REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal Habitação Unifamiliar DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITECTURA Maria Inês Pimentel FAUP | 2011
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal Habitação Unifamiliar DISSERTAÇÃO DE MESTRADO INTEGRADO EM ARQUITECTURA Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto | 2011 Maria Inês Novais Ferreira Pimentel Docente orientador: Arquitecto Nuno Brandão Costa
Ao Professor Nuno Brandão Costa que foi para mim um exemplo enquanto professor e arquitecto, Aos meus pais e irmãos pelo mimo, paciência e encorajamento ao longo deste percurso académico, À Rita pela prestável ajuda nos muitos trabalhos de última hora, Ao João pelo sentido crítico, carinho, ajuda e incansável companhia, Obrigada.
As citações aparecem na língua original para que sejam mantidos o rigor e o sentido de cada expressão.
Índice
ÍNDICE: Resumo Abstract Introdução
Objecto Objectivo Método
I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente Contextualização Histórica Teorias de Intervenção | diferentes posturas ao longo da história J. Wyatt Milner Carter Viollet‐le‐Duc John Ruskin Morris Camilo Boito Luca Beltrami Gustavo Giovannonni As Cartas Carta de Atenas de 1931 Carta de Veneza de 1964
II | Reabilitação | transformação da imagem arquitectónica
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11 11 13 15 17 19
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O Medo da Mudança A Lição do Passado O arquitecto e a memória O problema do [re]desenho A visão de Távora | o caso português Tempos da Mesma Cidade | cidade histórica e cidade contemporânea Reabilitar Hoje | atitudes frente à preexistência O lugar | ruína e preexistência Construir no construído Transformação formal Como Actuar
45 47 50 51 52 53 56 58 59 62 65 67
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar Fernando Távora | Casa da Cavada | Guimarães, Portugal – 1989‐1990 Álvaro Siza Vieira | Casa Van Middelem‐Dupont | Oudenburg, Ostend, Bélgica – 1997‐2001 Aires Mateus e associados | Casa de Alenquer | Alenquer, Portugal – 1999‐2001 Eduardo Souto de Moura | Projecto de Recuperação da Casa D6‐2 | R. Padre Luís Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal – 2001 Nuno Brandão Costa | Reconstrução de Casa Unifamiliar | Arga de Cima, Caminha, Portugal – 2005‐2008
Considerações Finais Bibliografia Créditos de Imagem
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71 75 83 97 109 119
131 137 141
Resumo
Resumo Ao longo da História da Arquitectura os edifícios sofreram constantes processos de transformação. As alterações e mudanças verificadas no correr dos tempos surgem de um processo natural de adaptação a novas épocas, realidades e usos. Esta transformação gradual e faseada devolve à cidade, e mais concretamente ao edifício intervencionado, a capacidade de resistir ao mundo moderno num processo de regeneração de cidade. Abraçando essa realidade, o tema da dissertação final: Reabilitação ‐ a intervenção como transformação formal, aborda a intervenção em objectos arquitectónicos preexistentes com recurso à alteração da imagem do edifício. Por força das necessidades da sociedade contemporânea, uma intervenção de restauro não tem, muitas vezes, a capacidade de suprir novas necessidades sendo necessário ampliar, transformar e recorrer a processos de reabilitação. As intervenções em preexistências tendo por base uma transformação formal lançam ao arquitecto, novos desafios e perspectivas de encarar o património, a ruína, o “lugar” consolidado com que se depara no acto de projectar. Neste sentido, a história deve ser entendida como um ponto de partida gerador de ideias de projecto e não como uma limitação a priori. O importante é entender que independentemente da escala de intervenção e dos limites impostos, a relação entre o preexistente e o novo, a tradição e a modernidade devem ser apoiados pelo conhecimento rigoroso da história, para legitimar, dar certezas e tirar dúvidas no acto de projectar. Pretende‐se demonstrar que este processo de transformação não tem que ser necessariamente radical nem obrigatoriamente tímido. A intervenção deve ser geradora de um consenso. As estruturas base vão persistindo ao longo dos tempos e não deixam de existir só porque foram objecto de transformação. É na preexistência que a obra nasce, é ela que transmite ao conjunto unidade e coerência. Fazer uma leitura consciente da história e afirmar as intenções de projecto confere autenticidade à obra, legitimando o processo de transformação. É importante ter noção dos limites a que a intervenção se propõe mas também é necessário “ser arquitecto” e não ter medo de afirmar o gesto. É necessário construir um discurso arquitectónico que conduza à aceitação da intervenção no existente, com recurso à transformação formal, pelas necessidades da nova sociedade e pela realidade de grande parte da arquitectura se considerar 7
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
consolidada. A visão do arquitecto deve estar para além do historicismo instalado. Consciente da necessidade de salvaguarda do património deve deixar que este seja um processo e um caminho, nunca um factor limitador da sua criatividade.
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Abstract
Abstract Along with the History of Architecture, buildings have suffered constant transformations. Those changes are a result of a natural process of adaptation to new eras, new realities and consuetude. That gradual and phased transformation rends to the city and to the modified building the ability to defy the modern world. The present essay – Rehabilitation ‐ the intervention as a formal transformation – aims to give us an overview about the intervention in the preexistent architecture by modifying the image of the building. Very often the needs of the contemporary society go far beyond merely restoring. And it’s necessary to expand, transform, rehabilitate. Those formal interventions in preexistent buildings will allow the Architect new challenges and new perspectives when perceiving the heritage, the ruin, the building… in order to start drawing. History must be understood as a starting point that will generate ideas and not as a limitation to the creative process. The main point is to understand that the boundaries, the relation between the preexistent and the new, the tradition and the modernity must be supported by severe acknowledge of history in order to legitimate the architects work. The main goal of this essay is to demonstrate that this transformation process is neither radical nor shy. Intervention must generate consensus. The preexistent structures will always be a part of history and won’t vanish just because they have been transformed. The work is born in the preexistence. It’s important to be aware of the limits to an intervention process. But even more important is to have the courage to be “an Architect”. That being said, we have the strong conviction that a long path has to be traveled. A path where is accepted the intervention in the preexistence using the formal transformation. The intuition of the architect must be beyond the pre‐installed historicism. The architect’s awareness of heritage safeguard shouldn’t be a limitation to his creativity but, on the contrary, an impulse to a process and to a new path.
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Introdução
Introdução Objecto Num passeio pela cidade verificamos facilmente que algumas estruturas só são capazes de resistir ao longo dos tempos pelos constantes processos de requalificação a que foram sujeitas, que as integram no tempo e no espaço de cada época em que vivem. Conscientes das restrições dadas a priori numa cidade de malha bem consolidada devemos encontrar nelas a fonte de inspiração e o mote para a reabilitação. As intervenções com recurso a transformação formal geram, necessariamente, um confronto entre o novo e o antigo. É neste entre que se detém a reflexão e objecto de estudo: Reabilitação | A intervenção como transformação formal. Esta realidade, surge da necessidade actual de intervir e reabilitar cidade consolidada, suprindo necessidades do presente. A resposta está na capacidade de conciliação entre o novo e o velho fazendo uma leitura da história como ponto de partida e não como limite à criação. A mirada sobre a história deve ser feita com o intuito de entender as sucessivas transformações geradas na arquitectura, as suas razões, preocupações e anseios, colocando as conclusões tiradas ao serviço do projecto.
Objectivo O presente trabalho, apresentado como dissertação final, focaliza‐se no estudo e interpretação da reabilitação e transformação formal em arquitecturas preexistentes geradoras de novas possibilidades. Tem por objectivo clarificar o posicionamento e o grau de convivência da arquitectura contemporânea com a já existente. Pretende encontrar caminhos para este entendimento, e sem ditar regras, descobrir os mecanismos ao nosso alcance na promoção de um resultado formal e temporal coeso e consistente.
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
A dificuldade reside na impossibilidade de ditar regras e a solução surgirá da experimentação, do reconhecimento dos valores do passado e do posicionamento, perante a preexistência, de cada autor. Ao longo dos séculos as opiniões vão‐se alterando e se muitas vezes a única condição de ser antigo parece conferir qualidade à obra, outras tenta‐se fazer novo numa apologia do novo como valor cultural absoluto. Visionário será aquele que, consciente de que toda a criação impõe limites, alcance o respeito e a sintonia entre preexistência e nova arquitectura sem medo de afirmar o gesto. Não é objectivo suprir a carência de regras existente no campus teórico pois seria impossível numa área onde a história, o lugar e a preexistência são factores singulares a cada obra conferindo‐lhe uma autonomia livre de pré‐conceitos. Por acreditar que este caminho não é feito de regras, que é impossível encontrar métodos que determinem o desenho, que ditem o que se pode ou não fazer, que ensinem como actuar perante diferentes preexistências e ruínas, apresentam‐se sim, diferentes estratégias, direcções, linhas mestras e suportes à criação que conduzam a um entendimento da reabilitação como transformação formal. Estes instrumentos, variáveis de contexto em contexto, capacitarão o arquitecto na hora de reabilitar. Em processos de reabilitação é impossível dissociar o objecto arquitectónico do seu contexto. Neste sentido, o estudo apresentado, aborda as duas escalas de intervenção. A escala de cidade onde a abordagem envolve a mutação do lugar e a intervenção circunscrita ao edifício. A reabilitação com transformação formal evidencia a importância e necessidade de uma renovação de cidade, mas sempre consciente da importância da história da arquitectura na criação do projecto. A obra deve surgir, actual, capaz de acrescentar algo ao contexto onde se insere. A intervenção surge não só, dotada de mudança e um espírito novo contemporâneo, mas também, com o intuito de imprimir à nova obra uma ideia de continuidade e coerência de todo o conjunto arquitectónico. A intervenção pretende o diálogo entre os diferentes layers da arquitectura bem como entre a nova arquitectura e o contexto de cidade a que pertence. É na opção e delimitação do campus de intervenção que reside o processo de regeneração de cidade e/ou zonas de cidade. As dicotomia novo e antigo, objecto arquitectónico e o seu contexto, continuação ou mudança, serão presenças constantes ao longo de todo o processo criativo. 12
Introdução
Conscientes de que toda a arquitectura, por força das circunstâncias, do tempo e das novas necessidades, está sujeita a sucessivas alterações ao longo dos anos, cabe ao arquitecto determinar a estratégia de conservação e demolição a exercer em determinado local. Neste processo de construir no construído, o arquitecto não está só, tem ao seu dispor um legado histórico e a sociedade que faz o novo contexto da obra e exige novas soluções para novos problemas. Ao longo dos próximos capítulos pretende‐se clarificar a relação entre tradição e modernidade, no diálogo entre a arquitectura existente e a nova proposta. O posicionamento adoptado pretende regenerar, ampliar, manter actual uma cidade e sociedade em constante transformação.
Método Iniciado por uma contextualização histórica, o trabalho vai limitando o campus de acção até se focar concretamente o estudo de seis casos de reabilitação, em habitações unifamiliares, com recurso a transformação formal. A estrutura da dissertação será dividida em três capítulos. O primeiro corresponderá a uma análise histórica das diferentes teorias de intervenção e diferentes posturas ao longo da história. Citam‐se os autores mais significativos e enumeram‐se obras de referência que a irão ajudar a elaborar o contexto actual de intervenções, de onde surgem alguns princípios e motivações. Explicitam‐se alguns suportes teóricos, que conduziram a processos de reabilitação ao longo dos tempos. O corpo principal da prova desenvolver‐se‐á no segundo capítulo. Explanará a ideia de intervenção como transformação formal. A sua pertinência, necessidade e adequação aos dias de hoje. Num mundo em constante transformação, onde a cada dia surgem novas necessidades do habitar, urge a necessidade de regenerar cidade e diferentes arquitecturas para que possam resistir ao passar do tempo. Partindo do pressuposto que a arquitectura necessita de ser actualizada para se manter útil e contemporânea a ideia de construir no construído atravessa todo o estudo. Para sistematizar e clarificar as ideias expostas no capítulo anterior, surge um terceiro e último capítulo, com cinco casos de estudo, organizados por ordem cronológica, exemplo de reabilitações com recurso a transformação formal, em habitação unifamiliar. Estas obras, de 13
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portugueses, abordarão diferentes níveis e intensidades de intervenção formal, de acordo com o seu contexto e matéria projectável disponível. Não existindo uma fórmula para a intervenção, as propostas tocar‐se‐ão em alguns pontos e afastar‐se‐ão noutros. Pretende‐se sistematizar diferentes casos e clarificar os princípios que conduzem a cada estratégia de intervenção. É transversal a todas as obras o diálogo entre o novo e o antigo, verificando‐se que existem diferentes abordagens a uma mesma temática. O trabalho focaliza habitação unifamiliar por se tratar de uma realidade onde é frequente a necessidade de ampliação, adaptação e reformulação de espaços de acordo com cada usuário, levantando problemas de forma. Para concluir o estudo, apresentar‐se‐ão algumas considerações finais que ajudarão a sistematizar o problema abordado ao longo da dissertação. Não é possível tecer um conjunto de regras que nos conduza à ideia do que é certo ou é errado, do que se pode ou não pode fazer, pois actuar perante uma preexistência envolve sempre, diferentes factores como: a história, o contexto, o objecto arquitectónico, a estratégia mais conservadora ou demolidora…
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I Evolução Histórica da Intervenção no Existente
I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente
I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente A conservação de monumentos históricos varia ao longo da história consoante as suas relações com o tempo, a memória e o saber. É o tempo por onde passam que os faz adquirir diferentes características, e é a população que os utiliza que os faz perdurar, ou não, de geração em geração. Cada época adquiriu diferentes posturas perante as obras de arquitectura do passado, umas ficaram caídas no esquecimento, pelo desuso e a desafectação ou pela simples vontade de as destruir ou de as fazer escapar à acção do tempo; outras reconstituíam‐se como réplicas para fazer perdurar a memória. É certo que a conservação é uma prática transversal à humanidade e que a história da arquitectura é capaz de relatar diferentes exemplos e posturas adoptadas nestes processos. A colonização romana deixou grandes obras arquitectónicas na Europa que acabaram por sofrer grande destruição durante o período da Idade Média. Uma grande parte ocorre por divergências religiosas de que é exemplo a transformação em pedreira do anfiteatro de Tréves, a destruição da arena de Mans e do templo de Tours; outra prende‐se com a indiferença generalizada em relação aos monumentos que perderam a sua função. Em Roma, um decreto legaliza a expropriação dos edifícios cujo estado não permite a reparação. No século IX, Roma assiste ao fechamento dos arcos do coliseu que passam a ser ocupados por habitação, armazéns e oficinas, por sua vez a arena recebe uma igreja e a citadela de Frangipani. O Circo Máximo é ocupado por habitações; os arcos do teatro de pompeia são ocupados por mercados de vinho. Na Provença, a arena de Arles é transformada em citadelas, as suas arcadas fechadas, um quarteirão de habitações construído sobre as suas bancadas e uma igreja edificada no seu centro. Curiosamente, verificam‐se em simultâneo algumas atitudes de conservação deliberada em relação a edifícios deste mesmo tempo. Esta atitude preservadora, exercida principalmente por parte do clero, deve‐se na sua maioria razões de ordem económica pela crise vivida.1 Todavia, seria injusto afirmar que na génese da conservação está simplesmente um interesse utilitário, era também motivo a sensibilidade e o saber literário. 1
“No século VI, a atitude do Papa Gregório I é exemplar. Em Roma, toma a seu cargo a manutenção do parque imobiliário e pratíca
uma política de reutilização que o seu sucessor Honório seguirá: as grandes habitações patrícias são transformadas em mosteiros, as suas salas de recepção em igrejas…” CHOAY, 2000: 33
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001 002 | 003
004
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001 | Coliseu de Roma. Armadura de madeira idealizada por Valadier, para o restauro deste lado do anel exterior, encarregado por León XII (1826) 002 | Coliseu de Roma. Intervenção de Stern (1807), no Pontificado de Pio VII. Utiliza uma solução rápida e barata, um muro de tijolo, com grande impacto visual, mas que funciona como salvação antes do seu colapso. 003 | Coliseu de Roma. Lado restaurado por Valadier (1826), com tijolo e travertino nas partes com função de suporte. 004| Maquete. Reconstituição do Circo Máximo. 005 | Circo Máximo, fotografia aérea do estado actual.
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I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente
Esta nova realidade, da conservação dos edifícios antigos, levanta novos desafios e diferentes problemas técnicos. Surgem problemas económicos, políticos e psicológicos. A vontade de conservar não se prende com questões de salvaguarda do património, mas sim com questões emocionais de paixão pelo saber e pela arte. A destruição é unicamente combatida através do amor pelos monumentos históricos. “É por isso que a tomada de consciência no Quattrocento do duplo valor histórico e artístico dos monumentos da antiguidade, não implicou a conservação efectiva e sistemática. A Roma do século XV é, nesta matéria, caracterizada por ambivalência notável.”2 Mais tarde, no período Neo‐Gótico o arquitecto, perante um problema de restauro, usa deliberadamente a sua imaginação, inventando uma nova realidade. O monumento não é recuperado de acordo com o que existe, mas sim de acordo com a sua vontade. A esta atitude chama‐se, então, de restaurar. Como foi referido, nas intervenções de recuperação dos edifícios históricos, a preocupação, não se prendia, muitas vezes, com o original. A sociedade inglesa, é a primeira a questionar‐se sobre a doutrina, o modelo e método a seguir no restauro dos seus monumentos nacionais. A dúvida estava entre o optar por uma vertente conservacionista do restauro ou intervencionista. Iniciado em Londres, este é um debate ainda actual, e que na época se tornou transversal a muitas sociedades. O arquitecto J. Wyatt introduz as campanhas de restauro num conjunto de catedrais inglesas entre 1788 e 1791. A sua atitude revela‐se fortemente intervencionista “em nome transparência, da simetria e da unidade de estilo”. Com o objectivo de transformar o espaço da catedral num espaço visual unitário, de Ocidente para Oriente, elimina, nos seus restauros, as tribunas e outros obstáculos, desloca os monumentos funerários, demole os portais “demasiado antigos” e substitui elementos tardios por elementos antigos reinventados, como uma rosácea na catedral de Durham. O reverendo Milner e o desenhador Carter, mostram‐se totalmente contra esta atitude radical de Wyatt. Escrevem artigos sobre “a devastação continuamente cometida nas nossas catedrais” e pregam uma cruzada contra “as pessoas ocupadas em pagar os vestígios da nossa antiga magnificência que, mantidos ainda intactos, não podem ser senão ridiculamente imitados e não 2
CHOAY, 2000: 44
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006 | Arcos do Teatro de Pompeia. 007 | Ilustração da transformação da Arena de Arles em Citadela 008 | Arena de Arles, estado actual 009 | 010 | Recuperação e transformação dos arcos da Arena de Arles
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007 008 009 | 010
I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente
serão nunca, indubitavelmente, igualados.”3 Ruskin4 e Morris5 retomarão esta postura de Milner contra Viollet‐le‐Duc.6 Na origem da conservação dos monumentos históricos em França está a Revolução francesa. As comissões revolucionárias, responsáveis pela manutenção de conventos, igrejas, castelos, palácios, deparam‐se com problemas técnicos e financeiros quando tentam substituir os antigos proprietários, o clero, a realeza ou os senhores feudais. Cabe‐lhes encontrar uma nova função para estes edifícios que agora detêm, pois estes perderam o uso inicial. Este processo de reutilização começou a levantar novos problemas arquitectónicos que, aliás, perduram até aos dias de hoje. Por volta de 1960 o monumento histórico é então consagrado de forma mais marcante e simbólica aquando da elaboração da Carta de Veneza em 1964. “Este documento, publicado em 1966, marca a retoma, após a 2ª Guerra Mundial, dos trabalhos teóricos relativos à protecção dos monumentos históricos, no âmbito de uma audiência internacional alargada. O primeiro texto internacional deste género tinha sido publicado em 1931, sob a égide da Sociedade das Nações e permaneceu estritamente europeu.”7 No século XIX, após a consolidação e o reconhecimento do valor do monumento histórico, surge o debate sobre o restauro e, partir dos anos vinte, aparece uma nova disciplina, a conservação dos monumentos antigos, que vem de encontro aos valores e novos sentidos então atribuídos ao monumento histórico. A revolução industrial surge no mesmo seguimento da consagração de monumento histórico. Neste sentido, na Europa, começa a surgir uma tendência de preservar e restaurar as ruínas de cidades assim como das esculturas e outros objectos que as escavações foram desvendando. Este período fez com que surgissem de forma célere, tanto em França como em Inglaterra, algumas leis de protecção. Esta realidade é abordada de diferentes formas nos dois países. 3 CHOAY, 2000: 75 4
John Ruskin, Londres 1819 – 1900. Foi escritor e ficou reconhecido como crítico de arte e crítico social britânico. Escreveu ensaios
sobre arte e arquitectura. Foi também poeta e desenhador. 5
William Morris, Essex 1834 – Londres 1896. Foi um dos principais fundadores do Movimento das Artes e Ofícios britânico e do
movimento socialista em Inglaterra. Era pintor e escritor. 6
Viollet‐le‐Duc, França 1814 – Suiça 1879. Arquitecto de formação, foi um dos primeiros teóricos da preservação do património.
Enquanto escritor e professor elaborou várias doutrinas sobre conservação. CHOAY, 2000: 111
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
011 012 | 013
011 | 012 | 013| Entretiens sur l’architecture, vol.2, Viollet‐le‐Duc, 1872. 014 | John Ruskin, Modern Painters IV, 1856. 015| John Ruskin, Ruskin Library da Universidade de Lancaster, Reino Unido. 016| John Ruskin, estudos para colunas.
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014 015 | 016
I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente
Surgindo, por oposição duas doutrinas: uma intervencionista, que tem lugar no conjunto dos países europeus; e outra anti‐intervencionista, característica de Inglaterra. As duas teorias fazem‐ se ouvir, respectivamente, em França pela voz de Viollet‐le‐Duc, arquitecto que concebeu a teoria do restauro, e em Inglaterra por John Ruskin o pai da conservação. Estas duas teorias, totalmente antagónicas, surgem sob um clima conturbado dos monumentos históricos europeus. França, recém saída de um período de revoluções e conflitos, alterando a sua situação política, Inglaterra deixa‐se guiar pela sociedade industrial, num descuido, desinteresse que ameaçava o património. Cada autor atribui diferentes valores aos seus monumentos históricos, resultando em diferentes estratégias. França, conduz a industrialização com uma forte consciência da modernidade, com sentido de futuro, e progresso que aplicará nos seus monumentos históricos. Por sua vez, Inglaterra, mãe da industrialização, vive mais directamente ligada com as tradições do passado. Os Franceses, envolvidos com a industrialização retiram dos monumentos antigos o seu valor nacional e histórico. Para os Ingleses, o presente vive‐se de olhos postos no passado, sendo essencial a presença dos monumentos históricos. A formação dos dois autores também é muito diferente em termos, sociais, profissionais e culturais. Viollete‐le‐Duc,1814‐1879 nasceu e foi criado no seio de uma família culta e recebeu uma educação fortemente escolarizada. Começa a sua carreira num atelier de arquitectura e aos vinte e quatro anos entra para o departamento de conservação de monumentos na administração pública. Dividindo a sua carreira entre arquitecto, professor e escritor. Apesar de raízes familiares menos cultas, Ruskin, 1819‐1900, possui uma formação ampla no campo cultural. Sempre tocado pelo desejo de descobrir a essência humana. Aproveitando a sua capacidade extraordinária de percepção do mundo que o rodeia, estuda e procura conhecimentos do passado, do presente e do futuro. Sempre se interessou pelo mundo da conservação e dos monumentos. Não é possível identificá‐lo com uma profissão fixa remunerada. Formações distintas, conduziram a posturas diferentes perante o monumento histórico na hora de recuperar. John Ruskin é defensor da intocabilidade dos monumentos históricos do passado e não está sozinho nesta luta, Morris partilha a sua doutrina e juntos tentam preconizá‐la. Ruskin, defendeu, que a memória é um valor do monumento histórico, capaz de criar a história de cada obra e de um tempo. 23
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
017 | 018 019 020 021 | 022 017 | John Ruskin, Ilustração The Stones of Venice in Modern Painters ‐ 1851‐52. 018 | John Ruskin, estudo para Gneiss Roc, Ashmolean Museum, Oxford, Inglaterra. 019 | John Ruskin, ilustração arco e colunas. 020 | John Ruskin, North West Porch, São Marcos, Veneza, 1877. 021 | John Ruskin, entrada para o transepto Sul da Catedral de Rouen, França. 022 | John Ruskin, aguarela, São Marcos, Veneza.
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I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente
Assim sendo, a arquitectura é o elo de ligação com o passado, onde reside a nossa identidade e é parte integrante de cada ser humano. Vê‐se que Ruskin, reaproximando assim os edifícios do presente e do passado, não está longe de tornar a dar ao monumento histórico o valor e a função do monumento original. Ruskin, não pensa somente no edifício em si mesmo, e torna‐se pioneiro ao incluir, os “conjuntos urbanos”, na mesma categoria dos edifícios históricos a preservar. O autor defende um anti‐intervencionismo radical, consequência da sua concepção de monumento histórico. Acredita que as gerações passadas imprimiram em cada edifício um carácter sagrado. Esta passagem do tempo deixou marcas que constituem a sua essência. O aprofundar dos estudos históricos resulta numa tomada de consciência do valor do passado. Este século pensa o carácter único e insubstituível, dos acontecimentos do passado, e o cunho que imprime em cada obra.8 John Ruskin, defende a ideia de pertença dos monumentos do passado por parte daqueles que os edificaram e das suas gerações vindouras. Neste sentido afirma como ilegítima a possibilidade de lhes “tocar” pois eles não nos pertencem. Em “The Seven Lamps of architecture” o autor expõe, as suas teorias e princípios sobre o restauro e conservação arquitectónica. Numa atitude radical, identifica o restauro como “a destruição mais total que uma construção pode sofrer. O projecto restaurador é absurdo. Restaurar é impossível, tanto como dar vida a um morto.” Defende a teoria de conservação, que acredita estar profundamente ligada ao momento da concepção da obra arquitectónica. Para ele, o arquitecto, ao eleger determinados materiais e técnicas construtivas, deve estar consciente que isto determinará a vida da obra ao longo dos séculos, assim, antecipando, a vida do edifício. A conservação deve corresponder à durabilidade 8
“Devemos “ter em conta a grande modificação que se insinuou no mundo, transformando a natureza do seu sentimento e do seu
conhecimento da história […]. Os nossos antepassados representavam tudo o que tinha todo lugar no passado exactamente como esses mesmos factos lhe teriam aparecido na sua própria época. Eles julgavam o passado e os homens do passado de acordo com os critérios da sua própria época. E esses tempos antigos estavam tão recheados que eles não tinham qualquer tempo livre para especular a cerca dos desenvolvimentos do passado ou do futuro. Vale a pena sublinhar como a situação é agora diferente. A tomada de consciência cada vez mais forte do presente, mostrando‐nos mesmo o quanto os homens, aparentemente animados pelas mesmas paixões que nós, eram, na realidade, diferentes […], essa tomada de consciência, sublinhando inteiramente essa diferença ligou‐nos, contudo, ao passado de tal maneira que ele faz hoje parte integrante da nossa vida e mesmo do nosso próprio desenvolvimento. Este facto, ouso afirmá‐lo, nunca tinha acontecido antes. É um facto completamente novo […]. Repito‐o, nós os que pertencemos a este século, fizemos uma descoberta impossível para as idades precedentes, dito de outra forma, nós sabemos a partir que nenhum novo esplendor, nem nenhuma obra moderna podem substituir‐nos a perda de um trabalho antigo, que é uma autêntica obra de arte”” The Builder, artigo sobre “The restauration of ancient buildings”, 28 Dezembro de 1878. CHOAY, 2000: 130
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024 025
023 | John Ruskin, desenho de Aldeia Italiana, 1845. 024 | John Ruskin, The Ducal Palace, Veneza. 025 | John Ruskin, Ruskin Library da Universidade de Lancaster, Reino Unido.
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dos materiais com que o objecto arquitectónico foi concebido. Este princípio, utilizado no momento da sua criação, deve ser o mesmo que acompanha o edifício ao longo da sua vida. Ruskin, clarifica três etapas ao longo da vida de um edifício: o início, que corresponde à altura da sua construção; a história, que é o período de vida da obra; e um fim, sem possibilidade de restauro. O autor, encontra no restauro a impossibilidade de fazer renascer um tempo passado a que o edifício pertenceu, bem como a dificuldade de identificação plena com o artista que o produziu. A ideia do restauro é vista como uma mentira, uma tentativa de subverter a autenticidade dos princípios que constituíram o edifício. O seu historicismo, e a vontade de manter autentica a vida de cada edifício, leva‐o a afirmar que o restauro é “[…] la más absoluta destrucción que un edifício pueda sufrir: una destrucción tras la cual no quedan restos que reunir: una destrucción que se acompaña con falsas descripciones de lo destruído.”9 Defende que a conservação deve ser um processo contínuo, de responsabilidade da população em geral e não unicamente do arquitecto. Entende que, necessariamente, uma intervenção de restauro resulta de uma má utilização dos monumentos, de descuidos e desinteresse pela herança do passado. Para que esta atitude anti‐intervencionista não culmine na ruína dos monumentos, Ruskin e Morris “preconizam a sua manutenção e admitem que se os consolide, com a condição de ser de forma invisível.”10 Ruskin dirige uma crítica aos Franceses acusando‐os de “antes de mais, negligenciar os edifícios, para depois os restaurar em seguida”, assertivamente afirma “tomais convenientemente conta dos vossos monumentos e não tereis de os restaurar em seguida.”11 Ao homem cabe a simples tarefa de o proteger e conservar para gerações vindouras. Neste processo, o edifício adquire características próprias como a patine dos anos, defendida por Ruskin como símbolo de beleza e marca da acção, inevitável, do tempo. O restauro, destruiria esta memória, apagando estes sinais da história, para além de modificar a fisionomia adquirida pelo tempo, não passaria de um falsear da realidade. “la memoria que no puede ser violada es la memoria que tiene un valor pedagógico: es decir, que permite la transmición de la civilización.”12 9
RUSKIN, cit JUSTICIA, 2008: 235
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CHOAY, 2000: 131
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RUSKIN, cit CHOAY, 2000: 131 JUSTICIA, 2008: 238
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026 | Ilustração do exterior do Cristal Palace, colecção de John D. Crimmins. 027 | Ilustração do interior do Cristal Palace.
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Não confundamos a sua postura como defensora da ruína. Ele apenas pretende que o edifício encontre o seu fim longe da mentira e da falsificação que diz provocar o restauro. Associava o restauro à destruição de uma memória passada, o edifício só deve durar aquilo que a sua natureza permita. ”Lo que llama restauración no es más que el peor modo de destrucción [aforimo 31]. No nos engañemos en asunto tan importante; es imposible, tan imposible como rescucitar a los muertos, restaurar algo que haya sido grande o bello en arquitectura.”13 Exprime bem a sua postura no artigo sobre o Crystal Palace.14 Entendendo a arquitectura como uma arte perene no tempo, os autores condenam o restauro. O revivalismo é aceite como uma realidade incontornável, e os edifícios antigos, intocáveis, passam a fazer parte do dia‐a‐dia. Esta doutrina Ruskiana de conservação dos monumentos, difunde‐se por toda a Europa opondo‐ se ao pensamento restaurador de Viollet‐le‐Duc. Conforme supra referido, em França, na doutrina do restauro destaca‐se a figura de Viollet‐le‐ Duc. Racionalista, é o autor da primeira teoria sobre o restauro arquitectónico, pondo‐a em prática através de projectos seus de recuperação. A sua postura constrói‐se com base nos conhecimentos da recuperação efectuada a partir período medieval. Reconhecer o valor arquitectónico dos monumentos do passado conduz a sua postura intervencionista. O espírito pioneiro francês em relação à implementação de leis de protecção do património, bem como o meio erudito onde se insere, ajudam‐no no desenvolvimento das suas teorias. Diametralmente oposto às práticas de conservação de Ruskin, Viollet‐le‐Duc afirma a sua postura intervencionista nas operações que faz em monumentos franceses e nos seus artigos sobre esta temática. Defende que o restauro far‐se‐á através de uma analogia a partir dos fragmentos do passado. Para melhor se conhecer a sua postura perante a problemática do restauro é necessário recorrer à definição do seu Dictionnaire raisonné de l’Architecture française du XIe au XVIe siécle, 13
RUSKIN, cit JUSTICIA, 2008: 236
14
Ruskin “proíbe que se toque no monumento, “salvo na medida em que possa ser necessário consolidá‐lo ou protege‐lo […] essas
operações necessárias limitam‐se a substituir pedras novas às usadas no caso em que estas ultimas sejam absolutamente necessárias para a estabilidade do edifício; a escorar com madeira ou metal as partes susceptíveis a darem de si; a fixar ou cimentar no seu lugar as esculturas prestes a soltarem‐se; e, de modo geral, a arrancar as ervas daninhas que se inserem nos interstícios das pedras e a soltar as condutas de escoamento. Mas, nenhuma escultura moderna ou nenhuma cópia deve ser misturada com as obras antigas, nunca, quaisquer que sejam as circunstâncias”, op. cit. IX, P112, itálicos de Ruskin” CHOAY, 2000: 131
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
028 | 029
030 | 031
032 | 033 034 | 035
028 | 029 | 030 | 031 | Viollet‐le‐Duc, desenhos do Dictionnaire raisonné de l’Architecture française du XIe au XVIe siécle, París, 1854‐ 1868. 032 | Viollet‐le‐Duc, projecto para a Palais des Papes, Avignon, França. 033 | Viollet‐le‐Duc, projecto de uma sala de concertos, 1864, in Entretiens sur l’Architecture, expressando os princípios góticos. 034 | Viollet‐le‐Duc, perspectiva da ideal igreja gótica. 035 | Viollet‐le‐Duc, desenho para o Mausoléu da Duquesa de Alba, 1867, Médiathèque de l'architecture et du Patrimoine, Paris.
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París, 1854‐1868,onde define a palavra restauro da seguinte forma: “La palavra y la acción son modernas. Restaurar un edifício no es conservarlo, rehacerlo o repararlo, es restituirlo a un estado completo que puede que no haya existido jamás.” Acrescenta ainda que o arquitecto no momento da recuperação deve colocar‐se no papel do arquitecto primitivo do monumento e intervir de acordo com os seus princípios tentando alcançar a sua forma de pensar. Viollet‐le‐Duc, acredita que se este arquitecto medieval voltasse aos dias de hoje restauraria de acordo com as necessidades, engenhos e regras que tem ao seu dispor, pois o seu pensamento é ser racional e actual.Tal definição reflecte, claramente, uma postura intervencionista, reformadora e de mudança perante o restauro. Por oposição, Morris define o restauro: “preservar os edifícios antigos significa conservá‐los no próprio estado em que nos foram transmitidos, reconhecível, por um lado, enquanto relíquias históricas, e não como as suas cópias e, por outro lado, enquanto obras de arte executadas por artistas que teriam sido livres para trabalhar de outra forma se assim o tivessem desejado.”15 Os restauros de Viollet‐le‐Duc reflectem intervenções de correcção muitas vezes consideradas agressivas. Em sua defesa, nos textos onde descreve a diversidade a que estavam sujeitos os edifícios religiosos do século XIII, o autor afirma: ““todos originários do mesmo princípio”, grande família em que cada membro possui, no entanto, “um carácter de originalidade bem cavado”, em que “ se sente a mão do artista, se reconhece a sua individualidade”.”16 Para o autor o principal problema na hora de restaurar reside nos edifícios com diferentes estratos temporais, na decisão de qual(ais) o(s) período(s) que deve(m) prevalecer no restauro. É um diálogo entre estética e história. “Si es necesario restaurar no sólo las partes primitivas, sino las modificadas, ¿es necesario no tener en cuenta la última y restablecer la unidad de estilo alterado o reproducir exactamente el conjunto con las modificaciones posteriores? Es entonces cuando a adopción absoluta de una de las dos opciones puede ofrecer peligros y cuando, por el contrario, es necesario – sin admitir ninguno de los dos principios de manera absoluta – actuar en razón de las circunstancias particulares.”17 Para Ruskin, é nossa obrigação manter vivos os edifícios do passado, sem deixar que o tempo actue sobre eles como factor modificador. Por sua vez, Viollet‐le‐Duc, apela ao restauro pois encarou o seu falecimento. Viollet‐le‐Duc, vive de olhos postos no futuro e acredita ser este o 15
MORRIS, in The Builder, cit CHOAY, 2000: 131
16
CHOAY, 2000: 131 e 132
17
VIOLLET‐LE‐DUC, cit JUSTICIA, 2008: 231
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036 | 037
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040 | 041
042
036 | Catedral de Notre‐Dame, Paris. 037 | Viollet‐le‐Duc, projecto para a pintura das paredes e decoração das capelas da Catedral de Notre‐Dame, Paris, 1870. 038 | Viollet‐le‐Duc, ilustração da Catedral de Saint‐Sernin de Toulose. 039 | Catedral de Saint‐Sernin de Toulose. 040 | Viollet‐le‐Duc, ilustração do Castelo de Pierrefonds 041 | Castelo de Pierrefonds. 042 | Muralhas da cidade de Carcasone.
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caminho do restauro. Esta visão reflecte‐se numa atitude restauradora intransigente, voltada para a intervenção sempre que necessária. Para o autor, “Um edifício não se torna “histórico” se não na condição de ser entendido como pertencendo simultaneamente a dois mundos, um presente e imediatamente dado, o outro passado e inapropriável”18, assim sendo deve‐se assumir com a mesma importância tempos diferentes sem viver a nostalgia do passado. São exemplo de intervenções suas: os primeiros trabalhos em Vezeley, na catedral de Notre‐Dame de Paris ou a Catedral de Amiens, Saint‐Sernin de Tolouse, o Castelo de Pierrefonds ou as Muralhas da cidade de Carcasone. O autor deixa um grande legado na cultura arquitectónica Francesa. A posição anti‐intervencionista de Ruskin, pretende tornar intacta a patine adquirida pelos monumentos históricos ao longo dos anos. Tenta reparar os edifícios com o mínimo de intervenção possível contrariando a posição radical de Violet‐le‐Duc. Ruskin, defende a intervenção na única perspectiva de não deixar cair os edifícios. Estes pertencem a um tempo e a um espaço marcado pelos homens, no qual não se deve tocar; e são entendidos, em primeiro lugar, como objecto de arte. Por oposição, em França, o monumento histórico é visto antes de mais como um objecto histórico, que deve ser analisado racionalmente. O lado afectivo de ruína virá a posteriori, a par da sua condição de obra de arte. Os Franceses defendem uma intervenção através do restauro fiel, que se torne parte integrante do edifício de forma a tornar‐se indetectável. Valorizam “a memória histórica relativamente à memória afectiva.”19 Entre Ingleses e Franceses, como já foi referido, as doutrinas divergem: os Franceses dirigem‐se para a museologização dos monumentos históricos através do restauro de alguns edifícios, atitude fortemente criticada pelos ingleses. Ruskin, implementa, pratica e difunde a sua doutrina unicamente em Inglaterra. Os princípios intervencionistas de Viollet‐le‐Duc iniciam‐se em França mas a Europa começa a admirar e mostra‐se disponível para os adoptar.20 Ruskin e Viollet‐le‐Duc, teceram as primeiras teorias sobre os métodos de conservação e restauro dos monumentos históricos. São os fundadores de uma primeira geração crítica e reflexiva perante a problemática do restauro. Ambos os autores têm como objectivo final, proteger os monumentos do passado. A postura interventiva de Viollet‐le‐ Duc, pretende prolongar a sua existência, o conservadorismo de Ruskin pretende torná‐los intocáveis para que não se perca a sua autenticidade. 18 CHOAY, 2000: 133 19
Idem: 135 Principalmente os países de língua alemã e na Europa Central.
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Após a tomada de consciência do valor histórico e artístico dos monumentos, o debate sobre o restauro continuará durante vários anos ao longo do século XIX. Por se tratar de um tema inacabado, seguiu‐se, no final do século, uma reflexão crítica sobre o assunto. A aceitação da doutrina de Violet‐le‐duc, começa a ser ameaçada por um novo método de restauro. Este, graças aos progressos da arqueologia e da história da arte, torna‐se mais ponderado, moderado, e consequentemente mais reflexivo. Surge o restauro científico, defendido por Camilo Boito21, e o restauro histórico, formulado por Luca Beltrami22. Ambas as teorias sustêm a ideia de que cada obra de arte é singular, é um feito diferente e acabado. Pondo de parte a teoria de Viollet‐le‐Duc, de restaurar por analogia a outros elementos arquitectónicos. Apesar de hoje em dia, a sua obra não ser manifestamente reconhecida, a não ser no seu país de origem, Itália, Boito defendeu apaixonadamente esta nova posição.23 Camillo Boito, 1835‐1914, arquitecto, engenheiro e historiador de arte, alarga a sua formação em Itália, Alemanha e na Polónia. Ensina e pratica a arquitectura e o restauro dos edifícios antigos em Milão. Pela sua formação é‐lhe permitido dialogar entre as artes e a técnica. Boito situa‐se entre a doutrina de Viollet‐le‐Duc e Ruskin, tentando retirar o melhor de cada uma, para formular a sua posição. Assim, tenta conciliar o radicalismo de Ruskin, com a possibilidade de restauro. Reprova a ideia de que um edifício está condenado a um final de ruína através do passar do tempo, acreditando que pode reverter este processo utilizando os devidos instrumentos técnicos. Contradiz a doutrina francesa ao opor‐se à reconstrução falseada de peças arquitectónicas, bem como a eliminação dos diferentes estilos históricos na mesma obra, defendendo a autenticidade histórica de cada monumento. Em 1883, enuncia, no Congresso de Engenheiros e Arquitectos Italianos, os princípios fundamentais da sua teoria da conservação e do restauro ‐ “Restaurare o Conservare” ‐ dos monumentos históricos, que se baseiam em quatro pontos.24 Estas directrizes acabam por ser 21
Camilo Boito, 1835‐1914. Arquitecto, engenheiro e conceituado historiador de arte italiano.
22
Luca Beltrami, Milão 1854 ‐ Roma 1933, foi arquitecto do parlamento italiano.
23
“Na sua Storia dell’architecttura moderna, Turim, Einaudi, 1951, Bruno Zevi faz de Boito um Herói nacional e concede‐lhe o lugar de
pioneiro que recusa a Giovannoni. Para a bibliografia crítica de Boito, cf. C. Ceschi, Teoria e storia del restauro, Roma, Bulzoni, 1970.” CHOAY, 2000: 136 24
“1. Los monumentos son válidos, no sólo para el estudio de arquitectura, sino también como documentos de la historia de los
pueblos y, por ellos, deben, ser respetados, puesto que sus alteraciones conducen a engaño y a deducciones erróneas. 2. Los monumentos deben ser consolidados antes que reparados, reparados antes que restaurados, evitando añadidos y renovaciones. 3. Cuando los añadidos sean indispensables, por razones de estática u otros motivos de absoluta necesidad, deben realizarse sobre datos
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integradas na lei italiana em 1909. Quando G. Giovannoni25, na Conferência de Atenas se refere ao “restauro italiano dos monumentos em Itália” mostra‐se totalmente solidário com as teorias de Boito. Em 1893, em Questioni pratiche di belli arti, Boito elabora a sua teoria através da voz de dois técnicos. Um representa as ideias intervencionistas de Viollet‐le‐Duc e outro ‐ alter‐ego de Boito, com posição semelhante a Ruskin e Morris ‐ critíca o anterior. As teorias de Boito assumem grande importância na formulação de legislação italiana sobre a conservação dos monumentos antigos. Contudo, estes princípios difundem‐se lentamente e só em 1931, aquando da Conferência Internacional de Atenas para o Restauro, estes princípios são valorizados. Os métodos tornaram‐se insuficientes e obsoletos aquando da vasta destruição causada pela Segunda Guerra Mundial. Boito “deve a Ruskin e a Morris a sua concepção de conservação dos monumentos, fundada sobre a noção de autenticidade. Não se deve apenas preservar a patine dos edifícios antigos, mas também os acrescentos sucessivos de que o tempo os carregou: verdadeiros estratos comparáveis ao da crosta terrestre, que Viollet‐le‐Duc condenava sem escrúpulos.”26 Não obstante, contra Ruskin e Morris, mostra‐se solidário com a posição de Viollet‐le‐Duc sobre a sobreposição do presente em relação ao passado, defendendo a legitimidade do restauro. Acreditava que este deveria ser o último recurso, quando todos os outros métodos de salvaguarda dos monumentos – manutenção, consolidação, reparação – não foram capazes de suprir as necessidades. O restauro torna‐se uma mais‐valia quando o edifício caminha para a destruição e sem ele não será capaz de resistir no tempo. Alcançar um estado intermédio entre as duas teorias antagónicas sobre o restauro, introduz alguma complexidade ao tema. Segundo o autor, para se iniciar o processo de restauro, deve‐se, antes de mais, encontrar no edifício a sua pertinência, necessidade, e importância da intervenção. Depois de concluída a sua indispensabilidade, este deve ser assumido claramente para se tornar legítimo. O trabalho de restauro deve sobressair do edifício em si mesmo, deve fazer‐se realçar a falta de autenticidade para que não se caia na tentação de um mimetismo impossível de alcançar. absolutamente ciertos y con caracteres y materiales diferentes, pero conservando en el edificio su aspecto actual y su forma arquitectónica, artística y pintoresca. 4. Los añadidos realizados en épocas anteriores, se deben considerar partes integrantes del monumento y, en consecuencia, deben ser mantenidos, salvo en aquellos casos en que enmascaren o alteren su aspecto.” JUSTICIA, 2008: 242 25
Gustavo Giovannoni, Roma 1873 – 1947. Foi um arquitecto e engenheiro italiano.
26
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Este processo pode ser levado a cabo de diferentes formas: “materiais, diferente cor do monumento original, aposição sobre as partes restauradas de inscrições e de sinais simbólicos precisando as condições e as datas das intervenções, difusão, local e na imprensa, das informações necessárias e, em particular, de fotografias das diferentes fases das operações e conservação na proximidade do monumento das partes eventuais a que o restauro se substituiu.”27 Boito, defende que cada intervenção num monumento histórico deve ser identificada pelo seu estilo, e pela técnica aplicada em cada um. Neste sentido propõe três tipos de intervenção de acordo com o estilo e a idade dos edifícios em questão. Um para os monumentos da Antiguidade, onde a preocupação maior deve passar pelo rigor científico e, quando necessária a intervenção, esta deve cingir‐se a uma reconstituição volumétrica não entrando em detalhes de ornamentação. Outro para os monumentos góticos, onde o restauro deve incidir, na base da obra, no seu “esqueleto”, deixando tudo o que é acessório, estatuária e decoração, ao sabor do efeito do tempo. Por fim, um terceiro tipo para os monumentos clássicos e barrocos, onde a intervenção deve ser vista como um todo. As directivas para a formulação da sua doutrina sobre o restauro assentam nos conceitos de autenticidade, de hierarquia de intervenção e de estilo restaurador. As suas regras aprofundaram‐ se e clarificaram‐se com os processos de restauro elaborados depois dos conflitos armados desde a Primeira Guerra Mundial, associados ao desenvolvimento técnico desses tempos. Contudo, na sua génese, permanecem válidas. Como foi referido Luca Beltrami, 1854‐1933, contemporâneo de Camillo Boito, defende o restauro ligada à intervenção inovadora apelidada de Restauro Histórico. Homem de poucas teorias reflecte, e escreve sobre projectos concretos. Parte da sua formação académica dá‐se em Paris, daí o seu apoio à teoria da analogia defendida por Viollet‐le‐Duc. Numa atitude muito racional apoia‐se sempre num rigoroso conhecimento histórico para enquadrar espacial e temporalmente o edifício em questão. Associado ao conhecimento histórico privilegia o reconhecimento das motivações do arquitecto que o projectou e da função que deveria cumprir. Com esta preparação prévia antes do restauro, Beltrami tenta encontrar a medida justa que não corrompa a autenticidade da obra, sem ter que ser necessariamente uma recuperação do original. 27 CHOAY, 2000: 138 36
I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente
O autor discorda de Ruskin, encontrando no restauro um processo positivo para fazer perdurar a obra no tempo diminuindo o seu desgaste e opondo‐se à ideia que a patine dos anos e o seu processo natural de degradação conferem ao edifico uma beleza natural. No acto de reabilitar, Luca Beltrami, baseia‐se unicamente na observação directa do monumento adoptando para cada caso uma atitude. A observação directa do monumento sobrepõe‐se às fontes de conhecimento indirectas. Beltrami, encontra o valor máximo da obra no seu valor artístico, sobrepondo‐o a todos os outros. Estes últimos devem ser analisados em favor do primeiro. Descoberto este valor artístico sobre todos os outros, o restauro deve recuperar restituindo à obra de arte todos os elementos figurativos que emprestem à obra a sua singularidade, resgatando a sua verdadeira forma. Quando o grau de destruição for demasiado elevado não será possível fazer a sua reprodução, defendida por Viollet‐le‐Duc, pois para Beltrami o acto criador é único e irrepetível. Desta postura resultam alguns princípios28 que se opõem ao método defensor da historicidade dos monumentos, ainda que sem negar o seu valor artístico. Em suma, para Beltrami, nas obras arquitectónicas destaca‐se o valor figurativo. Assim, o restauro é um acto criador, que confere ao edifício a sua individualidade. Todo este processo sem inventar nenhum componente do espaço, servindo‐se dos elementos que tem ao seu dispor, que a arquitectura lhe fornece. A aplicação das teorias de Boito e Beltrami dá‐se já no século XX. Refira‐se ainda que, como uma das figuras emblemáticas do restauro do início do século XX em Itália, está Gustavo Giovannoni. Partindo da doutrina positivista de Boito, acredita ser impossível fundar o estudo da arquitectura no simples valor estético. A arquitectura engloba a história de vários tempos. Assim, é essencial o estudo de todos, a bagagem histórica que está por detrás de uma obra para que se alcance um conhecimento global da mesma. Antes de qualquer valorização estilística, o monumento é parte integrante da história, é um documento palpável que não deve ser deixado ao sabor de conceitos estilísticos hipotéticos.
28
“1. Eliminar las superposiciones y añadidos – incluso apreciables y de valor testimonial – que pueden dañar y desgastar la integridad
arquitectónico figurativa, alterando así su visión – Imagem | 044; 2. Proibir las reconstrucciones allí donde las destrucciones hayan causado la pérdida de la unidad figurativa; 3. Legitimar las reconstrucciones, con la de que sean realizadas sobre datos absolutamente seguros y no sean reconstrucciones sustanciales, porque entonces afectarían a la condición de irrepetibilidad que toda obra de arte lleva consigo. De esta forma, completando las partes que falten, se podrá restituir la visión completa.” JUSTICIA, 2008: 246 e 247
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043
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043 | Santa Maria in Cosmedin, Roma, adaptada no séc. XVIII, com a fachada de Giuseppe Sardi 044 | Santa Maria in Cosmedin, Roma. Retoma‐se o seu aspecto primitivo medieval, aplicando os critérios positivistas da “restauro histórico”.
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I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente
Giovanonni tenta “crear una normativa en equilibrio sutil entre las exigencias de la verdad histórica y los problemas de la naturaleza estética que la obra plantea.”29 O autor estabelece ainda uma distinção entre monumentos mortos, incapazes de cumprir a sua função, e monumentos vivos que satisfazem necessidade do presente e que cumprem uma função. Divide esta última categoria em maior e menor, e poderiam ser restaurados através de consolidações e recomposições. Concentra todos os seus escritos e teorias elaboradas enquanto docente, estudioso e teórico em “I restauri dei monumenti”. A sua doutrina teve grande relevo no primeiro documento internacional do restauro, “A carta de Atenas”. Em Itália este documento dá origem à “Carta del Restauro 1932”, consagrando as ideias de Giovanonni, uniformizando o método e fornecendo um guia para todos os arquitectos. As suas teorias foram postas em prática durante os períodos de recuperação após as duas Grandes Guerras Mundiais. Durante o período do século XX, para se exercer de forma mais consciente a conservação e o restauro dos monumentos históricos, exigiu‐se um maior conhecimento científico e técnico, relacionado com a constituição dos materiais. Este saber, deveria estar sempre associado ao conhecimento rigoroso da história da arquitectura. A intervenção de técnicos especializados em monumentos históricos exige não só um rigoroso conhecimento histórico, técnico e metodológico como também uma doutrina capaz de fazer conviver estes saberes com o conhecimento prático na hora da intervenção. Neste sentido, urge a necessidade de formular documentos que estabeleçam princípios, internacionais para a salvaguarda do património, já referidos pontual e sumariamente ao longo do texto.
29 JUSTICIA, 2008: 282 39
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
As Cartas A tomada de consciência da importância da protecção do património arquitectónico ao longo do século XX é assinalada em 1931 com a elaboração da Carta de Atenas, onde são consagrados princípios, internacionais, continentais e nacionais para a salvaguarda do património. É importante o conhecimento destes textos para elaborar projectos de restauro, contudo, há várias questões que se levantam aquando da sua interpretação. “…existe una tendencia bastante generalizada entre grande parte de los teóricos de la restauración a desconfiar de estas normas escritas.”30 Tal facto baseia‐se na necessidade que estes sentem em aplicar uma reflexão e um juízo, antes da aplicação de regras num trabalho de restauro. As cartas estruturam uma base de conhecimento prévio, pois cada obra é singular, necessitando de métodos próprios. A dificuldade, muitas vezes, reside na falta de uma base de conhecimentos arquitectónicos que permita interpretar, reflectir e apreciar os princípios ditados pelas cartas. A Carta de Atenas, de 1931, é um documento internacional elaborado no âmbito da conferência de Atenas. A carta reúne um conjunto de princípios de maior importância no âmbito do restauro constituindo um ponto de viragem no restauro europeu. Nesta primeira conferência internacional sobre o restauro, realizada em Atenas, estabelecem‐se e redigem‐se, pela primeira vez, princípios aceites por todos os países que guiarão o processo de restauro com um mesmo fio condutor, resultando num entendimento generalizado. Em dez artigos, a carta aglutina os critérios do restauro moderno. No primeiro artigo, a carta consagra o interesse comum dos Estados na conservação do património arquitectónico e artístico. A Comissão Internacional de Cooperação Intelectual passa a ser o organismo competente para avaliar o processo de restauro de cada intervenção. No artigo II reprovam‐se as restituições integrais, salvaguardando o respeito por todas as épocas históricas, tentando, sempre que possível, manter o seu uso inicial. Se tal não for possível, deve respeitar‐se o carácter histórico e artístico no novo uso a aplicar. Cada estado deverá resolver todos os problemas que resultem de conflitos público/privados. Não esquecendo, porém, que o monumento é sempre considerado um bem público, sobrepondo‐se este ao interesse privado, princípio consagrado no artigo III. No artigo IV, prevê‐se, sempre que possível, a reconstituição de elementos originais, bem como a utilização de novos materiais e sistemas construtivos, em particular o betão armado, uma vez que 30
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não se altere o aspecto externo do edifício – artigo V. Existem ameaças exteriores de várias ordens, o que conduz à interdisciplinaridade ‐ física, química e ciências naturais – necessária na hora de restaurar, sendo publicados os resultados obtidos em publicações internacionais – artigo VI. Aconselha‐se a não instalação de publicidade e indústrias ruidosas junto do centro histórico, uma vez que estas normativas podem ser entendidas mais além da protecção do monumento histórico e artístico, abrangendo também o centro histórico – artigo VII. A carta no seu oitavo artigo, alerta para a importância de elaborar inventários nacionais acompanhados com material gráfico, e criar arquivos nacionais com a documentação referente aos monumentos históricos, publica‐los no âmbito nacional. O artigo X aborda as questões de protecção da obra de arte, incumbindo os educadores a incutir bons hábitos de conduta de protecção das obras de artes nos mais novos uma vez que as obras de artes vêm do afecto e do respeito do povo. A Carta de Atenas teve grande impacto e repercussão em toda a Europa, estabelecendo princípios internacionais e muitos ainda vigoram hoje em dia. Este texto deu origem a inúmeras legislações nacionais e europeias. Em Itália, Gustavo Giovannoni, propôs uma reelaboração, a Carta do Restauro, que conferia mais importância aos elementos documentais que aos aspectos formais. Itália assumiu a posição de vanguardista na área do restauro. Do II Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos dos Monumentos Históricos, realizado em Veneza, resulta a elaboração de uma nova carta do restauro, A Carta de Veneza de 1964 – Carta Internacional para a Conservação e Restauro de Monumentos. Reconhecendo a importante função da Carta de Atenas, a Carta de Veneza vem reforçar a ideia de manutenção do passado e dos edifícios da humanidade, assumindo que as regras devem ter um carácter internacional. A Carta renova‐se, essencialmente, no artigo I, onde se estabelece agora um novo conceito de monumento histórico mais ampliado. Enquanto que na Carta de Atenas se fala em “monumentos artísticos e históricos, obras emblemáticas nas quais a civilização encontrou a sua mais alta expressão e que apareçam ameaçadas”, a Carta de Veneza refere “[…] la noción de monumento histórico comprende tanto la creación arquitectónica aislada, como el ambiente urbano o paisajístico que constituya el testimonio de una civilización particular, de una evolución significativa de un acontecimiento histórico. Esta noción se aplica no sólo a las grandes obras, sino también a las obras modestas que, con el tiempo, hayan adquirido un significado cultural.”31 31
JUSTICIA, 2008: 376
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045 | Museu do Louvre, Paris, França.
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045
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Neste sentido, a carta de Veneza assume um maior carácter de conjunto, valorizando todo o enquadramento ambiental do objecto arquitectónico. A nova carta refere, em conformidade com a Carta de Atenas, a importância da junção dos vários saberes ao serviço do restauro ‐ artigo II. Especifíca em que situações se deve recorrer à utilização de materiais e técnicas modernas, quando a ciência e a experiencia tenham demonstrado a sua eficácia e quando as técnicas tradicionais resultem inadequadas – artigo X. Embora, e à semelhança da Carte de Atenas, a Carta de Veneza não tenha tido valor legislativo, reflectem‐se os seus efeitos nas práticas do restauro praticados em diferentes obras. Estes escritos mostram uma visão tradicional do restauro. Com a ampliação do conceito de património arquitectónico, a Carta de Veneza deixa de ser capaz de solucionar algumas questões na arquitectura contemporânea, industrial, vernácula bem como em jardins e centros históricos. Neste sentido, surge a necessidade de elaborar novos documentos que respondam a estas novas necessidades, como a Carta de Toledo de 1986, que consagrava a conservação das cidades históricas. “O culto prestado hoje em dia ao património histórico exige, pois, mais do que uma verificação de prazer. Exige um questionário, uma vez que ele é revelador, negligenciado e, contudo, incontestável, de um estado da sociedade e das questões que nela existem.”32 Os arquitectos fazem sobressair o direito à criação artística. Anseiam deixar a sua marca na cidade, assim como fizeram os seus antecessores. Negam a possibilidade de viver na sombra das cidades históricas, relegados para o historicismo. Invocam, em sua defesa, que ao longo da história da arquitectura se verificam exemplos de saudável convivência entre edifícios de diferentes tempos, e que se articulam e justapõem na mesma cidade. Como marca desta realidade e a fazer história da arquitectura, desde a época romana ao gótico flamejante ou ao Barroco, são legíveis e destacam‐se as diferentes partes dos grandes edifícios religiosos europeus: catedrais de Chartres, de Nevers, de Aix‐en‐Provence, de Valença, de Toledo. Neste sentido as cidades constituem‐se pela “diversidade estilística das suas arquitecturas e dos seus espaços, que não devem ser travados por uma conservação intransigente, mas continuados: é o caso da pirâmide do Louvre.”33 A sedução de uma cidade como Paris resulta da diversidade
32
CHOAY, 2000: 11 Idem: 15
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estilística das suas arquitecturas e dos seus espaços, que não devem ser travados por uma conservação intransigente, mas continuados.
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II Intervenção como Transformação Formal
II | Intervenção como Transformação Formal
II | Intervenção como Transformação Formal O Medo da Mudança As exigências da sociedade contemporânea obrigam o arquitecto a repensar o modo de habitar, a escala de cada espaço, bem como a possibilidade de adaptação ao longo dos anos. Consequentemente, num processo de reabilitação, a abordagem ao projecto deve ser feita com a consciência da história do lugar, mas sem constrangimentos a priori de uma protecção obsessiva do que é antigo. A cultura arquitectónica tradicional dificulta o diálogo entre o novo e o velho. O medo de corromper a memória faz com que o acto de projectar e transformar cidade consolidada seja temido. A atitude historicista conservadora torna‐se mais fácil pelo facto de não levantar questões de permanência e destruição, contudo não deixa que a cidade evolua, cresça e se mantenha actualizada. Negam‐se novas necessidades funcionais e a preexistência é sobre valorizada sem que se verifique a sua actualidade. É como se o factor tempo conferisse de imediato qualidade à arquitectura negando, ab initio, a evolução. “A história das cidades dá‐nos conta de quanto hoje é actual construir no construído, e no entanto, em nenhum período da história o homem teve tanto medo como na actualidade, de realizar, à imagem das suas ideias e vontades as diferentes formas, que ao longo do tempo, essas mesmas adquiriram.”34 Numa sociedade reactiva a poucos interessa a qualidade da arquitectura e generaliza‐se a protecção pouco criteriosa e incondicional do que é antigo. “Por uma ideia falseada de Património se se mexe numa igreja há um escândalo, mas um edifício feio e mal projectado passa despercebido.”35 Os valores arquitectónicos do presente prendem‐se com razões de ordem sentimental que muitas vezes nada tem que ver com a verdadeira qualidade do objecto em si mesmo. Ao longo da história verificaram‐se as mesmas angústias e anseios vividos pelo homem contemporâneo.36 34
CANNATÀ, FERNANDES, 1999: 7
35
SOUTO DE MOURA, 2002 cit. ESPOSITO, LEONI, 2003: 7
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Aquando do incêndio do Parthenon de Agrippa, em Roma, Adriano não se limita a uma conservação construindo um novo
Parthenon. Defensores de uma atitude conservadora, os juízes condenam Adriano por acreditarem existir na ruína qualidades que fariam exaltar a beleza do que um dia foi. O preconceito em relação à reconstrução verifica‐se ao longo dos tempos. Quando Carlos V
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
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046 | Parthenon de Agrippa, Roma, transformações sofridas ao longo dos anos. O homem medieval juntou uma capelinha Românica, séc. XII, já destruída. 047 | Parthenon de Agrippa, Roma, transformações sofridas ao longo dos anos. No séc. XVII Bernini construiu duas torres gémeas, já destruídas, e organizou o espaço público. 048 | Parthenon de Agrippa, Roma, transformações sofridas ao longo dos anos. Em 1893, os critérios do restauro histórico, conduziram à eliminação de tudo o que fosse original, para assim recuperar a sua imagem mais esplendorosa, conservando‐se neste estado até aos dias de hoje.
mandou construir o seu palácio Renascentista em Alhambra, surgiram muitas vozes discordantes que não foram tocados pela evolução do tempo, da história e da justiça.
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II | Intervenção como Transformação Formal
Só um espírito inovador será capaz de construir cidade e, consequentemente, a história de cada tempo. É preciso lembrar que esta cultura conservadora poderia ter eliminado da nossa história grandes obras de arquitectura, hoje dotadas de um carácter conferido ao longo dos anos. Siza, quando questionado sobre o que o preocupa quando intervém no património num centro histórico não assume uma atitude conservadora e obsessiva na protecção do mesmo. Abre‐se a novas possibilidades de construir sempre apoiado pela ideia de integridade. “me llama la atención cuando en un edificio antiguo se introducen sin criterio ni justificación fragmentos de un nuevo lenguaje; es como poner el sello de la modernidad. Creo que hay que trabajar con mas integridad al enfrentarnos con el patrimonio, lo que no imposibilita la modernización del uso del edificio.”37 Mais do que tentar encontrar regras, deveríamos falar da importância do conhecimento histórico, quer geral quer específico, do lugar para onde se projecta e da pesquisa de uma clareza construtiva capaz de conservar e controlar a complexidade do diálogo novo e antigo que legitimarão a intervenção.
El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 18
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
A Lição do Passado O forte vínculo com a tradição pode converter‐se num obstáculo à inovação. Torna‐se imperativo um conhecimento rigoroso da história, pois, contra esta, nada se pode fazer. Esta será uma condição útil para desmentir, aniquilar e contrapor a ideia de que não se pode mexer no que é antigo. A segurança advém deste estudo aprofundado para que se possam colocar novas questões e propor novas soluções. Arriscar mais na hora de projectar, “la inovación pasa inevitablemente por la tradición.”38 O posicionamento do arquitecto perante esta realidade é tão importante como o anseio de construir novo, criar e abrir novos caminhos ao futuro. É nesta simbiose que o contributo da história se figura primordial para que as novas obras nasçam de um processo de criação conhecedor e responsável. Com a história queremos, “armazenar na memória, apreender mecanismos, perceber intenções e condicionamentos para, esquecendo tudo, nos abrirmos de uma forma culta e eticamente responsável à criação escandalosamente artística, como é nosso dever.”39 Por conseguinte, existe uma ruptura entre o posicionamento do arquitecto e do historiador perante a história da arquitectura. O primeiro fá‐la renascer dotada de um espírito novo capaz de resistir no tempo e no espaço, o segundo, mumifica‐a. É de uma forte consciência do passado que se encontra a ajuda ímpar no acto de projectar. Este representa a identidade cultural e as bases para uma nova obra. O passado arquitectónico surge como segurança palpável, como caminho, como o início de um projecto de reabilitação. É através deste passado que construímos o que será o nosso futuro e é nestas experiências vividas que dimensionamos novos desafios e posicionamentos em relação à arquitectura contemporânea. É crucial que este olhar para a história seja crítico, arrojado e corajoso, só assim nos é permitido tirar partido sem cairmos no mimetismo do passado. Nunca olhar com um objectivo de cópia mas com o intuito de aprender a lição de provas dadas na história da arquitectura. Segundo Teotónio Pereira a história deve ser considerada como um instrumento operativo para a construção do presente.
El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 20
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ALVES COSTA, O lugar da História, in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos,
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II | Intervenção como Transformação Formal
Servir o real não é rejeitar totalmente a história e o que ela aporta, é, posicionarmo‐nos de forma consciente, perante novos desafios. Olhar o seu legado tentando solucionar problemáticas específicas dos dias de hoje, muitas vezes incompatíveis com formas de ontem. O homem deve estar no centro desta transformação. A história que está por detrás de uma obra de arquitectura faz surgir a nova obra conferindo‐lhe sentido e segurança. É neste processo de formação, entre presente e passado, que a obra nasce. “…uma forma real pressupõe uma vida real. Mas nenhuma vida passada é sequer pensada. Aqui está o critério. Nós não apreciamos o resultado, mas o princípio do processo de formação. Mesmo por aqui se vê se a forma foi encontrada a partir da vida ou por amor a ela mesma. Por este motivo o processo de formação é para mim tão importante. A vida é para nós decisiva. Na sua total plenitude, nas suas relações espirituais e materiais…Nós queremos abrir‐nos à vida e assumi‐ la”40 Ao longo dos tempos o homem foi‐se deparando com problemas do habitar que serviram de lição para o arquitecto contemporâneo; tudo através de uma mirada perspicaz na análise do passado. A ânsia de ser moderno, não pode esquecer referentes, nem tão pouco a sua ligação a uma memória e à história. Ter um posicionamento analítico na hora de projectar resultará numa obra em continuidade com o passado, solucionando problemas do presente antevendo o futuro. Cabe ao arquitecto fazer o melhor uso dessa memória, incluindo‐a e cruzando‐a com outros elementos contemporâneos no acto de projectar. “Assim, o sentido de contemporaneidade é um acto de autenticidade histórica em que em cada época se assinalam os seus valores próprios.”41 O arquitecto e a memória O arquitecto não está só. Toda a sua formação, ainda que muitas vezes inconsciente, resulta de um acumular de experiências, curiosidade pelo trabalho dos outros, e reconhecimento do legado histórico. Neste 40
Ludwig Mies Van der Rohe, “Zum neuen Jahrgang” in Die Form, 2, 1927, carta de Mies Van der Rohe sobre a forma arquitectónica
endereçada a Walter Riezler. ESPOSITO, LEONI, 2003: 35 41
AIRES MATEUS, Manuel, A reinvenção de um exercício, relatório de uma aula, Prova de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa – FAUTL, Lisboa 1995: 24
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
sentido, cria a sua linguagem própria. “não se pode projectar sem memória, tal como não se pode projectar sem a existência de uma relação com a vida.”42 Rodeado de grandes exemplos de arquitectura ao longo dos tempos, o arquitecto deve transportar para o futuro os ensinamentos retirados da história e torná‐los parte integrante no acto de projectar. É sua missão encontrar caminho para este jogo de conciliações. “Aprender a ver é fundamental para um arquitecto, existe uma bagagem de conhecimentos aos quais inevitavelmente recorremos, de modo que nada do quanto façamos é absolutamente novo.”43 É encontrar no passado sentido de oportunidade para uma nova arquitectura que deverá marcar o nosso tempo. Facilmente se cairia na reprodução do passado, pela segurança que daí pode advir. A capacidade do arquitecto para recuperar um edifício inovando “consiste en entrenar la forma de ver las cosas, la profundidad al mirar y observar; y eso se logra a través del trabajo continuo.”44 “O arquitecto trabalha manipulando a memória, disso não há dúvida, conscientemente mas a maioria das vezes subconscientemente. O conhecimento, a informação, o estudo dos arquitectos e da história da arquitectura tendem ou devem tender a ser assimilados, até se perderem no inconsciente ou no subconsciente de cada um.”45 O problema do [re]desenho Aos arquitectos, Távora lança um repto para encontrar o caminho conciliador entre conservação e demolição “reconquistemos a qualidade do desenho”46 Como referiu Souto de Moura “O problema de desenho não existe; existe o problema do redesenho. Desenhar deve ser um fenómeno de inteligência, e desenhar do zero é um fenómeno
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ALVES COSTA, O lugar da História, in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos,
2001: 29 43
SIZA, 1998: 139 El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 24
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SIZA, 1998: 37
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FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 40
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de estupidez, porque é perder um legado de informação disponível.”47 Neste sentido o desenho é capaz de se adaptar ao contexto em que se vai inserir potenciando‐o. Urge a necessidade de afirmação e segurança do gesto na hora de projectar “…quanto mais a forma for débil, enquanto forma arquitectónica, mais facilmente se poderá alterar e negar deixando terreno à construção de uma realidade.”48 Para Souto de Moura muitas vezes a solução está em reinventar a preexistência quase como se de uma manipulação se tratasse. O arquitecto altera a preexistência para adequa‐la ao que pretende. “… volvemos a aquella discusión sobre la verdad en la arquitectura. La verdad es siempre fea, o sea, éticamente es bonita, pero su exposición puede ser fea.”49 Resulta um reinventar da verdade e uma manipulação da história ao serviço da obra. A visão de Távora | o caso português Em Portugal, o forte vínculo com a casa à antiga Portuguesa50 deixa marcas no processo de desenvolvimento da arquitectura portuguesa fazendo com que esta sofra um atraso em relação à Europa. Os arquitectos portugueses viviam presos a raízes e preconceitos acreditando poder “criar uma arquitectura de carácter local e independente, mas de todo incompatível com o pensar, sentir e viver do mundo que a rodeava.”51 Os valores do passado impunham‐se sobre novas experiências arquitectónicas e vivia‐se da arqueologia deixando o carácter inventivo do arquitecto para segundo plano. Instituiu‐se a ideia que a simples atitude de fazer arquitectura, obedecendo a regras de composição e recorrendo ao uso de determinados materiais, seria obrigatoriamente sinónimo de boa arquitectura – arquitectura tradicional portuguesa. Estes arquitectos prenderam‐se
SOUTO DE MOURA, entrevista por Paulo Pais, cit. TRIGUEIROS, 1996: 30
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LEONI, 2003: 26 El Croquis nº146, Souto de Moura 2005 2009, Teatros del Mundo, Madrid: editorial El Croquis, 2009: 22
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“Cremos que não é necessário definir o que entendemos por Casa à Antiga Portuguesa pois, infelizmente, qualquer dos leitores liga
a estas palavras um tipo de casa, com certas características próprias, certo amaneiramento e doçura de formas, grande quantidade de pormenores inúteis de que resulta um excessivo pitoresco, uma completa ausência de dignidade, e nenhuma noção das realidades do nosso mundo.” TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 13 51
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
unicamente com questões históricas de valor sentimental e esqueceram o sentido de progresso e adaptação a novas realidades. A qualidade garantida que um certo número de regras imediatamente conferia às suas obras fez com que o hino à história e às raízes se tornasse de tal forma forte que, mais do que um auxiliar, passou a obsessão. Deixar que o acto criativo de projectar morra mesmo antes de poder nascer, é negar a essência da arquitectura por mais forte que seja o valor histórico e patrimonial do local ou objecto em questão. Este deve reflectir “um espírito próprio daquele que age sobre o mesmo material. Daí que em toda a boa Arquitectura exista uma lógica dominante, uma profunda razão em todas as suas partes, uma íntima e constante força que unifica e prende entre si todas as formas, fazendo de cada edifício um corpo vivo, um organismo com alma e linguagem próprias.”52 Segundo Távora, esta ideia de arquitectura foi negada a priori e defendeu‐se um “conceito de Arquitectura que é falso, que não corresponde a qualquer verdade portuguesa e que como tal deveria banir‐se inteiramente do mesmo modo que se procura eliminar da sociedade todo o elemento que, por mentiroso, lhe é prejudicial.”53 Conhecedor, praticante e directamente envolvido nos processos de reabilitação com “defesa de uma atitude conceptual dialogante com as formas do passado no quadro de uma continuidade arquitectónica”54, Távora envolve‐se no debate nacional acerca da preservação do nosso património arquitectónico. Quando se fala da sua destruição afirma, já “no século dezanove também se gerou o pânico... O meu pai falava disso como se fosse o Diabo.”55 Vivia‐se, em Portugal, uma época de grandes exageros, se por um lado o aumento da prosperidade conduz à inconsciência dos valores culturais, por outro, Távora afirma, “a obsessão por conservação do património quase denota falta de criatividade. Nos períodos criativos não existiu esse interesse. Há uma certa decadência nesta obsessão por conservar edifícios.”56 Visionário, Távora, defendia um conceito patrimonial arquitectónico “alargado”. Deveremos entender por Património todo o nosso território. Protegendo apenas o que, construído ou natural, demonstre real significado. “O património resulta de uma criação permanente e colectiva 52
TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 12
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Idem: 12
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FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 40 Ibidem
55 56
Ibidem
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e o próprio acto de recuperação do património tem de ser uma acto de criação e não um acto de rotina burocrática ou de capricho pessoal”57
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Távora, Fernando – património, comunicação ao | congresso da Região Norte, Porto, 1987; p. 56 FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS,
1993: 40
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
Tempos da Mesma Cidade | cidade histórica e cidade contemporânea Numa perspectiva de arquitecto criador, Távora defende que não devemos olhar para o património como algo intocável, correndo o risco de se cair na incapacidade de “fazer cidade”. Tal atitude, reflectir‐se‐á num escape ao acto de projectar, requalificar e preservar património. Se mantivermos uma postura conservadora, viveremos sempre de uma imitação do passado impedindo a renovação, actualização e crescimento das cidades. Um discurso conservador perante as novas arquitecturas pode conduzir, a um distanciamento entre cidade histórica e cidade contemporânea. Produzindo‐se uma cidade descontínua, que consequentemente, atrairá problemas de desertificação e degradação dos centros históricos. A intervenção arquitectónica em zonas históricas ou zonas de cidade consolidada suscita expectativa e pressões que conduzem muitas vezes a polémicas. Impõe‐se que o planeamento da cidade de hoje surja em continuidade com a cidade histórica, de forma a torná‐las elementos de um mesmo sistema. A época da criação deverá ser a única distância que as separa. Mais uma vez, surge a necessidade de nos sustentarmos na história para encontrar um ponto por onde [re]começar a vida da arquitectura e, naturalmente, das nossas cidades. Supera‐se o desconforto e o medo de projectar do zero e a obra nasce ajustada ao nosso tempo e ao lugar. Távora insurge‐se contra a atitude de fazer ““…moderno, muito moderno, mas fora do centro, porque na cidade antiga há que respeitar o passado”. Tal afirmação, que nos impressionou grandemente, pressupõe a cidade como espaço descontínuo e pretende que a arquitectura contemporânea é incapaz de se integrar em ambientes passados; a manter‐se o critério, a referida cidade parecerá dentro de anos qualquer coisa assim como uma múmia, envolvida por rica redoma de plástico”58 É imperativo anular a distância e o vazio que se formou entre tempos da mesma cidade. Cabe à arquitectura contemporânea, com todas as ferramentas e conhecimento que tem ao seu dispor, estreitar esta fronteira e conceber projectos que pareçam pertencer desde sempre à cidade, mas com a vantagem de colmatar necessidades actuais. O confronto deve resultar em aproximação, em continuidade com a história. A cidade deve “trabalhar” em conjunto com objectivos e princípios definidos no seu planeamento. 58
TÁVORA, 2004: 58
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II | Intervenção como Transformação Formal
Quando inicia o acto de projectar, o arquitecto dispõe de um instrumento que ajudará a sustentar a sua criação: a história. Conduzido por este princípio a obra nasce mais segura, integrada, e em estreita relação com o passado e cidade contemporânea. Alcançar o consenso é quase impossível por se tratar de um tema com significado afectivo para toda a população. Contudo, é necessário que ocorra, para que a cidade possa sobreviver à degradação e às necessidades do mundo moderno. “La arquitectura suscita rechazo, por ser una presencia perturbadora. Me refiero a propuestas que plantean soluciones menos convencionales y que proponen interpretaciones mas arriesgadas y mejor construidas. Es absolutamiente cierto que las obras mediocres jámas han generado polémica, incluso las muy malas nunca han provocado rechazo.”59 O património herdado passará a fazer parte de postais sem fazer parte integrante da cidade dos nossos dias. Criam‐se no território zonas desertificadas que pouco dizem à sociedade actual porque nela não encontram um lugar de interesse para além de um museu. Esta atitude obsessiva pela conservação conduzir‐nos‐á à delapidação gradual, ao abandono e conseguinte deterioro das construções pela sua inadaptabilidade aos tempos de hoje, numa cidade onde todos somos responsáveis. Nos processos de reabilitação, uma postura extremada em relação ao passado pode por de parte o verdadeiro carácter inventivo, criativo e vanguardista inerente ao acto de projectar. Não é justo que vivamos a nostalgia do que um dia foi, deixando que fragmentos de cidade se tornem obsoletos pela única condição de terem surgido noutros tempos à luz de outras necessidades. Contudo, deve ser tido em conta o valor da preexistência, através da investigação histórica, para se poder definir o grau de intervenção Neste sentido, os processos de reabilitação devem resultar de uma leitura de conjunto da cidade, de uma crescente inclusão da cidade antiga na dita cidade contemporânea. Devem seguir‐se estratégias de conservação que salvaguardem a envolvente, a história do edifício mas com liberdade suficiente para que se possa adaptar às necessidades de hoje. Permitindo, em alguns casos, a alteração da sua planta para que possam suprir novas necessidades e adaptar‐se a novos usos. Uma política de conservação estipulada a priori permite alcançar o conhecimento e visão de conjunto tão necessários para fazer renascer e crescer uma cidade coerente, harmónica capaz de fazer a ponte ente novo e antigo, entre conservação e remodelação. 59
El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 18
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
Reabilitar Hoje | atitudes frente à preexistência Se é proveitoso entender a lição do passado é também útil conhecer os anseios da nossa actualidade para que se possa fazer o diálogo entre ambos. É necessário não esquecer que o arquitecto de hoje projecta para solucionar questões do nosso tempo. O arquitecto deve cultivar o espírito inovador e criador, com a segurança que o legado arquitectónico lhe transmite. Devemos ver no passado a busca de novas metas capazes de satisfazer o homem de hoje. “Portanto, quando tentamos encontrar novos caminhos, não podemos deixar de sentir ainda mais fortemente a presença dos extraordinários feitos do passado, imaginando talvez que a esses outros nos devamos e possamos juntar.”60 Na análise da história da arquitectura, a pergunta que se coloca não é de “como fazer” hoje, mas sim a “coisa a fazer”. “Hoje o “como” já não é suficiente. Isolado surge‐nos de facto como um conceito velho e caduco; para ultrapassar o impasse actual é preciso questionarmo‐nos sobre a “coisa que se faz” e isto mudará consequentemente a nossa relação com o passado. Por este facto, o nosso principal interesse pelo passado não se dirige tanto à própria arquitectura que o formou, mas antes a compreender como cada uma conseguiu representar plenamente o próprio tempo. Se antes, para compreender o “como fazer”, a nossa atenção se dirigia aos edifícios singulares, hoje, é para a cidade e para os grandes ciclos da história que é preciso olhar, para compreender como a arquitectura é sempre e apenas espelho de tempo que a produz e a ele está indissoluvelmente ligada.”61 O corpo do passado contém regras e princípios que devem ser considerados no acto de projectar. O novo projecto deve ter em conta este fio condutor mas nunca tornar‐se subalterno à realidade existente, correndo o risco de nunca alcançar a autonomia desejada ficando sempre a viver na sombra do que um dia foi uma obra de arquitectura. “A história é entendida como um recuo positivo ao passado no sentido de uma apropriação produtiva.”62 A preexistência não deve ser entendida como reminiscência de uma arquitectura, mas lida como matéria projectável geradora de novas ideias. 60
BATTISTA, cit. CANNATÀ, FERNANDES, 1999: 12 Idem: 13
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ALVES COSTA, O lugar da História, in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos,
2001: 34
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II | Intervenção como Transformação Formal
A história não vem impor uma linguagem e boicotar a modernidade no acto de projectar; ao invés torna‐se um instrumento útil no processo. Do passado retira‐se o que pode tornar a obra mais sólida, legítima e perene. Pretende‐se que a obra projectada hoje, encontre lugar no nosso tempo sem viver da cópia do passado. “A história da arquitectura para futuros arquitectos deve ser o estudo das condições e dos processos de desenho que produziram as obras objecto de análise e crítica, exemplos concretos em que se aprende o como, referencias alargadas para o seu trabalho de projecto. Esta perspectiva formativa e informativa deve servir, prioritariamente, para qualificar o desenho de cada um como projecção estruturada do pensamento.”63 Devemos pois, dar sentido aos estudos arqueológicos, à história do lugar e do edifício e aos fragmentos de outras arquitecturas, mas sempre com um olhar crítico com vista a entender estes factores como colaborantes e não como imposições de composição e mimetismos do passado. “O passado é uma prisão de que poucos sabem livrar‐se airosamente e produtivamente; vale muito, mas é necessário olhá‐lo não em si próprio mas em função de nós próprios.”64 O lugar | ruína e preexistência Em matéria de reabilitação, o contexto torna‐se uma componente central no acto de projectar e o objecto arquitectónico converte‐se a uma peça neste processo mais amplo e complexo. Perante um problema de reabilitação o arquitecto tenta optimizar as condições criadas pela natureza, que já iniciou o seu trabalho de desenho e configuração do espaço. Tira partido do existente e nasce uma estreita relação entre natureza, ruína e novo construído. A obra enche‐se de clareza no respeito pela preexistência mas em simultâneo ganha a autonomia dada pelo seu tempo. A coerência surge do diálogo entre as arquitecturas da cidade consolidada e a nova obra, que deve surgir no seguimento da anterior. É na ruína que reside a força para o novo projecto. O edifício existente é detentor de vínculos e regras pela sua arquitectura mais do que por significados extra arquitectónicos. 63
ALVES COSTA, O lugar da História, in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos,
2001: 34 64
TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 13
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Esquema I
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II | Intervenção como Transformação Formal
A par de uma intervenção formal é possível manter as memórias e a energia de um local, de uma ruína. Como referiu Souto de Moura, em entrevista a Monica Danielle “Me interesan las ruínas, son lo que más me gusta de la arquitectura, porque son el estado natural de una obra”65 Imbuídos deste ensinamento, é possível afirmar que existem dois posicionamentos possíveis perante a ruína: um será olhá‐la e admirá‐la, usufruindo somente do seu potencial contemplativo, vista como parte integrante da paisagem natural; o outro será vislumbrá‐la como matéria projectável geradora de nova arquitectura. Sendo certo que o fim de todos os edifícios é tornarem‐se ruínas. “De un edificio queda siempre una bella ruina”66 O processo criativo deve levar a cabo uma alteração que faça ressaltar as características do ambiente, através da relação contexto e obra, articulando estes factores com o objectivo comum de criar cidade coesa. Privilegiam‐se características da história do lugar. “o projecto constitui‐se, em síntese, como “refundador” do ambiente”67 que vem enriquecer zonas específicas de cidade. “Por este motivo, Eduardo Souto de Moura aceita trabalhar sem impedimentos em todos os sítios, e com qualquer programa, na medida em que cada acção sua se torna ocasião para exprimir juízos sobre as características físicas e sobre as implicações culturais das preexistências.”68 O acto de reabilitar prende‐se, necessariamente, com o contexto, onde se redesenham espaços, se acrescentam e subtraem outros. Exigem‐se, pois, intervenções dotadas de clareza conceptual do ponto de vista histórico e morfológico. Pensar que um lugar é intocável condiciona, necessariamente, o acto criativo. Ao invés, o lugar deve pressupor o início da criação. Perante um contexto tão rico, entre preexistência e natureza, é necessário aperfeiçoar a sensibilidade e afinar a intensidade da expressão.
65
SOUTO DE MOURA, entrevista biográfica por Mónica Daniele, diciembre 2002, Barcelona, Gustavi Gilli, 2004 in El Croquis nº124,
Eduardo Souto de Moura 1995 2005, La naturalidad de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2005: 436 66
PERRET, El Croquis nº146, Souto de Moura 2005 2009, Teatros del Mundo, Madrid: editorial El Croquis, 2009: 22
67
ANGELILLO, 1993 cit. TRIGUEIROS, 1993: 14
68
Ibidem
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
Neste sentido, o lugar terá que ser manipulado e adaptado ao fim a que se destina, “o sítio é aquilo que se quer que ele seja.”69 Torna‐se elemento basilar no projecto vinculando o mesmo à preexistência. Entendendo o sítio como mote do projecto, capaz de gerar diferentes soluções, é fundamental que exista, a priori, um reconhecimento global do lugar com o intuito de gerar equilíbrio entre a nova obra e o contexto existente. Ao invés de se ver a intervenção numa preexistência como um romper com a história, deve entender‐se como um legado anterior, fruto da acção do tempo que assegura a continuidade com o novo. Esta preexistência umas vezes pode afirmar‐se como ordem e como forma, mas noutras pela sua perfeita integração no lugar, pode considerar‐se tecido da própria cidade. Construir no construído Em processos de reabilitação constrói‐se sempre com o construído. “O construído é tanto o lugar em transformação, como a cultura arquitectónica universal.”70 Num território onde o tecido urbano se apresenta fortemente consolidado, onde a cidade histórica assume maior importância, o desafio de reabilitar e suprir as necessidades do homem contemporâneo torna‐se maior. Exige, uma maior capacidade conciliadora entre passado e presente que deixará, necessariamente, sinais da sua passagem no tempo e no espaço. Esta atitude de “reutilizar” cidade não só estimula o seu crescimento e regenera pontos obsoletos, como também satisfaz carências da população. A cidade renova‐se e os usos alteram‐ se consoante as exigências; as morfologias adaptam‐se e nasce um conjunto actual coeso e unitário. Zonas abandonadas renascem dotadas de mecanismos capazes de resistir ao mundo contemporâneo. Assim, “continuar el desarrollo de la arquitectura en la ciudad es algo normal y lógico, aunque este desarrollo haya supuesto en ocasiones el sacrificio y la destruición del patrimonio existente.
69
SOUTO DE MOURA, entrevista por Paulo Pais, cit. TRIGUEIROS, 1996: 28
70
ALVES COSTA, O lugar da História, in Jornal dos Arquitectos nº202, Faire École 2, Publicação bimestral da Ordem dos Arquitectos,
2001: 29
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II | Intervenção como Transformação Formal
Lo mas importante es que a pesar de estas transformaciones siempre se ha mantenido el carácter compacto, denso y unitario que caracteriza el centro histórico.”71 O projecto de arquitectura deve suprir necessidades e oferecer soluções para problemas actuais que a planificação urbana já não consegue alcançar por se tratar de um espaço consolidado. Neste sentido a necessidade de ampliação e consequentemente a necessidade de alteração de uma imagem de cidade predefinida deve assumir‐se como uma realidade. A qualidade não está em manter o território intacto mas sim em intervir de forma racional, adequando escala, materiais, e composição formal à realidade envolvente. Para Souto de Moura, uma reabilitação, é “verdadeira manifestação de inteligência”. É no confronto entre um sistema construtivo existente e a proposta de novas ideias que se situa o desafio. É nas intervenções sobre o existente que o arquitecto se sente “finalmente libertado pela ocasião e programa da indecente necessidade de criar formas”, quando o tema da representação não passa pelo "desenhar desde o início mas o redesenhar.”72 Acredita que um projecto de reabilitação se despe de qualquer “artifício e intelectualismo que um edifício complexo, por escolha e não por necessidade, poderia gerar.”73 Num projecto de reabilitação, para Souto de Moura é muito importante o “estilo de vida” a que o edifício está destinado. Contudo, não se deve aceitar que a necessidade de adaptação de novos usos a edifícios históricos seja por si só a justificação de uma intervenção. “Qualquer obra deve estar disponível para alterações e transformações, mas não para a deliberada intenção de destruir.”74 O segredo consiste em manter a continuidade histórica, o carácter e a atmosfera do lugar. Não passa por um desejo de fazer novo nem tão pouco pela timidez muitas vezes imposta pelo peso da história do lugar. Urge a necessidade do arquitecto se desvincular da ideia da arquitectura unicamente ligada à história, para produzir uma arquitectura de hoje. Viver no nosso tempo é pois viver em consonância com o legado histórico mas amarrados às necessidades e anseios dos dias de hoje. 71
El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 20
72
Idem: 29
73
Ibidem SIZA VIEIRA, 1998: 124
74
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
Parafraseando Távora “As casas de hoje, terão de nascer de nós, isto é, terão de representar as nossas necessidades, resultar das nossas condições e de toda a serie de circunstâncias dentro das quais vivemos, no espaço e no tempo. Sendo assim, o problema exige soluções reais e presentes, soluções que certamente nos levarão a resultados bem diferentes dos conseguidos até agora na arquitectura portuguesa. Abrem‐se perante nós, novos ou velhos armados de um espírito novo, horizontes vastíssimos, campos férteis de possibilidades, pois tudo há que refazer começando pelo princípio.”75 E assim, o novo deve aparecer com base em aspirações do nosso tempo com vista a solucionar problemas de futuro. Perante um problema de reabilitação, as questões levantadas avolumam‐se e não compete somente ao arquitecto, com base na sua formação, optar e decidir. A solução está para além de um problema estético ou formal; a história, o usuário, as novas realidades devem fazer parte deste processo. E o produto deve ser capaz de reflectir uma adequação aos novos problemas e anseios, novos modos de habitar, uma nova cidade e sociedade, diferentes política, social e economicamente. “Sendo tão forte o grau destas variações, porque não hão‐de ser outras, muito outras as soluções a encontrar para os portugueses de hoje? Para quê teimar em permanecer, quando tudo nos convida para um caminho diferente?”76 Necessariamente, tal atitude irá reflectir uma renovação a nível formal. A arquitectura de hoje é o resultado de layers acumulados ao longo dos tempos, alterações sucessivas, camadas que se sobrepõem resultado de diferentes épocas e modos de habitar. Num projecto de reabilitação, esta realidade surge com maior clareza, muitas vezes é possível datar os layers aparentes. Tal hipótese não retira coesão ao edifício, confere‐lhe carácter e integra‐o funcional e esteticamente no seu tempo. Para tal a memória e história são factores coadjuvantes na hora de projectar. Compete aos arquitectos utilizar estes instrumentos na produção do futuro da arquitectura. A qualidade deste acto de reabilitar não pode ser ditado antecipadamente com regras específicas, pois cada lugar está dotado de sinais, memórias e características próprias. A conciliação consciente destes factores em consonância com o presente revelará o sucesso da obra. A arquitectura, depois de construída, deve acrescentar algo, deve tornar‐se parte integrante do território, quase presença indispensável. Deve fazer renascer a cidade numa determinada época que assim o exige. 75
TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 12 Idem: 13
76
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II | Intervenção como Transformação Formal
Transformação formal Como já foi referido, nos processos de reabilitação, são frequentes intervenções com recurso a transformação formal pela necessidade de adaptação a novas realidades do habitar. Neste processo, o carácter não se perde, deve‐se, sim, “aumentar ao passado algo de presente e algumas possibilidades de futuro, para aqueles para quem viver é criar alguma coisa de novo, não pelo desejo estúpido de ser diferente, mas pela imperiosa determinação da vida que não admita qualquer paragem ou qualquer estagnação sob pena de que a posteridade nos não perdoe.”77 É utópico pensar que é possível consolidar uma forma do passado sem que o tempo exerça sobre esta um processo natural de transformação e adaptação; “…a irreversibilidade do espaço não permite aceitar tal hipótese (…) dada a marcha constante do tempo e de tudo o que tal marcha acarreta e significa, um espaço organizado nunca pode vir a ser o que já foi.”78 Tais mudanças reflectem‐se directamente com questões de ordem programática, neste sentido o processo deve reflectir não só, sucessivas adaptações do edifício ao seu novo programa, mas também do novo programa à preexistência. As transformações e adaptações de edifícios antigos resultam da impossibilidade de resistir ao longo dos anos aos fins para que foram primeiramente criados. Por conseguinte, surge a necessidade de adaptá‐los continuamente a novos usos, processo extenso no tempo levado a cabo por diferentes gerações de acordo com o seu entorno temporal e físico. Este sentido de continuidade e permanência criou história e atribui a cada arquitectura carácter, formado por diferentes estratos temporais. Esta nova realidade tornou‐se intrínseca ao acto de reabilitar. E torna‐se clara a necessidade de encontrar novos usos para edifícios antigos. Contudo, cada intervenção deve ser reflectida tendo em conta factores temporais, espaciais e funcionais. A obra nasce neste processo contínuo e evolutivo de transformar, retirar e juntar partes de um mesmo sistema. Perante um problema de projecto Siza responde a Souto Moura “Quando num projecto o Távora não consegue alguma coisa, ele acrescenta‐lhe um espaço.”79 É neste diálogo coerente que o arquitecto se deve situar, construindo e refazendo cidade. Para Távora “…conservar e construir são momentos de um mesmo método na transformação dos
77
TÁVORA, 1947 cit. TRIGUEIROS, 1993: 13
78
TÁVORA, 2004: 19 SOUTO DE MOURA, 2002 cit. ESPOSITO, LEONI, 2003: 13
79
65
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
edifícios, garante de vida é o respeito pela sua identidade arquitectónica, continuando‐a, inovando‐a.”80
80
FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 40
66
II | Intervenção como Transformação Formal
Como Actuar Não é possível encontrar regras, soluções, nem definir estratégias na hora de entrevir sobre o património. A disponibilidade mental e criativa do arquitecto deve ser total. Contudo, cada caso, pela sua história, lugar e usuário torna‐se singular. “Os espaços que o homem organiza não são criados ou organizados em regime de liberdade total mas antes profundamente condicionados por uma soma infinita de factores.”81 Posto isto, saber actuar perante um problema de reabilitação não é uma questão de regras e métodos de intervenção. “Trata‐se de continuar a construir cultura, reunindo nos locais certos tudo quanto constitui a sua densidade e mantêm a sua complexidade, aos mais altos níveis, enquanto, com o tempo, os materiais e as necessidades continuam a mudar”82 Será difícil ditar fórmulas para uma intervenção contemporânea, pois, conscientes de um mundo em constante transformação, este será um processo de intuição e reflexão. “A modernidade não se prende a modelos, está sempre em estado de procura, não há de facto uma forma definitiva da modernidade, mas somente a definição sempre renovada de uma modernidade que toma forma.”83 A arquitectura resulta deste entendimento do mundo que nos rodeia como um tempo de diversidade. “Neste sentido, modernidade significa abordagens que entendam o sentido específico de cada intervenção, ou seja, a reflexão a partir de temas “eternos” da arquitectura, tomados sempre como matéria de reflexão.”84 A morfologia da cidade histórica é marcada pela sua heterogeneidade que faz variar a atitude e grau de liberdade dado ao arquitecto. Existem zonas fortemente consolidadas, de linguagem marcante, e outras onde os vazios desconectam a malha. A autonomia imposta a cada obra surge nesta descoberta feita entre história e actualidade.
81
TÁVORA, 2004: 21
82
COLLOVÁ, 1998: 58
83
AIRES MATEUS, Manuel, A reinvenção de um exercício, relatório de uma aula, Prova de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica,
apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa – FAUTL, Lisboa 1995: 24 Ibidem
84
67
dentro
fora
contiguidade
68
II | Intervenção como Transformação Formal
A cidade tradicional deixou‐se contaminar pelo Movimento Moderno. Num olhar atento sobre as cidades de hoje, são perceptíveis as diferentes camadas ao longo dos tempos. “Aquilo que define o espírito urbano são as colagens, os somatórios dos vários extractos por sobreposição deixando discernir as varias épocas e culturas.”85 É para uma ideia de cidade coerente que devemos trabalhar. Transmitir uma ideia de conjunto sólido, coeso, capaz de resistir no tempo mesmo que sejam necessárias transformações. O arquitecto de hoje constrói as ruínas de amanhã que serão matéria projectável para novas gerações. Um projecto de arquitectura resulta do confronto entre a realidade existente e, por conseguinte, nasce do entendimento entre a cidade, as suas arquitecturas, o que um dia foi e o que poderá vir a ser. Um projecto contém, em si mesmo, uma reflexão sobre a história da arquitectura, a história actual e a história que pretende contar no futuro. Exerce um juízo de valor com o intuito de cumprir objectivos e suprir carências de hoje. Neste sentido, reitera‐se que, não deve passar despercebida a importância dos valores do passado, estes devem ser defendidos sempre numa perspectiva reformadora e construtiva. Estando conscientes do seu contributo e da necessidade de referências que temos no acto de projectar, devemos aceitá‐los, actualizá‐los e integrá‐los em obras contemporâneas. A cidade deve nascer como um espaço unificado onde o antigo e o novo convivem harmoniosamente. Távora apelida de restauro saudável esta atitude de reabilitar fugindo ao mimetismo do passado. “Estabelecer um critério de restauro diferente do critério corrente entre nós (…) procurei que a este arranjo presidisse um critério de restauro ‘saudável’: sem negar o passado nem pretender continuá‐lo, copiando‐lhe as formas; ensaiar um diálogo com esse legado na nossa linguagem actual, e obter nessa síntese de linguagens uma obra fresca e alegre”86 Ao projectar, Távora, não fica preso a qualquer influência formal de uma época, aceita novas ideias e conceitos. “As linguagens formais” no projecto de Távora, “reentram no projecto como uma componente suplementar introduzida com o comportamento culto e desencantado (…) uma riqueza e liberdade de referências características tanto da modernidade como do classicismo ou de outros sistemas de formas, utilizados alguma vez com destaque irónico. (…)
SOUTO DE MOURA, entrevista por Paulo Pais, cit. TRIGUEIROS, 1996: 28
85 86
TÁVORA sobre recuperação da Casa da Igreja em Mondim de Bastos. FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 32
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
Távora não tem nenhuma dificuldade em utilizar as formas que conhece, sejam elas modernas ou clássicas, deixando intactos os valores, porque o principal sentido do seu projecto está em outro lugar, na organização de um espaço destinado a um conteúdo de experiencia e de tempo”87 Hoje o arquitecto procura conciliar o presente com o passado, e este tornou‐se matéria indispensável ao acto de projectar. No momento da criação o arquitecto deve estar dotado de um espírito novo, na busca de novos desafios e soluções. “…é necessário armarmo‐nos contra os vários conformismos profissionais ou académicos que estrangulam hoje a nossa disciplina, para fugir finalmente das cinzas do “moderno” e tentarmos tornar‐nos realmente modernos.”88 É que reabilitar pressupõe fazer renascer o que existe e que não está explorado com o seu máximo potencial. Criam‐se novos pressupostos, reflecte‐se sobre o seu redor, abrem‐se novos caminhos e a obra nasce. As características do lugar, o tipo, a tipologia e a preexistência criam matéria projectável com infinitas possibilidades de reabilitar. “Deste modo, a força evocativa da forma supera a da função para a qual o objecto foi criado, fornecendo‐lhe o grau d flexibilidade necessária para a interpretação adequada que uma sociedade em continua evolução lhe exige.”89
87
LEONI, 2003: 22 e24
88
BATTISTA, cit. CANNATÀ, FERNANDES, 1999: 13
89
ANGELILLO, 1993 cit. TRIGUEIROS, 1993: 20
70
III Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar A selecção dos projectos apresentados pretende, sem negar a história e a tradição, indicar um posicionamento claro de defesa da intervenção com recurso a transformação formal. Esta postura reflecte‐se na alteração evidente da imagem do edifício, assumindo, sem medos o novo gesto e a nova intervenção mas em continuidade e tendo como mote a preexistência. A escolha tenta abranger diferentes casos de intervenção com recurso a transformação formal em habitação unifamiliar. Por definição, as obras são reflexo de uma série de experiências projectuais de adaptação de edifícios antigos a usos actuais, que aparecem com o objectivo comum de demonstrar a grande potencialidade de construir no construído e a mais‐valia que a preexistência põe à nossa disposição para criar e inovar. É pois objectivo enquadrar a arquitectura como resposta concreta às exigências da vida contemporânea distinguindo o papel criador do arquitecto do papel conservador do historiador. Os cinco projectos de habitação unifamiliar têm em comum a descoberta de diferentes formas de intervir, encontrando, no existente, potencialidades próprias para uma reabilitação. Por se tratar de habitação unifamiliar é possível afirmar que os seus autores são os proprietários e os arquitectos que tornaram possível o prolongamento da vida útil dos edifícios ameaçados pelo tempo. Neste sentido, o envolvimento do cliente no processo de criação é total. A história do lugar e a matéria construída fazem de cada projecto uma obra de interesse singular e grandes exemplos de reabilitação com intervenção formal. São respostas projectuais arrojadas, de gestos marcantes, dotadas de um forte carácter e expressão formal. Entram em diálogo com a história da arquitectura e do lugar, questionam o actual conceito do habitar e encontram novas respostas. Os projectos dão voz a linguagens diferentes que acabam por culminar num único conjunto. É objectivo, com a análise dos cinco casos de estudo, levantar novas questões que ampliem o debate sobre intervenção formal em preexistências.
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
As cinco obras de reabilitação construídas, de arquitectos portugueses, são apresentadas, por ordem cronológica: Fernando Távora | Casa de Férias em Briteiros | Guimarães, Portugal – 1989‐1990
Álvaro Siza Vieira | Casa Van Middelem‐Dupont | Oudenburg, Ostend, Bélgica – 1997‐
2001 Aires Mateus e associados | Casa em Alenquer | Alenquer, Portugal – 1999‐2001 Eduardo Souto de Moura | Projecto de Recuperação da Casa D6‐2 | R. Padre Luis Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal – 2001 Nuno Brandão Costa | Reconstrução de Casa Unifamiliar | Arga de Cima, Caminha, Portugal – 2005‐2008 As obras de reabilitação seleccionadas mostram diferentes estratégias e atitudes perante a intervenção em preexistência. Todas as intervenções pretendem fazer renascer a obra, capacitando‐a de ferramentas para que possa tornar‐se útil e adaptada aos dias de hoje. O trabalho enfoca habitação unifamiliar pela constante necessidade de transformação, adaptação e ampliação do espaço ao indivíduo que, consequentemente, levantará problemas de forma. 74
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Fernando Távora Como foi evidenciado ao longo do capítulo anterior, Fernando Távora influenciou toda a sua época com as suas ideias, conceitos e atitudes à frente no seu tempo, tendo sido um dos arquitectos mais importantes do nosso país. Homem de grandes convicções foi um dos fundadores da “Escola do Porto”, assente nos princípios da tradição, das raízes culturais e da história, criando um método projectual no qual a obra deveria estar harmoniosamente em sintonia com o lugar. A sua visão é clarificada na postura adoptada perante a problemática da Casa Portuguesa – ver página 53. Neste sentido emerge o debate sobre o património arquitectónico português levantando questões, ainda actuais e basilares em processos de reabilitação: o convívio entre novo e antigo. Entende que esta relação deve surgir de um forte conhecimento da história mas sem cair em mimetismo do passado pois seria anular o lado criativo de ser arquitecto. A actualidade da sua obra advém deste jogo inteligente entre presente e passado, formas novas e antigas. A arquitectura popular está ao seu serviço para criar, de forma pacífica, o novo, assente nos mesmos princípios e regras da construção tradicional. Introduz, com grande sensibilidade e conhecimento da história, um novo pensamento sobre o papel social da arquitectura em contraste com o que se desenvolvia na época. É próximo de Ruskin ao colocar em posição de destaque a história, a cultura e o património, contudo, é através de analogias e interpretações com a cultura tradicional portuguesa que cria a sua obra, assemelhando‐se a Viollet‐le‐Duc. Para Távora, a preservação do património passa pelo seu usufruto ao longo dos anos. Para que tal aconteça, é necessário encontrar mecanismos de intervenção que prolonguem a sua vida e que o adaptem à evolução dos tempos, impensável para Ruskin. “O património resulta de uma criação permanente e colectiva e o próprio acto de recuperação do património tem de ser um acto de criação e não um acto de rotina burocrática ou de capricho pessoal.”90 Aquando da problemática da relação entre antigo e novo, consagrada na Carta de Veneza, o Arquitecto Fernando Távora assume claramente a postura do diálogo através da valorização das semelhanças e da continuidade, por oposição, às diferenças e rupturas. A sua visão é transversal a 90
TÁVORA, 1987 cit. TRIGUEIROS, 1993: 40
75
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
049 | Esquisso retrato Fernando Távora
76
049
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
qualquer espaço construído, quer falemos de um edifico ou de um espaço de cidade, tendo sempre presente a condição irreversível do tempo. Desta postura, resulta uma arquitectura intemporal, vanguardista, erudita no seu tempo, que fez e faz escola. Acredita no gesto criador do arquitecto e este, conhecedor da história e da tradição, deve vê‐la como um auxiliar e não um impedimento à obra. A arquitectura, segundo Távora, existia para servir o homem, neste sentido deveria ser actual, suprindo as necessidades do seu tempo, sem medo de inovar ou ser moderno.
Casa da Cavada | Casa de Férias em Briteiros Guimarães, Portugal – 1989‐1990 Implantada em Briteiros, povoação de origem Celta Romanizada, na província do Minho, a norte de Portugal, a casa da Cavada é exemplo de um processo de reabilitação. Alvo de enumeras alterações ao longo dos tempos sofreu uma transformação gradual pela necessidade de adaptação ao tempo, ao lugar e ao usuário. O conjunto arquitectónico único e consolidado, que hoje se apresenta, nasceu da articulação entre volumes soltos, destinados primeiramente a funções agrícolas. Tal uso torna‐se obsoleto perante a situação económica da terra. Recupera‐se o conjunto e altera‐se o seu uso para uma casa de férias. A sua implantação original em nada é alterada ao longo dos tempos pela actualidade e capacidade de resistir à nova função. Consolidam‐se espaços, alteram‐se outros mas o princípio de fechar a casa aos ventos de norte mantém‐se. No processo de recuperação Távora utiliza “uma experiência de projecto pouco “ortodoxa””91contracta um empreiteiro local conhecedor das técnicas de construção tradicionais e inicia a obra depois de “primeiros esquissos sobre um levantamento sumário”92 A obra surge e desenvolve‐se apoiada num permanente acompanhamento por parte do arquitecto, as decisões tomam‐se no diálogo entre arquitecto, cliente e empreiteiro. O trabalho de atelier é substituído por esta dedicação à obra na fase de construção “Daqui a ausência quase completa de elementos desenhados do projecto – plantas, alçados, cortes, pormenores – muitos 91
TÁVORA, 1990 cit. TRIGUEIROS, 1993: 160
92
Ibidem
77
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
050
051
050 | Levantamento da evolução da planta da Casa da Cavada desde 1650 até 1991. 051 | Projecto de recuperação da Casa da Cavada, planta 1º piso. 052 | Projecto de recuperação da Casa da Cavada, planta 2º piso.
78
052
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
deles elaborados na própria obra, outros perdidos por descuido ou desinteresse. As plantas (…) resultam não de um projecto anterior mas de um levantamento posterior e o trabalho correu como clandestino no meu atelier.”93 Como já foi referido, com a intervenção de Távora reconhecem‐se alterações, interiores e exteriores, a nível formal. Pela necessidade do novo uso, no interior, foi redesenhada a compartimentação e acessos verticais. É possível distinguir funcionalmente os dois corpos da casa: um mais compacto directamente relacionado com os serviços e outro mais extenso no terreno que contém a zona dos quartos. A transformação formal exterior é fortemente marcada pelas caixilharias, de madeira e zinco, que assumem grande importância na fachada pela cor vermelha e branca e pelo seu desenho. No piso superior, os vãos, que anteriormente conviviam francamente com o exterior, agora são encerrados por um conjunto único, de cor vermelha, em madeira com soleira de zinco, que preenche o vazio existente na fachada de pedra. Controlam‐se as vistas de cada divisão com vãos mais pequenos com caixilharia branca. No piso inferior utiliza‐se a mesma estratégia no encerramento dos vãos das portas. Na articulação dos dois corpos, uma varanda, desenhada no mesmo registo, marca fortemente a imagem do conjunto. Condicionado pelas novas exigências programáticas, o arquitecto, recupera a preexistência, sempre com um olhar atento no que um dia foi, na história, gerando um processo de transformação com base na continuidade e semelhança, antes da diferença e da ruptura. Conserva uma imagem datada e forte, e reafirma, através de novos elementos, os seus espaços mais significativos – articulação entre os dois corpos. Távora não faz uma transformação formal radical. Atendendo ao contexto rural, às necessidades do novo uso e à imagem do conjunto marca a sua intervenção através dos encerramentos dos vãos. Com permanente contemporaneidade é ousado no desenho afirmativo, robusto e com presença destes elementos. 93
TÁVORA, 1990 cit. TRIGUREIROS, 1993: 162
79
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
053 | 054
055
056 | 057
058 | 059
053 | Fachada principal, Sul e ligação entre os dois volumes | transformação formal. 054 | Vista Oeste | Varanda. 055 | Vista aérea da fachada Sul | transformação formal. 056 | Vista Este. 057 | Vista Oeste | 1º piso coberto; 2º piso varanda. 058 | 058 | Fotografias interiores. 060 | Esquisso de Fernando Távora | Estudo para a transformação formal do alçado principal Sul.
80
60
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
A obra que [re]nasceu, passa a ser lida num processo formalmente coerente e evolutivo ao longo dos tempos. É na relação dialéctica entre presente e passado que a obra de Fernando Távora se situa. Defendendo os valores do presente, característica de um arquitecto moderno, evoca o passado no sentido de o tornar ferramenta de projecto. No acto de reabilitar, abre espaço para novas realidades, novos valores e necessidades, sem ignorar a tradição. Como referiu, a sua arquitectura desenha‐se no acto de “continuar inovando.”94 Neste sentido, e à luz dos valores do seu tempo, exerce um papel conciliador entre os princípios da modernidade e da tradição na sua arquitectura. Abre espaço à evolução da arquitectura contemporânea com capacidade de identificação com o tradicional. É nas formas do passado que procura fundamentar a modernidade do desenho que produz. Távora é um precursor do diálogo entre o novo e o antigo nos processos de reabilitação. Introduz na “nova arquitectura” um elo de continuidade com a anterior só comparável ao processo natural ocorrido ao longo da história da construção; edifícios continuamente adaptados, modificados e melhorados com diversas intervenções arquitectónicas que criam uma unidade. Como referiu Siza, surge uma ““nova arquitectura” que ultrapassa a condição de acrescento, ascendendo a parte integrante da história de uma poderosa estrutura em lenta e continuada transformação”95
94
“Távora, Fernando – Trabalhos de conservação e adaptação, in Boletim da DGEMN – Pousada de Santa Marinha, Guimarães, nº130,
Lisboa, 1985: 77” FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 23 SIZA sobre o processo de recuperação da pousada do Convento da Costa. FERRÃO, 1991 cit. TRIGUEIROS, 1993: 36
95
81
061 | 062 063 | 064
061 | Coberto.
dentro
fora
contiguidade
Casa da Cavada
Casa da Cavada
82
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Álvaro Siza Vieira A postura de Távora, inovadora, criativa e conscienciosa de um novo tempo com novas necessidades, acaba por influenciar a obra e o percurso de Álvaro Siza. É evidente nas suas obras premissas provenientes da ascendência de Fernando Távora. A história, a tradição, a noção de lugar e a utilização de materiais e técnicas tradicionais são factores constantes na obra de ambos os arquitectos que os usam ao serviço de uma nova arquitectura de acordo com as aspirações do presente. Este respeito pelo passado resulta no equilíbrio projectual na hora de reabilitar edifícios antigos. Intervir sobre a preexistência é, para Siza, “…um estímulo.(…)uma grande aprendizagem, parece um paradoxo mas é verdade. Basta ter entrado numa casa em pleno Verão, numa casa antiga, um solar numa casa de quinta. E depois é estimulante.(…)os grandes estímulos para o projecto, para a arquitectura, sendo ela centrada no que é o projecto em termos transformadores, em termos novos, vêm do que lhe é exterior.”96 Encara a justaposição de diferentes tempos como uma coisa natural, pois a arquitectura faz‐se dessa mudança e adaptação constante a novos materiais, ideias, e programas. “uma cidade não é feita de continuidade, é feita de descontinuidades. Agora, a capacidade de navegar no meio dessas descontinuidades e dessas mudanças de projecto, nesse balanço entre conservadoorismo e utopia, ou novas ideias, novas necessidades, novas exigências, manter esse equilíbrio sem que isso signifique conservadorismo ou paragem no tempo, é o grande desafio da arquitectura”97 A parceria de Álvaro Siza com Távora é basilar no desenvolvimento desta postura reflectindo‐se na sua obra. Siza, afirma ter recebido pela mão de Távora a sensibilidade em relação ao local e à envolvente. É exemplo disso a escolha exacta de Távora para a Casa de Chá que permite a adjudicação do projecto. A noção de lugar é ainda influenciada pelo Arquitecto Alvar Aalto, ajudando‐o a observar o espaço como um todo, não uma peça isolada mas sim, num contexto mais alargado. Desta forma, Siza é capaz de projectar em qualquer parte do mundo, conseguindo transmitir o ambiente próprio de daquele lugar. “…é a própria experiência existencial e projectual que me leva a ser cidadão daquele território durante um período. Sou parte, vivo naquele
96
SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de
Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 85 97
Ibidem
83
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
065 | Esquissos de Siza Vieira para o projecto da Casa Van Middelem‐Dupont.
84
065
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
território. Vivo no sentido em que estou a projectar para ele, e estou a projectar em contacto com pessoas dali.”98 É através do desenho que Álvaro Siza dá forma ao seu pensamento. O desenho torna‐se o primeiro reflexo da observação do lugar e é com ele que o arquitecto faz a aproximação ao projecto. O desenho é “o testemunho dessa procura (processo projectual), em lugar de desenhos encontrados. Testemunhos do dia‐a‐dia de dúvidas, de pequenos avanços e de erros, do abandono de uma ideia, e do retomar de algo diferente da mesma ideia, da difícil perseguição da forma.”99 O desenho tambem o caracteriza no particular detalhe e promenor com que projecta determinados elementos em cada obra caracterizam o gesto do autor. Uma dobradiça, um puxador, uma mudança de pavimento, cada junta e cada pilar são para Siza elementos tão importantes como o próprio edifício e que fazem obra.
Casa Van Middelem‐Dupont Oudenburg, Ostend, Bélgica – 1997‐2001 Situada em Oudenburg, uma pequena localidade perto de Ostende na Bélgica, a casa Van Middelem‐Dupont é a primeira casa de Siza Vieira construída fora de Portugal. Região fortemente marcada pela sua paisagem ímpar, de campos verdes e cursos de água, que enquadram o conjunto situado numa propriedade agrícola. O projecto de reabilitação consistiu na recuperação e ampliação da casa solarenga com o intuito de dar um novo uso ao conjunto ‐ galeria de arte e habitação, mantendo a actividade agrícola. A conservação dos edifícios existentes foi exigência por parte dos proprietários. Estes volumes antigos apresentam características rurais fortemente marcadas pelos tijolos das paredes e os telhados de duas águas com pendentes acentuadas, forrados a telha. A patina dos anos revela‐se nas diferenças de tonalidades que os edifícios apresentam, afirmando a sua forte presença.
98
SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de
Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 84 SIZA cit. LLANO, CASTANHEIRA, 1996: 58
99
85
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
1
2
4
5 3
066
1.casa|nova construção
2.casa|reabilitação
4.garagem
Transformação formal
3.galeria
5.armazém
066 | Planta | Cortes | Alçados
86
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
A preexistência implanta‐se no terreno em forma de “U” e define um pátio pelo qual se faz a entrada da quinta. Este pátio, não só permite uma leitura de todo o conjunto como também organiza funcionalmente o espaço numa franca relação entre edifícios. Os novos volumes em “L”, construídos nas costas dos corpos existentes, associam‐se a estes formando um novo pátio em “U” com um carácter mais privado, onde coexistirão as três actividades ‐ galeria de arte, habitação e actividade agrícola. “Não é só preservação arquitectónica, paisagística, estética, é uma coisa muito mais profunda. É a própria actividade e a continuidade histórica”100 O pátio é um elemento arquitectónico que caracteriza a obra de Álvaro Siza e o acompanha em diferentes projectos. Este, pode ser entendido e utilizado ao serviço do projecto com diferentes intenções, se em algumas obras pode significar recolhimento, fechamento e calma; noutras, o pátio, funciona como elemento conciliador de um espaço, é um elemento de transição, aberto e com bastante movimento. Na Casa Van Middelem o pátio assume a função socializadora e conciliadora dos diferentes tempos e programas da mesma obra. Arte, vida e animais convivem no espaço do pátio. O pátio ajuda na união com o existente, para que o novo volume não nasça isolado mas sim um todo articulado com a paisagem e os volumes existentes. O novo projecto nasce da preexistência e no acto de “construir com la tradicion.”101 Esta forte consciência do passado faz com que a ampliação surja numa perspectiva de conjunto unitário, em diálogo com a construção existente. Levantado o tema da ampliação, Siza encontra nas formas do passado o caminho para gerar o novo conjunto. “Antigo e novo podem fazer um todo, complementam‐se”102 A forma obedece geometricamente às medidas dos volumes existentes. As alturas, a inclinação das águas, e a larguras dos corpos repetem‐se na continuação de um espaço que deve ser lido como um todo. Resulta na unificação do espaço organizado num conjunto unitário onde é difícil datar e distinguir cada volume. O novo espaço adapta‐se ao anterior através da sua implantação e forma. 100
SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de
Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 83 101
El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 100
102
SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de
Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 83
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
067 | 068
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067| Fotografia aérea do existente. 068 | Esquisso Siza Vieira | estudos para proposta de ampliação e reabilitação. 069 | Chegada à quinta | diálogo novo/antigo. 070 | Pátio formado pelo novo volume “L” | relação com o existente. 071 | Relação do pátio com o curso de água. 072 | Pátio/galeria de arte.
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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
O projecto não só cria um novo espaço que confere um novo sentido à quinta, como também explora uma nova expressão para uma arquitectura tão vinculada às raízes do lugar. O conceito do projecto está em “hacer lo que todavia existe”. O novo conjunto nasce formalmente semelhante ao anterior ‐ volumes simples, de uma mesma secção geométrica ligam‐se ao passado. Contudo, plasticamente diferentes. As divergências centram‐se na plasticidade dos materiais que, apesar de tradicionais, fazem a ponte entre novo e antigo. A integração no tempo e no espaço não só é feita através da semelhança formal, da implantação que conforma igualmente um “U”, como também pela patine dos materiais em tons cinza. A construção secular da casa e dos estábulos é feita em pedra e telha enquanto que os novos corpos adquirem novas texturas e expressividade. As novas fachadas estão cobertas por um ripado vertical de madeira de cedro. Só a fachada, que faz o ponto de viragem entre o novo e o antigo, está revestida a pedra para melhor se integrar com os dois tempos. A caleira, em cinza azulado, aparece no mesmo material da cobertura, perfeitamente diluída nesta, quase sem expressão. O embasamento, em pedra cinza faz o remate inferior de todo o edifício. Utilizando somente três materiais, a nova edificação resulta numa unidade formal e plástica entre novo e antigo. Resolve ainda todos os problemas construtivos inerentes à construção, coexistindo com a arquitectura tradicional já existente. Para o arquitecto, só o poder que o tempo exerce sobre a obra lhe confere o verdadeiro sentido. Numa reabilitação com ampliação, este processo de influência temporal não terá, necessariamente, a mesma força que no volume existente. Através dos materiais utilizados e dos jogos volumétricos semelhantes, Siza Vieira, tenta alcançar esta patine mas, contudo, para o autor “de inmediato un edificio recuperado tiene algo decepcionante, carece de lo que solo el tiempo puede hacer y que nosotros, a pesar de toda la tecnología a nuestro alcance, no conseguimos. Hay un cierto desencanto en la recuperación de un edificio porque al recuperar hay siempre, lo queramos o no, algo que se pierde, que desaparece.”103 O novo conjunto distingue‐se ainda por detalhes formais que ligam, articulam e animam a nova composição. A janela oblíqua, as texturas exteriores da cobertura e das paredes revelam que a 103
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073 | 074 | 075 | Ponto de união entre novo corpo e o antigo | pé direito mais baixo | mesmo material nas paredes contíguas. 076 | 077 | 078 | Relação do novo volume com o existente | Janela‐alcova | enquadra a paisagem. 079 | Interior da janela‐alcova | recanto intimista | olho sobre a paisagem.
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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
ampliação não se faz com base no mimetismo do passado. Introduzem‐se acontecimentos arquitectónicos de linguagem forte. O ponto de união entre o novo corpo e o antigo é feito com um pé direito mais baixo. A rotação do volume pré‐existente contamina o novo corpo no seu interior. A parede que separa a circulação da zona da cozinha, sala de jantar e sala de estar aparece neste enfiamento com uma ligeira inclinação. No outro braço do “L” funcionam os quartos e casas de banho. Todo o interior da casa foi demolido pois não se encontrava em bom estado de conservação sofrendo uma remodelação total para suprir as novas exigências. As paredes exteriores são mantidas estando os seus vãos já definidos e influenciando o espaço interior da casa. Este aspecto reflecte‐se num espaço interior bem mais fluido nos novos volumes do que no espaço interior da preexistência, condicionado pelos seus vãos. Próximo do movimento moderno o autor utiliza a janela como elemento basilar nas suas obras. Estas são desenhadas como se de telas se tratasse, ajudam a definir enquadramentos na paisagem construindo um ambiente interior no espaço arquitectónico. Na sala, na articulação do “L”, surge uma janela‐alcova que enquadra a paisagem. É um olho em direcção aos campos, criando um recanto mais intimista. Numa franca relação com o exterior, abrem‐se vãos bem seleccionados. O cuidado minucioso com que escolhe o lugar exacto de cada vão, realça o jogo de relações interior/exterior. As caixilharias em madeira são pintadas de branco apenas pelo interior. A materialidade da obra constrói um ambiente flamenco sobre a história do solar. Na galeria, mais concretamente, entra em diálogo a tradição rural do artesanato versus a arte contemporânea. O projecto apresentado reflecte, em parte, a doutrina de analogia defendida por Viollet‐le‐Duc. Os novos volumes encontram razão no existente, não caindo no seu mimetismo imediato. Não representam uma repetição dos que já existia, mas uma busca de aproximação da escala, da volumetria e do detalhe. “…há uma quase obrigação moral de não tentar imitar uma coisa de que à partida se sabe ser irrepetível, não é natural. Daí outros materiais, com outro rigor na execução, rigor que responde ao que a arquitectura hoje permite, mas de forma a estar ao lado daquela arquitectura tradicional. Não se limitam as marcas do tempo. O conforto que hoje se exige tem a ver com a técnica e o rigor da execução. De uma maneira geral a ideia é manter o espírito da arquitectura local, e o seu relacionamento coma a paisagem.”104
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SIZA, Entrevista anexo I, 15 de Agosto de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de
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080 | Vista geral | mesma volumetria | materiais diferentes. 081 | Vista Oeste. 082 | Vista Norte | relação novo/antigo. 083 | Interior | galeria 084 | Janelas que enquadram a paisagem | telas.
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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
O novo e o antigo dialogam por justaposição, onde a utilização do mesmo material, o tijolo, só nas fachadas contíguas é exemplo desta coexistência harmoniosa. Sem medo de afirmar o gesto, construindo novos volumes por analogia aos existentes, utilizando novos materiais e originando novas utilizações, a casa nasce como um todo suprindo as necessidades exigidas pelos dias de hoje. A diferença de materiais reflecte a vontade do arquitecto de querer afirmar a mutação do tempo, factor sempre presente em processos de reabilitação. A simplicidade do desenho, destaca os elementos essenciais da arquitectura, paredes e tectos que resistiram à passagem do tempo e se tornam referência. Inspirado na plasticidade da construção existente, o autor acrescenta a sua sensibilidade, experiência e conhecimento na nova obra. Esta atitude é reflexo da capacidade do arquitecto em ter uma visão alargada do lugar e da região para onde projecta, resumindo‐o em cada obra. Cada projecto é encarado isento de preconceitos, arrisca e tenta encontrar a medida justa em cada sítio, auxiliado pela história da arquitectura e do lugar para onde projecta. A justaposição de diferentes tempos, memória e materiais está intrínseca no seu acto de projectar pois é uma realidade transversal quer ao acto de reabilitar e conjugar o novo e o antigo como também quando intervém na cidade descontínua e constituída por diferentes layers. Na Casa Van Middelem, o arquitecto, faz conviver os dois tempos através da continuidade, os novos volumes justapõem‐se aos existentes não existindo um forte contraste.105 A arquitectura de Siza Vieira, respeitando sempre o património e as preexistências, não deixa de ser actual, afirmativa e definidora de uma postura intervencionista. Espelha continuidade entre o velho e o novo, mantendo intacta a personalidade e a essência da preexistência. Neste sendido, torna‐se clara a influencia sofrida pelo Arquitecto Fernando Távora. Como já foi referido, a casa constrói‐se de formas simples, e são estes detalhes arquitectónicos que fazem o espaço fluir. Todo o conjunto está dominado por tons neutros que destacam a volumetria no meio do campo verde. O processo de ampliação e recuperação resultam em continuidade e harmonia com a atmosfera do lugar e carácter das edificações já existentes. É esta simplicidade do gesto que confere sentido
105
Na Casa Alcino Cardoso, em Moledo do Minho, 1971‐1973, projecto de reabilitação do mesmo arquitecto, evidencia‐se uma postura
mais radical. O novo volume intersecta a construção rural preexistente, a que o autor chama de imatura.
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dentro
fora Casa Van Middelem-Dupont
contiguidade
Casa Van Middelem-Dupont
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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
ao novo volume retirando‐lhe a condição de acrescento. O conjunto resulta totalmente integrado, transmitindo a ideia de que a nova construção sempre esteve aí. Como referiu Juan Domingo Santos ““viendo la obra de Álvaro Siza se tiene la sensación de que un proyecto nace de una necesidad, de un equilibrio o de un vacio por explorar.”106 Na entrevista feita ao arquitecto para a revista Croquis, Siza é questionado sobre a utilização da expressão “recuperar” em detrimento de outras como restauro, reabilitação, reconstrução ou inovação. Em resposta, Siza, esclarece que “Recuperar es algo que va mas alla de lo físico y de lo material (…) para mi tiene mucho que ver con cosas muy diferentes, incluso culturales, y no solo con la arquitectura o la construcción, sino que está relacionado con una lectura funcional de la ciudad”107 No seu ponto de vista, a ideia de restauro prende‐se directamente com a consolidação da parte material de um edifício importante, independentemente da sua função. Assim, o uso que faz da palavra recuperar é mais amplo e diferente, tem um sentido que não é material nem físico, relaciona‐se com a atmosfera e ambiente do lugar.
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Idem: 22
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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Aires Mateus e associados Manuel e Francisco Aires Mateus nasceram em Lisboa e formam‐se na década de 80, pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Durante o seu periodo académico sofrem grande influência por parte do Arquitecto Manuel Taínha. Nasceram no seio de uma família de artistas, pai arquitecto e mãe pintora, que acaba por marcar o seu crescimento e influenciar o resto das suas vidas como arquitectos. Recebem, pela mão do Arquitecto Gonçalo Byrne, os primeiros ensinamentos enquanto arquitectos. Desta parceria, logo após as suas licenciaturas, resulta o início da arquitectura praticada pelos dois irmãos que, mais tarde, acabam por formar o seu próprio atelier. Guiados pelo purismo e simplicidade da forma, tentam com esta valorizar o espaço para onde projectam, recriando‐o e organizando‐o em cada gesto. Cada obra é revestida de grande intencionalidade no campo dos sentimentos e sensações que provoca nas pessoas que as precorrem, carcterística herdada do Barroco, como referiu Delfim Sardo. O contraste, o efeito surpresa, a espacialidade que se descobre na apropriação do espaço caracterizam a obra de Manuel e Francisco Aires Mateus. Criam diferentes ambientes pelos contrastes luz/sombra acentuados pela utilização da cor branca nas suas obras. A sombra torna‐se tão importante como a luz na definição do espaço. A influência do branco imprime, nas suas obras, a ideia da arquitectura tradicional alentejana, trabalhando a fachada limpa como um limite rigoroso entre interior e exterior. No alentejo, os muros brancos e robustos, com aberturas pontuais, conferem ao interior características mais intimistas e pelo exterior revestem‐se de uma luminusidade extrema resultado do reflexo da luz do Sol. Este mesmo efeito é captado em muitas das suas obras. Arquitectos livres de preconceitos, arriscam e questionam o espaço da casa, afastam‐se do convencional na procura de novos conceitos caracterizadores de uma linguagem própria. O desenho de cada obra parte sempre de uma ideia forte, de um conceito que os conduzirá a um resultado final ambicionado mas que muitas vezes sofre transformações e descobertas no seu processo. A arquitectura destes autores faz‐nos repensar a arquitectura de hoje, através de uma linguagem forte, simples, que os caracteriza. Este processo criador não é um exercício meramente experimental, inclui e preocupa‐se com o usuário ao qual a obra se destina. A obra dos autores caracteriza‐se pelo confronto entre o cheio/vazio, o interior/exterior pela ideia de que a 97
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087 | Vista aérea sobre Alenquer | Casa já construida. 088 | Ruína. 089 | Casa de Alenquer | transformação formal. 090 | Casa de Alenquer | maquete de implantação. 091 | Casa de Alenquer | planta de cobertura.
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arquitectura é uma massa moldável com peso e substância, realçando uma percepção unitária de conjunto. Resulta na adição e subtracção de partes, que o habitar vai ocupar. Defensores das formas puras, o quadrado é uma figura presente nas suas obras. Pela sua geometria, sem influenciar direcções ou acentuar enfiamentos, ajuda na implantação, na proporção e na descoberta da medida exacta que passam pelas formas clássicas de um palácio, ou mesmo pelas formas vernaculares da casa‐pátio. “…um quadrado surge, sobretudo bidimensionalmente em projectos que não estão referenciados a nada. Casas que são no meio do campo. (…) o quadrado, é a primeira unidade de fundação romana, é uma forma que não tem direcção, não é uma coisa insólita como um círculo. O quadrado é o zero, e trabalha‐se com essa intuição, com essa experiência do subconsciente.”108 Seguros das suas formas, os irmãos Aires Mateus, viajam pela Arquitectura Clássica para suprirem necessidades actuais e levantarem questões de projecto que se tornam disciplina. Contudo, não perseguem uma arquitectura do seu tempo. Encontram nesta expressão uma carga demasiado volúvel, na qual não se podem basear, pois o tempo está sempre em constante mudança. “As construções vão ultrapassar‐nos a todos em longevidade. Portanto, ter uma demonstração de declaração de tempo muito peculiar não é matéria interessante para nós. Pensamos sempre que as coisas não têm, ou desenha‐se para não terem tempo.”109 Apesar de tocar diferentes programas, a obra desta dupla procura uma reflexão sobre a temática do habitar. Os processos de reabilitação e intervenção em preexistência são uma realidade recente para os autores mas que o vêem como um desafio, uma oportunidade e um enriquecimento enquanto arquitectos . Intervir sobre a preexistência, dizem ser sempre uma oportunidade que requer “concentração e algum cuidado na avaliação daquilo que se encontra.”110 Contudo, não vêem muitas diferenças entre um projecto de reabilitação e um projecto de raíz. O método é semelhante. “Um projecto de recuperação parte sempre de tentar perceber, naquilo que se está a recuperar, o que é importante e o que é irrelevante. Não existe dogma nenhum, nem preconceitos em relação a uma recuperação, em que uma pessoa diga: “Se é uma recuperação em absoluto, não se pode deitar nada a baixo.” Nem sequer existe esse
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SILVA, Entrevista anexo 3, 17 de Julho de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de
Grau de Mestre em Arquitectura apresentada ao Instituto Superior Técnico da Faculdade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2010: 98 109
Idem: 102 Ibidem
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
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092 | Casa de Alenquer | Planta R/C. 093 | Casa de Alenquer | Planta 1º piso.
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respeito pelo antigo em si. Existe sim, e isso é uma constante no atelier, uma grande valorização daquilo que o tempo foi sabendo deixar como legado. (…) uma recuperação, em si, não é diferente de um projecto novo, porque aquilo que nos chega do tempo, quando nós percebems que foi acidental ou casual, não representa, em si, limitação nenhuma.”111 Os projectos de reabilitação que se destacam na sua obra são a Casa de Azeitão e a Casa de Alenquer, analisada em seguida. Em ambos os casos é de realçar a importância de um conceito inicial que origina a forma. Os arquitectos constroem o habitar no entre, no interior/exterior. Francisco e Manuel Aires Mateus lêem a preexistência como mais um factor coadjuvante ao acto de projectar, que deve ser tido em conta mas sem nunca se tornar o elemento dominador da obra. Colabora no desenho da obra, na criação do conceito e de objectivos, mas é colocado em posição semelhante a outro factor. A preexistência é utilizada como mote para o projecto, é posta ao serviço do projecto por oposição à sua demolição, a obra nasce dela. Mais do que a sua materialidade, texturas e formas o importante é o espçao que ela potencia.
Casa em Alenquer Alenquer, Portugal – 1999‐2001 Situada em Alenquer, a casa dos irmãos Aires Mateus constitui um ponto de reflexão e viragem na sua carreira enquanto arquitectos. Do projecto à obra decorreu um período de sete anos, desde 1995 a 2001. Um espaço de tempo que foi cheio interrogações, experimentação e muitas vezes voltou‐se ao início numa atitude de projectar e [re]descobrir. Apesar das pequenas dimensões, a obra surge como um “atelier experimental”, sem recear o tempo e a história ou o produto obtido, ensaia‐se de novo e redescobre‐se de forma intuitiva. Tendo como objectivo encontrar uma lógica forte e coerente para o projecto, aceitam‐se mudanças de direcção e o projecto nasce de uma constante selecção de opções, articulação de espaços e relação entre tempo e lugar. “…a Casa de Alenquer, enfim, por constrangimentos, quase por casualidade fez com que o atelier, pela primeira vez dentro do seu trabalho, percebesse que um legado ou que uma preexistência podia ter um valor cénico e compositivo activo. E não 111
SILVA, Entrevista anexo 3, 17 de Julho de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de
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094 | Casa de Alenquer | Cortes longitudinais e transversais. 095 | 096 | Vista exterior | recuperação da ruína. 097 | Vista da Piscina.
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representar uma limitação, representar uma oportunidade.”112 O projecto surge como resposta ao problema do habitar, jogando com o factor tempo/ruína. A casa lê‐se como “casa objecto” implantada no vazio e é destes vazios que vive o espaço. É no diálogo ambíguo entre novo e existente, interior e exterior, que a obra nasce. Surge então uma nova possibilidade para o habitar, que ultrapassa a concepção clássica de casa. Foi construído um novo corpo, e foram deixadas as paredes preexistentes ao redor da nova construção. As paredes da ruína existente, carregadas de significado histórico, estabelecem o primeiro contacto entre o usuário, a envolvente e casa propriamente dita. A casa, distancia‐se da pele exterior criando um vazio que unifica todo o conjunto. Este vazio, que surge entre os dois corpos, constrói e organiza as zonas de circulação exterior, definindo a fronteira entre os dois corpos. É um espaço de intimidade. O piso de madeira não só confere continuidade interior/exterior como também realça as peças construídas. A tensão da obra está entre limites. Os espaços moldam‐se entre fachadas e constrói‐se um espaço unitário. Construtivamente, faz‐se a consolidação e reparação da ruína das paredes da antiga casa. Esta funciona como um elemento compositivo, está ao serviço do projecto mas materializada da mesma forma que a nova construção, com o mesmo acabamento que o novo volume. Toda rebocada de branco, a preexistência ganha agora uma maior expressão e materialidade. Funcionou como mote para o projecto, não se impondo, mas sim integrando‐se. Abriram‐se vãos e acrescentaram‐se partes, sem nunca recear o passado. Resultando numa maior coerência do conjunto. A verticalidade do espaço foi afirmada pela nudez das paredes exteriores que antes se apresentavam divididas por um piso e agora mostram, de uma só vez, a sua altura máxima. Este efeito de verticalidade é acentuado pelo reflexo da água da piscina que torna mais luminoso todo o espaço. A casa propriamente dita, a que se constrói dentro desta pele, é trabalhada ao milímetro com a preocupação de orientar os vãos da casa de acordo com os vãos da ruína. Neste sentido, alcança‐ se uma continuidade visual com o interior, espaço intermédio e exterior. É um jogo de vistas que vai construindo o espaço interior e exterior. A casa foca a envolvente cuidadosamente e constrói o espaço interior. No piso térreo situa‐se a cozinha, sala e sala de jantar com um enfoque de paisagem minucioso entre os “vãos duplos”. No piso superior organiza‐se a zona mais privada da
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SILVA, Entrevista anexo 3, 17 de Julho de 2009, por Mafalda Trindade, para Reabilitar para Habitar, Dissertação para obtenção de
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098 | Casa de Alenquer | Entrada na ruína. 099 | 100 | Casa de Alenquer | vistas do entre | ruína/casa. 101 | Jogos de luz | diferentes planos brancos. 102 | Casa de Alenquer | vista interior | aceso ao 1º piso. 103 | Casa de Alenquer | vista interior | sala piso R/C.
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casa. A luz exerce um grande papel na composição do espaço. O branco propicia um espaço cheio de luz, produzindo efeitos e ambientes distintos entre luz própria e reflectida. Neste processo de reabilitação com transformação formal apenas restaram as paredes exteriores que vão influenciar toda a obra conferindo carácter ao novo espaço que se constrói dentro. Assim, e sem recear o peso do passado, o seu interior foi ocupado sem obedecer a regras previamente concebidas e constrói‐se a habitação num corpo independente, mas necessariamente ligado ao anterior. A impossibilidade de sustentação das paredes com o seu interior demolido, leva os arquitectos a descobrir uma nova possibilidade do habitar. A casa constrói‐se dentro dos muros da ruína e estes fazem a mediação entre a envolvente e o espaço exterior da casa. A obra materializa‐se num todo coeso, construído por duas partes e dois tempos: uma pele exterior e um volume no seu interior unidos pela tensão do vazio. Este conjunto de factores permitiu reinventar uma história anteriormente marcada nas paredes existentes pelo passar dos anos. A apropriação do espaço resulta do entendimento consciente da preexistência em sintonia com a capacidade de exploração de novas realidades – o vazio – por parte dos arquitectos. Considera‐se então como ponto de partida a ruína, na materialização do habitar. É nesta atitude de descoberta e experimentação que surge este novo conceito de habitar entre limites. Com esta obra abre‐se caminho para uma nova forma de abordar o projecto a priori, experimenta‐se e criam‐se novas possibilidades de uso. O gesto de Francisco e Manuel Aires Mateus define‐se no acto de projectar dentro de algo, utilizando o passado ao serviço do projecto. Os arquitectos, perante um exercício recorrente de habitação, abrem caminho para novas possibilidades. “para hacer una casa, se coge un puñado de aire y se lo sujeta con unas paredes”.113 A casa constrói‐se no vazio e este espaço assume igual importância no conjunto. A força da preexistência ditou o projecto pela materialidade e presença com que se manteve de pé. O despojamento com que se apresentou a ruína conferiu força à nova arquitectura, quase como se do essencial se tratasse. Para o arquitecto Manuel Aires Mateus a casa de Alenquer é um ponto de charneira. “Desenhámos a recuperação tradicional de uma casa, um projecto correcto para se fazer no campo, numa vila histórica; quando começámos a obra, ruiu tudo, as paredes não tinham 113
Provérbio Nazarí. BAEZA, Un puñdao de aire in 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 46
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105 | Casa de Alenquer | vista do entre.
dentro
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contiguidade
Casa de Alenquer
Casa de Alenquer
Esquema V | Casos de Estudo | Aires Mateus | Casa de Alenquer | Alenquer, Portugal - 1999-2001
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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
capacidade de carga.”114 “Ficaram as paredes exteriores, só.”115 “O que era uma casa banal transformou‐se numa ruína lindíssima. E decidimos mudar o projecto completamente. Começámos a ter outra consciência da realidade, e outro afecto [pelo que existia].”116 Referem ainda como foi importante trabalharem com o que já existia para perceberem o valor do material e o valor do tempo. Foi um projecto de grandes descobertas e possibilidades. A partir deste projecto, os arquitectos estão mais disponíveis para perceber o que realmente existe, ou existiu, num terreno a projectar. Abriu‐se o campo de liberdade no acto de projectar. “O que percebemos ali foi a liberdade com que é possível operar. É a pessoa dizer: "Tenho um campo de liberdade, posso, e mais, devo usá‐lo." Um projecto é uma infinita condição de possibilidades que podemos e devemos usar. E usamos. O que não acontecia antes. Tínhamos uma espécie de esquema, queríamos fazer uma arquitectura dizendo sempre que não.”117 Neste processo de reabilitação os arquitectos percebem que podem “navegar pela história com uma total liberdade. Não tem de ser cronológico; posso andar para a frente, para trás, misturar tempos. Ou na teoria, ou nas influências, em qualquer ponto da cultura.”118
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AIRES MATEUS, Manuel, Entrevista Os Aires Mateus são dois, mas são um, por Anabela Mota Ribeiro 22.11.2010 ‐ 11:46, para Jornal
Público 115
AIRES MATEUS, Francisco, Entrevista Os Aires Mateus são dois, mas são um, por Anabela Mota Ribeiro 22.11.2010 ‐ 11:46, para
Jornal Público 116
AIRES MATEUS, Francisco in 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 46
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AIRES MATEUS, Manuel, Entrevista Os Aires Mateus são dois, mas são um, por Anabela Mota Ribeiro 22.11.2010 ‐ 11:46, para Jornal
Público 117
Ibidem Ibidem
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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Eduardo Souto de Moura Licenciado em arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, Eduardo Souto Moura iniciou a sua carreira no atelier de Álvaro Siza Vieira, entre 1974 e 1979, ainda como estudante. É no programa de habitação desenvolvido pela escola, pré‐SAAL, que conhece Siza. Termina a sua formação, em 1980, e começa de imediato a sua actividade liberal. A escola é decisiva e basilar no seu desenvolvimento enquanto arquitecto, onde recebe diferentes ensinamentos com diferentes abordagens ao projecto, umas mais sensoriais e abstractas, outras mais técnicas e construtivas, pela mão de diferentes arquitectos, como o arquitecto Távora, o escultor Alberto Carneiro, o arquitecto Alcino Soutinho entre outros. Seguidor dos princípios da arquitectura Portuguesa, defendidos pelos seus Mestres Fernando Távora e Siza Vieira, Souto de Moura enquadra‐se no panorama nacional, onde os valores tradicionais da história, da terra e do património são estimados. “O ensinamento de Távora não se referia tanto ao projecto como aos princípios: o papel do desenho, a compreensão do lugar, a importância da história.”119 A problemática e valorização do contexto histórico e social, a importância do lugar, a integração da obra, a arquitectura vernacular e a tradição, são princípios que acabam por marcar profundamente a sua arquitectura. No seu gesto fica claro o rigor, a precisão das formas e a sua profunda sensibilidade perante o contexto reinterpretando a lógica construtiva tradicional. “A arquitectura de Souto de Moura nasce sobretudo de esquissos de alçados que marcam imediatamente e, com uma limpeza extrema uma identidade figurativa complexa do edifício e do lugar.”120 Neste sentido, cuida os detalhes na selecção dos materiais locais para que a obra nasça fazendo parte do lugar onde se insere. Trabalha a pedra, o betão, a madeira e o alumínio conjugando‐os de forma harmoniosa. Reinventa o muro em pedra, por uma necessidade construtiva e fortemente figurativa, recorrendo a uma máscara que esconde uma construção basilar. O muro em pedra está acoplado ao muro de betão rebocado ou de tijolo, onde se insere o grande caixilho em vidro e aço ou madeira. Seduzido pelas soluções construtivas, faz “…o contraste entre a simplicidade dos princípios vitruvianos da construção (…) e a complexidade construtiva da desconstrução vanguardista. (…) Trata‐se de uma curiosidade natural pelo facto construtivo em si, pelos seus
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SOUTO DE MOURA, cit. ESPOSITO, LEONI, 2003: 11 Idem: 24
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106 | Maquete da proposta de recuperação da Casa D6‐2.
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aspectos mais concretos e diminutos, afinados pela intervenção frequente em edifícios existentes.”121 É de salientar a influência de Mies Van der Rohe na obra de Souto de Moura. Precursor da máxima “less is more”, encontra na simplicidade, na pureza da forma e dos materiais, o caminho para a sua arquitectura. É, neste sentido, próximo de Mies Van der Rohe pela procura incessante da elegância da forma sempre com base numa lógica construtiva, na fragmentação dos planos, nos jogos de sobreposições de diferentes peles e materiais, bem como na ocultação da estrutura. Na sua obra, privilegia a forma simples, o gesto preciso e único, e a materialidade de cada elemento arquitectónico. Dialoga entre o natural e o artificial através de um jogo de texturas. É revelador do seu talento e respeito pela cultura vs modernidade, a capacidade de "usar uma pedra com mais de mil anos ou inspirar‐se num detalhe moderno de Mies van der Rohe."122 Eduardo Souto de Moura, identifica‐se por uma arquitectura de linhas rectas, com texturas, que transmite emoções através da matéria‐prima e dos espaços simples. Para o autor, as obras têm que ser simples, sem serem simplistas, e belas, sem serem bonitas. Gosta da palavra “desassossego” de Fernando Pessoa, que o conduz nesta busca, constante e incessante, da forma. Recentemente distinguido com o prémio Pritzker, diz, ser um gratificante reconhecimento de trinta anos de trabalho e encontra em cada prémio motivação para continuar a projectar. Reconhecido pelo júri do Prémio Pritzker como “um arquitecto fascinado pela beleza e autenticidade dos materiais, Souto de Moura reflecte a afirmação da cultura portuguesa em cada manifestação de contemporaneidade. Para Siza, “A sua obra é de um grande rigor, de uma grande exigência. Não conheço nenhuma obra descuidada. Há sempre grande atenção à inserção de cada obra que faz. Não são peças isoladas e fazem parte de um tecido. É uma arquitectura que tem passado e anúncios de futuro.”123 Sem deixar de reflectir a arquitectura do seu tempo, de inovar, de ser actual e suprir as necessidades do presente, Souto de Moura dá voz à arquitectura tradicional integrando‐a no desenho das suas obras. Durante as últimas três décadas, o autor cria uma arquitectura que é do 121
SOUTO DE MOURA, cit.ESPOSITO, LEONI, 2003: 19
122
Comunicado do Júri do Prémio Pritzker, Reacções à escolha de Souto Moura para Pritzker, por Sérgio C. Andrade, Alexandra Prado
Coelho, Cláudia Carvalho, 28.03.2011 – 20:06, para Jornal Público
123
SIZA, Entrevista Reacções à escolha de Souto Moura para Pritzker, por Sérgio C. Andrade, Alexandra Prado Coelho, Cláudia Carvalho,
28.03.2011 – 20:06, para Jornal Público
111
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
107
108
109 107 | Casa D6‐2 | planta 1º e 2º piso | planta de cobertura. 108 | Casa D6‐2 | planta estúdio. 109 | Casa D6‐2 | corte longitudinal pelo estúdio.
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III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
nosso tempo mas que também espelha a arquitectura tradicional. “Os seus edifícios apresentam uma capacidade única de conciliar características opostas, como o poder e a modéstia, a coragem e a subtileza, a ousadia e simplicidade ‐ ao mesmo tempo”, como refere o comunicado emitido pelo júri do prémio Pritzker. Autor de grandes obras de reabilitação, como a Pousada de Santa Maria do Bouro, Souto Moura acredita na renovação e mudança da vida de um edifício, e vê‐a como algo natural, resultado da evolução dos tempos.124 “Estoy convencido de que cualquier edifício puede tener outra vida.Si hay una grangrena, no siempre es necesario cortar una pierna entera. Se puede cortar en dedo. Creo en la reparación. Me gusta ser realista. Es muy fácil para los arquitectos estar enfadados y sentirse mal com el mundo. La mayoría encuentra siempre motivos de ofensa. Yo soy realista. Creo en la reparación”125 Na reabilitação fica clara a sua capacidade de conciliar o novo e o antigo, diversos sistemas de linguagem e diferentes sistemas construtivos, resultado de um “talento e uma inteligência inata. Mas também um saber e uma cultura de irrepetível sensibilidade.”126
Projecto de Recuperação da Casa D6‐2 R. Padre Luís Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal – 2001 O projecto de reabilitação do arquitecto Souto de Moura, na Foz Velha do Porto, surge como resposta ao problema de intervir num centro histórico denso e fortemente consolidado. O lote urbano estreito e profundo, característico desta zona da cidade do Porto, levanta problemas de ampliação pela sua implantação entre casas e pela imagem marcante de cidade consolidada ao longo dos anos. É então necessário criar uma obra que seja capaz de, em simultâneo, suprir as necessidades contemporâneas do habitar e dialogar com a história da cidade. 124
Ver capítulo II | Intervenção como Transformação Formal | O problema do [re]desenho, página 52
125
SOUTO DE MOURA, Entrevista Eduardo Souto de Moura “Soy realista creo en la reparación”, por Ana Txu Za Balbeascoa, 24‐07‐
2011, para o jornal El Pais 126
BRANDÃO COSTA, Entrevista Reacções à escolha de Souto Moura para Pritzker, por Sérgio C. Andrade, Alexandra Prado Coelho,
Cláudia Carvalho, 28.03.2011 – 20:06, para Jornal Público
113
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
110 | 111
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113 | 114 | 115
110 | 111 | Casa D6‐2 | alçados Norte e Sul. 112 | Casa D6‐2 | corte longitudinal. 113 | 114 | 115 | Alçado principal Norte da Rua Padre Luís Cabral. 116 | 117 | Entrada do estúdio | pátio exterior. 118 | Alçado Oeste | entrada traseiras.
114
116 117| 118
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Assim, o projecto de reabilitação e ampliação surge com o intuito de construir uma habitação unifamiliar que garanta “as condições mínimas de habitabilidade e salubridade a um edifício que tinha inicialmente 61.5m2 de área bruta.”127 O edifício confronta a Norte com a Rua Padre Luís Cabral, e a nascente com a Travessa do Passeio Alegre. Como já foi referido, impõe‐se a ampliação do espaço. E, uma casa inicialmente constituída por um piso, é ampliada para um segundo piso. O programa distribui‐se da seguinte forma, no piso 0 a sala comum, uma cozinha, uma lavandaria e um sanitário, e no piso 1 dois quartos e duas casas de banho. A obra surge como o completamento de um quarteirão urbano num dos locais com maior densidade da história da cidade do Porto. O confronto com a história é estabelecido, principalmente, com as fachadas existentes que conformam a rua e caracterizam o local. A extensão da casa ao piso 1 permite não só colmatar uma necessidade funcional como também ajustar formalmente a imagem da rua. Os edifícios contíguos apresentavam cérceas diferentes, é o novo edifício que faz a ponte entre os dois e preenche o vazio existente no alçado da rua. A fachada da nova intervenção surge como resposta a uma necessidade funcional de ampliação da casa. Liga‐se de forma subtil ao edifício existente e propõe uma linguagem contemporânea numa zona de cidade fortemente marcada pela história urbana. A nova arquitectura, de linhas simples, faz a ligação com as formas do passado construindo uma ideia de conjunto. Apesar de claramente assumida por Souto de Moura a intervenção com transformação formal, são cuidados, pelo arquitecto, aspectos de continuidade com o contexto, abrindo um único vão na fachada Norte do segundo piso. Esta opção não só reflecte a largura bastante reduzida do lote, de 4,70m, como também se prende com a intenção formal de criar “um mimetismo com toda a zona envolvente, onde a relação parede‐vão é bastante vincada.”128 Harmonizam‐se assim edifícios diferentes do mesmo conjunto que revelam a época de construção, não só desta zona de cidade, mas também, e numa perspectiva mais alargada, da história da cidade. O aproveitamento do lote, não só é feito em altura como na sua extensão. É potenciada a ligação à Travessa do Passeio Alegre pela criação de um estúdio que articula com a casa através de um pequeno jardim. 127
SOUTO DE MOURA, memória descritiva do projecto de recuperação da Casa D6‐2, R. Padre Luís Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal,
2001 Ibidem
128
115
119 120 | 121
119 | 120 | Casa D6-2 | sala.
Casa D6-2
dentro
fora
contiguidade
Casa D6-2
116
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Nas suas intervenções, Souto de Moura atribui grande importância à solução construtiva, que é, muitas vezes, esclarecedora da solução adoptada. A contraposição entre inovação e tradição prende‐se com esta necessidade construtiva que acaba por contaminar a escolha de materiais. Aproveitando a preexistência, o edifício sustenta‐se através das suas paredes exteriores, acrescentando‐lhes uma estrutura de betão armado. As lajes são igualmente em betão armado. A garantir o conforto térmico estão as suas paredes exteriores e empenas revestidas com isolamento térmico. Comum acabamento de reboco e pintura. Pelo interior as paredes são rebocadas com reboco estanhado e pintura. Na zona de quartos, no piso 1, o pavimento é revestido a soalho e no piso inferior, é revestido por mármore creme marfim. Com o intuito de garantir uma maior continuidade com a envolvente, as caixilharias, viradas para a rua, serão em madeira pintadas de cor branca. No interior, voltadas para o pátio e estúdio são em alumínio à cor natural. A intervenção de Souto de Moura não só colmata uma necessidade funcional como também permite alcançar a sobriedade expressiva numa arquitectura urbana. O acrescentar de mais um piso consolida a arquitectura existente dotando a obra de inteligência e densidade que a faz encontrar o seu lugar no tempo e no espaço de hoje sem esquecer a sua origem. A casa resulta em perfeita sintonia entre lote e cidade. Uma solução sóbria que reforça o equilíbrio e a imagem da rua. A intervenção formal é claramente assumida pelo arquitecto, mas é o gesto simples, que o caracteriza, que harmoniza todo o conjunto. Fica clara a possibilidade de intervir numa zona histórica consolidada. Usando a sua sensibilidade, sentido crítico, e um rigoroso conhecimento construtivo, a obra nasce reflectindo um gesto contemporâneo mas sempre a dialogar com o passado. O equilíbrio está na forma justa do acrescento, na delicadeza da cor, no apuramento do vão. A casa, que pelas suas dimensões reduzidas, era incapaz de responder às necessidades actuais da família, com a reabilitação afirmativa e consciente, do arquitecto Souto de Moura, devolveu‐se à vida.
117
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
122 | Esquisso Nuno Brandão Costa | reconstrução da casa unifamiliar d’Arga de Cima.
118
122
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Nuno Brandão Costa Influenciado por Fernando Távora, Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, Nuno Brandão Costa constrói o seu percurso e define uma linguagem própria. Formou‐se, em 1994, na Faculdade de Arquitectura de Universidade do Porto, mas é também, pela mão da dupla suíça Herzog & Meurron, que, em 1992, durante o seu estágio enquanto estudante, recebe grandes ensinamentos. O contacto directo com esta dupla fá‐lo ver a arquitectura de um modo distinto que tinha experimentado na escola do Porto, “...vi‐me numa cultura totalmente diferente, centro‐ europeia, muito mais conceptual e racionalista. Provavelmente, alguma da geometria que as pessoas vêem na minha obra ainda vem desses tempos.”129 Ligado à história e tradição, através da formação metodológica da escola do Porto, encontra, no estágio em Basileia, o complemento conceptual na abordagem ao projecto que também o define enquanto arquitecto. Considera o projecto uma acumulação de informações que advêm não só do conhecimento de diferentes autores de que se gosta, como também de viagens que o arquitecto realiza. Estas memórias estarão sempre presentes na hora de projectar. É o gosto pelo desenho que o conduz ao mundo da arquitectura “Tudo começou pelo desenho. Sempre tive gosto pelo desenho e tinha que seguir qualquer coisa que tivesse a ver com ele.”130 Neste sentido, o desenho, é a ferramenta que o acompanha no início e desenvolvimento do projecto. Este, transmite‐lhe certezas e “antecipa a realidade”131. A sua arquitectura minimalista nasce da geometria, de linhas rectas e sobreposição e composição de volumes puros. Distinguido com o prémio Secil 2008, Brandão Costa, segundo o júri do concurso é "um jovem arquitecto com uma obra consistente e rigorosa". É com o projecto de recuperação da Quinta de Bouçós, em Valença do Minho, que experimenta, pela primeira vez, a reabilitação. Trabalha com a história na intervenção e ampliação do existente e no diálogo do novo e do antigo, respeitando a sabedoria popular que envolve a preexistência. Para o autor, reabilitar e intervir num meio rural, “...são desafios muito duros. No sentido em que dão muito trabalho, sobretudo de pensamento. Não é como projectar uma casa ou um edifício público, em que o raciocínio é mais de lógica ou de geometria; há outras nuances.”132 A clara 129
BANDÃO COSTA, cit. MENDES, in Arquitectura & Construção nº53, O apelo do desenho, Fevereiro 2009: 87
130
Ibidem
131
Ibidem Idem: 89
132
119
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
123
124
125
123 | Casa d’Arga | planta R/C. 124 | Casa d’Arga | planta 1º piso. 125 | 126 | Casa d’Arga | Alçados Sul | Nascente.
120
126
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
geometria, transversal a toda a sua obra, compõe o espaço dotado de contemporaneidade e reflexo de uma linguagem adequada a cada contexto. Este respeito pela envolvente não subjuga o projecto a um mimetismo da preexistência, capta a realidade onde se insere trabalhando em sintonia com a envolvente. Reconhecido nacional e internacionalmente, Brandão Costa é um dos nomes mais relevantes da arquitectura portuguesa.
Reconstrução de Casa Unifamiliar Arga de Cima, Caminha, Portugal – 2005‐2008 O projecto de reconstrução da casa unifamiliar em Arga de Cima, do Arquitecto Nuno Brandão Costa nasce de ruínas e preexistências herdadas do passado. Com vista sobranceira para a Serra d’Arga ergue‐se a ruína de uma casa situada em Arga de Cima freguesia do concelho de Caminha. À partida, é inegável o seu valor arquitectónico como matéria projectável pela robustez, textura e presença das pedras que constituem a ruína. Para que desta preexistência nasça uma habitação unifamiliar é necessário intervir de forma profunda, de modo a garantir todas as condições de habitabilidade. O projecto tenta adaptar, ou melhor, servir‐se das pedras disponíveis para construir um novo edifício. Trata‐se de uma nova construção, onde a ruína intervém de forma determinante. Esta é o mote para o projecto, e é da materialidade, robustez e presença deste elemento que a obra nasce. A ruína resultou num espaço manipulável de forte potencial. Independentemente do tempo, a ruína renasce e dá lugar ao habitar. “Perguntaram‐me se naquela área seria possível uma casa, eu sem certezas mas sismado na textura das pedras disse que sim. Comecei o projecto e descobri uma casa, afinal grande, entre os muros e as espessuras de uma mescla de granito e xisto.”133 A reconversão dos restos da aldeia em habitação unifamiliar, procura dar lugar a um conjunto unitário com escala de casa. Nesta obra assume‐se claramente a preexistência, sendo possível datar e estratificar cada etapa da casa. 133
BRANDÃO COSTA, memória descritiva do projecto de reconstrução da Casa Unifamiliar em Arga de Cima, Caminha, Portugal, 2005‐
2008
121
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
127| 128 129 | 130
127 | 128 | 129 | Casa d’Arga | fotografias do levantamento | estado da ruína | pátio. 130 | Casa d’Arga | fotografias do levantamento | estado da ruína | muro exterior. 131 | 132 | 133 | Casa d’Arga | fotografias de obra | pátio. 134 | Casa d’Arga | fotografias de obra | muro exterior.
122
131 | 132 133 | 134
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Entre a mescla de xisto e granito que constituem a ruína, destacam‐se alguns elementos arquitectónicos marcantes como a escada de granito, que conduz ao segundo piso, e a espessura dos muros preexistentes. Estes serão elementos basilares na construção do projecto. As necessárias intervenções funcionais adaptam‐se à ruína numa atitude de continuidade com a história da aldeia. O novo constrói‐se dentro, deixando sempre os sinais visíveis de que tudo nasceu a partir do uso da preexistência. Utilizando e recuperando os restos e ruínas da aldeia, a casa nasce como parte da memória e do actual. A nova vida surge entre estes muros marcados pelo tempo. Apesar deste respeito pela história, o gesto não se torna tímido e é afirmado pela laje plana que surge na fachada da casa marcando todo o projecto. As pedras da ruína assumem lugar de destaque e a laje branca de linguagem contemporânea abraça e unifica todo o conjunto. Esta, não só protege os espaços da casa como também reflecte uma atitude contemporânea perante a reabilitação. Este elemento, que surge com espessuras diferentes nas diferentes fachadas, devolve a vida à ruína articulando todas as zonas que constituem o espaço da casa. Laje e ruína fazem renascer uma casa cheia de luz, marcada pela história. Durante o projecto, o desenho procura o concílio entre forma e programa e são introduzidos novos materiais. A composição volumétrica e formal da casa é depurada, dialogando o novo com o antigo. Os vãos, as pedras dos muros, a luz e o espaço são elementos permanentes na história da arquitectura que agora renascem dotados de um sentido de contemporaneidade. A casa constrói‐se com os muros existentes. Os vãos, portas e janelas, que parecem surgir aleatoriamente, resultam da sua ausência mas cumprindo sempre uma função no novo espaço. As zonas, interiores e exteriores, refeitas, mostram a riqueza inerente a uma reabilitação disponibilizada no diálogo entre novo e antigo. Resulta numa intervenção de reabilitação funcional, tipológica e construtiva realizada através das potencialidades da matéria edificada no lugar. Esta intervenção permitiu a continuidade do habitar neste pedaço de aldeia. A laje e o novo corpo de escadas, em betão, devolvem à casa a funcionalidade perdida pelo passar dos anos. Um pátio organiza os diferentes espaços da casa. Acede‐se ao primeiro piso através das escadas de granito, já existentes. Neste piso sala e cozinha articulam‐se a todo o comprimento numa franca relação entre ambas. No piso inferior, surgem dois quartos. Num volume anexo à casa, voltado para o pátio de distribuição, está uma zona de biblioteca, trabalho e lazer. Os pavimentos interiores são em madeira e as zonas de circulação em granito. 123
135 | 136 137 | 138 139 | 140
138 | Casa d'Arga | interior | sala | varanda interior. 140 | Casa d'Arga | corredor interior.
dentro
fora
Casa na Serra D'Arga contiguidade
Casa na Serra D'Arga
124
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Em suma, a obra afirma o reconhecimento e valorização da preexistência. O projecto surge como resposta à necessidade de habitar. Como solução funcional, o espaço da casa autonomiza‐se da ruína e surge no seu interior. A casa d’Arga é o exemplo de um corpo histórico onde foram introduzidos novos elementos contemporâneos que a devolvem à vida. “…e a casa ampliou‐se, cheia de luz, e a vista sobre a Serra ficou ainda maior.”134 134
BRANDÃO COSTA, memória descritiva do projecto de reconstrução da Casa Unifamiliar em Arga de Cima, Caminha, Portugal, 2005‐
2008
125
Casa D6-2
dentro
fora Casa Van Middelem-Dupont
Casa na Serra D'Arga
contiguidade
Casa da Cavada
Esquema VIII
126
Casa de Alenquer
Palavras-Chave da
Casa da Cavada
Contiguidade Fora
Casa Van Middelem-Dupont
Dentro
Aires Mateus e associados Casa em Alenquer Alenquer, Portugal - 1999-2001
Altura
Eduardo Souto de Moura Casa D6-2 Porto, Portugal - 2001
Altura Dentro
Casa Serra D'Arga Arga de Cima, Portugal - 2005-2008
Tabela Comparativa
III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar
Nas cinco obras apresentadas foi possivel identificar claros processo de reabilitação onde se recorre à intervenção com transformação formal por parte de cada autor. Os edifícios regeneraram‐se e, através da reabilitação, foram devolvidos à vida com uma nova aparrência e características capaz de enfrentar as necessidades e exigências dos novos tempos. Contudo, é de salientar, que não foi reposto o estado primitivo do edificio, não houve um restauro mas sim um processo de transformação, reabilitação e renovação com base na preexistência. 129
Considerações Finais
Considerações Finais O trabalho propunha‐se a reflectir sobre a reabilitação, em habitação unifamiliar, com recurso a transformação formal, colmatando, assim, a compreensão de um tema de projecto nunca abordado no decorrer do curso. O tema revelou‐se rico e complexo, e o que no início parecia um estudo que conduziria a um determinado conjunto de regras culminou numa descoberta incapaz de as formular. Este facto prende‐se com a infinita gama de possibilidades que a reabilitação oferece perante cada caso singular de uma preexistência. As conclusões reflectem, essencialmente, com caminhos e objectos inerentes a cada reabilitação, suportes e ferramentas que auxiliarão durante o processo criativo. A história da arquitectura conta‐nos a permanente transformação a que os edifícios estão sujeitos pela acção do tempo e do homem. Alteram‐se os tempos e surge, como natural, a necessidade de ampliação de uns, a amputação de outros, alterar funções, corrigir implantações, acrescentar ou suprir vãos, moldar o edifício às novas necessidades. O nosso passado arquitectónico revela‐se como um estado de permanente mudança, acertos e correcções dos edifícios ao longo dos anos, pelos seus actores, de reajustes sociais e económicos. As novas necessidades conduzem a intervenções que mantêm a vida dos edifícios e das cidades. Não existe uma única forma de intervir no existente, originando diferentes estratégias e atitudes, cada preexistência é um novo desafio, dotado de características próprias que advêm do objecto em si mesmo, do contexto onde se inserem e da história que viveram. Na hora de intervir terão que ser ponderados inúmeros factores. O arquitecto depara‐se com um conjunto infinito de possibilidades, desde a continuidade à tensão, por que terá que optar mas sem nunca perder a identidade de uma linguagem própria. Cabe ao arquitecto gerir esta liberdade actuando sobre o edifício de forma mais conservacionista ou intervencionista, variando a intensidade da sua acção, a sua recuperação ou demolição. Perante o mesmo contexto o arquitecto pode optar pelo contraste, onde se coloca em confrontação o velho e o novo, onde as duas partes, apesar de pertencerem a tempos diferentes, contribuem para a concepção do mesmo objecto arquitectónico, ou escolhe a fusão das duas realidades e trabalha em continuidade com os dois tempos.
131
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
Na primeira estratégia, de contraste e confrontação do novo com o existente é facilmente identificável o radicalismo da atitude interventiva. O edifício intervencionado assume maior destaque no contexto em que se insere. É possível encontrar esta atitude de ruptura com o passado ao longo dos tempos, mas com o espírito moderno e as novas tecnologias ao serviço da arquitectura, esta realidade tornou‐se mais afirmativa. No entanto, não confundamos uma atitude arrojada, de contraste com sentido crítico, com o total desconhecimento da história da arquitectura, projectando de forma autista alheada do contexto. A ruptura deve ser pensada, reflectida e apoiada, à semelhança das intervenções por continuidade, num alargado conhecimento da história da arquitectura. Quando, pelo contrário, a estratégia conduz ao novo integrado no existente, o gesto não tem que por isso se tornar tímido. Não são cópias ou mimetismos que trarão esta continuidade visual ao edifício, o processo parte sempre do existente, que está na génese do projecto, e o objectivo é alcançar uma imagem global de conjunto. Contudo, esta procura formal não significa necessariamente um camuflar do novo, assim, recorrendo a artifícios como mudança de materiais, técnicas que fazem parte da história da arquitectura.135 O processo pode passar pela adopção de uma continuidade visual, onde a intervenção segue, geométrica, volumétrica e proporcionalmente o existente136. O objectivo é cumprido sem que se perca a leitura dos diferentes estratos da história da arquitectura. A continuidade surge, muitas vezes, pelo desejo de tornar mais tranquila a nova intervenção, pela necessidade de enquadrar a obra num contexto de cidade mais alargado e fortemente marcado por determinada época, que é o caso do projecto de Recuperação da Casa D6‐2 do Arquitecto Eduardo Souto de Moura na Foz Velha.137 O novo piso nasce tranquilo, depurado, colmatando um vazio na malha histórica densa, respeitando cércias. É visível uma continuidade formal que alcança uma ideia unitária de conjunto urbano, articulando o novo com o antigo. A reabilitação é um processo que exige um contacto permanente com o edifício a intervencionar. A preexistência deve ser analisada e avaliada de forma cuidadosa, a que uso se destina, bem 135
Ver capítulo I | Evolução Histórica da Intervenção no Existente, página 15
136
Ver capítulo III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar | Álvaro Siza Vieira | Casa Van Middelem‐Dupont |
Oudenburg, Ostend, Bélgica – 1997‐2001, página 83 137
Ver capítulo III | Casos de Estudo | Reabilitação de Habitação Unifamiliar | Eduardo Souto de Moura | Projecto de Recuperação da
Casa D6‐2 | R. Padre Luís Cabral, Foz Velha, Porto, Portugal – 2001, página 109
132
Considerações Finais
como a sua relação com a envolvente próxima e a cidade onde se insere. Perante esta realidade, o arquitecto deve apoiar‐se na sua história, nos seus diferentes estratos, se existirem, no sistema construtivo, para que depois a possa recusar ou aceitar legitimando a sua intervenção. Esta análise da história deve ser sempre dotada de um espírito crítico, reconhecendo os valores a manter na nova arquitectura. Neste ponto situa‐se a diferença entre arquitecto e o historiador. Devemos encontrar na preexistência um estímulo à criatividade, estabelecendo em diálogo entre o novo e o antigo. O arquitecto deve ser capaz de potenciar a preexistência, acrescentá‐la, extrair partes, altera‐la para o mundo contemporâneo. A história da arquitectura é uma ferramenta vital neste processo quando analisada com espírito crítico. “A la beauté telle que l’a voulue un cerveau humain, une époque, une forme particulière de société, elles ajoutent une beauté involontaire, associée aux hasards de l’histoire, due aux effets des causes naturelles et du temps.”138 A história não deve ser imposta como uma realidade intransponível, deve sim trabalhar ao serviço do novo projecto, discernindo o que deve ser duradouro do que é acessório. Sem desrespeitar a história e tudo o que tal história acarreta, devemos encontrar na mudança e na transformação a beleza capaz de manter vivas as cidades. No diálogo entre o novo e o antigo importa encontrar um sentido para a história no momento presente, para que cada obra não se torne um museu vazio de sentido de contemporaneidade. A história, a preexistência, o programa, o contexto, o cliente, o espírito criativo do arquitecto são factores singulares a cada obra. Neste sentido, todas as intervenções conscientes revestem‐se de uma enorme complexidade e singularidade incapazes de estabelecer um método a priori. A resposta está no diálogo entre os diferentes intervenientes neste processo, “não de surdos que se ignoram, mas de ouvintes que desejam entender‐se, afirmando mais as semelhanças e a continuidade, do que cultivando a diferença e a ruptura.”139 Um olhar atento, reflexivo, e conhecedor, sobre a preexistência, contribui para uma intervenção legítima e conscienciosa. O modo como se pensa a construção deve ter o mesmo rigor e preocupação com que se pensa uma demolição, ou alteração do que já existe. Aceitar que o mundo está em constante mudança faz parte de ser arquitecto, cabe‐lhe encontrar um equilíbrio entre as partes de tempos diferentes. Cada intervenção surgirá diferente, pois diferentes serão o seu contexto e objectivos. Em algumas, apenas se transformará o seu interior, 138
YOURCENAR, 1983: 61 TÁVORA, 1985 cit TRIGUEIROS, 1993: 116
139
133
REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
noutras a sua composição formal e outras voltarão à vida com a combinação das anteriores. Em todas elas o trabalho deve estar sustentado no reconhecimento da preexistência, nas novas motivações e no objectivo de tornar harmonioso o conjunto das diferentes partes. Não há apenas uma verdade, a metamorfose encontra novos caminhos em cada obra e não é possível ditar regras para modelar o novo e o antigo. Num projecto de reabilitação é essencial ouvir, apreender e compreender a preexistência, e pô‐la em diálogo com a história do local e do objecto em si mesmo ‐ a obra resultará da conjugação destes factores. O desafio está em trabalhar com o passado como se do programa de projecto se tratasse, envolvê‐lo desde o início no acto criativo que influenciará o resultado final. Em cada intervenção de reabilitação acrescentamos mais um layer à história do edifício. Conscientes desta realidade, não podemos deixar de ser contemporâneos e viver na nostalgia do passado. O arquitecto deve ser conhecedor do edifício em que vai intervir, consciente e ponderado nas suas decisões mas do seu tempo. Perante um mundo de possibilidades, o tacto, a sensatez e o conhecimento conduziram a uma proposta equilibrada. As obras apresentadas têm como objectivo ajudar a compreender os conceitos, estratégias e posturas perante a reabilitação, enunciadas ao longo do trabalho. São projectos relevantes não só no âmbito da temática da reabilitação no panorama da habitação unifamiliar, como também nos percursos individuais de cada Arquitecto. Em cada obra encontra‐se o lugar exacto, justo e oportuno para a preexistência, tornando‐a parte integrante da nova realidade que se construiu. Nos casos analisados, o diálogo do novo com o antigo varia entre a justaposição, sobreposição ou independência. Através das cinco obras, de arquitectos portugueses, podemos reafirmar que perante problemas similares, são adoptados estratégias diferentes de reabilitação. A metamorfose encontra diferentes caminhos, mexendo na implantação de origem, ou simplesmente alterando a sua cércia. O homem, em colaboração inteligente com a ruína e a sua vontade, alcançará um projecto coerente, coeso e legítimo. Este processo, umas vezes escondido outras evidente, não pode surgir de outro local, se não da mão humana, que reinventa um certo lugar e um certo tempo. Em reabilitação a obra [re]nasce da preexistência… “le jour où une statue est terminée, sa vie, en un sens, commence. La première étape est franchie, qui, par les soins du sculpteur, l’a menée du bloc à la forme humaine; une seconde 134
Considerações Finais
étape, au cours des siècles, à travers des alternatives d’adoration, d’admiration, d’amour, de mépris ou d’indifférence, pas degrés successifs d’érosion et d’usure, le ramènera peu a peu à l’ètat de mineral informe auquel l’avait soustrait son sculpteur.”140
140
YOURCENAR, 1983: 61
135
Bibliografia
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PTPT337&tbm=isch&prmd=imvnsb&tbnid=uUxoFobV‐fyvcM:&imgrefurl=http://ilimitada‐ mente.blogspot.com/2010/01/patrimonio‐ historico.html&docid=q7AJIEHPTxatSM&w=208&h=320&ei=9GZ7Tv2kKOmY0QXz9MijAw&zoom=1&biw=1280&bih=571 &iact=rc&dur=656&page=8&tbnh=168&tbnw=109&start=101&ndsp=14&ved=1t:429,r:10,s:101&tx=45&ty=74, consultado
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15.07.2011;
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http://www.google.com.br/imgres?q=viollet+le+duc&hl=pt‐
BR&sa=X&rlz=1I7SKPB_pt‐ PTPT337&tbm=isch&prmd=imvnsb&tbnid=_m_Z2dkUCR72vM:&imgrefurl=http://unamaquinalectoradecontexto.wordp ress.com/2011/07/24/eugene‐emmanuel‐viollet‐le‐ duc/&docid=Dwl0fTCOow7p9M&w=303&h=478&ei=9GZ7Tv2kKOmY0QXz9MijAw&zoom=1&biw=1280&bih=571&iact=r c&dur=250&page=1&tbnh=116&tbnw=74&start=0&ndsp=27&ved=1t:429,r:4,s:0&tx=59&ty=64, 15.07.2011;
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http://www.google.com.br/imgres?q=viollet+le+duc&hl=pt‐BR&sa=X&rlz=1I7SKPB_pt‐
PTPT337&tbm=isch&prmd=imvnsb&tbnid=0z9Z_Q9yVh_SrM:&imgrefurl=http://www.19thc‐ artworldwide.org/winter_03/articles/mcqu_20.html&docid=NjNikmfy2XXrJM&w=235&h=310&ei=9GZ7Tv2kKOmY0QXz 9MijAw&zoom=1&biw=1280&bih=571&iact=rc&dur=110&page=1&tbnh=110&tbnw=84&start=0&ndsp=27&ved=1t:42 9,r:10,s:0&tx=43&ty=61, consultado em 15.07.2011; 036 | http://www.google.com.br/imgres?q=notre+dame&hl=pt‐ BR&sa=X&rlz=1I7SKPB_pt‐PTPT337&tbm=isch&prmd=imvnsl&tbnid=9mC‐ EC2HypKuZM:&imgrefurl=http://catedraismedievais.blogspot.com/2009/04/se‐catedral‐de‐notre‐dame‐falasse‐o‐ que.html&docid=Enffj5F63GKB4M&w=297&h=400&ei=GWl7TsDfMKmX1AXLzsWjAw&zoom=1&biw=1280&bih=571&ia ct=rc&dur=140&page=3&tbnh=168&tbnw=125&start=23&ndsp=11&ved=1t:429,r:8,s:23&tx=61&ty=‐109, em
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PTPT337&tbm=isch&prmd=imvnsb&tbnid=d3smNWLDVSdnqM:&imgrefurl=http://exhibits.slpl.org/steedman/data/Ste edman240089449.asp%3Fthread%3D240093327&docid=BzILRLzQXx3uuM&w=258&h=376&ei=9GZ7Tv2kKOmY0QXz9M ijAw&zoom=1&biw=1280&bih=571&iact=rc&dur=141&page=1&tbnh=119&tbnw=89&start=0&ndsp=27&ved=1t:429,r: 21,s:0&tx=46&ty=59, consultado em 15.07.2011; 038 | http://www.google.com.br/imgres?q=viollet+le+duc&hl=pt‐ BR&sa=X&rlz=1I7SKPB_pt‐ PTPT337&tbm=isch&prmd=imvnsb&tbnid=hFiAhfw85S0czM:&imgrefurl=http://www.danielmitsui.com/hieronymus/ind ex.blog%3Fentry_id%3D1924459&docid=8GUP6qtqAllXvM&w=1152&h=732&ei=9GZ7Tv2kKOmY0QXz9MijAw&zoom=1 &biw=1280&bih=571&iact=rc&dur=328&page=1&tbnh=110&tbnw=149&start=0&ndsp=27&ved=1t:429,r:12,s:0&tx=71 &ty=85, consultado em 15.07.2011; 039 | http://www.google.pt/imgres?q=Saint‐Sernin+de+Toulouse&um=1&hl=pt‐ PT&sa=X&biw=1366&bih=653&tbs=isz:l&tbm=isch&tbnid=kjQoZa_XHOMIZM:&imgrefurl=http://en.wikipedia.org/wiki/ File:Basilique_Saint‐Sernin_‐_Toulouse.jpg&docid=ZeTjn4z5ZshtSM&w=2592&h=1944&ei=1a1nTr‐ XN4jD8QOc98m8Cw&zoom=1&iact=hc&vpx=195&vpy=134&dur=395&hovh=194&hovw=259&tx=125&ty=137&page=1 &tbnh=151&tbnw=208&start=0&ndsp=18&ved=1t:429,r:0,s:0,
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sc/page/26/&docid=CXVIE1zBYdd9cM&w=600&h=802&ei=wGl7TrvCLaLO0QX1ucyjAw&zoom=1&biw=1280&bih=571&i act=rc&dur=188&page=2&tbnh=158&tbnw=118&start=27&ndsp=13&ved=1t:429,r:4,s:27&tx=68&ty=107, consultado em 15.07.2011; 041 | http://www.google.com.br/imgres?q=pierrefonds&um=1&hl=pt‐BR&sa=N&rlz=1I7SKPB_pt‐ PTPT337&tbm=isch&tbnid=YzPWpZ18q5GCeM:&imgrefurl=http://pt.wikipedia.org/wiki/Castelo_de_Pierrefonds&docid =irIlitfV5tifNM&w=400&h=300&ei=NWp7TpLRF_O00QXAxbyjAw&zoom=1&biw=1280&bih=571&iact=rc&dur=188&pag e=1&tbnh=116&tbnw=152&start=0&ndsp=20&ved=1t:429,r:0,s:0&tx=111&ty=79, consultado em 15.07.2011; 042 | http://guilhermeapferreira58.files.wordpress.com/2011/08/dsc03192b1.jpg, consultado em 15.07.2011; 043 | 044 | JUSTICIA, Mª José Martínez, Historia y Teoría de la Conservación y Restauración Artística, Madrid: Editorial Tecnos, 2008 figura
36;
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http://www.google.pt/imgres?q=piramide+louvre&hl=pt‐
PT&sa=X&biw=1366&bih=610&tbs=isz:l&tbm=isch&prmd=ivnsm&tbnid=2lD3ZXRtEEVIHM:&imgrefurl=http://www.mar otochi.it/sfondi.php%3Fpagina%3D2%26search%3Darchitettura&docid=N01s3AjRiC3abM&w=1024&h=768&ei=RgNtTu 39CsKq8APv4KQ7&zoom=1&iact=hc&vpx=896&vpy=127&dur=686&hovh=194&hovw=259&tx=169&ty=113&page=1&t bnh=138&tbnw=186&start=0&ndsp=18&ved=1t:429,r:4,s:0, consultado em 15.07.2011; 046 | 047 | 048 | JUSTICIA, Mª José Martínez, Historia y Teoría de la Conservación y Restauración Artística, Madrid: Editorial Tecnos, 2008 figura 26; Esquema I | realizado pelo autor; Esquema II | realizado pelo autor; 049 | Arquitectura e Vida nº37, Abril 2003; 050 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 160; 051 | 052 | 053 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 162; 054 | 055 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 160; 056 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 162; 057 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 160; 058 | 059 | 060 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 165; 061 | 062 | 063 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 160; 064 | TRIGUEIROS, Luiz, Eduardo Souto de Moura, Lisboa: Editorial Blau, Lda, 1996: 163; Esquema III | realizado pelo autor; 065 | El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 99; 066 | El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 100; 067 | CIANCHETTA, Alessandra, MOLTENI, Enrico, Álvaro Siza Casas 1954‐2004, Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SA, 2004: 165 068 | El Croquis nº140, Álvaro Siza 2001 2008, El Sentido de las cosas, Madrid: editorial El Croquis, 2008: 99; 069 | 070 | 071 | 072 | 073 | 074 | 075 | 076 | 077 | 078 | 079 | 080 | 081 | 082 | 083 | 084 | 085 | 086 | http://www.ducciomalagamba.com/proyectos.php?IdProyecto=279&Idioma=En, consultado em 15.07.2011; Esquema IV | realizado pelo autor; 087 | 088 | 089 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 48 091 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 51; 092 | 093 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003:50; 094 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 52; 095 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 51; 096 | 2G
nº28,
Aires
Mateus,
Barcelona:
editorial
Gustavo
Gili,
SA,
2003:
57;
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|
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=423734, consultado em 15.07.2011; 098 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003:53; 099 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 54; 100 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 55; 101 | http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=423734, consultado em 15.07.2011; 102 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003:58 103 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003:59; 104 | 2G nº28, Aires Mateus, Barcelona: editorial Gustavo Gili, SA, 2003: 49; 105 | http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=423734, consultado em 15.07.2011; Esquema V | realizado pelo
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REABILITAÇÃO | A intervenção como transformação formal
autor; 106 | 107 | ESPOSITO, Antonio, LEONI, Giovanni, Eduardo Souto de Moura, Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SA, 2003; 108 | 109 | 110 | 111 | 112 | 113 | 114 | 115 | 116 | 117 | 118 | 119 | 120 | 121 | atelier Souto de Moura, fotógrafo Luís Ferreira Alves; Esquema VI | realizado pelo autor; 122 | atelier Nuno Brandão Costa, Arquitecto Nuno Créditos de Imagem Brandão Costa; 123 | 124 | 125 | 126 | atelier Nuno Brandão Costa; 127 | 128 | 129 | 130 | 131 | 132 | 133 | 134 |
atelier Nuno Brandão Costa, Arquitecto Nuno Brandão Costa; 135 | 136 | 137 | 138 | 139 | 140 | atelier Nuno Brandão Costa, fotógrafo Arménio Teixeira; Esquema VII | realizado pelo autor; Esquema VIII | realizado pelo autor; Esquema IX | realizado pelo autor; Tabela Comparativa | realizada pelo autor.
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