Estudo de Mercado sobre a Comercialização de produtos locais no Sector de São Domingos

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Estudo de Mercado sobre a Comercialização de Produtos Locais no Sector de São Domingos - Kasumai Co-financiamento

Apoio

Estudo de Mercado sobre a Comercialização de Produtos Locais no Sector de São Domingos

Programa de Desenvolvimento Comunitário de São Domingos . Kasumai (ONG-PVD/2003/020-858/GW)

Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia. O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade do Instituto Marquês de Valle Flôr e não pode, em caso algum, ser tomado como expressão das posições da União Europeia.

MODY M.D.BA - JULHO 2007


República da Guiné-Bissau Instituto Marquês de Valle Flôr Acção para o Desenvolvimento Associação para a Cooperação entre os Povos

Estudo de Mercado sobre a Comercialização de Produtos Locais no Sector de São Domingos

MODY M.D.BA Consultor

Programa de Desenvolvimento Comunitário de São Domingos . Kasumai (ONG-PVD/2003/020-858/GW) JULHO 2007



Ficha Técnica Coordenação e Autoria do Estudo Mody M. D. BA

Tradução Joana Vasconcelos

Revisão Instituto Marquês de Valle Flôr (Gonçalo Marques, Joana Vasconcelos)

Composição e Edição Instituto Marquês de Valle Flôr Acção para o Desenvolvimento

Concepção Gráfica Matrioska Design Lda

Impressão e Acabamento Europam Lda

Co-Financiamento Comissão Europeia

Apoio Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD)

Depósito Legal

Tiragem 300 Exemplares



Índice I. TERMOS DE REFERÊNCIA DA MISSÃO pág. 1 1.1. Justificação e eixos da missão pág. 2 1.2. Abordagem metodológica pág. 2 1.3. Principais resultados esperados pág. 2 1.4. Eixos de análise pág. 3 1.5. Sequências organizacionais previstas pág. 4

II. EXECUÇÃO DA MISSÃO pág. 5

III. APRESENTAÇÃO GERAL DO SECTOR AGRÍCOLA DA GUINÉ-BISSAU pág. 7 3.1. Situação geral da produção agrícola pág. 7 3.2. Situação geral da pecuária pág. 9 3.3. Situação geral da pesca pág. 9 3.4. Gestão do ambiente pág. 10 3.5. Financiamento do sector agrícola pág.10

IV. PERFIL SOCIOECONÓMICO DA REGIÃO DE CACHEU E DO SECTOR DE SÃO DOMINGOS pág.11 4.1. Demografia pág. 11 4.2. Capacidade de produção pág.11 4.3. Estrutura das despesas e do consumo familiar pág. 12

V. FUNCIONAMENTO DOS MERCADOS DE PRODUTOS AGRÍCOLAS pág. 12 5.1. Evolução relativa ao contexto social pág. 12 5.2. Regulamentação pág. 13

VI. FUNCIONAMENTO DOS MERCADOS pág. 14 6.1. Estrutura dos lumus pág. 14 6.2. Organização dos lumus pág. 15 6.3. Funcionamento dos lumus pág. 16 6.4. Tipologia de actores pág. 18


Índice VII. FLUXO DOS PRODUTO AGRÍOLAS pág. 20 7.1. Fluxo do Sector de São Domingos para o Senegal pág. 21 7.2. Fluxo do Sector de São Domingos para Bissau pág. 22 7.3. Fluxo com destino ao Senegal, à Gambia e à Guiné Conacri pág. 22

VIII. O MERCADO TRANSFRONTEIRIÇO DE DIAOBÉ pág. 23

IX. FICHAS DE CUSTOS DE PRODUÇÃO E PREÇOS pág. 26 9.1. Óleo de palma pág. 26 9.2. Amendoim pág. 28 9.3. Arroz pág. 29 9.4. Vassouras pág. 30 9.5. Peixe fumado pág. 31

X. CONSTRANGIMENTOS À COMERCIALIZAÇÃO pág. 32 10.1. Falta de cultura comercial e de estratégia de autodesenvolvimento pág. 32 10.2. Fraca capacidade de produção pág. 32 10.3. Ausência de crédito pág. 33 10.4. Dificuldade em controlar a oferta pág. 34 10.5. Encravamento dos lumus pág. 35 10.6. Abusos de que os comerciantes são vítimas pág. 35

XI. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES pág. 36

ANEXOS pág. 41

BIBLIOGRAFIA pág. 46


I. Termos de referĂŞncia da missĂŁo


Estudo de Mercado sobre a Comercialização de Produtos Locais no Sector de São Domingos

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I.Termos de referência da missão

1.1. Justificação e eixos da missão A elaboração de um estudo de mercado sobre a comercialização de produtos locais na região de Cacheu é fundamental dado permitir alcançar três objectivos: 1) Conhecer e compreender o mercado dos produtos locais; 2) Definir a estratégia comercial; 3) Conceber as primeiras acções comerciais.

da implementação de um conjunto integrado de actividades: > Apoio às actividades agrícolas; > Apoio às actividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas e a outras actividades complementares; > Saúde e nutrição; > Educação e meio ambiente; > Apoio às dinâmicas comunitárias; > Formação dos grupos-alvo; > Reforço institucional do parceiro local do projecto, a AD.

Atendendo a que a região de Cacheu se situa no norte da Guiné-Bissau, próximo da fronteira com o Senegal, o estudo debruçar-se-á sobre as escalas local, nacional e sub-regional. A presente publicação enquadra-se no âmbito do «Programa de Desenvolvimento Comunitário de São Domingos - Kasumai: Guiné-Bissau», implementado pela parceria entre as Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) portuguesas Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) e Associação para a Cooperação entre os Povos (ACEP) e a Organização Não Governamental (ONG) guineense Acção para o Desenvolvimento (AD), co-financiado pela Comissão Europeia (contrato ONGPVD/2002/020-858/GW) e com apoio do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento. O Programa, com início em Maio de 2003 e conclusão em Julho de 2007, definiu como objectivo geral melhorar as condições de vida da população do sector de São Domingos, situado na região de Cacheu, promovendo o desenvolvimento sustentado através

As populações que residem na área de intervenção dedicam-se a diferentes actividades produtivas, de transformação e de comercialização de produtos agrícolas e animais, nomeadamente de cereais locais, arroz dos pequenos vales, de bolanha e de sequeiro, amendoim, hortícolas e produtos de colheita como o palmiste e a castanha de caju. A acção da parceria IMVF/AD/ACEP incidiu sobretudo no apoio às actividades agrícolas (fornecimento de sementes), apoio à transformação e à comer-cialização dos produtos, apoio às dinâmicas organizacionais e ao reforço das capacidades institucionais da AD em termos de formação do seu pessoal e do estabelecimento de condições logísticas para a gestão e acom-panhamento do programa. Este estudo deriva da necessidade de reforçar as iniciativas desenvolvidas pelas populações da zona tendo em vista a valorização dos produtos agrícolas e florestais. De facto, constata-se que a acção de valorização empreendida pelos diferentes actores enfrenta


constrangimentos associados à gestão dos factores de produção e à colocação dos produtos no mercado, nomea-damente no que respeita ao controlo das condições pré e pós-colheita, à gestão dos negócios e à logística. As transacções comerciais com os países vizinhos desempenham um papel predominante no mercado da zona de intervenção. Desta forma, considerase que a organização de uma vasta corrente de comércio transfronteiriço de produtos agrícolas alarga as perspectivas de troca e de comercialização por oferecer às populações maiores oportunidades de escoamento da sua produção. Nesse sentido, a parceria IMVF/AD/ACEP não exclui a exploração do potencial oferecido pelos mercados sub-regionais de Diaobé e de Diaroumé (ambos situados no Senegal) que constituem plataformas estratégicas entre o Senegal, a Gambia, o Mali, a Guiné e a Mauritânia.

> A capacidade dos agentes nacionais e subregionais que operam no mercado ; > A importância relativa de cada um dos centros potenciais de comercialização.

1.2. Abordagem metodológica A análise dos termos de referência permitiu ao consultor elaborar e submeter aos mandatários (IMVF e AD) uma nota conceptual e metodológica que constitui um programa provisório de intervenção. Este documento veicula a percepção da missão pelo consultor, refere os principais resultados esperados e apresenta o plano de acção que o consultor pretende seguir para responder ao solicitado nos termos de referência. 1.3. Principais resultados esperados Os principais resultados esperados no âmbito deste estudo consistem em: > Confirmar as principais fileiras (cereais, amendoim, produtos de colheita, frutos, legumes e produtos

O objectivo final do estudo é a formulação de uma estratégia de reforço e de dinamização dos circuitos comerciais locais e regionais. Na sua análise, o autor concentrar-se-á nos seguintes elementos: > As potencialidades e os constrangimentos dos circuitos de comercialização e de distribuição locais e regionais (comunicações, transportes, infraestruturas de apoio);

piscícolas). Resultado 1: As principais fileiras são identificadas e avaliadas. > Analisar os circuitos de comercialização existentes.

O que implica identificar os principais mercados de produtos agrícolas, caracterizar o seu funcionamento e conhecer os eventuais circuitos de distribuição dos produtos agrícolas.

> A viabilidade comercial de cada um dos produtos apoiados no âmbito do programa (produtos

Resultado 2: A tipologia e o funcionamento

hortícolas, frutícolas, piscícolas, leguminosas,

dos mercados são apresentados.

tubérculos, cereais, produtos agrícolas trans-formados como o óleo de palma, entre outros);

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Resultado 3: As acções comerciais são definidas e avaliadas, e as mais viáveis são identificadas. > A implementação de um programa baseado num conjunto de serviços a montante e a jusante da produção agrícola (serviços financeiros, económicos, técnicos, logísticos e infraestruturais,

b) Tipologia dos circuitos de comer-cialização / Estratégias comerciais: Identificação e caracterização do funcionamento dos mercados e circuitos de comercialização dos produtos agrícolas.

comerciais, de apoio organizacional e institucional) definido a partir da análise do potencial e dos constrangimentos existentes deverá desaguar na elaboração de eixos de melhoria das condições de colocação no mercado. Este programa de apoio terá um efeito de alavanca dos programas de toda a região de Cacheu. Resultado 4: Um programa estratégico a médio prazo elaborado.

Trata-se de fazer um inventário dos mercados de produtos agrícolas. O objectivo é analisar, por um lado, os fluxos de produtos agrícolas dos mercados semanais para os centros rurais de concentração de produtos e para os grandes centros urbanos de consumo e, por outro lado, as variações de stocks e de preços no tempo e no espaço.

1.4. Eixos de análise Em termos específicos, serão estabelecidos:

a) Identificação das principais fileiras: Avaliação das capacidades de produção das diferentes fileiras existentes no sector de São Domingos. Trata-se de proceder à revisão geral das capacidades de produção e de comercialização: nível de produção por produto, utilização da produção (definir as partes destinadas ao autoconsumo, à troca, a outros fins e as taxas aplicadas à venda). A taxa de cobertura das necessidades alimentares será também analisada em relação à produção local, à oferta proveniente das outras regiões e mesmo da sub-região. Em suma, trata-se de avaliar a oferta global de produtos agrícolas, pecuários e haliêuticos, em bruto ou transformados.

> a tipologia dos mercados de produtos agrícolas na zona e seu contexto directo e indirecto. Classificar os mercados de acordo com a frequência, a dimensão e o grau de especialização a nível de produtos; > a descrição dos mercados em função da sua categoria (semanal, permanente, por produto, de abastecimento de revendedores), dos circuitos de distribuição, das quantidades em causa e da estrutura dos preços e custos bem como da sua variação no tempo e no espaço, nomeadamente as eventuais sazonalidades da estrutura dos preços; > os papéis dos actores físicos e institucionais do mercado : colectores, negociantes, comerciantes (grossistas, retalhistas) e intermediários.

O estudo incidirá também nos seguintes aspectos : > a variabialidade da oferta e da procura que determina os preços praticados nos diferentes estádios de comercialização (grossista, semigrossista e retalhista); > o enquadramento jurídico e regulamentar potencial


ou existente que regula o comércio dos produtos

C. Diagnóstico participativo das fileiras

agrícolas e de origem animal, quer no mercado interno quer no de exportação e importação. Este trabalho poderia possivelmente ser completado pela elaboração de uma lista dos documentos legais existentes e do ponto de situação da sua aplicação no terreno.

1.5. As sequências organizacionais previstas

i. Serão recolhidos dados e informações junto dos serviços do Estado (res-ponsáveis pelas áreas da agricultura, comércio, alfândegas), em Cacheu e/ou Bissau, com o intuito de: > obter informação sobre a produção, as zonas de produção, os projectos e programas actuais

A elaboração do estudo constitui o culminar das etapas seguidamente apresentadas.

e futuros na área de intervenção; > recolher informações sobre o número, a localização, a estrutura dos mercados, os preços, as quantidades e outras informações sobre os mercados (documentos regulamentares, importações

A. Identificação e análise da documentação Esta fase será feita em articulação com os promotores do Programa Kasumai, consistindo na análise de documentos sobre a Acção, as instituições promotoras e outra documentação considerada relevante tendo em conta os propósitos do estudo. B. Planificação e organização No início da missão, será realizada uma reunião com o parceiro local - a AD visando: > a clarificação e harmonização das percepções relativas aos termos de referência; > a planificação e a organização das actividades, nomeadamente com os serviços administrativos, os produtores, os actores dos mercados; > a identificação de documentação complementar; > a definição da amostra de mercados a visitar no âmbito do estudo, de acordo com o tipo de mercado e os produtos.

e exportações).

ii. Realizar-se-ão reuniões de análise com os agrupamentos de produtores envolvidos no Programa Kasumai. Os agrupamentos deverão ser seleccionados de modo a que todas as fileiras estejam representadas durante os ateliers: fileira de cereais e de culturas de renda, fileira de produtos de colheita (palmiste e caju), fileiras de produtos piscícolas, pecuários e artesanato. Nestas reuniões será feito um ponto de situação sobre: as iniciativas de comercialização (em curso ou abandonadas), os sucessos e os fracassos, as potencialidades e os constrangimentos bem como as sugestões de melhoria da situação actual. As reuniões permitirão também confirmar as fileiras propostas, definir os serviços a propor e as modalidades de implementação, os tipos de inves-timento necessários assim como determinar a organização e as sinergias a implementar, os diferentes dispositivos e os esquemas institucionais viáveis de gestão e de coordenação das acções.

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Proceder-se-á, a este nível, a um primeiro trabalho de análise aprofundada e de triangulação dos dados (através da análise dos pontos de vista da administração e dos produtores). D. Estudo de mercado Terão lugar encontros com os diferentes actores do processo de comercialização: colectores, comerciantes, prestadores de serviços (transportadores e armazenistas). Serão também realizadas sessões com grupos focais (focus groups), ou seja, com os principais actores dos mercados. Consideramos esta abordagem mais adequada do que a do inquérito clássico para recolha de dados quantitativos e qualitativos. E. Atelier de apresentação dos resultados e de planificação estratégica No final da missão, será organizado um encontro alargado com os produtores para apresentação e discussão das principais constatações, resultados e conclusões do estudo. O objectivo consistirá em alcançar um acordo com os diferentes actores sobre as conclusões e recomendações formuladas, devendo ser envolvidos na discussão produtores, actores dos mercados (grossistas, retalhistas, prestadores de serviços) e os parceiros institucionais da AD (os serviços da administração e eventualmente ONG e projectos existentes na área de intervenção).

O principal resultado deste atelier será a elaboração de um Plano de Acção Estratégico para a promoção da comercialização dos produtos locais e de um Plano Operacional estabelecendo as funções dos intervenientes na implementação do Plano de Acção. Estes documentos serão posteriormente discutidos, apresentados e entregues às organizações mandatárias do Estudo como um complemento deste.


II. Execução da missão


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II. Execução da missão

No início da missão, o consultor reuniu com o Director Executivo e o Coordenador de Programas da AD, o que permitiu fazer uma primeira revisão das questões gerais sobre a organização do trabalho e definir as principais etapas, apresen-tadas seguidamente:

constituiu um constrangimento, que poderá por vezes ter criado detur-pações ou enviesamentos. Estas sessões constituíram: > Momentos exploratórios, favorecendo uma expressão bastante aberta dos participantes, permitindo enriquecer as informações colocadas

1. Reunião inicial, de orientação geral e de opera-

à nossa disposição;

-cionalização com a direcção da AD em Bissau;

> Momentos de debate, (1) realçando um deter-

2. Reunião de planificação em São Domingos;

-minado ponto de vista para testar o consenso

3. Sessões de trabalho realizadas com os actores

ou eventuais pontos de desacordo, ou (2)

dos segmentos da produção e da comercialização;

formulando a nossa visão com o intuito de recolher

4. Sessões de trabalho realizadas com os actores

a reacção dos participantes, as suas percepções

institucionais, nomeadamente as direcções

e propostas.

dos serviços dos Ministérios da Agricultura, do Comércio, das Finanças e outros; 5. Reunião de síntese com a direcção da AD para fazer o balanço e expor as primeiras constatações e resultados da missão.

Durante as reuniões, foram abordados os seguintes pontos : i. a situação actual e as iniciativas de comer-cialização (em curso ou abandonadas);

O consultor realizou uma série de reuniões com grupos focais cujo interesse era o de permitir um diálogo mais denso, observar as interacções entre os parti-cipantes, de acordo com o seu estatuto, e observar quais as questões que desencadeavam essas interacções. O ponto fraco das reuniões, tal como as realizámos (sem dinâmica de animação particular), foi o de não favorecer a expressão de alguns elementos em detrimento daqueles que tenham mais à vontade e/ou responsabilidade (estando estes dois elementos geralmente correlacionados). O facto de a maior parte destes encontros terem sido assistidos por intérpretes não pro-fissionais que nem sempre dominavam completamente o Francês (com tradução simultânea de qualidade variável)

ii. o nível dos resultados, os sucessos e os fracassos, as potencialidades e os constrangimentos; iii. a confirmação das principais fileiras; iv. as estatísticas e informações sobre as quantidades, os custos e os preços; v. os fluxos e os circuitos de comercialização; vi. as sugestões de melhorias a promover no âmbito de um plano de acção estratégica.

A recolha de informação e de dados complementares foi realizada em alguns mercados e locais de afluxo no Senegal especializados na venda de produtos oriundos da Guiné-Bissau, nomeadamente Diaobé, o porto de Dacar, o grande mercado de Castor e Thiaroye. Foi também realizado um encontro informal com a Federação das ONG do Senegal (FONGS), uma federação de ONG camponesas com objectivos


similares aos da AD. Esta organização senegalesa pretende apoiar as trocas de produtos com os países limítrofes do Senegal, e em particular com a GuinéBissau, tendo-se mostrado disponível para realizar uma parceria com organizações como a AD para favorecer a integração dos mercados e participar num movimento abrangente a favor do comércio transfronteiriço. O presente estudo começa por apresentar uma visão geral sobre o sector agrícola do país, dado considerar-se indispensável a contextualização da análise sub-sequente no quadro global do sector agrícola nacional e no perfil socio-económico do Sector de São Domingos. A parte principal do estudo é dedicada à análise das componentes mencionadas nos termos de referência. Para finalizar, são apresentadas conclusões detalhadas sobre a problemática da comercialização dos produtos. Adicionalmente, foi elaborado e entregue às organizações mandatárias do estudo um plano de acção articulado em torno das acções prioritárias a implementar. Em anexo, é apresentada uma ficha sobre a comercialização da castanha de caju (cf. Anexo I). Esta referência em anexo tem como base a preocupação de colocar os produtos agrícolas que não a castanha de caju no centro do estudo, tendo contudo o cuidado de não ignorar o funcionamento da fileira da castanha de caju. Constam igualmente dos anexos do estudo dois artigos sobre o mercado de Diaobé (cf. Anexo II), pela importância

de que este se reveste para o escoamento dos produtos agrícolas de São Domingos.

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III. Apresentação geral do sector agrícola da Guiné-Bissau


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III. Apresentação geral do sector agrícola da Guiné-Bissau

3.1. Situação geral da produção agrícola A agricultura constitui a principal actividade económica da Guiné-Bissau, representando mais de 50% do PIB, empregando 85% da população activa e constituindo 93% das exportações do país. A actividade agrícola é exercida por duas categorias de produtores: i. os pequenos produtores das aldeias (tabancas), cerca de 90.000 exploradores (cujas parcelas de terra têm uma dimensão de 0,25 a 2 ha),

de sequeiro e 63% dos pequenos vales interiores (bas fonds) e de mangal ou bolanha salgada (mangrove). Os outros cereais cultivados são : o milho, o sorgo, o milheto e o fundo. Existem também outras culturas como o amendoim, a mandioca, o algodão, o caju, o feijão, o palmar, os legumes, os tubérculos e os frutos (bananas, mangas e citrinos). Numa estimativa feita em 2000, as culturas hortícolas ocupavam uma superfície de 665 ha.

constituem o essencial da população rural e são responsáveis por cerca de 90% da produção; ii. os exploradores agrícolas modernos (ponteiros), que dispõem de importantes concessões fundiárias, com uma dimensão que varia entre os 20 e os 3.000 ha, fornecidas pelo Estado. Estas explorações representam 27% da terra arável e ocupam os melhores terrenos agrícolas do país.

Os principais sistemas de produção são a cultura do caju, a monocultura manual do arroz de de mangal, a orizicultura associada à cultura do milho/sorgo, a agro-pastorícia e as culturas hortícolas e frutícolas. A Guiné-Bissau dispõe de um forte potencial agrícola com 1.100.000 ha de terra vocacionada para a agricultura, representando 35% da superfície total do país. Contudo, este potencial é fracamente explorado. Com efeito, a superfície cultivada em 2000 era estimada em cerca de 200.000 ha, o que representa 18% do potencial agrícola. A produção de arroz constitui a base da segurança alimentar nacional, ocupando em 2004 uma superfície de cerca de 98.400 ha, dos quais 37% são orizicultura

A castanha de caju domina as expor-tações da Guiné-Bissau, tendo atingido 58.000 t em 1997, antes de descer para 33.800 t em 1998 (em consequência do conflito armado) e voltar a ascender às 63.000 t em 1999. Em 2004, o valor da exportação da castanha de caju foi estimado em 60 milhões de dólares. O surgimento da cultura do caju, que ocupa cerca de 100.000 ha, tornou-se num verdadeiro fenómeno socio-económico. A instauração de um sistema de troca entre a castanha de caju e o arroz (1 a 2 kg de castanha de caju por um 1 kg de arroz) levou à generalização da cultura do caju e à progressiva substituição de culturas alimentares, contribuindo assim para modificar as estratégias de produção dos camponeses. De facto, o trabalho exigido pela cultura do caju limita-se essencialmente à colheita, tornando-se assim mais atraente do que outras culturas, mais exigentes em mão-de-obra, nomeadamente a cultura do arroz de bolanha, preferindo os camponeses


dedicar-se à colheita do caju e, com

Outros cereais: Existem outros cereais,

os rendimentos obtidos, adquirir arroz.

tais como o milho, o sorgo, o milheto

Hoje em dia, a castanha de caju é

e o fundo, com rendimentos que vão de

praticamente o único produto exportado,

0,5 a 1 t/ha. Durante a campanha agrícola

o que coloca a economia guineense

de 1999/2000, as produções de milho,

numa situação de total dependência

milheto, sorgo e fundo foram,

desse mercado, sendo por isso necessário

respectivamente, de 24.700 t, 12.400 t,

diversificar as culturas geradoras

14.860 t e 4.500 t. A taxa de cobertura

de rendimento e de divisas.

das necessidades de cereais pela produção nacional é, actualmente, cerca

Orizicultura: O sub-sector alimentar

de 74%.

é extremamente dominado pela cultura do arroz que constitui a base da

Tubérculos e raízes: Os tubérculos

segurança alimentar nacional. A superfície

e as raízes (mandioca, batata doce,

dedicada ao cultivo de arroz era estimada

manfafa/inhame, etc) também desem-

em 2004 em cerca de 98.400 ha, dos

-penham um papel importante em matéria

quais 37% correspondia a arroz

de segurança alimentar, apesar de serem

de sequeiro e 63% a arroz de planalto

considerados como culturas secundárias.

e de mangal. A produção do arroz

Os dados estatísticos indicam que

de mangal é da ordem das 133.000 t,

a produção anual dos tubérculos e raízes

cerca de 66% da produção cerealífera

era da ordem das 18.000 t em 2004.

total. Os rendimentos variam de 0,8

As culturas da mandioca, batata-doce

a 1,5t/ha para o arroz dos planaltos, 1,5

e manfafa/inhame não são apenas

a 2,3 t/ha para o arroz de bolanha e de

utilizadas como complementos

0,4 à 0,6 t/ha para o arroz de sequeiro.

à alimentação familiar, são também utilizadas como culturas de renda

O nível de consumo de arroz permaneceu

e comercializadas nos mercados nacionais

estável desde 1990, rondando cerca

e fronteiriços. A produção do amendoim

de 110 kg por pessoa, por ano.

foi de 16.200 t em 1995/96. A cultura do

O desenvolvimento da fileira do arroz

feijão mancanha permite aos agricultores

é, contudo, condicionado pelo encra-

fazer face a períodos de défice alimentar

-vamento das zonas de produção, pela

devido ao seu ciclo curto.

degradação do sistema de irrigação devido à insuficiência da manutenção

Fruta: Relativamente aos frutos, os mais

das estruturas hidráulicas tradicionais,

importantes são o caju, os citrinos,

pelo êxodo dos jovens, pela acidificação

a banana, a manga, a papaia, o ananás,

e salinização dos solos e pelo carácter

a goiaba e a noz de cola. Em 1999, foram

incipiente das técnicas de transformação,

exportadas 63.000 t de castanha de caju,

que são tradicionais na esmagadora

quantidade expressivamente superior

maioria.

à das exportações anuais de outros

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frutos, cujos valores são, desde 1999/2000, os seguintes: 750 t de citrinos, 180 t de bananas e 130 t de mangas. Outros frutos, como o ananás, são também exportados. Hortícolas: As culturas hortícolas são desenvolvidas por mulheres em todas as regiões do país, numa superfície estimada em 665 ha em 1999/2000. A horticultura é desenvolvida durante a estação seca, sendo pouco praticada durante a estação das chuvas por falta de experiência, de disponibilidade no mercado local de sementes de variedades adaptadas às chuvas e de parcelas de terra adequadas (os homens reservam para si os perímetros destinados à orizicultura irrigada). A produção nacional de produtos hortícolas será actualmente da ordem das 40.000 t/ano. Na estação seca, a produção local de legumes cobre cerca de 70% da procura de legumes frescos. Na estação das chuvas, esta procura é coberta apenas a 60%. A produção de um agregado permite satisfazer 50% das necessidades de consumo de arroz e uma parte do consumo de outros cereais (MADR, FAO e PAM, 2007). Cerca de 80% dos agregados cultivam arroz, com uma produção de cerca de 500 kg por agregado. A diferença entre a produção e o consumo de cereais - ao nível do agregado - é obtida através da compra no mercado ou pela troca de caju por arroz. O caju é a principal cultura de renda (sendo rara a venda do arroz)

e frequentemente a principal fonte de rendimentos, com 60% dos agregados a cultivarem caju. Em 2004, estes camponeses colheram cerca de 600 kg de castanha de caju, com um valor médio por agregado/ camponês de 140.000 FCFA (cerca de 213,43 ¤). Este valor representa em média metade dos rendimentos agrícolas e 18% dos rendimentos totais (incluindo o valor da produção para auto-consumo e dos produtos de colheita) dos agregados. O facto de esta cultura de renda, a mais importante do país, não constituir mais do que 1/5 dos rendimentos dos agregados rurais, mostra a importância de outras fontes de rendimento, nomeadamente a exploração de produtos florestais, a pesca e a migração. 3.2. Situação geral da pecuária As potencialidades em matéria de pecuária são pouco conhecidas, devido à ausência de informação sistemática, datando o último recenseamento agrícola de 1991. Segundo estimativas de 2000, o efectivo pecuário nacional era composto por 512.000 bovinos, 606.000 ovinos e caprinos, 90.000 suínos e 869.000 aves. Globalmente, estima-se que a criação de gado contribua para 17% do PIB nacional e para 32% do PIB agrícola. Esta actividade é essencialmente praticada no Leste do país pelos agropastores fulas, tendo as regiões de Bafatá e de Gabú mais de 75% do gado bovino,


54% do gado ovino, 64% do caprino, 34% do suíno, 95% do asinino e 86% do equestre. O efectivo avícola está distribuído por todo o país, enquanto que o gado suíno está concentrado no centro do país. A grande maioria do gado é gerida pelos agro-pastores fulas. Foram desenvolvidas pequenas unidades semi-industriais de produção de ovos e de frangos apenas em torno de Bissau, enquanto que a produção de leite está limitada ao excedente extraído pelas mulheres fulas após o aleitamento dos bezerros. O comércio estimado anualmente, por cabeça de gado, é de 18.000 bovinos, 21.000 ovinos e 3.000 caprinos. O sistema de criação de gado praticado é do tipo tradicional, em que o animal é deixado em liberdade e deve procurar os seus próprios alimentos. Em geral, uma exploração pecuária dispõe em média de 18 cabeças de bovinos, 5 cabeças de ovinos, 3 cabeças de caprinos, 2,5 de suínos, e 5 aves. Não há informações disponíveis sobre as raças e as características zootécnicas dos animais. Os abrigos são escassos e os cuidados veterinários raros, levando à existência de elevadas taxas de mortalidade. Apenas o gado de maior dimensão é conduzido com frequência às pastagens por um pastor. A diminuição de forragens naturais durante a estação seca obriga os pastores de bovinos a efectuar a transumância ao longo dos grandes rios.

Os principais constrangimentos ao desenvolvimento da criação de gado na Guiné-Bissau são a inexistência de uma política adaptada e actualizada, a fraca capacidade institucional, a deterioração das infra-estruturas e a ausência de equipamentos de produção, transformação e comercialização. Apesar destes constrangimentos, o país dispõe de um potencial forrageiro importante e, sobretudo, de abundantes resíduos de colheita que não foram objecto de nenhum estudo para o respectivo aproveitamento. As raças são adaptadas e o país pode constituir um celeiro para os países da sub-região, podendo todo o excedente de produção ser facilmente exportável. O saber fazer tradicional dos criadores de gado é um dos factores positivos favoráveis a um desenvol-vimento rápido da pecuária. 3.3. Situação geral da pesca O potencial haliêutico do país é muito importante e cifra-se em cerca de 300.000 t capturadas por ano. Esta riqueza é essencialmente explorada pelos navios estrangeiros que compram licenças de pesca. A pesca artesanal é de 20.000 t e abrange essencialmente espécies de baixo valor comercial. A pesca industrial declarada é de 55.000 t. Esta quantidade está claramente abaixo da real, na medida em que não é feito o desembarque no país por ausência de infra-estruturas portuárias adequadas. O conflito armado de 1998 teve um impacto negativo no sub-sector da pesca, não tendo sido exercido qualquer tipo de controlo sobre

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esta actividade durante esse período. A ausência de uma estratégia e de uma política apropriada não permitiram o desenvolvimento do sector. As licenças de pesca foram frequentemente concedidas sem ter em conta as poten-cialidades reais, nomeadamente no que respeita às diferentes espécies. 3.4. Gestão do ambiente A Guiné-Bissau dispunha, em 1998, de 2 milhões de ha de floresta, correspondentes a 5,5% do território nacional. Esta área florestal, de grande diversidade, está em processo de rápida destruição. Estimativas de 1996 apontam para uma diminuição de 80.000 ha, ou seja 625.000m2/ano, devido à acção do homem e do fogo. A carbonização, associada à forte densidade populacional (43 habitantes/km 2 ), a agricultura itinerante e a intensificação da cultura do caju, a transumância e a salinização dos solos são os principais factores da desflorestação. Consciente destes riscos de desflorestação, o Governo tomou, desde há alguns anos, várias medidas visando a gestão durável dos recursos naturais. Trata-se da Lei-Quadro da Floresta e da Lei da Caça, ambas adoptadas em meados dos anos 1990. A degradação das condições da orizicultura de mangal, a redução da fertilidade dos solos e a expansão da cultura do caju traduziram-se na desarborização de consideráveis superfícies, ao que se acrescentam os efeitos das queimadas e do corte

selectivo de árvores. As zonas vulneráveis são os mangais, as zonas costeiras, o arquipélago dos Bijagós, as florestas húmidas e as zonas situadas no interior. O governo reconhece que a promoção de um desenvolvimento durável implica a implementação de uma política ambiental que possa garantir a conser-vação e o equilíbrio do ecossistema. Foi criado um Ministério dos Recursos Naturais e do Ambiente cuja função principal consiste na elaboração e aplicação de legislação de base neste domínio. Além disso, o Governo visa promover a melhoria dos arrozais para evitar a desflorestação, reforçar o apoio às iniciativas de conservação da floresta comunitária, implementar o Plano Nacional de Gestão do Ambiente, promulgar legislação relativa à terra e adoptar uma política de reflorestação. 3.5. O financiamento do sector agrícola O sector agrícola não beneficia de qualquer tipo de financiamento formal. Não existe um banco de desenvolvimento agrícola. Os bancos existentes não financiam o sector agrícola, apostando sobretudo no financiamento de operações comerciais de importação-exportação o que exclui a maioria dos produtores agrícolas e pequenos comerciantes que necessitam de recursos para financiar as suas actividades geradoras de rendimentos. Apesar de ter um potencial agrícola significativo, as produções agrícolas não cessaram de diminuir desde a independência e a situação económica geral do país


não evoluiu favoravelmente. Os meios financeiros do Estado, tanto ao nível dos bens exteriores como das receitas orçamentais, são muito fracos face às necessidades a satisfazer. Daí resultam constrangimentos ao nível agrícola que são a penúria de factores de produção, de bens de equipamento e de materiais agrícolas para os pequenos camponeses. A insuficiência de instituições de microfinanças descentralizadas no país torna ainda mais difícil o acesso ao crédito às populações rurais para o financiamento das suas actividades. O crédito atribuído no sector agrícola provém essencialmente de ONG nacionais e de associações comunitárias. Contudo, a Guiné-Bissau não dispõe de experiência sólida na matéria. O Governo criou recentemente no seio do Ministério das Finanças uma célula de apoio ao desenvolvimento da economia solidária. Esta tem como objectivo promover a micro-finança e garantir o seu desenvolvimento, procedendo à regulamentação dessa actividade. Existe actualmente, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO), apenas quatro (4) ONG acreditadas pela referida Célula para desenvolver actividades de micro-finanças no país. Trata-se das ONG AD (que intervém actualmente em Bissau e nas zonas Norte e Sul do país), DIVUTEC (que intervém em Bissau e nas zonas Leste e Sul), TINIGUENA (que intervém em Bissau e nas ilhas Bijagós), e GUIARROZ (que intervém na zona Leste).

A implementação de um sistema financeiro descentralizado constitui actualmente uma das grandes prioridades do Governo. Está actualmente a ser elaborado um estudo sobre o sistema de crédito rural e a micro-finança, com o apoio da FAO. Este estudo visa auxiliar o Governo nos seus esforços para a implementação deste sistema financeiro, tendo o relatório preliminar sido terminado recentemente, apresentando um panorama das experiências de microfinanças no país. O relatório final irá propor um sistema de financiamento descentralizado, de âmbito nacional, a submeter aos actores do mundo rural e aos parceiros de desenvolvimento da Guiné-Bissau.

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IV. Perfil socioecon처mico da regi찾o de Cacheu e do Sector de S찾o Domingos


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IV. Perfil Socioeconómico da Região de Cacheu e do Sector de São Domingos

4.1. Demografia O sector de São Domingos, situado na região de Cacheu, no norte do país, tem uma superfície de 1.035 km2. É circunscrito a norte pela fronteira com o Senegal, a sul pelo rio Cacheu, a oeste pelo Oceano Atlântico e a leste pelo sector de Bigene. De acordo com as estimativas de 1995, a população do sector de São Domingos rondaria as 48.000 pessoas, das quais 23.000 são deslocados provenientes do Senegal. A população repartida pelas 42 aldeias é composta por cinco grupos étnicos maioritários que são os Felupes, os Manjacos, os Balantas, os Papeis e os Mandingas. Com a presença cada vez mais importante dos deslocados de Casamança, observa-se um aumento da densidade por km 2 , tendo esta passado de 18,5 hab/km 2 para 24,1 hab/km2 nos últimos 25 anos. A região conta com cerca de 16.787 explorações agrícolas, das quais 4.992 consistem em orizicultura de mangal, 10.670 orizicultura de planalto e 1.976 orizicultura de sequeiro. 4.2. Capacidade de produção As principais culturas produzidas pela região de Cacheu são o arroz, com cerca de 13.062 ha, o milho-miúdo com 10 600 ha e o amendoim, com 2 506 ha. Com rendimentos de produção muito fracos - de 1 600 kg/ha para o arroz, 810 kg/ha

para o amendoim e 800 kg/ha para o milho -, as capacidades de produção globais da região são muito limitadas. A produção anual das principais culturas é de 20.100 t de arroz, 8.500 t de milho e de 2.025 t de amendoim. O potencial de produção parece estar sub-explorado, gerando dessa forma um défice de cobertura das necessidades alimentares da população. De acordo com as últimas avaliações do balanço alimentar, baseadas num aumento acentuado da população, a quantidade de arroz disponível por habitante anualmente é de 65kg (valor bastante abaixo das normas da FAO que são de 130 kg por pessoa e por ano), e 20 kg de milho, por pessoa e por ano, face aos 60 kg que constam nas normas da FAO. Além dos produtos cerealíferos de consumo, a região em geral e o sector de São Domingos em particular oferecem produtos de colheita e produtos florestais. O principal produto da zona é o óleo de palma, produzido em grande parte pelos Manjacos e os Balantas do sul da região, nomeadamente nos arredores de Campada. Os principais centros de produção de óleo de palma no sector de São Domingos são as aldeias de Campada Maria, Atanké, Campada Papaie, Luanda e Akintia. De notar que Campada e Atanké são as zonas de produção por excelência. A capacidade de produção do Sector de São Domingos é complementada pelos reforços oriundos de Baudera (Both) e Castelle (Cacheu).


O grande período de produção é nos meses de Maio-Junho, sendo o produto escoado nos mercados partir de Janeiro até Março. 4.3. Estrutura das despesas e do consumo familiar Com 499,3 FCFA de despesa por dia e por pessoa, a região de Cacheu em geral e o Sector de São Domingos em particular têm uma taxa de monetarização muito fraca. O essencial das despesas efectuadas por agregado é orientado para os produtos de consumo, nomeadamente para a compra de cereais para suprir o défice recorrente de cobertura das necessidades em cereais. Cerca de 65% das despesas familiares destinam-se à compra de produtos alimentares, na sua maioria importados. De notar que as despesas destinadas à aquisição de produtos locais, nomeadamente de cereais, constituem 28% das despesas totais, enquanto que 9% se destinam à compra de produtos à base de proteínas como a carne e o peixe, 6% à compra de óleo sem ser óleo de palma e 21% à satisfação de outras necessidades. Estas estimativas indicam que as despesas por agregado rondam os 3.800 francos/mês, ou seja, uma média mensal de 150 FCFA por pessoa activa.

De acordo com a FAO, o regime alimentar tem como base os cereais e os tubérculos. Por semana, uma família consome em média seis doses de cereais, quatro de tubérculos, quatro de proteínas, quatro de frutos e três de legumes.

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V.

Funcionamento dos mercados de produtos agrĂ­colas


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V. Funcionamento dos mercados de produtos agrícolas

5.1. Evolução relativa ao contexto social As capacidades de produção agrícola, de acordo com as estatísticas sobre a segurança alimentar (taxa de cobertura das necessidades alimentares), revelam uma procura relativamente modesta de produtos comerciais. As determinantes da comercialização dos produtos agrícolas estão profundamente dependentes, antes de mais, do nível de cobertura das necessidades alimentares e, em seguida, das capacidades monetárias das populações do Sector de São Domingos. A circulação dos produtos agrícolas, ou o “comércio” destes, são fortemente marcados pelo peso da tradição (baseada na troca directa), obedecendo as transacções de produtos entre os agregados ou entre as localidades às leis da redistribuição e da recipro-cidade, e não às da economia de mercado. O sistema tradicional respondia a um objectivo principal de autosuficiência e de segurança alimentar. Para os produtos cerealíferos, os agre-gados ou os produtores excedentários não têm, frequentemente, grandes quantidades para escoar, consistindo os excedentes de produção em reduzidas quantidades colocadas no mercado. Neste sistema de troca, os produtos agrícolas são permutados antes de mais através de redes de parentesco, de aliança e só depois através de redes de clientela. Esta circulação dos produtos entre actores que se conhecem confere ao processo de escoamento um conteúdo muito social, sendo as normas de troca, neste contexto,

fixadas em função do estatuto recíproco das partes envolvidas. Estas características sociais e culturais que subjazem à colocação dos produtos agrícolas no mercado explicam, antes de mais, o número reduzido de pontos de venda (mercados e lumus) dos produtos agrícolas e a emergência recente de “lumus” e mercados na região. Os primeiros pontos de venda criados na zona tinham uma função comercial específica. Podiam ser comparados a “mercados” pontuais, colocando em contacto agregados ou grupos de agregados susceptíveis de oferecer produtos específicos (produtos agrícolas) a clientes provenientes da média Casamança (no Senegal) e da Gambia que, por sua vez, vendem produtos manufacturados de uso corrente (tecidos, velas, fósforos, outros). Por razões de comodidade, os clientes vindos do vizinho Senegal estabeleceram redes de aliança ou bases temporárias nas tabancas que funcionam como pontos de alojamento. Os proprietários destes pontos de concentração funcionam simultaneamente como intermediários entre o comerciante/comprador e o produtor/vendedor, bem como enquanto prestadores de serviços, como o aluguer de espaços para armazena-mento e depósito. A intervenção dos proprietários das bases temporárias garante aos compradores, vindos na sua maioria do Senegal, uma certa clientela que será progressivamente fidelizada. Em muitas aldeias da zona, verifica-se ainda a sobrevivência deste tipo


de organização em que a base temporária se tornou um pilar sobre o qual assenta a organização das trocas e da venda dos produtos agrícolas. Estes fundamentos tradicionais atravessam uma rápida e profunda mudança há mais de uma década. A circulação e o comércio dos produtos agrícolas caracterizam-se por uma monetarização crescente face ao forte aumento da procura proveniente do Senegal e, em menor escala,de Bissau. A circulação e o comércio dos produtos agrícolas da zona de São Domingos é um fenómeno totalmente extrovertido, inteiramente orientado antes de mais para o mercado senegalês - através de entrepostos como Ziguinchor e Diaobé situados na fronteira com o Senegal e em menor grau para a capital, Bissau. 5.2. Regulamentação Contrariamente à fileira da castanha de caju, que beneficia de um circuito oficial gerido pelo Estado e que funciona de forma organizada, as restantes fileiras operam de forma muito informal, não são regidas por nenhuma disposição jurídica e específica além do código florestal. Este código, aplicado à circulação dos produtos de colheita, data de 1982 e foi modificado por uma nota do Ministério das Finanças, de 30 de Outubro de 2000, fixando o montante das taxas de ocupação do espaço de mercado. De acordo com esta nota, a taxa foi fixada em 200 FCFA por dia. Além disso, o exercício da prática comercial é em geral submetido

às condições da lei Nº 1/2005 que estabelece que os agentes comerciais devem dispor de uma carta de comerciante, de um registo de negócio e de instalações conformes às normas sanitárias e de segurança. Os expor-tadores de castanha de caju devem dispor de uma licença (válida durante 5 anos), pagar uma taxa de 650 dólares americanos por cada tonelada e diversos impostos, equivalentes a cerca de 8% do valor da mercadoria. Em princípio, a circulação dos produtos agrícolas entre a República da GuinéBissau e os países vizinhos é livre, sendo regida pelas disposições da livre circulação da CEDEAO. Contudo, esta percepção deve ser relativizada dado que, tanto ao nível nacional como para lá das fronteiras, os agentes comerciais estão sujeitos ao pagamento de taxas diversas, numa prática que se assemelha à de extorsão. Esta prática não está relacionada com os serviços da alfândega dos países em causa (nomeadamente a Guiné-Bissau e o Senegal), mas sobretudo com os serviços de Águas e Florestas no Senegal e os Serviços Florestais na Guiné-Bissau. A título de exemplo, a “taxa” aplicada sobre o óleo de palma varia entre os 25 e os 50 FCFA por litro no território guineense, atingindo esta prática usurária níveis extremamente elevados em território senegalês, onde por cada bidon de 35 litros de óleo de palma, se deve pagar 5.000 FCFA logo na fronteira, montante que o comerciante terá de voltar a pagar até cerca de quatro vezes antes de conseguir colocar o produto num mercado em Dacar.

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VI. Funcionamento dos mercados


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V. Funcionamento dos mercados de produtos agrícolas

6.1. Estrutura dos lumus Verifica-se uma tendência evolutiva marcada pela criação de novos lumus. Actualmente, os lumus abertos e em funcionamento nos sectores de São Domingos e de Bigene são os seguintes:

SECTORES

SECÇÕES

LUMUS

DIA DE MERCADO

São Domingos

São Domingos Suzana Campada Varela

São Domingos Suzana Elia Cassolol

Quinta-feira De 6 em 6 dias Idem De 3 em 3 dias

Bigene Barro Ingoré Sedengal

Bigene Ingoré Sedengal

Terça-feira Quarta-feira Segunda-feira

Bigene

Os principais produtos, ou produtos locomotiva, comercializados nos lumus mencionados são, por ordem de importância, os seguintes: > óleo de palma ; > amendoim ; > peixe (fresco e transformado) ; > vinho de palma ; > produtos de colheita, sobretudo o fole e a cabaceira; > vassouras.

Existem também outros produtos comercializados, embora as quantidades sejam relativamente reduzidas. Entre estes podem referir-se os produtos hortícolas, como o tomate, e frutícolas, como a manga. Os lumus não são especializados em determinados produtos, sendo o óleo de palma e o amendoim produtos de venda generalizada em todos os lumus. Alguns lumus têm, no entanto, especificidades comerciais. Neste sentido, o lumu de Bigene desempenha um papel de entreposto para a comercialização de porcos, o lumu de Cassolol é o ponto de abastecimento mais importante de vinho de palma, o mercado de Varela é o principal fornecedor de peixe fumado e o de Ingoré pode ser considerado como sendo o centro de concentração de vassouras.


Os lumus situam-se frequentemente numa posição geográfica central, num raio que abrange várias aldeias. Por exemplo, o mercado de Bigene serve mais de 100 aldeias situadas num raio de 40 km e os mercados de Ingoré e São Domingos abrangem 40 aldeias. O caso de Bigene é sintomático, dado que ilustra a influência negativa que o encravamento e o mau estado das vias de acesso têm no funcionamento de um mercado. Com efeito, o mercado de Bigene é frequen-tado por agentes de cerca de 100 aldeias, mas apesar desta posição geográfica e do potencial demográfico da zona, a afluência é fraca em dias de mercado, registando durante a estação das chuvas uma taxa de frequência quase equivalente à de outros lumus mais modestos mas que têm a vantagem de se situar nos eixos rodoviários. De notar que os acessos ao lumu de Bigene estão muito condicionados e que são necessárias quase 3 horas para aceder ao lumu a partir de Ingoré, quando a distância entre os dois pontos é de cerca de 30 km. O sistema de transporte com destino a Bigene é muito limitado, chegando diariamente a esse lumu um pequeno veículo vindo de Bula, dois de Canchungo, três de Ingoré, dois de Farim e dois do Senegal. O calendário cultural e o das actividades campestres constituem também factores que deter-minam a taxa de afluência aos lumus.

> Sedengal, o número de clientes recenseados por dia de mercado varia entre 600 pessoas na estação seca e 400 pessoas na época das chuvas; > Ingoré, o número médio de clientes varia entre as 300 e as 500 pessoas; > São Domingos, recebendo em dia de mercado cerca de 3000 pessoas e, em dias normais, não mais de 100 pessoas.

6.2. Organização dos lumus Existem dois modos de organização que caracterizam a intervenção dos comerciantes: > Um primeiro tipo de organização é aquele em que o colector (de mercadorias para venda) está presente em toda a cadeia, garantindo sozinho a quase totalidade das operações necessárias à recolha dos produtos, a saber: a prospecção, a recolha, o agrupamento da mercadoria, o transporte e a colocação no mercado. Neste caso, o comerciante / colector geralmente ou se especializa em apenas um produto (por exemplo, óleo de palma ou vassouras), ou trabalha apenas numa zona de abastecimento - é o caso dos comerciantes senegaleses que frequentam apenas o mercado do peixe em Varela ou o do óleo de palma e vassouras de Ingoré. > O segundo modo de organização consiste nos casos em que o comerciante é membro de uma rede comercial, capaz de obter informações sobre a produção, a situação dos stocks e a variação dos preços e que detém uma boa capacidade financeira. Esta posição confere-lhe uma vasta liberdade de acções no tempo e no espaço. O comerciante / comprador pode assim controlar os riscos e os constrangimentos associados ao nível dos stocks e à variação dos preços. Contudo, aparentemente este leque de acções é mais limitado: estes comerciantes apostam

Assim, e para os lumus de:

unicamente nos cereais (em especial o arroz), no amendoim e, em complemento, na cabaceira.

> Bigene, o número de actores recenseados durante a estação seca é, em média, de 800 pessoas face a 350 durante a estação das chuvas;

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O tipo de organização molda os compor-tamentos, orientando as escolhas e definindo as estratégias. Estas visam estabelecer relações personalizadas entre produtores e retalhistas para restringir a entrada de «outsiders» ou de novos actores no comércio, a fim de garantir uma certa regulação de um mercado caracterizado por uma forte instabilidade (de preços, de oferta e de procura). Em suma, é de referir que os colectores dos mercados constituem comunidades cujo acesso é relativamente fechado, unidos por forte laços sociais e étnicos e em que a concorrência é muito fraca. Assim, infere-se que os grandes mercados de Bula, Ziguinchor, Cap Skiring, e mesmo de Dacar, principais mercados receptores dos produtos oriundos de São Domingos, não são locais de formação dos preços (enquanto resultado do confronto entre a procura e a oferta). A estrutura de preços é elaborada e fixada a montante - pelo jogo de forças e de negociação entre o produtor e o comerciante e a jusante, entre os retalhistas e os compradores, seguindo as relações de crédito de confiança tecidas e, em última instância, o poder de compra dos consumidores desses centros urbanos. Não existe na zona nenhum outro tipo de mercado, constituindo os lumus os únicos pontos de encontro para as transacções e o comércio informal de produtos agrícolas e manufacturados, bem como o único local de abastecimento da população urbana ou rural em produtos alimentares de primeira necessidade (arroz, açúcar, farinha, outros).

A este respeito, distinguem-se claramente dois grupos de produtos, cujo comércio tem características específicas: > O comércio dos produtos manufacturados, que se caracteriza por um desenvolvimento económico mais rápido e por um maior volume de negócios. A este grupo dos produtos manufacturados, é necessário adicionar, do ponto de vista do dinamismo comercial, os comerciantes dos alimentos de base (arroz, açúcar, farinha, outros); > O comércio de outros produtos alimentares, caracterizado pela micro-actividade enquanto modelo comercial generalizado e por lucros muito reduzidos. Os comerciantes ocupam os sectores mais degradados da zona comercial, que concentram todo o tipo de problemas, como sobrelotação, encravamento, falta de higiene e estruturas degradadas e perigosas.

6.3. Funcionamento dos lumus Constata-se a existência de lumus que concluíram o seu ciclo de formação (São Domingos, Bigene, Sedengal) enquanto que outros estão em fase de afirmação ou apenas em estado embrionário (Barro e Campada). No que respeita ao primeiro tipo, verifica-se a consolidação da estrutura, moldada pelas estações, os produtos e a sua origem geográfica e o número de grossistas. Medidas administrativas restritivas como por exemplo a regula-mentação da circulação, a interdição de venda de produtos nocivos, a deslocalização de cantinas podem influenciar o funcionamento dos lumus - como é actualmente o caso do lumus de São Domingos, em que um verdadeiro mercado de abastecimento e de redis-tribuição se desenvolve na periferia do mercado.


Do ponto de vista das características físicas, os lumus são classificados em duas grandes categorias: os mercados “centros comerciais” e os mercados “zona”. Os mercados “centros comerciais” - como Ingoré, Bigene e São Domingos - são de dimensão reduzida por terem sido implantados no centro comercial das localidades. A sua área de ocupação está assim circunscrita desde a sua criação. São mercados fortemente estruturados e organizados, em que os vendedores de produtos manufacturados são os mais numerosos. Os mercados “zona” (mercado de cereais, amendoim e óleo de palma) foram implantados em vastos terrenos, no início relativamente distantes do centro terciário e comercial da localidade. Os seus limites nunca foram definidos com precisão, expandindo-se e desenvolvendo-se de forma quase espontânea. Actualmente, é de realçar o número crescente de comerciantes ambulantes itinerantes, semi-itinerantes e ocasionais e, por outro lado, a forte mobilidade espacial que caracteriza as estratégias comerciais dos vendedores instalados. As distinções entre comerciantes sedentários e ambulantes, regulares e ocasionais, tornam-se cada vez mais fluidas: a imagem do vendedor ao balcão da sua loja, à espera do seu cliente, e a do vendedor ambulante que se desloca até ao cliente estão, hoje em dia, totalmente confundidas. Os vendedores regulares que pagam taxa (200 a 250 FCFA por dia e por pessoa) estão prontos a denunciar a concorrência dos vendedores ambulantes, ocasionais e dos “ilegais” que ocupam as vias

de acesso aos mercados e os arredores destes. A divisão entre comércio rico e pobre determina a organização espacial dos mercados. Esta dinâmica, que desenca-deou mutações profundas na fisionomia dos mercados, consiste na expulsão progressiva dos vendedores de produtos “pobres” (produtos agrícolas) pelos vendedores de produtos “ricos” (manufacturados). Hoje, os produtos manufacturados ocupam a maior parte da área dos mercados e o verdadeiro mercado alimentar funciona frequen-temente nas ruas, em torno do mercado enquanto infra-estrutura propriamente dita. Verifica-se, no conjunto dos mercados estudados, uma grande estabilidade da estrutura do volume de negócios por categoria de actividades. Os quadros seguintes resumem o volume médio de negócios por dia, por retalhista e por lumu, em francos FCFA. PRODUTOS

VOLUME DE NEGÓCIOS

Víveres

2000-4000

(cereais e leguminosas)

Alimentares de base 4000-8000 (açúcar, óleo, sal, etc)

Manufacturados

10000-30000

(tecidos, outros)

O quadro torna visível o fraco volume de negócios registados em relação aos víveres (cereais e leguminosas) que redundam em margens comerciais

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situadas entre os 500 e os 1.000 FCFA por dia para todas as pequenas retalhistas que formam a grande maioria das vendedoras. A evolução do sector dos transportes e a questão do encravamento dos mercados explicam a criação de novos pontos de venda, bem como o declínio ou o desaparecimento de outros. Para encontrar soluções duradouras para a difícil questão do encravamento dos lumus e das tabancas, as autoridades locais das colectividades administrativas de Ingoré e de Sedengal estão a preparar um quadro de parceria com as colectivi-dades locais do Senegal. Estas secções estão a negociar com as comunidades rurais de Adéana, Camara Kounda, Diatta Counda, Djibanar e as localidades em torno de Goudompe a reabilitação do eixo Ingoré-Ingorezinho-Adiandin. Este projecto destina-se principalmente a incentivar a circulação dos produtos agrícolas entre o Sector de São Domingos e a região de Ziguinchor, no Senegal. Mercados de recepção, como Bula A organização espacial da circulação de produtos alimentares em mercados como Bula difere em relação a Ingoré e a São Domingos. Num mercado de passagem como Bula, os pólos de concentração de grossistas, dispersos no espaço, trabalham em sinergia com grandes mercados de consumo em Bissau. Estas concentrações de grossistas são designadas, de acordo com as fontes, de “áreas de especialização”, “centros grossistas” e que designaremos simplesmente por “mercados grossistas ou a grosso”. As condições de actividade

dos comerciantes grossistas de bens alimentares são particularmente difíceis. A sua dispersão espacial relativa permite uma boa irrigação da rede de venda e dos numerosos pontos de venda que eles abastecem (barracas de rua, mercados nocturnos, outros). 6.4. Tipologia de actores Os lumus do sector registam a presença de um grande número de intervenientes, tratando-se quase sempre de agentes de capacidade muito limitada. Os agentes comerciais que operam nos lumus, em geral mulheres, não detêm nenhum meio directo ou indirecto de influenciar os preços devido às reduzidas quantidades em jogo, o que permite dizer que o mercado dos produtos agrícolas é muito atomizado. Os intervenientes actuam de acordo com o princípio da integração, desempenhando simulta-neamente papéis diferenciados - o de produtor e comerciante, ou o de colector, grossista e retalhista. Constata-se que os lumus são controlados por três intervenientes : > Os produtores/processadores/vendedores a retalho/retalhistas : são os produtores de óleo de palma, de vinho de palma, de amendoim, dos produtos florestais, em que os próprios escoam a sua produção nos lumus. Este tipo de inter-venientes constitui o maior grupo de actores; > Os colectores nacionais, em articulação com comerciantes senegaleses, ou algumas vezes trabalhando por sua própria conta. É o caso de certos grupos de mulheres que reúnem pequenas quantidades de óleo de palma ou de peixe seco à conta de grossistas instalados em Bula,


ou revendem o seu stock aos Felupes provenientes do Senegal; > Os comerciantes/colectores, provenientes na sua esmagadora maioria do Senegal. Estes actuam de forma diferenciada: ora abastecem-se directamente nos lumus e, neste caso, é-lhes necessário frequentarem bastantes lumus para reunir quantidades significativos de produtos, ora percorrem diferentes aldeias para efectuar a recolha de produtos. Em ambos os casos, o comerciante/ colector permanece na região durante um período de um a dois meses (conforme os produtos) para poder dispor de volumes significativos de produtos.

A atomicidade dos mercados é tal que é necessário ao colector: 50 a 60 dias para reunir um volume de vassouras; 2 dias, para frequentar dois lumus, a fim de reunir 1 tonelada de amendoim.

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A venda dos produtos envolve dois níveis, o da aldeia e o do lumu. A quase ausência de intermediários na cadeia de actores não é forçosamente sinónima de condições e de preços favoráveis para os produtores-retalhistas. Os comerciantes compradores estão suficientemente informados sobre as motivações dos produtores e sobre as suas expectativas em matéria de preços. Além disso, vários factores objectivos explicam o baixo nível dos preços aplicados aos cereais nos lumus: factores culturais que fazem com que a venda de um produto responda apenas a uma necessidade financeira pontual e urgente; o carácter limitado da oferta para poder influenciar os preços; ou ainda o encravamento dos lumus e as longas distâncias a percorrer para os alcançar.

Produtores

Agrupamento de produtos

Venda a retalho

Consumidores

Fonte: Tracey White

Venda a grosso



VII. Fluxo dos produtos agrĂ­colas


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VII. Fluxo dos produtos agrícolas

Óleo de Palma Fruta Vassouras Vinho

Senegal Porcos

Sector de São Domingos

Oio

Bafatá

Gabú

Cacheu Peixe Fresco

?

Varela Peixe Fresco

Biombo Bissau

Quinara

Peixe Fresco e Fumado Carvão Sal Porcos

Tombali

Guiné Conacri

Bolama-Bijagós

Oceano Atlântico

O sector de São Domingos e a cidade de São Domingos são pontos estra-tégicos, constituindo uma verdadeira placa giratória na circulação dos produtos agrícolas vindos do conjunto da região de Cacheu em direcção à capital - Bissau - e ao Senegal. Como o ilustra o esquema anterior, a cidade de São Domingos, pelo seu mercado, desempenha um papel de correia de transmissão em direcção aos dois destinos acima mencionados.

São Domingos - Senegal. A vantagem atribuída ao eixo em direcção ao Senegal explica-se pelos seguintes aspectos: > a forte procura senegalesa de produtos guineenses - a procura senegalesa é considerável e sustentada durante todo o ano, apesar das oscilações das quantidades em função da sazonalidade da produção e apesar das más condições dos eixos rodoviários entre os dois países durante a estação das chuvas; > os preços compensadores praticados no Senegal, que permitem aos produtores guineenses acumular

É importante reter que a distribuição dos produtos a partir de São Domingos em direcção a Bissau e ao Senegal não se efectua de forma equilibrada nos dois sentidos, dado existir um marcado desequilíbrio a favor do eixo Sector de

margens comerciais significativas; > a proximidade cultural entre algumas populações da zona e as do sul do Senegal, nomeadamente os Balantas, os Manjacos e os Papeis; > a proximidade geográfica do Senegal, que dista apenas 30 a 70 km (de acordo com a deslocação a Ziguinchor ou a Diaobé, respectivamente),


face aos 120 km em direcção a Bula e a Bissau, com os constrangimentos adicionais associados à travessia do rio.

7.1. Fluxo do Sector de São Domingos para o Senegal Este eixo comporta dois circuitos : > Um circuito que vai do local de produção directamente para o Senegal: Este circuito tem como base a exportação do peixe fresco ou fumado. O ponto de partida é Varela, tendo como destino Cap Skiring, por via fluvial. O entreposto de Varela constitui o pivot deste circuito, sendo secundado pelo de Sucudjaque. O porto de Varela recebe diariamente cerca de 50 pirogas a motor com pelo menos 150 pescadores. > Um circuito que passa pela cidade de São Domingos em direcção ao Senegal, expedindo produtos como o óleo de palma, vinho de palma,

> Fole: O fluxo deste produto é errático. Sendo geralmente vendido em cestos de 70 a 80 kg, o período que vai de Julho a Setembro é o de maior oferta. Durante a época alta, a oferta situa-se entre as 150 e as 225 toneladas, ou seja, entre os 2000 e os 3000 cestos por mês. > Cabaceira: O sector não é um grande produtor - exportador de cabaceira. O período de maior produção é o que vai de Dezembro a Fevereiro e o de maior procura no Senegal coincide com as férias da Páscoa, em Abril. O produto vende-se em sacos de 50 kg e, em período de maior procura, a oferta no Senegal varia entre 50 e 100 sacos por dia, ou seja, entre 2500 e 5000 kg por dia.

frutos silvestres, vassouras. Este eixo constitui o principal motor das transacções entre o Senegal e a Guiné-Bissau em geral e o Sector de São Domingos em particular. O fluxo de produtos está sujeito a uma grande variação sazonal. Os fluxos principais oriundos de São Domingos são: a) Óleo de palma: o fluxo de óleo de palma é marcado por uma sazonalidade da oferta que comporta três períodos: i. Maio - Junho - período dedicado à colheita e à preparação do óleo. Por razões comerciais, as mulheres, principais agentes da fileira, procedem ao armazenamento do óleo até ao mês de Outubro; ii. Outubro - Fevereiro: período correspondente ao início das vendas em que o nível dos stocks não é ainda muito significativo e em que as vendas se situam entre os 5.000 e os 7.000 litros por mês; iii. Março - Julho: período em que as vendas atingem uma velocidade de cruzeiro, cifrada em cerca de 15.000 litros de óleo de palma por mês.

> Vinho de palma: O período de produção situa-se entre Agosto e Novembro. O centro de produção no sector é Cassarola e, em menor escala, Campada e São Domingos. O vinho é vendido em barris de 30 litros. O sector exporta em média 50.000 litros por mês. > Vassouras: O fluxo é contínuo de Outubro a Junho, registando-se um abrandamento do ritmo durante a estação das chuvas.

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7.2. Fluxo do Sector de São Domingos para Bissau Os principais produtos escoados para Bissau, directamente ou via Bula, são a manga fora da estação, o carvão, o sal, o peixe fresco ou fumado. Este fluxo é menos intenso do que aquele que tem como destino o mercado senegalês. Diversas razões explicam esta situação: (i) os preços praticados pelos mercados de Bissau e Bula não são atraentes para que os produtores façam deste eixo o seu destino prioritário - de facto, os preços praticados nos mercados do outro lado da fronteira com o Senegal são mais atraentes; (ii) a dificuldade do percurso devido à longa distância e à travessia do rio.

7.3. Fluxo proveniente do Senegal, da Gambia e da Guiné Conacri Os produtos provenientes do Senegal e da Gambia são principalmente os produtos manufacturados. Para os produtos do sector agrícola, é de referir o sal e sobretudo os porcos. O sector de São Domingos recebe do Senegal e da Gambia, em média, 50 porcos por semana que são enviados para o mercado grossista de Bigene. Os acontecimentos políticos ocorridos na Guiné Conacri durante o primeiro trimestre do ano de 2007 tiveram como consequência a implementação, por parte das autoridades deste país, de um conjunto de medidas destinadas a limitar a saída do país de produtos agrícolas

de primeira necessidade, entre os quais o óleo de palma. Este era um produto chave no comércio transfronteiriço entre o Senegal e a Guiné Conacri, sendo vendido no mercado sub-regional de Diaobé. Estas medidas de regulamentação da circulação dos produtos no interior das fronteiras da Guiné Conacri teve incidências na Guiné-Bissau. Assim, foram constituídos mercados de óleo de palma da Guiné Conacri na zona de Bafatá, nomeadamente em Bambadinca e em Kassyl. Estes pontos de passagem recebem grandes quantidades de óleo de palma e têm um impacto no volume de venda de óleo de palma nos lumus da região de Cacheu em geral e no sector de São Domingos em particular. Os comerciantes de São Domingos vêm em massa abastecer-se de óleo da Guiné Conacri a partir de Bambadinca e Kassil.


VIII. O mercado transfronteiriço de Diaobé Mercado receptor de produtos oriundos da Guiné-Bissau


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VIII. O mercado transfronteiriço de Diaobé

Mauritânia

Senegal Gambia

Mali

Guiné-Bissau Guiné-Conacri

Oceano Atlântico

Os mercados sub-regionais de Diaobé e de Ziguinchor são os receptores dos produtos provenientes da Guiné-Bissau com destino aos mercados no interior do Senegal. O mercado de Diaobé é o maior mercado semanal do país. No início, realizava-se às quartas-feiras mas, devido à sua forte expansão e ao papel que desempenha nas relações comerciais na sub-região, o seu estatuto evoluiu para o de mercado quase permanente, aberto quatro dias por semana. O mercado situa-se na região de Kolda, no sul do Senegal, na fronteira com a Guiné Conacri, a Guiné-Bissau, a Gambia, o Mali e a Mauritânia, tendo a sua posição geográfica tornado aquele mercado semanal num mercado

de importância sub-regional. De facto, além dos senegaleses, o mercado é frequentado por cidadãos dos países limítrofes mencionados anteriormente, recebendo de 2ª a 4ª feira 190 camiões, 600 pequenas carrinhas e tendo uma afluência semanal de 15.000 pessoas. A organização do mercado é assegurada pelos “sindicatos”, estruturas locais que oferecem serviços como armazenamento temporário de produtos que serão revendidos aos comerciantes senegaleses. Estes sindicatos controlam os locais de carga e descarga, de pesagem (5 FCFA por kg, 2500 FCFA por tonelada) e de armazenamento temporário (200 FCFA por cada saco), sendo geridos por antigos comerciantes ou condutores na reforma.


Estas estruturas desempenham também funções de facilitação administrativa e financeira (pré-financiamento das taxas aduaneiras impostas aos comerciantes estrangeiros) e de intermediação entre os comerciantes estrangeiros e os serviços da alfândega senegalesa ou da adminis-tração local.

Há cinco actores que intervêm neste mercado : > os comerciantes senegaleses estabelecidos em Diaobé, dispondo de uma capacidade de armazenamento e de equipamentos de base (básculas); > os comerciantes retalhistas, sobretudo mulheres, que vêm de todas as regiões do Senegal; > os transportadores senegaleses, prestadores de

Os principais centros de agrupamento de mercadorias são: > O “sindicato” da Guiné-Bissau: ponto de concen-tração dos produtos oriundos da Guiné-Bissau

serviços para o transporte de pessoas e bens; > os comerciantes-transportadores guineenses que se dedicam ao comércio do óleo de palma, peixe fumado, pimento e mel; > os prestadores de serviços (restauração, alojamento, reparações diversas).

(óleo de palma, pasta de amendoim, vassouras, frutos e feijão mancanha); > O “sindicato” da Guiné-Conckry : ponto de concen-tração de produtos oriundos desse país, como frutos, cebolas, batatas, café, gengibre e tamarindo; > Fora, que é o local de passagem do gado

O desenvolvimento de serviços comerciais surgiu com a criação de serviços de apoio como os de crédito e poupança, os telefones e a electricidade.

(pequenos ruminantes) proveniente em geral do Mali e da Mauritânia.

Comerciantes senegaleses provenientes de todas as regiões do país (sal, peixe seco, peixe fumado, cebola, têxteis)

As trocas ao nível do mercado de Diaobé podem ser resumidas da seguinte forma:

Comerciantes / transportadores guineenses (óleo de palma, peixe fumado, pimento, mel, café)

Mercado de Diaobé Principais produtos transaccionados (peixe seco, peixe fumado, cebola, óleo de palma, pimento, têxteis, vassouras, cabaceira, mel, café)

Comerciantes da Guiné-Bissau (óleo de palma, vassouras, cabaceira, mel, feijão mancanha, pasta de amendoim, frutos tropicais, café, gengibre)

Comerciantes gambianos (peixe fumado, produtos manufacturados)

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Conclui-se portanto que o mercado de Diaobé é, por excelência, um local de transacção dos produtos agropecuários dos países da sub-região em direcção ao Senegal. Os comerciantes da Guiné-Bissau escoam prioritariamente o óleo de palma, a cabaceira, as vassouras e o mel e compram produtos manufacturados, equipamentos e factores de produção agrícolas e legumes - nomeadamente a cebola. Os comerciantes senegaleses vendem peixe fumado e seco, alguns produtos agrícolas como a batata-doce e produtos manufacturados. O volume das vendas de produtos agrícolas é favorável à Guiné-Bissau e à Guiné Conacri, devido a razões associadas ao preço dos produtos. Por exemplo, o óleo de palma vindo da Guiné Conacri é vendido entre 550 e 800 FCFA / litro, sendo o oriundo do Senegal vendido a 1.200 FCFA / litro. Com os problemas políticos ocorridos na Guiné Conacri, o preço do óleo de palma subiu consideravelmente no Senegal, situando-se entre 1000 e 1500 FCFA / litro, tendo actualmente como principais países de origem a Costa do Marfim e a Guiné-Bissau. O óleo de palma, que é um dos principais produtos do mercado de Diaobé, constitui o grosso das vendas - em 2005 foram vendidos 5 milhões de litros e, em 2006, 5,8 milhões de litros.


IX. Fichas de custos de produção e preços


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IX. Fichas de custos de produção e preços

9.1. Óleo de palma Processo de transformação A colheita do chabeu faz-se a partir do palmar natural, cuja idade média ronda os 100 anos. Estas plantações, devido à sobre-exploração, registam uma diminuição cada vez mais pronunciada da produtividade. Assim, o ritmo de exploração torna-se cada vez mais espaçado, as distâncias percorridas entre os diversos locais de produção cada vez maiores e os locais de colheita dos frutos de chabeu são cada vez mais distantes das aldeias. A transformação do chabeu destina-se unicamente à produção de óleo de palma (25% do peso do chabeu); os produtores não vão além desta gama visto que a prática e os processos de transformação não permitem a extracção de óleo de palmiste (10% do peso do coconote). Após a extracção do óleo de palma, o chabeu não é mais utilizado, verificando-se assim que apenas 50 a 70% do potencial do chabeu é valorizado. A produção de óleo encontra-se em situação de quase monopólio, detida pelas mulheres (Felupes e Balantas). Geralmente, são elas que intervêm em todos os segmentos da fileira que vai da colheita à transformação e à colocação no mercado. Estas mulheres recorrem em geral a uma mão-de-obra temporária composta por jovens, geralmente Manjacos, que são organizados

em grupos que trabalham normalmente das 8 horas da manhã às 16 horas. Estes jovens são remunerados e o seu almoço garantido pela transformadora.

Após o corte dos cachos, estes são arma-zenados para provocar o amadure-cimento e assim facilitar a separação dos frutos do cacho. Frequentemente, o armazenamento prolonga-se durante vários dias, acelerando a fermentação e provocando a formação de ácidos gordos livres que, ao oxidarem, irão conferir um sabor amargo ao óleo. Os frutos são cozidos em água durante 2 a 4 horas para facilitar o seu esmaga-mento e extracção do óleo. Após os frutos terem sido esmagados, a polpa é cozida durante cerca de uma hora. O bagaço e o coconote são retirados com o auxílio de uma vassourinha. A polpa é prensada à mão e/ou numa prensa manual. Após a primeira extracção, a polpa volta a cozer em água para se proceder à segunda extracção. De seguida, o óleo fica a cozer cerca de mais 30 minutos para se separar da água, sendo retirado com uma concha ou cabaça e transferido (usando um filtro) para uma panela ao lume, para secar. Depois de arrefecer, o óleo é armazenado em bidons que deverão ser colocados ao abrigo do sol.


Estrutura dos custos de produção > Remuneração da mão-de-obra para colher 100 cachos ou encher dois barris de 200 litros de frutos de chabeu: 15 000 FCFA; > Remuneração das mulheres que apoiam a produtora (separação dos frutos, secagem, limpeza, cozedura, prensagem, separação do óleo da água e filtragem) por um dia inteiro de trabalho: 7 000 FCFA; > Outros custos : 2 500 FCFA; > Rendimento de produção por um barril de 200 litros de chabeu: 10 bidons de 5 litros, cerca

Se o produto é adquirido em Bambadinca (via Bissau), o seu preço situa-se em 500 francos por litro, o custo do trans-porte do vendedor situa-se nos 1000 FCFA e o transporte dos barris é globalmente avaliado em 3100 FCFA. O custo do produto à chegada a São Domingos é de 750 FCFA por litro. Dado que o preço de cada litro é 800 FCFA, a margem de lucro é de apenas 50 FCFA por litro.

de 50 litros ; > Transporte para São Domingos : 250 FCFA por bidon, ou seja, 2500 FCFA ;

Custos adicionais do óleo com destino ao Senegal

> Transporte da comerciante: 250 FCFA; > Taxa de comércio : 200 FCFA.

> Em Mpack (Casamança) o custo do produto regista um aumento na ordem dos 100 FCFA

Custo total: 28.200 FCFA, ou seja, em média 564 FCFA por litro para um óleo vendido em São Domingos.

por litro devido à aplicação de diversas taxas pelos Serviços das Águas e Florestas senegaleses. O produto é vendido no mercado de Ziguinchor a um preço situado entre os 750 e os 1000 FCFA/

O produto é vendido pela produtora em São Domingos entre 750 e 800 FCFA o litro, gerando uma margem que varia entre 190 e 236 FCFA por cada litro. Custos adicionais de acordo com os locais de abastecimento

litro.

Em Dacar ou Banjul, aumenta esta tendência de pressão fiscal, frequen-temente injustificada e ilícita, como o ilustram os seguintes dados: > No trajecto em direcção a Dacar, o comerciante guineense desembolsa 1.500 FCFA por bidon,

Para se abastecer em Cacheu, o vendedor instalado em São Domingos enfrenta custos adicionais: 250 FCFA pelo transporte fluvial, além de um montante mínimo da ordem dos 500 FCFA para despesas diversas no cais. Apesar destes custos adicionais, o preço de venda do produto em São Domingos não pode ultrapassar os 900 FCFA por litro.

ou seja, 50 FCFA por litro para o transporte; > Os custos de transporte do vendedor ascendem aos 5000 FCFA ; > São pagos 25 FCFA a vários agentes de segurança que se encontram em intervalos regulares nas vias de acesso.

9.2 Amendoim O amendoim constitui o segundo produto em termos do número de actores e de acordo com a quantidade vendida nos dias de lumu.

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Apresenta-se seguidamente o modelo de custo de produção referente a 4 ha (baseado nos dados fornecidos pelo Agrupamento de produtores de Bigene): > Sementes : 100 000 FCFA > Material : 15 000 FCFA > Mão-de-obra (produção): 15 000 FCFA > Colheita: 20 000 FCFA > Limpeza: 10 000 FCFA

Produção obtida: 2 000 kg, ou seja, 40 sacos de 50 kg > Transporte interno: 500 FCFA por saco, ou seja 20 000 FCFA > Descasque: 30 FCFA por kg, ou seja 60 000 FCFA > Quantidade comercializada: 37 sacos, ou seja 1850 kg > Custo total: 240 000 FCFA

Custo por kg: 130 FCFA/kg O produto é comercializado em volumes de 0,8 kg a 400 FCFA e de 1 kg a 500 FCFA na maior parte dos mercados como Bigene, Ingoré e São Domingos.

O comércio de vassouras faz parte do grupo de actividades mais condicionadas, sendo totalmente controlado pelas mulheres senegalesas. As vassouras são reunidas em volumes com mais de 400 unidades em média. As vassouras que constituem os volumes são compradas, peça a peça, pelas mulheres que percorrem lumu após lumu. O tempo necessário para reunir os stocks é considerável, variando conforme as estações - um mês durante a estação seca e três a quatro meses na estação das chuvas, período durante o qual não só os eixos rodoviários se tornam impraticáveis mas em que também o produto se torna raro. Os principais custos são as despesas de restauração do colector durante o período em que este procede ao agrupamento da mercadoria. Preço médio de aquisição de uma vassoura na Guiné-Bissau: 50 FCFA Custos de permanência (média mensal): 50 000 FCFA Transporte dos volumes (para Ziguinchor)

Nos mercados fronteiriços do Senegal, nomeadamente Ziguinchor e Diaobé, o amendoim descascado é vendido entre 500 a 525 FCFA / kg, a partir do mês de Maio até Setembro.

e despesas de manutenção: 25 000 FCFA Taxa por volume aplicada pelos Serviços Florestais da Guiné-Bissau: 10 000 FCFA Taxas diversas no Senegal (por volume): 5 000 FCFA Taxas de mercado no Senegal durante 60 dias: 6000 FCFA Manutenções diversas: 5 000 FCFA

Margem de lucro: 270 FCFA

Transporte para Dacar (via marítima): 3 500 FCFA Armazenamento e segurança: 10 000 FCFA

9.3.Vassouras

Duração da venda a retalho por volume: 2 meses (60 dias) Custos de subsistência (alimentação, alojamento,

Teoricamente, o comércio de vassouras está sujeito a uma autorização prévia entregue pela Direcção das Florestas.

transporte, etc): 90 000 FCFA

Preço de venda a retalho em Dacar: 100 a 125 FCFA/unidade


9.4. Peixe fumado Apesar de a zona de Cacheu ter um sector pesqueiro bastante dinâmico, não é menos verdade que a zona de Varela pode ser considerada como o centro das actividades de pesca e de transformação do pescado, devido ao elevado número de mulheres que se dedicam a esta actividade e ao volume de capturas. Por ordem decrescente de importância, a seguir a Varela surgem Cacheu e Sucudjaque. Apesar do custo elevado das licenças de pesca (o custo da licença anual para as pirogas motorizadas de 8 CV é de 106 000 FCFA e para as de 25 CV é de 165 000 FCFA), o porto de Varela tem 50 pirogas motorizadas em permanência e 150 pescadores. A produção é enviada prioritariamente para o norte (no Senegal), para Bissau via Bula e para Gabu. O período que vai de Janeiro a Março corresponde ao das grandes capturas, sendo os meses de Maio e Junho os que registam menor actividade.

A duração do processo de transformação é de cerca de seis dias, correspondente ao período necessário para obter um produto suficientemente seco e resistente à oxidação. Além das mulheres de Varela, é visível, segundo as diferentes épocas do ano, uma forte afluência de transformadoras provenientes do Senegal. Estas compram carregamentos inteiros de peixe a cerca de 80 000 FCFA por piroga e procedem ao tratamento do peixe alugando os fornos nas aldeias a cerca de 2 000 FCFA/dia. Custos de colocação no mercado de um cesto de peixe fumado: Preço de compra de um cesto de peixe (bagre): 10 000 FCFA Acondicionamento: 500 FCFA Transporte interno: 600 FCFA Lenha para os fornos: 5 000 FCFA Fumagem: 2 000 FCFA Amortização cesto: 1 000 FCFA Transportes externos diversos: 7 500 FCFA Aluguer de armazém: 3 000 FCFA

A fumagem do peixe é uma actividade inteiramente feminina e é assegurada pelas mulheres da localidade, tendo algumas constituído uma associação, Set Mane, com 78 membros. A localidade dispõe de mais de uma centena de fornos, dos quais 80 foram instaladas com o apoio da AD. As transformadoras tratam de dois tipos de peixe: o djafal e o bagre, sendo este último uma espécie muito apreciada no Senegal. As mulheres transformam pequenas quantidades, não excedendo normalmente dois cestos.

Taxas diversas: 1 000 FCFA Restauração: 5 000 FCFA (são necessários pelo menos 3 dias para proceder às transacções e regressar)

Total (para um cesto de cerca de 40 kg): 35 600 FCFA Preço de venda em período de baixa produção: 20 000 FCFA / cesto

Margem de exploração negativa de: - 15 600 FCFA

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Parece portanto que a colocação no mercado de um cesto de peixe fumado em qualquer entreposto comercial (Bissau, Dacar, outro) permanece uma operação financeiramente deficitária com uma margem negativa de - 15 600 FCFA por cesto. As mulheres transformadoras estão conscientes desta situação e colocam em prática estratégias de venda adaptadas. Ao deslocar-se a fim de vender o produto no mercado, a transformadora deve dispor de pelo menos dois ou três cestos, o que permite fazer baixar algumas despesas, nomeadamente os custos de transporte e os custos fixos de funcionamento (restauração por exemplo). A experiência instruiu-as: para que a venda seja rentável, o volume de negócios deve ser no mínimo igual a 50 000 FCFA, limiar a partir do qual se justifica uma deslocação aos mercados de São Domingos e de Bula. Em alternativa, as mulheres organizamse para fazer baixar os custos das seguintes formas: > procedendo à colocação de cestos no mercado de forma agregada: várias mulheres reúnem os seus produtos e designam alguém entre o grupo para os transportar e vender no mercado. A prestação de contas é feita aquando do regresso da pessoa escolhida a Varela. > confiando o produto a um transportador que irá entregar o(s) cesto(s) junto de um colector / grossista estabelecido num mercado. Este último utilizará o mesmo intermediário para enviar as receitas às mulheres transformadoras de pescado, deduzindo previamente a sua comissão.


X. Constrangimentos à comercialização


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X. Constrangimentos à Comercialização

A Guiné-Bissau não tem ainda uma política de comercialização de produtos alimentares. A comercialização dos produtos agrícolas, à excepção da castanha de caju, funciona em bases não institucionalizadas. A colocação destes produtos no mercado é condicio-nada por numerosos constrangimentos, alguns deles bastante profundos. Entre os constrangimentos à comercialização identificados, são de destacar a falta de cultura comercial e de estratégia de auto-desenvolvimento, a fraca capacidade de produção, a ausência de crédito, a dificuldade em controlar a oferta, o encravamento dos lumus e os abusos a que os comerciantes estão sujeitos.

deste tipo de transacção dos produtos agrícolas permanecem ainda bastante vivos entre as populações costeiras do Sector de São Domingos e as que estão localizadas na zona fronteiriça com o Senegal. As transformações das práticas de comercialização que se registam nesta parte do país estão ligadas em grande parte à influência crescente dos comer-ciantes senegaleses que intervêm directamente na monetarização das trocas de produtos agrícolas.

10.1 Falta de cultura comercial e de estratégia de auto-desenvolvimento

Em termos globais, as estratégias comerciais dos actores são passivas e sem consistência. Devido às fracas capacidades de produção, a oferta à escala individual permanece muito limitada, a lógica comunitária de colocação dos produtos no mercado é uma modalidade praticamente desconhecida.

A colocação dos produtos agrícolas no mercado, à excepção da castanha de caju e do peixe fresco ou transformado, obedece sobretudo a padrões culturais. A lógica da produção agrícola é a da auto-suficiência, visando a cobertura das necessidades alimentares. A comer-cialização dos produtos alimentares torna-se uma prática familiar destinada a escoar um pequeno excedente de produção para, em troca, dispor de bens e serviços que, a maioria das vezes, são produtos manufacturados (sabão, açúcar, óleo, tecidos, outros). No passado e até muito recentemente, as trocas de produtos agrícolas e sobretudo alimentares assentavam no princípio da troca directa. Os resquícios

A ausência de acções comunitárias de colocação dos produtos no mercado é também uma consequência da inexistência de políticas e de estratégias de desenvolvimento na base. A noção de desenvolvimento comunitário é ainda incipiente, as poucas associações de produtores que estão presentes na zona são ainda fracas sob todos os pontos de vista - são organizações ineficazes, sem visão nem capacidade institucional, material e financeira. Esta zona do país é marcada sobretudo por uma espécie de insularidade institucional (encra-vamento geográfico) que não estimula o desenvolvimento das populações, apesar do enorme trabalho, profund e contínuo, desenvolvido pela AD.


A acção da AD não é suficiente para atender às necessidades de apoio institucional para reforçar as capacidades organizacionais, estratégicas e técnicas das populações. A implementação de programas integrados e de projectos de formação e de informação acompanhados de acções de sensibilização, animação e enquadramento técnico dos produtores constitui uma condição indispensável para a estruturação do sector da comercialização dos produtos agrícolas e para o desenvolvimento da comer-cialização destes produtos.

óleo de qualidade bastante apreciado no Senegal e pago a um preço superior. A sobreexploração de vinho de palma e a idade do palmar provocam uma baixa notória de rendimento da produção de chabeu. Além da redução do nível de produção de chabeu, verifica-se também uma redução no teor do óleo, como resultado dos efeitos combinados da idade avançada das árvores e de procedimentos tecnológicos desapro-priados. Com os métodos e as prensas actuais, a taxa de extracção é de 6 litros de óleo por 22 kg de chabeu.

10.2 Capacidades de produção A produtividade é, de acordo com as principais estimativas relativas às explorações agrícola e florestal, muito fraca face ao potencial existente. O sector de São Domingos beneficia de condições naturais muito favoráveis, como uma boa pluviometria e terras ainda férteis. As capacidades de produção são muito limitadas e as fileiras agrícolas estão profundamente desestruturadas ou são quase inexistentes. A exploração do palmar faz-se de forma muito tradicional. O palmar natural no sector é constituído por Elaeis guineensis da variedade Dura, ocupando um lugar importante na economia familiar desta zona pelos múltiplos produtos a que dá origem: óleo de palma e de palmiste resultantes da extracção dos cachos de chabeu; balaios e vassouras produzidos a partir das folhas do palmar; material de construção, através da utilização dos troncos. A variedade Dura produz um

Verificou-se também uma subvalorização da colheita, visto que os produtos secundários limitam-se à produção de óleo de palma e que a transformação não inclui a produção de óleo de palmiste, resultando no não aproveitamento de quase 50% do potencial, o que é significativo atendendo também aos preços muito atractivos do óleo de palmiste. A melhoria da capacidade de produção de óleo de palma deverá ser concebida numa lógica de a tecnologia de trans-formação e optimizando a produção, alargando a transformação à extracção do óleo de palmiste. A produção das culturas anuais, os cereais (o arroz) ou as leguminosas (amendoim), é ainda muito tradicional, sem utilização de sementes melhoradas e recorrendo a técnicas agrícolas ainda rudimentares, fortemente intensivas em mão-de-obra.

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A produção de arroz faz-se nos pequenos vales ou em sequeiro mas, apesar de tudo, os rendimentos de produção não passam dos 700 kg/ha, o que é pouco significativo no contexto do norte da Guiné-Bissau. A produtividade do amendoim permanece limitada a 500 kg/ha. 10.3 Ausência de crédito O volume de investimento no segmento da produção é quase nulo. As sementes utilizadas são retiradas da colheita precedente, a utilização de adubos não é comum e as técnicas agrícolas são bastante rudimentares. Todas estas limitações estão directamente relacio-nadas com o sistema de formação e de informação dos produtores mas também com a inexistência de sistemas de crédito. Na ausência destes, os produtores recorrem a processos aos mais diversos expedientes para suprir essa lacuna. No plano da comercialização dos produtos, a ausência de um sistema de crédito priva os intervenientes de capacidades de acção e sobretudo dos meios necessários à recolha, transporte e comercialização dos produtos nos mercados. Esta situação exclui de facto os guineenses dos circuitos de venda que são quase inteiramente geridos pelos comerciantes senegaleses. A única iniciativa de crédito presente na zona é a da AD, que não cobre prioritariamente os aspectos associados à comercialização dos produtos agrícolas. As outras iniciativas endógenas identificadas são os sistemas de poupança e fundos rotativos tradicionais implementados

pelas mulheres, como se verifica em Varela. 10.4 Dificuldade em controlar a oferta A consequência lógica da fragilidade da produção agrícola, da ausência de um sistema de financiamento capaz de injectar os créditos necessários à produção e à comercialização e da debilidade organizacional dos actores é a atomicidade da oferta. A colocação dos produtos no mercado é, regra geral, individualizada e em quantidades muito reduzidas. Os comerciantes/colectores não podem assim controlar as quanti-dades nem os locais de aprovisio-namento, vendo-se obrigados a percorrer as aldeias dispersas em torno dos lumus para reunir as quantidades desejadas em prazos mais ou menos longos ou, em alternativa, percorrer os lumus para dispor destas quantidades e, neste caso, o tempo dispendido na recolha de produtos poderá ser maior. Apresentamse seguidamente alguns exemplos ilustrativos: i. as mulheres necessitam de um ou dois meses para reunir um volume de vassouras; ii. são necessários, frequentemente, dois a três dias nos lumus (o que implica deslocações a dois ou três lumus) para reunir uma tonelada de amendoim; iii. as mulheres vendedoras de vassouras apresentam-se no mercado com pelo menos 5 unidades; iv. o stock de amendoim mais significativo por vendedor não ultrapassa os 50 kg;


v. um produtor retalhista de óleo de palma (não colector) chega ao mercado com um máximo de dois bidões de 33 litros cada; vi. uma mulher transformadora de pescado

três de Ingoré, dois de Farim e dois do Senegal. O acesso aos lumus constitui assim um constrangimento sério à comercialização.

tem para venda, em média, um cesto de peixe por viagem.

10.5 O encravamento dos lumus e o estado dos acessos Os lumus têm uma posição geográfica central e o seu raio de cobertura inclui várias aldeias. Por exemplo, o mercado de Bigene polariza mais de 100 aldeias situadas num raio de 40 km, Ingoré polariza 40 aldeias e São Domingos outras 40. O lumu de Bigene recebe agentes oriundos de 100 aldeias, mas apesar disso a sua taxa de frequência é muito reduzida na estação das chuvas, período durante o qual Ingoré recebe mais visitantes. Este exemplo demonstra o impacto do encravamento e do estado das vias de acesso no funcionamento dos lumus e mercados. Com efeito, são necessárias quase 3 horas para chegar ao lumu vindo de Ingoré, situado apenas a cerca de 30 km. Alguns produtores/ retalhistas acedem aos lumus a pé. Os produtos não vendidos são levados de volta às aldeias por duas razões: primeiro, o princípio do armazenamento comunitário não está disseminado, e depois nem todos os lumus têm armazéns onde possam ser depositados os produtos. O sistema de transportes permanece reservado em explorar os eixos que conduzam a Bigene. Assim, este lumu recebe por dia de mercado um pequeno portador de Bula, dois de Cachungo,

10.6 Abusos de que os comerciantes são vítimas Uma das principais opções dos comerciantes é vender no mercado senegalês, sobretudo em Dacar. Os comerciantes guineenses conhecem as tabelas de preços praticadas nos mercados senegaleses. Porém, este desígnio dos comerciantes guineenses é contrariado pelos múltiplos abusos a que estão sujeitos, quer no interior das fronteiras guineenses como no Senegal. A grande maioria dos queixosos refere o comportamento dos Serviços de Água e Florestas do Senegal e dos Serviços Florestais guineenses. No plano interno, as vendedoras pagam um montante de cerca de 25 FCFA por cada litro de óleo de palma. A AD lançou um programa de sensibilização e de clarificação para ajudar os comerciantes a libertarem-se desta “taxa”, tendo sido realizado um encontro reunindo as autoridades administrativas, os serviços técnicos e os comerciantes. Os resultados deste encontro foram bastante positivos e foram difundidos através de canais mediáticos. Em Mpack (Casamança), o preço de óleo de palma regista um aumento na ordem dos 100 FCFA por litro, devendo-se isso à aplicação pelos Serviços das Águas e Florestas senegaleses de taxas diversas.

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O produto será vendido no mercado de Ziguinchor a um preço que oscilará entre os 750 e os 1000 FCFA. Em Dacar e em Banjul, esta pressão fiscal, muitas vezes injustificada e ilícita, torna-se mais pesada.


XI. Conclusões e recomendações


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XI. Conclusões e recomendações

As populações da zona de São Domingos têm uma tradição de transacção baseada na troca directa de produtos. A mone-tarização das trocas de produtos agrícolas é uma prática recente, fruto da chegada massiva de comerciantes senegaleses.

impacto no comércio transfronteiriço com os países vizinhos, nomeadamente com o Senegal.

Os comerciantes senegaleses desem-penham um papel essencial na comer-cialização dos produtos locais e parti-cipam na animação dos mercados.

Os fluxos comerciais orientados para a capital Bissau e para o Senegal são relativamente importantes mas o volume da oferta está ainda abaixo do potencial global do Sector de São Domingos. As condições naturais de São Domingos são de facto muito favoráveis ao desenvolvimento da agricultura, mas a oferta em produtos agrícolas permanece modesta. O desenvolvimento das capacidades de produção e a comer-cialização de produtos agrícolas são profundamente condicionados por vários constrangimentos cuja superação implica a intervenção dos actores de desen-volvimento e, em primeira instância, do Estado, dos parceiros de desen-volvimento da Guiné-Bissau, das organi-zações de apoio ao desenvolvimento na base, como a AD, e dos próprios produtores.

A oferta de produtos é diversificada e variada, apresentando a Guiné-Bissau uma vantagem comparativa no que respeita aos custos e preços praticados nas zonas de produção e lumus. As principais fileiras, ou as fileiras ditas dominantes, são o óleo de palma, o amendoim, o peixe fumado, as vassouras e os frutos exóticos. Estas fileiras foram definidas em função do lugar ocupado nas explorações familiares, os níveis de recursos potencialmente capitalizáveis e o seu

A melhoria das capacidades de produção e de colocação dos produtos no mercado exigem a concepção e implementação de novas estratégias de desenvolvimento capazes de promover e de acompanhar as iniciativas de desenvolvimento local e do desenvolvimento na base. Para tal, são necessários novos instrumentos capazes de estimular as iniciativas de desenvolvimento popular, reforçar as capacidades das instituições e serviços responsáveis pela estruturação do mundo rural, pelo enquadramento técnico

O comércio de produtos agrícolas é, em geral, mais orientado para o Senegal do que para as outras regiões da GuinéBissau, nomeadamente para a capital Bissau. Esta situação explica-se pela forte procura com origem nesse país, por uma tabela de preços mais remuneradores do que os praticados nos mercados guineenses e pela dupla proximidade étnica e cultural prevalecente entre as comunidades que se situam perto da fronteira.


das populações, pelos serviços agrícolas como o crédito, os serviços de formação e informação dos produtores. Tudo isto remete para a necessidade de conceber uma política de reforço institucional dos serviços de gestão e de enquadramento do desenvolvimento, de implementar um processo de responsabilização das colectividades administrativas descentralizadas e de desenvolver os serviços agrícolas. A estruturação dos mercados e fileiras dos produtos agrícolas só poderá ser alcançada através da implementação de uma política a longo prazo que incida no reforço das capacidades das instituições de apoio ao desenvolvimento local e ao desenvolvimento na base, na estruturação do mundo rural, na instauração de serviços de apoio às explorações familiares e no desen-cravamento das zonas de mercado.

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Anexos


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Anexos

Anexo I - Estrutura das fileiras do caju O esquema apresentado seguidamente permite examinar a estrutura da fileira do caju bem como a do arroz. Em termos gerais, pode-se concluir que existem três vias principais de venda do caju. A primeira consiste na relação entre um produtor e um comerciante/colector que trabalhe no seu sector durante a época de colheita (de Abril a Julho), sendo o volume de transacção reduzido (de 50 kg a algumas toneladas). A segunda via é a venda directa do produtor a um grossista estabelecido numa das principais cidades da Guiné-Bissau. Por fim, a terceira via é a do produtor que vende a sua colheita directamente ao exportador ou mesmo ao comprador indiano. Este tipo de fileira desenvolveuse sobretudo nos últimos anos. Estratégias comerciais dos principais actores Produtores O seu principal objectivo é a satisfação das necessidades alimentares de toda a sua família, assim como daqueles que lhe são próximos. As técnicas de produção são muito simples. A produção da castanha constitui o principal objectivo do produtor de caju, tendo também importância a utilização do fruto para auto-consumo e produção de sumo e vinho. Em princípio, toda a produção de castanha de caju é vendida.

A colheita da castanha é feita em quatro etapas : limpeza da plantação, colheita, secagem da castanha durante 48 horas e embalamento em sacos (plásticos) de 50 kg ou então directamente em sacos de juta (80 kg) fornecidos por um colector, grossista ou exportador. A época da colheita vai de Abril a Junho, prolongando-se por vezes até ao início da estação das chuvas. Estas fases de trabalho são normalmente realizadas pelos membros da família, no que respeita aos pequenos produtores. Os médios e grandes produtores contratam assalariados para a estação da colheita. Em regra, o armazenamento da castanha de caju não é feito em comum. Em 2007, estima-se em cerca de 10 000 a 15 000t o stock de castanha de caju do ano anterior existente no interior da GuinéBissau. A colheita e a comercialização da castanha encadeiam-se directamente, sem ruptura, até ao início da estação das chuvas. Na Guiné-Bissau, o início do período de colheita é anunciado pelo governo, que fixa um preço de venda de referência para os produtores. Desde 2000, este preço tem sido sempre 250 FCFA/kg, salvo em 2006, em que o Governo anunciou um preço de 350 FCFA/kg.


Colectores e grossistas Há diferentes tipos de colectores : aqueles que trabalham por conta própria, com os seus meios, e os colectores que dependem directamente de um grossista. Além disso, pode-se distinguir os colec-tores que trabalham num único local, muitas vezes a sua própria aldeia, dos que se deslocam numa região. Em pequenos camiões, muitas vezes alugados para aquele período, este último grupo de colectores percorre um trajecto prédefinido durante o qual é recolhida a colheita junto dos pequenos produtores. É também necessário sublinhar a dife-rença entre os colectores e os grossistas. Os colectores trabalham essencialmente durante a época da colheita e vão buscar a castanha de caju junto dos pequenos produtores. O seu ganho consiste numa margem negociada entre o grossista e o produtor. No que respeita aos grossistas, estes residem numa cidade e o seu comércio não se concentra necessariamente apenas na castanha de caju. Além disso, o grossista trabalha durante todo o ano sem interrupções. Geralmente, os grossistas reúnem uma grande parte da colheita num sector ou, se os meios o permitirem, numa região, durante a época própria - portanto, durante três meses. No local, os grossistas adquirem o caju em troca de arroz ou de um montante pecuniário. Frequentemente, os grossistas préfinanciam os colectores. Regressados ao ponto de partida, geralmente uma cidade

como Bula, a castanha recolhida é depo-sitada num armazém para ser embalada em sacos de juta. Após o embalamento, toda a castanha reunida durante uma ou várias semanas (volume superior a 5t) é vendida, quer directamente a um exportador em Bissau, quer a indianos ou, noutros casos ainda, a um grossista da mesma zona, conforme os meios do colector em causa - finanças, transporte, condições de armazenamento, mão-deobra, outros.

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Anexo 2 - Artigos do jornal Walf sobre o mercado de Diaobé: potencial e dificuldades De acordo com os dados estatísticos fornecidos pelo posto florestal de Diaobé, em 2006 foram registados 5 767 430 litros de óleo de palma, enquanto que em 2003 o número era de 4 354 801 litros, registando-se um aumento de 1 412 629 litros. Este aumento deve-se à forte procura que não cessa de crescer de ano para ano, contrariamente à malagueta preta que registou uma redução de 663 317 kg em relação a 2003, em que 1 263 907 kg de malagueta foram escoados no mercado de Diaobé. A comercialização de produtos como o nététu1, o gengibre, os palitos, a cabaceira, as esteiras ou panos de pinti, os objectos de arte, as lianas, o pó de farroba 2 , as vassouras, o tamarindo, o coconote, etc., registou uma redução vertiginosa em Diaobé durante os últimos anos. Esta redução deve-se ao governo da Guiné-Conacri, que decidiu colocar entraves ao livre comércio destes produtos que começavam a escassear no país. Em 2006, 759 260 litros de óleo de palma foram escoados para Diaobé, enquanto que em Junho de 2007 os comerciantes guineenses exportaram apenas 147 140 litros, registando-se uma redução de 612 120 litros. Actualmente, os produtos florestais que são vendidos em Diaobé provêm da Costa do Marfim e da Guiné-Bissau.

O preço do litro de óleo de palma varia entre os 1000 e os 1500 FCFA, enquanto que no período anterior à decisão das autoridades guineenses oscilava entre os 500 e os 800 FCFA. Para Mamor A. Bâ, chefe de serviço do departamento do comércio de Vélingara, “esta penúria em alguns produtos teve repercussões nos preços. Com a escassez dos produtos florestais, a actividade económica em Diaobé estagnou, ou terá mesmo reduzido”. Os comerciantes senegaleses não têm nada para fazer desde a entrada em vigor deste embargo encapuçado. Antes deste, pelo menos cerca de 20 produtos florestais da Guiné-Conacri inundavam o mercado de Diaobé. Actualmente, são os novos produtos vindos da Costa do Marfim que marcam presença no mercado de Diaobé. Tratase do dankh 3 , do karité 4 , do gowé 5 e do tamarindo. Os senegaleses são grandes consumidores de produtos guineenses e por isso atravessam grandes dificuldades em períodos de escassez. De acordo com o chefe do Serviço de Águas e Florestas de Diaobé, Maxime Anatole Diatta, “83% do óleo de palma, 42% da malagueta preta e 100% do nététu 6 são consumidos pela região de Dacar. A cidade de Touba consome 35% da malagueta preta, Kaolack 20% e Ziguinchor 6%”. Perante estes números, é visível o prejuízo para o erário público senegalês. Publicado no Jornal Walf, a 06/08/2007, nº 4615

1 Especiaria muito utilizada em vários países da África Ocidental. 2 Condimento utilizado na confecção dos alimentos. 3 Fruto silvestre. 4 Fruto utilizado para fins alimentares (produção de manteiga), medicinais, agro-industriais e cosméticos. 5 Produto utilizado para perfumar espaços interiores. 6 Ver nota de rodapé 1.


O mercado semanal de Diaobé, o mais célebre da sub-região da África ocidental situado a 40 km da comuna de Vélingara, é cada vez menos frequentado à 4ª feira, há já sete meses. É como se, por magia, os clientes e outros comerciantes do Senegal e países limítrofes tivessem desaparecido. Nos tempos que correm, os comerciantes guineenses são muito desejados. O embargo decretado pelo Governo da Guiné-Conacri relativamente a produtos florestais como o óleo de palma e a malagueta preta, cuja exportação foi proibida desde 10 de Janeiro deste ano, teve um duro impacto neste mercado semanal. A actividade económica rasteja. Vários produtos desapareceram do cenário e das prateleiras. “Trata-se do óleo de palma, da malagueta preta, do gengibre, dos grãos de farroba, etc., que já não chegam a Diaobé”, enumera Boubacar Baldé da aldeia de Diaobé. A esta lista é necessário acrescentar os produtos agrícolas como o arroz barabara, utilizado de forma generalizada dada a sua grande eficácia contra os diabetes, as mangas, as laranjas, os abacates, a mandioca, o fundo, o milho seco, etc. Apenas o mel, o café, a cola e o nététu podem ser exportados e vendidos no lumu de Diaobé. As diferentes lojas ou armazéns que recebiam estes produtos estão quase vazios. O desespero é visível nos rostos dos donos dos armazéns. É com profundo desalento que A. Bangoura, comerciante guineense, declara que “esta situação de penúria não significa outra coisa

senão um maior empobrecimento da Guiné-Conacri. O pior, é que isso representa uma importante perda de rendimentos para os comerciantes guineenses que não vêm mais ao Senegal para evitar as represálias e sanções”. C. DIENG, Jornal Walf, a 06/08/2007, nº 4615

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Bibliografia


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Bibliografia

Banque Africaine de Développement (BAD), 2005, Rapport d'évaluation du Projet de Réhabilitation du Secteur Agricole et Rural (PRESAR); Governo da Guiné-Bissau, 2005, Decreto-Lei nº1/2005 sobre o código comercial; A. LEITÃO, 2007, Processos de extracção e melhoramento do óleo de palma elaborado no âmbito do Programa de Desenvolvimento Comunitário de São Domingos - Kasumai - Guiné-Bissau, CE: ONG-PVD/2002/020-858/GW, editado pelo IMVF/AD, com o co-financiamento da Comissão Europeia; Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADR), Anuários estatísticos da produção, anos 2003 e ss; MADR-FAO-PAM, 2007, Rapport technique - Commercialisation du cajou et du riz: implication pour la Guinée-Bissau, Q2007-08-20; BA MODY, 2007, Etude sur le commerce transfrontalier et le marché de Diaobé, realizado para a FONGS/Agiterra; PAM, 2005, Etude sur la sécurité alimentaire et nutritionnelle en Guinée-Bissau, non publié. J. D. TRACEY-WHITE, 1994, «Marchés de gros: guide de planification et conception», in Bulletin des Services Agricoles de la FAO (FAO), nº 90 / Rome (Italy), FAO.


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