantias de remuneração e reprodução ao capital financeiro transnacional. O Estado nacional é cada vez mais um protetor da propriedade privada e dos negócios dos monopólios imperialistas.
Brasil, são outra face de uma forte intervenção
Os capitalistas brasileiros, se quiserem
estatal em favor do capital financeiro. A
sobreviver e continuar fazendo parte do jogo,
própria guerra fiscal entre os estados membros,
devem se associar às empresas transna-
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cionais que detém o monopólio dos seus
fechou o ano em R$ 93,505 bilhões (4,84% do PIB).
respectivos ramos de atividade. É o fim da
O valor é recorde histórico. Já a dívida líquida
utopia
desenvolvimento
do setor público encerrou o ano em 51,6% do
capitalista autóctone, do projeto nacional-
PIB e com outro recorde no seu valor nominal:
desenvolvimentista,
o
R$ 1,002 trilhão. Esse recorde se deve ao
imperialismo como uma tarefa da “burguesia
pagamento de juros, que somou R$ 157,1 bilhões
progressista” dos países coloniais e semi-
e gerou um déficit nominal de R$ 63,6 bilhões.8
reacionária
do da
ruptura
com
coloniais. O anúncio, no fim do ano passado, da fusão da Coteminas (Companhia de Tecidos Norte de Minas), de propriedade do “nacionalista” José Alencar, Vice-Presidente da República, com a Springs Global S.A. dos Estados Unidos, fala por si mesmo.
Estado máximo e dívida pública A intervenção estatal a serviço do capital financeiro tem na dívida pública um dos seus principais mecanismos. Sigamos ainda com o exemplo do Brasil.
Isso, porém, não é tudo. Segundo estimativas do CS First Boston (CSFB), o lucro conjunto dos três maiores bancos nacionais deve atingir R$ 12,5 bilhões em 2005: R$ 5,4 bilhões no Bradesco, R$ 5,3 bilhões no Itaú e R$ 1,86 bilhão no Unibanco. Só para comparar: em 2002, último ano de gestão Fernando Henrique Cardoso, a soma dos lucros das três instituições financeiras atingiu R$ 5,4 bilhões. Em termos nominais, o aumento do lucro líquido dos três maiores bancos brasileiros em 2005 poderá chegar a mais de 130%, em relação
O governo Lula adiantou para o fim de 2005
a 2002, caso a estimativa do CSFB se confirme.
o pagamento de US$15,5 bilhões em dívidas com
Descontando-se a inflação de 24% no período,
o FMI (Fundo Monetário Internacional) que ven-
isso significa extraordinários 87% a mais
ceriam até o fim de... 2007! Para Maria Lúcia
de ganhos. 9
Fattorelli:
do Estado está subordinada à dívida pública. A
Para quem pensa que essa generosa
o pagamento da sacrossanta dívida pública ao
antecipação de US$15,5 bilhões ao FMI diminuiu a dívida pública, ledo engano. A política de juros – a taxa Selic encontra-se desde 18 de janeiro em 17,25%, até então, estava em 18% – inflou a dívida mobiliária em mais de R$ 140 bilhões no ano passado, valor recorde em termos nominais (sem considerar a inflação). O montante equivale a 22 programas BolsaFamília. No ano passado, o governo federal investiu R$ 6,4 bilhões no programa e atendeu a 8,7 milhões de famílias. 7 O superávit primário em 2005 ultrapassou a meta de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto) e 6 FATTORELLI, Maria Lucia Carneiro (da Coordenação da Campanha Jubileu Sul). Lula acelera endividamento caro e quita antecipadamente dívida bem mais barata, 13 de janeiro de 2006. Site do PSTU. 7 Dados da FSP, 24 de janeiro de 2006.
8
Todo a política fiscal, monetária e cambial
O Brasil ANTECIPOU e ACELEROU o endividamento em títulos da dívida externa ao custo de cerca de 10% ao ano em dólares, aumentou o endividamento “interno” ao custo real de 13% ao ano (sendo que os investidores externos ganharam 35%) e ANTECIPOU o pagamento das dívidas junto ao FMI, cujo custo era de apenas 4% ao ano.6
reforma da Previdência e a criação da chamada “Super Receita” com a unificação da arrecadação e fiscalização dos tributos e contribuições da União e da Previdência Social são medidas não menos importantes para honrar capital financeiro.
Estado mínimo para os trabalhadores Onde está, então, o Estado mínimo? Está relacionado ao desmonte dos serviços públicos e ao fim de conquistas sociais e trabalhistas asseguradas por leis e instituições, serviços e conquistas arrancadas pela luta da classe em cada país e pela força da revolução mundial durante o século XX. Desde o fim do século passado, o financiamento da saúde e educação públicas como um dever do Estado e direito gratuito de todo o povo vem sendo substituído por políticas 8 Dados de Eduardo Cucolo, da InvestNews (JB Online), 30 de janeiro de 2006. 9 Dados de Ronaldo Brasiliense, Congresso em Foco, 30 de janeiro de 2006.
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sociais compensatórias. O próprio nome dessas “novas” políticas sociais diz tudo: a Bolsa-Família, a Bolsa-Escola, o Renda Mínima são medidas que buscam “compensar” o desmonte do Estado burguês como provedor de políticas sociais, não passam, portanto, de esmolas de um Estado que “renunciou a estancar a fonte do pauperismo através de meios positivos”. 10 Saúde e educação perdem o status de serviços públicos estatais e são cada vez mais exploradas pela iniciativa privada por meio de concessões do Estado. O Estado não satisfeito em subsidiar hospitais, escolas e universidades privadas – o atual Prouni (Programa Universidade para Todos) não deixa nada a dever ao Proer –, aumenta esses subsídios
fundos de pensão. Não satisfeitos em extrair altas
a cada ano, desobriga-se em progressão geomé-
taxas de mais-valia, os capitalistas agora podem
trica do financiamento e manutenção da saúde
especular no cassino do mercado financeiro com
e educação públicas por meio dos fundos como
a aposentadoria da classe trabalhadora.
o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), de parcerias como fundações privadas e da transferência de parte do financiamento dos serviços públicos para os próprios trabalhadores, por intermédio da cobrança de serviços e taxas, como as famosas taxas das APMs (Associações de Pais e Mestres) nas escolas públicas. O Estado burguês não só renunciou a estancar a fonte do pauperismo por meio de meios positivos, como já o fazia no século XIX. Além disso, ele precisa carrear os recursos antes destinados para esse fim, recursos esses em grande medida oriundos da tributação sobre o salário, para o mercado financeiro. A reforma da Previdência não se trata somente de um ataque às conquistas sociais dos funcionários públicos, mas, acima de tudo, de
A reforma Trabalhista é um complemento indispensável à da Previdência. Para facilitar a elevação da taxa de mais-valia, é preciso quebrar as leis trabalhistas que garantam conquistas mínimas como licença maternidade, férias, 13º salário. Assim, o Estado, através de mudanças constitucionais e legais, intervém para ajudar a diminuir o custo da força de trabalho. O Estado burguês, nesse sentido, perde sua máscara de “proteção do social” e de aparelho administrativo sem conotação de classe. Desnuda-se, mais do que nunca, como máquina burocrática a serviço do capital financeiro e mostra, como poucas vezes na História, sua verdadeira face de protetor e provedor da propriedade privada.
Estado máximo, leis e instituições Segundo Kenichi Ohmae:
por bancos estatais, para os bancos privados e
Para John Maynard Keynes, (...) as leis que, em última instância, teriam de ser obedecidas eram leis que definiam as relações inevitáveis entre as atividades econômicas dentro de um Estado-Nação. (...) Nas palavras do presidente Nixon: “somos todos keynesianos agora”.
10 MARX, Karl. Glosa críticas marginais ao artigo. 1. ed.: Vorwarts, n. 63, 7 de agosto de 1844. Revista Práxis n. 5, Belo Horizonte, 1995.
Já não somos mais. Numa economia sem fronteiras, o aumento da demanda num país pode impulsionar a oferta – e, com ela, o nível de emprego – em outro. Ainda que o novo
transferir, num primeiro momento sob a forma de aposentadoria complementar, a poupança dos trabalhadores destinada à sua velhice, controlada
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aumento da oferta se desse dentro do país, seu efeito sobre os empregos fabris ou mesmo administrativos poderia ser desprezível, tendo em vista os recentes aumentos da produtividade possibilitados por computadores e robôs. Além disso, longe de aumentar automaticamente a oferta no país, taxas de juros mais baixas poderiam, com a mesma facilidade, impelir o capital sustentador da oferta para outros países onde os retornos prometidos parecessem mais atraentes. Por outro lado, taxas de juros mais elevadas, longe de reduzir a demanda ligada ao consumo, poderiam de fato aumentá-la – ao menos a curto prazo – por gerar o medo de que a inflação ressuscitada tornasse os produtos mais caros no futuro. Portanto, em questões de economia política, houve uma virada de mesa – como uma vingança. (...).11
A virada de mesa que houve é que as forças produtivas, de maneira cada vez mais vingativa, tendem a romper a camisa-de-força das fronteiras nacionais com o poder avassalador de um tsunami. Para esse conhecido estrategista do capital financeiro, a única saída para enfrentar esta contradição intrínseca ao modo de produção capitalista seria o fim do Estado-Nação e a ascensão dos Estados-Regiões. Em vez do fim das fronteiras nacionais para liberar as forças produtivas da prisão do Estado-Nação – tarefa impossível de ser realizada pelo imperialismo –, Ohmae defende a substituição dos atuais Estados-Nações por feudos capitalistas, ou seja, autênticos enclaves das transnacionais ao redor das grandes metrópoles. Esse projeto, se aplicado, representaria um absurdo retrocesso histórico para a humanidade, pois criaria ilhas de prosperidade cercadas por um oceano de miséria, estabelecendo entre umas e outro não somente um abismo social – como o já existente, por exemplo, entre as diferentes regiões do Brasil –, mas novas fronteiras político-jurídicas. Independente da política que proponha esse cavaleiro do Apocalipse, há um elementochave na sua análise que desnuda a nova relação, estabelecida pela burguesia no fim do século XX, dos Estados-Nações com a economia. Quando Ohmae fala que, para Keynes, “as leis que, em última instância, teriam de ser obe-
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ILAESE
decidas eram leis que definiam as relações inevitáveis entre as atividades econômicas dentro de um Estado-Nação” e que “já não somos mais keynesianos”, ele não está propondo que o Estado não intervenha mais na economia, ou defendendo – o que seria absurdo para um respeitado estrategista da burguesia – o fim do Estado em geral, mas levantando um problema que já está sendo resolvido com o estabelecimento de um novo paradigma na relação entre superestrutura estatal e estrutura econômica da sociedade capitalista. Para a burguesia, não se trata do Estado voltar a cumprir simplesmente suas funções originais relacionadas à garantia da ordem pública e do fisco, deixando de intervir na economia. Sua arrecadação tributária tampouco estará voltada fundamentalmente para o sustento do aparato burocrático, das forças armadas ou mesmo da guerra. Como explicamos antes: o Estado intervém cada vez mais na economia como provedor de subsídios e incentivos fiscais para a grande indústria, agroindústria e comércio, bem como para remunerar o capital financeiro por meio da dívida pública. No entanto, isso não se dá mais somente ou fundamentalmente por meio da política econômica dos governos de turno. Vivemos, nos últimos 25 anos, na verdade, sucessivas reformas constitucionais que levaram a importantes mudanças institucionais que garantem atualmente a intervenção Estatal a serviço do capital financeiro transnacional mediante mecanismos automáticos, “técnicos”, mecanismos esses reconhecidos como cláusulas pétrias do chamado Estado Democrático de Direito. Há novas leis que definem as relações inevitáveis entre as atividades econômicas não somente dentro de um Estado-Nação, mas, fundamentalmente, deste com o mercado mundial em benefício dos monopólios privados com sede nos países imperialistas. A independência do Banco Central, o superávit primário, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a Desvinculação das Receitas da União (DRU), a nova Lei de Falências, as reformas da Previdência e Fiscal e, como parte destas, a
11 OHMAE, Kenichi. O fim do estado-nação. Tradução Ivo Korytowsky. Rio de Janeiro: Campus; São Paulo: Publifolha, 1999. p. 35, 36. Os grifos são nossos.
10
fusão da Secretaria da Receita Federal (SRF) com a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) no
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DE
DEBATES
Brasil são expedientes de um esforço gigantesco da burguesia para elevar ao patamar de leis constitucionais e sólidas instituições – que jamais poderão ser desobedecidas e deverão ser zeladas pelos governos de turno – a garantia da mais absoluta remuneração do capital financeiro transnacional.
Estado máximo e democracia burguesa
ILAESE
mas “a constituição mesma”. Mas o sustentáculo da constituição é a constituição das constituições, a constituição real, primária!.13
Assim, quanto mais a constituição política é a constituição da propriedade privada, mais independente é o Estado em relação à sociedade, ou seja, mais o Estado assume o caráter de uma entidade autônoma situada acima da sociedade.
A margem de manobra dos governos de
A independência política do Estado (a auto-
turno e de sua política econômica passa, por-
nomia do poder estatal) é a essência do Estado
tanto, a ser mínima, esdrúxula, insignificante.
burguês que, apesar de nascer da propriedade
Não se trata mais simplesmente de cumprir ou
privada, mantém e aprofunda sua independên-
não as determinações e metas do FMI, mas de
cia como superestrutura política. Ou seja, preserva
obedecer novas leis e o novo arcabouço
sua substância, a propriedade privada mesma,
institucional do próprio Estado-Nação, à medida
à medida que se manifesta como abstração
que as linhas gerais das prioridades do impe-
universal, representante de toda sociedade, colo-
rialismo para remunerar o capital financeiro
cando-se acima dela. Quanto mais concreta é a
foram elevadas a leis aprovadas pelos parla-
proteção da propriedade privada pelo Estado,
mentos dos países coloniais, semicoloniais e
mais abstrata, irracional e desumana é a autono-
mesmo centrais, ainda que com suas matizes e
mia do poder estatal. Neste marco, se as eleições
a manutenção de sua hierarquia.
e o sufrágio universal já eram uma fraude implí-
Assim, os governos de turno não dirigem mais a política econômica, não há mais espaço para planos econômicos heterodoxos, mas apenas
para
adaptações
superficiais
e
pequenos matizes nos novos marcos da relação entre Estado burguês e economia. Aqui, torna-se explícita a fraude da democracia burguesa. O Estado é cada vez
cita, agora não há como esconder sua verdadeira natureza. Diz o nosso cavaleiro do Apocalipse: Pelas regras da lógica eleitoral e da expectativa popular, eles (os Estados-Nações) precisam sempre sacrificar os benefícios gerais (leia-se: do capital financeiro), indiretos e de longo prazo em favor de resultados imediatos, tangíveis e focalizados. Eles são reféns voluntários do passado, porque o futuro é um eleitorado que não enche a urna de votos.14
mais uma abstração em relação ao conjunto
A colocação do problema já traz em si a
da nação. O Estado burguês como representa-
sua solução. Mudemos então a lógica eleitoral:
ção superestrutural da ditadura do capital sobre
“os resultados imediatos, tangíveis e focalizados”
o trabalho, como abstração político-institu-
se resumirão exatamente a isto: a sua efeme-
cional da propriedade privada que, no atual
ridade. E não mais interferirão ou impedirão os
estágio do capitalismo-imperialista, assume a
“benefícios gerais, indiretos e de longo prazo”.
forma monstruosa do capital financeiro transnacional, está nu. Segundo Marx: A constituição política em seu ponto culminante é, portanto, a constituição da propriedade privada. A mais alta disposição política é a disposição da propriedade privada.12 Se, portanto, a “propriedade privada independente”, no Estado político, no Poder Legislativo, tem o significado da independência política, ela é, então, a independência política do Estado. A “propriedade privada independente” ou a “propriedade privada real” não é, pois, apenas o “sustentáculo da constituição”, 12 MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel, 1843. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 114, 115.
A burguesia descobriu até que, com base nessa mudança de paradigma, não precisa se valer por toda parte e sempre de golpes militarpoliciais para garantir a segurança da propriedade privada e a remuneração ao capital financeiro. Podem até mesmo cair governos, ensinanos Marta Lagos, tomando como exemplo a América Latina: A democracia trouxe a incorporação de 13 Idem, p. 122, 123. 14 OHMAE, Kenichi. O fim do estado-nação. Tradução Ivo Korytowsky. Rio de Janeiro: Campus, São Paulo: Publifolha, 1999. p. 36. Os itálicos entre parêntesis são nossos.
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DEBATES
ILAESE
massas que haviam sido excluídas do sistema. A crise que vemos agora é a conseqüência da maneira como está sendo feita essa inclusão. Não creio que seja possível evitar conflitos nesse processo. Não é uma reforma suave, pois o tema é terrivelmente duro. Em outras partes do mundo, isso poderia gerar revoluções, aqui não. Aqui, os governos caem. E eu prefiro a queda de um governo do que uma revolução 15.
margem para rupturas parciais: o desenvolvi-
Isto é assim porque, como já explicamos, se
esquerda reformista é também cada vez mais
tirou dos governos de turno o poder sobre a política econômica, transformando-a numa função técnico-administrativa, portanto automática, do aparato Estatal. Desta forma, mesmo golpes militar-policiais e ocupações imperialistas estão de uma vez por todas e para sempre justificados para garantir eleições “livres” e o respeito à Constituição, como vimos recentemente no Iraque. Há cada vez menos diferença entre aparência e essência: democracia burguesa e ditadura do capital são cada vez mais sinônimas.
E depois do começo... O que vier vai começar a ser o fim16 Não é, portanto, nenhum problema mortal para o imperialismo que a esquerda reformista chegue ao poder, na medida em que ela aceitou fazer parte do novo espetáculo farsesco do circo da democracia burguesa. Não há mais 15 LAGOS, Marta (diretora da Latinobarómetro). É preciso ensinar as novas elites latinas a governar. Entrevista da 2ª, Folha de S. Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2005. 16 RUSSO, Renato. Depois do começo In: Que país é este. 1978. Disco.
mento autóctone do mercado interno e a defesa da soberania nacional são impossíveis sem que isso desemboque na ruptura com o próprio Estado burguês, suas leis e instituições. A luta contra a burguesia e seu Estado-Nação confunde-se com a luta contra o imperialismo. Ao se adaptar e aceitar o novo esquema do poder estatal, a pró-imperialista. Nesse marco, a via eleitoral, como estratégia permanente, a radicalização da democracia mediante mecanismos como o Orçamento Participativo, a conquista do governo de turno e mesmo de uma maioria parlamentar pela esquerda reformista demonstram completamente a sua ineficácia e não passam, portanto, de uma utopia reacionária. O Estado máximo para o capital financeiro representa de maneira explícita a farsa da democracia burguesa, obrigando novamente o proletariado a buscar a via da revolução socialista. Não há outra saída possível. As condições objetivas para que se cumpra a célebre profecia de Marx estão dadas: A história é sólida e atravessa muitos estados ao conduzir uma formação antiga ao sepulcro. A última fase de uma formação históricomundana é a comédia. (...) Por que a história assume tal curso? A fim de que a humanidade se afaste alegremente de seu passado.17 17 MARX, Karl. Introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel, 1844. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 148, 149.
Bibliografia BRASILIENSE, Ronaldo. Congresso em foco, 30 de janeiro de 2006.
LÊNIN, V. I. Imperialismo, fase superior do capitalismo. 6. ed. São Paulo: Global 1991.
CUCOLO, Eduardo, InvestNews (JB Online), 30 de janeiro de 2006.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel 1843. São Paulo: Boitempo 2005.
ESCRITÓRIO Nacional de Estatística da China, janeiro de 2006.
– Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel 1844, Boi Tempo Editorial, São Paulo, 2005.
FATTORELLI, Maria Lucia Carneiro (da Coordenação da Campanha Jubileu Sul) Lula acelera endividamento caro e quita antecipadamente dívida bem mais barata, 13 de janeiro de 2006. Site do PSTU FOLHA DE S. PAULO, 25 de abril de 2005; 24 de janeiro de 2006; 27 de janeiro de 2006. HERNÁNDEZ, Martín. O veredicto da história (Introdução) In: TROTSKY, Leon. A revolução traída. São Paulo: Ed. José Luís e Rosa Sundermann, 2005. 286 p.
12
______. Glosas críticas marginais ao artigo. 1. ed. Vorwarts, n. 63, 7 de agosto de 1844. Revista Práxis n. 5, Belo Horizonte, 1995. OHMAE, Kenich. O fim do estado-nação. Tradução Ivo Korytowsky. Rio de Janeiro: Campus; São Paulo: Publifolha, 1999. RUSSO, Renato. Depois do começo.In: Que país é este. 1978. Disco
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DEBATES
ILAESE
As Reformas Neoliberais na Educação Impactos da mundialização da economia nos sistemas educativos Edgard Fernandes Neto, Vice-Presidente da APEOESP – Sindicato Estadual e membro da Oposição Alternativa
A
A partir da década de 1980, constata-se um
significativo avanço na aplicação de reformas educacionais neoliberais nos países dependentes e semicoloniais. Na América Latina e, em particular, no Brasil, essas políticas foram adotadas à medida que se intensifica o processo de globalização da economia, com uma maior integração das economias nacionais gerando mudanças estruturais. Nesse sentido, a mundialização da economia exerce profundo impacto na educação das seguintes maneiras:
mais instruída, pois é de vital importância possuir um sistema educacional bem estruturado e trabalhadores mais qualificados para atrair capitais globalizados que, por sua vez, influenciam para restringir a intervenção do setor público no setor de serviços para pagar as dívidas públicas. c) Com a maior qualificação dos sistemas educacionais desenvolvidos, dependentes e semicoloniais, ocorre uma comparação do desempenho desses sistemas, por meio de testes e aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação, como por exemplo: o PISA da OCDE. Esses testes são baseados nas disciplinas científicas, matemática, língua (inglês) e tecnologias de comunicação. Tais dados são utilizados como parâmetros de
a) Há uma profunda transformação no
avaliação do desempenho dos gestores da
mundo do trabalho, à medida que a
educação e dos professores, e conseqüen-
mundialização incide com profundo impac-
temente dos respectivos sistemas de edu-
to sobre a organização do trabalho e a
cação nacionais. Na corrida desenfreada
atividade profissional. A progressão e diver-
pela competitividade das escolas e dis-
sificação da demanda, associado às novas
tribuição dos recursos de acordo com a
tecnologias, abrange os produtos provo-
mesma, Tony Blair, primeiro-ministro da
cando maior qualificação na sua produ-
Inglaterra, em sua primeira gestão instituiu
ção. Por essa razão, o trabalho organiza-se
o sistema nacional de avaliação e deter-
em torno da noção de flexibilidade, deter-
minou o fechamento de cem escolas
minando a polivalência na formação e ex-
públicas por estarem abaixo do desem-
periência profissional e elevando o nível
penho. Nos Estados Unidos da América,
médio de instrução da população econo-
várias unidades federativas, como o estado
micamente ativa, assim como o retorno à
do Texas, tendo por base os resultados do
escola para adquirir novas competências.
sistema de avaliação, distribuem mais ou
b) As novas exigências para as economias
menos recursos para as escolas.
nacionais determinam que os governos
d) A maior integração das redes de infor-
ampliem os investimentos na educação pa-
mação significa a transformação da cultura
ra se dotarem de uma população ativa,
planetária, isto é, a padronização da
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DE
DEBATES
ILAESE
cultura, levando a conflitos de numerosas
terais (BIRD, BID, UNESCO e FMI) para os sistemas
categorias sociais que questionam os
educativos dos países semicoloniais e depen-
valores da nova cultura, influenciando os
dentes ou em desenvolvimento.
sistemas educativos nacionais.
As diretrizes neoliberais para a educação Esse processo, materializado na aplicação
As políticas educacionais neoliberais, expressas em centenas de projetos de reformas dos sistemas educacionais, partem basicamente de duas premissas:
de planos de ajuste neoliberais, inspirados pelos
1 - Adoção de programas sociais em espe-
teóricos Frederich Rhick (O Caminho da Servidão)
cial a educação, para compensar os efeitos
e Milton Fridman (Capitalismo e Liberdade) e
da globalização econômica e a reestru-
pelo Consenso de Washington, propõe reformas
turação produtiva, tendo como alvo setores
como desregulamentação dos mer cados,
marginalizados socialmente; e adequação
abertura comercial e financeira, redução no
do sistema educativo às transformações.
tamanho e no papel do Estado, disciplina fiscal,
2 - No contexto dos planos de ajuste neo-
priorização dos gastos públicos, reforma do
liberal, as reformas educacionais são urgen-
sistema da Previdência, reforma do sistema educacional, flexibilização do mer ca do de trabalho, etc. Para implementá-los, o G-7 possui duas organizações financeiras internacionais –
tes e devem estar subordinadas a elas, tendo como referência a relação custo–benefício. Os financiamentos dos Organismos Multilaterais possuem a perspectiva de influir sobre
o FMI e o Banco Mundial –, que se esforçam pa-
as mudanças nas despesas e nas políticas
ra ampliar o projeto neoliberal, a serviço do
das autoridades nacionais.
imperialismo. É nesse marco que os organismos multilaterais internacionais produzem políticas educacionais e financiam reformas nos sistemas de Ensino de todo o mundo para colocá-los em sintonia com as novas necessidades da economia capitalista. Essas transformações estruturais na educação têm como objetivo acabar, o mais rápido possível, com a universalidade, gratuidade e obrigatoriedade da educação pública e estatal, substituindo-a pela fragmentação do sistema educacional com a municipalização, as cooperativas, o ensino a distância etc., e pela elitização e privatização do ensino superior. Dessa forma, desde o documento de estudo do Banco Mundial, elaborado em 1985, Educação na África Sub-Saarina, que avaliou a educação de 39 países, passando pelo documento de referência da Conferência Mundial sobre Educação para todos (março de 1990, pela Declaração Mundial de Educação para Todos, assinada por 155 países, 20 organizações intergovernamentais e 150 ONGs, até o documento de 1995 – Prioridades e Estratégias para Educação: estudo setorial do Banco Mundial – e a Conferência de Dakar), não houve mudanças nas diretrizes essenciais dos organismos multila-
14
Tais premissas estão calcadas nos principais problemas que atingem os sistemas educativos nos países em desenvolvimento que estão assim resumidos no documento de análise do Banco Mundial – 2002: Melhorar o acesso, a eqüidade e a qualidade implica em mudanças no financiamento e na gestão do sistema educativo de um país. A despesa pública com a educação é freqüentemente ineficiente e injusta. A cada dia, as despesas públicas em educação tornam-se mais difíceis de financiar. Da mesma forma, a maior parte dos sistemas educativos é diretamente dirigido pelos governos federais ou estatais, que dedicam a maior parte de seus esforços para tratar de assuntos tais como negociação sobre os salários dos professores, programas de construções escolares e reformas curriculares. Este tipo de gestão centralizada deixa pouco espaço para a tomada de decisões flexíveis sobre os insumos tradicionais e as condições de aprendizagem que conduzem a um aprendizado mais efetivo na sala de aula. O diagnóstico dos organismos multinacionais internacionais parte das exigências dos centros de decisões econômicas: os compromissos com a dívida externa exigem desobrigar o Estado dos
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DEBATES
ILAESE
gastos com a educação, saúde e habitação.
te dando maior poder de decisão para o diretor
Nesse sentido, as principais diretrizes neoliberais
e a comunidade, incentivando a maior partici-
para a educação são:
pação dos pais e alunos, o que, segundo eles,
a) Incentivar a participação do setor privado na educação Esta diretriz tem como centro buscar fontes alternativas de financiamento da educação pública em todos os níveis, de maneira a permitir a ingerência do capital privado na educação. O Banco Mundial e o BID recomendam o estímulo de parcerias, cooperativas, empresas e comunidade para contribuírem com a redução
facilita o desempenho da escola, onde a comunidade pode colaborar financeiramente para a sustentação da infra-estrutura escolar, com critérios de seleção da escola e maior envolvimento nas decisões da gestão escolar. d) Priorizar a educação fundamental Segundo o Banco Mundial, o ensino fundamental produz uma população alfabetizada e com conhecimentos básicos de aritmética ca-
dos custos da educação. Isto representa dar passos significativos para privatizar a educação pública, a exemplo do que ocorreu com o sistema educacional chileno. b) Descentralização política, financeira, admi nistrativa
e
maior
controle
ideológico Em sintonia com a reforma do Estado, um dos principais receituários do Consenso de Washington, o Banco Mundial, propõe a redução das funções do Estado em relação à educação, considerando que o ensino é responsabilidade do Estado e de toda a socie-
paz de resolver problemas no lar e no trabalho,
dade. Por essa razão, indica a divisão das res-
servindo de base para posterior educação. Em
ponsabilidades em esferas estatais por meio da
outras palavras, a educação básica propor-
municipalização da educação.
ciona o conhecimento, as habilidades e as
Como centro da reforma educativa, a exemplo de Chile, Argentina e Brasil, as diretrizes
atitudes essenciais para funcionar de maneira efetiva na sociedade.
promoveram a reestruturação da educação (mi-
Por isso, propõe que as reformas dos siste-
nistérios, secretarias), eliminando os organismos
mas escolares estabeleçam como prioridade o
intermediários e enxugando a máquina adminis-
ensino básico e concentrem os recursos públicos
trativa, demitindo os funcionários públicos e
nesse nível de ensino. Isso porque, compara-
professores. Há uma descentralização das de-
tivamente, é o responsável pelos maiores bene-
cisões políticas e administrativas sob a base de
fícios sociais e econômicos e considerados funda-
maior controle ideológico do Estado.
mentais para um desenvolvimento sustentável.
c) Gestão participativa O Banco Mundial, o BID e a Declaração Mun-
e) Alocação de recursos adicionais para a educação fundamental
dial de Educação para Todos aconselham, como
Coerente com a proposta de prioridade no
parte da descentralização política e financeira,
ensino fundamental, o plano neoliberal parte do
promover a gestão participativa, aparentemen-
diagnóstico de que a distribuição da despesa
15
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
educativa é desigual e injusta. Por isso, propõe
tão subordinados à globalização da economia
uma redefinição do papel do Estado em relação
e à reestruturação produtiva. Para tanto, está no
à educação, prioridade da despesa pública, e
marco da reforma do Estado e na redução das
uma participação das famílias e comunidades nos
despesas para com os serviços públicos.
custos da educação.
Por isso, o Banco Mundial não recomenda o
Além disso, propõe maior alocação de re-
aumento de verbas e o investimento articulado
cursos financeiros para o ensino fundamental em
para todos os níveis de ensino. Ao contrário, pro-
detrimento do ensino médio e ensino superior, que
põe a redução de verbas e a alocação de mai-
sofrem como conseqüência de uma redução
ores recursos para o ensino fundamental aliado
drástica de verbas.
à estratégia subordinada ao custo–benefício.
f) Melhorar a qualidade da educação O centro das reformas educacionais deve ter como meta a universalização do ensino básico e a eqüidade. Entretanto, o desafio é melhorar a qualidade da educação. A qualidade materializa-se no rendimento escolar, nos resultados e na redução dos índices de evasão e repetências. Assim, por qualidade de ensino, o Banco Mundial entende que responde às necessidades de um mercado em processo de transformação, diretamente vinculado à produtividade. Para tanto, indica investimentos em determinados insumos que intervêm na escolaridade como: avaliação do desempenho da escola e do professor, alocação de recursos para livros didáticos, formação do professor em serviço, ensino a distância, incrementar o número de alunos por sala, aumentar proporcionalmente o número de alunos para cada professor, investimento na merenda escolar. Essas estratégias estão vinculadas a um projeto global de reforma educacional que representa um plano neoliberal para a educação. É parte dos planos de ajustes neoliberais que es-
Assim, propõe investir na capacitação profissional e não na formação inicial, nos livros didáticos e não nos demais insumos, como melhores salários para os professores; na merenda escolar em vez do almoço, etc., o que representa um barateamento de custos. Verificamos que, como na economia, há um avanço na aplicação dos planos de ajustes neoliberais na educação, em curso desde a Conferência Mundial de Educação para Todos, quando 155 países se comprometeram aplicar reformas educativas com a denominação de Planos Decenais de Educação para Todos. Alguns países estão em estágios mais avançados na aplicação desses planos, como Chile, México, Argentina e agora Brasil, após a era FHC que implementou à risca essa reforma. As conseqüências são nocivas para os trabalhadores. São milhares e milhões de jovens e adultos excluídos da educação e o sucateamento e privatização do ensino médio e superior (como o Pro-Uni), projeto do governo Lula.
Os Desafios da Educação Nacional: é necessário superar a crise estrutural do sistema educacional No início do século XXI, o sistema educacional brasileiro atravessa uma crise estrutural e crônica num contexto rico, e acelerado avanço do conhecimento técnico e científico. A deco d i f icação do genoma humano expressa a revolução genética; a biologia nuclear, a biotecnologia,
os
saltos
espetaculares da microeletrônica,
a
telemática,
a
robótica e a informática que revolucionam a relação hu-
16
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
mana com a natureza e transformam radical-
no número de matrículas na educação funda-
mente o processo produtivo.
mental. Constata-se que a educação infantil
Nesse marco, também se agudiza a crise econômica e social com o aumento do desemprego estrutural e a miséria que atinge 54 milhões de brasileiros, fazendo a crise educacional ter diversas facetas. Assim, há um consenso entre empresários e governo de que a escola atual será descompassada com as transformações do mundo do trabalho. Após oito anos de zaplicação do plano de ajuste neoliberal, de FHC, e três anos de governo Lula, na educação, o balanço é que os resultados são nefastos. Neste sentido, a publicação
apresentou maior taxa de crescimento em relação a 2004: 7,9%, passando de 6,4 milhões de alunos em 2004 para 6,9 milhões em 2004. Na creche, o aumento foi 8,9%, e na pré-escola, de 7,7%. O ensino médio, embora apresentando uma faixa inferior a 2003, teve um crescimento de 1%, que corresponde a 8.056.000 de matrículas. Enquanto na Educação de Jovens e Adultos – EJA, o ensino médio teve um aumento de 18% equivalente a 1,2 milhão de estudantes. No total são 4,6 milhões de matrículas na educação de jovens e adultos.
de dados do documento “Geografia e Edu-
O relatório do INEP, feito pelo governo FHC,
cação Brasileira”, em março de 2003, e o Censo
divulgado em março de 2003, mostra a geogra-
– 2004, pelo INEP, demonstram de forma
fia da educação brasileira até 2001. Esse pano-
irrefutável que essa política promoveu a exclusão
rama da educação demonstra a calamidade
de milhões de crianças e jovens do sistema
do ensino. De cada cem alunos matriculados
educativo nacional.
no ensino fundamental, 41 deixam a escola sem
O colapso do ensino básico
completá-la. Os que conseguem se formar gastam em média 10,2 anos. A relação entre alunos
As demandas da educação básica são in-
que iniciam e terminam o curso é melhor no en-
comensuráveis, segundo o IBGE, temos uma po-
sino médio. De cada cem que ingressam, 74 con-
pulação de 182 milhões de habitantes, que tem
cluem em média após 3,7 anos. Do total de
3 anos de idade, 9 milhões são crianças de 4 a 5
matriculados na 1ª série do ensino fundamental,
anos, 31,5 milhões estão entre 6 e 14 anos, e 119
apenas 40% concluem o ensino médio.
milhões tem idade igual ou superior a 18 anos.
Este estudo demonstra que os alunos pas-
O resultado do Censo escolar, de 2004 de-
savam 4,3 horas por dia em sala de aula e seus
monstra que existem 55.027.804 matrículas na
professores recebiam em média R$ 530,00 men-
educação básica, das quais 88% (48.122.307) es-
sais, e quase a metade deles (46,7%) tem for-
tão matriculados em escolas públicas, sendo,
mação de nível médio. Aponta que 21,7 dos
desse total, 844.282 nas creches; 4.070.781 na pré-
estudantes de ensino fundamental repetiram
escola; 30.683.857 no ensino fundamental;
de série em 2000 e que 39% dos alunos matri-
8.056.000 no ensino médio e profissional; 136.770
culados no ensino fundamental não tinham
na educação especial; e 4.330.617 na educação
idade adequada à série que cursavam. No
de jovens e adultos.
ensino médio, esse número chega a 53,3% dos
Atuam na educação básica cerca de 2,5 milhões de profissionais na educação. Se considerarmos os funcionários de apoio, esse número é bem maior. A maioria dos professores está no ensino fundamental e, nas turmas de 5ª a 8ª séries, são 835.386 profissionais. Nas turmas de 1ª a 4ª séries, atuam 822.671 docentes e no ensino médio 497.994 profissionais.
estudantes. Ao contrário do que foi cantado e decantado pelo governo FHC, e agora no governo Lula, e educação permanece em uma profunda crise. Continuam elevadas as taxas de evasão e repetência, isto é, o ensino brasileiro é um funil. Temos uma pesada herança de descaso e sucateamento da educação. Em 2002, a taxa
O Censo mostra que há 20 milhões de anal-
de repetência no ensino fundamental foi de 11%;
fabetos totais e cerca de 70 milhões de brasileiros
em 2003, 11,8%. No ensino médio, em 2002, foi
que não possuem o ensino fundamental comple-
de 7,4% e, em 2003, 8,2%. Os dados indicam que
to. Da mesma forma, existe uma queda de 1,2%
há crescimento das taxas de repetência escolar
17
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
e queda no desempenho dos alunos nos testes
programas sociais, inclusive o “Fome Zero”, tam-
do SAEB. Ao mesmo tempo, segundo dados do
bém sofreram cortes nos recursos.
INEP, 53% do total da população brasileira não conseguem ler e escrever plenamente. A quase universalização do ensino fundamental não esconde a discriminação e a exclusão que a s crianças e os jovens sofrem na educação escolar.
Em relação ao custo/aluno e à qualidade, Lula baixou o Decreto Lei que estabeleceu os valores mínimos do Fundef para 2005: R$ 620,56 (de 1ª a 4ª séries) e R$ 651,59 (de 5ª a 8ª séries). Caso aplicasse o Art. 6° da Lei n° 9.424, o repasse seria de R$ 1.033,80 (de 1ª a 4ª séries) e R$ 1.070,50
A política educacional do governo Lula está subordinada às diretrizes do Banco Mundial e do FMI
(de 5ª a 8ª séries), significando a continuidade da política de FHC, isto é, repete a mesma metodologia que é o desrespeito ao Art. 6° da Lei n° 9.424.
As mudanças na educação sempre estiveram subordinadas às transformações na economia. Toda a reforma educacional de FHC/Paulo
O governo Lula aprofunda a ofensiva neoliberal na educação
Renato foi aplicada a serviço do Banco Mundial
A política educacional do governo Lula é
e do FMI, e da inserção a transformações da eco-
uma continuação do plano de ajuste neoliberal
nomia mundial.
aplicado por FHC durante oito anos. Obedece à
O governo Lula, um governo de Frente Popular, já no período pré-eleitoral assumiu publicamente que, se eleito, cumpriria os acordos com o FMI mediante manifesto ao povo brasileiro. Após quase três anos de governo, a política econômica da frente popular mantém as mesmas diretrizes da política econômica do governo de FHC, em sintonia com os organismos multilaterais; para garantir o pagamento da dívida externa e interna, exacerba a política de ajuste fiscal e de juros escorchantes.
gem de manobra e de fazer concessões para o movimento de massa, a não ser a adoção de programas compensatórios para parcela da população miserável. Como conseqüência, eno
processo
de
reforma
da
Previdência, foi aprovado no Congresso, que tirou
direitos
dos
servidores
públicos
nal às leis do mercado e às transformações da economia brasileira e à globalização econômica. Isso significa que a tônica é o predomínio da aplicação das diretrizes educacionais do BID e do Banco Mundial expressas no PNE e na Legislação educacional vigente. O programa na área da educação do PT, divulgado no período pré-eleitoral, tem os seguintes eixos: a) Valorização profissional: piso salarial nacional e avaliação desempenho;
Nesse sentido, o governo tem pouca mar-
frentamos
lógica de adequar o sistema educativo nacio-
e
aprofundou a política de privatização da Seguridade Social que FHC não foi capaz de aplicar. Além disso, provocou uma corrida dos profissionais em educação, tanto no ensino
b) Regime de colaboração e gestão democrática: instituir o Sistema Nacional de Educação, implantação do Conselho Nacional de Educação, criar o Fórum Nacional de Educação; c) Ensino fundamental: expansão do programa Bolsa-Escola articulado ao Programa Nacional Renda Mínima; d) Educação profissional: revisão da estrutura do ensino médio e profissional estabelecido pelo Decreto n° 2.208/97 com o envio de
superior como no ensino básico, por pedidos
um Projeto de Lei ao Congresso;
de aposentadoria. A opção do governo de
e) Ensino superior: promover a autonomia
Frente Popular em se subordinar aos ditames
universitária nos termos constitucionais;
do FMI teve reflexo nos cortes dos orçamentos
ampliar a oferta de vagas conforme me-
de 2003, 2004 e 2005, para garantir o superávit
tas do PNE; implantação de uma rede
primário. A educação sofreu redução de
nacional de ensino a distância; implantar
recursos de 432 milhões de reais, em 2003, e,
novo programa social de apoio ao estu-
em 2004, 627 milhões de reais. Todos os
dante, com crédito educativo para 396 mil
18
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
estudantes; criar um programa de bolsas
educação de 1,6 bilhão no orçamento de 2006.
universitárias para atender 180 mil estu-
Por isso, não ocorrera aumento de recursos,
dantes e legislar as Fundações de Apoio
mesmo se derrubado o veto de 7% do PIB no
Institucional criada nas IES públicas;
PNE, pois estava indicado como meta até o fim
f) Financiamento: instituir o Fundeb em su-
da década, fato que não ocorrerá.
bstituição ao Fundef, aplicação de 6% do PIB na educação até o fim da década e rever os vetos do PNE que são relativos aos recursos.
Em 14 de junho de 2005, em meio à profunda crise política do governo e do Congresso, Lula enviou uma PEC e um Projeto de Lei do Fundeb ao Congresso. O Fundo de Manutenção
Entre o que se propagandizou na cam-
e Desenvolvimento da Educação Básica e de
panha eleitoral e que o governo Lula aplica
Valorização da Educação abrange toda a edu-
efetivamente via MEC, confirma a nossa
cação básica e as respectivas modalidades.
caracterização. Essa política educacional repre-
Vincula 60% dos recursos para pagamento de
senta um aprofundamento do plano neoliberal
salário dos professores. Na composição finan-
na educação.
ceira, indica a adoção de 20% de todos os im-
Há uma acentuada ênfase na política de focalização social na educação. Apresenta como metas: erradicar o analfabetismo, via propaganda “analfabetismo zero”, dobrar a oferta de vagas nas universidades federais, por meio do ensino a distância, e expandir a oferta de vagas no ensino superior por intermédio de bolsas. Junto com isso, tem sistematicamente insistido na implantação da escola ideal e na construção da universidade de futuro, de forma genérica com exacerbada retórica.
postos estaduais e municipais a ser atingida de forma gradual até 2009. Também o projeto prevê uma complementação de recursos por parte da União de forma gradual, a saber: 1,9 bilhão em 2006; 3,5 bilhões em 2007; e 4,3 bilhões em 2008. Já em 2006 há dúvidas em relação à aplicação do Fundeb, em virtude do atraso de sua aprovação e de onde sairão os recursos adicionais que estão muito aquém do necessário para superar a crise da educação básica. É ne-
Considerando o programa de área da edu-
cessário aplicar 10% do PIB já, para atingir 15%.
cação do PT e as medidas do governo Lula/
Sem aumento de recursos não conseguiremos
Haddad, podemos constatar que não houve
universalizar a educação básica que, pelo pro-
rompimento com a lógica neoliberal. Toda a
jeto do Fundeb, só ocorrerá em 2010. Dessa for-
política educacional do governo de Frente Popular tem como referência a Legislação
Educacional
(LDB n° 9.394, EC 14) no PNE (Lei n° 10.712), que estão a serviço
da
reforma
do
Estado e dos ditames do Banco Mundial e do FMI. No tocante ao financiamento da educação, o corte de 432 milhões da educação, em 2003, e 627 milhões de reais, em 2004, determina o financiamento para a educação. Nesse sentido, a equipe econômica do governo Lula anunciou que haverá corte na
19
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
ma, a política de fundos “nova idéia” para an-
vância de nossa luta na educação. Nas esferas
tigos problemas não superará a crise estrutural
municipais e estaduais administradas pelo PT,
do sistema educativo brasileiro, apenas cum-
não há significativos avanços. No programa,
prirá o papel de maquiar a realidade e apro-
essa temática também é tratada de forma ge-
fundar a terceirização e a municipalização da
nérica. Com a experiência da administração
educação. Por essa razão, o projeto do Fundeb
petista, a política do governo Lula limita-se ao
está distante de superar a crise estrutural na edu-
que está na legislação educacional, a legisla-
cação básica.
ção federal (Constituição de 1988 e LDB) trans-
Além disso, não prevê a reversão da municipalização do ensino fundamental. O PT é a favor da municipalização do ensino fundamental, sendo contrário à forma como foi instituída. Nessa medida, enviou um Projeto de Lei para que os estados e municípios ampliassem o ensino fundamental para nove anos, absorvendo a demanda de 6 anos de idade; projeto que já foi aprovado pelo Congresso. Ao mesmo tempo, face ao processo eleitoral e o desgaste do governo Lula, em razão dos escândalos de corrupção do PT e seu governo, há um recuo do presidente Lula em relação à redu-
fere para o sistema de ensino a definição das normas da gestão democrática. Lutamos para conquistar a autonomia universitária de fato; eleição direta para diretor nas escolas de ensino básico; por um Conselho Nacional da Educação deliberativo e sem empresários de ensino. Enfim, lutamos para conquistar a democracia no chão da escola. A política educacional do governo Lula/ Haddad não superou a crise crônica que atravessa a educação nacional. Ao contrário, aprofundou o processo de privatização e terceirização do ensino básico e superior.
ção dos recursos anunciados e a retirada da ex-
O programa Alfabetização Solidária, com
clusão da creche e da educação especial do
apoio em parcerias e no voluntariado, não
projeto do Fundeb.
erradicou o analfabetismo, Associado à fo-
A política de financiamento de Lula/ Haddad não modifica a política de FHC/Paulo Renato. Alocam recursos públicos para o ensino privado por meio de crédito educativo e
calização de políticas compensatórias, representa uma maquiagem do plano neoliberal que visa desresponsabilizar o Estado e submissão às diretrizes do Banco Mundial e do FMI.
bolsas de estudo, e continuará drenando re-
A educação universalizada e de qualida-
cursos para os conglomerados do ensino por
de é uma luta de todos trabalhadores. É uma
meio de isenção de impostos e concessão de
luta dos profissionais da educação e de toda
“empréstimo” do BNDES. Por outro lado, acen-
a comunidade escolar para defender uma das
tuará a política compensatória via Bolsa-Esco-
mais importantes conquistas da classe traba-
la, Renda Mínima e outros programas sociais.
lhadora ameaçada pelo plano neoliberal de
Em relação à valorização profissional, o programa do PT fala em valorização de forma ge-
plantão: o ensino público estatal, laico, gratuito e de qualidade em todos os níveis.
nérica. Aponta como proposta de piso salarial
Por isso, urge iniciarmos um debate para a
nacional, sem qualquer parâmetro, o que se re-
elaboração de um programa de emergência
pete no projeto do Fundeb, associado à avalia-
para a educação, que tenha como referência
ção-desempenho do profissional da educação.
um política econômica alternativa dos traba-
Após três anos de mandato do governo Lula, não
lhadores e o não pagamento das dívidas
há mudanças qualitativas no que tange a valo-
externa e interna.
rização do profissional na educação. O nosso movimento tradicionalmente tem reivindicado um piso salarial nacionalmente unificado equivalente ao salário mínimo do Dieese por 20h/ sem. E somos contra a avaliação-desempenho. A gestão democrática é um tema de rele-
20
Em defesa do ensino público, estatal, gratuito, laico e de qualidade em todos os níveis: - Contra a mercantilização do ensino: contra a ALCA e a definição da educação como mercadoria;
CADERNO
DE
DEBATES
Pela revogação da legislação educacional:
- Gestão da escola; - Abolição de todo e qualquer controle ideológico por parte do Estado;
ILAESE
• LDB n° 9.394;
- Fim dos PCNs;
• EC 14;
- Fim das avaliações institucionais: SAEB e ENEM;
• Lei n° 9.424 – Fundef;
- Fim dos órgãos de supervisão escolar;
• Fim da municipalização do ensino.
- Completa e total autonomia pedagógica e administrativa; - Eleição direta para diretor com mandato de dois anos, revogável a qualquer momento; - Incentivo à formação de grêmios livres; - Fim dos vestibulares.
Financiamento da educação: • 15% do PIB para a educação; • Obrigatoriedade e aplicação plena de 25% para União, e 30% para estados e municípios na educação; • Fim da legislação que autoriza o repasse de verbas públicas para o ensino privado; • Contra a ingerência do BID, Banco Mundial e de outros organismos do imperialismo na educação.
Valorização dos profissionais da educação e condições de trabalho: • Máximo de 25 alunos por sala de aula; • Realização de concursos para todos os níveis e disciplinas; • Formação continuada do professor (que a cada três anos o professor seja afastado para atualização em universidade pública, com remuneração); • Fim das tele-salas; • Contra a avaliação-desempenho do professor e a avaliação institucional; • Jornada 20h/sem + 20h de atividades (50% na escola); • Piso salarial nacional com o valor do salário mínimo do Dieese para 20h/sem.
Bibliografia GENTILLI, Pablo (Org.). Pedagogia da exclusão. Vozes. GENTILLI, Pablo; SILVA, Tomáz S. Neoliberalismo, qualidade total e educação.
Vozes. PROGRAMA eleitoral educação, 2002.
do
PT
para
a
REVISTA Desafios na Educação, n. 2.
21
CADERNO
22
DE
DEBATES
ILAESE
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Fundos para o Financiamento da Educação: Solução ou Remendo? Nicholas Davies, Prof. da Faculdade de Educa-
no campo educacional sobre a importância e
ção da Universidade Federal Fluminense, Niterói
a validade da vinculação. Seria, pois, necessário nessa polêmica o esclarecimento sobre o sentido de fundos da educação. Provavelmente o
A
1 Introdução
A seguir pretende-se fazer uma breve dis-
cussão sobre os fundos para o financiamento da educação, em particular o Fundef e o Fundeb. Antes, no entanto, é fundamental enfatizar que o financiamento das políticas chamadas “sociais”, como a educacional, nunca foi nem é prioridade em países capitalistas dependentes, como o Brasil, cujos governos tendem a privilegiar o capital internacional e nacional (sobre-
sentido atribuído pelos envolvidos na polêmica seja o de um fundo formalmente definido como tal e vinculado a uma parte do sistema educacional, como o Fundef (vinculado ao ensino fundamental regular), o Fundeb (vinculado a quase toda a educação básica, tal como encaminhada pelo governo federal por meio da Proposta de Emenda Constitucional n° 415), ou o Fundo do Ensino Superior, previsto no anteprojeto da reforma do ensino superior proposto pelo governo federal, em dezembro de 2004.
tudo, mas não apenas o financeiro) e dos seto-
No caso dos fundos formais, um grande ris-
res estratégicos da burocracia estatal (Judiciá-
co é de eles agravarem a fragmentação da
rio, Legislativo, Ministério Público, Fazenda, Polí-
educação escolar, ao privilegiarem um nível de
cia, Militares) e não tais políticas “sociais”. Isso
ensino (o ensino fundamental regular, no caso
significa que, mesmo que se possa e se deva lu-
do Fundef). Ora, a educação não pode ser pen-
tar por reformas pontuais na ordem burguesa,
sada em pedaços, como se uma parte (a gra-
uma solução verdadeira, profunda, de longo
duação ou a pós-graduação, por exemplo) pu-
prazo, e não um mero remendo, para tais polí-
desse funcionar bem sem as outras (a educa-
ticas sociais só poderá ser concretizada nos mar-
ção básica, por exemplo). Só uma perspectiva
cos de uma outra sociedade, não regida pela
de totalidade, abrangendo desde a creche até
lógica do lucro e do mercado, enfim, uma so-
a pós-graduação, pode enfrentar alguns dos
ciedade socialista.
problemas básicos da educação.
Um dos equívocos da discussão sobre os
Outro problema dos fundos, sobretudo os
fundos é que se trava uma polêmica sem uma
que tomam como referência apenas uma par-
definição clara dos seus termos. Enquanto uns
te das receitas dos governos, como os impos-
os defendem, outros os criticam, não atentan-
tos, é que não se baseiam nas necessidades de
do para o fato de a vinculação constitucional
uma educação de qualidade, qualquer que seja
de impostos para o financiamento da educa-
a definição dada a ela, mas sim num percentual
ção configurar em si um fundo, embora infor-
fixo e inflexível dos impostos, que é tido pelas
mal, não definido como tal. É um fundo, embo-
autoridades como limite máximo, e não míni-
ra sem esse nome, porque reserva constitucio-
mo, como prevê a vinculação para a educa-
nalmente parte dos impostos para a educação.
ção. Ora, a referência para uma educação de
Ora, é pouco provável que haja discordância
qualidade para todos não pode ser o percentual
23
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
mínimo dos impostos, mas sim no mínimo
pois apenas redistribui, em âmbito estadual,
esse percentual. Não é por acaso que a imensa
entre o governo estadual e os municipais, uma
maioria dos governos alegam aplicar apenas o
parte dos impostos que já eram vinculados à
percentual mínimo, como se isso fosse suficien-
manutenção e ao desenvolvimento do ensino
te para atender as necessidades educacionais
antes da criação do Fundef, com base no nú-
da população.
mero de matrículas no ensino fundamental regu-
Outra fragilidade de fundos formados por
lar das redes de ensino estadual e municipais.
impostos é que, pelo menos no âmbito federal,
O princípio básico do Fundef é o de disponi-
a proporção deles na receita global vem caindo
bilizar um valor anual mínimo nacional por ma-
em favor das contribuições (a CPMF é o exemplo
trícula no ensino fundamental de cada rede
mais recente), as quais não entram na base de
municipal e estadual, de modo a possibilitar o
cálculo dos recursos federais vinculados à manu-
que o governo federal alegou (porém nunca de-
tenção e ao desenvolvimento do ensino e tam-
monstrou) ser suficiente para um padrão mínimo
pouco são transferidas aos estados, Distrito Fe-
de qualidade, até hoje não definido, conquanto
deral e municípios por meio dos fundos de parti-
previsto na Lei n° 9.424. Embora o Fundef seja uma
cipação (FPE e FPM).
iniciativa do governo federal, foi e é minúscula
Outro risco é de eles acirrarem o corporativismo dos que trabalham na educação. O Fundef, por exemplo, só explicita a remuneração para os professores (segundo a Emenda Constitucional n° 14) ou os profissionais do magistério (segundo a Lei n° 9.424) no ensino fundamental, deixando de fora os demais trabalhadores do ensino fundamental e todos os profissionais da
e decrescente (em termos percentuais e reais) sua contribuição à guisa de complementação para os Fundefs estaduais que, formados por 15% de alguns impostos (ICMS, FPE, FPM, IPI-exportação e compensação financeira da Lei Complementar n° 87/96) do governo estadual e dos municipais existentes em cada estado, não conseguem alcançar esse valor mínimo.
educação dos demais níveis e modalidades da
Além de dar uma contribuição irrisória, so-
educação básica. A PEC do Fundeb, por sua vez,
bretudo porque tanta propaganda fez milagres
embora se apresente como um fundo de
do que o Fundef é capaz de operar, o governo
valorização dos profissionais da educação básica, define um percentual (pelo menos 60%) só para os profissionais do magistério, não mencionando os demais trabalhadores da educação (funcionários das escolas).
2 O Fundef: uma breve avaliação
federal (tanto FHC quanto Lula) não cumpriu o artigo da lei do Fundef (n° 9.424, de sua autoria), que estabelece o critério de cálculo da sua complementação. Essa irregularidade significou que ele deixou de contribuir com mais de R$ 12,7 bilhões de 1998 a 2002. Como essa irregularidade continuou em 2003, 2004 e 2005, a dívida legal
Como o Fundeb se apresenta como um
do governo federal com o Fundef terá alcança-
fundo para sanar os problemas do Fundef, é im-
do bem mais de R$ 20 bilhões até o fim de 2005!
portante fazer uma avaliação do Fundef, ainda
Segundo o TCU, em seu relatório sobre as contas
que breve. Criado pela Emenda Constitucional
da União em 2004, a complementação federal
14 e regulamentado pela Lei n° 9.424, de dezem-
deveria ter sido em torno de R$ 5 bilhões só em
bro de 1996, o Fundef (Fundo de Manutenção e
2004, se o governo tivesse calculado o valor
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
mínimo conforme manda a Lei n° 9.424, não de
Valorização do Magistério) passou a vigorar em
R$ 485 milhões, como o governo fez em 2004.
1º de janeiro de 1998 e tem vigência prevista até
É verdade que o valor fixado pelo governo
31 de dezembro de 2006. Inspirado na orienta-
para essa complementação, ainda que ilegal e
ção dos organismos internacionais, em especial
muito aquém das possibilidades financeiras do
o Banco Mundial, de priorização do ensino fun-
governo federal e das necessidades educacio-
damental, o Fundef, apesar de prometer desen-
nais da população brasileira, vem contribuindo
volver o ensino fundamental e valorizar o magis-
para diminuir a miséria de recursos educacionais
tério, não trouxe nem traz recursos novos para
dos municípios e estados mais pobres do Brasil
o sistema educacional brasileiro como um todo,
(sobretudo do Nordeste), assim como a siste-
24
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
mática de redistribuição de recursos do Fundef
rais transferidos constitucionalmente (ou seja,
entre o governo estadual e os municipais vem
obrigatoriamente) ao governo estadual e pre-
promovendo uma redução das desigualdades
feituras de cada unidade da Federação. A sua
de recursos em cada estado (porém não de um
implantação seria gradual ao longo de três
estado para outro). Entretanto, esses pontos
anos, alcançando o percentual definitivo (20%)
positivos precisam ser vistos com cautela, pois,
só no quarto ano. A diferença básica em rela-
dada a forte tradição patrimonialista e priva-
ção ao Fundef é a sua composição de impostos
tista do Estado brasileiro e o baixo grau de
e matrículas a serem atendidas. Enquanto o
organização, conscientização e mobilização da
Fundef compreende apenas os impostos da
sociedade brasileira, não há nenhuma garantia
segunda coluna da Tabela 1, a seguir, o Fundeb
de que os recursos extras trazidos pela com-
abrange os da segunda e terceira colunas, e os
plementação ou pela redistribuição em âmbito
impostos municipais (IPTU, ISS, ITBI) não entram
estadual sejam canalizados para a melhoria da
na composição. O imposto de renda (IR) dos
remuneração dos profissionais da educação e
servidores estaduais e municipais, embora
das condições de ensino.
incluída na PEC 415, foi excluído pelo substitutivo,
As denúncias divulgadas nos últimos anos só confirmam essa suspeita. O potencial equa-
com a alegação, aceita pela relatora – Iara Bernardi, do PT de São Paulo –, de dificuldade
lizador do Fundef também é minado pelo fato
técnica para recolher e depositar o IR no fundo.
de não incluir o percentual mínimo (25%) de
Tabela 1
todos os impostos, mas apenas 15% de alguns,
Composição provisória (nos três anos iniciais) e definitiva (a partir do 4º ano) do Fundeb
fazendo com que as desigualdades entre cada estado e seus municípios continuem existindo, se bem que num grau menor que antes. A fragilidade equalizadora do Fundef reside no
Ano
Impostos estaduais e federais transferidos aos governos de cada Estado e às prefeituras e seus percentuais anuais na composição do Fundef
fato de que, como está previsto para durar até 31 de dezembro de 2006, após essa data as desigualdades de recursos entre os governos voltarão aos altíssimos níveis anteriores ao Fundef. Isso se não for substituído pelo Fundeb.
ICMS, FPM, FPE, IPI-exp., LC 87/96
IPVA, ITR, ITCM, IR dos servidores estaduais e municipais, dívida ativa de impostos e sua multa e juros de mora
Outras fragilidades do Fundef serão apontadas a seguir, pois o Fundeb apresenta uma sistemática bastante semelhante à do Fundef.
1º ano
16,25%
5%
3 Fundeb: trocando seis por meia dúzia?
2º ano
17,5%
10%
3º ano
18,75%
15%
passou por profundas modificações desde que
a partir
20%
20%
foi apresentado como a Proposta de Emenda
do 4º ano
Inicialmente, cabe lembrar que o Fundeb
Constitucional (PEC) n° 112, em setembro de 1999, por deputados federais do PT e depois pelo MEC,
Além desses impostos, o Fundebs contaria
em agosto e dezembro de 2004. Examinamos
com a complementação federal (apenas nos
aqui apenas a PEC 415, encaminhada pelo go-
Fundebs estaduais que não alcançarem o valor
verno federal ao Congresso Nacional em junho
mínimo nacional) e com os rendimentos finan-
de 2005, também algumas modificações introdu-
ceiros obtidos com a receita do Fundeb. Esta
zidas pelo substitutivo aprovado em 8/12/2005 na
complementação só seria feita quando o valor
Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
por matrícula de cada nível e modalidade de
Previsto para durar até 2019, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profis-
ensino no estado não atingisse o valor mínimo nacional, a ser definido na lei que regulamentará o Fundeb.
sionais do Magistério), a exemplo do Fundef, seria
Tal como o Fundef, o Fundeb previsto na
uma conta única de impostos estaduais e fede-
PEC 415 operaria apenas no âmbito de cada
25
CADERNO
DE
estado e, portanto, não transferiria recursos de
DEBATES
ILAESE
4 Algumas fragilidades do Fundeb
uma para outra unidade da Federação, sendo
O primeiro problema da PEC 415, corrigido
redistribuído entre o governo estadual e os mu-
pelo substitutivo, é que excluiu as creches, que-
nicipais de acordo com o número de matrículas
brando, assim, a unidade legal da educação
que tivessem em quase toda a educação básica
básica, tal como definida pela LDB e desestimu-
(as creches foram excluídas). O substitutivo, por
lando financeiramente a manutenção e expan-
sua vez, não só incluiu as creches, como também
são de creches pelas prefeituras. É verdade que
estipulou que o Fundeb seria distribuído em fun-
várias prefeituras, mesmo as que não têm nenhu-
ção do número de matrículas que os governos
ma ou têm pouca receita própria (impostos mu-
tivessem no seu âmbito de atuação prioritária,
nicipais), poderiam muito bem, com os 5% dos
conforme definido nos §§ 2º e 3º do art. 211 da
impostos federais e estaduais a elas transferidos
CF. Isso significa que as matrículas municipais
e que não entrariam na formação do Fundeb,
no ensino médio não seriam levadas em conta
atender às creches existentes ou que venham a
na distribuição do Fundeb, porque as prefeituras
ser criadas. A questão é saber se a imensa maio-
não devem constitucionalmente atuar priorita-
ria delas está realmente comprometida em aten-
riamente no ensino médio, mas apenas na edu-
der às necessidades/reivindicações educacionais
cação infantil e no ensino fundamental. Analo-
da população ou vão de maneira oportunista
gamente, as matrículas estaduais na educação
limitar-se a denunciar o descompromisso federal,
infantil não seriam contabilizadas na distribuição
o qual, embora real, não explica todas as vicissi-
do Fundeb porque os governos estaduais devem
tudes da educação básica, que podem e de-
atuar prioritariamente no ensino fundamental e
vem ser atribuídas também ao descaso de go-
no ensino médio. A tabela a seguir mostra os
vernos estaduais e municipais.
critérios de redistribuição.
Outra fragilidade do Fundeb é que a PEC
Tabela 2
415, e também o substitutivo, não define os cri-
Distribuição provisória (nos três anos iniciais) e definitiva (a partir do 4º ano) do Fundeb, segundo o substitutivo
quatro anos iniciais, limitando-se a fixar os valo-
Ano
térios de cálculo da complementação para os res (indicados a seguir) sem esclarecer se eles se
Matrículas e seu percentual contabilizável no Fundeb até a implantação definitiva
baseiam na proposta de custo/aluno/qualidade
Ensino fundamental regular (municipais e estaduais)
Educação infantil* (só municipais), educação de jovens e adultos e ensino médio (só estaduais)
ca, que constava da primeira PEC do Fundeb
de cada nível e modalidade da educação bási(a de n° 112, de setembro de 1999). A indefinição desses critérios e, portanto, o não compromisso claro do governo talvez resulte do maior peso da chamada “equipe econômica” (os gerentes
1º ano
100%
25%
do superávit primário), que provavelmente foi
2º ano
100%
50%
responsável pela supressão, na PEC 415, da
3º ano
100%
75%
previsão da extinção gradual (25% por ano) da
100%
Desvinculação da Receita da União (DRU), cons-
a partir 100% do 4º ano
tante das PECs elaboradas pelo MEC, em agosto
* A PEC 415 só contabilizava a pré-escola, mas o substitutivo incluiu as creches.
e dezembro de 2004, que retira mais de R$ 4 bilhões de reais da educação em âmbito federal todo ano. Tendo em vista o descumprimento sis-
Para os profissionais do magistério da
temático da exigência legal de cálculo do valor
educação básica seriam reservados pelo menos
mínimo nacional no caso do Fundef e, portanto,
60% do Fundeb, outro traço nada original e que
da complementação devida, não há nenhuma
representou um retrocesso de uma PEC anterior
garantia de que este ou os próximos governos
do MEC (Disponível em: <www.mec.gov.br>.
federais venham a calcular o valor mínimo do
Acesso em: agosto de 2004.), que previa 80%,
Fundeb de acordo com a lei de regulamenta-
destinada, é verdade, a uma categoria mais
ção, cuja segunda versão, divulgada pelo MEC
ampla, a dos profissionais da educação.
em novembro de 2005 (ver <www.mec.gov.br>),
26
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
não define os pesos diferenciados para as matrí-
educação na complementação não impede que
culas dos vários níveis e modalidades de ensino.
isso aconteça. Afinal, o que não é proibido é
Em relação a PEC 415, o substitutivo foi um pou-
permitido. Se o ministro quisesse realmente assumir
quinho menos sovina, prevendo uma comple-
esse compromisso, poderia incluir um dispositivo
mentação de R$ 2 bilhões no primeiro ano, R$ 2,8
proibindo tal uso.
bilhões no segundo, R$ 3,5 bilhões no terceiro,
Além disso, essa complementação não pro-
R$ 4,5 bilhões no quarto, e o correspondente a
mete ser significativa porque a disponibilidade
10% do total no quinto ano, valores esses que
de recursos por matrícula, em termos nacionais
seriam atualizados de acordo com o índice ofi-
e mesmo em termos estaduais provavelmente
cial da inflação. Aparentemente, são valores
não será maior do que no Fundef. É que o im-
generosos quando se considera que a média
pacto positivo do acréscimo de 5% (de 15% para
anual de complementação para o Fundef de
20%) dos impostos do Fundef (ICMS, FPE, FPM, IPI-
1998 até 2005 não passou de R$ 500 milhões. En-
exportação e LC 87/96), que são os mais vul-
tretanto, se o governo (tanto FHC quanto Lula)
tosos, e de 20% de impostos novos (IPVA, ITCM e
tivesse cumprido a Lei do Fundef (a de n° 9.424),
ITR), que não representam volumes proporcio-
a complementação teria sido de vários bilhões
nalmente significativos em termos nacionais, será
anuais, como denunciado pelo Tribunal de Con-
bastante reduzido ou mesmo anulado pela inclu-
tas da União, parlamentares e entidades sindicais
são das matrículas de educação infantil, edu-
e governamentais outrora críticas do governo
cação de jovens e adultos (EJA) e ensino médio.
(sobretudo o de FHC), o que significa que prova-
Se estiver correta a previsão da receita do
velmente mesmo os R$ 4,5 bilhões previstos
Fundeb, divulgada na página do MEC, em junho
como complementação para o quarto ano do
de 2005, no quarto ano a receita total, abran-
Fundeb estariam aquém do devido legalmente
gendo a complementação federal de R$ 4,3
se o fundo fosse apenas do ensino fundamental
bilhões, seria de R$ 50,4 bilhões, que, divididos
(Em 2004, segundo o TCU, a complementação
pelo total atual de matrículas que comporiam
deveria ter sido de R$ 5 bilhões.). Ora, como o
o Fundeb (47.183.080, sem as creches, segundo
Fundeb abrange toda a educação básica, não
o Censo de 2004), daria uma média de R$ 1.068,
apenas o ensino fundamental, os R$ 4,5 bilhões
valor pouco superior à média nacional do
não são tão significativos assim.
Fundef em 2005 (R$ 1.030), calculado dividindo-
A aparente generosidade federal precisa ser
se a previsão da receita total do Fundef em 2005
tratada com bastante cautela, para dizer o mí-
(R$ 31,6 bilhões, com a complementação pre-
nimo, pois a PEC 415 pretendia usar até 10% do
vista de R$ 395,3 milhões) pelo total de matrí-
salário-educação na complementação, estima-
culas no ensino fundamental (30.656.132 – Censo
dos em cerca de R$ 600 milhões em 2005, o que
de 2004). Mesmo com o “fantástico” aumento
não representaria nenhuma magnanimidade, pois o salário-educação é vinculado integralmente à educação, não sendo sua utilização na educação uma opção do governo, mas sim uma obrigação. É verdade que o substitutivo eliminou a previsão desse uso do salário-educação, come-
de R$ 4,3 bilhões para R$ 4,5 bilhões na complementação e a sua correção monetária “conquistados” pelo substitutivo, a média nacional provavelmente diminuiria porque o imposto de renda dos servidores estaduais e municipais foi excluído e as creches foram incluídas.
morado como uma vitória pela relatora, segundo
Quanto à valorização do magistério supos-
a qual o ministro da Educação teria reafirmado
tamente garantida pelo percentual mínimo de
o compromisso de “não utilizar o salário-educa-
60%, cabe lembrar que até hoje não foi feito
ção como fonte da complementação da União
nenhum estudo demonstrando que esse percen-
ao Fundeb, que já se materializou na retirada de
tual resultará necessariamente em melhoria
dispositivo que permitia isso na segunda versão
salarial. Além disso, é um percentual bruto, não
do anteprojeto de lei de regulamentação do
líquido, pois abrange as obrigações patronais
Fundeb”. Ora, um compromisso verbal não tem
(INSS, no caso de celetistas, ou contribuição
nenhum valor legal, e o fato de a segunda versão
previdenciária e outras). Isso significa que o per-
não mencionar a possibilidade de uso do salário-
centual mínimo para a remuneração bruta do
27
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
magistério cai para, no máximo, 54%, supondo-
salarial. Só aqueles que ganharem terão mais
se obrigações patronais equivalentes a 10% (10%
condições de melhorar a remuneração dos
de 60% = 6%). Como o magistério é descontado
profissionais do magistério. Entretanto, não há
em torno de 10% de sua remuneração para a
nenhuma garantia de que isso ocorra, como a
previdência do INSS, a estadual ou a municipal,
experiência do Fundef demonstrou, pelo menos
o percentual líquido mínimo seria pouco abaixo
no Estado do Rio de Janeiro, onde 60% da
de 50%. Se essas contribuições previdenciárias
receita do Fundef não resultaram necessaria-
(tanto a patronal quanto a do funcionário) fo-
mente em melhoria salarial, na mesma pro-
rem para um fundo previdenciário estadual ou
porção dos ganhos que as prefeituras tiveram
municipal, o governo estadual ou municipal se-
e têm com o Fundef, pelo simples fato de que
ria bastante beneficiado, pois, embora contabil-
os governos já gastavam ou alegavam gastar
mente tenha uma despesa (as obrigações patro-
mais do que 60% antes do Fundef e, portanto,
nais), na prática terá uma receita (tais obriga-
não se sentiam obrigados legalmente a au-
ções mais as contribuições dos funcionários da
mentar os salários pagos antes da implantação
ativa) correspondente ao dobro dessa despesa,
do Fundef, em 1998. Espertamente, muitas pre-
na suposição, é claro, de que as atuais aposen-
feituras no Rio de Janeiro, nas discussões e
tadorias sejam integralmente financiadas pelas
negociações sobre melhoria salarial ou valoriza-
contribuições previdenciárias feitas no passado
ção do magistério, limitaram-se aos 60% do
e que o fundo previdenciário não tenha sido/
Fundef, não levando em conta os demais re-
seja dilapidado pelos governantes e $eu$ alia-
cursos vinculados a MDE (25% dos impostos não
do$ dentro e fora dos governos.
incluídos no Fundef e a parcela de 10% dos
Além disso, o Fundeb, embora denominado de valorização dos profissionais da educação básica, só vincula um percentual para os profissionais do magistério, não os profissionais da educação, categoria mais ampla, que inclui os trabalhadores da educação não envolvidos em funções tradicionalmente definidas como pedagógicas na escola. A PEC não é muito precisa quanto aos que supostamente seriam valorizados com o Fundeb, pois emprega três expressões
distintas
para
designá-los:
“trabalhadores da educação”, “profissionais da educação” e “profissionais do magistério”. Deve-se ressaltar ainda que, como o mecanismo do Fundeb é o mesmo do Fundef, ou seja, é uma redistribuição dos impostos existentes, sem acréscimo de recursos novos para o sistema educacional como um todo, a não ser a nada espetacular complementação federal, os ganhos de uns governos significarão perdas para outros, na mesma proporção, com exceção daqueles em que houver comple mentação, que poderá ser significativa em termos percentuais e mesmo absolutos nas unidades da Federação que não alcançarem o valor mínimo nacional, porém não em termos nacionais, ou seja, no conjunto do país. Assim, naqueles que perderem, 60% do Fundeb muito provavelmente não resultarão em melhoria
28
impostos não incluída no Fundef, isso se o percentual mínimo da Constituição Estadual ou Lei Orgânica for de 25%). Além disso, no caso do Fundeb, os governos podem comodamente se limitar aos 60%, transformando o mínimo em máximo, e/ou incluir os aposentados da educação nos 60%, como fez impunemente o governo estadual de São Paulo em 2001 (e talvez em outros anos também), que destinou ilegalmente cerca de R$ 1,26 bilhão do Fundef para pagar os inativos. Embora a segunda versão do anteprojeto de regulamentação do Fundeb preveja o não pagamento dos inativos com o Fundeb num prazo de quatro anos, nada garante que os governos estaduais e municipais cumprirão a lei, caso aprovada. Afinal, em alguns estados, os recursos do Fundef também foram usados para pagar inativos, com a concordância de tribunais de contas. O impacto positivo ou não desse percentual mínimo de 60% variará em função de vários elementos. O mais importante é a vontade dos governantes de valorizarem a educação e seus profissionais, o que não tem sido a regra até hoje. Outro é que, no caso de governos que ganhem com o Fundeb, os 60%, em tese, podem melhorar os salários, desde que os governantes não considerem o mínimo sinônimo de máximo nem se limitem à receita
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
do Fundeb, incluindo também os 5% dos impos-
ram com essa redistribuição, o que significa que
tos não incluídos no Fundeb e os 25% dos im-
mais de 2 mil perderam, o mesmo acontecendo
postos municipais (IPTU, ISS, ITBI) e do imposto
com praticamente todos os governos estaduais.
de renda dos servidores para essa valorização.
Sem dúvida, essa redistribuição pode ter contri-
Outro elemento é que o mínimo de 60% pode
buído para atenuar as desigualdades entre os
ser razoável no caso de prefeituras que, mesmo
municípios de cada estado, porém não entre
com pouca ou insignificante receita própria
os estados e entre as regiões. Assim, um desafio
(IPTU, ISS, ITBI), não percam com o Fundeb ou
é o enfrentamento das enormes desigualdades
tenham ganhos com ele. Todavia, no caso de
entre as regiões, estados e municípios, que im-
prefeituras com receita própria significativa
pedem na prática a constituição de um sistema
(municípios de médio e grande porte, segundo
nacional de educação com um padrão
a exposição de motivos da PEC 415), os 60%,
razoável de qualidade.
mesmo
nas
pre-
feituras que ganham com o Fundeb, não garantirão melhorias salariais pelo simples fato de a receita própria não ser tomada como referência obrigatória para fins de remuneração dos profissionais
da
educação.
5 Conclusão Este breve panorama
permite
algumas conclusões e desafios relativos ao financiamento da educação com base no mecanismo dos
fundos,
em
especial o Fundef e o Fundeb. Uma é de que eles (sobretudo o
Outra conclusão, nada auspiciosa para o
Fundef; o Fundeb ainda é uma incógnita, pois
Fundeb, é que o governo federal, tanto na ges-
pode não ser aprovado pelo Congresso ou
tão de FHC quanto na de Lula, tem descumprido
sofrer modificações na Câmara dos Deputados
os critérios de cálculo do valor mínimo nacional
ou Senado) basicamente apenas redistribuem
previstos na Lei do Fundef, n° 9.424, assim como
uma parte dos impostos vin culados entre o
governos estaduais e municipais não têm
governo estadual e os municipais de cada
aplicado a verba devida em educação. O de-
estado com base no número de matrículas, não
safio de pelo menos obrigar os governantes a
aumentando os recursos para o sistema
cumprirem as leis sublinha a necessidade do
educacional como um todo. A conseqüência
controle social sobre as verbas vinculadas à edu-
disso é que alguns governos ganham e outros
cação, sobretudo porque os órgãos responsáveis
perdem na mesma pro porção. No caso do
pela fiscalização, os tribunais de contas, as
Fundef, segundo o balanço do MEC realizado
assembléias legislativas e as câmaras dos
em 2000, pouco mais de 3 mil prefeituras ganha-
vereadores, não são confiáveis.
29
CADERNO
30
DE
DEBATES
ILAESE
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Educação: Reforma ou Revolução da escola pública argentina, uruguaia, chilena
Edmundo Fernandes Dias, professor Unicamp
ou mexicana. Aqui a formação da chamada
A A
cidadania nunca foi o forte. Mesmo sabendo burguesia
fracassou
em
trazer
o
patrimônio cultural elaborado pela humanidade para o conjunto da sociedade. Essa idéia é, muitas vezes, compartilhada por socialistas. Será mesmo? Ela teria fracassado se tivesse desejado. A pergunta é: “ela quis?”. Quero, antes de mais nada, lembrar que o capitalismo no Brasil só foi, e só é, possível pela repressão continuada da massa da população. A questão educacional se inscreve nesse quadro. Não se trata de uma sociedade burguesa em que os direitos mínimos estejam garantidos. Vivemos uma realidade que unifica trabalho escravo, trabalho sem proteção legal – dito informal – e a ausência, pura e simples, da possibilidade de trabalhar. Uma sociedade que mantém seu passado escravista sob as mais
que a cidadania significava “nós com nós”, nada de massa popular. Para os teóricos conservadores (não reacionários) da educação, como Émile Durkheim, ela era a forma pela qual uma geração preparava outra para sucedê-la. E, assim, era necessária certa continuidade histórica, nem que fosse para formar a burocracia pública ou privada. O desenvolvimento do capitalismo no Brasil trouxe muitas questões. As classes trabalhadoras surgiram na cena. Como não era possível ignorá-las, fez-se necessário discipliná-la. De um passado em que inexistia o direito de educar-se, as classes agora passavam progressivamente a ter que ser minimamente alfabetizadas, desenvolvidas noções mínimas de lógica, etc., enfim, adestradas para o capital.
diversas formas: do racismo ao assassinato de
Sabemos que essa foi a trajetória escolar no
lideranças sociais e populares. É nessa socie-
século XX. Estão presentes figuras como Anísio
dade que se coloca a questão: Educação –
Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho.
reforma ou revolução?
Todos conhecedores do processo educacional
Começarei afirmando que os liberais tinham clareza do significado do processo educacional. Antes das massas penetrarem no recinto escolar, antes dos direitos sociais serem minimamente conquistados, a burguesia brasileira tinha constituído uma escola eficiente para si mesma. Uma escola tradicional dado o nível de desenvolvimento da economia nacional: aquela escola que formava os bacharéis, os médicos e até mesmo os engenheiros necessários ao seu
estadunidense, ávidos da preparação de uma sociedade “americana” nos trópicos. A seu modo, eles traduziram as experiências de John Dewey, do pragmatismo, do “aprender fazendo”. Sabiam que as classes trabalhadoras com isso atingiriam um patamar mínimo de civilização: poderiam ser, de algum modo, cidadãos. Apenas para registrar o fato: o “aprender fazendo” é muito próximo do training on job, pretensamente contemporâneo e inovador.
funcionamento. Mas temos claro que, mesmo
Da Escola Nova ao Sistema S, passando
nos moldes burgueses, não vivemos em nosso
pelo adestramento na fábrica, as classes traba-
país nada similar ao que foi o desenvolvimento
lhadoras foram sendo “moldadas”, disci-
31
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Da creche à pós-graduação, eles vão sendo preparados para
a
elaboração
dos
conhecimentos necessários à sua classe. Seu estudo, como dizia Gramsci, é taylorizado. Sua formação parte do já constituído e não implica em rupturas radicais. Quando vão à faculdade de Direito, vão para aprender o Direito da ordem capitalista, na Medicina aprendem – e cada vez mais – a tratar não das grandes e graves enfermidades populares,
mas
tornam-se
especialistas precocemente no “ventrículo superior esquerdo do coração” ou algo do estilo. Poderíamos seguir detalhando, mas isso não se plinadas, ganhando – e praticando – os valores
faz necessário. O fundamental é afirmar que a
da burguesia. Isso coexistia com um sistema
Ciência que aprendem, usam, e impõem à
educacional cada vez menos capaz de integrar
sociedade, é a sua ciência, a ciência da sua
as massas na ordem.
classe. Seu desenvolvimento está voltado para
A educação não se reduz ao processo escolar, sabemos todos. Era preciso, portanto, educar não apenas os estudantes, mas a sociedade. Paralelamente à escola, o Estado Novo varguista criava seus mecanismos “pedagógicos”: a censura, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), os tribunais de exceção, os sindicatos castrados (era essa a tentativa) pela unificação e pela despolitização. Não era, portanto, programa dessa burguesia educar; bastava moldar, engessar, comprimir. Ao longo desse processo, a luta dos trabalhadores foi construindo um dique de resistência. O antigo sindicato (antes da era Vargas) era uma escola, um programa de vida. Intelectuais operários (comunistas, socialistas, anarquistas) construíram a academia dos trabalhadores. Aqui nos defrontamos com o problema central: como formar os intelectuais necessários para essa ação?
o desenvolvimento da sua ordem, pensam sempre no marco da reprodução do capital, mesmo que não tenham consciência disso. Absorvem os valores de tal modo que fora deles sufocam: falta a liberdade, a sua liberdade. Seus agregados vivem também esse processo. Ilustrativo, por exemplo, são as propagandas do SENAI com Luís Inácio, Vicentinho, etc. Repetem até a exaustão: temos orgulho de ter aprendido no SENAI. Já a tarefa dos intelectuais das classes trabalhadoras é muito mais complexa e difícil. Em primeiro lugar, se eles quiserem expressar sua classe, se quiserem encontrar as soluções para seus problemas, não podem reproduzir o existente, têm que pensar a ruptura. Não podem pensar privilegiadamente na “economia”, mas valorizar a “política”. Por quê? Por que só assim eles poderão constituir um novo conhecimento. Isto não significa, de forma alguma, repudiar o patrimônio cultural da chamada humanidade.
Para a burguesia, a formação de quadros
O fracasso da Revolução Cultural Proletária
é mais fácil, ágil, segura. Seus membros, ou
Chinesa ilustra dramaticamente esse fato. Mas
agregados, podem ficar afastados da pro -
se não podem repudiar, tampouco podem
dução material durante dez, quinze, vinte anos.
aceitá-lo como tal. Teorias representam projetos
32
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
de intervenção, formas de ver e construir o
Bolívia, no Equador e no Peru. Uma quantidade
mundo. Por isso, quando falo de valorizar a
imensa de pessoas é simplesmente afastada dos
política, estou afirmando que é vital pensar o
mecanismos de poder, simplesmente porque não
existente com base nos nossos problemas e não,
falam o espanhol ou porque pensam em que-
como fazem tantos, “adequar” nossos pro-
chua ou em aimará, mas não em castelhano.
blemas à Ciência existente.
Isso significa que universos culturais não são
Uns parênteses: estou chamando de intelectuais não aqueles formados na Universidade, aqueles que fazem discurso com citações em latim nas festas, nos batizados. Entendo por intelectuais aqueles que são capazes de pensar as questões de sua classe e propor as formas de intervenção no real, autonomamente. Devemos ter clareza de que esses intelectuais do campo dos trabalhadores não possuem as mesmas características dos intelectuais dos dominantes. Não estão afastados da produção imediata sequer por um mês (hoje férias são uma figura em extinção) e seu conhecimento é considerado inferior, pré-científico ou, na melhor das hipóteses, simpaticamente “popular”. Não se expressam, necessariamente, na chamada norma culta (até hoje ainda se goza um ex-trabalhador porque ele, quando metalúrgico, falava “menas”). Os intelectuais dessa classe têm que colocar a questão da ruptura: construir um novo conhecimento, novas formas de construir a política, novos projetos, etc. É uma falácia supor que todo o conhecimento conhecido foi produzido pelos teóricos dos dominantes. No desenvolvimento fabril muito se deve à intervenção do saber operário. No início do século passado, não havia engenheiro de produção e as soluções das questões que surgiam no processo fabril eram traçadas pelos próprios trabalhadores.
compartidos e a riqueza desses povos-nações é riquíssima. Mais decisivo ainda: essas populações são simplesmente bloqueadas, interditadas politicamente pelo simples fato de não falar o idioma do dominante. No mesmo sentido, temos Fontamara, a obra de Ignazio Silone, um dos fundadores do Partido Comunista da Itália – Seção da Terceira Internacional. Fontamara era uma pequena aldeia, onde a população estava afastada da possibilidade de contato com o conjunto da sociedade italiana pelo seu dialeto, a tal ponto que, para fazer negócios na linguagem oficial, eles usavam despachantes. E aí, obviamente, não apenas eram surrupiados, mas colocados inteiramente fora da política nacional. A linguagem os excluía. O cinema também mostrou isso: veja-se, entre outros, Pai Patrão. O processo escolar é rico nessa exclusão. Basta entrar em uma sala de aula. Os lingüistas gostam muito do debate entre norma culta e norma popular. A norma popular, desse ponto de vista, é considerada um erro: “nóis vai”, “nóis fumo”, “obrigado, num fumo”. Essa é a forma pela qual uma boa parte da população fala. Qual de nós não ficou incomodado com o “menas”, porque isso era um sinônimo de inferioridade. A linguagem é um dos locais privilegiados da luta de classes. Aí se exerce cotidianamente o despotismo de uma classe sobre outra, naturalmente, simpaticamente. A noção de civilização – que é sempre de uma
Falamos em “menas”. Isto nos permite
dada classe, nunca é abstratamente universal
colocar a questão da linguagem. A linguagem,
– é passada tranqüilamente no dia-a-dia da
para usar uma fala moderna, é uma causa de
linguagem, afinal os portugueses arrancaram
exclusão tão brutal que nós mesmos não nos
nossos povos da ignorância, os ingleses nos
damos conta, nós mesmos que nos julgamos
mostraram o caminho da civilização e da
revolucionários não nos damos conta. A litera-
ordem e os ultrabárbaros americanos a con-
tura mundial produziu obras muito interessantes
trolam. Os que detêm o comando do capi-
como a do peruano Ciro Alegria, que escreveu
talismo detêm o comando da cultura. Das
um livro chamado O Mundo é Amplo e Alheio,
histórias em quadrinho ao cinema, aos DVDs,
que trata de um problema que é profundamente
da supervalorização do rock, do funk (de-
importante para todos nós, porque ele se refere
vidamente “atualizados” na nossa sociedade)
a uma questão que pode nos ajudar a entender
à desvalorização do chorinho, do samba de
tudo que está ocorrendo na Colômbia, na
raiz, tudo isso significa que absorvemos lingua-
33
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
como cinema, música, etc. Esse próprio modo de vida exclui os principais criadores da música: os negros. Quando citei Luís Inácio e Vicentinho, não foi para privilegiar a ação deles, muito pelo contrário. Citei para mostrar como eles foram “capturados” pela ideologia industrial-americanista. Eles foram ganhos para ela, pensam e atuam nela. Isto é exemplarmente demonstrado na teoria do “capitalismo selvagem”, que eles defendem. Será que existe um capitalismo bom? Ou, na realidade, isso é a afirmação de que a “reforma” é desejável. Foram inicialmente capturados, mas, hoje, são, no cotidiano da luta de classes, seus práticos. Quando falamos gens, pensamos nelas, somos prisioneiros delas.
chega de teoria, vamos à prática, significa que
Isso nos remete à questão central: a da
abandonamos nossa possibilidade de pensar e
ideologia. Freqüentemente ouvimos falar que a ideologia é uma falsa consciência, uma consciência invertida ou simplesmente um sistema de ilusões pelo qual somos dominados. No último caso, fala-se, em linguagem popular, em “fazer a cabeça”. Esta imagem – “fazer a cabeça” – por si só já indica o problema. Qualquer que seja a forma que escolhamos entre as apresentadas, ela oculta os problemas reais. Em primeiro lugar, elas separam teoria de prática, subordinando a primeira à última. Em segundo, tornam a ideologia algo sem materialidade real. Quando procedemos assim não percebemos que é impossível viver sem ideologias.
elaborar nossa concepção de mundo, nosso projeto de sociedade. Ou será que em uma sociedade dita comunista não haverá teoria. Hegel falava da dialética do senhor e do escravo. Este não se via como escravo porque se olhava com os olhos do senhor. Para quem a escravidão é natural, eterna. Para subtrair-se a esse destino, o escravo teria que fazer a crítica do olhar do senhor. Gramsci dizia que: o primeiro momento de libertação real dos trabalhadores ocorre quando ele começa a libertar-se ideológica e politicamente dos discursos dominantes.
Pensá-la como “ilusão”, “engano”, significa não
Um dos discursos que temos que nos livrar
perceber que a ideologia não é um video
é exatamente o da ideologia como engano. A
game,mas uma arma de combate. As ideo-
luta de classes não se dá em um dado mo-
logias – excetuados alguns modismos – são
mento como se existissem dois exércitos em
sempre, mesmo quando nos pareçam exóticas
uma planície. Isto está mais para filmes sobre a
– formas de compreender o mundo, de con-
Idade Média do que para o capitalismo em que
servá-lo ou de transformá-lo. Quando separo
vivemos. O capitalismo tem que capturar a
teoria de prática, ainda que consideremos a
subjetividade do antagonista, isto é, tem que
última mais importante, desconhecemos que
aprisionar os trabalhadores nas suas tramas. Ele
toda prática é materialização de uma ou
não “engana”. Pior que isso: educa os traba-
mais ideologias.
lhadores na família, na escola, na vizinhança,
Falamos a pouco na Escola Nova, no
no trabalho, nos sindicatos, nos partidos. O
Sistema S, isto nada mais é do que a tradução
capitalismo é um permanente sistema edu-
do american way of life, do americanismo como
cacional. Cabe a nós subtrairmo-nos desse pro-
projeto e como realidade, que absorvemos
cesso e construir nosso projeto pedagógico.
34
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Isso exige de nós a compreensão do que é
dania é fundamental, da igualdade perante a
o capitalismo. Não nos basta a emoção, a força,
lei. No meu tempo, existia uma figura que a gen-
a convicção. Necessitamos saber como o
te carregava no bolso, a Carteira de Trabalho,
capitalismo atua e que é, para ele, impossível
hoje quase peça de museu. Quando a gente
incorporar os trabalhadores de forma real. Ainda
chegava para um emprego levava a carteira.
quando o trabalhador caia no canto de sereia
Todo o jogo parecia ser: você tem necessidade
– só para citar algumas questões contempo-
de contratar o meu trabalho e eu tenho a neces-
râneas: a qualificação, o microcrédito, a parti-
sidade de ganhar a vida, era, aparentemente,
cipação no lucro das empresas, a cidadania,
um acordo entre consciências livres e iguais,
etc. – o capitalismo não será o seu mundo.
portanto, o antagonismo entre capitalistas e
A percepção de que o capitalismo é apenas uma forma de produção levou-nos a pensarmos certa automaticidade do econômico explicando o real. Marx trabalhou em o Capítulo Sexto Inédito de O Capital o modo pelo qual se dá a produção e de como ela está profundamente ligada à luta de classes. Ele mostra que o capital é uma forma de produzir mercadorias, mas é, acima de tudo, uma forma de produzir as relações sociais capitalistas e, portanto, produzir as classes sociais e, portanto, produzir o antagonismo. Este não é algo exterior como os intelectuais do capitalismo pretendem, não é natural, embora possa parecer tal. Para essa visão consolidar-se, é preciso que se criem condições que o permitam. E é por isso que as ideologias e a linguagem que sustenta a ideologia são tão fundamentais para nós.
operários desaparecia em um simples ato da assinatura patronal da Carteira de Trabalho, no qual estava reconhecido o direito de te explorar e de te oprimir. Você estava fichado, termo usado no Nordeste, ou seja, possuía um documento que te qualificava como cidadão, como mulher e como homem de bem, não era um vagabundo, era um trabalhador. É a partir dessa idéia de que somos todos iguais que se construiu a maior desigualdade possível no mundo. Insisto trabalhar teoricamente – não como pura teoria, mas como parte do nosso processo de construção de um projeto de sociedade comunista –, é decisivo. Aqui pode começar a ganhar-se a batalha ou aprofundar a derrota. Daí a importância das direções, da militância, da ligação orgânica destas com a classe que representam de fato ou dizem representar. Chamarei crise de direção quando esses intelec-
O capitalismo só existe como produtor e
tuais (direção, militância) se separam de sua
reprodutor das relações sociais capitalistas. Ao
classe e assim entregam aos dominantes a
realizar a produção – não apenas de merca-
possibilidade de continuar a exercer seu poder
dorias, mas de símbolos, ideologias, etc. –, o
real e concreto.
capitalismo produz e reproduz as classes sociais e o antagonismo entre elas. Ele não pode viver senão pelo processo de valorização, isto é, pela extração da mais-valia, do sobre-trabalho não pago. A isso, chamamos acumulação de capital. Mas é preciso ter sempre em mente que nós mesmos, se não praticarmos a teoria, acabamos por pensar que o decisivo é o capital, que o trabalho põe esse capital em movimento sob o controle dos capitalistas e de seus intelectuais. Não percebemos – se não pensarmos teoricamente – que capital, tecnologia, ciência nada mais são do que formas do trabalho que foram expropriadas dos trabalhadores e postas em antagonismo com ele.
A miséria se banalizou tanto que hoje ninguém liga para a violência, a gente sai aí e pode ser assaltada naquela porta ali, numa boa. Se trabalhamos teoricamente – e o marxismo é nossa teoria, arma e projeto –, sabemos que a violência e a miséria são coisas do capitalismo, não são naturais, podem ter um fim. O capitalismo responde a isso com uma teoria tão antiga e tão velha – todos podem ser ricos, só esquece de contar uma historinha, de que é apenas um de cada vez –, que é capaz de manter-nos presos a essa miragem – eu posso, o mérito me dará, etc. – e essa ideologia me permite ficar submisso à ordem, ainda que desconfortavelmente. E a pior miséria para os
Como os capitalistas atuam no sentido de
trabalhadores é a miséria estratégica a que o
negar o antagonismo? Aqui a figura da cida-
capitalismo os condena e que só pelos seus
35
CADERNO
DE
intelectuais e sua teoria poderão escapar. Outro lugar privilegiado da luta de classes é o cotidiano, o cotidiano da escola, o cotidiano da nossa relação com as nossas companheiras, com os nossos companheiros, com os nossos filhos, com o modo com que a gente trata o estudante, com os companheiros trabalhadores técnico-administrativos, o modo como o estudante trabalha a relação com os
DEBATES
ILAESE
samente complicado. Eles nos vêem – com razão – como aqueles que vem de fora para trazer uma “verdade” que não é a verdade deles. Aqui está claramente colocado o limite da experiência educacional. Veja-se, por exemplo, o que ocorreu recentemente na França: mais do que rebeldia consciente, foi um momento de explosão no qual eles falavam para nós: somos seres humanos, existimos.
trabalhadores técnico-administrativos e, até
O pensar capitalista significa exatamente
mesmo, com os professores. É nesse momento
isso. Nós reproduzimos não só o machismo, o
que poderemos compreender a vida deles e
racismo, nós reproduzimos praticamente tudo
atuar na construção de homens e mulheres
o que se diz baseado nos hábitos da classe que
inteiros que podem vir a ser “militantes do
domina. Há dois pequenos textos que vale a
futuro”, como gosto de falar.
pena ler pra trabalhar isso. Um é um livro que,
Obviamente a situação está muito complicada. Vivemos um processo de desagregação brutal na sociedade brasileira. Se antes nosso problema como educadores era o “currículo oculto”, o conjunto ideológico subjacente à nossa formação e que não conseguíamos transmitir aos alunos porque isso era incompreensível para eles já que sua vida nada tinha a ver – na imensa maioria dos casos – com a nossa. Nossa teoria era uma espécie de norma culta para aqueles cuja experiência histórica real era vista por nós como norma popular. Essa estranheza, essa separação, se agudiza mais e mais. As desigualdades sociais se aprofundam a tal ponto que se cria um fosso. Sequer conseguimos falar. Explicar, por exemplo, a Ilíada ou a Odisséia é literalmente falar grego com eles. A experiência deles passa seja pela Rede Globo, seja pelos bailes funks, pelo hip-hop, pelo rap, coisas que a maioria de nós ou não conhece ou não valoriza. Então não temos linguagem em comum. Educar como? Já nem falo educar para quê? Desconhecemos a tradição popular, seja na sua forma clássica, seja na forma atual, já marcada pelo narcotráfico, pela ideologia neoliberal do levar vantagem em tudo. As formas de solidariedade dessas camadas
eu não sendo trotskista, fico na situação curiosa de recomendar trotskistas que, em geral, não conhecem. É um livro do Trotsky intitulado Problemas da Vida Cotidiana. Trata-se de um conjunto de textos que ele fez diante da situação da NEP, da Nova Política Econômica, que se pensava como volta transitória ao capitalismo
pra
fazer
frente
à
ameaça
estrangeira, a grande fome que estava expulsando os trabalhadores para o campo. Ele estava muito atento a certas coisas, com o papel do cinema, o papel da música, o papel da cultura, o papel da educação, etc. O outro texto que vale a pena ler é um texto de Gramsci chamado Americanismo e Fordismo, que trata da formação da nova classe, aparentemente ele está falando só dos Estados Unidos, como está se formando uma classe operária nos Estados Unidos, mas ele está também criticando de forma contundente a formação stakanovista da nova classe operária soviética. Se a gente entende que o capitalismo é natural, ou seja, que nasceu quase naturalmente, ficamos com a percepção de que ele vai continuar, se consigo demonstrar que o capitalismo nasceu, posso dizer que ele pode morrer, mas ele não vai morrer a troco de nada, e qual o papel da educação nessa história toda?
populares não passam pelo mesmo caminho das
A escola e a educação formal têm a finali-
nossas. Somos estranhos no ninho da maioria da
dade de ir codificando os discursos, os saberes,
população e padecemos ainda – normalmente
de dizer o que é possível pensar, o que não é
– de certa arrogância. Jamais seremos eles, é
possível pensar, o que é possível e lícito praticar,
verdade. Mas é possível fazer esse rico debate:
o que não é possível e é ilícito praticar, enfim,
construir pontes, abrir trilhas. Sei que isso é imen-
ela vai montando e ela vai transformando a
36
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
grande determinação histórica do capitalismo em formas individualizadas, as pessoas aparecerão, basicamente, como uma miniatura do modelo capitalista como um todo. Além disso, ao dizer qual é o saber melhor e qual é o não saber, ao glorificar o saber da sua classe como o único saber e os outros como forma de conhecimento empírico ou folclórico. O saber dos trabalhadores é sempre folclórico e o saber da burguesia é sempre saber efetivado, reconhecido, transformado em ciência, toda prática comum dos mercadores foi transformada na teoria econômica, toda prática comum dos políticos foi transformada na teoria política, a história dos dominantes foi transformada na História universal e todo conjunto da sociedade é educado nessas ciências e essas ciências têm a finalidade, evidentemente, não apenas de avançar o posicionamento da classe, mas transformar isso em destino único da humanidade, o que é a particularidade mais abjeta se transforma no universalismo mais desejável. Por esse processo, cada um de nós passa a reproduzir no seu cotidiano, na sua linguagem, os valores burgueses. Há um filme americano sobre a Guerra do Vietnã que tornou célebre uma frase que é “conquistar corações e mentes”, conquistar corações e mentes significa dizer que as pessoas, quando passam a viver como seu o projeto da outra classe, elas passam a ser objetivamente peças dessa classe. Elas são subjetivamente idênticas e objetivamente são instrumentos, mas na realidade elas são outra
achar
as
soluções
necessárias
para
o
desenvolvimento dessa classe. Formar intelectuais significa, portanto, criar direções. O que a esquerda, o movimento popular, o movimento sindical tentam fazer por meio de suas organizações, a direita faz por meio da escola, mas atenção, em toda a sociedade classista, as contradições estão presentes permanentemente em todos os lugares, ou seja, acreditar demasiadamente naquela tese de Bourdieu, segundo a qual a escola é uma mera reprodutora, é comprar gato por lebre, porque é nessa escola que nós estamos fazendo a crítica, é nessa escola que nós, como sujeitos desse processo de transformação, estamos atuando para reverter esse processo objetivamente – desconstruir essa direção e tentar construir outra. Obviamente, nós temos muito mais dificuldade pelo fato de que efetivamente, quem tem o comando do processo material, tem muito mais possibilidade de exercer o comando também intelectual.
classe que é expropriada. Se a Educação não
Queria chamar atenção para uma outra
faz isso, ela tem uma finalidade fundamental,
coisa, vinculada à monopolização do ensino
além de transmitir a experiência que a classe
privado: o lugar mais anti-sindical que existe no
deseja para todo o conjunto da sociedade, a
Brasil é hoje feito pelos gângsteres das “Unies-
Educação deve formar intelectuais, intelectuais
quinas” da vida. No Rio e em São Paulo, cada
não no sentido do cara que leu muito, sabe
esquina tem um boteco, pra gente tomar uma
muito, mas intelectual no sentido daquele que
cachaça, uma farmácia pra comprar o Engov
é capaz de elaborar a prática da sua classe e
e uma faculdade pra poder se automedicar,
37
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
não é? Este processo exige que seja dificultada
a direção tenha percebido, mas, se ele explode,
ao máximo a organização, seja dos professores,
ele já contém em si mesmo alguns elementos
seja dos técnico-administrativos, seja dos
de direção, ele acaba formulando elementos de
estudantes
a
direção pra si mesmo, a não ser que seja uma
afirmação da burguesia, comum no século XIX,
revolta seca que morre quando acaba o fogo
de que nós somos a classe perigosa, porque nós
que a promoveu, se nós não acreditamos no
manipulamos a inteligência, manipular não no
espontaneísmo, nós temos que estar precisa-
sentido vulgar do termo, nós trabalhamos com
mente com a idéia de que as classes sociais
ela ou, pelo menos, devemos. Nós somos
necessitam produzir a sua direção, e esse é o
capazes de inibir processos de crescimento
papel fundamental da escola, esse é o papel
intelectual ou acelerar esse processo de
fundamental do partido político, menos do
crescimento intelectual, de transformar nosso
sindicato, mas mais do partido político, não por
alunos em meros imbecis bem vestidos ou em
decreto divino, mas porque o partido político é
intelectuais pra nossa classe, mas isso não é um
uma organização que se coloca evidentemente
ato voluntário, não é um ato espontâneo, isso
essa tarefa e aí, se a gente tem clareza sobre
é um projeto que tem que ser exercido na
isso, a gente tem que dar um passo mais a frente
perspectiva de classe.
e dizer o seguinte: essa passagem do cotidiano
universitários.
Faz
sentido
Se assim é, nós corremos muito mais riscos que os intelectuais dominantes, porque aos dominantes basta dominar e pôr toda essa massa social de jovens intelectuais a seu serviço, a gente faz Medicina pra quê? Para curar as doenças do povo brasileiro ou você já sai da faculdade de Medicina especialista no ventrículo superior esquerdo do coração? Quando eu trabalhava no Rio, fiz parte de um programa de Medicina preventiva em que a faculdade pública formava especialistas em Neonatologia, mas não formava mais médicos
a um momento revolucionário, ela supõe que a gente supere aquilo que eu vou chamar de momento econômico-corporativo, a pura reivindicação material, a pura reivindicação salarial, e se construa o que eu vou chamar de movimento ético-político, ou seja, o momento no qual esta classe, que já deixou de se identificar apenas como conjunto de pessoas da mesma categoria, consegue identificar-se com outros segmentos da classe trabalhadora, consegue saber que professor, petroleiro, bancário, etc., formam uma única classe.
que entendiam de sarampo, coqueluche, essas
Portanto, que a gente supere os nossos
coisas que só dá em pobre, tá certo? Se bem
preconceitos de categoria, se conseguirmos esse
que, de vez em quando, a febre maculosa
processo, nós avançamos na possibilidade de
mata até os ricos nas pousadas, mas aí são os
criar uma perspectiva de poder e colocar em
azares da luta de classes.
questão o processo revolucionário. Isso não é
Enfim, o grande problema pra nós é que, se nós não conseguirmos realizar esse debate profundo tentando construir com o conjunto da nossa classe e da nossa categoria essa relação de transformação social, nós podemos objetivamente estar nos cindindo dessa classe, e o maior sentido do termo crise de direção é quando os intelectuais que dizem ser direção se separam da classe que pretendem ou devem representar, se nós, organizadores, não conseguirmos organizar, significa que está instaurada uma crise profunda de direção.
uma coisa que a gente vai fazer sozinho, isso é uma coisa que a gente só pode fazer à medida que, como militante de uma área profissional, como militante de uma organização partidária, como militante de uma central de movimentos sociais, como a Conlutas, a gente possa ir construindo a nossa relação com a sociedade, o que implica dizer que nós temos que alterar a nossa forma de relacionamento com a nossa base social, e mais, com quem freqüenta a escola, com quem freqüenta o posto de saúde, precisamos reinventar a noção de trabalhador do público, e não apenas servidor do Estado, quan-
Como não acredito em espontaneísmo,
do eu falo em servidor público ou servidor do
embora eu acredite em espontaneidade, o
Estado, eu ‘tô dizendo que é o Estado e as suas
movimento social explode muitas vezes sem que
políticas que determinam o meu movimento.
38
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
O discurso de “chega de teoria, vamos à
dizem os reformistas, maioria no Parlamento. É
prática” é um discurso complicado, até porque,
construir uma nova racionalidade, uma nova
quando se pergunta, só se pode fazê-lo com a
subjetividade de classe, a nossa. Ouvi uma
teoria e as respostas seguem o mesmo proce-
expressão que gostei muito: nossa tarefa é cons-
dimento. Posso estar redondamente enganado,
truir a indignação consciente. Indignação é fácil
mas a gente confunde muitas vezes teoria com
de se obter. Mas indignação consciente significa
a declamação dos versos sagrados. Se quiserem
transformar o programa em ação militante. Sair
esterilizar Marx, Engels, Trotsky ou Gramsci é só
da declamação, deixar de praticar ideologia pra
repetir literalmente as frases célebres; elas, por
fazer política. Isso significa pôr em marcha a
si só, não dizem nada. A teoria requer sempre
nossa teoria de revolução para que ela ocorra.
nossos problemas, nossos projetos. Sem isso, é
Caso contrário, seremos sacerdotes de uma nova
como um dicionário: cheio de verbetes que po-
seita. Se quero construir o futuro, tenho que parar
dem até esclarecer parcialmente, mas não o
de declamar os versos ideológicos por melhor
fazem na totalidade. Agora, se eu não pensar a
que eles sejam. O velho Marx dizia num texto
minha prática, se eu não teorizar a minha prá-
juvenil que a crítica das armas não substitui a
tica, eu estou fazendo a velha questão burguesa
arma da crítica, mas a arma da crítica só se
de separar teoria da prática. E, ao colocar isso,
transforma em uma verdadeira arma quando ela
quando você faz as perguntas, que são
ganha as massas, quando a filosofia se torna
perguntas fundamentais, você está teorizando.
política, quando a filosofia se torna revolução.
A teoria tem que ser sempre crítica. Tem
Resumo e concluo: a educação é para nós
que produzir novos conhecimentos, atualizar
construção de direções e de militâncias. É
nossa teoria, não para mudá-la, mas para
acelerar o futuro. Está, portanto, permanente-
compreendermos melhor o presente. Afinal
mente associada à idéia de Revolução. Sabe-
Marx, por exemplo, escreveu teses importantes
mos, contudo, que não podemos hipotecar a
no século XIX. Sua lógica e sua concepção de
vida das pessoas até chegar esse momento.
mundo, seu projeto de sociedade, tudo isso
Educação como reforma é uma etapa transitó-
permanece, no fundamental, atual. Mas ele não
ria. E escaparemos da visão puramente reformista
viveu realidades que são hoje nosso cotidiano
apenas se colocarmos a perspectiva revolu-
e, portanto, não podia ter resposta para essas
cionária. Esta será o balizamento das nossas
questões. Não era mago, mas intelectual
ações, a realização de homens e mulheres de
orgânico da classe trabalhadora.
carne e osso transformados em seres históricos,
Derrotar a ideologia do adversário significa
em seres emancipados. É difícil? Seguramente é.
tornar impossível a sua reprodução, não é apenas
Mas, como dizia Fernando Pessoa: “Tudo vale a
ganhar o discurso. Hegemonia não é ter, como
pena quando a alma não é pequena”.
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CADERNO
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DE
DEBATES
ILAESE
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Cinco observações sobre a crise da educação pública para uma estratégia revolucionária Valério Arcary, professor do CEFET/SP, militante do PSTU, é doutor em História pela USP e autor de As Esquinas Perigosas da História, situações
E
Este texto resultou de uma comunicação
apresentada no Seminário do ILAESE, em novembro de 2005. Comentaremos cinco temas que foram, na ocasião, objeto de uma discussão
revolucionárias em perspectiva marxista.
coletiva. A primeira idéia é o reconhecimento
“
do fracasso da educação pública como ins-
A doutrina materialista de que os
trumento da mobilidade social. Uma das pre-
homens são produtos das circunstâncias
missas do capitalismo era a igualdade jurídica
e da educação, e de que, portanto,
dos cidadãos. A promessa dos reformistas
seres homens modificados são produtos
brasileiros foi, contudo, ao mesmo tempo, mais
de circunstâncias diferentes e de uma
audaciosa e confusa: afirmaram, durante os
educação modificada, esquece que
últimos vinte anos de regime democrático liberal,
as circunstâncias são modificadas
antes de chegar ao poder, que a educação
precisamente pelos homens, e que
seria, mesmo preservado o capitalismo, uma via
o próprio educador precisa ser educado.
de maior justiça social. A escola poderia mudar
Leva, pois, forçosamente, à divisão da
o Brasil, diminuindo as desigualdades sociais.
sociedade em duas partes, uma das
Pela meritocracia da igualdade de oportuni-
quais se sobrepõe à sociedade (...)
dades, a chamada eqüidade, a justiça diante
A coincidência da modificação das
de obstáculos ou de barreiras que são ou
circunstâncias e da atividade humana só
deveriam ser universais, existiria a possibilidade
pode ser apreendida e racionalmente
de melhorar de vida. Todo a promessa refor-
compreendida como prática revolucionária.
mista esteve construída sobre essa tese. “Estu-
Karl Marx
dem e trabalhem duro”, e terão um futuro
“
”
A chain is no stronger
superior ao dos vossos pais. Educação e trabalho para todos garantiriam, presumia-se, maior coesão social à democracia burguesa na periferia do capitalismo, e serviriam de álibi para a confiança dos refor-
than its weakest link
mistas nas possibilidades de “controle social” do
(Uma corrente não é mais forte
mercado. Abraçados a esse programa, o desen-
que seu elo mais fraco)
volvimento econômico substituía, alegremente,
”
Sabedoria popular européia
o socialismo como horizonte estratégico da esquerda eleitoral. A democracia liberal afiançaria, gradualmente, prosperidade para todos. Seria uma questão de paciência. Mas, quando chegaram ao poder, fizeram um “desconto” na
1 Karl Marx. Obras escolhidas. Terceira tese sobre Feurbach. São Paulo: Alfa-Ômega, : s/d. p.208-209.
promessa, e o direito à educação universal foi subtraído: no lugar de mais verbas para a
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CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
educação pública, mais isenção fiscal para a
histórico anterior. Esse fenômeno é chave para
educação privada. Sobraram as políticas
compreendermos a crise atual, porque foi excep-
compensatórias como o “Bolsa-Família”: uma
cional. O padrão histórico dominante na história
amarga contrapartida.
do Brasil foi outro. Durante gerações, nossos
Todos os levantamentos estatísticos disponíveis no Censo – 2000 do IBGE e nos PNAD’s dos
antepassados foram vítimas da imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho. Os
anos seguintes informam que, apesar de me-
que nasciam filhos de escravos não tinham muitas
lhoras quantitativas modestas dos índices educa-
esperanças sobre qual seria o seu futuro. Os filhos
cionais, o projeto reformista tem sido um fiasco.
dos sapateiros já sabiam que seriam sapateiros.
O Brasil está mais injusto que há vinte anos, o
No entanto, a sociedade brasileira, entre
desemprego mais alto, os salários médios congelados, enfim, a vida ficou mais difícil. A expansão da rede pública foi significativa nos anos 1960, 70 e 80, mas não diminuiu a desigualdade social. Depois, a partir dos anos 1990, vieram as políticas sociais focalizadas que o governo Lula está executando, e fracassaram, ainda mais estrepitosamente. A mobilidade social, ou seja, a esperança de ascensão social de uma geração para outra permanece muito pequena. A desigualdade social brasileira continua entre as mais elevadas do mundo. Vinte anos de democracia burguesa e de alternância no poder municipal, estadual e nacional entre a centro-direita e a esquerda reformista, que tiveram oportunidade de aplicar os mais variados projetos educacionais, não trouxeram maior mobilidade social. Segundo dados do IBGE, os 10% mais ricos da população ainda são donos de 46% do total da renda nacional. Já os 50% mais pobres ficam com apenas 13,3%. Há décadas, o Brasil anda de lado, ou seja, fica para trás.
A educação não garante mobilidade social ascendente
1930 e 1980, mesmo considerando-se os limites impostos pelo seu estatuto subordinado na periferia capitalista, foi uma das economias com mais dinâmica no mercado mundial. Perpetuaram-se as desigualdades, certamente. Mas existiu durante décadas um capitalismo com urbanização e industrialização. Os dois processos não tiveram a mesma proporção dos anos 1930 aos 1970. O certo, todavia, é que existiu mobilidade social. Logo, a promessa reformista de que seria possível mudar o capitalismo e viver melhor, mediante uma educação pública universal – a percepção popular do nacional-desenvolvimentismo –, era uma promessa que alimentava esperanças. Garantia alguma coesão social para a dominação burguesa. A força de inércia das ilusões reformistas – a ideologia de colaboração entre capital e trabalho que resiste à necessidade do confronto e da ruptura – repousava nessa história. A sua superação exigirá uma experiência prática compartilhada por milhões. Nós, que defendemos o projeto revolucionário, não ignoramos que as massas viveram a etapa histórico-política dos últimos vinte anos
Eis a primeira questão: a mobilidade social
depositando expectativa em Lula e no PT, por-
e o lugar da educação como instrumento de
que permaneciam prisioneiras das ilusões refor-
ascensão. A primeira constatação da realidade
mistas. Não defendemos a revolução socialista
social no capitalismo periférico é que as possibili-
porque temos um temperamento exaltado. Não
dades de ascensão social agora estão congela-
apostamos que a revolução brasileira possa
das. A sociedade brasileira teve, durante algu-
vencer sem a mobilização e organização das
mas décadas, comparativamente à situação
grandes massas populares. Os mais apressados
atual, uma mobilidade social significativa. Se
e nervosos não resistem, geralmente, aos longos
analisarmos a origem social da maioria da
anos de uma militância contra a corrente. Os
população urbana adulta e, também, o que
mais exasperados, depois das primeiras decep-
podíamos chamar o “repertório cultural” das
ções, ficam pelo caminho. A luta revolucionária
gerações anteriores nas nossas próprias famílias,
é um assunto para gente muito equilibrada. A
veremos que, com raras exceções, uma grande
revolução exige dedicação, perseverança, exige
parcela foi, individualmente, favorecida pelo
espírito de sacrifício, reflexão, muita crítica, muita
aumento da escolaridade de um período
autocrítica, muita disposição de mudar. Gente
42
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
muito perturbada não tem disposição de mudar, já acha que é perfeita; os revolucionários, não. Acham que são gente incompleta, gente imperfeita, gente em construção. Acham que têm que se corrigir uns aos outros. A adesão ao projeto revolucionário fundamenta-se na História: o projeto reformista não tem viabilidade no tempo que nos tocou viver. Quando raciocinamos nesse horizonte de perspectiva, verificamos que a economia brasileira perdeu o impulso que teve até os anos 1980. Concretizemos: mobilidade social, nesse contexto, significava quais eram as possibilidades que cada um tinha de melhorar de vida, preservadas as relações sociais dominantes. Essas taxas são mais acentuadas em uns períodos e menos acentuadas em outros; há sociedades mais congeladas, numa etapa histórica, e há sociedades mais dinâmicas. A questão decisiva é que o Brasil é hoje uma sociedade muito congelada, comparativamente, àquilo que ela foi. O capitalismo brasileiro do século XXI é um capitalismo com taxa de mobilidade social muito baixa, e a educação deixou de ser um trampolim social. As possibilidades de se ter recompensas econômicas e sociais, ou uma vida mais segura
Brasil será a luta popular anticapitalista. Todas
e mais confortável, por meio do ensino, está
as promessas reformistas de que a educação
seriamente em crise. Além disso, a crise já foi per-
seria o instrumento meritocrático que permitiria
cebida pelas massas trabalhadoras, e mesmo
que cada um tivesse a sua justa função na
pelas camadas médias, ainda que façam o
sociedade, isto tudo está numa crise completa.
possível e até o impossível para garantir uma
Mas, ainda em crise, essa ideologia mantém
escolaridade elevada para os seus filhos. Na
influência entre as massas – porque as ilusões não
verdade, não nos enganemos, a função social
morrem sozinhas –, em especial entre os profes-
da educação na sociedade contemporânea é
sores, que são, paradoxalmente, um dos instru-
estabelecer a divisão do trabalho que vai
mentos sociais de convencimento de que a
permitir a perpetuação das relações sociais
escola poderia mudar a sociedade.
existentes. Ou seja, a educação não questiona as relações sociais.
A ordem capitalista não seria, todavia, possível se a maioria das pessoas não acreditasse
Uma outra forma de ilusão reformista é
que essa divisão do trabalho não é algo
acreditar na quimera de que uma população
razoável. É uma ideologia reacionária porque
mais educada mudaria, gradualmente, a
naturaliza aquilo que não é natural. Legitima o
realidade política do país. Se fosse assim, a
que é anti-humano. A ideologia de que o
Argentina ou a Coréia do Sul, entre inúmeros
capitalista cumpre uma função necessária, a
exemplos de sociedades que tiveram índices
herança é justa, a desigualdade é inevitável, e
elevados de escolaridade, não seriam infernos
a escola é o instrumento que permite a seleção
para os trabalhadores. Não há maneira de
que justifica a divisão do trabalho e a divisão
diminuir a desigualdade material e cultural sem
em classes é uma fraude. Primeira falsidade: os
a ruptura com o imperialismo. O que mudará o
patrões não são necessários. Os patrões são
43
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
O estoque da dívida interna, porém, continuou crescendo e aproxima-se de R$ 1 trilhão de reais, um número imponente.
Mas
o
que
é
mais
espantoso é que 20 mil pessoas físicas irão receber, cada uma delas, R$ 500 mil por mês com a rolagem dos juros da dívida interna. Ao mesmo tempo, todo o orçamento da Previdência social brasileira – a Previdência é, de longe,
o
programa
social
mais
significativo –, que beneficia 24 milhões de pessoas, está estimado em R$ 142 bilhões. De um lado, 20 mil rentistas. De outro, mais de 20 milhões de famílias. Esta é a realidade do Brasil. A burguesia brasileira só é identificada quando usamos o microscópio da estatística e as lentes de aumento da sociologia. É preciso uma análise liliputiana d a sociedade brasileira para encontrarmos os proprietários do capital. A educação perdeu para as famílias populares, portanto, o significado de promoção social meritocrática.
O atraso cultural da sociedade brasileira é responsabilidade do Estado O segundo tema é a idéia de que nós vivemos numa sociedade que não superou significativo atraso cultural. inúteis, os proprietários do capital são uma
Uma aferição de qual é o nível de escolaridade
excrescência parasitária que vive da extração
e o repertório médio da sociedade de hoje, em
de trabalho que não é remunerado. Segunda
relação ao que ela foi no passado, mas,
falsidade: a desigualdade não é natural. Não é
também, uma comparação da sociedade
razoável vivermos em uma sociedade na qual
brasileira com outras sociedades da periferia,
a diferença entre piso e teto das remunerações
como os países do Cone Sul, não é nada
varia de 1 para 500. Como é possível aceitar
animadora. O Brasil é uma sociedade que tem
que o trabalho de uma hora de alguém seja
uma forte defasagem cultural.
centenas de vezes mais valioso que o trabalho de outro?
O balanço é devastador: o número de estudantes matriculados aumentou, mas, para
No Brasil, a desigualdade é tão gigantesca
desespero nosso, tão lentamente, que a melhora
que a classe capitalista é invisível. Consideremos
é quase imperceptível. O número de certificados
os números: está prevista para 2005 que a
emitidos cresceu, mas a qualidade do ensino
rolagem dos juros da dívida interna deverá
caiu. Mesmo com uma presença maior das
consumir R$ 150 bilhões. No terceiro ano do
crianças nas escolas, temos ainda pelo menos
mandato de Lula, serão batidos todos os re-
14,6 milhões de analfabetos. Os iletrados são,
cordes, nunca ocorreu uma transferência líquida
contudo, inquantificáveis. O analfabetismo
de riqueza tão grande do Estado para o capital.
funcional – incapacidade de atribuir sentido ao
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CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
texto escrito em norma culta – está na escala
terial com dificuldades, mas relaciona-se com
das dezenas de milhões, talvez mais da metade
muito mais constrangimento com sua ignorân-
dos brasileiros com mais de quinze anos. Da
cia. É um tema um pouco intimidador, porém
população de 7 a 14 anos que freqüenta a esco-
inescapável para quem trabalha com educação.
la, pelo menos um em cada três não conclui o
A sociedade brasileira do início do século
ensino fundamental. Na faixa de 18 a 25 anos, apenas 22% terminam o ensino médio e, mesmo em São Paulo, menos de 20% estão matriculados em cursos superiores. Segundo Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp: “no Chile, 80% dos estudantes de 15 a 17 anos estão no ensino médio. Se quisermos chegar lá, temos que incluir 5 milhões de jovens, formar 510 mil professores e construir 47 mil salas”. 2
XXI continua uma sociedade iletrada. A burguesia fracassou em trazer o nosso povo para o que podemos chamar de um acervo cultural mínimo do século XX, que é dominar a matemática e a língua. Os “gênios” que nos governam descobriram, nestes últimos vinte anos, que educação é algo caro. O Estado não poderia remunerar o capital e garantir, ao mesmo tempo, a educação pública. Inventaram, em conseqüência,
Resumo da ópera: o Estado brasileiro,
um sistema brutal: cada classe tem a sua escola.
mesmo na forma do regime democrático – não
O ensino passou a ser uma obrigação de res-
importando quais os partidos na sua gestão, se
ponsabilidade, estritamente, familiar.
PMDB, PSDB, PFL ou PT –, continuou drenando recursos dos serviços públicos para o capital. Políticas sociais focalizadas e compensatórias, como o Bolsa-Família de Lula, e outras que a antecederam, não obtiveram resultados significativos. O Estado a serviço do capital demonstrou ser historicamente incapaz de garantir uma educação pública e universal. Muitas décadas nos separam do início do processo de urbanização e industrialização, e a desigualdade material e cultural não diminuiu. O atraso cultural da sociedade brasileira tem, entre outras manifestações, uma expressão dramática. O Brasil é um país de iletrados e semianalfabetos. É cruel constatar isso assim, todavia a realidade é incontornável. Não é fácil abordar esse tema porque a maioria dos trabalhadores nutre um sentimento de inferioridade cultural que é indivisível do sentimento de inferioridade social. Todos os que nasceram nas classes trabalhadoras têm, em maior ou menor medida, a percepção de que sabem muito menos do que gostariam de saber e, portanto, sentem inseguranças culturais. Mas essa dor é muito mais intensa nas amplas massas do nosso país. Não é só uma percepção subjetiva, há um abismo educacional. É um assunto de certa forma tabu, porque é desconfortável. Em geral, o brasileiro médio relaciona-se com sua pobreza ma-
A grande maioria do nosso povo não tem outro instrumento de comunicação que a língua coloquial. A televisão não é somente o grande canal de comunicação. Para a maioria é o único, porque estão prisioneiros da oralidade. A norma culta do texto continua um repertório desconhecido para a esmagadora maioria do nosso povo. Os números oficiais, que consideram o analfabetismo no Brasil como um fenômeno histórico residual, reconhecem algo abaixo de 15%. O último número, de 2003, registrava 12,8% de analfabetos na população com mais de 15 anos. Aqueles que trabalham em educação sabem qual é, na verdade, a dificuldade que nós temos. Pelo menos metade do povo brasileiro reconhece as letras, reconhece que as letras são símbolos gráficos que reproduzem sons, mas o domínio da escrita não é isso. A dinâmica histórica deste atraso cultural não é animadora, se compararmos o Brasil de hoje com o de nossos pais. O que aconteceu nesse intervalo de meio século em que o Brasil deixou de ser uma sociedade agrária, basicamente, é que o acesso à escola pública realmente se massificou, mas a qualidade do ensino público é atroz. Hoje, a grande maioria das crianças brasileiras com até 14 anos de idade, em números que superam os 90%, está matriculada na escola pública. Mas essa escola não corresponde às suas necessidades. O fracasso escolar pode se
1 Bia Barbosa. Carta Maior, 2/1/2006. Disponível em: <http:/ /agenciacartamaior.uol.com.br/>.
manifestar de diferentes formas: repetição em alguns estados, ou evasão em outros, ou ainda
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CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
péssimos resultados nas avaliações por provas.
decadência do ensino público, se viu obrigada
Pode ser um fracasso oculto pela promoção
a retirar seus filhos das escolas públicas e os
automática, como em São Paulo.
colocou na escola privada. Esse processo foi
Temos uma situação na qual a divisão social se manifesta pelo abismo que separa a escola pública da escola privada. Mercantilizaram a educação. O capitalismo criou um monstro: o apartheid educacional. A escola privada hoje, no Brasil, não é somente um fenômeno educacional, é um fenômeno econômico. O
potencializado por que toda a estrutura educacional foi organizada em função de um elemento exógeno, exterior ao aprendizado, o vestibular. O Brasil tem um sistema de acesso à universidade que é peculiar, é uma instituição brasileira, o exame vestibular. Ele ordena todo o edifício, e explica a privatização.
faturamento do ensino privado já tem peso
Aqueles que já passaram pela experiência
significativo no PIB; foi estimado pelo IBGE, para
do vestibular não valorizam, freqüentemente, o
o ano de 2004, acima de R$ 50 bilhões. Talvez
lugar que ele tem na estrutura educacional. Mas
nos surpreenda, mas uma das atividades menos
a morfologia da estrutura educacional no Brasil
regulamentadas pela Receita ou, se quiserem,
tem na sua raiz o vestibular. A diferença entre
uma das atividades em que há mais lavagem
ensino privado e ensino público fundamental e
de dinheiro é a educação. De tal maneira é a
médio é que o aluno, que está no ensino
sonegação, que o principal projeto educacional
público, tem muito menos possibilidades de ser
do governo Lula foi a isenção fiscal do ensino
bem-sucedido numa experiência incontornável
superior em troca de bolsas: o Prouni, que
que se chama vestibular. E o vestibular separa
renegociou dívidas em troca de matrículas.
os jovens entre aqueles que vão estudar na
Esse desastre político-educacional, um apartheid social na educação, tem uma história. A burguesia promoveu, conscientemente, por meio de seus variados partidos, o desmantelamento da escola pública, cortando as verbas, restringindo a expansão do sistema público. No Brasil, constituiu-se uma camada média urbana mais ampla a partir dos anos 1950, que, com a crise de estagnação aberta nos anos 1980 e a
universidade pública, que são as melhores do Brasil e são gratuitas, e aqueles que vão estudar no ensino privado.
A mercantilização do ensino destruiu a carreira docente O terceiro tema é uma avaliação da situação do ensino público. A educação brasileira contemporânea agoniza, porque foi completamente mercantilizada. O capitalismo destruiu a escola pública. Não é somente uma situação conjuntural. A escola primária está em crise, as escolas secundárias são impossíveis de administrar, o ensino médio e superior foi privatizado em larga escala. A educação pública é um cadáver insepulto. A promessa liberal do ensino meritocrático – “estudarás, serás recompensado” – não tem correspondência com a realidade. Esse discurso encontra uma contra-evidência brutal, esmagadora, e muito
simples.
Os
filhos
de
diferentes classes estudam em escolas separadas: segregação educacional. Isto não é secundário. Estamos tão habituados – até
46
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
resignados – com o avanço da educação
trabalho no metal, conseguiam manipular as
privada que já não ficamos chocados. A priva-
ferramentas mais complexas. Séculos antes, na
tização da educação é, claramente, um
Europa, foram os marceneiros, os tapeceiros, e,
processo mundial. Mas, em vários países
em muitas sociedades, os mineiros foram bem
europeus, os filhos das diferentes classes estudam
pagos, relativamente, por muito tempo. Houve
na
a
períodos históricos na Inglaterra – porque a
universidade. O critério de acesso para a
mesma
escola,
do
primário
até
aristocracia era pomposa – em que os alfaiates
Sorbonne, admitindo-se a classificação no exa-
foram excepcionalmente bem remunerados. Na
me de conclusão do ensino médio, permanece
França, segundo alguns historiadores, os cozi-
sendo o certificado de residência. Claro que
nheiros. Houve fases do capitalismo em que o
viver no Quartier Latin não é barato. No entanto,
estatuto do trabalho manual, associada a certas
é mais barato que pagar US$90,000 de mensa-
profissões, foi maior ou menor. A carreira do-
lidades por ano em Harvard. No Brasil, qual é a
cente mergulhou nos últimos 25 anos numa
possibilidade de encontrarmos na escola pública
profunda ruína. Há, com razão, um ressentimento
um filho de um burguês? Ao vivo e a cores, a
social mais do que justo entre os professores. A
maioria do povo brasileiro nunca viu e nunca
escola pública entrou em decadência e a
verá um burguês, muito menos na sala de aula,
profissão foi, economicamente, desmoralizada.
ao lado dos seus filhos.
Os professores foram ideologicamente
A promessa meritocrática faliu e com ela a
desqualificados diante da sociedade. O sindica-
escola pública. Todos os jovens das classes
lismo dos professores, uma das categorias mais
populares sabem que a escola em que eles estão
organizadas e combativas, foi construído como
é uma escola na qual o seu destino social já está
resistência a essa destruição das condições ma-
traçado. Aqueles que estão na escola pública
teriais de vida. Reduzidos às condições de penú-
sabem que, por maior que seja o seu talento, a
ria, os professores sentem-se humilhados. Esse
chance de mobilidade social é reduzida, e os
processo foi uma das expressões da crise crônica
filhos da classe média, que estão na escola
do capitalismo. Depois do esgotamento da
privada, sabem que vão ter que batalhar, deses-
ditadura, simultaneamente à construção desse
peradamente, para conseguir uma vaga na
regime democrático liberal, o capitalismo bra-
universidade pública. Mesmo para um jovem de
sileiro parou de crescer, mergulhou numa longa
classe média argentino, a comemoração de
estagnação. O Estado passou a ser, em primeirís-
quem é aprovado na USP – a família toda com
simo lugar, um instrumento para a acumulação
lágrimas nos olhos, como se tivessem ganhado
de capital rentista. O Estado retira da sociedade
a loteria federal – é incompreensível. Já os pou-
por meio de todos os mecanismos – o fisco e
cos que receberão herança, e vão viver da
todos os mecanismos arrecadatórios – uma par-
renda do capital, estão em absoluta tranqüili-
te da mais-valia que é produzida e a redistribui
dade, fazendo faculdades privadas no Brasil ou
para o capital. Isso significa que os serviços
no exterior. A escola pública afundou em
públicos foram completamente desqualificados.
decadência. Ela foi destruída por vários processos. Além da privatização, o principal foi a desvalorização da carreira docente, a degradação profissional dos professores. O que é a degradação social de uma categoria? Na história do capitalismo, varias categorias passaram em diferentes momentos por promoção profissional ou por deterioração profissional. Houve uma época no Brasil em que os “reis” da classe operária eram os ferramenteiros: nada tinha maior dignidade, porque eram aqueles que dominavam plenamente o
Nos serviços públicos, contudo, há diferenças de grau. As proporções têm importância: a Segurança Pública está ameaçada e a Justiça continua muito lenta e inacessível, mas o Estado não deixou de construir mais e mais presídios, nem os salários do Judiciário se desvalorizaram como os da Educação; a Saúde Pública está em crise, mas isso não impediu que programas importantes, e relativamente caros, como variadas campanhas de vacinação ou até a distribuição do coquetel para os soropositivos, fossem preservados. Entre todos os serviços, o
47
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
mais vulnerável foi a educação, porque a sua
agentes de transformação da educação serão
privatização foi devastadora. Isso levou os
os estudantes e os trabalhadores da educação,
professores a procurarem mecanismos de luta
pois são eles que a defendem contra os ataques
individual e coletiva para sobreviverem.
do Estado. Em cada momento, qual será, entre
Há formas mais organizadas de resistência, como as greves, e formas mais atomizadas, como a abstenção ao trabalho. Não é um exagero dizer que o movimento sindical dos professores, em todos os níveis, ensaiou quase todos os tipos de greves possíveis. Greves com e sem reposição de aulas. Greves de duas, dez,
os estudantes e os professores, o segmento que estará na vanguarda? Este é um falso problema. É um assunto sobre o qual não deveríamos ter um critério rígido; isso é indeterminado, é incerto. A experiência histórica sugere que, em alguns momentos, os professores serão vanguarda e, em outros, os estudantes.
quatorze, até vinte semanas. Greves com
Essa não é a opinião dos reformistas. Ao
ocupação de prédios públicos. Greves com
lado dos liberais e dos conservadores, defendem
marchas. E muitas e variadas formas de
uma campanha imunda que transforma os
resistência individual: cursos para administração
professores de vítimas em responsáveis pela crise
escolar, transferências para outras funções,
da escola, criminalizando as greves de resistên-
cargos em delegacias de ensino e bibliotecas
cia. O Estado burguês defende que é o governo
e, também, a ausência. Tivemos taxas de falta
a vanguarda, o que seria cômico se não fosse
ao trabalho, em alguns anos, elevadíssimas.
trágico. Como transferem a responsabilidade do
Além disso, temos uma parcela dos professores,
fracasso escolar para os professores e os estu-
inquantificável – é um tabu nas instituições e nos
dantes, insistem em mobilizar os pais para par-
sindicatos –, que são aqueles colegas que
ticipar nas escolas, argumentando que a pres-
freqüentam a escola, mas não dão aulas.
são externa da comunidade poderá melhorar a
Entram na sala de aula, passam uma atividade
gestão. Os neoliberais “descobriram” que o
na lousa e dispensam os alunos – faz quem quer,
problema da educação não é o corte de verbas,
quem não quer sai –, já desistiram de dar aulas,
mas a má administração. Uma campanha abje-
é o último degrau. Cria-se uma situação de
ta na televisão apresenta o trabalho voluntário
conflito latente entre os professores que dão
como a solução da escola pública, o que seria,
aula e os professores que não dão aula. Por últi-
evidentemente, risível, se não fosse desprezível.
mo, uma parcela dos professores desabou. “Surtaram”: as doenças profissionais são elevadíssimas, entre elas, a depressão é epidêmica.
Um programa socialista para a educação pública As duas últimas questões são programáticas. O quarto tema são elementos para um programa que o marxismo revolucionário poderia apresentar para a educação. Um projeto para a reconstrução da escola pública e gratuita é, também, um plano para a educação dos educadores. Ensina a sabedoria popular que podemos conduzir um cavalo até a água, mas não podemos obrigá-lo a beber. Não haverá uma nova educação sem a mobilização livre dos sujeitos ativos no processo educacional. O programa socialista para a educação brasileira começa por um resgate do lugar da educação e dos educadores. Os principais
48
Um programa para a educação tem que primeiro identificar quem são os sujeitos sociais da luta pela mudança. Não é sequer razoável pensar na luta por uma melhor escola pública se o projeto for construído “demonizando” os professores. Este ponto de partida programático, a reivindicação dos professores como sujeitos, é uma ruptura com a estratégia reformista, porque identifica o Estado burguês como o inimigo da educação, e os docentes como os protagonistas da mudança. Os reformistas defendem, exatamente, o contrário. A concepção dos reformistas é igual à dos partidos a serviço do capital: o partido burguês na campanha eleitoral diz “o nosso programa para a educação é muito bom”. Aí os reformistas, PT e PcdoB, dizem “o nosso programa para a educação é melhor”. Depois esquecem as promessas, certamente, mas a concepção comum é que, quando chegarem ao Estado, aplicarão um
CADERNO
programa
contra
professores,
porque
DE
DEBATES
ILAESE
os são
grandes sábios e os professores nem merecem ser ouvidos. A tradição
marxista
revolucionária não é essa. A tradição marxista é que as
organizações
trabalhadores,
dos
sindicais
e
políticas, são instrumentos para
os
trabalhadores
tomarem o poder, e eles, os trabalhadores, governarem a sociedade.
Um
partido
revolucionário não “toma” o poder
e
não
impõe
um
programa contra as massas; as massas
é
que
mudam
a
sociedade e tomam o poder. O partido é um
ção será “de cada um segundo suas neces-
instrumento para a revolução e um organizador
sidades; a cada um segundo o trabalho reali-
geral do projeto insurrecional. Recordando a
zado”. Isso é a meritocracia, é a eqüidade: mi-
epígrafe de Marx que abre este artigo,
lhares de vezes mais igualitária que o capita-
transformaremos a escola, transformando-nos a
lismo, mas ainda não é a igualdade social.
nós mesmos. Lutamos por uma outra escola, porque nós mesmos lutamos para sermos diferentes daquilo que fomos e somos. Não haverá uma nova escola se os professores não acreditarem nela. Não haverá uma nova escola se a juventude brasileira não for chamada a construir essa nova escola, e não tiver paixão política pelo projeto.
O projeto socialista é transformar a escola num dos instrumentos da eqüidade social. Esse projeto só será possível se os educadores compreenderem que eles têm que estar disponíveis para serem, permanentemente, reeducados. Se eles compreenderem que o processo de educação é um permanente processo de reavaliação e que, portanto, essa vida que nós escolhemos é
Um programa para a educação passa por
uma vida em que ensinar e aprender não se en-
investimentos maciços na educação, porque nós
cerra nunca. A primeira aprendizagem que existe
acreditamos que é justamente o socialismo ou,
nesta profissão é que, para ser professor, será
pelo menos, a primeira fase de construção do
preciso ser eterno estudante. Ser aquele que está
socialismo que vai, pela primeira vez na história
sempre disposto a colocar-se no lugar do outro.
do Brasil, transformar em experiência social o que hoje não são senão utopias. O projeto do socialismo é a implantação de uma verdadeira
Só a revolução socialista poderá garantir a educação pública universal
eqüidade, e a escola será um dos instrumentos
A quinta e última idéia é uma contextua-
da eqüidade. A eqüidade é a meritocracia que
lização de por que um programa tão elementar
não existe na sociedade brasileira de hoje. Mas
como a educação universal só é possível, em
a eqüidade não é a mesma coisa que a igual-
nossa opinião, com a revolução social. Só a
dade. A igualdade é “de cada um segundo suas
revolução socialista pode oferecer uma
capacidades, a cada um segundo suas necessi-
educação de qualidade, gratuita, e acessível
dades”, um critério de distribuição imortalizado
para todos. A revolução social é a de expro-
por Marx e que foi tomado por todos os igua-
pria ção do capital, um processo econômico,
litaristas do fim do século XIX. Na primeira fase
mas ela se inicia, como toda revolução, como
de transição, no entanto, o critério de distribui-
uma ruptura política. Este Estado é incapaz de
49
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
oferecer uma escola de qualidade para todos:
sociais focalizadas, como o Bolsa-Família, argu-
nunca funcionou, mas agora não é mais
mentando que, sendo as verbas públicas
possível o Estado garantir a remuneração do
disponíveis muito insuficientes para garantir
capital e os serviços públicos. É uma realidade
escola de qualidade para todos, seria preciso
internacional inquestionável. Sob o capitalismo,
atender aos mais necessitados. São, agora, os
contudo, a educação virou uma mercadoria
campeões da ideologia de que é preciso
que só é acessível a quem pode pagar. A edu-
esquecer as reivindicações históricas dos
cação é um direito essencial, uma necessidade
trabalhadores, para atender aos mais humildes.
que está entre as mais intensas. A educação
O projeto de distribuir dinheiro aos miseráveis,
abre a janela da vida na infância para aquilo
no lugar de garantir o direito ao trabalho e à
que é o nosso destino: o domínio consciente
escola universal, é, no entanto, uma política
da natureza e de nossa sociabilidade. Por essa
reacionária. Os direitos ao trabalho e à educa-
via, descobrimos a vocação de uma profissão,
ção são inegociáveis, e é preciso ter perdido,
que é o sentido do trabalho, a plena realização
além de todos os reflexos socialistas mais
do potencial humano.
elementares, até o bom senso, para renunciar
Na sociedade em que vivemos, porém, o trabalho é a maldição que nos oprime. O trabalho é o castigo que nos mortifica. É, às vezes, até a prisão, dentro da qual nós nos sentimos encarcerados. O projeto socialista é o de derrubar os muros da prisão, libertar o trabalho
a eles. Acontece que o capitalismo contemporâneo admite, todos os dias, que é impossível garantir trabalho e escola, e os reformistas resignam-se, porque estão mais comprometidos com a defesa da propriedade privada de uns poucos, do que com o direito da maioria.
da forma alienada que ele tem no capitalismo
Os reformistas argumentam, também, que
e transformá-lo naquilo que é, na verdade, o
projetos de renda mínima, como o Bolsa-
sentido da nossa existência. O sentido da nossa
Família, seriam progressivos, porque iriam além
existência é transformar as condições materiais
da relação salarial – uma das metas históricas
e culturais da vida que nos entorna. O que nos
do socialismo. O projeto socialista é, de fato, a
transforma em humanos é o trabalho. Nós
desmercantilização do trabalho, mas des-
temos necessidades mais complexas que a vida
truindo o capital, e preservando o trabalho. O
vegetal e animal, nossas necessidades não são
Bolsa-Família é, exatamente, o contrário:
resolvidas só com o consumo de oxigênio e a
mantém o capital recebendo os dividendos das
transformação de carboidratos, proteínas,
dívidas estatais, e condena os desempregados
vitaminas e sínteses químicas que alimentam
a receber esmolas, desmoralizando-os. Tem
as sinapses do nosso cérebro. Nós precisamos
como objetivo inconfessável, somente, a paz
do trabalho. Nós temos que agir. A união de
social e os calendários eleitorais nos países da
conhecimento e ação – a práxis – é o nosso
América Latina que estão explodindo. Suas se-
destino. A práxis humana é a ação de
qüelas são previsíveis: dividirão os trabalhadores
transformar o mundo e a nós mesmos por meio
entre ativos e ociosos, e promoverão a prolife-
do trabalho.
ração de uma massa lúmpen dependente do
Os reformistas ignoram a necessidade de
Estado, e por ele manipulável.
uma educação libertadora e desalienadora.
O projeto socialista, por sua vez, é incom-
Abandonaram o projeto da escola pública,
patível com a propriedade privada e com o
porque aderiram ao programa do Estado
capital. Exige que a sociedade destrua este
mínimo. Já nos alertaram que, se não pa-
Estado, e destrua toda a organização política
garmos as dívidas do Estado aos capitalistas,
que tem como uma única função proteger a
seremos vítimas de terríveis maldições bíblicas.
propriedade privada. Por que isso é precon-
Ai de nós, será a invasão dos gafanhotos, e os
dição? Nós precisamos da revolução brasileira
filhos dos corintianos nascerão todos pal-
porque essa é a única possibilidade, num inter-
meirenses. O fim dos tempos e a escuridão
valo historicamente curto, de oferecer a toda
cósmica. Defendem, portanto, as políticas
a juventude um projeto para a vida. Se não
50
CADERNO
suspendermos
DE
DEBATES
ILAESE
o
pagamento das dívidas públicas, se não conseguirmos o controle do sistema financeiro, se não limitarmos, enfim, a ação dos monopólios, garantindo trabalho e educação para todos, não haverá futuro. O lugar da escola hoje é um encontro de sociabilidade, mas não é um encontro mais com o repertório cultural que a humanidade construiu. Nós sentimos essa angústia, que é reconhecer que a escola agoniza. Nós somos, contudo, os guardiões de
de defesa. Mas não estamos sozinhos. O projeto
uma promessa: que, pela arte, a cultura, a
pelo qual lutamos, que é a promessa inscrita no
ciência, as gerações anteriores nos legaram,
programa socialista, a liberdade e a igualdade
podemos construir um mundo melhor. Os
humana, permanece sendo a causa mais
professores sentem-se tristes, sendo a última linha
elevada da época que nos coube viver.
51
CADERNO
52
DE
DEBATES
ILAESE
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
A Violência no Cotidiano Escolar Cilda Sales, Grupo de Pesquisa e Estudo dos Profissionais da Educação / SEPE – Duque de Caxias
1
dando o tema da violência no cotidiano escolar. Tema que precisamos discutir na escola, no sindicato e na sociedade. Ao estudarmos o fenômeno da violência, percebemos duas grandes linhas básicas de explicações sobre
N
suas causas:
Nunca na história da educação brasileira
a escola e seus profissionais foram alvos tão privilegiados de críticas, de desrespeito e de desvalorização. Particularmente neste momento da História, em que as forças neoconservadoras insistem na imposição de um pensamento único e de uma política de desmantelamento da escola pública, faz-se imperativo reafirmarmos nossos sonhos, ações e utopias. Faz-se urgente reforçar o reconhecimento das nossas lutas, de nossas disputas, de nossa disposição de construir o mundo novo. À luz desta reflexão, o nosso grupo de pesquisa vem desenvolvendo estudos sobre o fazer da prática docente segundo linhas que têm como perspectiva de estudo:
1. A que acredita que a violência é inseparável da condição humana e da natureza humana, ou seja, que é interna ao indivíduo e, portanto, o ser humano em si mesmo é um ser violento. 2. A que entende a violência como um fator social. Neste caso, o ser humano torna-se violento sob a influência da sociedade, compreendendo-se, pois, que a violência é de natureza social, ou seja, externa ao indivíduo: ele se torna violento porque vive numa sociedade violenta. Acrescenta-se uma outra corrente, que pensa a questão da violência como uma rede, na qual se entrecruzam os aspectos biológicos, psicológicos e sociais, em que se procurou inspiração para este trabalho.
• a formação de professores; • as questões de preconceitos (gênero, étnico, orientação sexual, social, etc.);
A teoria que compreende a violência em rede
concebe
esse
fenômeno
sempre
articulado com os outros fenômenos sociais.
• as memórias e experiências escolares;
Neste sentido, podemos dizer que a origem
•
da violência na escola pode ser encontrada
os
movimentos
políticos
na/da
educação; • a pesquisa com o cotidiano escolar. Para esse trabalho que apresentamos no I Seminário Nacional de Educação, promovido pelo Ilaese, em São Paulo, elegemos o campo da pesquisa com o cotidiano escolar, abor-
nos múltiplos fatores: políticos, sociais, culturais, individuais, familiares e, inclusive, escolares. Essa compreensão em rede coloca a violência numa perspectiva mais ampla, e muito pode contribuir para a sua análise em uma
ótica
que
supera
as
avaliações
unilaterais. Em especial no espaço escolar, pode ajudar a não absolutizar réus ou
1 Cilda Sales, Jaldete da Costa, Luciana Alves, Thays Rosalyn.
culpabilizar pessoas.
53
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Diante da complexidade dessas questões,
brigas, as discussões, a depredação são
concluímos que não é nada fácil para a escola
apontadas como formas de violência na
encontrar caminhos capazes de contribuir
escola. Poucos, porém, reconhecem como for-
para a mudança, principalmente quando
mas de violência o autoritarismo, as ameaças
temos consciência de que a solução para o
e advertências e os currículos inadequados.
problema da violência na escola depende de
Para tanto, nosso grupo elegeu trabalhar o
políticas públicas que estão sujeitas às
tema violência na perspectiva da negação,
elaborações estatais com base na ótica desta
entendendo que a negação possui efeitos nas
sociedade capitalista.
relações entre os sujeitos e também no cotidia-
A Trama da Violência na Escola
no escolar, uma vez que muitos são avaliados na perspectiva da “ausência de”.
A todo o momento, tomamos conheci-
O negar o outro e o negar do outro são
mento das crescentes políticas da desigual-
processos que passam pelo descaso, pre-
dade nas sociedades causadoras da exclusão
conceito, autoritarismo e fracasso, tão comuns
e que vêm ferindo os princípios de dignidade
na trajetória escolar dos filhos e filhas das
da vida dos trabalhadores.
classes trabalhadoras.
Em ciclos cada vez mais abrangentes, a
A escola que temos no início do século
violência vai se infiltrando em todas as dimen-
XXI não é vista e feita para os alunos das classes
sões da vida, não estando restrita apenas a
trabalhadoras. A sociedade neoliberal dita os
um espaço ou um aspecto social determi-
ritmos da formação educacional. Como
nado. Nas diferentes relações, o medo e a
exemplo, temos o currículo de Duque de
opressão fazem sentir-se ameaçando, assim,
Caxias, que apresenta um desenho em cuja
os comportamentos mais elementares como
forma há o ciclo (três anos) e a seriação (da
a solidariedade e a convivência. Todo esse
terceira a oitava série), ou seja, duas concep-
processo violento se faz sentir na cotidia-
ções de pensar o currículo, dificultando assim
nidade das escolas. Se os mecanismos vio-
a prática/teoria/prática das professoras/dos
lentos na sociedade aumentam, suas forças
professores. O terceiro ano de ciclo vem se
fazem sentir-se com maior intensidade nas
constituindo no lugar do fracasso, funcionando
relações escolares.
como uma barreira para a continuidade da
Com o aumento da violência na sociedade, certamente, a violência na escola sofrerá modificações, tanto na sua forma quanto no seu grau de expressão. O sistema capitalista visa ao lucro e tem como princípio a concentração de riquezas nas mãos de
escolarização para muitos, e servindo como argumento de acusação contra a competência das professoras/dos professores, uma vez que não são garantidos os suportes necessários para a realização do processo da alfabetização com sucesso.
poucos, tendo como contrapartida a exclusão
A grande violência constata-se na estru-
de muitos, entretanto, incitando ao consumo.
turação do espaço/tempo escolar, quando
Esses dois processos são formas de violência.
as escolas municipais trabalham com quatro
Segundo Bourdieu, há dois tipos de violência,
turnos distribuídos: o primeiro turno das 7 às
que ele denomina de violência aberta, explicita
11, o segundo turno das 11 às 15, o terceiro
e violência simbólica doce, mais refinada, que
turno das 15 às 19 horas, e o quarto turno das
nem sempre a consideramos como violência.
19 às 22 horas, levando os profissionais da
Falar em trama da violência no espaço
educação a adoecerem no seu fazer no/do
escolar é descobrir que, na maioria das vezes, sua compreensão é reduzida aos aspectos físicos. Prontamente a agressão física e verbal, as
54
cotidiano escolar. Nos últimos anos, a violência nas escolas tem assumido crescente importância, tendo em vista que pais, professores e alunos
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
vivenciam, sem paralelo, na história recente, a agressão da estrutura neoliberal. Como exemplos reais, temos: 1. Em
uma
município
escola do
Rio
no de
Janeiro, uma aluna foi atingida, por uma bala perdida,
no
pátio
da
escola
no
escola. 2. Em
uma
município de Duque de Caxias, um professor foi atingido por uma bala perdida, que estraçalhou o vidro de sua até então segura sala de aula. A violência física tornou-se uma possibilidade real nas vidas cotidianas de muitos estudantes,
professores
e
demais sujeitos da escola. Como sabemos, muitas formas de supressão da violência necessitam da intervenção de outras instâncias, dependem de políticas públicas e de um outro projeto de sociedade, com que a escola deve estar comprometida, talvez seja essa a maior
distribuídos nos seus 4 turnos, num total 44 tur-
reflexão a ser feita.
mas. Em um momento da pesquisa, ocorrendo
Entretanto, como veremos a seguir,
a culminância das atividades feitas nas aulas
algumas marcas da violência podem ser
de Ciências, que tinham por objetivo expor
prevenidas e superadas, dependendo de
trabalhos dos alunos/das alunas, estimulando
projetos mais imediatos da escola.
a criatividade e o espírito científico, que tive-
Contra a violência, nenhuma forma de violência!
ram que ser interrompidas por causa de um incidente envolvendo alguns alunos, que, além de levarem bebidas alcoólicas para a escola,
“Tem professor que qualquer coisinha ele zoa o aluno na frente da turma, isso gera violência também. Ele tem que chegar num canto e conversar. Um aluno aqui chegou a tacar a cadeira, quase acerta no professor”.(Depoimento de uma aluna da 7ª série).
jogaram as garrafas pela janela, provocando a reação dos demais participantes. O grupo de pesquisa levanta a hipótese de que podem ter havido falhas na organização da atividade e questiona a ausência da direção
Esta é a palavra de ordem, nem sempre
para acompanhar o trabalho pedagógico, o
seguida. Em uma das escolas pesquisadas no
que pode até demonstrar falta de reconhe-
2º distrito de Duque de Caxias, onde o colégio
cimento e valorização do conhecimento pro-
atende a 1.650 alunos do ensino fundamental,
duzido pelos alunos/pelas alunas. Trazer bebida
55
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
• Discutir sobre as conseqüências dos rompimentos das regras sociais e da violação aos direitos dos outros; • Estimular o senso de responsabilidade
dos
estudantes; • Promover atividades lúdicas e festas; • Investir no elo de equilíbrio entre profissionais da educação e alunos; • Repensar e encaminhar as dificuldades da equipe pedagógica: falta de profissionais e eleição direta para a direção. Nos
casos
mais
para a escola pode significar liberdade em
graves de agressão, ou seja, nas situações de
excesso ou também pode significar medição
risco, as escolas devem contar com o apoio e
de força com a escola, num momento em que
a orientação mais efetiva dos órgãos públicos
o jovem esteja passando pelo processo de
que lhe são imediatos e, se necessários, buscar
auto-afirmação e sofrendo demais a influência
ajuda de outras instituições.
do grupo. Nesse caso, deveria haver uma intervenção séria, um trabalho de conscientização com os alunos, principalmente sobre a questão de respeito ao coletivo e aos direitos dos outros. Planejar a atividade com os alunos, dividir as responsabilidades, concentrar a atividade em um determinado espaço são medidas que poderiam auxiliar no processo educativo e no
Enfim...o diálogo na contramão da violência.
Não concluir para recomeçar De modo especial, nesse contexto, o problema da violência escolar assume uma dimensão abrangente: não se trata mais de um problema específico de um professor, de um aluno, de uma escola, ou do sistema público, mas de toda uma sociedade.
controle da disciplina. Simplesmente suspender
Antes de tudo, acreditamos que a escola
a atividade, descobrir os culpados, punir os
deva estar ciente de que não irá revolver o
envolvidos são posturas de uma educação
problema da violência e nem mesmo nenhum
que trabalha na linha da “premiação e
outro cujas raízes se encontrem fora da escola;
castigo”, no exercício do corrigir, e não no da
mas, por outro lado, tem uma parcela de
conscientização.
contribuição a oferecer, como co-responsável
Para amenizar as agressões físicas e
pela construção da sociedade.
verbais, que muitas vezes são iniciadas com
Precisamos de uma escola que assuma
um “simples tapinha” ou com uma “simples
a responsabilidade de pensar e construir
palavra”, os participantes da pesquisa indicam
coletivamente um projeto político-peda-
que deve haver sempre muito diálogo e
gógico articulado com um projeto político
escuta, mas acrescentam outras sugestões:
que aponte para a ruptura com a sociedade
56
CADERNO
DE
excludente geradora da desigualdade e da violência.
DEBATES
ILAESE
até encontrarem o melhor caminho. Com o compromisso e a vontade de
Se não é um problema localizado, não se
construir esse mosaico é que as respostas irão
pode exigir que a escola fique responsável por
surgir, entendendo que a violência, como
solucioná-lo, sendo necessárias políticas
qualquer outra questão, é histórica e localizada.
públicas que garantam e ampliem os direitos civis e sociais.
Na busca por essas saídas, além do reconhecimento de que não há uma receita a
Para construir o projeto de uma sociedade
seguir, será imprescindível crer que as respostas
diferente, a escola vai precisar ousar e arriscar
podem ser construídas coletivamente, pois a
saídas, montando e desmontando idéias e
luta contra a violência não é diferente das
ações como num quebra-cabeça em que as
outras: precisa ser encarada como uma luta
peças precisam ser mexidas, re-arrumadas,
unificada e coletiva.
Bibliografia ALVES, Nilda; BARBOSA, Inês. Pesquisa no/do cotidiano das escolas. RJ: DP&A, 2001.
BOURRIEU; PASSERON. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1971.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
57
CADERNO
58
DE
DEBATES
ILAESE
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Reformas na Educação e Saúde do Professor Pedro Afonso Valadares, Professor da Rede Municipal de BH e Diretor do Sind.-UTE RMBH
E
Esse texto pretende abordar a situação
dos trabalhadores em educação, com ênfase naqueles vinculados ao setor público, a partir da compreensão do desenvolvimento das políticas públicas conectadas com a aplicação de modelos econômicos que buscaram aprofundar uma concepção de Estado mínimo, voltado cada vez mais ao gerenciamento de serviços. Este segmento, o do setor público, vem sendo direta e duplamente atingido pelas reformas do Estado. Se por um lado, enquanto servidores públicos, vêem seus direitos atacados por meio das reformas da previdência e administrativa, na condição de professores estão no centro de uma política educacional, implantada em escala global, que altera as demandas do setor, reorganiza a gestão e a atividade docente, e interfere diretamente nas condições de trabalho e vida da categoria. Há, por um lado, um profundo processo de proletarização do professor, fruto do achatamento salarial e retirada de benefícios, somado à crescente precarização de suas condições de trabalho gerada, dentre outros fatores, pelo decrescente investimento do Estado no setor. Por outro, um constante aumento das exigências, tanto no que diz respeito à formação profissional, como à diversificação e ampliação de seu público. O professor de nossos dias trabalha mais, sob maior pressão e assumindo funções que anteriormente não lhe pertencia. No entanto, é cada vez menos remunerado e reconhecido por sua atividade.
realizadas sobre o setor, traçar um panorama das condições de trabalho na educação, cujo efeito direto no professorado tem sido o da formação, no decorrer da última década e meia, de um expressivo contingente de trabalhadores doentes.
A saúde do professor(a) da rede municipal de BH A rede municipal de educação de BH, atualmente, é constituída de 182 escolas de ensino fundamental e médio, 28 unidades de educação infantil, cerca de 190 mil estudantes e 12 mil trabalhadores em educação. Desde 1995, sob a administração do Partido dos Trabalhadores 1 , o setor da educação começou a conviver com um processo de reforma educacional cujas mudanças puderam ser observadas com a implantação das medidas previstas no Projeto Escola Plural. O Projeto consiste na institucionalização de várias experiências pedagógicas realizadas na rede municipal, bem como no Brasil, como parte do processo de renovação pedagógica ocorrida na década de 1980. O Escola Plural se antecipou a LDB 9394/96 em alguns aspectos: na ampliação do ano letivo para 200 dias; na política de inclusão; na criação de ciclos de formação; em mudanças curriculares estabelecendo equidade entre as disciplinas; na aprovação automática; na pedagogia de projetos; no aumento de 8 para 9 anos do ensino fundamental; dentre outras propostas. No início, a implantação do Projeto foi marcada por um clima de grande euforia por parte dos educadores. Hoje já estamos recebendo a fatura do mesmo: frustração, sobrecarga
É nesse marco que buscaremos, apoiados na experiência da categoria e nas pesquisas
1 Desde 1993 a cidade é administrada pelo PT.
59
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Tabela 2
de trabalho e adoecimento da categoria. Sem falar que o Projeto é muito criticado pela comu-
Diagnósticos
nidade, que avalia que o ensino da rede caiu de qualidade e os estudantes saem da escola ao final do ciclo sem aprender o básico. Analisando os efeitos do Projeto Escola Plural na rede, uma recente pesquisa de mestrado, realizada por Sandra Maria Gasparini , dá conta 2
de nos mostrar uma das faces do alto preço que os educadores estão pagando por esse programa educacional: a perda da saúde. Será em base aos dados dessa pesquisa que buscaremos traçar um breve quadro do setor de educação aqui em Belo Horizonte. No que diz respeito aos trabalhadores de
N0
%
Transtornos mentais e comportamentais
2.333
15,2
Doenças do aparelho respiratório
1.855
12,2
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
1.754
11,5
Doenças do aparelho circulatório
685
4,5
Doenças do sistema nervoso
218
1,4
Doenças endócrinas, nutricionistas e metabólicas
153
1,0
7.394
48,5
851
5,6
5.301
100
Outros
BH, duas tabelas, elaboradas a partir de informa-
Registros em branco
ções constantes no Relatório da Gerência de
TOTAL
Saúde do Servidor e Perícia Médica da Prefeitura de Belo Horizonte, a GSPM, publicadas na pesquisa de Gasparini, são bastante esclarecedoras.
Os dados sobre a incidência de aten-
Tabela 1 Função
Fonte: Gasparini, Sandra Maria. Extraído e adaptado de Prefeitura de Belo Horizonte/ Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação, 2003.
dimentos e afastamentos médicos entre os
Freqüência
%
4.463
84,2
Auxiliar de Escola
438
8,3
Auxiliar de Biblioteca Escolar
87
1,6
142
2,7
2
0,0
Secretário de Estabelecimento de Ensino
40
0,8
Vice-Diretor
31
0,6
Diretor
22
0,4
6
0,1
de incidência é o das doenças relacionadas
70
1,4
ao estado mental e comportamental do
5.301
100
Professor
Técnico Superior de Ensino Coordenador de Centro de Educação Infantil
Supervisor de Alimentação Escolar Outros TOTAL
Fonte: Gasparini, Sandra Maria. Extraído e adaptado de Prefeitura de Belo Horizonte/Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação, 2003. Os dados apresentados nesta tabela referem-se aos afastamentos por cargos, não se podendo avaliar o número real de docentes afastados.
trabalhadores da rede municipal no período compreendido entre maio de 2001 e abril de 2002, levantados pela GSPM, fornecem um claro indicativo não somente do estado de saúde da categoria. Estabelecem uma clara associação entre o trabalho no setor e um tipo particular de incidência médica geradora de afastamentos do local de trabalho: os transtornos mentais e comportamentais. Se considerados os dados da Tabela II, que trata dos afastamentos, podemos detectar que entre os motivos especificados, o maior grupo
trabalhador. A pesquisa mostra também que a GSPM realizou 16.556 atendimentos de servidores da educação no citado período, e 92% (15.243) desses atendimentos provocaram afastamento do trabalho. No entanto, se levarmos em conta ainda
2 Dissertação de Mestrado de Sandra Maria Gasparini, coordenado pelas doutoras Sandhi Maria Barreto e Ada Ávila Assunção, da Universidade Federal de Minas Gerais em parceria com o Sind.-UTE Subsede da Rede Municipal de BH, sob o título: O Professor, as Condições de Trabalho e os Efeitos sobre Sua Saúde (2005).
60
que não raramente o ambiente estressante do local de trabalho pode desencadear diversas manifestações de doença no trabalhador,
não
necessariamente
CADERNO
DE
enquadradas na categoria de mentais e comportamentais, e que estas nem sempre são geradoras de afastamentos médicos, a situação torna-se ainda mais alarmante.
Professor: profissão perigo O
estudo
realizado
por
Gasparini,
incorporando dados fornecidos por outras pesquisas sobre o tema, traça um quadro bastante articulado entre as reformas educacionais e as condições de saúde dos trabalhadores da educação não somente no Brasil, mas nas diversas localidades do globo. É interessante observar como outras pesquisas nos ajudam a compreender a articulação que as políticas educacionais têm entre si e seus
DEBATES
ILAESE
encontrou níveis de estresse psicológico duas vezes maior do que na população em geral. Estudos realizados nos EUA (1976), Austrália e Nova Zelândia (1982) e Reino Unido (1991), citados pelos mesmos autores, mostraram que um terço dos professores avaliados consideram seu trabalho “estressante” ou “muito estressante”. Diversos estudos realizados em Hong Kong nos últimos anos têm mostrado que ensinar é altamente estressante. Cerca de um terço dos professores pesquisados apresentavam sinais de estresse e burnout, entre os principais problemas de saúde. Observou-se distribuição heterogênea dos sintomas, sendo que alguns professores apresentaram sinais mais graves do que outros, variando de quadros leves de frustração, ansiedade e irritabilidade até o quadro de exaustão emocional, com sintomas psicossomáticos e depressivos severos (CHAN, 2002,p.15-20).
efeitos para o docente. A citação abaixo,
Lamentavelmente, como já afirmamos
apesar de longa, é bastante ilustrativa dessa
anteriormente e fica evidenciado a partir das
situação. Segundo a autora,
pesquisas citadas, as péssimas condições de
Outros estudos obtiveram resultados semelhantes e encontraram associações com as condições de trabalho existentes. Zaragoza (1999) focalizou a evolução da saúde dos professores de 1982 a 1989, contabilizando as licenças médicas oficiais dos professores de ensino não universitários de Málaga e concluiu que, no período de sete anos, o número de professores em licença triplicou. Os diagnósticos mais freqüentes foram: distensões do tornozelo, laringites e depressões. Shonfeld (1992) realizou um estudo longitudinal envolvendo 255 professoras recém-contratadas, na cidade de Nova York, com o objetivo de estimar os efeitos das condições de trabalho sobre sintomas depressivos no grupo-alvo (...). Os resultados mostraram uma forte associação entre sintomas depressivos e ambientes de trabalho nocivos, bem como o surgimento precoce dos efeitos pesquisados, que se mantêm mesmo quando outros fatores de risco são controlados. Nesse estudo, o autor lembra também os resultados de sua pesquisa anterior, que associam ambientes perigosos, frustrantes ou carentes de controle a doenças depressivas. Pitthers e Fogarty (1995) avaliaram o estresse e a tensão ocupacionais em professores. Os maiores escores foram encontrados entre os professores, quando comparados com outros profissionais. Os resultados foram associados à sobrecarga de trabalho e aos conflitos com os superiores e as normas. Os autores ainda citam o estudo de Punch e Tuetteman, realizado em 1990, que avaliou 574 professores na Austrália e
trabalho e saúde dos trabalhadores em educação não estão restritas ao universo de Belo Horizonte. A situação é tão alarmante que vez por outra os meios de comunicação de massa abordam o tema. Esse é o caso de uma matéria publicada no caderno Sinapse, do jornal Folha de São Paulo, em setembro de 20053. Construída em base às declarações de professores da rede estadual de ensino de São Paulo, da particular, e de pesquisadores sobre o setor, a matéria cita, dentre outros elementos, as condições de trabalho como principal fator para a falta de professores, sobretudo no setor público. A profissão já não é capaz, em muitos casos, fruto das condições nas quais é exercida, de motivar e envolver os trabalhadores. Em boa parte dos casos, conforme apontam as pesquisas estudadas por Gasparini, o exercício docente está permeado pelo sofrimento não somente físico, mas, sobretudo, mental, conforme podemos observar abaixo, a partir dos dados colhidos nacionalmente entre professores. Codo (1999) estudou uma amostra de quase 39 mil trabalhadores em educação em todo o país e identificou que 32% dos indivíduos apresentavam baixo envolvimento emocional com a tarefa, 25% se
3 Folha de São Paulo. Caderno Sinapse, de 27 de setembro de 2005, p. 14 a 17.
61
CADERNO
DE
encontravam com exaustão emocional e 11% com quadro de despersonalização, podendo-se dizer, em termos práticos, que 48% da população estudada apresentava burnout. O autor esclarece os elementos que podem estar associados às queixas e ao adoecimento. Lembra que o trabalho do professor não se restringe ao exercício de sua função dentro da sala de aula, exige atualização e preparação constantes para ser realizado de modo satisfatório. Muitas tarefas são realizadas sem a presença dos alunos, fora da sala de aula e, freqüentemente, fora da escola, estendendo a jornada de trabalho. Quando o professor ministra aulas em várias turmas para alunos em níveis de ensino, escolas e turnos diferentes, a preparação das aulas vai requerer avaliações múltiplas e esquemas variados. Serão necessários maior investimento de tempo na execução de um volume maior de trabalho e mais dedicação e esforço intelectual. É Codo ainda que enfatiza o maior investimento emocional, na medida em que diariamente são estabelecidos vínculos com os alunos, com outros professores e funcionários da escola. No conjunto, os fatores citados explicariam a sobrecarga mental, situação que culmina com a exaustão mental, em que o professor se sente exaurido emocionalmente e o trabalho perde o sentido. As situações mais freqüentemente vividas, geradas pelo sofrimento no trabalho, são: depressão, fadiga, insatisfação, frustração, medo, angústia e ansiedade, até chegar à exausta(p.22).
Outro elemento importante a ser considerado é o de que o conjunto da categoria está adoecendo, seja sua parte vinculada ao setor público, seja a integrante do universo do ensino privado. Se por um lado os trabalhadores na educação da rede pública sofrem de maneira mais profunda e direta os efeitos das políticas neoliberais, materializadas na redução de investimentos, profundo achatamento salarial e aumento considerável da miséria de seu público alvo com a conseqüentemente expansão da violência nos locais de trabalho, o setor privado não está isento de problemas. A rede privada de ensino, apesar das suas características aparentemente diferenciadas em relação à rede pública, também vem sofrendo constantes alterações. Achatamento salarial, salas de aula superlotadas, aumento das exigências por qualificação profissional,
62
DEBATES
ILAESE
falta de condições adequadas de trabalho fazem parte do universo desse segmento. Pesquisas realizadas na Bahia, citadas por Gasparini, expressam um pouco da realidade do setor privado no país: Neto et al. (2000) estudaram o perfil de professores de 58 escolas da rede particular de ensino de Salvador (Bahia). Os resultados de seus estudos descrevem uma população cuja média de idade é de 35 anos, mulheres (75%) e casados (56%) em sua maioria. Chama atenção o duplo vínculo de trabalho com escola pública (20%), sendo o número médio de aulas por semana de 25 horas. Entre as queixas de saúde foram citadas: dor na garganta, dor nas pernas e costas, rouquidão e cansaço mental. As características do trabalho associadas às queixas foram: salas inadequadas, trabalho repetitivo, exposição ao pó de giz, ambiente de trabalho estressante, ritmo acelerado de trabalho, desempenho das atividades sem materiais e equipamentos adequados e posição de trabalho incômoda. Ressaltam-se os aspectos positivos do trabalho mencionados pelos professores, que destacam a boa relação com os colegas, a autonomia de planejamento, a satisfação no desempenho das atividades e a existência de banheiro privativo e existência de espaço para descanso. Delcor et al. (2004) realizaram um estudo transversal na rede particular de ensino da cidade de Vitória da Conquista (Bahia) no grupo de professores do pré-escolar ao ensino médio. (...) Os resultados apontam uma população jovem (idade média de 34,5 anos), composta, principalmente, de mulheres (83%), em sua maioria casadas (65%), com nível de escolaridade superior (72%), sendo que mais da metade (52%) trabalhava em outra escola. Entre as queixas de saúde apresentadas destacaram-se: cansaço mental (60%), dor nos braços e ombros (52%), dor nas costas (51%), formigamento nas pernas (47%), dor na garganta (46%) e rouquidão (60%). Permanecer em pé e corrigir trabalhos escolares foram os esforços físicos mais freqüentes. O Job Content Questionnaire, incorporado ao questionário, identificou como aspectos negativos para o bom desenvolvimento do trabalho o ritmo acelerado (68%), posição inadequada ou incômoda do corpo (65%), atividade física rápida e contínua (64%) e longos períodos de concentração numa mesma tarefa (52%). Mais de 90% dos professores que participaram do estudo demonstraram necessidade de maior criatividade e de maior nível de habilidade para aprender coisas novas. Segundo a população estudada, os colegas de trabalho foram considerados “amigáveis”. O Self Questionnaire Report-20 estimou uma
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
prevalência de distúrbios psíquicos menores em 41,5%, variando de 17 a 66%, a depender da escola onde o profissional se inseria, estando fortemente associada ao trabalho repetitivo, ao volume excessivo e ao ritmo acelerado de trabalho, à intensa concentração em uma mesma tarefa e ao tempo insuficiente para a realização de outras.(p.20-22).
mente na última década e meia, principal-
Um outro elemento presente no universo
ser ressaltadas. A primeira delas, apontada
dos professores do ensino privado, apontado
invariavelmente pelos professores que vêm
inclusive pela matéria já citada anteriormente
lidando diretamente com a política de inclu-
divulgada pelo jornal Folha de São Paulo diz
são em salas de aula, é a da falta de preparo
respeito ao crescimento da concepção de uma
profissional e condições de trabalho para o
relação no interior das escolas fundada no
recebimento desse público. Constituído por
entendimento do aluno como cliente. Típica da
crianças e adolescentes que possuem desde
sociedade capitalista, mas aprofundada em seu
necessidades especiais leves como, por exem-
momento de predomínio do neoliberalismo,
plo, as de locomoção, às portadoras de doen-
essa concepção de que o professor é pago pelo
ças neurológicas graves, com limitações mo-
dinheiro do aluno e, portanto, deve estar sub-
toras e cognitivas, a inclusão tem se consti-
metido aos seus caprichos, desejos e direitos de
tuído em forte elemento de stress no professor.
consumidor, acrescenta ao exercício da profis-
Essa situação é ainda agravada pela forma
são um ambiente de constante pressão e desqualificação profissional, não somente por parte do aluno, mas da escola que não quer perdê-lo.
mente aqueles ligados ao universo do ensino público, têm se deparado com a chamada política de inclusão, que visa trazer para a sala de aula crianças e adolescentes portadores de deficiência. Nesse campo algumas questões precisam
como os diferentes governos impõem essa política. Na maioria das vezes o professor que se diz não apto a lidar com a inclusão é visto
Se não bastassem todos os elementos já
como alguém dotado de preconceitos, incapaz
citados, o conjunto dos docentes, particular-
de incorporar no seu dia-a-dia as diferenças. A
63
CADERNO
DE
DEBATES
Considerações finais
responsabilidade é, portanto, transferida do público, para o indivíduo, o professor. Como expressão dos problemas enfrentados pelos professores no que diz respeito à política de inclusão, Gasparini cita uma pesquisa realizada entre 163 professores do ensino fundamental de Santa Maria (RS), que reproduzimos abaixo: Nesse estudo, foram identificados vários agentes estressores com os quais o professor tem de lidar no seu cotidiano profissional. A falta de preparo dos professores para o processo de inclusão foi a principal fonte geradora de estresse por eles apresentada. Os docentes pesquisados citam como fatores de agravamento do problema a quase inexistência de projetos de educação continuada que os capacite para enfrentar a “nova” demanda educacional; o elevado número de alunos por turmas; a infra-estrutura física inadequada; a falta de trabalhos pedagógicos em equipe; o desinteresse da família em acompanhar a trajetória escolar de seus filhos; a indisciplina cada vez maior; a desvalorização profissional e os baixos salários, situações que fogem de seu controle e preparo. Sentimentos de desilusão, de desencantamento com a profissão foram freqüentemente relatados, evidenciando a vulnerabilidade dos profissionais estudados ao estresse. A autora desse estudo conclui que as atividades pedagógicas permeadas por circunstâncias desfavoráveis forçam a uma reorganização e improvisação no trabalho planejado, distorcem o conteúdo das atividades e tornam o trabalho descaracterizado em relação às expectativas, gerando um processo de permanente insatisfação e induzindo a sentimentos de indignidade, fracasso, impotência, culpa e desejo de desistir, entre outros (NAUJORKS, 2002,p.17-18)).
ILAESE
Podemos entender, com base nesses estudos, que a profissão de professor é insalubre, de alto risco, dadas as condições nas quais o professor
está
trabalhando.
Com
essa
constatação, faz-se necessário elaborar políticas que ataquem o problema. O primeiro passo que precisamos tomar é o da ampla denúncia das condições do trabalho docente: os baixos salários, as várias jornadas de trabalho (associado à condição da mulher que, segundo dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, somam 83% da categoria), a violência a que os trabalhadores(as) estão submetidos constantemente, o adoecimento. Somado
às
denúncias,
precisamos
desenvolver uma luta implacável contra o projeto neoliberal que estabelece as diretrizes internacionais para as reformas educacionais que estão em curso no mundo. A unidade da categoria com os demais trabalhadores e estudantes contra a retirada de direitos promovida pelas reformas neoliberais do governo Lula/FMI em parceria com os governadores e prefeitos é fundamental. Precisamos, desde já, construir uma jornada nacional de luta em defesa da educação pública, gratuita, laica e de qualidade, incluindo aí a valorização dos trabalhadores em educação com o atendimento de sua pauta de reivindicações. O centro dessa luta tem que
A política de inclusão, além de muitas ve-
ser autonomia e financiamento; a suspensão do
zes transitar no campo meramente demagó-
pagamento das dívidas externa e interna
gico, prejudicando inclusive a criança ou ado-
também deve constar em nossa pauta, pos-
lescente com necessidades especiais severas,
sibilitando assim investimento para as políticas
que necessitaria de uma dedicação maior do
públicas, a exemplo da educação e saúde. Ou
professor para desenvolver-se, tem auxiliado
seja, somente a luta pode reverter essa situação
fortemente no processo de desencantamento
que conspira contra a educação pública e
e fadiga do profissional da educação.
contra a vida.
64
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
A Condição da Mulher Profissional da Educação Janaina Rodrigues, Professora de História – Oposição Alternativa – Apeoesp
D
Definimos como opressão “o aprovei-
tamento de desigualdades para pôr em desvantagem e submeter um grupo social com base em diferenças raciais, sexuais, nacionais e de outro tipo. Sendo que a opressão é sempre utilizada pela classe dominante para submeter a classe social explorada e justificar essa exploração”. (Tese da Oposição Alternativa para o Congresso de 2004) Sendo assim, a opressão da mulher é utilizada para justificar e ampliar a exploração da classe trabalhadora, portanto é um instrumento do capitalismo que se manifesta de várias formas: reprodução e manutenção da força de trabalho, por meio do trabalho doméstico não remunerado e a utilização da mão-de-obra feminina com salários menores, propiciando maior extração de mais-valia.
Podemos então concluir que a feminilização da profissão beneficia os agentes do capital sedentos de lucro, por meio dos baixos salários, do desprestígio social, da ausência de creches, auxílio-maternidade, licença-amamentação, etc. Para justificar a opressão, criou-se o mito da inferioridade feminina, apresentada com maior ou menor ênfase, a depender do contexto histórico. Atualmente a tese da inferioridade é disfarçada pelo conceito de “desigualdades”. A mulher não tem a mesma inteligência do homem, mas possui raciocínio mais rápido, tem habilidades específicas, como a intuição feminina. A opressão é comum a todas as mulheres trabalhadoras que são mais oprimidas que as mulheres burguesas, e, para justificar tal afirmação, a dupla jornada de trabalho é um bom exemplo. Enquanto a maioria das assalariadas tem, depois de trabalhar na fábrica, no escritório ou no campo, de cumprir tarefas domésticas, as mulheres burguesas ou de classe
O rebaixamento de salários pode se ma-
média podem relegar a outras mulheres essa
nifestar também de forma sutil, como no caso
tarefa. As mulheres burguesas, em síntese,
dos profissionais da educação, em que, em São
utilizam-se da opressão de seu sexo para melhor
Paulo, por exemplo, as mulheres somam cerca
explorar as trabalhadoras. Portanto, se há
de 80% da categoria, pois a tradicional
afinidade entre o sexo feminino na luta gené-
feminilização da categoria carrega consigo a
rica contra a opressão, essa unidade é limitada
discriminação de gênero. (Tese da Oposição
pelo papel que cada setor ocupa na produ-
Alternativa para o Congresso de 2004)
ção. Apenas as mulheres trabalhadoras, pelo
Se analisarmos as diferentes funções dos
fato de serem oprimidas e exploradas, podem
profissionais da educação, percebemos que, no
lutar de forma conseqüente contra a opressão.
ensino básico, onde se concentra o maior nú-
Quando analisamos especificamente o
mero de mulheres, os salários são menores do
caso das profissionais da educação, a
que no ensino médio, onde aumenta o número
expressão “dupla jornada” torna-se um tanto
de homens; e no ensino superior, onde cai dras-
quanto amena, pois sabemos que sua jornada
ticamente o número de mulheres, os salários são
não se restringe ao horário de trabalho e
maiores.(Janaina Rodrigues. Pesquisa realizada
sobrecarga doméstica, pelo fato de que esse
em 2003, no sistema educacional francano.)
é um setor em que o trabalho não se restringe
65
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
às paredes da escola, pois conta com a ela-
oferece generosamente, cada vez maior com
boração e o desgaste psicológico. Esse des-
anos de ataques neoliberais ao serviço
gaste, ao qual nos referimos, precisa ser anali-
público. A isso, ainda será acrescida a situa-
sado de forma aprofundada, pois consiste nos
ção de precariedade das condições de vida
problemas estruturais da categoria vivenciados
dos estudantes, filhos de nossa classe, cada
cotidianamente. Comecemos então pelo
dia mais atacados pelos interesses do capital,
trabalho doméstico, desempenhado via de
e tendo como conseqüência imediata a de-
regra por mulheres, trabalho que não é remu-
generação das condições de vida, que, na
nerado e nem sequer reconhecido socialmente
maioria das vezes, inviabiliza qualquer pro-
como trabalho, sendo esta “... uma atividade
posta pedagógica que não leve esses
pela qual a força de trabalho é gerada e
componentes em consideração.
reposta todos os dias”. (TOLEDO, Cecília, p. 20).
Saindo novamente do ambiente escolar,
Ou seja, após gerar seu próprio trabalho pro-
vem o trabalho de revisão e correção do que
dutivo, e muitas vezes o de outras pessoas com
foi feito em horário formal, mais tempo de
que compartilha sua vida doméstica, nova-
trabalho não remunerado que irá culminar
mente irá desempenhar um trabalho não remu-
com a ausência de creches em período diurno
nerado, a elaboração pedagógica, desem-
e noturno.
penhada fora do horário de trabalho, para que o trabalho em sala de aula seja assegurado.
A opressão à mulher não é uma invenção do capitalismo, mas uma característica das
Ao adentrar no espaço escolar, a traba-
relações sociais desde o surgimento da pro-
lhadora poderá contar então com a falta de
priedade privada dos meios de produção. Isso
estrutura física e pedagógica, que o Estado
significa dizer que, durante um longo período da
humanidade,
antes
da
divisão
da
sociedade em classes sociais, a mulher exerceu em pé de igualdade com o homem, ou mesmo com vantagens em relação ao sexo oposto, seus direitos sociais. Essa afirmação é relativamente nova: só a partir dos estudos de Lewis Morgan, em meados do século passado, pode reconstituir-se a origem da família desde a Pré-História. O que muitos cientistas comprovaram, desde essa época, é que, independentemente das características originais que assumiram as diversas comunidades primitivas em vários países e até continentes, elas tinham estruturas comuns de organização familiar, que correspondiam ao seu grau de desenvolvimento e às suas necessidades de sobrevivência. No chamado comunismo primitivo, os bens materiais eram coletivos, isto é, pertenciam à comunidade. Nesse longo período da História da humanidade, os indivíduos evoluíram da coleta de alimentos e da caça para a agricultura e a domesticação de animais. Como não existia propriedade privada dos meios de produção, também não existiam classes sociais.
66
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Na família primitiva, o matrimônio reali-
nasceu oprimida, mas passou a sê-lo por
zou-se, durante um largo período, em grupos
inúmeros fatores, dentre os quais o decisivo
dentro das gens (estrutura familiar de laços
foram as relações econômicas, que depois
consangüíneos), os homens eram maridos e as
determinaram toda a superestrutura ideoló-
mulheres, esposas. Não havia relações mono-
gica de sustentação dessa opressão: cultura,
gâmicas. Os homens eram pais de todas as
crenças, valores e costumes” (p. 23). É apenas
crianças e as mulheres, mães. Em um sistema
no capitalismo, quando novamente é cha-
como esse, a descendência só podia ser verifi-
mada a reintegrar-se às atividades sociais, que
cada por meio da mãe, o que originou o ma-
surgem as condições objetas para que passe
triarcado. A importância da mulher, como
a questionar a opressão.
reprodutora e único pilar seguro da descendência familiar, estendia-se também às tarefas que desempenhava na comunidade: a transformação dos alimentos e o desenvolvimento da agricultura.
Isso não significa dizer que o capitalismo possa realizar a emancipação feminina. O proletariado moderno, a classe que pode acabar com todas as classes, surge nesse modo de produção, mas só com sua destruição al-
As comunidades matrilineares foram subs-
cançará o fim da exploração. Se o capitalismo
tituídas pelas sociedades patrilineares quando
dá as condições materiais para que a mulher
o
do
possa questionar e lutar contra a opressão, sua
pastoreio e das técnicas de fundição de metais
emancipação só será alcançada, como no
para a criação de novos instrumentos
passado, em uma sociedade sem classes sociais.
propiciou o surgimento do excedente de
“Como padrão de desigualdade, a dominação
produção. Por um lado, foram os homens que
sexual é muito mais antiga historicamente e
passaram a controlar as mais sofisticadas
muito mais profundamente arraigada na
técnicas
desenvolvimento
da
agricultura,
produção,
cultura do que a exploração capitalista (...)
controlando também os excedentes que
Qualquer movimento que encarne valores
geraram. Por outro, como nos matrimônios por
capazes de realizar uma sociedade sem
grupos
e
instrumentos
de
a
hierarquia de gêneros seria constitutivamente
sociedade
incapaz de aceitar uma sociedade fundada na
readequou-se para que os homens pudessem
divisão em classes” (ANDERSON, Perry. A Crise
legar aos seus filhos legítimos os bens que
da Crise do Marxismo).
era
descendência
impossível paterna,
determinar a
acumularam em vida. Para garantir a herança, surgiu a monogamia. Para Friedrich Engels, em seu livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, o desmoronamento do direito materno (matriarcado) correspondeu à “grande derrota histórica do sexo feminino em todo mundo”. Afastada da produção social, a não ser como
A escola na condição de aparelho ideológico do Estado e conseqüente reprodutora do machismo Entre os meios de escravidão moral e ideológica da classe trabalhadora que estão à disposição da sociedade capitalista, é preciso mencionar a escola oficial.
escrava, a mulher recolheu-se ao mundo
O docente assalariado pelo Estado, ao
doméstico, onde a tarefa de reprodutora de
trabalhar por mais tempo que o requerido para
seres humanos, que no passado tinha sido seu
pagar o custo da sua força de trabalho, não
principal trunfo, tornou-se o seu mais pesado
está produzindo uma mercadoria que possa
grilhão. Cecília Toledo acrescenta ainda que
ser “capitalizada no mercado”. Mas seu
“A opressão da mulher é, portanto, um pro-
trabalho não deixa de ser essencial para o
cesso ligado às transformações ocorridas nas
capitalismo, pois ele consiste em criar futuros
relações humanas desde as primeiras socie-
assalariados com uma capacitação mínima
dades que se conhece. As descobertas antro-
para desempenhar distintos trabalhos. Quanto
pológicas permitem afirmar que a mulher não
mais assalariados capacite em menos tempo,
67
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
na mesma proporção barateia o custo dessa
gógica, mas mediante combate sistemático
futura força de trabalho.
ao machismo na esfera política e social, por
Ao falar em baratear o custo da força de trabalho, novamente nos remetemos à opressão, traduzida nesse momento mediante a reprodução institucional do machismo no ambiente escolar por intermédio das relações
meio da luta cotidiana pelo socialismo, único sistema capaz de libertar a classe trabalhadora de todas as formas de opressão e conseqüentemente de libertar as mulheres trabalhadoras dos grilhões da opressão e da exploração.
de trabalho e do processo pedagógico, como,
Outro exemplo a ser citado, agora no âm-
por exemplo, nos conteúdos dos livros
bito das relações de trabalho, é o assédio moral
didáticos nos quais se demonstra a natu-
e ou sexual, constituindo muitas vezes elemento
ralização de características culturais na relação
desencadeador de doenças de trabalho, que
entre os sexos. Dão formas de comportamento
se constitui de situações nas quais superiores
escolhido por nossa sociedade e transmitidas
hierárquicos nos submetem a situações vexa-
por meio da educação como reflexo da ideo-
tórias, humilhações públicas e coações, tendo
logia burguesa que atende aos interesses
sempre como objetivo o controle da força de
imediatos do capitalismo, ou seja, justificando
trabalho, por meio de métodos autoritários.
e ampliando a exploração de uma classe sobre a outra. Pois, quando analisamos o conteúdo pedagógico dos materiais colocados pelo
Opressão e exploração da profissional da educação
Estado, percebemos nitidamente os mitos que
Atualmente representamos 51% da popu-
constroem o imaginário popular, fundamen-
lação brasileira, e 41% da PEA (População
tando a opressão, como o mito dos heróis
Economicamente Ativa). Cerca de 30% das
históricos (homens) e a inexistência da história
brasileiras são chefes de família.
da mulher que vem acompanhada de normas de conduta rigidamente formada para homens e mulheres, e os encarregados de desempenhar esse serviço sujo somos nós, profissionais da educação, pagos pelo Estado para reproduzir sua ideologia, justificando sua existência. Oficialmente, a escola tem uma dupla função: formação social e intelectual dos indivíduos, ou seja, criar uma capacitação mínima para que esses indivíduos possam desempenhar distintos trabalhos e se adequar à sociedade tal qual ela se apresenta. Sendo assim, torna-se um instrumento do Estado em nome da manutenção do Estado capitalista de formas explícita e implícita. Os livros didáticos e os conteúdos pedagógicos trazem idéias implícitas que atuam de forma repressora, com eficácia superior aos discursos claramente formulados.
Possuímos em média mais escolaridade que os homens, entretanto, não ocupamos cargos compatíveis com a nossa formação, geralmente nos encontramos em postos mais precários e menos remunerados. Recebemos em média 43% menos que os homens pelo mesmo trabalho. A principal profissão das mulheres no Brasil é o de empregada doméstica; 61% destas trabalhadoras são negras ou afro-descendentes; 24,7% recebem um salário mínimo; 21,5% recebem dois salários mínimos e 20,7% não recebem remuneração nenhuma. Segundo dados divulgados pelo Unicef e Unesco, existem cerca de um bilhão de analfabetos em todo o mundo, dos quais dois terços são mulheres. Dos mais pobres do mundo, 70% são mulheres. Esses dados ilustram bem a situação da mulher dentro e fora do mercado de trabalho em nosso país e no mundo. Revelam-nos maior
Essas formas de comportamento induzidas
participação da mulher no mercado, entretan-
socialmente são reflexos da ideologia domi-
to em condições precárias de contrato e traba-
nante e não inerentes ao ser humano, portanto,
lho, bem ao gosto do neoliberalismo, que tem
podem ser modificadas. Mas essa transfor-
lançado mão das mulheres que historicamente
mação não é possível somente na esfera peda-
sempre fizeram parte do exército de reserva de
68
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
mão-de-obra do capitalismo, para intensificar
à questão da mulher e do conjunto da classe.
a exploração, jogando nas costas das mulheres
Num momento em que as mulheres no
trabalhadoras o peso da crise estrutural do capitalismo mundial, apoiando-se na desigualdade entre os gêneros, no machismo disseminado em nossa cultura e reforçado por esse sistema da opressão de homens e mulheres, negros, indígenas, crianças e idosos. A mulher, que continua escrava do lar, responsável pelas tarefas domésticas e criação dos filhos, tem sido a vítima predita do subemprego, da flexibilização, do trabalho temporário, parcial, informal, em domicílio, ocasionando perda de direitos essenciais tais como creche, auxílio-maternidade, etc. A situação da trabalhadora na educação no Estado de São Paulo (que somam cerca de 80% da categoria) não é diferente.
mundo são atingidas pelo imperialismo por meio de guerras, pela crise do capitalismo gerando fome, desemprego e retirada de conquistas trabalhistas, o maior sindicato da América Latina tem que alavancar a luta contra esse modelo econômico que escraviza as trabalhadoras. As servidoras são duplamente atacadas por um governo neoliberal que tem se perpetuado no Estado e por um governo federal eleito pelos trabalhadores, mas que segue dando continuidade à política econômica de total subserviência ao capital internacional, com recordes de superávit primário, aumento de juros a custo do aumento do desemprego, arrocho e inflação corroendo os salários, cortes de verbas nas áreas sociais e redução de direitos trabalhistas, tais como o da Seguridade
A categoria de professores hoje, segundo
Social, ameaçada pela reforma da Previdên-
a CNTE, é uma classe doente, vítima em po-
cia, que tramita no Congresso, e, na Assem-
tencial da síndrome de Burnout. Não sabemos
bléia Legislativa de São Paulo, a já aprovada
precisar quantas professoras nos últimos anos
PLC n° 09/2004, que aumenta em 5% o desconto
de ataques neoliberais em São Paulo adqui-
para o IPESP, saltando dos atuais 6% para 11%,
riram doenças mentais (tais como depressão,
que somados aos 2% de desconto do IAMSP,
estresse, síndrome do pânico) e cardiovas-
eleva o desconto a 13%.
culares em decorrência das más condições de
Aumentar em sete anos a idade mínima
trabalho, do risco permanente do desempre-
para aposentadoria, ameaçar por meio da
go, da dupla/tripla jornada, da escalada da
implementação da ALCA (Área de Livre Co-
violência, etc. Essas são as mais comuns
mércio das Américas) e da reforma Trabalhista
doenças do trabalho decorrentes de toda a já
flexibilizar direitos, reduzir a licença mater-
citada precariedade das condições de vida e
nidade de 120 dias para 4 semanas, acabar
trabalho a que somos submetidas. Fato é que,
com a diferenciação entre homem e mulher
mesmo adotando políticas de bonificações
para efeitos de aposentadoria, tendo por base
para punir os professores faltosos, é grande o
o fato de que as mulheres têm uma expectativa
número de licenças dos servidores para trata-
de vida maior, desconsiderando a dupla
mento de saúde. E esse fenômeno requer um
jornada, o jugo doméstico, o cuidado com os
olhar mais atento em relação a quantas profes-
filhos, é inadmissível.
soras no Brasil são chefes de família. Onde e com quem ficam seus filhos? Por que mesmo sendo uma categoria composta por mulheres, poucas militam sindicalmente e ocupam postos diretivos? O que fazer em caso de assédio no ambiente de trabalho? E no sindicato? Respostas a essas e outras questões são decisivas para o movimento organizado dos
Como podemos perceber, o capitalismo retira da mulher o direito de maternidade, pois o Estado não garante o básico às mulheres e seus filhos: emprego, condições dignas de vida, saúde e alimentação.
A negação do direito à vida e à maternidade
trabalhadores, que precisa viabilizar efetiva-
Todos aqueles que atacam o direito ao
mente uma política permanente em relação
aborto vivem falando em “direito à vida”, algo
69
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
com as situações de ausência de estrutura para o exercício do direito à maternidade e com a recorrente gravidez de jovens com as quais trabalhamos
todos
os
dias, e que são vítimas da falta de informação, reflexo do moralismo e do conservadorismo que só pode ser visto como hipocrisia desvelada quando, à maioria das mulheres, é negado não só o direito à vida como também à própria maternidade. Dados, infelizmente, também não faltam nesse sentido. No Brasil, mais de 50% das adolescentes brasileiras sexualmente ativas não utilizam nenhum método contraceptivo, o que faz com que 20% de todas as gestações aconteçam no primeiro ciclo menstrual das adolescentes. A cada dez mulheres brasileiras, três têm um filho antes dos 15 anos. Acuadas pela miséria, o despreparo e todo tipo de marginalização, muitas dessas meninas procuram o aborto. Contudo, não são apenas as que optam por interromper a gravidez que sofrem ou morrem em decorrência da falta de atendimento decente. Hoje, 98% dos casos de mortalidade materna poderiam ser evitados se houvesse acesso aos serviços e atendimento na hora do parto.
da
ideologia
dominante, e da falta de condições objetivas para se precaverem.
O capitalismo é incapaz de acabar com a opressão à mulher Em função de suas lutas e das necessidades do modo de produção capitalista, as mulheres conseguiram grandes avanços sociais, que se expressam em leis, prevendo direitos iguais aos dos homens em terrenos que variam da posse de bens à participação política. A cada vez maior integração das mulheres ao mercado de trabalho, principalmente a partir da I Guerra Mundial, foi alavanca para que pudessem reivindicar seus direitos e lutar contra a opressão. Nos países de capitalismo desenvolvido, principalmente, começa a ser comum existirem mulheres destacando-se na política e nos negócios ou mesmo governando. Esses fatos, porém, são exceções. As conquistas femininas, direito ao voto, legalização do aborto e do divórcio,
Por fim, quando as mulheres decidem ter
leis que punem a discriminação no trabalho
seus filhos, o pleno direito ao exercício da
e na vida social e o abuso sexual praticado
maternidade nos é negado, uma vez que o sistema nega o atendimento básico. Por essas e outras, a luta pela descrimi-
pelos homens, etc. ainda não são exercidas em todos os países e, mesmo onde são asseguradas pela lei, estão sempre ameaçadas.
nação e legalização do aborto é pelo direito
Mesmo nos Estados Unidos, onde o mo-
das mulheres decidirem sobre o seu próprio
vimento feminista foi mais forte nas décadas de
corpo. Pelo direito de decidirem pela vida.
1960 e 70, as estatísticas comprovam que as
Assim se mostra extremamente necessária
mulheres continuam ganhando menos do que
a luta permanente por políticas públicas de
os homens pelo mesmo trabalho e exercendo
orientação sexual e distribuição ampla e gra-
as atividades profissionais mais desprezadas e
tuita de métodos contraceptivos. Torna-se
mais mal remuneradas. Até o direito ao aborto
necessária essa discussão no contexto em que
está sendo questionado em vários estados do
estamos inseridas, pois cotidianamente lidamos
país. Nos países dependentes, como o Brasil, a
70
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
opressão-exploração é, ainda, mais brutal. O
capitalismo, se acentua. E isso explica também,
problema é que, no capitalismo, a opressão às
tendo como cenário a classe trabalhadora,
mulheres, com todos os seus componentes
como a opressão está intimamente ligada à
ideológicos e econômicos, é fundamental para
manutenção da exploração. A cada vez maior
a manutenção da exploração.
integração da mulher ao mercado de trabalho
Ao não ser a propriedade um bem coletivo, mas apropriado de forma individual, o capitalismo não pode prescindir da família monogâmica que garanta a posse das riquezas para os herdeiros burgueses. O “direito” de herança é um pilar do capitalismo, assegurado pela família monogâmica patriarcal, que só existe acorrentando a mulher ao “lar”. A família, no decorrer da História, sofreu várias alterações. O capitalismo a reduziu ao trinômio pai, mãe e filhos, mas não a aboliu. Cada um desses componentes tem a sua função predeterminada e justificada do ponto de vista econômico e ideológico. À mulher cabem, ainda, as tarefas de reprodução e os cuidados domésticos. É exercendo essas atividades econômicas que as mulheres asseguram aos capitalistas sua
não significa uma progressão que a levará ao fim da opressão. A opressão às mulheres tem uma dupla validade para a exploração: ao mesmo tempo em que os baixos salários pagos à mulher (pelo fato inclusive de ser mulher) aumentam a taxa de mais-valia, o papel que ocupa na família desobriga o Estado burguês de cumprir um papel social. Cabe às mulheres, e não ao Estado, cuidar da alimentação dos membros da família, da educação das crianças, da manutenção da casa, etc. Por isso, por mais que a família se transforme no capitalismo, ela não desaparece. Da mesma forma, a opressão à mulher.
O papel da Conlutas na luta feminista-marxista
maior contribuição na extração da mais-valia.
No atual contexto histórico, percebemos
No mercado de trabalho, as mulheres fazem
a abertura para a reorganização do movi-
parte do exército industrial de reserva, con-
mento dos trabalhadores pela busca da uni-
vocado amplamente em momentos de pros-
dade dos trabalhadores contra o imperialismo,
peridade (ainda que relativa) ou de guerras, e
os governos neoliberais e seus representantes
dispensado durante as crises econômicas,
nas burocracias sindicais.
como acontece agora, desde a recessão iniciada na década de 1980.
A Conlutas, que se apresenta como um instrumento dos trabalhadores neste impor-
E bom frisar que essa participação no
tante processo, não só pode como deve,
mercado de trabalho não é um fato novo.
como instrumento de classe, abarcar a ban-
Desde a Revolução Industrial, as mulheres ven-
deira do feminimo marxista como forma de
dem, a preços miseráveis, a sua força de
organizar os trabalhadores em torno de seus
trabalho. Hoje, esse fenômeno, típico do
objetivos comuns.
Bibliografia CADERNOS do Ilaese. As classes sócias no capitalismo. Ed. JL Sundermann.
MORENO, Monserrat. Como se ensina a ser menina. Moderna, 1999.
______. O estado e a revolução. Ed. JL Sundermann.
TESE da Oposição Alternativa para o Congresso, 2003.
FRIEDRICH, Engels. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Escala, 2003.
TOLEDO, Cecília. Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide. Cadernos Marxistas, São Paulo, 2001.
71
CADERNO
72
DE
DEBATES
ILAESE
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Funcionários de Escola: Terceirização é uma Ameaça ao Trabalho Nando Poeta, membro da Oposição do Sinte-PE
previdenciária, trabalhista) tem como objetivo central desregulamentar os direitos garantidos na legislação, afetando duramente quem vive
“
do trabalho, retrocedendo nas relações de
“A gente quer valer nosso suor
trabalho, chegando à forma de precarização,
A gente quer do bom e do melhor
abrindo espaço e impulsionando as eclosões
A gente quer ter muita saúde
A gente quer viver a liberdade A gente quer viver felicidade
A gente não tem cara de panaca
”
A gente não tem jeito de babaca
É... A gente quer viver pleno direito...
Gonzaguinha”
A
A atual era no mercado de trabalho, im-
posta pelas políticas neoliberais, aprofundou a concentração e a monopolização das novas tecnologias. A globalização econômica e a reestruturação produtiva foram os instrumentos utilizados pelo capitalismo como tentativa de sair da crise crônica para reerguer sua taxa de lucro. O efeito da globalização para o trabalho trouxe suas distorções. Criou-se uma ideologia que aposta na desregulamentação dos direitos sociais, que antes faziam parte de uma rede de proteção do mundo do trabalho e que foi fruto de longas e duras lutas da classe trabalhadora. Agora o capital, em sua fase mais cruel, está disposto a aprofundar sua exploração, e dispara contra direitos históricos retirando, reduzindo-os, que se expressam nos projetos de reformas do Estado. O conjunto de reformas (administrativa,
sociais, que vêm perpetuando o desemprego estrutural.
Como a terceirização influenciou as relações de trabalho na escola Chegou sem pedir licença, literalmente invadindo, ocupando todos os espaços na escola. A terceirização foi uma dessas mudanças, apresentada como inovação para as relações de trabalho, que ajudaria o trabalho a se tornar mais produtivo na escola. A quem de fato a terceirização interessa? Os governos, objetivando diminuir os gastos com funcionalismo, pressionados pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), recorrem a esse mecanismo e introduzem no serviço público contratos de trabalho flexíveis com regime de trabalho precarizado, ou seja, funcionários não efetivos, sem estabilidade no emprego, com salários menores, direitos trabalhistas reduzidos, jornada de trabalho mais intensa e com a organização e os direitos vulneráveis aos ataques dos governos e patrões. Para implementar os projetos de terceirização, apoiaram-se em um primeiro momento, nas demissões em massa de funcionários públicos, incentivadas pelos planos de demissões voluntárias, os famosos PDV’S. Essa medida foi acompanhada de uma forte reforma administrativa nas três esferas do funcionalismo (municipal, estadual e federal). Todas essa ações
73
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
dos governos estavam em sintonia com as
ocupando as suas funções nos locais de
exigências das políticas neoliberais.
trabalho sem estar ligado a uma formação
Nas escolas, a terceirização surge com uma rapidez impressionante, atingindo todos os segmentos. Os professores, com setores historicamente organizados, que ao longo do tempo acumularam direitos que protegeram e fortaleceram a carreira pelo país inteiro, agora têm suas relações de trabalho ameaçadas. Hoje, em toda a rede de ensino do país, apoiando-se na legislação que garante a contratação emergencial de profissionais para prestar serviços, são contratados professores sem concurso público. As formas de contratação são as mais diversas: bolsistas, estagiários, contratos provisórios, eventuais, entre outros, em todos os casos são profissionais sem direito algum, com salários inferiores, sem 13º, um terço das férias, etc. Para agravar, os governos e as empresas incentivam os projetos de voluntariado, como o “Amigos da escola” que não recebem salários, trabalham por “puro amor”. Incentivam muitas vezes a comunidade escolar (pais, alunos(as)) a desenvolver tarefas na unidade escolar, que são de pura responsabilidade do poder público. Se a terceirização invadiu a sala de aula, que tem atividade na maioria das vezes desempenhada por profissionais com escolaridade e com certo grau de profissionalização, imagine as outras atividades no interior da escola, que ao longo do tempo não tiveram muita exigência de formação para desempenhá-las. Foi justamente nessas atividades em que o poder público nunca teve interesse em apostar na profissionalização que as porteiras foram abertas para a terceirização. A situação atual dos funcionários de escola em todo o país é crítica.
profissional, e muitos dos que adquirem formação acadêmica não são aproveitados em funções compatíveis, caracterizando desvio de função, e não existe qualquer programa de atualização ou qualificação para esses setores. O terceiro é que são os funcionários de escola os setores do funcionalismo público de todas as esferas que recebem os salários mais baixos. Muitos são obrigados para ter uma complementação salarial que garanta sua sobrevivência, a terem outro emprego, secundarizando, ou até mesmo abandonando, o emprego de funcionário, ou simplesmente se mantêm no emprego sem muito estímulo, encarando-o como um “bico”. Diante desse quadro, as atividades desempenhadas pelos funcionários de escola são as mais ameaçadas pelo processo de terceirização. Em várias redes de ensino do país, já é comum a existência de empresas contratadas para substituir o trabalho antes assumido por profissionais efetivos. Hoje todas essas empresas que prestam serviços ao Estado recebem altas somas, aumentando sua lucratividade, enriquecendo seus proprietários, muitas delas envolvidas em escândalos, acusadas de superfaturamento e contratos sem licitação enquanto seus funcionários recebem salários, em muitos dos casos, inferiores aos funcionários efetivos, aumentando visivelmente a exploração. A implementação da terceirização está ocorrendo em atividades que têm sua importância no interior da escola. Os serviços de vigilância, e limpeza, são algumas das áreas em que a terceirização chega com força. Na vigilância muitas vezes não é apenas a substituição de mão-de-obra de funcionários efetivos por funcionários de empresas terceirizadas, o que vem ocorrendo é o tra-
O setor vive um processo de desagrega-
balho humano sendo substituído pela vigi-
ção decorrente de vários fatores: o primeiro
lância eletrônica. Na limpeza, é onde está
deles é que esse segmento da escola sempre
mais acelerada, ocorrem casos em que a
foi secundarizado junto ao processo educa-
empresa percorre várias unidades escolares,
cional; o segundo fator é que a quase totali-
ou seja, na escola não fica uma equipe fixa
dade
para a limpeza.
74
dos
funcionários
de
escola
foi
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Por onde começar para barrar o processo de terceirização? Primeiramente,
temos
o
entendimento de que será necessário organizar toda uma campanha de luta para se contrapor à implementação do plano neoliberal, que tem continuidade no governo Lula, desenvolvendo ações que se levantem contra a terceirização, contra
as
reformas
do
Estado
(administrativa, trabalhista, previdenciária, etc.), assim caminharemos na luta pela melhoria do serviço público, pela manutenção dos direitos adquiridos, por concurso público e pela estabilidade do emprego. São passos preliminares em que devemos nos apoiar para garantirmos a preservação dos postos de trabalho efetivos. Sabemos que, na educação, todos os
setores
terceirização,
correm
o
risco
da
especialmente
os
funcionários de escola, por estarem mais expostos, pelo fato de não terem profissionalização. É fato que, por si só, a profissionalização não impede a terceirização das áreas assumidas pelos funcionários de escola.
Como levar os funcionários da educação a um processo de profissionalização? Primeiro temos que saber quem são os funcionários de escola. Por que os governos não querem os reconhecer como profissionais da educação? Por que são excluídos das políticas de fundos (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
escola por funcionários de escola que buscam a todo instante sua identidade. Será que somos parte integrante do processo educacional? Ou será que não passamos de “apoiadores” das atividades escolares? Será que, pelo fato de não termos formação pedagógica, não podemos ser considerados educadores?
Valorização do Magistério – Fundef, agora
Não podemos negar o que somos hoje:
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
uma grande massa de funcionários des-
Educação Básica e de Valorização dos Pro-
provida, na maioria das vezes, de qualquer
fissionais da Educação – Fundeb) e dos Planos
tipo de qualificação profissional, com baixo
de Carreira? Quais os seus valores? Quais os
grau de escolaridade, com níveis de formação
seus desejos? Como são vistos na escola?
desigual, geralmente selecionado por critérios
O que somos? Essa tem sido, certamente, a pergunta mais realizada no interior de uma
clientelistas, já que o concurso público sempre foi um instrumento de seleção reduzido a alguns estados para setores do funcionalismo,
75
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
não contemplando, quase sempre, o funcio-
nais da educação, mas que ainda não foi
nário de escola, desenvolvendo, assim, uma
aprovado na Câmara dos Deputados. A política
cultura de gratidão aos políticos, que foram
de exclusão estende-se aos fundos (Fundo de
“responsáveis por garantir o emprego”.
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Também recebendo os mais baixos salários
Fundamental e de Valorização do Magistério –
pagos ao setor público no Brasil.
Fundef e Fundo de Manutenção e Desenvolvi-
Essa realidade ora descrita dos funcionários de escola facilita que todo um setor absorva a ideologia da passividade e da submissão, tão propagada pelos governos e que, no local de trabalho, se reproduz, reforçando uma relação discriminatória, chegando a ponto de setores da comunidade escolar sentirem-se superiores a outros segmentos. Toda essa situação cultural tem sido verdadeiro obstáculo ao rompimento das limitações vivenciadas e ao avanço do entendimento de que esse segmento também é uma peça fundamental no processo educacional. Será que podemos ser considerados educadores? Será que o ato de educar é única e exclusivamente papel de professores e passa somente no interior da sala de aula? Esse é um debate do qual não podemos fugir. Devemos, primeiramente, entre nós trabalhadores em educação, abri-lo e avançarmos na construção de uma concepção de amplitude do que seja educar. Temos clareza de que o predominante na maioria da sociedade é o reconhecimento de que o ato educativo é tarefa de profissional provido de formação pedagógica, compreendendo a educação como resultado dessa ação, situação essa reforçada pelos governos que fazem questão de manter a separação entre trabalho teórico e prático, atuando ainda mais para perpetuar essa visão na escola. Fica claro quando o governo insiste em manter a separação funcional, com os funcionários de escola ficando sob responsabilidade das secretárias de administração dos estados, levando os funcionários de escola a não serem reconhecidos como profissionais da educação. Hoje existe um Projeto de Lei (PL 6.207) que reconhece na LDB (Lei de Diretrizes e Bases) os funcionários de escola como profissio-
76
mento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb) e aos Planos de Carreira, em que os governos vêm se negando a incluir os funcionários de escola. Como a ideologia predominante na classe trabalhadora é a da classe dominante, quase sempre é reforçada por setores majoritários dos próprios trabalhadores. Entre os professores (setor majoritário da categoria dos trabalhadores em educação), uma parcela significativa sente-se verdadeiramente como a única peça no ato de educar. Por outro lado, os funcionários de escola (na sua quase totalidade) auto-excluem-se, diminuindo-se e sentindo-se inferiores diante das atribuições educativas, criando assim círculos viciosos, dependentes. Para avançarmos na construção de uma única categoria dos trabalhadores em educação, teremos que declarar guerra às concepções retrógradas, reacionárias e corporativas existentes em nosso seio. Não podemos admitir de forma alguma que predominem na categoria concepções que restrinjam o ato de educar. O ato educativo terá de ser compreendido como uma ação coletiva dos vários segmentos envolvidos nessa ação. A educação é uma tarefa que ultrapassa os limites da sala de aula, atingindo pais de alunos, alunos e, claro, os setores administrativos da escola, sempre buscando construir a ação e a participação coletiva, definindo claramente o papel de cada ator na tarefa complexa, que é a de educar. Com essa atitude, avançaremos na construção de um conceito mais amplo de educadores. Com isso, funcionários da educação poderão se sentir necessários e capazes de conduzir de forma consciente sua ação educadora, já que compreendemos a construção do conhecimento como fruto do envolvimento dos vários atores em todos os espaços na
CADERNO
DE
sua totalidade. Será que os funcionários da educação estão preparados para assumir esse desafio? Os setores com maior tradição de luta, organização e formação encontram dificuldades em assumir concepções bem mais amplas de educar. Se essa é uma realidade de setores que possuem maior preparo, imagine os funcionários da educação, que sempre foram excluídos em todos os sentidos do processo
DEBATES
ILAESE
serviços públicos, ao contrário, elege como centro “a Resolução nº 05/2005 do Conselho Nacional de Educação, que criou a Área Profissional nº 21, a qual abre caminho para três formas de profissionalização: 1) via sistemas de ensino estaduais ou municipais; 2) via escola ou parcerias com instituições públicas, autarquias ou de economia mista (Escola Normal, Sistema S, CEFETs, etc.); e 3) via projetos Profuncionários”. (Boletim Extra-Classe do Sinte-RN).
educacional, fruto de uma formação elitista e
O projeto em que a CNTE se apoiará será
discriminatória. Acreditamos que os obstáculos
o Profuncionários, que terá uma verba
são inúmeros, mas podemos potencializar esses
disponibilizada de 6 milhões de reais. É um
setores para responderem de forma positiva a
programa ministrado pela Universidade de
esse desafio. Temos clareza de que a destruição
Brasília (UNB) que organizará os cursos pelo
dos elementos retrógrados existentes na cultura
ensino a distância, o que já foi combatido em
desses setores será fruto de uma ação conjunta.
outras épocas pela CNTE.
O projeto de profissionalização da CNTE
O movimento terá que construir outro
(Confederação Nacional dos Trabalhadores em
caminho, começando por combater a terceiri-
Educação) é insuficiente, um paliativo, e é até
zação, e tendo um entendimento de que a pro-
pouco provável que ocorra, já que a intenção
fissionalização deverá estar acompanhada de
dos governos não é de investir massivamente
projetos de planos de carreira, que possam
na profissionalização de funcionários de escola,
elaborar um quadro de cargos, com profissões
e sim de abrir as portas para a terceirização.
definidas para as tarefas da escola. Qualquer
A campanha pela profissionalização construída pela CNTE não se apóia em uma ampla campanha contra a terceirização nos
tentativa de projeto de profissionalização que não combata a fundo a terceirização está sujeito ao fracasso.
77
CADERNO
78
DE
DEBATES
ILAESE
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
A Alienação do Trabalho na Escola Edgard Fernandes Neto, Vice-Presidente da APEOESP – Sindicato Estadual e membro da Oposição Alternativa/SP
refletindo diretamente na relação entre as pessoas e em especial, entre o homem (mulher) e o mundo. Nesse contexto, o trabalho na escola sofreu mudanças. Pioraram as condições de trabalho, a jornada docente, e as
D
Introdução Da academia ao chão da escola, já se
falou e se escreveu de tudo no tocante aos
escolas públicas transformaram-se num terreno estranho para as atividades do trabalhador em educação, como conseqüência do aumento da exploração do Estado capitalista.
trabalhadores em educação como, por exem-
A aplicação do plano de ajuste neoliberal
plo, que o trabalho do professor é um ato de
na educação introduziu os métodos ra-
amor e de carinho, ou que ele é um mediador
cionalizados e o trabalho em série, dividindo
entre educando e tecnologias, etc. Por um lon-
o trabalho docente e dos demais funcionários,
go período de nossa História, predominou a
segundo a divisão de trabalho de sistema ca-
visão de que a profissão docente é um sacer-
pitalista, tornando-o repetitivo, mecânico en-
dócio, ou profissão de fé. Entretanto, não se
gendrando na mente humana o fenômeno de
pode negar que ser profissional da educação
alienação expressa freqüentemente no stress,
é um trabalho. É uma atividade prática com
na fadiga mental e nas doenças profissionais
uma natureza distinta da do operário da in-
que atormentam milhares de trabalhadores
dústria, que resulta na produção de determi-
em educação.
nada mercadoria, ou seja, o magistério é uma
A questão da alienação não é uma con-
atividade não produtiva. A atividade docen-
dição humana e sim uma condição histórico-
te está inserida num sistema escolar do siste-
social, sendo de vital relevância tomar co-
ma capitalista. Possui o caráter de instrumento
nhecimento da alienação e tentar libertar-se
do capitalismo na preparação de “mão-de-
dela, pois é necessário alertar os trabalhado-
obra” improdutiva ou produtiva responsável
res em educação contra esse mal anti-huma-
pela criação e pelo desenvolvimento de uma
no, que ameaça mergulhar o homem (mulher)
classe reprodutiva em consonância com a pró-
e o mundo no vazio, em que o ser se transfor-
pria expansão do capital.
ma em não-ser, e toda a realidade econômi-
O magistério é uma atividade humana cujo produto é social. Por essa razão, o tema alienação no trabalho docente é polêmico.
ca e social em metafísica, ou seja, o nada.
Da alienação – conceito
Muitos não admitem esse fenômeno na edu-
O fenômeno da alienação atinge milhões
cação. No entanto, do século XX para o sé-
de habitantes urbanos atomizados que se sen-
culo XXI, a globalização econômica, a rees-
tem anestesiados por um sistema social base-
truturação produtiva e a reforma do Estado
ado na propriedade privada e no qual não
transformaram o mundo do trabalho, a edu-
sentem razão de existir e nem gozam de poder
cação e a sociedade moderna e industrial,
de decisão.
79
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
em
determinado
momento
no
processo de desenvolvimento histórico das sociedades humanas. Embora esse desenvolvimento seja criação e exteriorização dele próprio, o ser humano é profundamente afetado pelos processos: aliena-se. Dessa forma, a alienação do ponto de vista econômico-social, é a perda da consciência de si, em virtude de uma situação concreta. O ser humano perde sua consciência pessoal, sua identidade e personalidade, o que vale dizer sua vontade é esmagada pela consciência de outro, ou pela consciência social – a consciência do grupo. A alienação encerra em si o problema fundamental do ser, ser-em-si e para-si, pois faz do ser humano um serpara-outro, Como afirma Marx, “a alienação (...) é a oposição entre o emsi e o para-si, entre consciência e consciência de si, entre objeto e sujeito”. O fenômeno surge no processo histórico, A expressão alienação tem origem na psiquiatria que classifica como uma forma de perturbação mental, como a esquizofrenia (perda da consciência ou de identidade pessoal). No entanto, alienação não é um fenômeno psíquico. Hegel deu significado ao termo indicando que é a apropriação do homem pelo espírito absoluto. Para Hegel, segundo Marx, o ser humano, o homem (mulher), é igual à cons-
a partir do momento em que surge a propriedade privada, e somente poderá desaparecer a partir do momento em que essa propriedade privada for suprimida e substituída pela propriedade social. Isto significa que o ser humano, envolvido no processo da produção, que lhe é exterior, passa a integrarse nele, e a fazer parte dele. Só a subversão do processo de produção poderá libertá-lo.
ciência de si. “Toda alienação do ser humano
Esse processo de alienação se realiza por
não é, por conseguinte, senão a alienação da
duas formas: primeiramente ele assume uma
consciência de si”.
forma aparentemente ativa, o ser humano tem
Já nos Manuscritos de 1844, Marx, tendo como referência Hegel, deu-lhe um caráter e um conteúdo econômico-social, pelo que o ser humano perde não apenas a identidade de si mesmo, a consciência de si, mas passa a pertencer ao objeto, coisa do outro. Assim, alienação é, antes de qualquer coisa, uma forma de relação entre os homens e, ao mesmo tempo, entre homens e determinados objetos ou coisas que lhe são exteriores. Essa forma de relação não é natural. Ela surge
80
de trabalhar. O trabalho é assim a principal e fundamental forma de alienação. O ser humano aliena-se. Em segundo lugar, ele é educado(a) para aceitar o trabalho como forma natural da existência social e não como uma forma alienante histórica, circunstancial: o ser humano é alienado. Por isso, o trabalho e a educação aparecem como fatores essenciais da alienação. Sob sua aparência humana, esses fatores ocultam na realidade a desumanização do homem (mulher). O ser humano, por natureza livre e
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
consciente, passa a ser apenas uma coisa que
permitir perguntar como é o trabalho do pro-
trabalha e aceita o trabalho para subsistir,
fessor? Como é o trabalho dos demais profissi-
como parte de sua natureza humana, sob uma
onais da educação?
falsa consciência. Na realidade, ele se desumaniza.
Para respondê-las, é necessário contextualizá-las na organização do trabalho da esco-
O trabalho da escola
la. Tanto o ciclo, o controle do processo e o produto do trabalho estão subordinados à di-
No capitalismo, o regime de trabalho é
visão do trabalho imposta pelo Estado capi-
uma atividade degradada, alheia e hostil aos
talista que construiu a instituição escolar ten-
trabalhadores.
do como referência o paradigma taylorista/
Não obstante, é por meio do trabalho que o ser humano se faz humano, modifica a natureza, transforma suas condições de vida. Da mesma forma, é pelo trabalho que o ser humano é alienado, subjugado e dominado. Diante dessa situação contraditória, o que é e qual é o papel da escola em nossa socieda-
disciplinas, seriação e no livro didático que se transformou no principal meio do trabalho pedagógico, etc. Por essa razão, há uma fragmentação no trabalho da escola e no trabalho dos profissionais em educação. A implementação dos planos neoliberais na educação estabeleceu formas de organi-
de? A escola é uma instituição capitalista, portanto, como produto das atividades historicamente condicionadas pelos homens reproduz e não reproduz, é e não é transformação. Ela reproduz a força de trabalho e, ao mesmo tempo, possibilita o aumento das competências teóricas dos indivíduos. Isto se dá pelo desenvolvimento da aprendizagem do saber acumulado. Assim, o papel da instituição escolar é de promover a transmissão de conhecimentos. Não os conhecimentos enciclopédicos, abstratos,
fordista materializado na matriz curricular, nas
mas
os
conhecimentos
científicos,
tecnológicos, filosóficos, culturais, etc., intimamente ligados à experiência de vida dos alunos e às realidades sociais mais amplas. No processo de transmissão dos conhecimentos, a escola utiliza os funcionários de apoio (diretor, vice-diretor, coordenador pedagógico), matriz curricular, seriação, disciplinas que são pré-requisitos para outras, etc. Este arcabouço mínimo é utilizado para desenvolver a educação sistemática e diferenciar da educação assistemática que ocorra em outras esferas do social.
zação e controle do trabalho com base em uma centralização política férrea do Estado sobre os sistemas, as escolas e o trabalho pedagógico do professor. Para tanto, a legislação educacional (Constituição de 1988 e LDB n 0 9.394) garante, por meio da normatização das leis, das diretrizes curriculares nacionais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e pelos sistemas de avaliação (ANAEB (SAEB), ENEM e ENAD) a centralização do livro didático, o controle do processo de trabalho da escola e conseqüentemente dos profissionais da educação e da “qualidade” do produto, isto é, do desempenho do aluno. É nesse contexto que ocorre o trabalho do professor e dos demais profissionais da escola. Seu trabalho tem por objetivo desenvolver o saber acumulado historicamente, cujo ciclo é de um ano para planejar, executar, avaliar e replanejar. Nesse sentido, há uma ação educativa no processo de trabalho em que, de um lado, o professor desenvolve os conteúdos em sala de aula, prepara as aulas, corrige provas, trabalhos, etc. De outro lado, há uma diversidade de funções que apóia direta ou indiretamente o trabalho pedagógico como
Nesse processo, o trabalho dos profissionais
a merendeira, o servente-geral, o inspetor de
da educação adquire peculiaridades em virtu-
aluno, o escriturário, o diretor, vice-diretor, etc.,
de da complexidade do trabalho da escola e
cada um com sua função específica. Até mes-
pela divisão de trabalho imposta na organiza-
mo, na aplicação da matriz curricular, há uma
ção do trabalho escolar. Assim, podemos nos
fragmentação no desenvolvimento dos con-
81
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
teúdos dos componentes curriculares e entre
tal com o patrão ou a contradição capital e
os componentes curriculares expressão do
trabalho. Além disso, o locus do trabalho do
paradigma fordista/taylorista.
professor e do funcionário é a escola e a sala
Enfim, o trabalho da escola apresenta
de aula nas instituições públicas. Portanto, as
uma complexidade de ações e inter-relações
escolas não são fábricas e, por conseqüência,
que são profundamente transformadas com
o capital não extrai a mais-valia diretamente.
a crise estrutural da economia e da socieda-
Isso, porém, não quer dizer que não ocor-
de, o que faz, hoje, do trabalho dos profissio-
ra o fenômeno da alienação do trabalho do
nais da educação uma atividade humana
trabalhador em educação; porque a aliena-
estressante e quase impossível de ser realiza-
ção do trabalho não é uma condição huma-
da. Estamos enfatizando um processo de de-
na, mas uma condição histórico-social. A alie-
terioração das relações de trabalho que tem
nação se dará sempre que o trabalhador esti-
profundo impacto no trabalho do professor e
ver subjetiva e objetivamente numa relação
dos funcionários de escola que se agudiza com
de exterioridade com seus produtos e com sua
o acirramento da violência e a ação dos traficantes de drogas. Segundo pesquisa da Unesco, divulgada em outubro de 2005, 35% dos alunos das escolas públicas já entraram em contato com armas de fogo trazidas para a sala de aula.
Em questão a alienação do trabalho na escola Realizar uma abordagem sobre a aliena-
atividade. Nesse sentido, tanto o professor como o funcionário de escola vende a sua força de trabalho para o Estado administrado pelos governos de plantão. Essa instituição é da burguesia e controlada por um setor dessa classe, cuja natureza é capitalista, conferindo ao processo do trabalho na escola certas peculiaridades. De um lado, o trabalhador em educação vende sua força de trabalho para sobreviver e, do outro, o produto do seu trabalho é o desenvolvimento do saber acumulado historicamente, isto é, um produto social e cultural. Assim, nas duas últimas
décadas,
a
globalização econômica e a aplicação dos planos
de
ajuste
neoliberais pelos governos de plantão, com destaque para os governos FHC e Lula, provocaram
mudanças
estruturais na sociedade e na economia, ção do trabalho docente ou dos trabalhadores em educação significa tecer considerações sobre uma categoria que representa 2,5 milhões de profissionais da rede pública e cerca de 250 mil funcionários do quadro de apoio escolar que, ao contrário dos profissionais da rede de educação privada, não vivem o embate fron-
82
determinando profundos reflexos na instituição escolar e na vida do povo e dos trabalhadores em educação. Entre os principais reflexos, é fundamental ressaltar
o
aprofundamento
da
crise
socioeconômica e o desemprego estrutural.
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Esse fato se reflete como uma hecatombe na
alucinante leva a um desgaste físico, emocio-
instituição escolar. Podemos identificá-lo no
nal e ao permanente descontentamento. Ao
crescimento
do
vender sua força de trabalho numa jornada
narcotráfico e da violência que estão expres-
estafante, tornou-se coisa, desumanizou-se.
sos nas estatísticas, o que tornou essa institui-
Tornou-se uma mercadoria. Para o profissional
ção e a sala de aula terrenos estranhos, no
da educação é um puro meio de subsistência.
mínimo hostis para o trabalhador na escola.
Em suma, o trabalhador em educação não
acelerado
da
ação
Outro aspecto é a reforma do Estado. Os sucessivos cortes de recursos para combater o déficit fiscal, a terceirização, a precarização dos serviços públicos, e os ataques diretos aos servidores e o arrocho salarial dos trabalhadores em educação conduziram à desvalorização no seu nível de vida. Além disso, a ausência de planos de carreira que valorizem o profissional da educação levou tanto o professor como os funcionários de escola a acumular cargos, havendo exacerbação na jornada de trabalho. Temos uma alta porcentagem dos trabalhadores em educação na maioria dos estados com jornadas acima de 40 horas de trabalho. Há em São
reconhece a si, a sua marca como profissional e como ser humano, e muito menos no produto final de seu trabalho, e em sua atividade. Por outro lado, constata-se a pauperização espiritual e física. Segundo pesquisa realizada pela CNTE e UNB, metade dos 2,5 milhões de trabalhadores em educação sofre com a síndrome de Burnout ou a síndrome da desistência. É uma síndrome pela qual o trabalhador em educação perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não importam mais e qualquer esforço lhe parece inútil, em outras palavras, é uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e expressivo com ou-
Paulo, no Pará, em Pernambuco, e até mes-
tros seres humanos (alunos), particularmente
mo no Rio de Janeiro, professores que traba-
quando eles estão preocupados ou com pro-
lham na rede estadual, municipal e privada
blemas. Por isso, nós vamos entender por que
simultaneamente atingindo 60, 70 ou 80 ho-
não se poupam esforços para sair da sala de
ras por semana. Além disso, surge o fenôme-
aula, qualquer motivo é suficiente, até mes-
no do “mascate”. O professor ou funcionário
mo fazer serviços de secretaria na escola.
de escola passa a exercer na escola a fun-
Constata-se pelos dados estatísticos que
ção de vendedor de salgados, roupas,
há um aumento substantivo de licenças médi-
lingerie, bijuterias ou cosméticos, etc.
cas. Várias doenças que há alguns anos eram
Dessa forma, ressaltamos que a alienação do processo de trabalho na escola e na sala de aula se expressa tanto objetiva como subjetivamente, com todas as peculiaridades que são dadas por termos como produto, que é o aluno, um ser social e como meio de trabalho o próprio professor e o funcionário da escola. O processo de trabalho tornou-se estranho, alheio à medida que o profissional tem uma jornada de trabalho frenética. O profissional da educação começa a trabalhar às 7h da manhã e só encerra suas atividades às 23h, ou seja, ela(e) não pára pra refletir, quando para, é pra corrigir provas, trabalhos ou preparar aulas. Este processo de trabalho
incomuns, hoje representam verdadeiras epidemias como a depressão, o stress, a tendinite e o calo na garganta. Em alguns estados, surgiu a síndrome de escola. O professor vive um permanente pânico e medo pelo fato de ter que ir trabalhar na escola. Ao tentar não consegue entrar na escola e cai em prantos. Talvez a alienação se expresse ou se materialize com as doenças. A alienação do processo de trabalho na escola expressa-se de forma multifacetada. Exige que tomemos consciência da sua existência e de como ela ocorre no processo do trabalho escolar. Exige que tomemos consciência de que a alienação é um condicionante histórico e social e que pode ser superada so-
83
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
cial e politicamente, uma vez superada a so-
mação da escola. Isto significa que a luta por
ciedade de classes, a sociedade capitalista. Eis
esses objetivos começa no interior das insti-
um desafio. Esta é a polêmica.
tuições escolares e em cada local de trabalho
Dada a polêmica, temos a opinião que
e se estende para o conjunto da sociedade.
só por meio da revolução socialista será possí-
Nossa luta é econômica e política simultanea-
vel superar a sociedade capitalista e construir-
mente. Ao mesmo tempo em que lutamos para
mos a sociedade socialista. Assim, a supera-
melhorar a vida do povo e dos trabalhadores,
ção da alienação do trabalho não é um
jogamos todos os esforços para construir o
processo individual e sim virá com o fim da
partido revolucionário, que será o organizador
propriedade privada dos meios de produção
coletivo e a ferramenta da Revolução.
e troca, e conseqüentemente com a transfor-
84
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
A CONLUTAS e os Desafios da Organização Nacional dos Trabalhadores da Educação Gualberto Tinoco (Pitéu) – Dirigente do SEPE/RJ
mar de lucros gerados pela educação privada em todo o mundo já seja da ordem de 365 bilhões de dólares.
N
A contrapartida desta política é o apro-
Nesta última década vimos a mais
fundamento da crise da educação. Esta pode
profunda aplicação da cartilha neoliberal do
ser medida na escola pública pela manuten-
Banco Mundial e do FMI em nosso país. Todos
ção ou ainda o aumento dos índices de anal-
os meios de comunicação e propaganda
fabetismo, pelos enormes índices de evasão
enalteceram as virtudes do “livre mercado”.
e “fracasso” escolar, pela queda da quali-
De acordo com a Organização Mundial do
dade de ensino ocasionada pela superlota-
Comércio, a OMC, direitos essenciais dos tra-
ção das salas e péssimas condições de tra-
balhadores como a saúde, educação e previ-
balho dos educadores, entre outros fatores. E
dência pública, que até então eram obri-
na escola privada, pela proliferação de um
gação do estado, na lógica do tal livre mer-
ensino “superior” de baixíssima qualidade,
cado deveriam ser transformados em serviços.
aliado à permanente inadimplência de grande
Esses serviços deveriam ser comprados por
parte dos alunos, em sua maioria trabalha-
quem pode paga-los e os seus preços
dores, que não suportam o pagamento das
regulados pela “livre concorrência”. A partir
mensalidades escorchantes.
desta lógica iniciou-se um profundo processo
A burguesia busca acobertar esta rea-
de privatização destes “serviços”. Assim, o
lidade fazendo uma propaganda permanente
estado deixa de ter um papel de provedor de
e mentirosa sobre o crescimento da “qualidade
investimentos para garantir a produção e
da educação”, contudo, a crise da educação
manutenção de mão de obra para o mer-
se manifesta de forma cada vez aberta. Para
cado, e passa a ter o caráter exclusivo de ga-
explicar o fracasso cada vez mais evidente do
rantir o crescimento do capital e seus interesses,
neoliberalismo na educação, a classe domi-
inclusive no comércio destes “serviços”.
nante busca responsabilizar os indivíduos, edu-
Fracasso do Neoliberalismo
cadores e estudantes. Tanto os governos como a mídia culpam o profissional de educação pelo fracasso de suas políticas e intensificam a
Esta política de um “estado mínimo” para
campanha contra a eficiência do serviço
os direitos dos trabalhadores e de um “estado
público. Surgem campanhas na mídia e, como
máximo” para garantir os lucros dos grandes
política
capitalistas traduziu-se, no terreno da educa-
voluntariado, à “solidariedade”.
ção, numa política de sucateamento, des-
ção surgem os amigos da escola e incentiva-
monte e privatização da escola pública e de
se todo tipo de soluções individuais para
ampliação do espaço do livre comércio dos
reduzir a repetência, o desvio série-idade, a
serviços de educação. Estima-se que o pata-
evasão escolar e a inadimplência crônica.
dos
governos,
o
incentivo
ao
Na educa-
85
CADERNO
DE
Lula aprofunda os ataques à Educação Pública Milhões de trabalhadores depositaram em Lula a esperança de mudanças durante o seu governo. Para os trabalhadores da educação as mudanças seriam de retorno da aposentadoria especial, com a revogação da EC 20 de FHC, revogação ou no mínimo revisão da LDB, um PNE que correspondesse à discussão acumulada, fim do FUNDEF com aumento real
DEBATES
ILAESE
pública. Seu grande esforço não é para garantir melhores salários, emprego, terra, saúde ou educação pública. Lula se esforça para garantir o crescimento dos lucros para o capital financeiro internacional e seus sócios nacionais. Por isso nas escolas públicas estaduais e municipais, há um sentimento generalizado de revolta contra este governo.
O vergonhoso papel da CUT
dos recursos para o financiamento, etc. Porém
A direção da CUT, há mais de uma dé-
Lula sequer pensou em tomar alguma destas
cada, vem seguindo pelo caminho da concilia-
medidas. Ao contrário, aprofundou os ataques
ção com a patronal (Câmaras setoriais, por
já desferidos pelo governo FHC, acelerou o
exemplo) e do manuseio das verbas do FAT (Fun-
processo de privatização e desmonte da escola
do de Apoio ao Trabalhador). Alterando o es-
pública e pretende reduzir ainda mais os
tatuto, a direção ampliou seu poder, buro-
recursos do financiamento através do FUNDEB.
cratizando a entidade. No governo Lula, a CUT
Nestes três anos de governo, Lula fez a reforma da previdência, a reforma tributária e pretende desmontar a resistência dos trabalhadores com a reforma sindical e trabalhista. Neste período aumentou a privatização do ensino infantil e médio através da manutenção do FUNDEF. Hoje, só quem tem muito a agradecer ao Governo de Lula da Silva são os banqueiros, grandes empresários e latifundiários. E também os empresários da educação, beneficiados com a política do Prouni, que tem como objetivo reduzir a inadimplência nas escolas privadas com recursos estatais retirados dos investimentos na escola
deu um salto em sua traição aos trabalhadores. Hoje é um braço do governo no movimento sindical, e está submetida ao Estado burguês, aos seus cargos e às suas verbas. Assim como fez na Reforma da Previdência, a direção da CUT, aliada à Força Sindical e demais “centrais” pelegas apóia as reformas sindical e trabalhista, que vêm para retirar nossos direitos já minguados. Mais que isso, a CUT vem traindo os movimentos grevistas para evitar problemas com os governos e patrões. Por isso não cabe mais disputar por dentro e participar dos fóruns burocratizados da central. Os profissionais de educação, como vários outros trabalhadores, estão começando a discutir nas escolas e nos locais de trabalho a ruptura com a CUT. Muitos sindicatos, principalmente do funcionalismo público, já pararam de pagar à Central ou se desfiliaram. O Congresso da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, Andes-SN, tomou a mesma decisão. Foi assim também com profissionais da educação federal que se organizam no SINASEF. Estes e mais cerca de 170 sindicatos, não só romperam com a CUT votando a sua desfiliação, como também estão na construção da CONLUTAS (Coordenação Nacional de Lutas).
86
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
A CONLUTAS é um movimento nacional que se propõe a unificar todos os setores de trabalhadores que querem lutar contra as reformas do governo e construir uma alternativa de direção para o movimento sindical e de massas. Nós, profissionais de educação, precisamos iniciar esta discussão já em nossas escolas. Chegou a hora de criar uma nova alternativa de direção que lute pelos interesses dos trabalhadores e pela independência dos
sindicatos.
Precisamos
construir uma ferramenta de luta superior com as mesmas bandeiras com
a aplicação e investimentos dos 10% do PIB,
as quais a CUT foi criada.
uma reivindicação histórica de nossa catego-
A CNTE não quer ficar ao lado dos trabalhadores Na última década houve um forte desmonte da escola pública. Isso significou terceirizações, municipalização e redução em investimentos e verbas. Houve um brutal achatamento dos salários e a política de “valorização do magistério” só vem servindo para engordar as finanças das prefeituras, sem chegar aos bolsos dos profissionais de educação. Os trabalhadores das redes públicas, em todo o país se organizam, mobilizam e lutam para resistir a estes ataques. No entanto a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) não é capaz de ter uma política para unificar as lutas que vêm se dando.
Basta lembrar que todos os anos
milhares de trabalhadores do ensino público entram em greve em vários estados e
ria, mas sim para reformular o FUNDEF e transforma-lo em FUNDEB, uma política do governo Lula e do Banco Mundial que poderá acarretar uma redução ainda maior destes recursos. Nestes três anos de governo Lula, o que a CNTE deveria estar fazendo para defender os interesses da educação pública e seus trabalhadores é exigir a revogação do FUNDEF, a aplicação na Educação de 25% da arrecadação de impostos (conforme a Constituição Federal), a revogação da LDB, dos PCNs, do PNE, a autonomia pedagógica para as escolas com o fim da inspeção escolar, a gestão democrática com eleições livres para diretores, o Piso Salarial Nacional do DIEESE, uma Data Base Nacional para garantir uma negociação anual, a reposição salarial mensal cada vez que a inflação atingir os 3%, a garantia de financiamento e investimentos na educação com a utilização de 10% do PIB.
municípios. A CNTE nunca teve a iniciativa de
A CNTE não fez e não fará uma campanha
convocar uma plenária para unificar as lutas
como essa. Por isso é necessário construir uma
no setor. Pior, a Confederação se colocou ao
alternativa de luta contra a CNTE para
lado do governo Lula e a favor da Reforma
organizar a nossa resistência, a unificação de
da Previdência que, combinada com a EC 20
nossas mobilizações para enfrentar os ataques
de FHC, colocou uma pá de cal na aposen-
do Banco Mundial e do FMI aplicados por Lula.
tadoria de professores e funcionários. Neste momento, a campanha da CNTE por mais verbas para a educação não é para
Precisamos construir o CONAT As forças sociais reunidas em torno à
87
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
CONLUTAS hoje (cerca de 170 entidades, entre
uma alternativa à CUT. Neste Congresso preten-
federações, sindicatos nacionais, sindicatos de
demos concretizar as discussões que já estão
base e seções sindicais; 50 oposições sindicais;
acontecendo na base das categorias e movi-
vários movimentos populares, organizações
mentos. Devemos definir o programa, estatutos
estudantis
e a direção da nova entidade, assim como a
reunidas
representatividade
na
CONLUTE
significativa
com
entre
a
juventude) são um ponto de apoio suficiente para darmos passos concretos no sentido de avançar na construção dessa alternativa.
forma de organização que facilite ao máximo a mobilização de todos os trabalhadores. Diante da falência da CNTE, coloca-se também aos trabalhadores e entidades da
Não queremos construir uma nova CUT.
educação presentes ao CONATE o desafio de
Assim, é preciso observar que a grande maioria
reconstruir a unidade nacional da luta e da
das forças sociais que se reuniram em torno à
organização de nossa categoria. Passos que
CONLUTAS são entidades sindicais, porém, essa
certamente serão dados no congresso de maio.
alternativa deve ser muito mais que um abrigo para sindicatos. No Brasil, mais da metade da classe trabalhadora está fora dos sindicatos. Há inúmeros movimentos e organizações
sociais
em
nosso país que lutam por reforma agrária, por moradia, por saúde, educação, contra
a
discriminação
racial, sexista e homofóbica. Por tudo isso a CONLUTAS convocou para abril de 2006, o Congresso Nacional dos Trabalhadores
(CONATE),
com o objetivo de fundar
88
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
89
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
Resultados de uma pesquisa realizada com os participantes do Seminário Nacional de Educação promovido pelo ILAESE
90
CADERNO
DE
DEBATES
ILAESE
O Seminário acrescentou coisas novas para a sua formação política e sindical?
E para sua atividade de educador?
Aspectos positivos do Seminário
Aspectos negativos do Seminário
91
CADERNO
92
DE
DEBATES
ILAESE
○
○
para a ○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
ção ○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
ILAESE
O ILAESE oferece cursos, palestras e seminários sob a forma de convênios ou contratos avulsos
○
○
○
○
Cursos
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
As classes sociais no capitalismo (duração: 8 h) O funcionamento da sociedade capitalista e a exploração da força de trabalho; a divisão da sociedade em classes sociais; crítica da ideologia da cidadania; a classe trabalhadora hoje. A luta de classes e o socialismo (duração: 8 h) A luta de classes na sociedade capitalista; comunismo e revolução socialista; crítica da ideologia da inclusão social. O Estado na sociedade capitalista (duração:8 h) A origem do Estado; Estado, propriedade privada e divisão do trabalho; Estado e classes sociais; Estado e revolução. História do movimento operário e estrutura sindical no Brasil (duração: 16 h – 2 dias). A formação dos sindicatos no Brasil; o movimento anarquista e o sindicalismo da primeira República; o governo Vargas e a criação da estrutura sindical; sindicalismo e desenvolvimentismo; o golpe militar e a repressão ao movimento sindical; crise do regime militar e o novo sindicalismo; neoliberalismo e sindicalismo propositivo; o movimento sindical no governo Lula. A mulher no capitalismo I (duração: 8 h) Opressão machista e exploração da mulher na sociedade capitalista; história da luta da mulher pela sua emancipação. Formação de Cipeiros I: as condições de trabalho e a saúde do trabalhador (duração: 8 h) Acidentes e doenças do trabalho: classificação e definição; assédio moral; estudo dinâmico de um acidente de trabalho; qualidade total versus qualidade de vida; o papel da Cipa na luta por melhores condições de trabalho. Formação de Cipeiros II: organização e atuação da Cipa (duração: 8 h) Histórico e legislação da Cipa; as relações da Cipa com o patrão e com o sindicato; a atuação do cipeiro consciente e de luta: como organizar as reuniões ○
○
○
Form A
○
○
DEBATES
○
○
DE
○
○
Para maiores informações entre em contato: 3106-3345
○
CADERNO
da Cipa; como defender os direitos do trabalhador; como preparar a luta. Organização no Local de Trabalho (OLT) (duração: 8 h) Análise do local de trabalho: relação de forças entre o patrão e os trabalhadores; desafios da organização dos trabalhadores no local de trabalho. Introdução à teoria econômica marxista (Módulo I) (duração: 27 h – 9 sessões de 3 h cada) Mercadoria, teorias valor e do capital; mais-valia; a formação do capitalismo e do proletariado moderno; monopólio e concentração de capitais; queda tendencial da taxa de lucro; as leis da acumulação do capital; teoria do desemprego; as crises de superprodução. Introdução à teoria econômica marxista (Módulo II) (em fase de elaboração) (duração: 27 ho – 9 sessões de 3 h cada; pré-requisito: Módulo I) Imperialismo, capital estrangeiro e formação sócioeconômica dos países semicoloniais; teoria da dependência; exportação de capitais x aumento na taxa de lucro; crises conjunturais e estruturais; reestruturação produtiva; o “Estado de Bem-estar Social” e os limites das políticas keynesianas; crise capitalista e políticas neoliberais; mundialização financeira; capital financeiro; novas configurações do imperialismo? Introdução ao pensamento de Marx (Módulo I) (duração: 30 h – 10 sessões de 3 h cada) Análise das obras de Marx de 1842 até 1851: Gazeta Renana, teorias da alienação, crítica à economia política; concepção materialista da história, método dialético, ideologia,teoria da revolução, Estado e classes sociais. Introdução ao pensamento de Marx (Módulo II) (duração: 30 h – 10 sessões de 3 h cada) Análise das obras de Marx de 1851 à 1874: Estado, classes sociais e revolução; teorias do valor e do capital, maisvalia; queda tendencial da taxa de lucro; crises de superprodução; salário e lucro; Estado operário; comunismo.
Palestras
Publicações
Análise de conjuntura nacional e internacional Estado burguês e corrupção Cidadania e classe ALCA As Reformas Sindical e Trabalhista do governo Lula A Reforma Universitária do governo Lula Os desafios do movimento sindical na atualidade Criminalização dos movimentos sociais A guerra no Iraque As revoluções na América Latina (Bolívia, Argentina e Equador) Raça e classe: a luta pela emancipação dos negros Gênero e classe: a luta pela emancipação das mulheres O desemprego no Brasil hoje O imperialismo ontem e hoje
Caderno de Debates Ilaese n0 1: Os desafios do movimento sindical na atualidade (esgotado) Caderno de Debates Ilaese n0 2: Neoliberalismo e crise da Educação Pública Caderno de Formação n0 1: As classes sociais no capitalismo Caderno de Formação n0 2: O Estado burguês e a revolução socialista Caderno de Formação Sindical I: Movimento Operário e estrutura sindical no Brasil Caderno de Formação Sindical II: O papel dos sindicatos na época imperialista
I L A E S E
Seminários Estudo das mudanças no mundo do trabalho, condições de trabalho da categoria e desafios da ação sindical Organização do Local de Trabalho: estudos de caso da categoria
i
l
a
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INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS Rua Matias Aires, 78 – Consolação São Paulo – SP – Brasil – CEP: 01309-020
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