REBECA IZABELLA PLAZA MARQUES STUANI
ZINES RESISTEM: UM ESTUDO SOBRE A CULTURA FANZINEIRA
Pré-Projeto de Pesquisa apresentado ao Centro Universitário de Maringá - Unicesumar, como parte dos requisitos para obtenção de nota na disciplina de Projetos Experimentais em Publicidade e Propaganda. Prof(a). Me. Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho.
MARINGÁ 2017
Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso E eu vos direi no entanto: Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto. (Belchior) 3
RESUMO Fanzines são meios materializar impressões, visões e expressões de indivíduos ou grupos, como forma de se fazer presente em espaço e tempo. Como comunicadores nos é interessante tornar próxima a possibilidade de criar-se e inventar-se através de variados meios, que não os convencionais. Neste estudo discutiremos como os fanzines se apresentam na cidade de Maringá como formar de potencializar criações contribuindo para a descentralização da comunicação. Iniciamos com uma contextualização histórica para melhor compreende-lo e analisar como essa cultura de oposição se contrapõe em relação à sua linguagem visual. Palavras-chave: Fanzine, folkcomunicação, análise visual.
LISTA DE FIGURAS Figura 1: Capa do fanzine “The Comet”, edição de Maio/Jun de 1940.......... 14 Figura 2: East Village Other, vol. 2, 1967............................................................18 Figura 3: Capa zine “Sniffin’ Glue”, nº 3 1/2.......................................................20 Figura 4: Capa zine “Sniffin’ Glue”, nº 6..............................................................21 Figura 5: Página zine “Bikini Kill”, nº 2...............................................................22 Figura 6: Página zine “Emancipa zine”, 2011.....................................................22 Figura 7: Capa zine “Ficção”, 1965......................................................................23 Figura 8: Página zine “Artemísia”, 2013.............................................................24 Figura 9: Capa zine “Fazendo decisões”, São Paulo...........................................24 Figura 10: Páginas zine “Fazendo decisões”, São Paulo....................................25 Figura 11: Zine punk coletado em Tibagi, Paraná.............................................25 Figura 12: Capas zines “Walk on the wild side”, Maringá, Paraná..................26 Figura 13: Capa zine “Delirium Zine”, ed. nº 3, Maringá, Paraná.....................27 Figura 14: Capa zine “Lowzine”, 2013, Mandaguari, Paraná............................27 Figura 15: Páginas zine “Lowzine”, 2013, Mandaguari, Paraná.......................27 Figura 16: Capa zine “Água no Quintal”, Maringá, Paraná...............................28 Figura 17: Página zine “Água no Quintal”, Maringá, Paraná............................28 Figura 18: Capa zine “Zine Pá Colorir e Desenhar”, Maringá, Paraná ............29 Figura 19: Páginas zine “Zine Pá Colorir e Desenhar”, Maringá, Paraná........29 Figura 20: Capa zine “Des(a)tino”, Maringá – Pr................................................29 Figura 21: Fountain, Marcel Duchamp, 1917.....................................................31
Figura 22: Pintura surrealista “Campo Arado”, Juan Miró...............................34 Figura 23: Manifesto Fluxus................................................................................35 Figura 24: Arte Postal, Ray Johnson....................................................................46 Figura 25: Página da revista “The Situationist Times”, Maio de 1962.............48 Figura 26: Capa zine “Oh! Vida privada”, ed. nº01.............................................48 Figura 27: Capa zine “Oh! Vida Privada”, ed. nº02.............................................49 Figura 28: Páginas zine “Oh! Vida Privada”, ed. nº 02.......................................50 Figura 29: Páginas zine “Oh! Vida Privada”, ed. nº 03.......................................50 Figura 30: Capa Der Dada nº 1.............................................................................50 Figura 31: Páginas zine “Oh! Vida Privada”, ed. nº 01.......................................51 Figura 32: Poesia Concreta, Leminski.................................................................51 Figura 33: Páginas zine “Oh! Vida Privada”, ed. nº 03.......................................52 Figura 34: Fotomontagem e colagens, Hannah Höch, 1936.............................53 Figura 35: Capa zine “Prelúdio de mim”.............................................................53 Figura 36: Páginas zine “Prelúdio de mim”........................................................54 Figura 37: Páginas zine “Prelúdio de mim”........................................................55 Figura 38: Capa fotozine......................................................................................55 Figura 39: Páginas zine fotográfico Felipe.........................................................56 Figura 40: Páginas zine fotográfico Felipe.........................................................57 Figura 41: Capa zine “Abrasivo Romantismo”....................................................57 Figura 42: Páginas zine “Abrasivo Romantismo”.. ............................................58 Figura 43: Páginas zine “Abrasivo Romantismo”...............................................59 Figura 44: Páginas zine “Abrasivo Romantismo”...............................................60 Figura 45: Capa zine “Azine”, ed. nº 01...............................................................60
Figura 46: Página zine “Azine”, ed. nº 01............................................................61 Figura 47: Página zine “Azine”, ed. nº 01............................................................62 Figura 48: Páginas do zine “Azine”, ed. nº 2.......................................................63 Figura 49: Página do zine “Azine”, nº 1...............................................................63 Figura 50: Página do zine “Azine”, nº 2...............................................................64 Figura 51: Processo criativo.................................................................................67 Figura 52: Processo criativo.................................................................................67 Figura 53: Processo criativo, nuvem...................................................................67 Figura 54: Textura. Nebulosa de Órion...............................................................68 Figura 55: Testes papéis e impressão.................................................................68
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................10 2 DEFININDO E CONTEXTUALIZANDO.................................................................13 2.1 O que é zine?...........................................................................................13 2.2 Ficção científica e o fandom..................................................................16 2.3 Literatura e movimento Beatnik..........................................................17 2.4 Contra o poder das armas, o poder da flor: Contracultura...............19 2.5 Movimento punk, Riot Grrrls e o punk feminista...............................21 2.6 Zines no Brasil.........................................................................................24 2.7 Zines em Maringá...................................................................................27 3 RESISTÊNCIA E LINGUAGEM VISUAL.................................................................32 3.1 Dada e Surrealismo................................................................................33 3.2 Fluxus e Arte Postal...............................................................................35 3.3 Situacionismo e estética punk.............................................................37 4 ZINE: MÍDIA RADICAL E FOLKCOMUNICAÇÃO.................................................39 4.1 Metodologia.............................................................................................43 4.2 Estruturas de decupagem......................................................................47 5 ANÁLISE DOS FANZINES.....................................................................................48 6 PROJETO PRÁTICO: NEBULOSA..........................................................................64 6.1 Formação da Nebulosa...........................................................................64 6.2 Nebulando: editoração e produção......................................................66 7 CONCLUSÃO........................................................................................................71 8 REFERÊNCIAS.......................................................................................................72
9 ANEXO..............................................................................................................76
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1 INTRODUÇÃO O fanzine é uma produção que ocupa uma posição bastante singular entre as formas pelas quais indivíduos sem acesso às grandes mídias se expressam. Os “zines”, como também são chamados, tratam-se de publicações independentes que surgiram a partir da década de 30 como publicações de fã para fã de ficção científica. O termo fanzine é uma junção das abreviações de “fanatic” (fã) e “magazine” (revista) tendo como tradução “revista do fã” (MAGALHÃES, 1993). São projetos pessoais que se concretizam sendo compreendidas como publicações artesanais, independentes e de baixo custo, reproduzidas em fotocopiadoras e geralmente em pouca tiragem. Associadas à movimentos de cultura popular, movimento underground e cultura de oposição, atualmente são utilizadas como suporte para expressões artísticas, políticas e culturais. Quando não identificados com as mídias convencionais, jovens, resistindo à cultura dominante, buscam defender o direito à comunicação. Encontrando nos fanzines um espaço mais livre e criativo experimentação tanto estética quanto de conteúdo. Apesar dos avanços tecnológicos e da euforia digital moderna, os zines, ainda em formato analógico, continuam a intervir no espaço e tempo da sociedade contemporânea. O interesse por meios alternativos de comunicação e a observação da constante manifestação dessa cultura na região de Maringá são o prelúdio da definição do tema a ser estudado neste projeto. O intuito deste projeto é que se possa, a partir de uma análise da linguagem não verbal de fanzines selecionados, identificar como a cultura Fanzineira se mani10
festa visualmente na região de Maringá, no estado do Paraná. Verificando de que forma os fanzines funcionam como veículo de propagação de ideias, liberdade gráfica e expressão artística em oposição às tendências dominantes presentes nos veículos convencionais de comunicação. Objetivamos também compreender de que forma ocorre a produção e circulação de fanzines em Maringá, Diante disso, dois estágios foram elaborados para desenvolvimento do estudo sobre o objeto apresentado: a pesquisa teórica acerca do tema, bem como suas influências artísticas e o projeto gráfico, a produção de um fanzine condizente com as linguagens não verbais encontradas no objeto de estudo. Agir no sentido mais geral do termo significa tomar iniciativa, iniciar, imprimir movimento a alguma coisa. Por constituírem um initium, por serem recém-chegados e iniciadores, em virtude do fato de terem nascido, os homens tomam iniciativa, são impelidos a agir. (...) O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. (...) O discurso corresponde a o fato da distinção e é a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais (ARENDT, 2007).
Esse estudo possui o interesse em apoiar e estimular tanto a produção própria quanto a produção artística e cultural local. Considerando as formas de comunicação para além da televisão, rádio, jornais e revistas. Como comunicadores sociais, dotados de conhecimentos e aparatos para a utilização da linguagem através métodos específicos. Elaboramos e emitimos mensagens à grupos específicos ou à quantos desejarem prestar atenção. Nesse estudo, propomos repensar acerca do processo comunicativo monologal (BELTRÃO, 1980, p. 4). Se toda comunicação se dá por um diálogo, nos interessa aqui propor espaço a qualquer indivíduo que se proponha a expressar. Os fanzines nos remontam a necessidade humana de comunicar-se em seu 11
sentido mais genuíno, como forma de adquirir sabedoria, experiência e aperfeiçoamento que se conseguem mediante a comunicação. Neste estudo abordaremos a comunicação como processo gráfico, tátil e plástico pelo qual o ser humano se utiliza do fanzine para intercambiar ideias, informações e sentimentos, expressando nesta plataforma os mais diversos signos simbólicos (BELTRÃO, 1980, p. 3). Propor a comunicação de forma mais autônoma, é um incentivo para que indivíduos deixem-se tomar pelo desejo de exprimir algo que lhe seja importante (ou não). Mas externalizar possibilidades e ideias ante meros interesses mercadológicos. Apesar de se apresentar com frequência de forma até irreverente e contestadora, ressaltamos aqui que o fanzine, como cultura de oposição, recorre e contribui para a cultura popular e a cultura de massa (DOWNING, 2002). E, portanto, quando nos apresentamos de forma alternativa ou opositora, não visamos a negação total dos meios convencionais ou digitais, nem propomos acirrar dualidades. A partir da criação de debates e proposição de critérios, almejamos, ainda que de forma singela, ressignificar e enfatizar formas alternativas de comunicar-se. Acreditamos na utilização de mídias analógicas e independentes como forma de presentificar indivíduos através da materialização, externalizando tanto expressões objetivas de cunho informacional, opinativo ou político, quanto subjetividades. São impressões, visões e expressões artísticas como forma de se fazer presente em espaço e tempo. Dissociando, portanto, a aura “comunicador” e a aura do “ser artista”. A não superioridade do indivíduo criador, tornando próxima a possibilidade de criar-se e inventar-se através de variados meios, que não os convencionais. O fanzinato destaca-se através da força humana interior de materializar subjetividades e anseios de um grupo ou de um indivíduo, no caso, o editor. Elucidam a potencialidade de criação e contribuem para a descentralização da comunicação. 12
Remodelando-a para a horizontalidade. Ainda que o mundo digital nos proporcione a sensação de descentralização, onde qualquer indivíduo é capaz de tornar-se influenciador e comunicador, as ruas estão muitas vezes reduzidas à poucas intervenções efetivas tanto na realidade quanto no sistema-cidade. A comunicação que se dá através do fanzine propõe experimentações e criações autênticas como um campo aberto de possibilidades onde tudo flui, se faz e refaz.
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DEFININDO E CONTEXTUALIZANDO
2.1 O que são zines?
A gênese dos fanzines ocorreu em 1930, nos Estados Unidos, introduzida por leitores e fãs de revistas de ficção científica, gênero literário ainda desvalorizado pelo meio editorial, era tratado como subliteratura. Surgem então as publicações organizadas por fã clubes (também conhecidos como fandom) que buscavam espaços para trocas de informação, debates sobre o tema e compartilhar seus trabalhos autorais de forma independente. Entretanto, tal denominação “fanzine” foi criada alguns anos depois, em 1941, por Russ Chauvenet. O termo originou-se do neologismo formado pela contração de fanatic e magazine, do inglês, significando “magazine do fã” (MAGALHÃES, 1993). O termo “fandom”, advém da junção das palavras “fan” (Fã) e “dom” de “kingdom” (Reino), resultando “Reino dos fãs”. Muniz (2010, p. 16) refere-se à produção fanzinei13
ra como um “encontro entre pessoas que criam entre si vínculos, pelas práticas de leitura e produção que compartilham. Uma infinidade de desejos e passionalidades inomináveis, mas passíveis de materialização plástica” resultando em projetos pessoais que se concretizam através dos fanzines, que podem ser compreendidos como um tipo de “publicação independente e amadora, geralmente de pequena tiragem e impressa em fotocópias ou pequenas impressoras” (MAGALHÃES, 2004, p.11). A medida que os fanzines ganharam repercussão, passaram a ser utilizados por outros gêneros de expressão artística e literária, ampliando seu leque de temas. “Tal expansão levou à criação desde panfletos políticos, enfocando ideias anarquistas, até ecologia, do rock brasileiro a estúdios de quadrinhos” (MAGALHÃES, 1993, p. 13). Formando um amplo conjunto de possibilidades que confirma a pluralidade de tais publicações. Portanto, conceituar o termo fanzine e delimitar sua abrangência se apresenta de forma complexa, pois existem diversas definições comumente caracterizadas por conceitos pessoais de quem os produz e consome. A produção independente, a estética inovadora e apresentação de temas raramente enfocados pela grande imprensa faz com que o fanzine seja considerado imprensa alternativa. Como explica Magalhães: Fanzines são o resultado da iniciativa e esforço de pessoas que se propõem a veicular produções artísticas ou informações sobre elas, que possam ser reproduzidas e enviadas a outras pessoas, fora das estruturas comerciais de produção cultural (MAGALHÃES, 2000, p. 05).
Não existindo ligação com o mercado editorial, os fanzines tornaram-se eficientes veículos de comunicação de culturas alternativas. Baseados na informalidade, não existindo regras de edição, busca-se preservar a liberdade criativa dos editores, ou zineiros. Estes, movidos pelo interesse ou paixão pelo assunto, encarregam-se de todo processo de produção, edição, publicação e divulgação de suas próprias 14
edições. A circulação acontece mediante sistemas de troca ou vendas, via postal, eventos culturais, shows, e com a chegada da era digital, através de e-mails ou sites que disponibilizam scans das páginas por download (MAGALHÃES, 2000). Muitas vezes a distribuição é gratuita ou vendida por um valor simbólico apenas para cobrir custos de produção. Os fanzines também são geralmente aperiódicos e efêmeros. A princípio, fanzines tratavam-se de produções textuais de caráter opinativo e informativo. O avanço tecnológico e a popularização de fotocopiadoras baratearam e facilitaram o desenvolvimento de uma revolução na produção de fanzines, proporcionando o amadurecimento das publicações e execução de projetos gráficos mais refinados, como aponta Magalhães (2009, p. 10). Tais fatores tecnológicos também facilitaram a manipulação e reprodução de imagens, favorecendo a produção de trabalhos artísticos e autorais. Funcionando não só como meio de expor ideias e expressões de artistas amadores, mas possibilitando servir de espaço para experimentação, desenvolvimento de ideias e até portfólio para disseminação de trabalhos artísticos que visam a profissionalização. “Os fanzines são, pois, um produto de grupos marginalizados cultural e geograficamente, bem como porta-vozes de um tipo de cultura que denominamos genericamente de underground, contracultural ou independente”. (MAGALHÃES, 2009, p. 107).
Morais (2014, apud Spencer, 2005) também esclarece que, dada a possibilidade de fugir do convencional, diferentes linguagens visuais e discursivas são exploradas, compondo um agente ideológico e expressivo completamente moldado pelo editor. A importância do fanzine não se dá pela popularidade ou benefícios financeiros, mas possuem o intuito de descentralizar a comunicação, obter controle de criação e autenticidade. Corroborando com tal afirmação, Andraus e Neto (2010, apud ZAVAM, 2004) também ressaltam: 15
A importância dos zines, já que ocupam um terreno paratópico, ou seja, que está em “paralelo” à oficialidade da editoração de livros e revistas, contribuem como um espaço para as pessoas se autopublicarem, independente de mercado ou permissões. Isso possibilita que muitos não se ressintam de expor suas ideias e expressões, impulsionando suas criatividades. (ANDRAUS; NETO, 2010, p. 35 apud ZAVAM, 2004).
A partir dos conceitos apresentados, nos próximos capítulos faremos uma breve contextualização histórica dos fanzines. Tendo como base a compreensão de zine como um veículo alternativo que comporta éticas políticas e sociais libertárias, voltado para grupos minoritários que utilizam-se de tal ferramenta para se comunicar.
2.2 Ficção Científica e o Fandon
Os primeiros fanzines eram produzidos por fãs de revistas de ficção científica. Busanello (2015) confirma que na década de 20, no pós Segunda Guerra Mundial, haviam muitos jovens fissurados por uma onda de revistas que, influenciadas pela visão futurista, abordavam a tecnologia de forma fantasiosa. As chamadas revistas de ficção científica (FC), como Amazing Stories de Julio Verne, deixaram muitos jovens entusiasmados com a relação máquina e humanidade. A partir desse interesse, as revistas passaram a abrir espaço para cartas dos leitores onde os fãs podiam interagir enviando suas críticas e resenhas. Muitos fãs clubes de FC começaram a se organizar propondo melhores debates sobre a temática. A necessidade de comunicação entre fãs faz com que surjam o que viria a ser chamado posteriormente de fanzine, a magazine do fã.
Figura 1: Capa do fanzine “The Comet”, edição de Maio/Jun. de 1940. Fonte: Blog Zine fest pt! 16
A disseminação dos fanzines se deu de forma desorganizada tornando difícil definir quando surgiram e qual foi a primeira publicação independente. Henrique Magalhães (2004) considera que o primeiro fanzine que se tem notícia surgiu nos EUA, o The Comet, criado em maio de 1930 e editado por Ray Palmer para o Science Correspondance Clube. Seguido por The Planet, criado em junho do mesmo ano por Allen Glasser para o The New York Scienceers. Nesta época, os fanzines ainda eram chamados de “fan-mags” até 1941, quando Russ Chauvenet fez uma junção das palavras fanatic e magazine que na tradução significam “revista do fã” (MAGALHÃES 1993). Jerry Siegel e Joe Shuster também foram dois importantes exemplos dessa geração aficionada por ficção científica. O Comic Stories, fanzine idealizado por ambos, surge em 1929, mas foi no Science Fiction (1932) que os autores se desenvolveram e iniciaram os vestígios da sua principal criação: o Super-Homem. (BUSANELLO, 2015). Segundo o autor, considera-se, portanto, que a cultura de ficção científica foi a precursora das HQs e histórias e quadrinhos que conhecemos hoje. Reformulando suas próprias publicações e criando suas próprias histórias editores passaram a conquistar seu espaço de forma mais autônoma, como sugere Morais (2014, apud Swadosh, 2007 p. 07) O fanzine encoraja a participação ativa ao invés de um consumo passivo. Este modo de comunicação incentiva leitores a se tornarem produtores e usarem seus fanzines como troca entre outros produtores num sistema de intercâmbio fora, porém interligado à grande mídia. (MORAIS 2014, p. 23 apud SWADOSH, 2007 p. 07).
2.3 Literatura e Movimento Beatnik
O movimento beat, ou os beatniks, referem-se a um movimento literário caracterizado por jovens escritores que viviam na América numa época pós-guerra bas17
tante conservadora dos anos 50. A sociedade americana passava por um aumento considerável na pregação do estilo way of life consumista enfatizando valores conservadores. Nessa situação haviam muitos jovens descontentes que objetivaram no movimento beat a contestação dos costumes tradicionais da cultura ocidental. Foram considerados ícones de sua época pela rebeldia e visão de mundo diferenciada, onde toda aquela irreverência cultural se refletia nas páginas dos fanzines e impressos alternativos, como aponta Busanello (2015). Em meio a essa rebeldia pungente, surgiram três escritores dessa geração que se destacaram: Jack Kerouac, William Burroughs e Allen Ginsberg. Dentre os temas emergentes, os beats enfatizaram assuntos pouco abordados até então, considerados minoritários ou excêntricos como: meio ambiente, uso de drogas e entorpecentes, diversidade, orientação e gêneros sexuais. O best seller de Jack Kerouac, On The Road, por exemplo, surge de um emaranhado de folhas, datilografado em apenas três semanas, e publicado em 1957. A publicação conta as experiências niilistas de Kerouac pelo interior dos Estados Unidos. A busca por vivências afastadas dos grandes centros capitalistas e tecnológicos é característico dos ícones desta geração. Ferreira (2005) aponta que: O movimento beat foi um movimento cultural que precedeu os hippies. Segundo Jacoby (1990) ele exerceu uma influência fundamental sobre os segundos, pois a maioria dos jovens costumava ser apática politicamente até aquele momento. Apesar de pioneiros nessa forma cultural de manifestação, os beats não se organizavam num grupo ativista, sua pretensão era o auto-conhecimento para melhor conhecerem o mundo e se posicionarem contra o que estava estabelecido previamente como cultura. (FERREIRA, 2005, p. 70 apud JACOBY, 1990)
A favor da liberdade de criativa e de ação a luta contra a censura era bastante considerável na época. Dentro deste âmbito contestatório, as publicações indepen18
dentes tornavam-se uma necessidade já que os ideais apresentados eram comumente rejeitados pela grande mídia e academia como elucida Morais (2014, apud Spencer 2005). Esses escritores beats dos anos 40 e 50 formavam uma comunidade que se apoiava e desejava que suas ideias fossem ouvidas, buscando também uma identificação com outras pessoas de mesmo descontentamento diante da ex¬periência cultural e social oferecida pela mídia mainstream (MORAIS 2014, apud SPENCER, 2005).
Jovens escritores passaram a ser considerados os novos talentos da literatura. Spencer (2005) também acrescenta que sem os veículos independentes, grande parte da literatura beat não atingiria o sucesso que atingiu na época e nem teria o reconhecimento que possui hoje. A conquista de seu espaço através das publicações independentes foi bastante significativo não somente para a literatura, pois tais publicações foram as precursoras dos chamados zines de literatura que temos atualmente.
2.4 Contra o poder das armas, o poder da flor: Contracultura
A década de 60 é marcada pelo momento em que o movimento sai da reclusão dos bares e jovens saem às ruas influenciando a contracultura através de manifestações pacifistas contra a Guerra do Vietnã, festivais de música, luta das minorias e dos direitos civis. Em meados da década de 60 o medo da bomba atômica assolava a mente da população que beirava à paranoia. A intensificação dos ataques ao Vietnã onde
Figura 2: East Village Other, vol. 2, 1967. Fonte: Site East Village Others. 19
milhares de pessoas foram mortas gerando insatisfação da população. Para os pacifistas, a guerra apenas refletia a ganância individual de uma minoria detentora do poder. Para os jovens americanos, os sacrifícios da guerra e o risco à vida eram considerados inúteis. Os chamados “hippies” saíram às ruas em marchas pacifistas como forma de protestar contra a guerra, reivindicar direitos pregando a paz e o amor e queimando suas carteiras reservistas. Como aborda Carmo (2003), o intuito era fugir da realidade imposta: De um lado mísseis nucleares, abrigos atômicos, guerras; de outro, sonhos de vida comunitária. Tudo isso levou os jovens a dar um basta e explodir contra uma cultura que não lhes oferecia nenhum futuro. Daí a opção de “cair fora” (drop out) do sistema, sair da opressão ocidental. (CARMO, 2003, P. 50).
Eclodiram diversas manifestações culturais que visavam refletir e provocar novas maneiras de pensar. Era necessário quebrar diversos tabus revolucionando ideias e modos de vida herdados pelas gerações anteriores. Paz e amor, o poder da flor (flower power), a liberação feminista (women’s lib) e o poder negro (black power) foram algumas palavras de ordem sedutoras o suficiente para mobilizar milhares de jovens no mundo todo. Incentivados a “cair fora” do mundo materialista, buscavam encontrar outros espaços físicos e mentais, foram criadas várias comunidades para trocas e vivências, ocorrendo também o interesse pelo místico e psicodelismo através do consumo de substâncias lisérgicas, principalmente do LSD (ácido lisérgico). Tais manifestações eram uma tentativa dos jovens de romper com os esquemas repressores que agiam de forma alienante sobre as consciências individuais baseadas na racionalidade e uma tecnocracia exacerbada. (BRANDÃO; DUARTE 2004). Com essa movimentação acontecendo, várias publicações de caráter contes20
tador surgiram, retratando o descontentamento de parte da população. Um exemplo seria o The East Village Other, um jornal alternativo que surge em The East Village, próximo a Manhattan, abordando temas libertários sobre feminismo, drogas, críticas aos conceitos tradicionais e afins. Outras revistas como MAD e Playboy também surgiram nesse contexto influenciadas pelas ideologias apresentadas no movimento. Morais (2014, apud SPENCER, 2005) confirma que houve um grande número de publicações que circulavam entre os recrutados do exército americano, onde muitos eram contrários à guerra. Isso fez com que “uma comunidade cada vez maior de leitores e escritores se estabelecesse, re-sistindo aos militares que tentavam interromper a circulação das edições, deferindo punições aos associa-dos” (MORAIS, 2014, p. 26 apud SPENCER 2005).
2.5 Movimento punk, Riot Grrrls e o punk feminista A consciência acerca de problemas políticos e econômicos continuou a incomodar a juventude no decorrer década de 70. Questões estas que não ressoavam apenas a partir da juventude intelectualizada. Jovens ingleses da periferia, filhos de operários, também se posicionaram de maneira contestatória organizando-se em outras frentes de militância. O punk teve sua explosão em 1977, e em sua origem, ao invés de apresentar-se como continuidade dos movimentos juvenis anteriores, reportou-se de maneira bastante diferenciada. Uma ruptura tanto estética, musical e de comportamento. O estilo agressivo, o vazio existencial apresentava-se apenas como o reflexo da sociedade em que viviam. 21
Descrente dos valores do amor e da amizade e da esperança, dos quais se tornaram incrédulos pela própria força avassaladora do capitalismo na sua versão moderna neo-conservadora, assumiam em revanche, uma atitude violenta e irreverente (GALLO, 2011, p. 287).
A música progressiva estava em alta nos anos 70, estilo esse que advém da fusão entre rock e música erudita (BRANDÃO & DUARTE, 2004). O intuito do punk era mudar completamente esse cenário musical da época. Na busca por uma música simples e sem grandes necessidades de aparatos, crescia o número de bandas amadoras e de garagem sem qualidade musical. Valorizava-se muito mais a emoção do que a técnica. “O punk explode como uma música ágil e “autêntica”, em sintonia com as experiências dos jovens no cotidiano das ruas”. (CARMO, 2003). Aproximando-se do posicionamento anarquista, o movimento se torna também político, como propõe GALLO (2011) “[...] recusaram-se à adesão aos canais propostos de participação política, afastando-se igualmente dos partidos de esquerda, por quem eram criticados, e assumindo uma independência nas várias instâncias da vida. ” Segundo Bivar (1982, in FERREIRA 2006), o movimento punk está ligado a um comportamento contestatório aos valores estáveis. Propondo uma gama de possibilidades buscam explanar a emancipação individual. “Faça você mesmo, pois ninguém fará nada por você”. A ética punk oferecia uma posição de controle sobre escolhas, ideias e independência em um sistema opressor (SPENCER, 2005). Estimulavam também a descentralização da informação quando incentivaram indivíduos do movimento a fazerem sua própria mídia. “Era politicamente incorreto, musicalmente simples, temporalmente rápido e multiplamente subversivo” (Busanello, 2010). Corroborando com o que se propõe na produção de fanzines: efêmero e subversivo. Logo, o conteúdo abordado pelo
Figura 3: Capa do fanzine “Sniffin’ Glue”, nº 3 1/2, edição de Setembro de 1976. Fonte: Zines: Ideologia e estética marginal. 22
fanzine, de forma concreta, passou a assumir o discurso do caos, da desordem e agressividade. Mas foi o fanzine Sniffin’ Glue, o primeiro zine punk, um dos mais importantes ícones difusores da ideologia punk, criado em 1976 por Mark Perry. Em suas 12 edições, Mark escreveu resenhas sobre bandas como Sex Pistols, The Clash e Ramones, além de sua paixão pelo movimento. Refletindo a opinião e atitude de outras pessoas. O intuito de Mark era o mesmo que os demais entusiastas de zines punks: documentar e compartilhar suas experiências e percepções do mundo dentro da cena, tendo o estilo de vida e musical como inspiração para confrontarem costumes e cultura mainstream da época (MORAIS, 2014, p. 29, apud SPENCER, 2005; WRIGHT, 1997).
Assim surge o primeiro zine punk de 8 páginas e tiragem de 200 cópias xerocadas. Vale ressaltar que a partir da explosão do punk, o fanzine cresce tanto que se torna porta-voz do movimento. No número 4 a tiragem do Sniffin’ Glue passa para 1000 cópias e, no número 10 já era um zine conhecido internacionalmente, com 8.000 cópias, impresso em off-set. (BIVAR, 1982, p. 51). Seguido pelo zine PUNK (EUA, 1975). O termo punk usado para referir-se ao movimento subcultural originou-se do nome deste fanzine musical publicado por Legs McNeil e John Holstrom (MORAIS 2014, apud SWADOSH, 2007, p.07). Criando uma onda de novas publicações, Henrique Magahães, destaca que o punk disseminou e deu popularidade ao termo fanzine, e passou a denominar as publicações informativas de fãs-clubes ou movimentos organizados de minorias (MAGALHÃES, 1993, p. 23). No Brasil, Manifesto Punk foi considerado o primeiro zine punk nacional, editado por Tatu, da banda Coquetel Molotov, criado nos anos 1980, seguido pelos zines “Descarga Suburbana”, “Atitude Anarquista” e “Revolução Punk”. Mulheres que faziam parte do movimento punk sentiam-se muitas vezes em
Figura 4: Capa do fanzine “Sniffin’ Glue”, nº 6, edição de Janeiro de 1977. Fonte: Zines: Ideologia e estética marginal.
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posição desigual tanto dentro do próprio movimento, quanto na sociedade, identificando-se com o movimento feminista. No início dos anos 90, o movimento feminista Riot Grrrl, que visava dar voz às mulheres punks criando uma rede de conscientização política, cultural e social. Iniciado por Kathleen Hanna (ex vocalista da banda Bikini Kill) e Alisson Wolfe, o Riot Grrrl tratava-se do primeiro zine ativista feminino que convidavam outras mulheres a fazerem parte do movimento. Com a mesma estética punk de colagens e textos manuscritos, serviam como mídia para divulgação de manifestos e compartilhamento de experiências de opressão e resistência dentro da sociedade (MORAIS, 2014 apud SWADOSH, 2007). Triggs (2010, p. 131 apud FARIAS, 2016) aponta que após o surgimento do movimento musical “riot grrrl”, começaram a surgir outras novas produções femininas. Incluindo os mais famosos nos Estados Unidos, Bikini Kill [...], Riot Grrrl [...] e Girl Germs [...], estes e outros ajudaram a definir uma nova geração de feministas que continuaram a questionar, como suas homólogas haviam feito. As noções de identidade de gênero, sexualidade e representação, políticas queer, multiculturalismo e igualdade em relação à parcela masculina na música (e em qualquer outro lugar). (TRIGGS, 2010, p. 131 apud MORAIS, 2016, p. 74)
Figura 5: Página zine “Bikini Kill”, nº 2. Fonte: Zines: Ideologia e estética marginal.
Muitos outros zines feministas foram idealizados, chegando até o Brasil, como o caso de Emancipa Zine (figura acima). Advindo da necessidade de organizar-se, o zine foi a primeira ferramenta de comunicação utilizada pelo Coletivo Feminista Emancipar. A primeira edição foi em 2011, convidando garotas, ou “grrrrrls”, a se juntarem em coletivo para dar vazão à suas produções.
2.6 Zines no Brasil O primeiro fanzine editado no Brasil, segundo Busanello (2010), foi o Ficção, no ano
Figura 6: Página zine “Emancipa zine”, 2011. Fonte: Arquivo Riot Grrrl Brasil. 24
de 1965, em Piracicaba, idealizado por Edson Rontani e seguia a temática clássica dos pioneiros do fanzine: ficção científica. Produzido artesanalmente em offset no mimeógrafo, continha geralmente de 10 a 12 páginas, foram distribuídos 300 exemplares, como expõe Magalhães (1993). O segundo fanzine brasileiro era intitulado Boletim do Herói (1968), nasce em Machado, Minas Gerais por Agenor Ferreira. O fanzinato se dissemina pelo restante do país chegando a Salvador, onde Gutemberg Cruz Andrade criou o Na era dos Quadrinhos (1970) que traziam informações sobre o mundo dos HQ’s, defendendo a produção de HQ’s como arte e valor cultural. Até então conhecidos por “boletins” no Brasil, apenas no início da década de 70 que se começou a utilizar o termo fanzine, época em que outras publicações vieram a surgir no decorrer da década: A disseminação do uso de fotocopiadoras por todo país, no final dos anos 70, transformou completamente a produção de fanzines. O baixo custo e a boa qualidade de impressão provocaram uma verdadeira explosão de publicações, proporcionando o intercâmbio e a descoberta de preciosidades das HQ. Este foi um dos motivos que deu origem à fase de consolidação dos fanzines. (MAGALHÃES,1993, p. 43)
Na primeira metade da década de 1980 ocorreu o auge dos dos fanzines nacionais. As produções ficaram cada vez mais numerosas e elaboradas. Também houve uma intensa troca de correspondências entre fanzineiros. Porém, segundo Magalhães (1993), a partir do ano 1986 começou o que ele veio a chamar de “crise nos infinitos fanzines”. A queda da produção ocorreu devido à crise econômica que se instaurou no país. A produção se tornou mais cara juntamente com a distribuição, já que o preço das postagens pelo correio também estava elevado. Já na década de 90 iniciou-se uma fase de aprimoramento da produção de fanzines que começaram a ser impressas em gráficas, com papel em melhor qualidade e capas coloridas (ANDRAUS & NETO, 2011).
Figura 7: Ficção, 1965, primeiro fanzine brasileiro. Fonte: Minas Nerds.
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A partir dos anos 90 e 2000, grupos começam a desenvolver e promover eventos maiores como forma de fortificar a cena de publicações independentes. O Fanzinada, era um exemplo desses eventos que visava debater e construir um fanzine coletivo (BUSANELLO, 2010). Os zines também podem ser facilmente encontrados na internet em blogs e grupos em redes sociais. Atualmente editores estão utilizando campanhas de financiamento coletivo como forma de arrecadar recursos para impressão dos fanzines. Também é um meio pelo qual artistas buscam ganhar visibilidade a fim de profissionalizar-se. No movimento feminista atual também existem publicações produzidas tanto por coletivos, quanto individuais. Zines estes que variam de temas, linguagem e complexidade. Um exemplo que pode ser encontrado na internet é o fanzine Artemis (2013, São Paulo). Produzido por mulheres, onde as mesmas interpretam visualmente em cada edição uma espécie de animal. Farias (2016) em seu estudo aponta que o zine foi concebido no intuito de trocar produções artísticas entre as participantes além de estimular o trabalho coletivo. Visando explorar intersecções e disparidades entre a condição feminina e animal. Muitos outros zines feministas nacionais podem ser encontrados, como é o caso de Capitolina (2014, São Paulo), que vem de uma revista online para garotas e adolescentes com temas sobre feminismo, arte, escola e games. Zine das Zinas (2014, Minas Gerais) é outro exemplo, criado por um coletivo de mulheres artistas e designers, veiculam informações, ilustrações e quadrinhos com a temática. Em uma viagem à São Thomé das Letras, Minas Gerais, a autora teve a oportunidade de fazer trocas com Roger BeatJesus do Coletivo Sarau Comics Edition de São Paulo. Onde pôde aproximar-se de produções zineiras paulistas como o zine Fazendo Decisões, realizado pelo coletivo Cultive Resistência e reimpresso pelo Co-
Figura 8: Página zine “Artemísia”, 2013. Fonte: Issuu
Figura 9: Capa Zine “Fazendo decisões”, São Paulo. Fonte: Acervo pessoal da autora. 26
mics Edition. Aliás, uma característica é o selo de “artefato copyleft”, que permite que qualquer pessoa copie, adapte ou distribua os zines. Fazendo Decisões é um zine que aborda temas de cunho político, incitando o leitor a ter mais autonomia sobre as decisões de sua vida. Em conversa informal, Roger afirmou ver o fanzine como uma ferramenta de ação direta, buscando atingir os mais variados públicos e faze-los pensar. Em seus zines – geralmente tamanho de bolso – ele prioriza apresentar conteúdos utilizando linguagens mais simples de forma que qualquer pessoa consiga compreender os conteúdos. Outro fanzine que tivemos contato, é o fanzine abaixo, “Pensamentos ocultos” composto por apenas uma página no tamanho A5. Coletado pela autora em Tibagi, Paraná, no início de 2017. O zine possui analogias à estética punk com linhas recortadas e colagens em um fundo de caráter mais agressivo feito a partir de hachuras. Visa expor sentimentos e angústias do autor. Nos fazendo perceber que publicações deste gênero se faz presente não somente em grandes centros, mas enfatiza a presença de publicações deste tipo nos mais variados contextos sociais e geográficos, como São Thomé das Letras e Tibagi.
Figura 10: Capa Zine “Fazendo decisões”, São Paulo. Fonte: Acervo pessoal da autora.
2.7 Zines em Maringá Em Maringá, noroeste do Paraná, os fanzines começaram a se manifestar a partir da década de 90. Desde então se constroem impressões e expressões artísticas a partir da necessidade de se comunicar, tornando praticamente impossível mensurar a quantidade de fanzines produzidos na cidade e região. Foi necessário fazer um recorte das publicações que seriam abordadas neste estudo. São muitos
Figura 11: Zine punk coletado em Tibagi, Paraná. Fonte: Acervo pessoal da autora. 27
fanzines produzidos e em diversos contextos. Aqui enfatizaremos algumas das publicações que tivemos contato nos últimos anos, ou que julgamos interessante apresentar. Segundo Blog Zombilly, (2013) o lançamento do primeiro fanzine produzido em Maringá ocorreu em 1991, por Andye Iore, foram 12 edições lançadas até 1994. Era o chamado The Wild Side, cujo nome, conforme explica o autor, foi tirado da música de Lou Reed, “Walk on the wild side”. Contava com a participação de amigos que colaboravam produzindo textos e conteúdos sobre rock independente, cinema e quadrinhos.
Figura 12: Capas zines Walk on the wild side. Fonte: Blog Zombilly
Em conversas e trocas a respeito da cena zineira maringaense, Lucas Dolis, editor do zine “Oh! Vida Privada”, nos apresentou seu acervo pessoal de fanzines 28
e publicações independentes que coletou ao longo dos anos. Dentre eles estava o zine “Delirium” editados por Alex e Alan Bariani. A imagem acima trata-se da terceira edição do zine, produzida em 2008. Definido pelos editores como “Underground Pop Art”, é composto por quadrinhos, produções visuais e ilustrações dos autores. Não em só em Maringá, mas na região, os fanzines ainda (r)existem. Tendo por exemplo o “Lowzine”, editado por Tim Fleming em 2013, na cidade de Mandaguari. Foram três edições abordando temáticas como música, cultura independente, resenhas, entrevistas e quadrinhos ilustrados por Denis Alves. Como aponta o editorial, “um lugar pra tudo aquilo que não é importante!”
Figura 13: Capa zine “Delirium Zine”, ed. nº 3, Maringá, Paraná. Fonte: Acervo pessoal de Lucas Dolis.
Figura 14: Capa Zine “Lowzine”, 2013, Mandaguari, Paraná. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Figura 15: Páginas Zine “Lowzine”, 2013, Mandaguari, Paraná. Fonte: Acervo pessoal da autora. 29
Na mesma época, outro fanzine fora criado em Maringá. Neste, fotografias e poesias compunham o fotozine, um fanzine fotográfico editado por Felipe Stahlhoefer, que será melhor detalhado em análise. Contextualizando brevemente o cenário zineiro marinaense, atualmente também temos alguns fanzines formato “de bolso”. Trata-se de uma folha A4 dobrada em um padrão bastante utilizado pelos zineiros e editores. São casos como “Retratos de Amor e Alucinação”, feito por Juliana Armond e coletado em 2016. O zine é todo feito à mão e reproduzido em xerox. São escritas e ilustrações que o compõe de maneira artesanal. Um zine maringaense que também se caracteriza pelo seu processo bastante artesanal é o “Água no Quintal”, de Ana Favorin, coletado pela autora em 2016. Um zine poético de formato diferenciado e tamanho reduzido onde as folhas são unidas por uma fita.
Figura 16: Capa zine “Água no Quintal”, Maringá, Paraná. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Figura 17: Página zine “Água no Quintal”, Maringá, Paraná. Fonte: Acervo pessoal da autora. 30
“Zine pá colorir e desenhar” é uma produção bastante criativa. A proposta são desenhos feitos pela editora e autora com intuito que o leitor interaja com o zine. “Entre copos e beijos” é outro zine de bolso, por Frederico Slonski. Poesias datilografadas e coladas, compõem-se juntamente com desenhos e escritas herméticas.
Figura 18: Capa zine “Zine Pá Colorir e Desenhar”, Maringá, Paraná. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Figura 19: Páginas zine “Zine Pá Colorir e Desenhar”, Maringá, Paraná. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Já “Des (a) tino”, “Amantética” e “Prelúdio de mim” são zines escritos e editados por Geovana Ragioto. Dentre as subjetividades da autora, temos poesias diagramadas, desenhos próprios intercalados por outras imagens e colagens. “Abrasivo Romantismo”, por Samuel Marrafão Jr., também se trata de um zine poético. Tratam-se de zines distribuídos entre 2016 e 2017, que serão analisados no decorrer deste trabalho. Entre outros temos “O Gauche”, que está em sua quarta edição, idealizado por estudantes. Trata-se de um zine textual que aborda contos, crônicas, textos literários
Figura 20: Capa zine “Des(a)tino”, Maringá, Paraná. Fonte: Acervo pessoal da autora. 31
ou filosóficos. Com linguagem mais rebuscada que por vezes aproxima-se de uma escrita científica ou com complexidade mais elevada lembrando folhetins. Tudo isso intercalado por poesias e produções artísticas visuais. O “Azine”, que está na sua segunda edição, editado por Aluísio Stuani, é o coletivo do qual faço parte. Tendo participado das duas edições, a primeira em 2016 e a segunda em 2017. Azine reúne trabalhos de artistas maringaenses reunidos por um interesse: tipografia e construção de letras.
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RESISTÊNCIA E LINGUAGEM VISUAL
Cada fanzine carrega em si facetas estéticas pessoais do editor e estéticas intrínsecas ao próprio fanzinato. Influenciada por movimentos artísticos de vanguarda, a estética peculiar e a linguagem gráfica dos fanzines, para Triggs (apud FARIAS 2016), tem origem em duas correntes principais: uma delas influencia nas formas e técnicas aplicadas advindas do Dadaísmo, Fluxus e Surrealismo. A outra, baseada em atividades políticas e de contracultura como o Situacionismo dos anos 50 e 60, a imprensa underground radical e o movimento punk dos anos 70. Movimentos artísticos estes que marcaram e viraram do avesso os processos e as poéticas de criação artística. Quando passou a se valorizar mais as intervenções efêmeras no urbano do que as luxuosas pinturas expostas no museu, percebemos a ampliação da concepção estética e viabilização de novas formas de comunicação artística.
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3.1 Dada e surrealismo O movimento Dadaísta surge a partir de fevereiro de 1916, quando Hugo Ball, poeta e filósofo alemão fundou o Cabaré Voltaire, na cidade de Zurique. A proposta era projetar um centro para entretenimento artístico, virando ponto de encontro e espaço onde jovens poetas e artistas eram convidados a trazer ideias, colaborações, produções, proclamar poemas, cantar e dançar. Passando então a ser formado por jovens franceses e alemães, objetivados pela negação. Associaram-se a Ball artistas como Jean Arp, Tristan Tzara, Marvel Janco e Richard Huelsen. O primeiro som produzido pela criança. Seria o suficiente para expressar os propósitos dadaístas. Expressar o primitivismo, o começar do zero, e um novo conceito de artes. Em um dos escritos de Arp, ele afirmava estar em busca de uma arte elementar que salvasse a espécie humana da loucura daqueles tempos (ADES in STANGOS, 2000). Os movimentos dadaísta, surrealista e situacionista conceituaram a relação entre arte e mídia de forma diferenciada. Quando até mesmo o expressionismo parecia para alguns ter se tornado “passível e fútil”. Para os dadaístas, a arte havia se tornado mera transação comercial. Artistas dadas prosseguiam na realização de experimentações em novos veículos, como a colagem, inserindo a arte abstrata e novas linguagens para a poesia através de recitais e cantorias. Formas de atingir a autenticidade artística (ADES in ZAHAR, 2000; DOWNING, 2002, p. 97). Dada “ne signifie rien”, (não significa nada). Defendendo a desconstrução de conceitos tradicionais, culturais na arte e sociedade. Produziram objetos que até então eram considerados sem valor algum, objetos antiarte. As obras eram consideradas de caráter irracional, valorizando a espontaneidade e primitivismo indo total-
Figura 21: Capa do catálogo da exposição “Erste Internationale Dada-Messe” por John Heartfield e Wieland Herzfelde, 1920. Fonte: Zines: Ideologia e estética marginal. 33
mente contra os preceitos artísticos e técnicas da arte clássica. Sendo reconhecidos também pela experimentação visual, técnicas de colagem nonsense, detournement (prática de subverter uma imagem, demonstrado normalmente pela substituição de tiras em quadrinhos), montagens tipográficas e apropriações de elementos da cultura pop (MORAIS, 2014; DOWNING, 2002). Como exemplo os chamados “objetos encontrados”, que eram produtos do cotidiano como sapatos, tijolos, ferro enferrujado ou o clássico vaso sanitário, que se tornaram parte de exposições formais de arte (MORAIS, 2014; DOWNING, 2002). O dadaísmo e parte do Surrealismo foram considerados os movimentos artísticos mais radicais da vanguarda histórica do século XX. Sendo claramente identificadas suas influências nos impressos independentes feitos nos anos 50 e 60, segundo Paul Buhle, especialista e crítico em literatura popular (STEWART, 2011 p. 15 apud BUSANELLO, 2010, p. 23) O movimento Dada era considerado um modo de viver. A irreverência dadaísta envolveu-se em um complexo de ironia, pois ao negar a sociedade e toda forma de arte, acabou por negar a si. É complexa a relação entre o dadaísmo e surrealismo pois tratam-se de movimentos contestadores bastante semelhantes. Os surrealistas, não visavam desmantelar e desconstruir inteiramente as convenções artísticas, por outro lado, trabalharam a partir delas sua própria subversão de dentro para fora. Segundo Ades (in ZAHAR, 2000) a diferença residia na organização do movimento surrealista e seu embasamento teórico. Influenciadas pelo poeta e crítico André Breton, principal líder e mentor do movimento, as teorias e literatura surrealista baseavam-se nos estudos psicanalíticos de Freud, que englobava áreas até então negligenciadas, como o sonho e o inconsciente (STANGOS, 2000; CHIPP, 1999). Caracterizam-se pela valorização do imaginativo do autor e não pela reprodu34
ção e codificação de ideais estéticos. Reconhecendo o “ato da criação espontânea” como forma estimular o criativo, alcançando formas de representar o inconsciente e experiências oníricas. Permitindo que o acaso entrasse em suas composições, o chamado automatismo consiste na busca pelo espontâneo. Segundo Breton (in CHIPP, 1999) o interesse pelo automatismo se dá pela possibilidade de revelar a verdadeira natureza individual do artista, gerando maior autenticidade nas suas produções. A não-superioridade do artista criador é presente em ambos movimentos. Enfatizando que qualquer ser humano é capaz de produzir e representar seus anseios de forma livre, autêntica e revolucionária. O dada e o surrealismo visavam chocar e escandalizar o público por meio da arte. “A erupção do maravilhoso na experiência corriqueira [...] procuravam meios de expressar tudo o que era inesperado, novo, assombroso e vertiginoso” (PLAN, 1992 p. 48 apud DOWNING 2002).
Figura 22: Pintura surrealista “Campo Arado”, Juan Miró. Fonte: Wikiart.
3.2 Fluxus e Arte Postal O grupo Fluxus trata-se de um movimento artístico que se difundiu nas décadas de 60 e 70 sob as influências do movimento dadaísta e surrealista. Opondo-se a valores tradicionais artísticos, o nome Fluxus, do latim flux¸ significa modificação, escoamento, catarse. A princípio tratava-se de uma revista criada por George Maciunas, se estendendo a performances organizadas por ele e o restante do grupo que se disseminou mundialmente. (BUSANELLO, 2014). Em 1963, Maciunas reuniu escritos e fez um apanhado sobre o que seria o Manifesto do grupo através de colagens e significados retirados do dicionário. Segundo tradução proposta pela Obvious Magazine, o manifesto propunha oposição à burguesia e à arte artificial, morta em prol da arte viva. Considerando que uma 35
experiência artística deveria ser compreendida por todos, e não apenas por críticos. O artista torna-se um manipulador de signos, mais do que um produtor de objetos de arte, e o espectador, um ativo leitor de mensagens mais do que um contemplador estético ou um consumidor do espetáculo. É por isso que o procedimento do readymade duchampiano, a fotomontagem e a apropriação do pop são significativos ao apontar para o papel da arte como signo social, misturado a outros signos num sistema de produção de valor, poder e prestígio. (FREIRE, 2006, p. 21)
A ideia era enfrentar a Arte tradicional aproximando-se da vida cotidiana através de performances e happenings. “É o processo criativo do artista, e não o seu resultado que se coloca em primeiro plano” (FREIRE, 2006, p. 22). A efemeridade era uma das características da arte proposta pelo grupo. Misturar a arte e o cotidiano desconstruindo convenções, valorizava-se a produção criativa coletiva contestando por meio de performances filmes e publicações que eram produzidas na própria editora do grupo, a Editora Fluxus. A partir da influência Fluxus surge a Arte Postal, tendo o principal foco em libertar e descentralizar o comércio e manipulação da arte por instituições, levou suas características também para a estética de zines. O movimento consiste no envio postal de peças de arte não fi¬nalizadas em cartões, envelopes, zines ou até objetos tridimensionais a artis¬tas que executam suas contribuições e prosseguem com o percurso, enviando para outras pessoas realizarem o mesmo processo (MORAIS, 2014, apud SPENCER, 2005).
Figura 23: Manifesto Fluxus - Fonte: Mac USP.
O movimento surgiu a partir da década de 1950 como forma de difusão de novos suportes. Seth Siegelaub foi um importante galerista e editor que contribuiu decisivamente criando circuitos alternativos de distribuição da arte. Para ele, a arte conceitual não necessita dos mesmos aparatos da arte tradicional. Um dos suportes propostos por ele, que muito se aproxima do conceito fanzine e publicações independentes, foi a utilização de catálogos onde o próprio catálogo poderia servir de 36
exposição. “Xerox book”, por exemplo foi uma exposição que ocorreu somente por meio de um catálogo/livro feito por artistas. Nesse projeto o jovem Siegelaub convidou diversos artistas para realizarem trabalhos em xerox, e a cada um deles foram oferecidas 25 páginas que, depois de reunidas pelo galerista/editor, foram impressas em offset numa tiragem de 1.000 exemplares. O interessante nessa proposta é a realização de algo simples, barato, fácil e rápido. Está implícita aí a noção de arte como comunicação, sem intermediários, voltada diretamente para seu público (FREIRE, 2006, p. 31).
Considera-se o ano de 1962 o marco formal de seu surgimento, quando o americano Ray Johnson (1927-1995) criou a “New York Correspondance School of Art”. Artistas utilizavam-se do correio como forma de intercâmbio de produções, dando origem a mais uma nova forma de expressão de arte contemporânea. Tal arte se confundia com impressos alternativos de todos os tipos que tratassem de temas subversivos assimilando os fanzines pelos artistas postais. “Nesse período, as publicações de artistas em forma de revistas artesanais eram abundantes e também foram distribuídas pelo correio”. (FREIRE, 2006). Elucidando o intercâmbio entre arte e comunicação, sem intermediários, voltada para os mais diversos públicos.
Figura 24: Postal feito por Ray Johnson. Fonte: AcasoArte.
3.3 Situacionismo e estética punk Situacionistas também herdaram a visão subversiva das vanguardas artísticas mais radicais. O movimento surge a partir de 1957 na unificação de três agrupamentos de artistas: o Comitê Psicogeográfico de Londres, a Internacional Letrista e o Movimento por uma Bauhaus Imaginarista. 37
A união de artistas e críticos políticos, como Guy Debord e Raoul Vaneigem, autores de A Sociedade do Espetáculo, de Debord e A Arte de Viver para as novas gerações, de Vaneigem. Consideravam que, dentro da sociedade do espetáculo, o homem não pode ser considerado livre, mas sim dominado pelas estruturas econômicas, culturais e sociais que fazem parte do “espetáculo” gerado pelo capitalismo, como afirma Busanello (2010). O Grupo teve sua contribuição nas manifestações de Maio de 68 em Paris, disseminando frases em cartazes como “É proibido proibir”. Viam na arte uma ferramenta revolucionária, do contrário, a mesma não teria utilidade. Suas publicações eram influenciadas pelas revistas de movimentos de vanguarda, misturando colagens e recortes de quadrinhos, como na estética dadaísta. A fim de redefinir a arte, partiam do princípio que esta era uma atividade de todos e feita por todos (MORAIS, 2014 apud SPENCER, 2005; WRIGHT 1997). Utilizavam a distribuição e disseminação aleatória de seus panfletos e revistas caracterizadas por visuais abstratos, na tentativa de criar familiaridade e aproximação entre arte e população. Reproduziam e adaptavam suas publicações e muitas vezes não colocavam os créditos de publicação visando atingir a população através da ação direta artística. O movimento punk também teve suas influências baseadas tanto na estética quanto na ideologia dos movimentos artísticos radicais. Busanello (2010) expõe que a negatividade do punk se retratava através do prisma situacionista, utilizando a estética como uma arma de transformação. Craig O’Hara (apud BUSANELLO, 2010, p. 32), destaca que a estética dadaísta e futurista também é com frequência relacionada à estética punk.
Figura 25: Página da revista “The Situationist Times”, por Jacqueline de Jong, Maio de 1962. Fonte: Zines: Ideologia e estética marginal.
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Ele era dedicado à rejeição das formas de arte tradicionais, à expressão não naturalista e ao envolvimento da plateia. Esse envolvimento da plateia é um importante ponto de ligação entre arte e o movimento punk, pois ambos tentaram quebrar as barreiras normais presentes na relação artista/espectador (O’HARA, 2005, p. 39 apud BUSANELLO, 2010, p.32).
Não somente ideologias, mas muitas das técnicas e conceitos advindos de movimentos artísticos de vanguarda foram absorvidos e readaptados pelos punks em suas publicações. A utilização da fotomontagem, juntamente com a colagem que se compõe da sobreposição de vários elementos e intervenções muito próximas à técnica automatista proposta pelos dadaístas e surrealistas, que primava pelo acaso e aleatoriedade. Recursos para se chegar à estética ideal proposta pelo movimento punk no o intuito de chocar, irritar, levantar discussões e levar pessoas a repensar opiniões. Para Moraes (in MUNIZ, 2010, p. 70), a estética espetacular que predominavam nas experiências punks tinha o objetivo no efeito sensorial do choque, o efeito de “balde de água fria”. A desconstrução estética e a quebra da aura artística contribuíam efetivamente para estes efeitos.
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ZINE: MÍDIA RADICAL E FOLKCOMUNICAÇÃO Deleuze chamaria de “devir revolucionário das pessoas”, ou seja, a capacidade que os sujeitos têm de transformarem a si mesmos, suas relações e seu meio mais próximo através de investimento em novas formas de sociabilidade e convivência” (MORAES, in MUNIZ 2010, p. 75).
Na contextualização histórica do fanzine, vemos que nos mais diversos contextos se apresentou na intenção de criar espaços de fala e representação de indivíduos e minorias. Neste estudo atrelamos os fanzines ao conceito de mídia radical, pro39
posto por Downing (2002), que refere-se à mídias em geral produzidas em pequena escala, com poucos recursos, efêmeros e atraentes. Caracterizam-se principalmente por contrapor a hegemonia das mídias, sendo desenvolvida em diversos formatos e escalas como o cinema marginal, teatro de rua, rádios livres, cartazes, volantes, fotomontagens, graffiti e pichações. música popular entre outras manifestações. Para Downing (2002), o conceito mídia alternativa não era suficiente para representar tal criações, pois qualquer coisa é alternativa a outra (DOWNING, 2002). Mídias radicais apresentam tendências a serem mais democráticas, buscando a horizontalidade na comunicação. Tendo suas bases estabelecidas nas culturas populares, que intercambiam entre o popular, mas recorrem muitas vezes à culturas de massa. Também caracterizam-se por expressar uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas. A persistência histórica e disseminação geográfica da mídia radical em diversos contextos, como o caso dos fanzines nos confirmam a sua importância e, portanto, nos servem de apoio para o desenvolvimento deste estudo. Ao pensarmos em resistência cultural e mídias radicais, percebemos a semelhança com os estudos folkcomunicacionais de Luiz Beltrão (1980) que nos servem tanto para compreensão da cultura fanzineira, quanto para fins metodológicos. A Teoria da Folkcomunicação foi iniciada com a tese de doutoramento de Luiz Beltrão (1918-1986) no ano de 1967, na Universidade de Brasília. O autor define folkcomunicação como sendo “o processo de intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, ideias e atitudes da massa, por intermédio de agentes e meios direta ou indiretamente ligados ao folclore” (BELTRÃO, 2004, p. 118 apud GOMES, 2010, p. 4). Dessa forma, Beltrão vê no folclore um dos grandes canais de comunicação coletiva. Vale destacar que Beltrão refere-se às manifestações folclóricas não como manifestações de tradições, mas expõe “na verdade, tais desenfados são desabafos. 40
Explosões e não estratificações. Revestem-se de atualidade e não de memória” (BELTRÃO, 2004, p. 45 apud GOMES, 2010, p. 5). Ou seja, falamos da comunicação em nível popular, no que se refere à comunicação do povo e que não se utiliza dos meios formais de comunicação (CARVALHO, 2006), que serve como suporte para atender as necessidades vitais de comunicação do indivíduo. Desta forma, interligamos aqui os critérios adotados por Beltrão (1980) onde, distingue-se a audiência ou usuários folkcomunicacionais em três grupos: 1. Os grupos rurais marginalizados, sobretudo devido ao seu isolacionismo geográfico, sua penúria econômica e baixo nível intelectual; 2. Os grupos urbanos marginalizados, compostos de indivíduos situados nos escalões inferiores da sociedade, constituindo as classes subalternas, desassistidas, sub-informadas e com mínimas condições de acesso; 3. Os grupos culturalmente marginalizados, urbanos ou rurais, que representam contingentes de contestação aos princípios, à moral ou à estrutura social vigente (BELTRÃO, 1980, p. 40).
Trataremos neste estudo, de acordo com o material pesquisado, a qualificação nos itens 2 e 3 mencionados acima, dando ênfase aos culturalmente marginalizados (item 3). Os fanzines, diante do caráter marginal, por estarem à margem do mercado, servem de suporte a experimentações artísticas, transformando-se em publicações reflexivas, analisando os diversos aspectos das artes de forma crítica e independente. Novos autores e artistas têm nos fanzines espaço para publicação de suas obras. Haja visto que, não se tem veículos acessíveis do mercado que contemplem de forma adequada o fluxo da produção de autores nacionais, menos ainda para as obras de novos artistas. Sem fins lucrativos e com forte comunicação comunitária, os fanzines se inserem na folkcomunicação como porta-vozes de setores e expressões. Motivados a 41
produzirem seus próprios veículos como forma de interação de trocas de informações (MAGALHÃES VER ANO). Quando o propõe analogia ao modo de produção da imprensa popular, como folhetos de cordel, a proximidade do fanzine com a folkcomunicação nos parece evidente. Para Beltrão (1980), a folkcomunicação trata-se do processo de intercâmbio de informações, destacando expressões críticas e de opinião.
A folkcomunicação é, por natureza e estrutura, um processo artesanal e horizontal, semelhante em essência aos tipos de comunicação interpessoal já que suas mensagens são elaboradas, codificadas e transmitidas em linguagens e canais familiares à audiência, por sua vez psicológica e vivencialmente pelo comunicador, ainda que dispersa (BELTRÃO, 1980, p. 28).
Reiterando, não podemos considerar os fanzines como meios de massa, já que o número reduzido de exemplares é uma das características inerentes do mesmo. Beltrão (1980) observou que tal parcela marginalizada se utiliza de meios e sistemas próprios de comunicação à parte do sistema de comunicação de massa. Conforme expõe Magalhães (2009), é por meio do fanzine que os fãs e envolvidos se identificam num universo comum saindo do isolamento. Encontrando no fanzine o espaço ideal para expressar suas paixões e se fortalecerem como participante de um grupo. Grupo tal, que dentro de uma perspectiva comunicacional, editores e leitores de fanzines desenvolvem linguagens e trocas próprias ao grupo do qual procedem. Não só pelo aspecto de comunhão comunitária, nessas pequenas publicações os leitores e editores estimulam o olhar investigativo e crítico enquanto exercitam sua liberdade de expressão. Grandes debates acontecem nos fanzines, acrescentando elementos cognitivos e promovendo análises construtivas para o resgate e desenvolvimento de sua arte (MAGALHÃES, 2009, p. 105).
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4.1 Metodologia Pesquisas em comunicação tendem a analisar, com base nas perspectivas teórico-metodológicas possibilidades de produção e interpretação crítica da comunicação no contexto contemporâneo. Nesta parte, desenvolveremos a metodologia a ser utilizada no presente estudo, bem como o detalhamento dos procedimentos metodológicos adotados. O estudo aqui apresentado se constitui em caráter exploratório, iniciando-se com o método bibliográfico. A utilização do método visa justificar-se pela oportunidade revisão teórica de trabalhos acadêmicos da área, bem como artigos, publicações que envolvam direta ou indiretamente o tema de pesquisa. “Para estabelecer as bases em que vão avançar, alunos precisam conhecer o que já existe, revisando a literatura existente sobre o assunto. Com isso evitam esforços em problemas cuja solução já tenha sido encontrada” (SUTMPF, 2006 in DUARTE, 2006, p. 52). A constituição de uma base teórica nos proporciona maior compreensão nos aproximando da manifestação zineira ao longo do tempo e em diversos espaços, incluindo a cidade de Maringá. Considerando que, conhecer historicamente tal manifesto nos dá aparatos suficientes tanto para a constituição da análise quanto para a construção do produto fanzine. A revisão teórica nos ajuda a estabelecer os limites de abordagem, delimitando o recorte feito para constituir este estudo. Corroborando com o desenvolvimento da pesquisa delimitamos algumas condições temporais, espaciais, selecionando fontes e leituras para a revisão. Por tratar-se de um recorte histórico, buscamos trilhar o caminho percorrido pelos fanzines de forma até limitada e superficial devido à amplitude da manifestação zineira na história. 43
Passando pela gênese fanzineira, foram feitas algumas pontuações sobre a insurgência do fanzine desde o pioneirismo fandom, passando por movimentos como os Beatniks, movimentos de Contracultura, Punks, considerando tanto manifestações mundiais, nacionais e locais. Baseado nos conhecimentos repassados por Henrique Magalhães (2016), Muniz (2010), Busanello (2010), entre outros. Por outro lado, também nos servimos de conceitos culturais apresentados por Arantes (1981) e contra culturais, por Pereira (1981). Entretanto, para a desmistificação do objeto fanzine e o esmiuçar de suas facetas estéticas através da análise visual, fez-se necessária a contextualização de movimentos estéticos que serviram de apoio para a construção da linguagem gráfica peculiar dos fanzines. Passamos então por um breve estudo das suas correntes artísticas influentes que, segundo Triggs (apud FARIAS, 2016), influenciam tanto em técnicas (Dadaísmo, Fluxus e Surrealismo), quanto por suas atividades políticas e de contracultura (Situacionismo, imprensa underground e radical, e Movimento Punk). São etapas constituintes da pesquisa bibliográfica que relacionamos com os conceitos de cultura, compreendendo os zines como porta-vozes de uma comunicação de cunho popular. Atrelamos então conceitos de Mídia Radical desenvolvidos por Downing (2002) aos procedimentos metodológicos folkcomunicacionais de Beltrão (1980). Utilizando dos estudos em Folkcomunicação como método de desenvolvimento de nossa proposta que consiste na análise de fanzines maringaenses. O segundo método utilizado no estudo se refere à análise documental. Os fanzines que estão sob análise configuram-se como documentos de um dado espaço e tempo que, sob nossas perspectivas tratam-se de um artefato cultural produzido para, e por meio da comunicação interpessoal de grupos tidos como marginalizados. Trata-se, portanto, de uma análise qualitativa, por verificar o teor do conteúdo do 44
material selecionado para posterior interpretação através da leitura e análise visual. A seleção de documentos se compôs através da busca de zines disponibilizados na Internet, acervo próprio e contato com colecionadores. Com o propósito de salientar, examinar as abordagens visuais adotadas entre tantas publicações, tornou-se necessário delimitar o número de cinco publicações divergentes entre si, tanto pela estética, formato e localização. Relacionando o fanzine como cultura popular e visando compreender seus meios de difusão, estudamos aqui sua manifestação no campo da Folkcomunicação de acordo com os estudos de Luiz Beltrão, que considera tais publicações como forma de dar voz à grupos minoritários ou que estejam à margem da indústria cultural. Os apontamentos feitos por Carvalho (2006) propunham a revisitação das obras “beltranianas” e outros estudiosos, a fim de compreender os passos metodológicos realizados por Beltrão em seus estudos. A autora identifica ausência de clareza metodológica do pesquisador, já que o mesmo se comporta como profissional jornalista. Ou seja, um pesquisador que narra os fatos, mas que nem sempre se preocupa em registrar os caminhos percorridos. Vale ressaltar que, o que se diferencia na pesquisa em folkcomunicação é a definição do objeto de pesquisa e a seleção do suporte teórico para análise. Teorias já trabalhadas anteriormente quando relacionamos os conceitos culturais próprios dos fanzines às teorias folkcomunicacionais em corroboração com o conceito de mídias radicais de Downing (2002). No mais, Carvalho (2006) também conclui destacando que “a pesquisa em folkcomunicação trabalha com um objeto próprio e específico – as manifestações da cultura popular, o que permite aos pesquisadores múltiplas escolhas, gerando diferentes linhas de pesquisa. Cabendo a cada pesquisador “a definição dos procedimentos 45
metodológicos a serem adotados, desde que, se respeite a especificidade do objeto e objetivos de estudo”. (CARVALHO, 2006, p. 122) Compreendemos então que toda e qualquer ciência se faz por um método. Padrões metodológicos se fazem necessários para assegurar o possível percurso de investigação. Os métodos não são rígidos e prontos porque o próprio processo de pesquisa exige a construção e adequação das ferramentas de análise (BELLINI, 1988). Deste modo, a combinação de métodos se constitui não para aprisionar o objeto em interpretação fixa, mas para preservar a fluidez do mesmo, movimentando-se com liberdade na exploração do objeto. Não é difícil percebermos a tendência visual no comportamento humano. Como comunicadores, estamos constantemente produzindo imagens, e é de interesse pessoal ampliar nossa própria capacidade de interpretação de conteúdos visuais. Compreendemos que qualquer acontecimento visual é uma forma com conteúdo, mas o conteúdo é extremamente influenciado pela importância das partes constitutivas, como a cor, o tom, a textura, a dimensão, a proporção e suas relações compositivas com o significado (DONDIS, 2003, p. 22). Compreendemos os fanzines, como mídia radical, são instrumentos ricos em composições e experimentações estéticas colocando em evidência também suas potencializações cognitivas e comunicativas. (DOWNING, 2002). Deste modo, alinhamos aos métodos folkcomunicacionais os métodos de análise visual a fim de ampliar nossa compreensão e possuir aparatos suficiente para analisar de que forma as expressões visuais são utilizadas na construção de um fanzine. Para analise visual entende-se que é necessário levantar os balísticos de uma composição inerentes à toda e qualquer imagem. Propomos examinar elementos visuais básicos encontrados nos objetos, nos utilizando das teorias de Donis A. Dondis 46
(2003) e Wong (2007) que contribuirá para o entendimento e interpretação na leitura da imagem. O modo visual constitui um corpo de dados que, como a linguagem, podem ser usados para compor e compreender mensagens em diversos níveis de utilidade, desde o puramente funcional até os mais elevados domínios da expressão artística (DONDIS, 2003, p. 3).
São os signos artísticos que permitem ao homem, este ser sensível, construir sua poética pessoal, a sua singularidade em seu modo de ver e tornar visível o seu universo imaginário. Para aperfeiçoamento e aplicação dos métodos utilizados, desenvolveu-se o planejamento e estrutura de decupagem e análise que veremos no tópico a seguir.
4.2 Estruturas de decupagem Após realizado o aporte teórico, daremos início à análise dos fanzines alinhando o método folkcomunicacional à análise visual. Para realização da pesquisa, algumas orientações devem ser consideradas, visando uniformizar os procedimentos adotados. Assim, cada fanzine será lida/estudada identificando objetos de destaques da mesma. Ressaltando aqui que o conceito de imagem, nesta análise, irá limitar-se apenas aos registros gráficos (fotografias, ilustrações, tipografias) não dando ênfase necessariamente à registros verbais. Observando também a “tridimensionalidade” do objeto, examinaremos os fanzines bem como mídia física e material. Escolhendo então critérios que comportem tanto os aspectos gráficos, quanto os suportes de impressão da mídia alternativa. 47
Utilizamos os casos de estudos apresentados no texto de Carvalho (2006) no desenvolvimento das etapas e do processo de análise. Onde primeiramente, será feita a seleção de fanzines, realizando a identificação e classificação das mesmas. Para posteriormente ser feita a mensuração dos aspectos gráficos e de impressão. Seguindo a análise em basicamente três etapas principais: • objeto. • •
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Identificação/decupagem das zines: Seleção e recorte de imagens do Mensuração dos aspectos gráficos e impressão. Análise visual do conteúdo.
ANÁLISE DOS FANZINES
Ao pesquisar a manifestação fanzineira em Maringá, percebemos que a sua dimensão é bastante considerável, não sendo capaz de mensurá-los. Portanto, para a análise foi necessário selecionar apenas 05 zines maringaenses. Optamos por expor diversidade tanto temática, quanto de formato. Seguimos a etapa de mensuração de aspectos gráficos e de impressão, para enfim chegarmos à análise visual. Oh! Vida Privada Ano: 2006/2007 Formato: Livreto Cores: Monocromático
Figura 26: – Capa do zine “Oh! Vida privada”, nº1. Fonte: Acervo da autora. 48
Impressão: Semiprofissional, em gráfica Edições: 03 ed. Métodos de distribuição: Mão a mão e eventos. Oh! Vida privada trata-se do fanzine mais antigo que iremos analisar. Idealizado por Lucas Dolis e amigos, estudantes maringaenses, encontraram na impressão deste zine espaço para expor seus escritos poéticos e ilustrações. Logo que tomamos o fanzine em mãos percebemos imediatamente o cunho praticamente semi-profissional do zine. A impressão é mais sofisticada do que o comum já que a mesma foi produzida em gráfica. O que é bastante peculiar quando se fala em produções deste gênero, caracterizadas por impressões mais simples, em copiadoras. Quando tivemos contato com Dolis – editor de Oh! Vida privada - o mesmo relatou que a princípio, o grupo tinha interesse em utilizar o fanzine como encarte para lançamento do 1º disco de surf music da banda de mesmo nome, justificando então a utilização da impressão de qualidade mais rebuscada e o formato adotado. Projeto este que por fim ficou apenas na ideia dos estudantes. A capa do fanzine já nos traz conceitos bastante interessantes. Inicialmente destaca-se a ambiguidade no nome e o conceito do próprio fanzine, que faz paralelismo com a “privada”, ou vaso sanitário. A simetria da composição inicial é contrastada com a textura e ruído presentes nos traços e formas das letras que apesar de muito bem harmonizadas, já não se apresentam de forma tão simétrica. Percebemos aqui o que Wong (2007) entende por textura espontânea, característico das formas acidentais e feitas à mão. A textura que se encontra presente nos tipos (ou letras) da capa, segundo Dondis (2003), é o elemento visual que com frequência serve de substituto para as qualidades de outro sentido, o tato. A simetria é bastante relacionada 49
ao equilíbrio da peça, trata-se de uma concepção regida pela lógica e simplicidade absoluta (DONDIS, 2003, p. 142). Conceito bastante perceptível logo nos primeiros contatos com o fanzine. Já no verso, o efeito espelhado das letras demonstram a criatividade dos autores no que se diz sobre a composição. Também se faz uso do efeito negativo na capa do fanzine, usado para diferenciação das edições, como mostram as figuras 1 e 2. Efeito utilizado também em uma das páginas (fig. 28), que inclusive faz alusão ao poema apresentado de nome “Contrastes”. Dondis (2003), a respeito do uso do efeito negativo afirma que o que domina o olho na experiência visual seria visto como elemento positivo, e como elemento negativo consideraríamos tudo aquilo que se apresenta de maneira mais passiva. Figura 27: Capa do zine “Oh! Vida privada”, nº 02. Fonte: Acervo da autora.
Figura 28: Páginas zine “Oh! Vida Privada”, nº 02. Fonte: Acervo pessoal da autora. 50
Percebemos que o fanzine segue uma certa linearidade, mas a disposição dos textos é trabalhada de forma bastante variada, sempre seguindo uma estética mais limpa e simétrica. Um dos aspectos interessantes encontrados foi a utilização de composições e figuras em espirais. Wong (2007, p. 88) afirma que um padrão de espiral gera uma força centrífuga intensa. Podemos então identificar a analogia da composição ao movimento da água na privada quando acionada a descarga. (Fig. 29).
Figura 29: Páginas zine “Oh! Vida Privada”, nº 03. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Muito característico também da estética dadaísta, a disposição dos conteúdos ocorrem de maneira diferenciada, onde a palavra não precisava mais representar a realidade ou exprimir um significado, como aponta Lourenço (2006, p. 6). Segundo a autora, “a letra em si poderia converter-se em experimentação visual e a página po51
deria ser pensada sem grandes restrições de colunas, imagens, tipografia ou formato”. Tal afirmação pode ser visualizada na imagem do boletim Der Dada, nº 1 de 1919. Outra característica que podemos perceber é a aproximação estética do fanzine com formas geométricas. Na figura 31 temos o uso de diagramações que se aproximam bastante da estética proposta pelo movimento de vanguarda literária chamado Poesia Concreta, que buscava novas formas de veicular a expressão poética, concentrando-se na materialidade da palavra, nos seus aspectos sonoro (musical) e gráfico (visual).
Figura 30: Capa Der Dada nº 1. Fonte: Memória das Artes Visuais.
Figura 31: Páginas zine “Oh! Vida Privada”, nº 01. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Figura 32: Poesia Concreta por Leminski. Fonte: Blog Tropicália.
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A diagramação foi realizada digitalmente e as fontes utilizadas geralmente são digitais, salvo em alguns casos. A composição se distribui dentro das delimitações das margens grossas presentes em todas as páginas do fanzine, enfatizando ainda mais a simetria presente na diagramação. As imagens utilizadas são geralmente de autoria do grupo. Apenas na edição nº 03, eles se utilizam de fotografias, colagens e fotomontagens (Fig. 33). Busanello (2010), a respeito dessa técnica afirma que a colagem é bastante utilizada no meio fanzineiro. “A técnica que se iniciou no meio artístico com os cubistas, passou pelos futuristas, dadaístas, surrealistas [...] e influenciou de forma significativa a imprensa alternativa” (BUSANELLO, 2010, p. 37 e 38). O autor também afirma que no movimento dadaísta, os artistas além de desconstruir esteticamente, levou a colagem a um nível bastante subversivo. O que combina com o conteúdo apresentado na terceira edição de Oh! Vida privada, que se porta de maneira mais subversiva e política. Podemos visualizar essa relação nas produções Hannah Höch, uma das artistas principais do movimento dadaísta no que se diz sobre fotomontagem. O montador de fotografias dada pretendia dar a algo irreal a aparência de algo próximo ao real. Em uma composição imaginativa, reuniam-se elementos retirados de livros, jornais, cartazes e folhetos. Um arranjo que seria possível apenas a partir de processos artesanais, estética que até então nenhuma máquina seria capaz de compor (CHIPP, 1996). Tanto a fotomontagem quanto a colagem são técnicas frequentemente utilizadas nos fanzines analisados.
Figura 33: - Páginas zine “Oh! Vida Privada”, nº 03. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Figura 34: Produção de colagens por Hannah Höch, 1936. 53
Prelúdio de Mim
Figura 35: Capa zine “Prelúdio de mim”. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Ano: 2016 Formato: Zine de bolso Cores: Monocromático Impressão: Xerox Papel: Sulfite Métodos de distribuição: Mão a mão e eventos Outro zine maringaense sobre poesias: Prelúdio de Mim. Autoria e distribuição de Geovana Ragioto. Trata-se de um fanzine formato de bolso, com diagramação artesanal feita por colagens e redigido em máquina de escrever. Neste método, o editor faz uso de um “boneco” para criar suas composições, ou seja, a diagramação é feita em um zine modelo que servirá de base para cópias. O fanzine se constrói de maneira mais rudimentar, pois se utiliza de uma única folha A4 que é montada com mínimos recortes e uma dobradura simples, totalizando 8 páginas. 54
As características mais marcantes das publicações da zineira, é a estética mais despretensiosa e poesias que se expressam de maneira intensa. Ainda que não seja composto por muitos elementos, nota-se que não há tanta preocupação com a legibilidade do zine, (Fig. 9 e 10) que carrega aspectos mais rústicos e “inacabados” dialogando perfeitamente com o conteúdo de suas poesias, em específico o trecho em que se lê “A minha vida é uma sucessão de inacabados”. Também percebemos a certa negação da simetria em seus processos, que enfatiza o inesperado e o insólito, sem ajustar-se a nenhum plano decifrável (DONDIS, 2003, p. 143). Algumas figuras do fanzine estão diagramados fora da área de impressão, cortando parte da imagem, não respeitando as sangrias, como se o editor não se contentasse com a delimitação de espaço fornecida pela folha (LOURENÇO, 2008). Assumindo as falhas visuais, preserva-se a livre expressão como objetivo. A linguagem aberta e despojada liberta o fanzine dos padrões editoriais, como aponta Lourenço (2008) “desenvolvem um sistema gráfico simples onde tudo parece funcionar em (des)harmonia com o erro, o acaso, o irreverente, o vulgar, o residual, o risível, o brega (...)”. Utilizando-se o xerox como m étodo de reprodução, o ruído se faz presente no decorrer do fanzine. Além da baixa resolução das figuras, onde algumas se apresentam até de forma hermética, dando mais complexidade às páginas. O uso desenhos mais “inocentes” feitos pela própria autora realçam ainda mais a espontaneidade na produção do fanzine, que “caracteriza-se por uma falta aparente de planejamento. É uma técnica saturada de emoção, impulsiva e livre” (DONDIS, 2003, p. 148).
Figura 36: Capa zine “Prelúdio de mim”. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Figura 37: Capa zine “Prelúdio de mim”. Fonte: Acervo pessoal da autora. 55
Zine fotográfica de Felipe Stahlhoefer
Figura 38: Capa fotozine Felipe. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Ano: 2012/2013 Formato: A5 Cores: Monocromático Impressão: Xerox Papel: Sulfite e sulfite amarelo (capa) Métodos de distribuição: Mão a mão Esta publicação sem nome, trata-se de um zine de fotografias e poesia pro56
duzido por Felipe Stahlhoefer entre 2012 e 2013. O fanzine destaca-se pelo tema, um compilado de fotografias analógicas e digitais em composição harmônica com poesias de Thiago Cervan. Os conteúdos retratados são diversos, indo desde urbanidades, eventos e animais. São retratos, recortes cotidianos que compõem a diagramação feita de forma simples. A expressão fotográfica é insigne em nossa sociedade, tanto como registro documental, quanto artístico. Fotozines são utilizadas por artistas e fotógrafos a fim de explorar novas plataformas e formas de expressar suas intenções. A impressão de baixa qualidade proporciona alguns detalhes e textura nas fotos granuladas. Marcadas por ruídos, percebemos a interferência do acaso na construção e impressão de um fanzine, onde alguns detalhes estão alheios ao nosso alcance, como demonstra a imagem abaixo.
Figura 39: Páginas zine fotográfico Felipe. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Figura 40: Páginas zine fotográfico Felipe. Fonte: Acervo pessoal da autora.
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Abrasivo Romantismo
Figura 41: Capa e costas zine “Abrasivo Romantismo”. Fonte: Acervo pessoal da autora
Ano: 2016 Formato: Bolso Cores: Monocromático Impressão: Xerox Papel: Sulfite Métodos de distribuição: Mão a mão Outro zine bolso sobre poesias, Abrasivo Romantismo, de Samuel Marrafão Jr. Neste fanzine destacamos a linearidade visual feita pelo editor que em sua composição faz clara referência às cartas do baralho. Primeiramente, observamos uma releitura da carta de Ás de copas logo na capa do fanzine. Nos naipes franceses - nosso baralho convencional – o naipe de 58
copas é simbolizado pelo coração. Compreendemos o uso do naipe de copas, o coração, como simbolização de estado do autor, transpassando o romance vivido. Dondis (2003) afirma que há um vasto universo de sistemas de símbolos codificados que o homem criou arbitrariamente e ao qual atribuiu significados. Símbolos que identificam ações ou organizações, estados de espírito, direções — símbolos que vão desde os mais pródigos em detalhes representacionais até os completamente abstratos (DONDIS, 2003, p. 20). Nesta releitura da carta, o editor substitui a imagem convencional do baralho por uma ilustração que retrata o coração de forma mais realista, proporcionando mais intensidade no conceito que dialoga com o nome do zine “Abrasivo Romantismo”.
Figura 42: Páginas zine “Abrasivo Romantismo”. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Figura 43: Páginas zine “Abrasivo Romantismo”. Fonte: Acervo pessoal da autora.
A diagramação é feita de forma analógica através de colagens e escrita datilografada. Percebemos aqui um pouco mais de preocupação do editor em relação à simetria e alinhamento do texto. A estética e marcas das colagens mantém os as59
pectos mais artesanais, característico da técnica. Já que a experimentação, junto à escassez de meios de produção está contido na forma como o fanzine é editado sem padrões definidos e que somente reconhecendo isso podemos reconhecer o que é um fanzine (LOURENÇO, 2008). E, como mencionado anteriormente, o editor segue uma linearidade no uso de figuras que dialogam muito entre si – a dama, rosa e o coração -. Elementos que fazem parte da ilustração da carta Q ou D do baralho, representada por uma Dama segurando uma flor, ou conforme interpretamos, a Dama a quem o poeta se direciona. Ao esmiuçarmos as imagens utilizadas percebemos um certo nível de sequencialidade dos objetos, proporcionando até uma noção temporal. As intervenções presentes nas figuras transformam a dama, vista por outro ângulo, em uma caveira. Muito condizente com a maneira dúbia que o autor passa a retratar a relação amorosa apresentada nas poesias. Nas primeiras figuras da Dama, ela é apresentada jovem, com o semblante suave, e ao final se apresenta de maneira mais rígida, e mais velha (Fig. 44). O desgaste da carta torna a imagem da dama ainda mais difusa, marcada pelo ruído, que corresponde à degradação que o autor se encontra em sua última poesia, ao relatar o olhar da dama como “um soco no estômago”. A mesma impressão de temporalidade e degradação ocorre com a imagem da flor, que na primeira página se apresenta de forma mais viva, e ao final encontra-se destruída.
Figura 44: Páginas zine “Abrasivo Romantismo”. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Azine Ano: 2016/2017
Figura 45: Capa zine “Azine”, nº 01. Fonte: Acervo pessoal da autora. 60
Formato: A5 Cores: Monocromático Impressão: Xerox Papel: Couché Capa e Milo Sulfite Nº de cópias: 40 na 1ª ed e 30 na 2ª Edições: 02 Métodos de distribuição: Eventos e mão a mão Azine, um fanzine em geral sobre tipografia. Une a construção de letras e ilustrações que fazem uso desse tema em sua composição. O conceito do nome faz jus à sua temática, um neologismo que envolve tipografias de A à Z, “Azine”. Aluísio Stuani, como editor e curador, organizou e diagramou produções de 6 artistas na primeira edição e 11 na segunda. A diagramação segue uma linha bastante simples, a capa é marcada pela simetria. A organização das letras, o uso de uma tipografia mais sólida, ocorre de maneira descontraída, mas sempre mantendo níveis simétricos em sua estrutura alinhada. Também percebemos o uso de textura nas formas que proporciona um aspecto mais simples. As falhas de impressão, também contribuem para a texturização. As composições também chamam a atenção no fanzine, como é o caso da imagem 20. A caligrafia em gótico, distribuída em espiral, o uso da técnica negativa, dificulta a leitura e interpretação da escrita, incitando ainda mais a curiosidade do leitor. Podemos considerar aqui uma certa ilegibilidade que é bastante característica nos fanzines. Uma outra produção, a “surpresinha” que o fanzine carrega, é a folha do meio. A ilustração e o número elevado de elementos demonstram toda complexidade da
Figura 46: Página zine “Azine”, nº 01. Fonte: Acervo pessoal da autora.
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ilustração, que faz o receptor permear os olhos pela imagem, observando, descobrindo os detalhes e texturas. Representando a dinamicidade e nuances da urbe, o modo como os elementos e as ruas são entruturadas, o entrelaçamento dos fios elétricos revelam a infinidade de elementos que compõe a cidade. Sensação destacada também pelo sangramento da impressão. Segundo Lourenço (2006), ao contrário da moldura, o sangramento oferece a sensação de que o desenho da página vaza para além dela própria, nos dando ainda mais a sensação infinidade ao olharmos a ilustração. Uma cidade captada de vários ângulos, enuncia a mensagem ao centro. Uma frase que subverte o ditado: “Diga teu CEP e eu direi quem tu és”.
Figura 47: Página zine “Azine”, nº 01. Fonte: Acervo pessoal da autora. 62
Figura 48: Página zine “Azine”, nº 02. Fonte: Acervo pessoal da autora.
Outro aspecto que retoma a questão da urbanidade e se utiliza de signos subversivos, é a construção de estéticas e uso de signos advindos da pixação, representam a caligrafia urbana nacional. Signos herméticos, irrompem-se através de sua dialética negativa e o desacordo estético marcado por contornos pontiagudos, carregados de agressividade e desacordo estético. São traços, linhas que se compõem de forma sequencial ao ponto que trazem a agudeza proposta por Dondis (2003) através da precisão e do uso de contornos rígidos. Como aponta Tiburi, “o gesto estético transformado em arma de combate social pode fazer da pixação a mais potente forma de arte de nosso tempo”. (TIBURI, 2011, p. 39). Percebemos que no quesito tipografias e construção de letras, Azine consegue variar bastante em seus estilos, trazendo desde urbanidades à plataforma zinesca,
Figura 49: Página zine “Azine”, nº 01. Fonte: Acervo pessoal da autora.
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na estética wildstyle e pixação, até os mais clássicos, como a caligrafia gótica que se contrapõe ao handlettering com traços mais finos e delicados, que atuam de forma até contrastante.
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PROJETO PRÁTICO: NEBULOSA
6.1 Formação da Nebulosa Como objetivo do produto final, tivemos o intuito de finalizar o presente estudo sobre fanzines ultrapassando os limites de “co-produtora”, para tornar zineira e editora de um fanzine próprio. Olhando sob o espectro de futura comunicadora, pretendemos nos utilizar dos conceitos levantados durante este estudo no que se diz respeito à autonomia de publicação e expressão de ideias. Além das produções de autoria própria, como proposto no início do estudo, temos o objetivo de incentivar a produção de outros artistas locais que tenham interesse em agregar tanto em ideias quanto na colaboração e produção de conteúdo.
Figura 50: Página zine “Azine”, nº 01. Fonte: Acervo pessoal da autora.
“[…] a psicologia do artista constitui um assunto coletivo e não pessoal. Isto porque a arte, nele, é inata como um instinto que dele se apodera, fazendo-o seu instrumento. Em última instância, o que nele quer não é ele mesmo enquanto homem pessoal, mas a obra de arte. Enquanto pessoa, tem seus humores, caprichos e metas egoístas; mas enquanto artista ele é, no mais alto sentido, “homem”, e homem coletivo, portador e plasmador da alma inconsciente e ativa da humanidade”. (JUNG, 2011, p. 104)
Usamos das palavras de Jung como inspiração para construção do nosso fan64
zine, de nome Nebulosa. Trata-se de um convite a explorar o conceito de fazer-se “homem coletivo”, a fim de aglomerar intenções de expressão de um grupo para a formação do zine, ou da Nebulosa. A produção de um fanzine depende da boa vontade e iniciativa de um indivíduo que se proponha a fazê-lo. Apesar de sua simplicidade e caráter artesanal, Magalhães (1993) afirma que um bom fanzine exige muita dedicação e uma razoável compreensão do processo editorial que envolve etapas, desde a coleta do material até a encadernação e distribuição. É um trabalho bastante pessoal onde o editor de fanzine acaba por dominar todas as etapas de sua produção. Deste modo, para o planejamento do Fanzine delimitamos os processos necessários para a edificação do mesmo. Tal planejamento se fez em diálogo com o processo de produção proposto por Magalhães (1993) onde o autor sintetiza a seu modo as etapas de construção de um fanzine. a) Tema: O autor afirma que cada fanzine lançado é um documento, por mais simples que seja, e portanto, a delimitação e escolha do tema é o primeiro passo a ser dado. Escolhendo um gênero pelo qual se tenha interesse e domínio sobre o assunto. Desse modo, optamos por favorecer interesses pessoais em conjunto com assuntos e temáticas abordados em alguns dos fanzines analisados. Também na tentativa de sintetizar aspectos e estéticas que consideramos favoráveis de acordo com nossa análise visual. Nos interessa subjetividade individual de cada artista. Apesar da necessidade de delimitarmos os temas abordados no zine, privamos pela liberdade criativa do mesmo. Por isso, como temática geral do fanzine temos conceito “nebular” que é visualmente representado pelas nebulosas e temas relacionados à astronomia, mes65
clando com as características estéticas e temáticas individuais de cada co-produtor. b) Distribuição: Inicialmente a circulação de fanzines ocorria dentro da rede de editores que intercambiavam suas produções. Porém, quando pensamos em fanzines pensamos na possibilidade de ação direta e distribuição a quem possa interessar, a quem possa conceder atenção para a apreciação de nossa produção. c) Formato: Delimitamos o “meio ofício”, ou A5 como suporte para nossa criação. Trata-se de uma opção pessoal do processo de editoração, não havendo uma justificativa específica para tal escolha. d) Volume: Ainda estamos em processo de seleção e pesquisa de artistas e conteúdos, tornando complexa a delimitação do número de páginas do fanzine, já que o mesmo depende da quantidade de material disponível. e) Periodicidade: Ainda que seja um elemento importante, a periodicidade do Fanzine ainda não foi definida. A princípio, propomos experienciar tal produção para posterior decisão. Ou seja, estamos abertos a possibilidades, não descartando de imediato a produção de outras edições. f) Tiragem: Tendo relação direta com o tamanho do público. Alguns produtores possuem interesse em manter a circulação de seu fanzine de forma restrita. Outros buscam mais visibilidade, desejando ganhar mais popularidade. Considerando que não falamos aqui de uma produção de massa, temos interesse na visibilidade de nosso fanzine considerando os limites de um objeto folkcomunicacional.
6.2 Nebulando: Editoração e produção Quando se pensa em um fanzine, logo se imagina que o processo ocorre de 66
maneira simples. O que percebemos é que como todo impresso, mesmo que alternativo, necessita do planejamento da produção gráfica. Na delimitação do processo de produção e editoração, verificamos a necessidade de se planejar e dividir o processo por etapas. a. Processo criativo do projeto gráfico: A partir do desenvolvimento do conceito Nebulosa, iniciamos o processo criativo com o desenvolvimento de uma caligrafia que fizesse parte da identidade visual da capa. Para composição também desenvolvemos outros elementos como ilustração da nuvem e utilizamos fotografias de nebulosas para texturas. Figura 51: - Processo criativo. Fonte: Registro da autora.
Figura 52: - Processo criativo. Fonte: Registro da autora.
Figura 53: - Processo criativo. Elemento Nuvem. Fonte: Registro da autora.
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Uma das características que mais chamam a atenção nas nebulosas são as cores. Para manter o zine dentro da estética monocromática, bem como o baixo custo de produção, nos utilizamos de recursos para dar cor à Nebulosa. Os testes seguiram da seguinte forma.
Figura 54: Textura. Nebulosa de Órion. Fonte: NASA.
Figura 55: Processo criativo. Testes de impressão. Fonte: Registro da autora.
Além do papel colorido para a capa, foram feitos testes de impressão com tinta em spray que contribui tanto na coloração quanto no seu efeito esfumaçado. Utilizamos técnicas em colagem e fotomontagem para a constituição do zine.
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b.
Conteúdo e Seleção de originais
Como mencionado, convidamos um grupo de pessoas a fazer parte da nossa produção. A temática apresentada foi o conceito nebular, porém cada produtor também poderia trazer conteúdos que lhe fosse pertinente. • Seleção de artistas e seleção de peças. • Visual Ilustração: Thaise Plaza, Welder Henrique, André Morais e Frank Paris. • Visual Tipografia: Melina Ramos. • Visual Fotografia: Luana Colosio. • Texto: Aluísio Stuani e autora, Rebeca Marques. c. • •
Seleção de originais Recolher conteúdos Escaneamento ou cópia
Os conteúdos recebidos passaram por um processo de seleção para estabelecer quais fariam parte do zine. Foram divididos em duas categorias. Uma delas constam os trabalhos já finalizados, como fotografias ou ilustrações de página inteira onde privamos por manter a originalidade do autor. Já em outras foram feitas algumas intervenções, para que o trabalho se compusesse de forma conjunta. Dentre as intervenções utilizamos montagem digital e trabalhamos com colagens, técnica bastante utilizada em fanzines, como vimos na revisão teórica.
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d. Diagramação • Delimitar seções • Paginação • Boneco/Esquema de impressão e. Revisão f. Impressão • Formato A5 • Papel sulfite colorido para a capa e miolo sulfite branco • Impressão monocromática • Encadernação simples g. Divulgação • Boca a boca • Evento de lançamento • Lambe-lambe h. Distribuição • Distribuição livre • Venda • Trocas • Correspondência • Evento 70
7 CONCLUSÃO Estudar o universo zineiro tornou-se um projeto desafiador. Principalmente no que tange em relação à sua história. Compreendemos a dimensão e sua importância como objeto que possibilita formas alternativas de comunicação. Enfatizando o poder da comunicação que se dá para além dos contextos mercadológicos. Quanto às análises, percebemos que de fato, os fanzines maringaenses se utilizam de técnicas e heranças imagéticas advindas dos movimentos estéticos de vanguarda. O que se nota é a pluralidade de conteúdos e expressões. Apesar de tratar de uma mídia paratópica, com lugar não definido, conseguimos observar sua manifestação em vários espaços de tempos, temas e contexto. Sendo produzidos muitas vezes por apenas um editor, de forma mais simples, direta e sem grandes sofisticações. Outras vezes tratam-se de publicações mais complexas. Mas sempre manifestando subjetividades e peculiaridades de cada autor ou artista. Propomos a produção de um fanzine para que este não fosse apenas um estudo teórico, mas que proporcionasse a oportunidade de melhor compreende-lo em prática e ação. Nesta ação, os estudos teóricos e análises visuais nos foram úteis tanto para reconhecimento estético quanto em novas formas de se trabalhar a imagem e criação de composições. Gostaríamos de enfatizar o ato de se fazer comunicar em coletivo. O conceito “nebular” foi de extrema importância na compreensão da forma como cada artista ou co-autor se expressa visualmente. Identificando suas peculiaridades, conseguimos mesclar nossas formas e impressões a fim de construir algo maior, algo coletivo, artístico capaz de nos representar conceitualmente e visualmente. Corroboraram com nosso intuito, a desmistificação de formas de expressão alternativas. 71
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ANEXO Produto: Fanzine Nebulosa
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