Estudo Desenvolvimento e Alterações Climáticas | Desafios e (In)Coerências

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DESENVOLVIMENTO E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

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2.4. EXTERNALIZAÇÃO DOS CUSTOS E IMPACTOS: QUANDO AS SOLUÇÕES TAMBÉM SÃO NOCIVAS A União Europeia pretende ser líder mundial no combate às alterações climáticas, tendo colocado o crescimento verde no âmago da visão do desenvolvimento para o espaço europeu, através do Pacto Ecológico Europeu aprovado no final de 2019 e desenvolvido por meio de um conjunto de instrumentos legislativos e financeiros. A descida das emissões de GEE na União Europeia46, a recente aprovação de novas metas climáticas para 2030 (redução de 55% das emissões, por comparação a 1990) ou a previsível aprovação de uma Lei do Clima que estabelece a descarbonização total da economia até 2050 como uma meta vinculativa são sinais positivos que importa assinalar. No entanto, estes instrumentos são essencialmente internos, aplicáveis ao espaço europeu, onde o objetivo é “traçar um caminho para uma transição justa e socialmente equitativa” (CE, 2019a), sendo na sua maioria omissos quanto aos impactos destas medidas nos países em desenvolvimento. Com efeito, em certos casos, a ambição climática e necessidade de atingir determinadas metas tem resultado numa externalização dos fatores que produzem efeitos mais nocivos para o ambiente, “exportando” esses fatores para países terceiros, com menor capacidade de regulação e fracas capacidades técnicas ou financeiras para responderem da melhor forma a estes desafios. Isto é evidente, por exemplo, na relocalização de investimentos e indústrias intensivas em carbono para países em desenvolvimento. Neste âmbito, conhecemos os impactos poluentes da indústria têxtil, com várias multinacionais europeias a deslocalizarem a sua produção para países asiáticos ao longo das últimas décadas, onde as regras ambientais e sociais são menos apertadas. Noutras indústrias, a produção em solo europeu foi substituída por uma deslocalização e consequente importação de produtos altamente poluentes dos países em desenvolvimento (particularmente da China), como o aço ou o cimento, permitindo assim apresentar resultados positivos de diminuição das emissões nos países europeus47. Existem também muitas evidências sobre o impacto da exportação de lixo / resíduos sólidos para os países em desenvolvimento, o que, no caso dos países europeus, é barato e permite cumprir metas de reciclagem e tratamento de resíduos. Com efeito, é prática comum dos países desenvolvidos exportarem grandes quantidades de resíduos sólidos, nomeadamente lixo eletrónico48 e plásticos, para países do mundo em desenvolvimento, onde a falta de capacidade e de controlo conduz a um tratamento inadequado – por exemplo a incineração de plásticos tóxicos, a queima ilegal dos resíduos, a colocação em lixeiras a céu aberto ou o armazenamento sem condições – com impactos locais nocivos cada vez maiores, em termos de poluição, de contaminação dos solos e dos recursos hídricos, de saúde pública, etc.49

As emissões de GEE da UE caíram 24% entre 1990 e 2019, enquanto a economia cresceu 60% no mesmo período.

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Esta questão é explicada, por exemplo, em “You’ve Heard of Outsourced Jobs, but Outsourced Pollution? It’s Real, and Tough to Tally Up”, Brad Plumer, New York Times, 04.09.2018.

47

Os países desenvolvidos enviam, anualmente, cerca de 23% destes resíduos para os países em desenvolvimento. Ver “What Can We Do About the Growing E-waste Problem?”, General Earth Institute, 27.08.2018

48

Ver “By exporting trash, rich countries put their waste out of sight and out of mind”, CNN, 29.09.2019.

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