FACULDADE DE ARQUITECTURA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima Projetar considerando a integridade histórica, arquitetónica e material
Inês Nogueira Simões de Almeida Cabrita (Licenciada em Estudos Arquitetónicos) Dissertação e Projeto Final para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura Lisboa, Julho 2013 Júri: Presidente: Professora Doutora Cristina Cavaco Orientador: Professor Doutor José Aguiar (FAUTL) Coorientador: Investigador Doutor João Mascarenhas Mateus (CES-‐ Coimbra) Arguente: Professor Doutor Paulo Pereira Arguente: Professor Doutor Luís Mateus
Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Resumo
Título da Dissertação: Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima Projetar considerando a integridade histórica, arquitetónica e material Nome do Aluno: Inês Nogueira Simões de Almeida Cabrita Orientador: Professor Doutor José Aguiar Co-‐orientador: Investigador Doutor João Mascarenhas Mateus Mestrado Integrado em Arquitectura com Especialização em Arquitectura, Julho de 2013
I. Resumo Esta dissertação propõe-‐se estudar as questões inerentes à reabilitação de edifícios, explorando as várias vertentes que constituem este tipo de intervenção tomado como caso central de estudo o Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima (MPL), em Mafra, onde será instalada a Universidade e Museu dos Valores a cargo do ILIDH (Instituto Luso Ilírio para o Desenvolvimento Humano). Um edifício escolhido por testemunhar simultaneamente consideráveis valores históricos, materiais, arquitectónicos e, simbólicos. O corpo deste trabalho inicia-‐se pela compilação das teorias mais relevantes nos campos da reabilitação, conservação e restauro. Num segundo momento é feita a caracterização do palácio inserindo-‐o no seu contexto estilístico e temporal, enquadrando-‐o na sua envolvente tanto mais próxima como mais abrangente, e identificando os momentos que conduziram ao seu estado atual. Elaborou-‐se então um estudo de uma seleção de projetos de reabilitação, realizados nos últimos anos, que permitiu produzir um corpus das técnicas e procedimentos atuais que forneceu importantes pistas para o desenvolvimento da intervenção proposta. Por fim foram estudadas soluções para o Palácio MPL tanto ao nível da correção das anomalias encontradas, como do projeto de arquitetura. Este último pretende reabilitar o Palácio MPL para a sua nova função de museu com componente de formação, restabelecer a sua identidade, restaurar as suas características mais notáveis ao nível da arquitetura e estilo e relacionar os edifícios existentes entre si e com a sua envolvente, mantendo a sua integridade histórica, material e espacial. Ao longo deste processo constatou-‐se a enorme importância da atuação de diferentes disciplinas num projeto de reabilitação. Assim acredita-‐se que neste tipo de intervenção é essencial uma abordagem de caráter interdisciplinar, mantendo sempre uma visão holística do problema. PALAVRAS-‐ CHAVE: Reabilitação; Valores; Integridade; Interdisciplinaridade; Palácio dos Marques de Ponte de Lima; Arquitetura Chã.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
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Resumo
Title: Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima Projetar considerando a integridade histórica, arquitetónica e material Student’s name: Inês Nogueira Simões de Almeida Cabrita Orientation: Professor Doutor José Aguiar Co-‐orientation: Investigador Doutor João Mascarenhas Mateus Mestrado Integrado em Arquitectura com Especialização em Arquitectura, July 2013
Abstract The aim of this dissertation is to study the questions inherent to building rehabilitation, exploring the many aspects which constitute this type of intervention. As the main case study was chosen the Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima (‘palace of the marquises of Ponte de Lima’) in Mafra, where the ‘University and Museum of Values’, run by the Instituto Luso Ilírio para o Desenvolvimento Humano (‘Luso-‐Illyrian Institute for Human Development’), is to be installed, having as criterion the choice of a building which presented simultaneously considerable symbolic, architectural, material, and historical values. The body of this paper begins with a compilation of the most relevant theories in the domains of rehabilitation, conservation and restoration. Later on, a characterization of the palace is made by inserting it in its stylistic and temporal context, by framing it in its closer and wider surroundings, and by an identification of the moments which led to its current condition. A study of a selection of recent year rehabilitation projects was then conducted, enabling us to build a corpus of current techniques and procedures, which provided important leads for the development of our proposed intervention. Finally, solutions were studied for the correction of detected faults, as well as in form of a proposal of an architecture project for the palace. This project intends to rehabilitate the Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima for its new function as museum with education component, to re-‐establish its identity, to restore its most remarkable architectural and stylistic features, and to relate the existing structures between themselves and with their surroundings, while maintaining their historical, material, and spatial integrity. During this process, it became clear the enormous importance of the intervention of different disciplines in a rehabilitation project. Thus, we believe an interdisciplinary approach is fundamental to this type of intervention, while always keeping a holistic vision of the problem. KEYWORDS: Rehabilitation; Values; Integrity; Interdisplinarity; Palácio dos Marques de Ponte de Lima; Portuguese Plain Architecture.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
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Agradecimentos
Agradecimentos À minha família e ao Pedro pelo apoio. Aos meus amigos e colegas pela ajuda e motivação. Ao professor José Aguiar e ao investigador João Mascarenhas Mateus pela orientação.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
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Índice de Conteúdos
II. Índice de Conteúdos I. Resumo ............................................................................................................................................................... I II. Índice de Conteúdos .................................................................................................................................. VII III. Índice de Figuras ......................................................................................................................................... IX 1. Introdução ........................................................................................................................................................ 1 2. Enquadramento crítico ............................................................................................................................... 5 2.1 Premissas de Partida ............................................................................................................................................. 5 2.2 O Palácio, a sua história e estado atual ....................................................................................................... 13
3. Estudo do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima .................................................................. 17 3.1 Enquadramento na envolvente ...................................................................................................................... 17 3.2 Enquadramento Histórico ................................................................................................................................ 23 3.2.1 O Palácio e a sua relação com a Arquitetura Chã ........................................................................... 23 Introdução .............................................................................................................................................................. 23 Exemplos de referência da Arquitetura Chã ........................................................................................... 24 Conclusões e hipóteses ..................................................................................................................................... 40 3.3 Hipóteses do processo de transformação e evolução formal do palácio ..................................... 47
4. Da teoria à prática ...................................................................................................................................... 55 4.1 Casos de estudo de intervenção ..................................................................................................................... 55 Fichas de obras de reabilitação ......................................................................................................................... 56 I-‐ Laboratório Chímico, Coimbra .................................................................................................................. 56 II-‐ Casas em Alfama, Rua da Oliveirinha, Largo da Achada, Lisboa ............................................... 59 III-‐ Biblioteca Municipal de Sintra-‐ Casa Mantero ................................................................................ 62 IV-‐ Palácio Fronteira, Benfica ........................................................................................................................ 65 V-‐ Edifício Pombalino Rua dos Fanqueiros, Lisboa .............................................................................. 68 4.2 Os Autores-‐ estratégias e opiniões ............................................................................................................... 71
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
5. A reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima .................................................... 77 5.1 Estado atual do sistema construtivo e outros elementos do edifício ............................................. 77 Anomalias do sistema construtivo-‐ Diagnóstico e definição das necessidades ....................... 77 Anomalias em elementos não estruturais ................................................................................................ 83 Situações causadas pela sobreposição de intervenções ..................................................................... 84 5.2 O Projeto ................................................................................................................................................................... 89
6. Conclusão ....................................................................................................................................................... 97 7. Bibliografia ................................................................................................................................................. 101 Documentos do Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT): ........................................................... 103
Anexos A.1
Corografia portuguesa e descripçam topográfica capa e página 45-‐ Da Villa de Mafra
.......................................................................................................................................................................A1-‐1-‐-‐2
A.2
Transcrição da cota ANTT: Arquivo Distrital de Lisboa, 2.º Cartório Notarial de Lisboa,
liv. 158, [f. 40 a 42v.] ....................................................................................................................................... A2-‐1-‐-‐4 A.3
Transcrição livre do documento com o título: Autorização Concedida ao Visconde de
Vila Nova de Cerveira para poder mandar rezar missa numa barraca de madeira que construiu em Mafra; e páginas apensas (14-‐11-‐1755). ......................................................................................... A3-‐1-‐-‐5 A.4
Transcrição livre do documento com o título: Autos de Vistoria da Quinta de Mafra (22-‐
11-‐1744) ............................................................................................................................................................... A4-‐1-‐-‐4 A.5
Entrevistas aos autores dos Casos de Estudo ........................................................................ A5-‐1-‐-‐33
1. Estrutura da entrevista-‐ questões base .................................................................................................... 1 2. Entrevistas ............................................................................................................................................................ 3 a) Arquiteto João Mendes Ribeiro ............................................................................................................... 3 b)
Arquiteto Victor Mestre ...................................................................................................................... 10
c) Arquiteto Alexandre Marques Pereira .............................................................................................. 24 d) A.6
Engenheiro Jorge Bastos ..................................................................................................................... 30
Elementos de projeto
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Índice de Figuras
III. Índice de Figuras
Fig. 3-‐1 – Ortofotomapa de Mafra, obtido através do área SIG do site da Camâra Municipal de Mafra, destacados a área de intervenção e o Convento de Mafra, a encarnado a ligação entre eles e a verde os limites do actual Parque Desportivo antiga Quinta da Cerca ............................ 17 Fig. 3-‐2 – Planta de Localização do Palácio dos MPL e de relação com o Parque Desportivo, antiga Quinta da Cerca, com marcação do percurso que une as existências pertencentes à antiga quinta e das oportunidades de pontos de interesse no percurso que vem do Convento de Mafra. ............................................................................................................................................................................ 18 Fig. 3-‐3 – Vista da abertura superior do forno de cal presente nos terrenos do Palácio -‐ fotografia da autora 2012 ......................................................................................................................................................... 20 Fig. 3-‐4 – Corte de um forno de cal tipo da região da Estremadura, imagem retirada de Arquitectura Popular Portuguesa ..................................................................................................................... 20 Fig. 3-‐5 – Abertura do forno de cal presente no Palácio dos MPL-‐ fotografia da autora 2012 ....... 20 Fig. 3-‐6 – Planta e cobertura de um forno de cal tipo da região da Estremadura, imagem retirada de Arquitectura Popular em Portugal ............................................................................................................. 20 Fig. 3-‐7 – Poço coberto típico da região saloia, Arquitectura Popular em Portugal ............................ 21 Fig. 3-‐8 – Mapa de distribuição de tipologias tradicionais na zona da Estremadura, Arquitectura Popular em Portugal (legenda?) ........................................................................................................................ 21 Fig. 3-‐9 – Casa tradicional da região saloia, Arquitectura Popular em Portugal ................................... 21 Fig. 3-‐10 Gravura de vista perspética do Palácio dos Duques de Aveiro em Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal .............................................................................................................................................. 24 Fig. 3-‐11 Alçado principal do Palácio do Corte Real [entre 1755 e 1800?] Legendado e com escala. -‐ Reconstituição posterior ao terramoto. -‐ A. Aires de Carvalho, Coleção de desenhos, Biblioteca Nacional de Portugal ........................................................................................................................ 24 Fig. 3-‐12 Alçado Sul do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, Mafra, imagem produzida através de Varrimento Laser 3D ....................................................................................................................... 25 Fig. 3-‐13 Gravura do Palácio dos Condes de Vila Franca, de Júlio de Castilho ...................................... 26 Fig. 3-‐14 Ala Poente do Palácio dos Condes de Aveiro-‐ IGESPAR ............................................................... 27 Fig. 3-‐15 Fachada Principal Norte do Palácio dos Condes de Aveiro-‐ IGESPAR ................................... 27 Fig. 3-‐16 Fachadas Sul e Nascente do Palácio dos MPL-‐ autora .................................................................. 28 Fig. 3-‐17 Vista aérea do Palácio dos Duques de Aveiro -‐ Google earth ..................................................... 28 Fig. 3-‐18 Vista aérea do Palácio MPL -‐ SIPA-‐ Monumentos ........................................................................... 28 Fig. 3-‐19 Vista aérea do Palácio do Calhariz -‐ Google earth .......................................................................... 29 Fig. 3-‐20 Fachada norte do Palácio do Calhariz, retirada do site www.skyscrapercity.com .......... 30
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Fig. 3-‐21 Fachada Poente e entrada principal do Palácio do Calhariz, retirada do site www.gabitogrupos.com ........................................................................................................................................ 30 Fig. 3-‐22 Fachada Principal do Palácio da Independência-‐ SIPA ................................................................. 31 Fig. 3-‐23 Planta do tecto em caixotão do Palácio da Independência-‐ SIPA ............................................. 32 Fig. 3-‐24 Interior do Palácio da Independência-‐ SIPA ...................................................................................... 32 Fig. 3-‐25 Corte do teto em caixotão do salão Nobre do Palácio da Independência-‐ SIPA ................. 32 Fig. 3-‐26 Interior do Palácio da Independência-‐ SIPA ...................................................................................... 32 Fig. 3-‐27 Alcova no quarto do Marquês no Palácio dos MPL-‐ autora 2012 ............................................. 33 Fig. 3-‐28 Teto em caixotão de uma das salas do Palácio dos MPL-‐ Prof. José Aguiar 2011 ............. 33 Fig. 3-‐29 Fachada principal, Palácio Pombal-‐ SIPA ............................................................................................ 34 Fig. 3-‐30 Portas com moldura em lioz vermelho, Palácio Pombal-‐ SIPA .................................................. 34 Fig. 3-‐31 Estrutura de um teto do Palácio Pombal durante o restauro-‐ K4, empresa que efetuou o restauro ........................................................................................................................................................................ 35 Fig. 3-‐32 Teto do Palácio Pombal após o restauro-‐ K4, empresa que efetuou o restauro ................ 35 Fig. 3-‐33 Fachada principal do Palácio dos Condes de Óbidos-‐ common.wikimedia.org ................. 36 Fig. 3-‐34 Aguarela de 1773 mostrando a relação do palácio com a falésia-‐ SIPA ................................ 36 Fig. 3-‐35 Planta do piso nobre do Palácio dos Condes de Óbidos-‐ SIPA ................................................... 37 Fig. 3-‐36 Planta do piso térreo do Palácio dos MPL -‐ imagem produzida por Varrimento laser 3D .......................................................................................................................................................................................... 37 Fig. 3-‐37 Interior do Palácio dos Condes de Óbidos-‐ website da Cruz Vermelha Portuguesa ........ 37 Fig. 3-‐38 – Alçado principal do Palácio Episcopal de Faro, SIPA ................................................................. 38 Fig. 3-‐39 – Vista Superior do Palácio Episcopal de Faro, fotografia da autora ...................................... 38 Fig. 3-‐40 – Planta de cobertura do Palácio Episcopal de Faro, SIPA .......................................................... 39 Fig. 3-‐41 Vista aérea do Palácio da Rosa, Lisboa, séc. XVIII-‐ Google earth .............................................. 41 Fig. 3-‐42 Vista aérea do Palácio Almada, Lisboa, ................................................................................................ 41 séc. XVII-‐ Google earth .................................................................................................................................................... 41 Fig. 3-‐43 Vista aérea do Palácio dos Duques de Aveiro em Azeitão, séc. XVII-‐ Google earth .......... 41 Fig. 3-‐44 Vista aérea do Palácio do Calhariz, Sesimbra, séc. XVII-‐ Google earth ................................... 41 Fig. 3-‐45 – Vista aérea do Palácio Palhavã (Embaixada de Espanha), Lisboa, séc. XVII-‐ Google earth .............................................................................................................................................................................. 41 Fig. 3-‐46 Vista aérea do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, Mafra, séc XVII-‐ Google earth .......................................................................................................................................................................................... 41 Fig. 3-‐47 Vista aérea do Palácio dos Condes de Óbidos, Lisboa, séc. XVII-‐ Google earth ................... 41 Fig. 3-‐48 Vista aérea do Palácio Galveias, Lisboa, séc. XVII-‐ Google earth ............................................... 41 Fig. 3-‐49 – Alçado principal da Quinta das Torres em Azeitão, SIPA-‐ ficha de monumento ............ 42
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Índice de Figuras
Fig. 3-‐50 -‐ Proposta de cobertura para o palácio dos MPL, realizada em Sketch-‐up pela autora, sobre base realizada pelo mestrando Pedro Mateus .............................................................................. 43 Fig. 3-‐51 – Vista do Palácio da Palhavã (Actualmente Embaixada de Espanha), SIPA-‐ ficha de monumento ................................................................................................................................................................ 43 Fig. 3-‐52 – Pormenor de gravura de vista perspética do Palácio dos Duques de Aveiro em Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal ........................................................................................................................ 43 Fig. 3-‐53 -‐ Proposta de cobertura para o palácio dos MPL, realizada em Sketch-‐up pela autora, sobre base realizada pelo mestrando Pedro Mateus .............................................................................. 43 Fig. 3-‐54 -‐ Fachada principal do Palácio dos Condes de Óbidos-‐ common.wikimedia.org .............. 43 Fig. 3-‐55 -‐ Proposta de cobertura para o palácio dos MPL, realizada em Sketch-‐up pela autora, sobre base realizada pelo mestrando Pedro Mateus .............................................................................. 44 Fig. 3-‐56 – Vista superior do Palácio dos Condes de Almada (ou da Independência), SIPA-‐ ficha de monumento ......................................................................................................................................................... 44 Fig. 3-‐57 – Vista aérea do Palácio do Calhariz, Sesimbra, Bing Maps ........................................................ 44 Fig. 3-‐58 -‐ Proposta de cobertura para o palácio dos MPL, realizada em Sketch-‐up pela autora, sobre base realizada pelo mestrando Pedro Mateus .............................................................................. 45 Fig. 3-‐59 -‐ Alçado do Palácio dos Condes de Murça-‐imagem retirada do site da empresa Plano Sustentável que está a colaborar no projeto em curso para este Palácio ....................................... 45 Fig. 3-‐60 -‐ Alçado principal do Palácio Episcopal de Faro, SIPA .................................................................. 45 Fig. 3-‐61 – Proposta de hipóteses de evolução do Palácio MPL ................................................................. 48 Fig. 3-‐62 -‐ Proposta de hipóteses de evolução do Palácio dos MPL ........................................................... 49 Fig. 3-‐63 – Hipótese de Configuração do Castelo de Mafra-‐ “Mafra, da Reconquista ao Foral” C. M. Mafra 1989 (a vermelho o palácio) ................................................................................................................. 50 Fig. 3-‐64 – Imagens 1, 2 e 3 (por esta ordem) – Janelas fenda e moldura de porta ............................ 50 Fig. 3-‐65 – Imagens 6 e 7 (por esta ordem) – Janela tapada e mudança de alvenaria (a vermelho as zonas de interface dos dois períodos construtivos). .......................................................................... 51 Fig. 3-‐66 – Imagens 4, 9 e 10 (por esta ordem) – Arco em muro, parede mais estreita, alvenaria diferente ...................................................................................................................................................................... 51 Fig. 4-‐1 – Planta do Laboratório Chímico em Coimbra, cedida pelo Arq. João Mendes Ribeiro .... 58 Fig. 4-‐2 – Vista do interior do Museu da Ciência inserido no Laboratório Chímico em Coimbra, fotografia da autora ................................................................................................................................................ 58 Fig. 4-‐3 – Vista da fachada principal do Laboratório Chímico em Coimbra, fotografia da autora 58 Fig. 4-‐4 -‐ Vista exterior, antes e depois, Corte e Alçado do edifício do Largo da Achada, imagens retiradas de ficha de projeto cedida pelo Arq. Victor Mestre .............................................................. 61
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Fig. 4-‐5 – Vista exterior e Corte do edifício da Rua da Oliveirinha, imagens retiradas de ficha de projeto cedida pelo Arq. Victor Mestre .......................................................................................................... 61 Fig. 4-‐6 – Planta geral da Biblioteca Municipal de Sintra-‐ Casa Mantero, cedida pelo Arq. Alexandre Marques Pereira ................................................................................................................................. 64 Fig. 4-‐7 – Fotografia aérea da Biblioteca Municipal de Sintra-‐ Casa Mantero, site do Arq. Alexandre Marques Pereira ................................................................................................................................. 64 Fig. 4-‐8 – Vista da ligação entre o edifício existente e o novo edifício, fotografia da autora ........... 64 Fig. 4-‐9 – Vista da nova estrutura da Cobertura, SIPA-‐ Ficha de monumento ....................................... 67 Fig. 4-‐10 – Alçado principal do Palácio Fronteira, SIPA – Ficha de monumento .................................. 67 Fig. 4-‐11 – Vista do Palácio Fronteira, SIPA-‐ Ficha de monumento ............................................................ 67 Fig. 4-‐12 – Vista do exterior do edifício da Rua dos Fanqueiros, imagem retirada do PDF da conferência apresentada pelo Arq. José Adrião na FAUTL .................................................................... 70 Fig. 4-‐13 – Detalhe de remendo do pavimento de uma das habitações, imagem retirada do documento da conferência apresentada pelo Arq. José Adrião na FAUTL ..................................... 70 Fig. 4-‐14 – Vista do interior de uma das habitações, imagem retirada do documento da conferência apresentada pelo Arq. José Adrião na FAUTL .................................................................... 70 Fig. 4-‐15 – Planta tipo do edifício da Rua dos Fanqueiros, antes, em cima e depois, em baixo, imagem retirada do PDF da conferência apresentada pelo Arq. José Adrião na FAUTL .......... 70 Fig. 5-‐1 – Gráfico de deformações da fachada Sul do Palácio usando levantamento em nuvem de pontos com recurso ao software JRC reconstructor.. É possível verificar uma deformação de cerca de 17 cm na zona indicada na imagem anterior. Imagem cedida pelo mestrando Pedro Mateus. ......................................................................................................................................................................... 78 Fig. 5-‐2 – Fractura da cimalha/cornija o da Fachada Sul do Palácio dos MPL, fotografia da autora, 2012 ............................................................................................................................................................................... 78 Fig. 5-‐3 – Vista da fachada Sul do Palácio dos MPL , observa-‐se a deformação no plano perpendicular à fachada (arqueamento) devido às condições descritas, fotografia da autora, 2012 ............................................................................................................................................................................... 78 Fig. 5-‐4 – Demonstração das direções das forças atuantes numa parede do Palácio MPL, com base em fotografia rectificada produzida pelos alunos da optativa Fotogrametria Digital, do Professor Luís Mateus ........................................................................................................................................... 78 Fig. 5-‐5 -‐ Demonstração das direções das forças atuantes numa parede do Palácio ds MPL, com base em fotografia rectificada produzida pelos alunos da optativa Fotogrametria Digital, do Professor Luís Mateus. Detalhe da situação encontrada, fotografia da autora, 2012, e cobertura danificada, fotografia do Professor José Aguiar, Junho 2011 .......................................... 79 Fig. 5-‐7 – Vista de estrutura de pavimento com elemento em falta, fotografia da autora, 2012 ... 80
XII
Índice de Figuras
Fig. 5-‐6 -‐ Vista do pavimento danificado ainda no local, fotografia do Professor José Aguiar, Junho 2011 .............................................................................................................................................................................. 80 Fig. 5-‐8 – Exemplo de testemunho deslizante para monitorização de fendas, imagem retirada de Guia Técnico de Reabilitação Habitacional ................................................................................................... 81 Fig. 5-‐9 – Imagem demonstrando a técnica de reforço de alvenarias por meio de rede de aço inoxidável ou galvanizado, fotografia cedida pelo Arq. Victor Mestre ............................................. 81 Fig. 5-‐10 – Vista da nova cobertura e sistema de contraventamento utilizando uma cinta de blocos de betão estruturada com cabos de aço, fotografia da autora, 2012 .................................. 82 Fig. 5-‐11 – Vista de elementos de contraventamento presentes no palácio dos MPL, fotografia da autora 2012 ............................................................................................................................................................... 82 Fig. 5-‐12 – Manchas negras numa parede do Palácio dos MPL provocadas pela presença de humidade, fotografia da autora ......................................................................................................................... 83 Fig. 5-‐13 – Escritos numa parede do Palácio dos MPL, fotografia da autora, 2012 ............................ 83 Fig. 5-‐14 – Peça da lareira deslocada e escritos na parede numa sala do Palácio dos MPL, fotografia da autora, 2012 ................................................................................................................................... 83 Fig. 5-‐15 – Revestimentos em duas paredes paralelas de uma sala do Palácio dos MPL, estando indicado o fim do padrão presente no revestimento encontrado por baixo do atual, fotografia e marcação da autora, 2012 .......................................................................................................... 84 Fig. 5-‐16 – Sobreposição de pavimentos numa das salas do Palácio dos MPL, fotografia da autora, 2012 .............................................................................................................................................................................. 85 Fig. 5-‐17 – Vista da parede acrescentada ao piso inferior do palácio dos MPL que “corta” um dos seus vãos, fotografia da autora, 2012 ............................................................................................................. 85 Fig. 5-‐18 – Vista parcial da fachada Norte do palácio dos MPL, fotografia da autora, 2012 ........... 86 Fig. 5-‐19 – Detalhe da moldura de vão da fachada Norte do Palácio dos MPL com a indicação: A&P 1921, fotografia da autora, 2012 ............................................................................................................ 86 Fig. 5-‐20 – Vista do contraste entre alvenarias após ter sido retirado o reboco, fotografia da autora, 2012 .............................................................................................................................................................. 86 Fig. 5-‐21 – Janelas cobertas pelo atual nível de pavimento exterior, fotografia da autora, 2012 . 87 Fig. 5-‐22 – Casas em Sintra torreadas com água contígua; casas de apoio da Quinta de N. S. Dos Prazeres, Buraca, Amadora – retiradas de A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII, de João Vieira Caldas ................................................................................................................................. 94 Fig. 5-‐23 – Esquiço da proposta de projeto relacionada com o edifício existente ............................... 95 Esq. 1 -‐ Níveis de valorização do edificado existente e intervenção correspondente ........................ 91 Esq. 2 – Esquema de pátios, espaços intersticiais e vistas ............................................................................. 92
XIII
Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
XIV
Introdução
1. Introdução Este trabalho propõe-‐se estudar as questões inerentes à reabilitação de edifícios, focando-‐se especialmente nas questões da identidade e de uma visão contemporânea do que é a autenticidade formal e material. Pretende-‐se estudar as aplicações concretas deste olhar desenvolvendo um projeto de reabilitação para o Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima (MPL), situado na chamada Vila Velha em Mafra, e a sua adaptação de modo a incorporar um programa de uma Universidade dos Valores proposto pelo Instituto Luso-‐Ilírio para o Desenvolvimento Humano (ILIDH) ao qual a Câmara Municipal de Mafra cedeu, recentemente, o edifício para essas novas funções. A relação entre a reabilitação do edificado preexistente e a sua preservação e valorização arquitetónicas é, sem dúvida, um objecto de reflexão indispensável, sendo que a vontade de preservação de uma identidade histórica com valor arquitectónico está, cada vez mais, presente no planeamento urbanístico e arquitetónico. A preocupação com a conservação material e o reforço estrutural dos edifícios de importância histórica tem também vindo a aumentar, surgindo na área da engenharia soluções que cada vez melhor e mais atentamente respondem a à problemática integrada de preservação material e imaterial. Assim, um dos focos desta dissertação é a discussão das necessidades a nível da intervenção e da segurança estrutural e as suas implicações no projeto de reabilitação, na organização do espaço e na manutenção da identidade do edifício; e de como estas podem ser convertidas em factores motivadores de novas abordagens ao projeto. Para isso foi fundamental dispor como coorientador deste projeto de um dos mais capacitados especialistas neste domínio da engenharia. Procurando um ponto de partida para o estudo destes temas, sob o ponto de vista material e construtivo, tomaram-‐se os critérios de base da conservação e restauro arquitetónicos: autenticidade,
integridade,
compatibilidade,
reversibilidade,
legibilidade
e
mínima
intrusividade1. A estas exigências foram adicionados os critérios de base para intervenções arquitectónicas e estruturais em pré-‐existências
2
tais como: Eficácia e, Durabilidade,
acrescentado ainda o conceito de Eficiência.3 Estes critérios são usados como base operativa
1 Em Carbonara, Giovanni, Avvicinamento al Restauro, Teoria, Storia, Monumenti, Napoli: Liguori, 1997 2 Baseados na leitura das já citadas Recomendações, ICOMOS (2003).
3 Estes critérios surgem mencionados, entre outras, na obra de Vítor Coias: Reabilitação Estrutural de
Edifícios Antigos, de 2007.
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para as propostas de intervenção e lançamento dos tópicos de estudo desta dissertação no que se refere a uma intervenção material sobre preexistências. O outro foco deste trabalho é a procura e estudo da identidade histórica do edifício, o Palácio MPL. Pretende-‐se expor como o conhecimento da história do edifício, o seu enquadramento temporal e estilístico e o estudo das suas evoluções, contribuem para a realização de uma intervenção contemporânea de reabilitação mais informada e abrangente. Acredita-‐se que o enquadramento histórico do edifício contribui para a renovação da percepção da sua identidade, reabilitando-‐o não só no sentido físico mas também no sentido identitário; percepção desta identidade desgastada, neste caso, pela degradação material, mas também da alteração das suas significações, ligações, enquadramento e utilizações. Neste trabalho propôs-‐se analisar os valores patrimoniais e arquitectónicos presentes no edifício e constituir assim uma estratégia de intervenção adequada ao caso em estudo. Para a definição dos valores em presença tiveram-‐se em conta as categorias de valores que nos apresenta e define Riegl, explicando o seu carácter. São elas: histórico, de memória, de antiguidade, de uso e artístico.4 Estas categorias integram diferentes características do edifício, tanto características materiais, como por exemplo técnicas construtivas históricas, ou materiais que têm um determinado valor pela sua antiguidade; bem como características formais ou estilísticas; e ainda as características mais subjetivas que se prendem com os significados associados ao edifício e que podem, por exemplo, dizer respeito a algum acontecimento que lá tenha ocorrido. 5 Para a aplicação destas categorias de valores ao caso do Palácio MPL abordaram-‐se as componentes estilísticas e arquitectónicas da Arquitetura Chã, enquadrando o objecto de estudo no seu contexto temporal e cultural. Por outro lado, no âmbito do contexto da sua envolvente, e numa vertente mais vernacular, pretendeu-‐se averiguar a importância da significação da construção saloia na região do Palácio, constituindo uma identidade local, e o seu potencial para desenvolvimento da proposta de projeto. Observando todas as vertentes que compõem a valorização de um edifício histórico existente, colocaram-‐se as questões: que opções, ou que limites para uma intervenção de reabilitação? Se
4 José Aguiar apresenta-‐nos esta visão de Riegl no capítulo 3. Referências Doutrinárias, da Carta de Veneza
ao Documento de Nara, da sua Tese Doutoramento: Estudos Cromáticos nas Intervenções de Conservação em Centros Históricos., Évora 2000. 5 Características enunciadas por João Mascarenhas Mateus nas páginas 281 a 282 de Técnicas tradicionais de construção de alvenarias: a literatura técnica de 1750 a 1900 e o seu contributo para a conservação de edifícios históricos, 2002.
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Introdução
reabilitarmos para um novo uso, garantindo a segurança e a adaptação adequada à nova função, quais vão ser os critérios para a definição da intervenção, considerando a integridade histórica, arquitectónica e construtiva do objecto intervencionado? Em suma, considerando as escolhas a fazer aquando de uma ação de reabilitação, estudaram-‐se as fundamentações dos critérios para essas escolhas e as suas implicações em projeto. Desenvolveu-‐se uma análise integrada, abrangendo as várias vertentes do que define os valores históricos, estéticos e significativos ligados à identidade específica do edifício, acreditando que é nessa multi-‐dimensão que se encontram algumas das soluções para resolver os dramas de projeto. Este trabalho é constituído por uma componente teórica e reflexiva que informa uma outra de simulação da prática de projeto. A componente teórica e crítica, contendo a análise e considerações sobre os conhecimentos base, fundamenta o lançamento de ideias de projeto e de exposição e a sustentação das opções tomadas; em contraste com outras justificações de natureza muito mais variável, idiossincráticas e eventualmente poéticas.
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Enquadramento crítico
2. Enquadramento crítico Iniciou-‐se a componente teórica deste trabalho com uma recolha de informação sobre os conceitos base que vão orientar o projeto, tomando conhecimento com as teorias e técnicas relevantes e contemporâneas, completando-‐a, em seguida, com um estudo teórico sobre o palácio em estudo.
2.1 Premissas de Partida a) Reabilitação – Restauro – Conservação Numa primeira abordagem ao tema que se tenciona desenvolver, é essencial a definição dos conceitos que vão constituir a dissertação e orientar o projeto. Um primeiro conceito importante é o de Reabilitação. Uma proposta de redação surge no Guia Técnico de Reabilitação Habitacional com a coordenação de J. V. Paiva, J. Aguiar e A. Pinho, como um termo consagrado através da Declaração de Amesterdão: “(...) possibilidade concreta de reutilizar as arquiteturas, a estrutura e os elementos construtivos dos edifícios antigos, adaptando-‐as a necessidades e exigências de uso contemporâneas, mas evitando ao máximo a perda dos seus valores estéticos, históricos, arquitectónicos e urbanísticos essenciais”. Difere este conceito do de Restauro e do de Conservação, no ponto em que menciona a adaptação a necessidades e exigências de uso contemporâneas. Já Viollet-‐le-‐Duc defendia este aspecto de que a arquitetura só o é sendo reutilizada, tendo uma função associada,6 ainda que possam ser depois questionáveis, sob o ponto de vista da conservação, as opções estilísticas e materiais feitas nos seus projetos. Podemos concluir que, havendo a necessidade de alojar determinadas funções e existindo edifícios históricos devolutos, fará sentido falar-‐se de uma reutilização, e para isso a necessidade de reabilitar (i.e. de “habilitar”) o edifício à nova função. No entanto, se os edifícios são de grande valor histórico e artístico, a salvaguarda dos seus valores essenciais é um factor crucial para o desenvolvimento do projeto. Surgem então os conceitos de Conservação e de Restauro, envoltos em constante discussão e redefinição. Uma das mais pertinentes teorias, a do restauro crítico de Cesare Brandi, sintetizada na Carta de Veneza de 1964, vai contrariar, pesando e relativizando, anteriores teorias tanto do restauro estilístico (de Viollet le Duc, ou a teoria do “ripristino”, “como era e onde era”, aplicada nomeadamente em reconstruções após a 2a Guerra Mundial) como de uma conservação estrita, ou restauro científico. Brandi critica a “sobrevalorização dos aspectos históricos relativamente aos aspectos artísticos” presente nessas teorias, sendo que dessa sobrevalorização “(...) resultava a incapacidade de comunicar os valores 6 Referido por José Aguiar na sua tese de Doutoramento já mencionada, página 24.
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estéticos necessários à interpretação do monumento enquanto obra de arte, que [anteriormente] era como congelado na situação encontrada.” 7 Pode colocar-‐se igualmente o problema da sobrevalorização em relação à função proposta para o edifício. Muitas funções novas implicam a sobre-‐adaptação dos edifícios e consequentemente a destruição de grande parte da autenticidade do material histórico, da distribuição espacial ou das ‘marcas do tempo’. Por essa razão, a reabilitação implica uma escolha equilibrada e a definição do número limitado de funções que o edifício ou uma parte do edifício pode suportar sem destruição sistemática dos valores que ele incorpora. Assim, para uma definição do que são os pontos de partida contemporâneos para as intervenções no património, é importante mencionar algumas definições presentes na Carta de Veneza8, que considero serem princípios essenciais no decorrer do meu trabalho: -‐ “A conservação dos monumentos é sempre facilitada pela sua utilização para fins sociais úteis. [sublinhado nosso] Esta utilização, embora desejável, não deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios. É apenas dentro destes limites que as modificações que seja necessário efectuar poderão ser admitidas” -‐ “Um monumento é inseparável da história de que é testemunho e do meio em que está inserido. A remoção do todo ou de parte do monumento não deve ser permitida, excepto quando tal seja exigido para a conservação desse monumento ou por razões de grande interesse nacional ou internacional.” -‐ “O restauro é um tipo de operação altamente especializado. O seu objectivo é a preservação dos valores estéticos e históricos do monumento, devendo ser baseado no respeito pelos materiais originais e pela documentação autêntica. Qualquer operação desse tipo deve terminar no ponto em que as conjecturas comecem [sublinhado nosso]; qualquer trabalho adicional que seja necessário efectuar deverá ser distinto da composição arquitectónica original e apresentar marcas que o reportem claramente ao tempo presente. O restauro deve ser sempre precedido e acompanhado por um estudo arqueológico e histórico do monumento.” -‐ “As contribuições válidas de todas as épocas para a construção de um monumento devem ser respeitadas, dado que a unidade de estilo não é o objectivo que se pretende alcançar nos trabalhos de restauro. [sublinhado nosso]” 7 ibidem, Capitulo 3. 8 ICOMOS (1964) Comité Científico Internacional para a Análise e Restauro de Estruturas do Património
Arquitectónico. Carta de Veneza. Fernando M. A Henriques e de Virgolino F. Jorge (trad.).
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Enquadramento crítico
O grande problema que se coloca relativamente ao edifício em estudo é a ausência de ações de conservação ao longo das últimas décadas devido ao abandono a que esteve votado. Assim sendo é necessária uma ação de restauro do que ainda chegou até nós e de reabilitação de modo a poder voltar a dar vida a este edifício. b) Valores Conforme mencionado na Introdução, e como prevê a nossa “Lei Quatro do Património” a compreensão e análise dos valores presentes no edifício é um primeiro passo para o planeamento de uma intervenção adequada. Na Lei portuguesa mencionada 9 encontram-‐se definidos os valores que estão inerentes ao património cultural, são estes os “valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade.” Sobre este assunto Riegel diz que, “em matéria de restauro não pode existir nenhuma regra científica absoluta, inscrevendo-‐se cada caso numa dialética particular dos valores em jogo”10 recusando “a existência de critérios de avaliação artística absolutos, aplicáveis a todos os estilos de todos os tempos”. Assim, “a definição do tratamento operacional a que vão ser sujeitos os monumentos, seja qual for o tipo de intervenção a realizar (conservação, restauro, etc.) e o seu enquadramento normativo em termos de salvaguarda (classificação, enquadramento de protecção, etc), dependem de forma directa de uma correcta avaliação dos valores patrimoniais em presença”11. De acordo com esta teoria vai ser realizada, neste trabalho, uma análise criteriosa do enquadramento histórico do edifício, das suas formas e da sua linguagem arquitectónica, das suas técnicas construtivas, do seu posicionamento geográfico e identitário na Vila Velha de Mafra, por forma a identificar valores essenciais e inerentes ao caso em estudo, de modo a enquadrar a intervenção nestes valores, respeitando-‐os, evidenciando-‐os e potenciando-‐os da melhor forma. c) Autenticidade É importante, ao falar de Reabilitação, mencionar o conceito de Autenticidade. “Numa construção, tem a ver não só com a forma (arquitectural ou outra), como também com a função 9 Decreto de Lei 107/2001 Artigo 2º alínea 3.
10 Tradução livre, excerto retirado de Le Patrimoine en questions, Anthologie pour un combat, de Françoise
Choay, Paris: SEUIL 2009, XXV.
11 Citado por José Aguiar na sua Tese de doutoramento já mencionada, páginas 38 e 39.
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para a qual foi criada, a utilização que teve, com a superfície exposta e, também, com os materiais e a estrutura.”12 Foram especificadas pelo Comité do Património Mundial as vertentes da autenticidade do património edificado a considerar numa intervenção: Autenticidade do design, Autenticidade dos materiais, Autenticidade da manufactura, Autenticidade da instalação13. Sintetizando desta forma questões como a “preservação da legibilidade dos gestos arquitectónicos iniciais em relação às intervenções contemporâneas”; a manutenção dos sistemas construtivos e materiais originais sempre que possível, sendo que “As técnicas contemporâneas de consolidação devem ser utilizadas somente depois de provado que não alteram física ou quimicamente os materiais a conservar”; a questão da preservação das técnicas utilizadas e ainda a da “manutenção do edifício no seu contexto físico, ambiental e social”14. O conceito de autenticidade é particularmente presente em oposição à tendência do fachadismo, segundo a qual “se aproveita apenas a “carcaça” dos antigos edifícios, que é preenchida com uma estrutura de materiais modernos, em aço ou betão. Exigências funcionais e argumentos de segurança são, normalmente, os mais invocados para justificar estes atentados à autenticidade.” Nestes casos estamos perante um desrespeito pela autenticidade dos materiais, pelas soluções estruturais, a distribuição funcional, os revestimentos e decorações em presença particularmente nos interiores. Diz-‐nos Victor Cóias que “ao contrário do fachadismo, operar no tecido histórico-‐urbano com respeito e verdadeira compreensão pelos seus diversos valores, exige sensibilidade, espírito criativo e multidisciplinaridade” resumindo de certa forma o que se pretende expor. A discussão da autenticidade tornou-‐se um tema fundamental nos dias de hoje e foi inclusive objecto de um encontro transnacional que resultou numa nova “carta” de referência: o documento de Nara15. Segundo este documento a autenticidade é um “(...) factor qualitativo essencial quanto à qualificação dos valores patrimoniais”. Também importante neste documento é a afirmação da impossibilidade de estabelecimento de critérios universais e fixos para a avaliação do valor e autenticidade, sendo que estes critérios variam de cultura para cultura.
12 Definição de autenticidade apresentada por Vítor Coias na obra
Reabilitação Estrutural de Edifícios Antigos, já mencionada. 13 Vertentes da autenticidade apresentadas por Mascarenhas Mateus na obra já mencionada: Técnicas tradicionais de construção de alvenarias: a literatura técnica de 1750 a 1900 e o seu contributo para a conservação de edifícios históricos, 2002, página 286. 14 ibidem, página 287. 15 Documento de Nara sobre a autenticidade, Nara (Japão) 1994: ver Tradução para português de José Aguiar e Ana Paula Amendoeira in AGUIAR, J. Estudos Cromáticos nas Intervenções de Conservação em Centros Históricos. Tese Doutoramento, Évora 2000, Anexo 3.
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Enquadramento crítico
d) Diagnóstico Encontramos ainda na obra já mencionada, Guia Técnico de Reabilitação Habitacional (com a coordenação de J. V. Paiva, J. Aguiar e A. Pinho) diferentes níveis possíveis de intervenção no edifício: reabilitação ligeira, reabilitação média e reabilitação profunda. Há então escolhas a fazer após a avaliação do estado do edifício ou diagnóstico. Particularmente importante no âmbito dos conceitos para a reabilitação de estruturas é, de novo, a leitura da Carta de Princípios produzida pelo ICOMOS16. Sobre a questão do diagnóstico indica-‐nos este documento: “A compreensão completa do comportamento estrutural e das características dos materiais é necessária a qualquer projecto de conservação e restauro. É essencial recolher informação sobre a estrutura no seu estado original, sobre as técnicas e métodos utilizados na sua construção, sobre as alterações posteriores e os fenómenos que ocorreram e, finalmente, sobre o seu estado presente.”. A fase de diagnóstico é de extrema importância sendo que “nenhuma ação deve ser empreendida sem se averiguar o benefício e o prejuízo prováveis para o património arquitectónico”17 e isto apenas é possível conhecendo bem o estado de conservação em que se encontra o edifício. Esta fase de levantamento do objecto em estudo não se esgota no conhecimento das componentes contrutiva e material actual mas alarga-‐se ao conhecimento da história, alterações do edifício, materiais e técnicas utilizadas na construção, e as suas características arquitectónicas18. Mascarenhas Mateus apresenta-‐nos, neste contexto, uma lista de questões comuns19 na definição do que são as potencialidades e necessidades de um edifício a ser alvo de conservação ou reabilitação: -‐ “De que tipo de edifício se trata?” -‐ “Qual é o seu valor artístico, histórico, arquitectónico?” -‐ “Como é que o edifício é visto pela comunidade? Como era visto antes de estar degradado?” -‐ “Qual foi a sua história, a razão da sua construção, as diversas fases de construção, as personagens que o habitaram?”
16 Carta ICOMOS -‐Principles for the Analysis, Conservation and Structural Restoration of Architectural
Heritage (2003) ratificada pela ICOMOS 14ª Assembleia Geral do Icomoc en Victoria Falls, Zimbabué, 2003. 17 Ibidem. Tradução: Recomendações para a análise, conservação e restauro estrutural do Património Arquitectónico, in P. B. Lourenço, & D. V. Oliveira (Ed.), 2003. 18 João Mascarenhas Mateus em Técnicas tradicionais de construção de alvenarias: a literatura técnica de 1750 a 1900 e o seu contributo para a conservação de edifícios históricos, 2002, Capítulo VI-‐ Metodologias para a utilização dos princípios e técnicas tradicionais nos processos de conservação, p. 282. 19 ibidem.
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-‐ “Como era usado o edifício quando foi construído? Quais as alterações a que foi submetido ao longo do tempo?” -‐ “Que contexto apresenta no espaço urbano ou rural envolvente?” -‐ “Qual o seu estado de conservação material e estrutural?” -‐ “Será que o edifício corre o risco eminente de derrocada total ou parcial?” -‐ “As deformações observadas na sua estrutura estão estabilizadas ou evoluem de modo a provocarem o colapso?” -‐ “Qual é o seu valor económico se se mantiver o seu uso actual?” -‐ “De modo a garantir a sua preservação é necessário encontrar uma nova função que permita, pelo menos, obter as receitas necessárias à sua manutenção?” -‐ “Que funções poderiam ser compatíveis com a preservação dos seus materiais, dos seus acabamentos, da sua distribuição interna, da sua volumetria?” -‐ “Para esta ou aquela função, quais são as exigências dos novos regulamentos da construção?” -‐ “Estas exigências modernas são compatíveis com a conservação dos diversos valores do edifício?” Uma das características que sobressai deste conjunto de questões proposto por Mascarenhas Mateus é a variedade de áreas de conhecimento que precisam de intervir para que estas possam ser respondidas, e para que sejam encontradas soluções de projeto, o que nos leva ao tópico seguinte. e) Uma abordagem interdisciplinar Para um conhecimento pleno do edificio torna-‐se necessário o estudo de várias componentes que contribuiram para o seu valor e a sua situação actual: “A investigação de uma estrutura requer uma abordagem interdisciplinar que ultrapassa simples considerações técnicas, uma vez que a investigação histórica pode descobrir aspectos que envolvem o comportamento estrutural, e que as questões históricas podem ser respondidas através da análise do comportamento estrutural.”20 Do mesmo modo, entram em cena elementos de várias disciplinas na definição da intervenção e no processo de projeto: “As soluções (a adoptar no projecto) implicam o recurso a equipas multidisciplinares constituídas por arquitectos, engenheiros, historiadores, por especialistas dos materiais mais importantes a conservar, assim como conservadores e restauradores dos
20 Presente na Carta já mencionada, ICOMOS 2003.
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elementos decorativos. Este conjunto de profissionais requer um coordenador de projecto que deve ser capaz de definir o tipo de estudos e o seu detalhe, de assimilar e avaliar a informação obtida, e finalmente, de coordenar a elaboração de propostas de intervenção sobre o objecto arquitectónico, a estrutura, os diversos materiais e decorações e, eventualmente, a sua envolvente paisagística.”21 A abordagem multidisciplinar, necessária ao processo de conservação, reforço e restauro do património arquitectónico, e presente desde a fase de análise até à fase de intervenção, foi o príncipio que levou a este tema e ao interesse pela descoberta da influência das várias questões, estruturais, históricas ou de conservação, na arquitectura, considerando a questão do valor patrimonial e da reutilização. f) Uma abordagem holística Podemos considerar a questão da abordagem holística sob dois pontos de vista: o primeiro está ligado com a interdisciplinaridade, estudada no ponto anterior, e prende-‐se com o facto de ser necessário considerar todas as vertentes do estudo do edifício, relacionadas com diversas áreas disciplinares mencionadas, para uma intervenção de conservação ou reabilitação integrada e global. O segundo ponto de vista relaciona-‐se com a questão construtiva, considerando que é indispensável que a intervenção, ao nível estrutural e construtivo, considere a integralidade do edifício, em detrimento de uma intervenção pontual e portanto desligada dos comportamentos globais da estrutura. “A avaliação de uma construção requer frequentemente uma abordagem holística, considerando a construção como um todo em vez de apenas avaliar elementos individuais.”22 Uma avaliação que não procede desta forma pode levar a más escolhas durante a reabilitação que podem potenciar a diminuição das capacidades estruturais do edifício, como por exemplo capacidades antissísmicas: “alguns exemplos de má concepção do projeto de intervenções de reabilitação sísmica: substituição de pisos e coberturas de madeira por outros de betão armado muito pesados, (maciços ou de vigotas e abobadilhas); paredes, constituídas por mais de um pano, inadequadamente consolidadas; cintas de betão armado suportadas apenas em metade da
21 João Mascarenhas Mateus, obra citada, página 282. 22 ICOMOS 2003,Carta citada.
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espessura das paredes, realizadas após eventos sísmicos passados e elementos de reforço calculados com base em modelos desadequados.” 23 Assim a escolha do material a incorporar numa estrutura existente, errada quando pensada separadamente sem considerar o conjunto da estrutura, pode fazer a diferença na segurança estrutural: “O peso específico do betão chega a ser três vezes o da madeira. Dado que, para os mesmos vãos, as secções de betão armado têm de ser maiores que as da madeira, o acréscimo de massa, quando se substitui uma cobertura ou um piso de madeira por betão armado, pode facilmente atingir quatro ou cinco vezes o valor original. Este acréscimo de massa origina um aumento proporcional das forças sísmicas.”24 g) A questão económica Uma outra questão que também se considera importante ter em conta quando se fala em reabilitação é a questão económica. Um estudo demonstrado na obra, já mencionada, Guia Técnico de Reabilitação Habitacional mostra-‐nos que a reabilitação é economicamente compensadora, mesmo no caso de reabilitações profundas, em relação a uma demolição do existente e construção nova. Apenas os casos em que foi efectuada uma reconstrução parcial ou total dos interiores ultrapassam os valores da construção nova.25 h) Regulamentação “Os regulamentos modernos e a prática profissional moderna adoptam uma abordagem conservadora que envolve a utilização de factores de segurança para ter em conta as várias incertezas. Este procedimento é apropriado para estruturas novas em que a segurança pode ser melhorada com aumentos moderados das secções dos elementos e dos custos. Porém esta abordagem não é apropriada em estruturas históricas, em que as exigências para aumentar a resistência podem conduzir à perda de elementos estruturais ou a alterações na concepção original da estrutura.”26 As recomendações do ICOMOS indicam então a preferência por uma “abordagem mais flexível e mais abrangente.” A aplicação de regulamentação para edifícios novos é profundamente desapropriada em edifícios antigos e provoca intervenções extremamente intrusivas. O projeto estrutural em 23 Vítor Coias, obra citada, página 33. 24 ibidem.
25 Estudo realizado por José Vasconcelos Paiva, José Aguiar e Ana Pinho em Guia Técnico de Reabilitação
Habitacional, 2006. 26 ICOMOS 2003, Recomendações citadas.
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edifícios antigos deve ser, como o projeto de arquitetura, um “fato feito àquela medida”, ou seja, aplicado ao caso especifico não utilizando metodologias globais de intervenção, uma vez que cada edifício terá as suas particulares características, comportamentos e valores a preservar.
2.2 O Palácio, a sua história e estado atual O palácio dos Marqueses de Ponte de Lima localiza-‐se na Vila Velha em Mafra. Pertenceu a uma família nobre, os Viscondes de Vila Nova de Cerveira, aos quais foi, em 1790, concedido pela rainha D. Maria I, o título de Marqueses de Ponte de Lima.27 A concepção do palácio dos Viscondes é atribuída, por Manuel Gandra, ao arquiteto Diogo Marques Lucas, que teria sido contratado pelo então Visconde D. Lourenço de Lima Brito Nogueira, no ano de 162828. Este arquiteto encontra-‐se associado a diversas obras importantes para a história da arquitetura portuguesa, tais como a Igreja de S. Bento da Vitória, no Porto e o Aqueduto da Amoreira, em Elvas, e projetou também parte das ampliações Filipinas no Convento de Cristo em Tomar29, nomeadamente a Portaria Nova e a Enfermaria dos Monges30. As primeiras dúvidas em relação a esta autoria e data surgiram com a descoberta de um documento (pela autora da dissertação), no Arquivo Nacional Torre do Tombo31, que identifica, em 1633, os terrenos do Morgado de Mafra como ainda pertencentes a D. Afonso de Vasconcelos e Menezes e ao seu filho D. João Luís de Vasconcelos e Menezes, Senhor de Mafra, com a filha do qual se veio a casar o Visconde de Vila Nova de Cerveira, D. Diogo de Lima Brito Nogueira, filho de D. Lourenço32. Considerou-‐se que a propriedade terá entrado para a família pelo casamento, e, sendo que a noiva, D. Joana de Vasconcelos, nasceu em 1625, podem levantar-‐se sérias dúvidas sobre a data sugerida por Manuel Gandra, 1628, para a encomenda deste projeto. Para o momento da contratação do arquiteto, Manuel Gandra referencia um documento do Arquivo Nacional Torre do Tombo: Cartório Notarial, n. I, maço 30, Liv. 2, fl. 40.-‐4tv. Decidiu-‐se
27 Referência retirada do site: Geneall.com.
28 Manuel Gandra em “Novo subsídio para a história urbana da vila de Mafra” 1998, in Boletim cultural de Mafra -‐98, páginas 607-‐618. 29 Luís Corredoura em “Análise das principais anomalias construtivas existentes no Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima-‐ Mafra, Subsídios para uma intervenção de reabilitação”, 2005, in Arqueologia & História. ano 2008-‐2009. volume nº60 e 61, páginas 195-‐212. 30 Miguel Soromenho em “Classicismo, Italianismo e “estilo chão”. O ciclo Filipino.” 1995, In História da Arte Portuguesa. dir. Paulo Pereira. 2º volume. 31 Documento: Instrumento de posse dos casais pertencentes ao Morgado de Mafra, feita por D. Afonso de Vasconcelos de Meneses e seu filho D. João Luís de Vasconcelos, como herdeiros de seu tio, D. João Luís de Meneses; Referência ANTT: PT/TT/VNC/F/3906. 32 Referência retirada do site: Geneall.com e consolidade pela leitura do capítulo Da Villa de Mafra presente na Corografia Portugueza e descripçam topográfica de 1712, apresentado em anexo.
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então ir verificar esta fonte e, após transposição pelos funcionários do Arquivo para a cota atual: 2º CN LSB, Lv notas 158, cx.32, 6 / 22 / 4 / 1, Folhas 40 e 41 (ambas frente e verso), e leitura da transcrição33, constatou-‐se que este documento trata de uma venda de terrenos em Mafra, pertencentes ao arquiteto da corte Diogo Marques Lucas e a sua mulher, e não de qualquer encomenda ou contratação feita pelo Visconde a este arquiteto. Face a esta constatação terá de continuar, assim, incógnita a autoria deste projeto e mesmo a data em que terá sido erigido, sendo que, sobre esta última, podemos apenas concluir que, tratando-‐se de um edifício concebido ao estilo do que se chama a “Arquitetura Chã”, a sua construção terá tido lugar entre o séc. XVII e o inicio do séc. XVIII. “O palácio dos Ponte de Lima foi, supõe-‐se, erguido sobre outro acastelado dos donatários de Mafra (...) É possível que a extremidade poente do palácio, até pela sua particular configuração, mais não seja do que uma adaptação seiscentista de uma das torres do castelo”, assim refere Manuel Gandra.34 O mesmo autor refere que, tendo sido feitas escavações por Estácio da Veiga, foi encontrado um “paredão de ampla espessura” contendo pedras do mesmo tipo de outras encontradas no Palácio. Supõe-‐se então uma sobreposição do palácio novo sobre as fundações de um torreão do castelo antigo e uma reutilização de materiais. O Palácio apresenta a fachada principal, a Sul, divida, , em cinco secções por meio de pilastras. O piso nobre apresenta treze janelas de sacada com emolduramento em lioz organizadas segundo o esquema 1-‐5-‐1-‐5-‐1, sendo que as dos extremos e centro têm um frontão no topo. Acompanhando o desnível do terreno o Palácio tem a Nascente apenas um piso térreo que se desenvolve a Poente surgindo um piso superior e dois pisos inferiores. Este tipo de “substrução”35 funcionando como embasamento ou platea, que no palácio é apenas parcialmente utilizada, pode ser encontrada em outras obras do mesmo estilo, nomeadamente o convento de São Bento da Vitória em que esta é toda habitável. As fachadas Nascente e Poente apresentam, cada uma, uma janela semelhante às da fachada Sul ladeadas igualmente por pilastras. A planta base é de forma rectangular, no entanto o lado Norte, que apresenta derivações da forma base, é o que levanta maiores dúvidas em relação aos momentos de construção, sendo que as soluções construtivas e a organização dos espaços sugerem intervenções desfasadas cronologicamente.
33 Transcrição realizada por Joana Braga, Técnica Superior de Arquivo no Arquivo Nacional Torre do
Tombo, apresentada em anexo. 34 Manuel Gandra, obra citada. 35 Termo utilizado por Mascarenhas Mateus.
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Enquadramento crítico
Um auto de vistoria de 1744 diz-‐nos terem sido feitos acrescentos “nas Cazas Nobres com grande aumento” 35 anos antes, ou seja, em 170936. Sabe-‐se que o Palácio foi fortemente afectado no terramoto de 1755 sendo que o Visconde pede “licenca para que em huma barraca de madeira que mandou construir se possa dizer missa” sendo que “o terramoto do primeiro desse mes lhe arruinou as suas cazas, el não pode dizer missa no oratorio dellas”.37 Podemos ter um vislumbre do que seria o Palácio no inicio do séc. XX pela descrição de Alberto Pimentel, na sua obra Sem passar a fronteira de 1902, que diz: “Ora naquele dia, depois de me ter despedido do Papa João XXI, parei a olhar para o antigo Paço do Marquês de Ponte de Lima. Diz-‐ se ainda que de uma janela do palácio, fronteira à porta da igreja, costumava o fidalgo ouvir missa. Achando a porta aberta, entrei. Percorri todas as casas; estive no quarto do marquês, que tinha alcova e fogão. O rodapé de azulejo está menos mal conservado ainda. Passei à capela, onde encontrei um retábulo em barro, que seria fácil de restaurar, e alguns santos mutilados apeados no chão. Depois pensando na decadência das famílias ilustres, meti caminho abaixo, tomando gosto à solidão do sitio.”38 Sabe-‐se que no inicio do século XX o Palácio foi adaptado a “quinta” tendo-‐lhe sido associadas funções agrícolas, como podemos comprovar pelos dois lagares que foram instalados na sala do atual acesso principal, a Nascente. Teve este Palácio ainda duas outras utilizações posteriores, sendo que ambas ocuparam apenas parcialmente o Palácio e em momentos distintos. Em primeiro lugar instalou-‐se um Hospital improvisado no andar nobre aquando do surto de peste bubónica no Porto, no início do século XX. Em 1989, na propriedade foram instaladas as Escolas EB 2+3 e Secundária de Mafra, bem como o parque desportivo de Mafra e as instalações da EAPERCIM39, tendo a escola primária ocupado o lado poente do Palácio. Estas utilizações parciais, nomeadamente a mais recente, deixaram-‐nos espaços de difícil interpretação pelas sobreposições de intervenções quase sempre desadequadas às pré-‐existências. 36 O Auto de Vistoria mencionado encontra-‐se disponível online no Arquivo Nacional Torre do Tombo
com a referência: Fundo: Viscondes de Vila Nova de Cerveira, Secção: Título do Morgado de Soalhães e por outro nome Mafra, Documento: Autos de Vistoria da Quinta de Mafra (22-‐11-‐1744); a transcrição foi feita pela autora desta dissertação e é apresentada em anexo. 37 Documento disponível online no Arquivo Nacional Torre do Tombo com a referência: Fundo: Viscondes de Vila Nova de Cerveira, Secção: Título do Morgado de Soalhães e por outro nome Mafra, Documento: Autorização concedida ao Visconde de Vila Nova de Cerveira para poder mandar rezar missa numa barraca de madeira que construiu em Mafra (14-‐11-‐1755); a transcrição foi feita pela autora desta dissertação e é apresentada em anexo. 38 Citação retirada de Manuel Gandra, obra citada. 39 Manuel Gandra, Obra citada, páginas 616 a 618.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
O nosso primeiro contacto com o Palácio foi com uma ruína, fruto do abandono a que esteve votado por vários anos tendo, por isso, sido ocupado ilicitamente e adulterado de várias formas. No decorrer deste trabalho foi construída uma nova cobertura pelo ILIDH, futuro utilizador deste edifício. Pretende-‐se propor a revitalização deste exemplo relevante de um estilo português que é o da “Arquitetura chã”, adequando-‐o ao novo programa proposto por este Instituto.
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Estudo do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
3. Estudo do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima 3.1 Enquadramento na envolvente Numa abordagem de enquadramento do edifício em estudo é importante compreender a envolvente e as relações existentes. Este estudo é de grande relevância para o desenvolvimento do projeto, lançando importantes pistas para possíveis soluções urbanísticas e arquitectónicas. O Palácio MPL localiza-‐se na Rua Pedro Julião, na freguesia e concelho de Mafra, distrito de Lisboa. Para o desenvolvimento do projeto é crucial não só a análise do enquadramento do edifício com a rua em que se situa e os edifícios vizinhos, como com a envolvente num sentido mais alargado, que inclui os bairros, ruas e edifícios da região. Uma das relações mais importantes do Palácio é precisamente com o edifício mais marcante do concelho, o Convento de Mafra, de construção posterior, no séc. XVIII. Esta relação é curiosa por se encontrar uma rua que liga os dois de forma quase direta. A Rua Serpa Pinto (Rua do Castelo na zona mais próxima do Palácio) configura uma ligação clara entre os dois edifícios, tornando-‐ se um partido importante na revitalização do palácio para fins turísticos.
Fig. 3-‐1 – Ortofotomapa de Mafra, obtido através do área SIG do site da Camâra Municipal de Mafra, destacados a área de intervenção e o Convento de Mafra, a encarnado a ligação entre eles e a verde os limites do actual Parque Desportivo antiga Quinta da Cerca
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
A norte do palácio estende-‐se o atual parque desportivo de Mafra, que ocupa os terrenos da Quinta da Cerca, associada anteriormente ao palácio, tendo sido a sua componente produtiva e de lazer. Tornou-‐se interessante localizar e relacionar com a nova proposta os elementos ainda presentes no parque que lembram os tempos dos Marqueses: um pequeno pavilhão, as capelas de Santo António e São Jacinto e a Casa de Fresco, diretamente relacionada com o percurso que desce do Palácio em direção ao parque.
Fig. 3-‐2 – Planta de L ocalização do Palácio dos MPL e de relação com o Parque Desportivo, antiga Quinta da Cerca, com marcação do percurso que une as existências pertencentes à antiga quinta e das oportunidades de pontos de interesse no percurso que vem do Convento de Mafra.
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Os terrenos desta quinta surgem mencionados no séc. XVIII por William Beckford e pelo Marquês de Bombelles, embaixador de França em Portugal entre 1786 e 178840, nas suas descrições de passeios à Vila de Mafra, mostrando-‐se mesmo mais entusiasmado com esta Quinta que com o Palácio de Mafra 41 . Diz-‐nos Beckford, numa carta de 1787: “Partimos imediatamente para a quinta do visconde de Ponte de Lima, onde a sombra densa dos loureiros e dos robles nos abrigou do excessivo ardor do sol. (...) próximo de uma das cristalinas e abundantes fontes que refrescam e dão vida a esta Quinta magnífica, no gosto italiano (...)” E o Marquês de Bombelles numa comparação entre o efeito que lhe provocou o Palácio de Mafra e a Quinta dos Marqueses: “Com toda a sua magnificência, o Palácio de Mafra não me provocou o prazer que tive ao passear-‐me esta manhã no belo bosque e nos jardins do Visconde de Ponte de Lima. A arte pouco fez pelo alindamento destes arvoredos mas eles possuem uma folhagem tão bela que é um prazer encontrar sob a sua sombra um abrigo contra o sol quente numa região aliás completamente desarborizada. O Visconde deixa crescer as silvas neste encantador passeio, que, no entanto, não deixa de ser agradável.”42 Em frente à fachada Este do palácio encontra-‐se a Igreja de Santo André, esta de génese anterior, também um ponto importante de relação na chegada ao palácio. A Igreja, com entrada também pela Rua Pedro Julião, “é um dos vários exemplos de arquitectura tardo-‐românica ou pré-‐gótica que existem um pouco por todo o país” 43 . O edifício atual é o resultado de diferentes intervenções, tendo sido a última nos anos 40, pela DGEMN. Por esta altura foi também definida a Zona de Proteção da Igreja de Santo André da qual faz parte o Palácio MPL.44 Uma das questões que será importante estudar é a falta de qualificação da zona mais próxima do palácio, sendo o principal problema a falta de áreas pedonais e mesmo de passeios. A ausência de mobiliário urbano e a existência de factores de risco (por ex. a pouca visibilidade e a velocidade de deslocamento automóvel) são também condicionantes relevantes da envolvente. Assim, o percurso pedonal que dá ligação à zona do Convento de Mafra acaba por ser 40 Sabem-‐se estas datas pela sua publicação “Journal d’un Ambassadeur de France au Portugal 1786-‐
1788”. 41 Referência retirada do já mencionado texto de Manuel Gandra: “Novo subsídio para a história urbana da vila de Mafra” in Boletim cultural -‐98. 42 ibidem. 43 Luís Corredoura no seu texto: A Intervenção da DGEMN na Igreja de Santo André de Mafra: um paradigma da política de intervenção em Monumentos Históricos do Estado Português durante as primeiras décadas da DGEMN (1930-‐40) in Boletim Cultural de Mafra-‐ 98, páginas 297-‐339. 44 Portaria publicada no DG, II Série, n.º 173, de 27-‐07-‐1948, referência que se encontra na ficha de património da Igreja de Santo André no site do IGESPAR.
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interrompido, destacando esta zona do centro mais “vivo” de Mafra. A difícil acessibilidade através das ruas adjacentes tem contribuído para o isolamento tanto do Palácio como da Igreja de Santo André e para o seu distanciamento face a outras zonas da vila. Nos terrenos do palácio encontramos dois elementos de configuração curiosa: um poço coberto e um forno de cal de dimensões importantes. Fez-‐se então uma breve pesquisa sobre as construções tradicionais da região de Mafra para melhor perceber estes elementos e assim poder trabalhá-‐los em projeto conhecendo o seu enquadramento e especificidades. A publicação Arquitectura Popular em Portugal menciona a presença deste tipo de fornos de cal na região: “Em toda a Estremadura e Ribatejo emprega-‐se largamente a cal. Por isso, em todos os locais favoráveis à sua instalação se erguem os fornos de cal, instalação industrial das mais elementares, que adquire expressões diferentes de acordo com os materiais utilizados na sua
Fig. 3-‐6 – Planta e cobertura de um forno de cal tipo da região da Estremadura, imagem retirada de Arquitectura Popular em Portugal
Fig. 3-‐3 – Vista da abertura superior do forno de cal presente nos terrenos do Palácio -‐ fotografia da autora 2012
20
Fig. 3-‐5 – Abertura do forno de cal presente no Palácio dos MPL-‐ fotografia da autora 2012
Fig. 3-‐4 – Corte de um forno de cal tipo da região da Estremadura, imagem retirada de Arquitectura Popular Portuguesa
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construção.” Esta publicação apresenta-‐nos também uma breve descrição e desenho tipo da configuração deste tipo de estrutura: “O revestimento interno do forno (...), adquire pelas sucessivas fornadas um surpreendente vidrado verde-‐escuro.” (Efeito que se encontra também no forno de cal encontrado nos terrenos do Palácio MPL) “Alguns fornos de cal, pela pureza do seu volume, enquadram-‐se na paisagem rural como verdadeiros monumentos dotados de elevadas qualidades plásticas.” 45
Fig. 3-‐7 – Poço coberto típico da região saloia, Arquitectura Popular em Portugal
Fig. 3-‐9 – Casa tradicional da região saloia, Arquitectura Popular em Portugal
Fig. 3-‐8 – Mapa de distribuição de tipologias tradicionais na zona da Estremadura, Arquitectura Popular em Portugal (legenda?)
Numa síntese da localização das tipologias encontradas, apresentada sob a forma de um mapa da região da Estremadura, na mesma publicação, encontra-‐se a configuração de poço coberto que descobrimos em frente ao Palácio MPL aplicada na zona correspondente a Mafra. Estes
45 Arquitectura Popular em Portugal, 1988, Vários Autores, Ed. Associação dos Arquitectos Portugueses;
Capítulo Estremadura.
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poços são tradicionais desta zona e é portanto um elemento a preservar no complexo, que pode desta forma manter um pouco da tradição da região em que se insere. Um outro elemento que é importante referir é a casa saloia, tradicional da zona a Norte de Lisboa, chamada a região saloia. Esta tipologia é muito interessante principalmente pelo seu carácter modular (com medidas mais ou menos idênticas entre 5.5 a 6.5 metros de lado46) que apresenta depois várias combinações possíveis de um ou dois andares47. Esta é uma referência interessante a considerar durante o decorrer do projeto.
46 Arquitectura Vernácula da Região Saloia, 1991, da autoria de José Manuel Fernandes e Maria de Lurdes
Janeiro; página 33. 47 idem, p. 40.
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3.2 Enquadramento Histórico 3.2.1 O Palácio e a sua relação com a Arquitetura Chã Introdução Para poder realizar um projeto informado, e uma vez que existem poucos estudos sobre este edifício, tornou-‐se necessário o enquadramento do Palácio em relação à linguagem arquitectónica utilizada, procurando desta forma definir o que são os seus valores históricos e artísticos. Para isto procedeu-‐se ao estudo de exemplos do período de implementação da que é considerada a linguagem mais marcante no edifício, a de Arquitetura Chã, vertente do Maneirismo em Portugal. Foi feita então uma seleção de um conjunto de edifícios que se consideram representativos para a análise comparativa. Nestes exemplos conseguiu-‐se identificar as características da Arquitetura Chã que se apuraram com base em textos de referência sobre este estilo, nomeadamente os textos fundadores de George Kubler e os, mais recentes, de Miguel Soromenho. Pretendeu-‐se então compará-‐los com o Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima sob o ponto de vista da análise de linguagens, tipologias e distribuição, enquadrando-‐o num quadro geral do estilo. A maior parte dos casos teve evoluções ao longo dos tempos que tiveram maior ou menor impacto na estrutura original. Tornou-‐se assim interessante comparar também alguns destes outros momentos com os do Palácio MPL. Ainda que cada palácio tenha o seu próprio percurso e evolução, este estudo permite obter pistas sobre a identidade do Palácio MPL, considerando-‐se que esta análise deu não só importantes pistas de projeto, na medida em que nos clarifica a identidade do edifício, por exemplo em relação aos materiais presentes, à linguagem formal e aos tipos de espacialidade, bem como é de grande utilidade para eventuais intervenções de restauro dos elementos que ainda chegaram até nós, quer do período inicial quer dos seguintes momentos de evolução. Considerou-‐se também que esta comparação e integração neste conjunto é importante para a valorização do palácio como exemplo de um estilo português e pouco estudado.
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Exemplos de referência da Arquitetura Chã a) Palácio do Corte Real O Palácio do Corte Real, depois palácio dos Duques de Aveiro, não chegou até aos dias de hoje. No entanto optou-‐se por incluí-‐lo, tendo como base gravuras e descrições, por ser um exemplo importante dos primórdios do que foi a Arquitetura Chã, um elemento de transição entre renascimento e maneirismo. Iniciado em 1585 para Cristovão de Moura, J. A. França atribuiu-‐o a Filipe Terzi48 (mestre do arquiteto ao qual foi atribuída mas não confirmada a autoria do Palácio MPL, Diogo Marques Lucas)49. Foi propriedade dos Corte Real, tendo sido vendido mais tarde ao rei D. Pedro II.
Fig. 3-‐11 Alçado principal do Palácio do Corte Real [entre 1755 e 1800?] Legendado e com escala. -‐ Reconstituição posterior ao terramoto. -‐ A. Aires de Carvalho, Coleção de desenhos, Biblioteca Nacional de Portugal
Fig. 3-‐10 Gravura de vista perspética do Palácio dos Duques de Aveiro em Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal
Terá sido uma “casa de traçado quadrangular, guarnecida de torres do tipo renascentista de Poggio a Caiano”50, ou seja com influências do renascimento italiano de Florença. Como podemos ver na gravura, desenvolvia-‐se em 4 pisos, com o andar nobre no 4º piso, abrindo-‐se para um terraço sobre os pisos inferiores. A fachada principal, virada para o Corpo Santo, dividia-‐se em dois corpos: um constituído por 11 filas de janelas organizadas no esquema 2-‐7-‐2 e o outro, tendo apenas os três pisos inferiores, com nove filas continuando o ritmo em 7-‐2. Diz-‐nos George Kubler: “A fenestração do andar nobre em severas molduras toscanas austeras, as 48 Citado por George Kubler em A Arquitectura Portuguesa Chã-‐ Entre as Especiarias e os Diamantes (1521-‐
1706), 2005, página 190 e nota 28. de Sousa Viterbo em Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, 1988. 50 George Kubler, obra citada. 49 Referência
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agulhas dos cantos fazendo lembrar as do Escorial, e o jardim cercado por alas avant-‐corps tornaram-‐se todos, mais tarde, padrões para as grandes casas da cidade e do campo”, sendo por isto uma referência de enorme relevância para o conhecimento da linguagem arquitetural da época. Pode-‐se encontrar paralelismos entre esta organização de fachada e a do Palácio de Mafra. Pensa-‐se que a disposição com torreões laterais terá evoluído para uma versão simplificada já sem as torres propriamente ditas, com cobertura destacada, mas mantendo o ritmo e o enquadramento da fachada por pilastras que demarcam os extremos deixando a ideia das antigas torres. Encontra-‐se este tipo de organização de fachada noutros exemplos que serão estudados. Relevante também é o tipo de moldura das janelas, em pedra (de lioz em Mafra), austeras, sem ornamentação, as já mencionadas molduras “toscanas”. Fig. 3-‐12 Alçado Sul do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, Mafra, imagem produzida através de Varrimento Laser 3D
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b) Palácio dos Condes de Vila Franca O Palácio dos Condes de Vila Franca foi intervencionado no séc. XVII pelo arquiteto Diogo Marques Lucas, segundo Miguel Soromenho. Mais uma vez não chegou aos nossos dias o palácio original, tendo sido destruído pelo terramoto de 1755. Localizava-‐se na atual rua Victor Cordon, número 1 e foi reconstruído pós-‐terramoto, já com concepção iluminista, como se pode apreciar ainda hoje. Pode observar-‐se a sua fachada numa gravura de Júlio de Castilho baseada numa pintura a óleo do séc. XVII de Simão Gomes dos Reis.
Fig. 3-‐13 Gravura do Palácio dos Condes de Vila Franca, de Júlio de Castilho
Encontra-‐se, mais uma vez, uma fachada ritmada por meio de pilastras, enquadrando desta vez uma só fila de janelas, assemelhando-‐se ao caso de Mafra. Constata-‐se uma distinção nas soluções adotadas na cidade e no campo, sendo que, por razões óbvias de economia de espaço, o palácio de cidade se desenvolve mais em altura que o de campo, que se permite alongar horizontalmente em um ou dois pisos como se irá ver nos exemplos seguintes.
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c) Palácio dos Duques de Aveiro, Azeitão O Palácio dos Duques de Aveiro situa-‐se em Azeitão, zona de lazer privilegiada entre os sécs. XV e XIX graças à sua beleza natural e condição geográfica de exceção, localizando-‐se entre a serra e o mar 51 . Terá sido iniciado entre 1521 e 1537 mas, finalizado apenas no séc. XVII 52 , é referenciado como “um dos mais magníficos exemplares da arquitectura classicizante do país”. Desenvolve-‐se numa planta em U, com um corpo mais alto ao centro e duas alas mais baixas formando um pátio ajardinado diante da fachada principal, a Norte. A ala Este prolonga-‐se para Sul e abre-‐se num telheiro-‐miradouro sobre a propriedade. A fachada principal apresenta um ritmo de janelas 1-‐5-‐1, sendo que mais uma vez os grupos laterais estão enquadrados por pilastras e, neste caso, as janelas do piso nobre são coroadas por frontões triangulares, idênticos aos encontrados em Mafra, elemento que se repete na janela central. É recorrente, como se tem observado, que as janelas dos pisos inferiores ao piso nobre sejam mais baixas, quase quadradas, com moldura simples em pedra. Pode encontrar-‐se esta situação na zona poente do Palácio MPL. Por vezes, como acontece nas alas laterais deste exemplo, o piso de apoio surge por cima do piso nobre, sendo a configuração das aberturas semelhante.
Fig. 3-‐15 Fachada Principal Norte do Palácio dos C ondes de Aveiro-‐ IGESPAR
Fig. 3-‐14 Ala Poente do Palácio dos Condes de Aveiro-‐ IGESPAR
51 Ficha de Património do IGESPAR-‐ Palácio dos duques de Aveiro. 52 Referência
feita na Ficha mencionada acima: CALADO, Maria (1993) Cidades e Vilas de Portugal-‐ Azeitão. Lisboa, página 73.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Fig. 3-‐16 Fachadas Sul e Nascente do Palácio dos MPL-‐ autora
Este exemplo aproxima-‐se mais em função do Palácio MPL em Mafra, sendo que está também inserido numa grande propriedade de lazer e produção. Comparando as vistas aéreas é curioso observar como os corpos principais dos dois edifícios são alongados. No exemplo seguinte, embora de disposição diferente, encontra-‐se o mesmo paralelismo com os dois corpos principais alongados.
Fig. 3-‐17 Vista aérea do Palácio dos Duques de Aveiro -‐ feet 200 Google earth meters 70
Fig. 3-‐18 Vista aérea do Palácio MPL -‐ SIPA-‐ Monumentos feet 200 meters
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d) Palácio do Calhariz O Palácio da Quinta do Calhariz, em Sesimbra, é um exemplo notável de quinta de recreio e produção do séc. XVII. Pertence ainda aos herdeiros dos Duques de Palmela, seus donos originais.
Fig. 3-‐19 Vista aérea do Palácio do Calhariz -‐ Google earth feet meters
300
100
Constitui já, em termos de linguagem, uma transição entre o Maneirismo e o Barroco apresentando elementos deste estilo, como as colunas que ladeiam a porta principal. 53 As fachadas apresentam ainda a sobriedade Maneirista, com janelas de moldura simples em pedra com rebordo no lado superior, chamada “toscana”. A fachada Norte abre-‐se sobre um jardim formal, é decorada por painéis de azulejo a meia altura e é dividida por pilastras em pedra, sendo que as restantes fachadas apresentam apenas os cunhais tratados desta forma. A disposição em planta deste palácio é particular: apresenta dois corpos longos com duas alas, mais curtas, que os unem formando pequenos pátios centrais. A entrada principal faz-‐se pela fachada poente, através do pátio principal. A ala sul está semienterrada de um dos lados, não tendo fachada a Sul. Na fachada Este encontra-‐se a entrada para a capela e uma pequena torre sineira.
53 Ficha de monumento do SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitectónico)-‐ Palácio do
Calhariz .
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Contrariamente aos exemplos anteriores apresenta o andar nobre no piso térreo, de modo semelhante ao que acontece (parcialmente!) no caso do palácio MPL em Mafra, e no primeiro piso, com janelas mais pequenas, o de apoio. Segundo descrição as salas desenvolvem-‐se ao longo da fachada sendo de forma rectangular e comunicantes entre si54. A maior parte das salas apresenta painéis de azulejo azuis e brancos datando a maior parte do séc. XVII e alguns, nomeadamente os exteriores da fachada Norte, do séc. XVIII55. As semelhanças com o Palácio MPL em Mafra consistem em questões de linguagem das fachadas, ritmo e configuração dos vãos e tratamento dos cunhais; da disposição das salas, ao comprido, umas a seguir às outras e comunicantes e consequentemente na configuração em planta do corpo edificado, alongado e estreito, duplicado no exemplo do Palácio do Calhariz.
Fig. 3-‐21 Fachada Poente e entrada principal do Palácio do Calhariz, retirada do site www.gabitogrupos.com
Fig. 3-‐20 Fachada norte do Palácio do Calhariz, retirada do site www.skyscrapercity.com
54 idem.
55 Informação recolhida no site: www.gabitogrupos.com/azeitaopatrimonioehistoria.
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e) Palácio dos Condes de Almada Com o Palácio dos Almada, conhecido como palácio da Independência por se supor que aqui se reuniram os revoltosos em 1640, voltamos a uma tipologia mais citadina. A planta por se tratar do resultado de sucessivos acrescentos e sobreposições não é fácil de interpretar. Apresenta, no entanto, fachadas regulares, de sete janelas em três pisos, com moldura toscana. O piso nobre, que é, neste caso, o andar superior, apresenta varandins e os dois de baixo, de serviço, têm janelas altas, o que não é habitual, sendo que talvez se trate de uma evolução do estilo ou mesmo de uma alteração mais tardia, considerando que se sabe que o pórtico é moderno (fruto das obras de restauro dos anos 40).
Fig. 3-‐22 Fachada Principal do Palácio da Independência-‐ SIPA
O piso nobre é caracterizado pelo que George Kubler denominou de “olhar altaneiro” cujo significado é ter uma faixa larga de parede entre as janelas e o limite do piso superior ou as goteiras do telhado, deixando transparecer que o interior contém “grandes quartos com tectos de caixotão tal como aqueles de outros palácios seiscentistas em Lisboa”56. Entre estes estão dois que vamos ainda analisar: o palácio do Marquês de Pombal e o Palácio dos Condes de Óbidos. Kubler vai contrapor ao “olhar altaneiro” o “olhar cabisbaixo” dos pisos de serviço, de pé direito mais baixo57. 56 George Kubler na sua obra: A Arquitectura Portuguesa Chã-‐ Entre as Especiarias e os Diamantes (1521-‐
1706), 2005, página 192.
57 idem
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Fig. 3-‐25 Corte do teto em caixotão do salão Nobre do Palácio da Independência-‐ SIPA
Fig. 3-‐26 Interior do Palácio da Independência-‐ SIPA
Fig. 3-‐23 Planta do tecto em caixotão do Palácio da Independência-‐ SIPA
Fig. 3-‐24 Interior Independência-‐ SIPA
do
Palácio
da
Na primeira visita que os Professores José Aguiar, Luís Mateus e Vítor Ferreira fizeram ao Palácio MPL em Mafra, antes da remoção do telhado, por decisão do ILIDH, por se encontrar bastante danificado, encontraram ainda uma cobertura em caixotão numa das salas que teria possivelmente alguma importância na organização do palácio. Este facto, bem como a verificação nas fachadas da distância de “olhar altaneiro” que menciona Kubler, lança a questão de que as coberturas dos espaços internos do palácio poderiam ter sido em caixotão, principalmente no caso da sala da Fig. 3-‐26, como no caso do Palácio da Independência e nos outros dois casos acima mencionados.
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Outro elemento que se encontra repetidamente nestes palácios são as molduras de portas ou passagens interiores em pedra de Lioz Vermelha. Também no “quarto do Marquês” em Mafra, surge esta pedra aplicada na passagem para a alcova e na moldura da lareira. É um elemento importante a ter em conta no ato de projeto devido à sua forte presença cromática e significação: a pedra, de cor forte, está associada a riqueza e estatuto social.
Fig. 3-‐28 Teto em caixotão de uma das salas do Palácio dos MPL-‐ Prof. José Aguiar 2011 Fig. 3-‐27 Alcova no quarto do Marquês no Palácio dos MPL-‐ autora 2012
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
f) Palácio Marquês de Pombal ou Palácio dos Carvalhos O Palácio Marquês de Pombal localiza-‐se em Lisboa, na rua do Século. Pertenceu à família de Sebastião José de Carvalho e Melo, depois Marquês de Pombal, tendo sido mandado construir pelo seu avô com o mesmo nome, no séc. XVII. Era originalmente de planta em L restando apenas um corpo rectangular58. É constituído por três pisos, o piso térreo, o primeiro piso, que é o andar nobre, apresentando varandins e janelas mais altas e um outro piso superior. Mantém alguns elementos originais interessantes como a cozinha seiscentista, de planta quadrangular e teto abobadado, e vários silhares de azulejos seiscentistas59. Voltam a surgir neste palácio os elementos já mencionados: molduras de portas e passagens internas em lioz vermelho, tetos em caixotão, de um dos quais se recolheram imagens tiradas durante o processo de restauro que podem dar algumas pistas sobre o sistema construtivo por detrás destes magníficos elementos. Trata-‐se neste caso, segundo a empresa K4, que fez a intervenção de restauro, de uma “estrutura de um telhado de asna simples, sem as escoras”.
Fig. 3-‐29 Fachada principal, Palácio Pombal-‐ SIPA
Fig. 3-‐30 Portas com moldura em lioz vermelho, Palácio Pombal-‐ SIPA
58 Ficha de Património do IGESPAR-‐ Palácio Pombal/ Palácio dos Carvalhos. autores: Teresa Vale, Carlos
Gomes, Paula Correia. atualização: Ângelo Silveira, Paula Correia. 59 idem.
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Fig. 3-‐31 Estrutura de um teto do Palácio Pombal durante o restauro-‐ K4, empresa que efetuou o restauro
Fig. 3-‐32 Teto do Palácio Pombal após o restauro-‐ K4, empresa que efetuou o restauro
Também interessante é a presença de painéis de azulejos em quase todas as salas nobres a meia altura como acontecia em outros casos estudados como por exemplo o Palácio do Calhariz. Existe a referência, numa descrição do inicio do séc. XX, da existência deste tipo de painéis no que chamamos quarto do Marquês no Palácio MPL. Na descrição de Alberto Pimentel, na sua obra Sem passar a fronteira de 1902 lê-‐se: “Percorri todas as casas; estive no quarto do marquês, que tinha alcova e fogão. O rodapé de azulejo está menos mal conservado ainda.” Infelizmente não chegou até nós nenhum vestígio desses azulejos.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
g) Palácio dos Condes de Óbidos O Palácio do Conde de Óbidos foi mandado construir no segundo terço do séc. XVII e teve intervenções ao longo do séc. XVII nomeadamente a aplicação dos painéis de azulejos60. Possui uma fachada principal curiosa devido à sua localização excepcional. O piso nobre corresponde ao primeiro piso, havendo um piso inferior de serviços que é um piso alto devido à topografia do terreno. O piso nobre apresenta “olhar altaneiro” comprovando-‐se no interior a presença de tetos de caixotão. Apesar das intervenções ao longo do tempo manteve a estrutura dos salões intacta. Estes localizam-‐se a Sul, com vista Tejo e constituem salas rectangulares comunicantes formando uma planta simples, neste aspecto semelhante à do Palácio MPL.
Fig. 3-‐33 Fachada principal do Palácio dos Condes de Óbidos-‐ common.wikimedia.org Fig. 3-‐34 Aguarela de 1773 mostrando a relação do palácio com a falésia-‐ SIPA
Na distribuição dos salões principais percebe-‐se alguma semelhança na comunicação, direta, entre eles e na sua hierarquização, não sendo claro, em ambos os casos, onde se localizava o ponto de entrada principal. No caso do Palácio dos Condes de Óbidos as zonas mais divididas, possivelmente mais privadas, estão localizadas a Norte, enquanto no caso do Palácio MPL se encontram a Poente.
60 Ficha de monumento do SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitectónico)-‐ Palácio dos
Condes de Óbidos. Autores: Teresa Vale, Carlos Gomes, Paula Correia, Paula Figueiredo.
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Estudo do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Fig. 3-‐35 Planta do piso nobre do Palácio dos Condes de Óbidos-‐ SIPA Fig. 3-‐36 Planta do piso térreo do Palácio dos MPL -‐ imagem produzida por Varrimento laser 3D
Plantas orientadas a Norte e à m esma escala
Como mencionado foi utlizado neste palácio o mesmo tipo de pedra, lioz, a emoldurar as portas interiores, e nos tetos as estruturas em caixotão. Graças aos restauros de que o palácio foi alvo estes elementos encontram-‐se em muito bom estado.
Fig. 3-‐37 Interior do Palácio dos Condes de Óbidos-‐ website da Cruz Vermelha Portuguesa
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h) Palácio Episcopal de Faro O exemplo do palácio Episcopal de Faro, sendo também de carácter residencial, ainda que religioso, vem trazer novas pistas para a compreensão do Palácio MPL. Este palácio foi mandado construir em 1598 depois da destruição pelas tropas inglesas do edifício existente anteriormente.61Sofreu remodelações após o terramoto por ter sido parcialmente danificado.62
Fig. 3-‐38 – Alçado principal do Palácio Episcopal de Faro, SIPA
Fig. 3-‐39 – Vista Superior do Palácio Episcopal de Faro, fotografia da autora
61 Referência retirada de uma ficha do website do Ministério da Cultura, na área Radix, com o título Paço
Episcopal. 62 Ficha de monumento do SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitectónico)-‐ Paço Episcopal, Faro, Portugal. Autores: Francisco Lameira-‐ 1996, Daniel Giebels-‐ 2005.
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Estudo do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Este palácio apresenta uma fachada característica da Arquitetura Chã, sóbria, simétrica, organizada em embasamento, piso de serviço e acima o piso nobre, com 13 janelas de moldura “toscana” em pedra, sendo a central de peitoril e trabalhada, por se encontrar acima da porta principal. A particularidade deste edifício encontra-‐se na cobertura, apresentando várias tipologias de telhados: de 2, 3 e 4 águas, e em tesoura no volume principal. Esta tipologia de telhado, em tesoura, é recorrente no Sul do país, tanto em construção erudita como tradicional, surgindo também em alguns exemplos doutras regiões.
Fig. 3-‐40 – Planta de cobertura do Palácio Episcopal de Faro, SIPA
Surge então uma nova hipótese para o que pode ter sido a cobertura original do palácio MPL, a hipótese de ter sido inicialmente feita uma cobertura em tesoura, ou de terem havido várias coberturas que acompanhavam o ritmo das divisões interiores principais do palácio e, consequentemente, as suas paredes mestras. Observando a planta de cobertura do Palácio Episcopal de Faro tornam-‐se claros os acrescentos que lhe foram feitos. Podemos também tirar daqui algumas conclusões sobre a forma independente como são realizadas as coberturas dos vários volumes, sem se realizar um prolongamento das coberturas existentes como se pode observar hoje em dia no Palácio MPL. Assim, pode ponderar-‐se se não seria também independente a configuração das coberturas dos acrescentos do palácio MPL, possivelmente de 4 águas, como também acontece noutros exemplos como o Palácio dos Condes de Óbidos, já estudado.
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Conclusões e hipóteses Comparação geral-‐ planta e organização Para além das comparações e conclusões que foram feitas ao longo do estudo e já apresentadas, surgiram ainda outras questões, relacionadas com comparações em planta, que serão abordadas em seguida. Analisando em conjunto as plantas de alguns exemplos de palácios seiscentistas concluiu-‐se que se podem encontrar: plantas em L, principalmente na cidade; plantas quadrangulares com pátio central, no Palácio dos Corte Real e ainda no Palácio Palhavã e na Quinta das Torres, em Azeitão, exemplos que não foram aqui estudados; plantas em U ou H formando pátios, como no Palácio dos Duques de Aveiro em Azeitão, Palácio do Calhariz e Palácio Galveias, não estudado nesta análise, ou formando um terraço, como no Palácio dos Condes de Óbidos. O Palácio MPL apresenta apenas um corpo comprido o que leva à questão de qual teria sido o plano inicial e se teria ficado incompleto, podendo ter havido um primeiro projeto de um outro sistema, simétrico ou em L, como nos exemplos estudados até agora. Outro facto que vem reforçar a dúvida em relação a qual teria sido o plano inicial é a ausência de uma marcação explícita do ponto de entrada como acontece nos casos estudados, excepto talvez no caso dos Condes de Óbidos. Na maior parte dos casos a simetria resolve esta questão, centralizando a entrada, o que não acontece no caso do Palácio MPL, surgindo até casos de enquadramentos propiciados pelos percursos no terreno que não têm correspondente na linguagem do edifício. Em resumo, identificou-‐se algumas questões, como a ausência de um ponto concreto que marque a entrada, ou uma aparente falta de concretização formal de um projeto inicial, que se refletem no posicionamento do edifício no terreno e nas relações com a envolvente. Foi então interessante tentar resolver estas relações através do projeto para o local.
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Fig. 3-‐48 Vista aérea do Palácio Galveias, Lisboa, séc. XVII-‐ Google earth
Fig. 3-‐47 Vista aérea do Palácio dos Condes de Óbidos, Lisboa, séc. XVII-‐ Google earth
Fig. 3-‐41 Vista aérea do Palácio da Rosa, Lisboa, séc. XVIII-‐ Google earth
Fig. 3-‐42 Vista aérea do Palácio Almada, Lisboa, séc. XVII-‐ Google earth
Fig. 3-‐44 Vista aérea do Palácio do Calhariz, Sesimbra, séc. XVII-‐ Google earth
Fig. 3-‐43 Vista aérea do Palácio dos Duques de Aveiro em Azeitão, séc. XVII-‐ Google earth
Fig. 3-‐45 – Vista aérea do Palácio Palhavã (Embaixada de Fig. 3-‐46 Vista aérea do Palácio dos Marqueses de Espanha), Lisboa, séc. XVII-‐ Google earth Ponte de Lima, Mafra, séc XVII-‐ Google earth
Escala Gráfica
Vistas aéreas dimensionadas à mesma escala
em metros
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Estudo da cobertura Durante a análise aos exemplos escolhidos foram sendo feitas comparações com o Palácio MPL a vários níveis: de organização de planta, apresentação de fachada, coberturas, materiais utilizados, entre outros. Completam-‐se nesta secção estas comparações com a proposta de hipóteses para o que se pensa que poderia ter sido a configuração original, ou plano original, da cobertura do Palácio MPL. Como foi visto anteriormente o palácio apresenta uma demarcação central e lateral dos vãos da fachada principal por meio de pilastras. Esta configuração foi também identificada (apenas lateralmente) noutros exemplos estudados como: o Palácio dos Corte-‐Real, o Palácio de Vila Franca, o Palácio dos Condes de Óbidos ou o Palácio dos Duques de Aveiro.
Fig. 3-‐49 – Alçado principal da Quinta das Torres em Azeitão, SIPA-‐ ficha de monumento
Tendo observado também outros exemplos de concepção anterior, como a Quinta das Torres em Azeitão (Fig. 3-‐49) pensa-‐se que esta demarcação possa ser uma evolução do modelo quinhentista, de inspiração italiana, de casa com duas torres laterais, em que estas se nivelaram pelo bloco central, surgindo apenas demarcadas por pilastras e identificadas pela cobertura diferenciada, como acontece no caso do palácio dos Corte-‐Real, do Conde de Óbidos, ou da Palhavã (Fig. 3-‐51). Assim apresentam-‐se duas propostas desenhadas de hipóteses para o que seria a configuração original da cobertura do Palácio MPL, baseadas nestes exemplos estudados.
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Fig. 3-‐54 -‐ Fachada principal do Palácio dos Condes de Óbidos-‐ common.wikimedia.org
Fig. 3-‐50 -‐ Proposta de cobertura para o palácio dos MPL, realizada em Sketch-‐up pela autora, sobre base realizada pelo mestrando Pedro Mateus
Fig. 3-‐52 – Pormenor de gravura de vista perspética do Palácio dos Duques de Aveiro em Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal
Fig. 3-‐51 – Vista do Palácio da Palhavã (Actualmente Embaixada de Espanha), SIPA-‐ ficha de monumento
Fig. 3-‐53 -‐ Proposta de cobertura para o palácio dos MPL, realizada em Sketch-‐up pela autora, sobre base realizada pelo mestrando Pedro Mateus
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No entanto, não será esta a única hipótese colocada. Noutros exemplos de palácios seiscentistas podemos observar uma cobertura de quatro águas, uniforme, que cobre todo o corpo, ou corpos, principais de forma simples e linear. Podemos observar este tipo de cobertura no Palácio do Calhariz, no Palácio da Independência ou, parcialmente, no Palácio dos Duques de Aveiro. Assim apresenta-‐se uma outra proposta de cobertura para o Palácio MPL baseada no estudo deste outro conjunto de exemplos.
Fig. 3-‐57 – Vista aérea do Palácio do Calhariz, Sesimbra, Bing Maps
Fig. 3-‐56 – Vista superior do Palácio dos Condes de Almada (ou da Independência), SIPA-‐ ficha de monumento
Fig. 3-‐55 -‐ Proposta de cobertura para o palácio dos MPL, realizada em Sketch-‐up pela autora, sobre base realizada pelo mestrando Pedro Mateus
O Professor José Manuel Fernandes, numa conferência63 sobre a sua publicação “Arquitectura Vernácula da Região Saloia”64, menciona que devido à dimensão reduzida das madeiras mais comuns em Portugal, apenas quando começa a vir madeira do Brasil, de maior porte, se começa a conceber telhados únicos nos edifícios nobres. 63 Conferência realizada na FAUTL, em Novembro 2012.
64 Publicação em 1991 com co-‐autoria de Maria de Lurdes Janeiro.
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Por esta razão haveria uma tradição de cobertura dos edifícios com telhados múltiplos que surgiriam de acordo com as divisões interiores, reduzindo também, deste modo, o número de vigas necessário. Põe-‐se assim a questão se, originalmente, não teria o Palácio MPL esta configuração, a par com outros exemplos seiscentistas, encontrados principalmente no Sul do país, como o Paço Episcopal de Faro (Fig. 3-‐60), mas também em Lisboa como o caso do Palácio dos Condes de Murça, em Santos-‐o-‐Velho (a ser intervencionado atualmente com proposta de reposição do seu telhado original) (Fig. 3-‐59). Após este estudo apresenta-‐se então nova proposta de cobertura seguindo os princípios de cobertura múltipla assente nas divisões interiores do Palácio.
Fig. 3-‐60 -‐ Alçado principal do Palácio Episcopal de Faro, SIPA
Fig. 3-‐59 -‐ Alçado do Palácio dos Condes de Murça-‐imagem retirada do site da empresa Plano Sustentável que está a colaborar no projeto em curso para este Palácio
Fig. 3-‐58 -‐ Proposta de cobertura para o palácio dos MPL, realizada em Sketch-‐up pela autora, sobre base realizada pelo mestrando Pedro Mateus
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3.3 Hipóteses do processo de transformação e evolução formal do palácio Para melhor compreender a organização dos espaços, e relações entre eles, tal como as encontramos hoje no Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, considerou-‐se importante o estudo interpretativo e avançar de propostas de algumas hipóteses dos momentos de evolução do edifício: das alterações, dos acrescentos, das zonas afectadas pelo terramoto de 1755, do abandono, de utilizações diferentes da inicial. Pretendeu-‐se produzir uma sistematização destes momentos evolutivos do edifício traduzida em desenhos interpretativos das várias fases identificadas. Este estudo baseou-‐se em informação recolhida ao longo da investigação: informação textual histórica; análise in situ dos materiais e sistemas construtivos e das relações perceptíveis, com base em conceitos derivados da arqueologia da arquitetura; bem como informação gráfica recorrente do levantamento elaborado pelo colega Pedro Mateus no âmbito da sua dissertação “Documentando o projeto de reabilitação”, com o orientador Professor Luís Mateus, com base em técnicas de Fotogrametria Digital Terrestre65 e de Varrimento Laser 3D66. Como é possível observar nas figuras 3-‐61 3 e 3-‐62, pudemos identificar algumas evoluções do edifício. Pensa-‐se que inicialmente, antes da grande intervenção de construção do corpo longitudinal seiscentista, haveria uma “casa torre” possivelmente de génese contemporânea ou próxima da igreja de Santo André. Esta construção base, sobre a qual se teria desenvolvido todo o complexo que hoje encontramos, estaria possivelmente associada à muralha do castelo medieval que Estácio da Veiga menciona ter identificado nas suas escavações em Mafra67 e da qual se pode ver uma hipótese de configuração na Fig. 3-‐63. 65 A Fotogrametria Digital Terrestre baseia-‐se no uso da fotografia e é utilizada para produção de imagens
rectificadas com informação métrica e de grande utilidade, tanto para a percepção das diferenças construtivas que ajudam à compreensão da evolução do edifício como para a identificação das anomalias de que falarei no capítulo 5.1. 66 Com o Varrimento Laser 3D obtém-‐se um modelo tridimensional em nuvem de pontos, com possibilidade de fazer medições e conseguindo uma maior definição em relação à Fotogrametria. Consegue identificar-‐se todas as espessuras de paredes e dimensões espaciais, o que nos possibilita a comparação e consequente identificação dos métodos construtivos e da hierarquização dos espaços. 67 “Por vezes tinha reparado, que um lanço de muralha antiga mantinha o terrado sobre o que foi construído o dito palácio, mostrando ter tido uma porta ou janella pouco acima do plano em que passa a estrada. (...) Removidos os entulhos modernos, manifestou-‐se um paredão de ampla espessura, formado de pedra e grossos tijolos caldeados n’um cimento de cal e saibro, (...) O revestimento d’esta porção de muralha é assás similhante ao da cidadella de Faro, da alcaçova de Tavira e ao castello de Silves. (...) verifiquei ser da mesma rocha e feição das pedras que, em grandíssima quantidade, estão formando os muros das quintas, quintaes e casas mais próximas da egreja.” in Antiguidades de Mafra, de Estácio da Veiga, 1996, edição original: 1879.
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C
C 4
B
B 5 1
6
3
2
A
A Piso 0
Piso 1
Fase 1 – Antes do Séc. XVII
7
8
Piso 0
9
Piso 1
0 5 10 20 50 m Fase 2 – Séc. XVII e Séc. XVIII Fig. 3-‐61 – Proposta de hipóteses de evolução do Palácio MPL que passam de uma fase para a seguinte e a vermelho as adições realizadas. A cinzento os elementos
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Fase 1 Hipótese esquiçada
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Fase 3 – Séc. XX
Fig. 3-‐62 -‐ Proposta de hipóteses de evolução do Palácio dos MPL
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A disposição proposta para um primeiro e segundo momentos no corpo A, piso 0 e 1, é sugerida pela interpretação de alguns elementos encontrados ainda hoje nestes espaços: duas janelas em fenda que sugerem que as paredes em que se encontram poderão ter sido, em tempos, paredes exteriores, e ainda a configuração de moldura de duas portas interiores que sugere terem sido estas portas exteriores anteriormente (Fig. 3-‐64). Estes elementos bem como os arcos que ligam os espaços do corpo B (5) e os que se encontram no piso 2 do palácio, só existente do lado da “torre”, podem dizer-‐se característicos de um tipo de construção “tardo medieval” ajudando a um enquadramento temporal das diferentes fases. Estes arcos do corpo B sugerem que haveria um segundo piso nesta zona (Fase 1-‐ Hipótese esquissada). Consideram-‐se importantes duas direções, marcadas na planta da 3a fase, a Norte e a Sul do Palácio e da Igreja de Santo André, que se pensa terem relação com a estruturação da vila medieval de Mafra. A toponímia deixa-‐nos esta pista sendo que a rua a norte se chama, ainda hoje, Rua do Castelo.
Fig. 3-‐63 – Hipótese de Configuração do Castelo de Mafra-‐ “Mafra, da Reconquista ao Foral” C. M. Mafra 1989 (a vermelho o palácio)
Fig. 3-‐64 – Imagens 1, 2 e 3 (por esta ordem) – Janelas fenda e m oldura de porta
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No corpo B, como identificado na planta de evolução proposta, encontram-‐se também situações curiosas que nos dão importantes pistas: janelas agora tapadas e enterradas e uma diferença de tipos de alvenaria que sugere uma adição. Foi possível a descoberta de ambos os casos após a remoção do reboco. Esta tese de adição vem corroborar a ideia de que haveria dois edifícios distintos (A e B) que teriam sido unidos por uma nova fachada e espaços resultantes com a construção do palácio, ou posteriormente (Fase 2 piso 0 e 1, a encarnado). As janelas enterradas sugerem que o edifício seria destacado e o terreno mais baixo provavelmente com uma pendente que iria até à igreja de Santo André. A construção identificada com a letra C é a que levanta maiores dúvidas. Existe uma relação geométrica visível entre esta e a “torre” que, em conjunto com a presença de um arco inscrito
Fig. 3-‐65 – Imagens 6 e 7 (por esta ordem) – Janela tapada e mudança de alvenaria (a vermelho as zonas de interface dos dois períodos construtivos).
Fig. 3-‐66 – Imagens 4, 9 e 10 (por esta ordem) – Arco em m uro, parede mais estreita, alvenaria diferente
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num destes “muros” que chegaram até nós, sugere que fariam parte de uma outra construção relacionada com a ainda existente. Outras conclusões surgem com a identificação de espessuras de paredes que pela diferença nos indicam momentos de construção. Por exemplo já na fase 2, piso 1, encontramos uma situação de clara diferença de espessura nas alvenarias que nos leva a duvidar se haveria neste ponto um outro volume perpendicular ao edifício principal (9). Encontramos ainda uma outra situação de adição (10) que se apresenta de duas formas: pela espessura claramente inferior do pano de alvenaria e pela diferença no tipo de alvenaria e argamassas que foi possível averiguar após a remoção do reboco. Não foi possível averiguar em que fase teria sido feito este acrescento. É possível que a fonte que ainda hoje adorna o pátio do palácio seja a mencionada num excerto de um Auto de Vistoria de 1744 com descrição de todos os melhoramentos realizados no espaço do palácio e terrenos adjacentes68. Ficamos assim a saber que teria sido feita em 1743. Também interessante neste texto é a alusão a duas das estruturas encontradas na Quinta da Cerca, hoje Parque Desportivo de Mafra: o pequeno pavilhão, na entrada e a Ermida de Santo António.69 Já no séc. XX o Palácio sofre algumas alterações para ser incorporada a componente produtiva nos seus espaços. Como podemos ver na imagem da Fase 3, são abertas portas mais amplas, são implantados dois lagares e o chão foi rebaixado para possibilitar a entrada direta sem escadas. O poço foi possivelmente também acrescentado já no séc. XX, associado à componente produtiva e agrícola, bem como o telheiro com 3 colunas.
68 “Foy mostrado pelo procurador do ditto Excellentissimo Bisconde supplicante euá fonte de água de
beber que se acha feita à pouco mais de um anno dentro da dita quinta (...)” 69 “Mostrou elle dito procurador do dito Excellentissimo Bisconde suplicante hua Caza outavada na Mata da dita quinta, aque chamão a do Retiro, ese acha feita àtrinta annos pouco mais ou menos ainda por cobrir”; “Mostrou mais elle procurador do Excellentissimo Bisconde huma Ermida emque está collocado o Senhor Santo Antonio, aqual seachava feita toda de novo haverá trinta annos pouco mais ou menos dentro nadita quinta em a Mata della” “(...)assim em paredes azollejos, e retabollo, pedrarias, simalhas, aboboda, telhados, grades, e portas na quantia de seis centos e sinesentamil e seis centos reis” in Autos de Vistoria da Quinta de Mafra (22-‐11-‐1744); a transcrição feita pela autora desta dissertação e apresentada em anexo.
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Da teoria à prática
4. Da teoria à prática 4.1 Casos de estudo de intervenção Com o objetivo de obter um espectro de intervenções ou tipos de intervenção possíveis, analisou-‐se uma série de casos de estudo de referência no âmbito da reabilitação estrutural e da relação arquitectónica, espacial e visual, entre o existente e a proposta, quer seja no âmbito da construção de novo módulo independente ou de uma extensão do existente. As obras selecionadas como caso de estudo de referência foram: (I) o projeto para adaptação do Laboratório Chímico a Museu da Ciência, em Coimbra dos arquitetos João Mendes Ribeiro, Carlos Antunes e Desirée Pedro; (II) um conjunto de intervenções em Alfama, Lisboa, do arquiteto Victor Mestre; (III) o projeto da Biblioteca Municipal de Sintra -‐ Casa Mantero, do arquiteto Alexandre Marques Pereira; (IV) o processo de conservação e restauro do Palácio Fronteira, que teve vários projetos de vários autores em diversos momentos, mas do qual se irá estudar a intervenção do Engenheiro Jorge Bastos; e por fim (V) o projeto para o Edifício Pombalino da Rua dos Fanqueiros números 73 a 85, em Lisboa, do arquiteto José Adrião. Um dos critérios para a escolha destes casos de estudo foi a variedade e complementaridade de filosofias de intervenção, cobrindo um leque desde a intervenção mínima e mais discreta, como é o caso do Palácio Fronteira, que aposta em programas de restauro e conservação estrita que têm vindo a ser implementados gradualmente, até à intervenção mais profunda, como no caso do projeto da Biblioteca Municipal de Sintra -‐ Casa Mantero, que, devido ao estado de degradação em que se encontrava, sofreu alterações profundas ao nível do sistema estrutural e da configuração dos espaços. Foram estabelecidos tópicos de análise abrangendo a situação inicial do edifício e as intervenções aplicadas. Assim pretendeu-‐se analisar a situação inicial com base na tipologia de espaços, no sistema estrutural e construtivo e nos materiais presentes; e quanto à intervenção foram analisadas as soluções para o sistema estrutural primário, paredes portantes e vigas de suporte de piso e cobertura, para o sistema secundário, paredes divisórias e cobertura, e para outros elementos como revestimentos, pavimentos, vãos, cobertura e instalações. Foi por fim analisada a construção nova, se aplicável, e a sua relação com o existente, em cada caso. Pretende-‐se, com a análise destas obras, conseguir uma visão relativamente abrangente do que é a intervenção de reabilitação nos dias de hoje, compilando, de certa forma, um estado dos conhecimentos práticos deste tipo de intervenção.
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Fichas de obras de reabilitação I-‐ Laboratório Chímico, Coimbra Arquitetos -‐ João Mendes Ribeiro, Carlos Antunes e Desirée Pedro Data de construção/ intervenções-‐ 1773-‐1775, intervenções em 1880. Motivo da Intervenção-‐ Conversão em Museu. Breve sumário Intervenção num edifício com um grande valor a vários níveis. Para além de um valor arquitectónico inequívoco, está também presente o valor de memória do que foi o Laboratório Chímico e um valor histórico, de referência, pelo facto de ser referido como o primeiro da Europa construído com este propósito. Felizmente o edifício ainda se encontrava num estado razoável e foi, por isso, possível intervir de forma a manter ao máximo as suas características arquitectónicas e construtivas. As alterações e opções tomadas durante a obra enriqueceram o projeto e trouxeram ao de cima uma nova realidade, desconhecida até então, que é o facto de o edifício ter sido construído tendo como base um refeitório jesuíta do séc. XVI. Características gerais-‐ Edifício de planta em L, construído sobre um outro anterior, um refeitório do Colégio de Jesus do séc. XVI, do qual foram encontrados vestígios: três janelas do séc. XVI, um púlpito a eixo com a sala do refeitório e a localização de um outro que não foi possível preservar; fachadas de linguagem neoclássica divididas em tramos por pilastras dóricas, intervenções do séc. XIX que subdividiam o corpo perpendicular; espaços abobadados de pé direito elevado (quase 10m); primeiro edifício da Europa construído de raiz para ser Laboratório Chímico. Filosofia da Intervenção-‐ Apresentação de um “tempo híbrido”, passado e presente, documentando estratos intermédios, dando, simultaneamente, “resposta às novas necessidades”; “o edifício é tão importante como os conteúdos”; “pequena intervenção e restauro”.70 O edifício antes da intervenção-‐ Paredes exteriores e divisórias em alvenaria de pedra. Cobertura com estrutura em madeira e tectos estucados, relativamente trabalhados.
70 Citações em entrevista realizada pela autora apresentada em anexo.
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Da teoria à prática
Revestimentos em reboco de cal. Alguns azulejos de 1910 numa das alas e azulejos originais do século XVIII na sala mais a Sul. Pavimento em mosaico hidráulico sobre pavimento em pedra a um nível 10cm abaixo. Pavimento em pedra no átrio principal. Janelas, portadas e portas em madeira. Molduras exteriores e interiores dos vãos em pedra. Estrutura primária-‐ A estrutura primária, alvenarias, estava em muito bom estado e não precisou de reforços excepto nas entregas das madres da cobertura. As alvenarias são “muito largas, com muita estabilidade e muito bem feitas”. Estrutura secundária-‐ Foi tomada a opção de demolir estruturas secundárias, paredes divisórias, do séc. XIX, permitindo clarificar parte do projeto e pôr em evidência a escala original e as estruturas encontradas do séc. XVI. Cobertura-‐ Apenas na ala perpendicular foi necessário substituir a estrutura da cobertura com asnas novas baseando-‐se no projeto original, alterou-‐se ligeiramente a configuração da asna para melhorar significativamente o seu funcionamento ( a verificação com programas de cálculo atuais confirmou erros de dimensionamento com reflexos na segurança, que foram melhorados). No processo de restauro foi utilizada madeira de riga antiga, com 200 a 300 anos, vinda do Norte da Europa de pavimentos de casas desmontadas. Revestimentos-‐ Manutenção dos revestimentos originais quando possível, recolocação de rebocos sendo estes feitos de forma idêntica à original. Pavimentos-‐ O pavimento encontrado era mosaico hidráulico, tendo-‐se verificado que não era o material original. Foi colocado um pavimento em madeira com base numa fotografia de 1902 de Augusto Bobone. Foi abandonado o que se descobriu ser o pavimento original, em pedra, por se encontrar 10cm abaixo do pavimento atual e todas as portas e guarnições estarem já adaptadas ao novo nível de pavimento. Vãos-‐ Foi mantido todo o sistema de janelas e portadas em madeira, as caixilharias foram recuperadas. Nas portas que precisaram de ser adaptadas a saídas de emergência foi retirado o eixo da dobradiça e colocados pivots para poderem abrir para fora mantendo as portadas originais.
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Instalações-‐ Todas as infraestruturas foram inseridas em condutas instaladas em valas abertas por baixo do pavimento, podendo ser acedidas levantando o pavimento de madeira que é desmontável. Para solucionar o problema do aquecimento no Inverno foi colocado um pavimento radiante. Outros elementos-‐ Colocação de guarda-‐ventos Documentação enviada pelo Arq. João Mendes Ribeiro, confirmada com a entrevista com o Arq. João Mendes Ribeiro; Conferência de apresentação do projeto realizada na FAUTL em Maio de 200771.
Fig. 4-‐3 – Vista da fachada principal do Laboratório Chímico em Coimbra, fotografia da autora
Fig. 4-‐1 – Planta do Laboratório Chímico em Coimbra, cedida pelo Arq. João Mendes Ribeiro
Fig. 4-‐2 – Vista do interior do Museu da Ciência inserido no Laboratório Chímico em Coimbra, fotografia da autora
71 PDF não editado com cópia digital no site do Mestrado em Reabilitação da arquitetura e Núcleos
Urbanos da FAUTL (www.mestrado-‐reabilitação.fa.utl.pt).
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II-‐ Casas em Alfama, Rua da Oliveirinha, Largo da Achada, Lisboa Arquitetos -‐ Vítor Mestre e Sofia Aleixo Data de construção/ intervenções-‐ “tardo medieval”, aproveitamentos pós-‐terramoto, intervenções múltiplas ao longo do tempo. Motivo da Intervenção-‐ Requalificação para habitação. Breve sumário Nesta intervenção um dos grandes problemas foi o estado de conservação em que se encontravam os edifícios, a falta de manutenção de que sofreram e as alterações pontuais de que foram alvo, que não tiveram em conta a globalidade do edifício. Assim o que se pretendeu, em cada caso, foi preservar a identidade, a memória e a caracterização de um bairro através dos seus elementos, por meio de intervenções que qualificassem os edifícios e os tornassem aptos a cumprir com as novas exigências de habitabilidade. Características gerais-‐ Na maior parte dos casos, estado muito degradado, e quando em estado razoável, muito mal infraestruturados; divisões exíguas; cozinhas e casas de banho já não estão na mesma prumada; na rua da Oliveirinha, ausência de ventilação transversal por não ter alçado tardoz. O edifício antes da intervenção-‐ Paredes exteriores auto-‐portantes em alvenarias muito brandas, de pedra, tijolo, cacos de tijolo, cacos de telha; últimos pisos com uma componente maior de madeira com cruzes de Santo André nas paredes divisórias e exteriores; na rua da Oliveirinha existência de paredes de terra; estruturas não uniformes mesmo ao longo do mesmo edifício, com muitas alterações, falta de manutenção e deterioração dos materiais; paredes interiores em colapso; coberturas dos anos 40 a 50 do século XX com secções muito frágeis; paredes estruturais adulteradas com inserção de elementos como sanitários, lavatórios, etc.; Filosofia da Intervenção-‐ “Fazer um enquadramento social e cultural da envolvente”, “conhecer a integridade do edifício, o estado de conservação, a sua história, o património integrado” antes de iniciar o projeto.
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Restrições/Dificuldades-‐ Falta de uniformidade construtiva e de infraestruturas nos vários pisos. Estrutura primária-‐ paredes de alvenaria foram reforçadas com uma grelha de rede metálica distendida e uma argamassa industrial específica para manter a rigidez da parede em termos verticais e para se fazerem novas pregagens, conforme os casos, ou para ancorar cantoneiras para as lajes colaborantes, ou para prender as estruturas de madeira existentes que estavam desligadas das fachadas (por apodrecimento dos elementos junto à fachada devido a infiltrações). Estrutura secundária-‐ Nas paredes divisórias utilização do Viroc, com estrutura em madeira semelhante à existente, em cruz de Santo André. Revestimentos-‐ Não havia um reboco unificador de cima abaixo, foi refeito um novo reboco de cal. Cobertura-‐ Foi possível aproveitar poucas estruturas de cobertura devido ao estado avançado de podridão e enfraquecimento; foi utilizada madeira para refazer a estrutura e aço nos rincões apoiando a estrutura de madeira numa estrutura de aço primário; utilização de telhas metálicas térmicas como subtelha. Instalações-‐ Possibilidade de inserir infraestruturas dentro das paredes realizadas em viroc. Novo Edificado (se aplicável) ou Intervenção-‐ Rua da Oliveirinha: Criação de uma mezzanine com vista para São Vicente de Fora que aproveita a altura do telhado na zona das traseiras do edifício. Documentação-‐ Entrevista com o Arq. Victor Mestre; site do atelier VMSA (www.vmsa-‐ arquitectos.com)
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Fig. 4-‐5 – Vista exterior e Corte do edifício da Rua da Oliveirinha, imagens retiradas de ficha de projeto cedida pelo Arq. Victor Mestre
Fig. 4-‐4 -‐ Vista exterior, antes e depois, Corte e Alçado do edifício do Largo da Achada, imagens retiradas de ficha de projeto cedida pelo Arq. Victor Mestre
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III-‐ Biblioteca Municipal de Sintra-‐ Casa Mantero Arquiteto-‐ Alexandre Marques Pereira Data de construção/ intervenções-‐ Início do séc. XX. Motivo da Intervenção-‐ Conversão em Biblioteca Municipal. Breve sumário Este projeto parte de um edifício existente muito degradado e descaracterizado, praticamente uma ruína, devido ao abandono. Assim o objectivo terá sido uma requalificação, isto é, voltar a dotar o edifício da sua identidade, perdida com o estado de degradação em que se encontrava, integrando-‐o num complexo de biblioteca do qual irá fazer parte um outro edifício novo que se liga ao existente respeitando-‐o e, ao mesmo tempo, integrando-‐o. “(...) A ideia foi recuperar, não para repor como era dantes, mas para preservar o carácter da casa e da zona, até porque a casa e o jardim funcionam como o remate da correnteza em que se insere.” Considerando as partes em falta da estrutura do edifício, umas foram reconstruídas, outras reinterpretadas, consoante os casos e a necessidade destes elementos para a clarificação do edifício, considera-‐se assim que estamos presente um caso de repristinação. Características gerais-‐ Edifício habitacional; 3 pisos (-‐1, 0 e 1); planta em I; inserido num terreno com declive acentuado. O edifício antes da intervenção-‐ Paredes exteriores em alvenaria de pedra de 0,70 m; cobertura destruída; estado geral de quase ruína. Filosofia da Intervenção-‐ “Recuperar, não para repor como era dantes mas para preservar o carácter da casa e da zona”; “recuperação da casa por dentro com uma correspondência para a fachada”; versatilidade do programa inserido no edifício existente para maior adaptabilidade; configura uma caso de repristinação. Restrições/Dificuldades-‐ Declive acentuado do terreno; ausência de levantamento do existente; problemas construtivos ao nível das paredes que se encontravam, em certos pontos, parcialmente destruídas.
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Estrutura primária-‐ Foi construída uma parede em betão, de 15 a 20 cm, circundando todo o interior, solidária às paredes existentes de alvenaria e amarrada por gatos, para dar estabilidade e segurança antissísmica; consolidação das alvenarias existentes, que tinham muitos ocos, e reconstrução das alvenarias em falta. Revestimentos-‐ Os revestimentos exteriores foram todos refeitos em rebocos de cal com pigmentos e os interiores são em estuque. Vãos-‐ Foram suprimidos os vãos na cobertura, que se vêm em fotografias antigas, mas que já não existiam devido à queda da cobertura; na fachada principal não se pôs caixilho nos dois vãos com cantaria de pedra, ficando só em vidro. Elementos em ferro das varandas recuperados ou feitos de novo. Cobertura-‐ A cobertura teve de ser toda refeita, em ardósia como a cobertura original, mantendo-‐se a geometria do telhado mas não outros elementos como os vãos. Havia apenas referências fotográficas de como era a cobertura. Outros elementos-‐ Jardim com bastantes árvores, algumas de grande dimensão, que foram mantidas na grande maioria, sendo feitos percursos novos ou recuperados os existentes. Novo Edificado (se aplicável) ou Intervenção-‐ Relações-‐ Novo corpo relacionado com o existente através de um elemento de ligação, corredor, que "encaixa" no edifício existente no local em que existiam vãos nos dois andares em que se tocam. Novo edifício está “muito ligado com o exterior a dois níveis: a paisagem próxima -‐ o bosque, e a paisagem distante -‐ as vistas sobre a serra e a vila.” O edifício novo foi implantado a uma cota mais alta do que a Casa Mantero com comunicações horizontais e verticais, com várias entradas aos vários níveis e, também, um percurso pelo jardim que os liga. “Como o pavimento do 1º piso tinha caído surgiu a ideia de preservar essa altura para dar alguma dimensão ao espaço.” Documentação-‐ Informação fornecida pelo Arq. Alexandre Marques Pereira, confirmada com entrevista com o Arq. Alexandre Marques Pereira; e o Livro: Biblioteca Municipal de Sintra-‐ Casa Mantero, 2004, Ed. White and Blue. Lisboa.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Fig. 4-‐7 – Fotografia aérea da Biblioteca Municipal de Fig. 4-‐8 – Vista da ligação entre o edifício existente e o Sintra-‐ Casa Mantero, site do Arq. Alexandre Marques novo edifício, fotografia da autora Pereira
Fig. 4-‐6 – Planta geral da Biblioteca Municipal de Sintra-‐ Casa Mantero, cedida pelo Arq. Alexandre Marques Pereira
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Da teoria à prática
IV-‐ Palácio Fronteira, Benfica Arquitetos/Engenheiros-‐
vários;
intervenção
analisada:
reparação
estrutural
da
responsabilidade do Eng. Jorge Bastos, 1987-‐88 (tendo existido um projeto de arquitetura prévio pelo Arq. Frederico George). Data de construção/ intervenções-‐ Construção inicial no séc. XVII, com influências do Renascimento Italiano; no séc. XVIII fizeram-‐se importantes acrescentos. Motivo da Intervenção-‐ Intervenção para preservação e manutenção; continuação das funções de habitação e abertura parcial ao público; adaptação de alguns espaços para escritórios de apoio ao Palácio. Breve sumário No caso do Palácio Fronteira não existe uma intervenção de grandes alterações mas sim uma intervenção de manutenção e conservação integrada do existente, que se encontrava, e se mantém, em utilização, tanto como casa familiar, como parcialmente aberto ao público (enquanto museu de si próprio). Existe uma coerente política de conservação para este edifício de grande valor histórico, arquitectónico e memorial, gerida pelos descendentes da família fundadora, graças à Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, que tem como objectivo a manutenção e preservação do acervo da família. Foi interessante neste caso a opção por um planeamento de intervenções de modo faseado por forma a conseguir manter a abertura parcial ao público e, consequentemente, a fonte de receitas. Características gerais-‐ Corpo principal com 3 pisos; altura máxima 10/11 metros; O edifício antes da intervenção-‐ Paredes exteriores e divisórias em alvenaria de pedra calcária de espessura entre os 0,60 e os 0,80 m, algumas bastante deterioradas; pavimentos com sistema de vigas de madeira revestidas por tábuas de soalho (parte superior) e por tectos estucados ou com forro de madeira (parte inferior); cobertura em madeira com forro e telha portuguesa -‐ a cobertura tinha problemas de infiltrações, acumulação de detritos, entulhos, deterioração das madeiras e corrosão nos ferros.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Filosofia da Intervenção-‐ Hierarquização dos espaços. Não alterar as funções do edifício. Manter o edifício aberto para continuar a gerar receitas dos visitantes, havendo um planeamento de obras faseado. Restrições/Dificuldades-‐ Informação base, de levantamento, errada; ausência de registo de intervenções anteriores. Estrutura primária-‐ Intervenções baseando-‐se principalmente no reforço das estruturas existentes ou substituição de materiais enfraquecidos por materiais semelhantes; estrutura original manteve-‐se, alvenarias de pedra portantes, com reforço das alvenarias com aço inox, através de furações, e argamassas. Cobertura-‐ Houve uma alteração da geometria das coberturas, em relação ao encontrado, porque as existentes estavam deformadas e tinham descaído; a estrutura da cobertura nova foi realizada em aço estrutural. Documentação-‐ Entrevista com o Eng. Jorge Bastos; Acções de Salvaguarda e Reabilitação do Património: O Exemplo do Palácio Fronteira-‐ Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Reabilitação da Arquitectura e Núcleos Urbanos de Joana de Avelar Teixeira Califórnia Quintas
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Da teoria à prática
Fig. 4-‐11 – Vista do Palácio Fronteira, SIPA-‐ Ficha de monumento
Fig. 4-‐10 – Alçado principal do Palácio Fronteira, SIPA – Ficha de monumento
Fig. 4-‐9 – Vista da nova estrutura da Cobertura, SIPA-‐ Ficha de monumento
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V-‐ Edifício Pombalino Rua dos Fanqueiros, Lisboa Arquiteto -‐ José Adrião Data de construção/ intervenções-‐ Construção Pombalina, fim do séc. XVIII, com variadas alterações ao longo do tempo. Motivo da Intervenção-‐ Requalificação para permitir a apropriação com novas tipologias habitacionais -‐ a partir de 2 apartamentos obter 3 apartamentos para rentabilização do imóvel. Breve sumário Na intervenção neste edifício na Rua dos Fanqueiros foi adoptada uma filosofia de deixar à vista os vários momentos pelos quais passou o edifício, trabalhando com eles e utilizando como elemento unificador a cor, o branco. Pode dizer-‐se que este tipo de intervenção valoriza a preservação das partes do edifício que que constituem a sua história e que, podendo ter mais ou menos valor arquitectónico, fazem parte da sua evolução até aos dias de hoje. Houve um trabalho meticuloso de intervenção pontual, tratando cada situação de forma diferente consoante as necessidades que foram surgindo. Características gerais-‐ Edifício constituído por 5 pisos de habitação com 2 apartamentos por piso, e cave que constituía o edifício pré-‐existente na altura da construção. Soalhos em madeira, tectos em saia e camisa, caixilharias de madeira, azulejos no exterior e interior. O edifício antes da intervenção-‐ Esqueleto em madeira, "gaiola pombalina", com enchimento de alvenaria de pedra. Filosofia da Intervenção-‐ Aceitação das várias fases existentes colocando-‐se o atual projeto como mais uma intervenção no processo de vida do Edifício, em continuidade com a sua história e incorporando as alterações de diferentes tempos, pondo de parte uma possível operação de repristinação. Restrições/Dificuldades-‐ Os pisos apresentavam características diferentes entre si decorrentes das diversas intervenções de que foram sendo alvo.
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Da teoria à prática
Estrutura primária-‐ Foi feito um reforço estrutural pontual com materiais idênticos aos presentes na estrutura do edifício. Estrutura secundária-‐ As novas paredes divisórias foram realizadas em “Pladur”, material leve, para não sobrecarregar a estrutura. Houve um aproveitamento, sempre que possível, das paredes existentes. Revestimentos-‐ Opção pela pintura a branco da grande maioria das superfícies (interiores). Pavimentos-‐ Foram feitos remendos pontuais, assumidos como tal, deixando ver a diferença entre novo e pré-‐existente. Cobertura-‐ Manteve-‐se a estrutura original, substituindo-‐se as peças fragilizadas ou ausentes e fazendo os revestimentos e isolamentos pelo lado de fora. Manteve-‐se as claraboias existentes, funcionando agora como caixas de luz. Instalações-‐ Novas canalizações e rede eléctrica; três novas condutas verticais onde circulam as novas canalizações; instalação do elevador. Novo Edificado (se aplicável) ou Intervenção-‐ Relações-‐ Potenciação das características do edifício tendo em conta os vários momentos visíveis, optando-‐se por peças, medidas de vãos interiores e espaços adaptados ao existente em detrimento de medidas e elementos standard. Todos os remates necessários e os “remendos” foram assumidos como tal. Documentação-‐ Site do atelier José Adrião Arquitecto (www.joseadriao.com); Conferência de apresentação do projeto no IST em Outubro de 2012; Conferência de apresentação do projeto realizada na FAUTL em Junho de 201272.
72 PDF não editado com cópia digital na página do Professor José Aguiar (www.home.fa.utl.pt/~jaguiar/).
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Fig. 4-‐15 – Planta tipo do edifício da Rua dos Fanqueiros, antes, em cima e depois, em baixo, imagem retirada do PDF da conferência apresentada pelo Arq. José Adrião na FAUTL
Fig. 4-‐12 – Vista do exterior do edifício da Rua dos Fanqueiros, imagem retirada do PDF da conferência apresentada pelo Arq. José Adrião na FAUTL
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Fig. 4-‐14 – Vista do interior de uma das habitações, imagem retirada do documento da conferência apresentada pelo Arq. José Adrião na F AUTL
Fig. 4-‐13 – Detalhe de remendo do pavimento de uma das habitações, imagem retirada do documento da conferência apresentada pelo Arq. José Adrião na FAUTL
Da teoria à prática
4.2 Os Autores-‐ estratégias e opiniões Numa fase seguinte à análise de casos de estudo de obras de reabilitação, analisaram-‐se as opiniões, estratégias e técnicas dos intervenientes nestas obras. Procurou-‐se saber, para além das teorias, recomendações e regras, o que pensam e como agem, face a um projeto de reabilitação, aqueles que nele participam. Com este objectivo foram realizadas entrevistas aos autores das intervenções estudadas73-‐ Arq. João Mendes Ribeiro, Arq. Victor Mestre, Arq. Alexandre Marques Pereira e Eng. Jorge Bastos. Estas entrevistas contribuíram não só para obter informação sobre as suas obras, escolhidas como casos de estudo, como para perceber melhor as suas opiniões e estratégias nestes e em outros dos seus projetos de reabilitação. Metodologia Durante as conversas com os arquitetos sobre as suas obras e ideias foi possível perceber algumas metodologias que aplicam nas suas obras de reabilitação. Ainda que cada caso tenha as suas particularidades e, consequentemente, modos de intervenção mais adequados, são recorrentes, durante as entrevistas, as alusões a linhas guia que cada arquiteto ou engenheiro considera mais importantes quando intervém num edifício ou conjunto de edifícios existente. O Arquiteto Victor Mestre expõe, por exemplo, a importância fulcral de questões prévias a ter em conta antes da realização do projeto: “Quem intervém tem que saber: Porque é que vai intervir, qual é o programa, para que é que serve, com que dinheiro, como é que se vai manter e, no meio disso tudo, ao restaurá-‐lo, com que ética de intervenção.” É interessante a sua referência à importância de estar bem definida a função que irá ocupar o edifício, mesmo que seja com o propósito de ficar vazio, uma vez que todas as decisões terão em conta esse ponto. Outra questão relevante que ele sublinha é a questão do financiamento não só para a obra em si, mas também para um plano de manutenção que deve ser considerado numa fase inicial de projeto para que este seja viável e sustentável. Para o Arq. João Mendes Ribeiro: “Em primeiro lugar os programas têm que ser adaptados aos edifícios. Isso não é responsabilidade do arquiteto mas é determinante – tem que se perceber a escala, a tipologia, as regras compositivas, e por aí fora.” Dando-‐nos o exemplo do seu projeto para o Laboratório Chímico em que o programa, apresentado pela reitoria da Universidade de Coimbra, foi a forma ideal de revitalizar o edifício. Neste contexto da definição do programa é
73 Transcrições das entrevistas em anexo.
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também um bom exemplo a Biblioteca Municipal de Sintra-‐ Casa Mantero, para a qual o Arq. Alexandre Marques Pereira elogia a Câmara Municipal pela escolha do local e do programa. Um outro ponto de vista que se considerou interessante, no que toca a considerações prévias à realização do projeto, foi o do Eng. Jorge Bastos, que nos fala de como a história da própria arquitetura e a hierarquização dos espaços vai facilitar a distribuição das funções no edifício existente: “Há os espaços nobres. Os espaços de representação. Aí, não há habitação, não há instalações sanitárias, não há cozinhas. Depois, há os espaços secundários, em que se conseguiu gerir a área disponível para colocar as tais funções. Quer dizer, houve uma hierarquização de espaços. Há espaços intocáveis, e depois há espaços que podem ser adaptados a casas de banho, etc.” Aplicando este método numa fase inicial de projeto consegue-‐se uma intervenção ponderada e respeitadora dos espaços. Tendo sempre em conta que podem acabar por ter de existir as chamadas “camadas de sacrifício”, como menciona o Arq. Victor Mestre, que são: “aquelas que se retira dos edifícios em favor de qualquer coisa”, seja em favor da organização dos espaços, da sua qualificação, ou da recuperação de um tempo anterior que, ainda que não sendo encarada como metodologia, pode interessar em alguns casos como no do Laboratório Chímico, em Coimbra, como nos explicou o Arq. João Mendes Ribeiro. Falou-‐se também da questão da autenticidade da intervenção e de “fachadismo”, ou manutenção da fachada existente alterando completamente o seu interior. Para o Arq. Alexandre Marques Pereira a manutenção da fachada sem correspondência com o interior “é uma espécie de máscara, completamente falsa, é até hipócrita.” O Arq. Victor Mestre menciona também: “Como nós recusamos a reabilitação pela fachada, ou seja, o “fachadismo”, todos os estrados de madeira foram mantidos, retirando o mínimo possível de madeiras contaminadas.”, defendendo a manutenção da maior parte dos materiais e configurações existentes (autênticos) por forma a manter a sua relação com a fachada. O Eng. Jorge Bastos apresentou uma estratégia de planeamento de fases de intervenção que foi aplicada no caso do Palácio Fronteira, que foi possível graças ao facto de este ter já uma função museológica à data da intervenção estudada. A ideia foi elaborar um “planeamento de obras faseado” por forma a não ter de fechar completamente a parte aberta ao público, e continuar a gerar receitas dos visitantes, acabando por conseguir financiar parcialmente as intervenções desta forma.
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Da teoria à prática
Um outro assunto recorrente foram as surpresas em obra, que aconteceram em todos os casos estudados, ainda que assumindo dimensões diferentes74. Em todas as obras foram descobertas situações desconhecidas de início, que levaram à reelaboração dos projetos e reconsideração de alguns aspectos de obra. Como nos diz o Engenheiro Jorge Bastos: “O problema de uma obra de reabilitação é que têm que ser desenvolvidos, em média, 3 projetos: um inicial, talvez de intenções; um segundo, de concurso para a obra; e um terceiro, para as surpresas que aparecem na obra.” Estas surpresas surgem aquando do desmonte de certas partes do edifício para recuperação, da remoção de rebocos e revestimentos, e podem ainda dever-‐se à ausência ou realização incompleta do diagnóstico, fase de enorme importância num projeto de reabilitação em que se intervém sobre um objecto existente, que terá tido a sua história, a sua evolução e portanto apresentará características nem sempre facilmente perceptíveis. Sobre a questão dos imprevistos em obra o Arq. João Mendes Ribeiro apresenta um ponto de vista interessante, considerando que “os trabalhos de reabilitação ou de restauro são uma espécie de processo. O projeto tem que estar disponível para absorver os acasos e para aquilo que é inesperado – é mais um workshop de projeto que propriamente um projeto feito em dois tempos distintos, atelier e obra. Aqui atelier e obra fundem-‐se e processam-‐se no mesmo tempo, numa única fase, o que é bastante mais interessante. Por outro lado estas descobertas, que obrigam a alterar o projeto, do meu ponto de vista, enriquecem o próprio processo e o próprio projeto.” Considera-‐se que num projeto de reabilitação se torna ainda mais evidente a importância de uma relação de trabalho de equipa, de reconhecimento entre as várias disciplinas, nomeadamente entre o que é a planificação, em atelier, e a prática, em obra, que nestes casos devem estar intimamente ligadas. Fala-‐nos o Arq. João Mendes Ribeiro sobre a importância da formação das equipas de trabalho e suas competências bem como “a forma como o processo é acompanhado em obra. É preciso saber olhar o edifício. Para isso envolvemos um conjunto de especialidades, incluindo arqueólogos, historiadores, que nos asseguraram um conhecimento rigoroso do edifício. Isso é fundamental, porque a pior coisa é intervir num edifício sem o conhecer ou com base em dados errados.” O que nos remete mais uma vez para a importância da interdisciplinaridade na equipa de intervenção, e para a importância de um conhecimento o mais aprofundado possível do objecto a intervencionar aquando da realização do projeto.
74 Surgiram mencionadas em resposta à pergunta: “Ao longo da obra foram encontradas novas restrições
que não foram logo perceptíveis no início? Como afectaram o projeto?”
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Diagnóstico Em relação ao diagnóstico e levantamentos prévios põe-‐se quase sempre a mesma questão: “(...) É necessária uma investigação tecnológica na área dos materiais, na área do diagnóstico, que raramente é feita (...) as entidades não querem gastar dinheiro com análises médicas, nem com raio x, se me faço entender, porque acham que não é necessário. (...) O que acontece normalmente é que a obra arranca sem haver um diagnóstico preciso. Há um diagnóstico aproximado, a obra arranca, e depois tem que parar, com os custos inerentes, para se fazerem os diagnósticos. Ou então têm custos acrescidos para as alterações.” (Eng. Jorge Bastos) Assim conclui-‐se que o diagnóstico é importante não só para a realização de um projeto mais informado e consequentemente com mais qualidade, mas também para evitar custos desnecessários ao longo da obra, decorrentes de um desconhecimento do objecto. O tópico do Diagnóstico já tinha sido estudado no capítulo Estado dos Conhecimentos, e foi possível agora compreender melhor as implicações práticas da sua realização ou não realização antes do início da intervenção e mesmo do projeto. Regulamentação No que diz respeito à regulamentação atual aplicada ao caso da reabilitação, a opinião é quase unânime de que, ainda que seja obviamente necessária a existência de regras que regulem as intervenções e que esteja correto que estas respondam às necessidades atuais de habitabilidade, a regulamentação não está atualmente adaptada a situações de reabilitação, e acabam por surgir dificuldades resultantes desta desadequação. Diz-‐nos, por exemplo, o Arq. João Mendes Ribeiro: “No caso da reabilitação é preciso ajustar os regulamentos às condições físicas do edifício. Claro que se deve estar atento às novas necessidades, mas há regulamentos que põem mesmo em causa a ideia de reabilitação. (...) O que devia haver, não tenho dúvida absolutamente nenhuma, era uma flexibilidade dos regulamentos para intervenções em edifícios pré-‐existentes, porque há regulamentos que destroem os edifícios.” Quando o Arquiteto nos fala de pôr em causa a ideia de reabilitação, exemplifica com um caso de uma obra em curso onde, devido à regulamentação acústica, se teve de alterar de tal forma a configuração dos pisos e a altura dos pés direitos que se assiste a uma descaracterização acentuada do edifício perdendo-‐se o sentido de reabilitação e de preservação da autenticidade espacial do edifício existente. O Arq. Victor Mestre defende mesmo que a consciência de património e da sua defesa está já bastante enraizada nos intervenientes neste tipo de obra, e que por isso é inútil “proibir por proibir quando o paradigma mudou, quando todos nós temos o nosso sentido de
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responsabilidade e de defesa do património. Não é com leis abstractas e proibicionistas que se resolvem as coisas.” O Arquiteto diz-‐nos ainda que “O Património, não é uma coisa estática. Está sempre a mexer e a lei não permite que ele mexa e que se reajuste. (...) Eu acho que o maior drama do Património neste momento é o fundamentalismo da lei, desajustada da condição social a que deveria responder.” Acrescentando que a regulamentação, sendo um dado que não devia constituir um constrangimento, acaba por sê-‐lo na maior parte dos casos. Técnicas Surgiram também nestas entrevistas algumas contribuições interessantes para o que deve ser a intervenção ao nível material, nomeadamente em relação aos revestimentos e a sua compatibilidade com as alvenarias pré-‐existentes, contrastando uma técnica mais antiga e relacionada com o que estiver presente -‐ “O que está é aquilo que vai condicionar o seu reboco, portanto é bom aprender com o que lá estava antes, porque se lá estava é porque era compatível” (Arq. Victor Mestre) -‐ a uma utilização de materiais de génese mais recente e os consequentes problemas de compatibilização resultantes da sua utilização: “Quando se quer recuperar um edifício, ou uma fachada, deve-‐se utilizar primordialmente as técnicas construtivas antigas – utilizar num edifício destes o reboco de cimento e pintura plástica é um desastre, porque envelhece mal, não se integra com a estrutura e começa a fissurar. Pode parecer uma questão menor, mas eu acho que é uma questão fundamental, porque é o rosto daquilo que fica.” (Arq. Alexandre Marques Pereira). Em suma, e como diz o Arq. João Mendes Ribeiro, “Já se construiu demais, por isso, nos próximos anos, o que vamos fazer é reabilitação.” De modo que se torna crucial para os intervenientes uma aprendizagem do que são este tipo de intervenções, como menciona o Arq. Victor Mestre: “Toda a gente que intervém em património devia ter conhecimento das cartas da Unesco, de todo o desenvolvimento que tem existido de décadas a fio de pensamento da reabilitação e conservação de património, das experiências já executadas por muitos e bons arquitetos. E perceber, e tirar daí ilações”.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
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5. A reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima 5.1 Estado atual do sistema construtivo e outros elementos do edifício O edifício em estudo encontra-‐se abandonado há vários anos. Assim, tem vindo a degradar-‐se graças à falta de manutenção bem como a ocupações parciais, ocupações clandestinas e atos de vandalismo. Em seguida apresentam-‐se exemplos dos efeitos que estas situações provocaram no edifício. Estes exemplos encontram-‐se divididos em anomalias do sistema construtivo, anomalias de elementos não estruturais e situações causadas pela sobreposição de intervenções. Irá proceder-‐se à localização e identificação dos tipos de anomalia e situações peculiares utilizando as fotografias retificadas, produzidas na FAUTL (grupo Arch3D), com a técnica de Fotogrametria Digital, bem como de outras fotografias, para expor eficazmente os problemas detetados. Analisando estas anomalias identificaram-‐se as suas causas, sejam elas da falta de manutenção, de condicionantes exteriores ao edifício, ou outras, e procedeu-‐se ao estudo das soluções possíveis para a sua correção.
Anomalias do sistema construtivo-‐ Diagnóstico e definição das necessidades Na análise a este tipo de anomalias recorreu-‐se ao manual “Reabilitação estrutural de edifícios antigos” de Vítor Coias, que sistematiza de forma exemplar as anomalias mais frequentes, as suas causas, meios de diagnóstico e soluções possíveis. Utilizaram-‐se as tabelas que o autor nos apresenta para melhor compreender as situações encontradas no Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima no contexto das anomalias estruturais. Analisando algumas das paredes mais afectadas, encontraram-‐se fendas (e fissuras), mais ou menos profundas, diagonais em relação aos eixos principais da parede e também junto à ligações com as fachadas, que nos dão pistas sobre o processo de enfraquecimento que sofreram estas estruturas e alvenarias75. A falta de manutenção originou o colapso da cobertura, enfraquecendo o travamento das paredes paralelas e sua ligação às transversais, e permitindo entrada de águas da chuva que, por sua vez, afectaram as alvenarias estruturais. 75 Identificaram-‐se este tipo de fendas com a “anomalia A15-‐ Fendas inclinadas junto a um cunhal, Componente afectada-‐ parede principal, Material-‐ Alvenaria, Parte da construção-‐ Estrutura (parede principal) (...) Causa possível-‐ Dimensionamento insuficiente da fundação ou Assentamento da fundação por alterações na fundação ou no terreno subjacente (...)Técnicas de diagnóstico possíveis-‐ levantamento geométrico das deformações; Monitorização das deformações e das próprias fendas; Sondagem das fundações. Prognóstico possível-‐ Estabilização ou agravamento” [sublinhado nosso] in “Tabela de levantamento de anomalias” in CÓIAS, Víctor, Reabilitação estrutural de edifícios antigos, págs. 100-‐109.
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Fig. 5-‐4 – Demonstração das direções das forças atuantes numa parede do Palácio MPL, com base em fotografia rectificada produzida pelos alunos da optativa Fotogrametria Digital, do Professor Luís Mateus
Fig. 5-‐3 – Vista da fachada Sul do Palácio dos MPL , Fig. 5-‐2 – Fractura da cimalha/cornija o da observa-‐se a deformação no plano perpendicular à Fachada Sul do Palácio dos MPL, fotografia da fachada (arqueamento) devido às condições autora, 2012 descritas, fotografia da autora, 2012
Fig. 5-‐1 – Gráfico de deformações da fachada Sul do Palácio usando levantamento em nuvem de pontos com recurso ao software JRC reconstructor.. É possível verificar uma deformação de cerca de 17 cm na zona indicada na imagem Fig. 5-‐3 e 5-‐2. Imagem cedida pelo mestrando Pedro Mateus.
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Na figura 5-‐4, fotografia de uma parede transversal da segunda sala do palácio, representam-‐se as forças originárias das fendas por meio de setas. Estas são perpendiculares à fissura e indicam-‐ nos as direções das forças atuantes na parede recorrentes dos movimentos. Terão sucedido dois fenómenos: por um lado um assentamento do terreno de fundação ao nível das fundações devido à reorganização das granulometrias do solo de fundação pela percolação da água (graças à deterioração da cobertura). Em sequência a este assentamento a porção central da parede tende a descair e fendilhar, enfraquecendo o poder de suporte, e começando a destacar-‐se das paredes que lhe estão perpendiculares (neste caso as fachadas principais).76
Fig. 5-‐5 -‐ Demonstração das direções das forças atuantes numa parede do Palácio ds MPL, com base em fotografia rectificada produzida pelos alunos da optativa Fotogrametria Digital, do Professor Luís Mateus. Detalhe da situação encontrada, fotografia da autora, 2012, e cobertura danificada, fotografia do Professor José Aguiar, Junho 2011
Por outro lado a ausência da cobertura, que estava parcialmente destruída e foi posteriormente retirada para substituição, contribuiu também para este afastamento entre as fachadas principais e as paredes transversais por lhes faltar o travamento; podendo já observar-‐se o arquear da fachada Sul e consequente fendilhação.
76 Identificou-‐se este processo como o mecanismo de Lesão ou colapso “M9, nas zonas de intersecção de
paredes ortogonais (...) Medidas preventivas possíveis: 3-‐Melhoria da estabilidade global através de novos elementos de contraventamento; 4-‐ Melhoria da estabilidade global através de uma melhor ligação entre componentes estruturais; 5-‐ Melhoria da estabilidade global através da introdução de dispositivos que alteram as características dinâmicas da estrutura.” [sublinhado nosso] “Quadro VI-‐1 Mecanismos de Lesão ou colapso e medidas preventivas” in CÓIAS, Víctor, Reabilitação estrutural de edifícios antigos, págs. 146-‐ 153.
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Na figura 5-‐5, além de, mais uma vez, se encontrar o destacamento das fachadas em relação à parede transversal, observa-‐se ainda uma outra situação que é a precipitação da estrutura horizontal de uma passagem. É difícil identificar a causa que originou este deslocamento mas é possível que o processo descrito anteriormente de destacamento da fachada tenha fragilizado esta zona e consequentemente originado a fendilhação visível nas imagens. Pode observar-‐se, ainda na figura 5-‐5, no detalhe de quando ainda se encontrava a cobertura no local, que existe uma abertura na estrutura do tecto que terá também contribuído para a entrada de águas e consequente fendilhação visível. Uma outra anomalia recorrente no Palácio MPL é a falta de elementos, vigas de madeira, na estrutura do pavimento. O pavimento que ainda se podia encontrar no Palácio foi levantado para substituição uma vez que se encontrava em estado avançado de degradação. Esta degradação, causada mais uma vez pela falta de manutenção e entrada de águas da chuva, contribuiu para o apodrecimento e queda dos elementos de suporte.
Fig. 5-‐6 – Vista de estrutura de pavimento com elemento em falta, fotografia da autora, 2012
Fig. 5-‐7 -‐ Vista do pavimento danificado ainda no local, fotografia do Professor José Aguiar, Junho 2011
Soluções possíveis para as anomalias do sistema construtivo Para a falta de elementos na estrutura de suporte do pavimento propõe-‐se uma reposição dos elementos em falta utilizando o mesmo material, a madeira. Desta forma mantém-‐se a concepção original dos pavimentos (que chegou até nós) sendo possível o aproveitamento do material ainda presente no local e em boas condições. Estes elementos chegaram até nós deverão no
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entanto ser alvo de uma análise para apurar as suas capacidades mecânicas. É normalmente efectuado um diagnóstico com base na resistência apresentada pela peça à inserção de um elemento metálico. Se esta estiver oca por dentro, ou seja, não oferece qualquer resistência, será necessário substitui-‐la total ou parcialmente. Deverá ainda ser feito, a todas as peças preservadas, um tratamento anti-‐xilófago, ou seja, a aplicação de um produto para eliminar insectos xilófagos que se alojam no interior das peças de madeira, corroendo-‐as. Tendo-‐se chegado à conclusão que o principal problema que o edifício apresenta é o destacamento das paredes de suporte por assentamento da fundação, tornou-‐se necessário estudar quais os métodos possíveis para contrariar esta tendência e assegurar a estabilidade do edifício para o futuro. Teve-‐se em conta os dois fenómenos encontrados: fendas diagonais em parede principal e destacamento de paredes ortogonais. Para o primeiro fenómeno diz-‐nos Víctor Cóias que poderá acontecer ou uma estabilização ou um agravamento. Neste acaso, do Palácio MPL, pode acontecer que, com a substituição da cobertura e colocação das janelas e portas, ou seja, impedindo a entrada das águas da chuva, se consiga uma estabilização dos terrenos subjacentes à fundação parando assim os movimentos em curso. Desta forma seria necessário apenas um reforço da parede fissurada, e por isso fragilizada, provavelmente através da aplicação de uma rede de aço inoxidável ou galvanizado (como se vê na figura 5-‐9). Se, por outro lado, se verificar a continuação dos movimentos, através de processos de diagnóstico como a monitorização da dimensão das fendas, ou se verificar uma falência da fundação, através de sondagem às
Fig. 5-‐9 – Imagem demonstrando a técnica de reforço de alvenarias por meio de rede de aço inoxidável ou galvanizado, fotografia cedida pelo Arq. Victor Mestre
Fig. 5-‐8 – Exemplo de testemunho deslizante para monitorização de fendas, imagem retirada de Guia Técnico de Reabilitação Habitacional
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fundações, será então necessária uma estabilização da fundação por meio de execução de micro-‐ estacas ou injeção de caldas de cimento nos solos da fundação77. Torna-‐se aqui evidente como o processo de diagnóstico e acompanhamento do edifício é de enorme importância e pode, neste caso se se verificar uma estabilização das fendas e movimentos, evitar intervenções desnecessárias. Para o processo de monitorização das fendas existem vários dispositivos que podem ser utilizados. No Guia Técnico de Reabilitação Habitacional78 são sugeridos os seguintes dispositivos: “testemunhos de gesso ou de vidro, testemunhos fixos e deslizantes (Fig. 5-‐8); paquímetro digital; extensómetros mecânicos”. No caso da fendilhação nas ligações das paredes principais ortogonais consideraram-‐se técnicas de melhoria do comportamento global do edifício79 que se adequam a este caso específico. Pensa-‐se que para esta anomalia seria eficaz a colocação de tirantes passivos não aderentes de forma a estabilizar as ligações entre paredes principais ortogonais. Estes tirantes poderiam no caso do Palácio MPL ficar escondidos pelos tectos falsos, seja no caso da reposição de um tecto em caixotão, na segunda sala a nascente, seja nas novas configurações de tectos, havendo também a hipótese, se necessário, de os colocar inseridos na espessura das paredes, criando sulcos pouco profundos onde passariam os tirantes. Num outro ponto do edifício, do lado oposto ao que apresenta as fendas estudadas, encontram-‐ se sistemas de contraventamento por meio de elementos metálicos dispostos a 45º em relação às paredes principais ortogonais. Neste ponto não se encontram fendas tão relevantes como as do lado nascente do edifício pelo que se considera que a técnica, da qual se desconhece a data de
77 Técnicas apresentadas no capítulo “Reforço de fundações”, “RF5 Execução de micro-‐estacas e RF6
Injecção de caldas de cimento nos solos da fundação” in CÓIAS, Víctor, Reabilitação estrutural de edifícios antigos, páginas 224 e 225. 78 PAIVA, J. V., AGUIAR, J., & PINHO, A. (Edits.) Guia Técnico de Reabilitação Habitacional. Lisboa: INH / Fig. 5-‐11 – Vista de elementos de Fig. 5-‐10 – Vista da nova cobertura e sistema de contraventamento LNEC, 2006. contraventamento presentes no utilizando uma cinta de blocos de betão estruturada com cabos de 79 Técnicas apresentadas no capítulo “Reabilitação da superestrutura-‐ melhoramento do comportamento palácio dos MPL, fotografia da autora aço, fotografia da autora, 2012 global” 2012 in CÓIAS, Víctor, Reabilitação estrutural de edifícios antigos, páginas 193-‐212.
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colocação, cumpriu as necessidades para este conjunto de paredes, que podem ter-‐se tornado evidentes mais cedo por se tratar de uma zona do edifício mais alta. Com a colocação recente de uma nova cobertura foi feita uma cinta em blocos pré-‐fabricados de betão leve, armada no interior, para conter todo o sistema construtivo. Esta técnica, apesar de funcional, tem o problema de ser extremamente intrusiva uma vez que implicou uma alteração da altura do edifício, a substituição ocasional de material com demolição localizada de alvenarias existentes, surgindo ainda a questão da ligação entre materiais já que, na zona de interface foram utilizadas argamassas à base de cimento incompatíveis mecanicamente com as alvenarias de pedra e cal aérea. Não sendo estes materiais compatíveis entre si, este tipo de intervenção origina frequentemente deslocamentos e fraturas localizadas com novas patologias associadas.
Anomalias em elementos não estruturais A maior parte das anomalias em elementos não estruturais, principalmente nos revestimentos, advém do abandono do edifício e consequentemente da sua ocupação ilícita. As suas causas diretas podem vir da intervenção humana ou da presença da água em materiais porosos degradando a sua coesão e provocando ataques de sais e/ou biológicos. Como se pode ver nas figuras 5-‐13 e 5-‐14 os revestimentos apresentam escritos e zonas raspadas, na figura 5-‐14 podemos ainda verificar que uma peça da lareira foi deslocada, possivelmente numa tentativa de a retirar, tendo a porção de parede imediatamente acima sido
Fig. 5-‐14 – Peça da lareira deslocada e escritos na parede numa sala do Palácio dos MPL, fotografia da autora, 2012
Fig. 5-‐13 – Escritos numa parede do Fig. 5-‐12 – Manchas negras numa Palácio dos MPL, fotografia da parede do Palácio dos MPL autora, 2012 provocadas pela presença de humidade, fotografia da autora
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danificada. Na figura 5-‐12 encontra-‐se outro tipo de anomalia, manchas negras causadas por humidade na superfície da parede, possibilitada pela danificação da cobertura.
Situações causadas pela sobreposição de intervenções Por último apresentam-‐se as situações que advêm das variadas ocupações que o edifício teve e consequentes intervenções de adaptação e remodelação. Estas não são forçosamente “anomalias” mas sim características de como o edifício chegou até nós. Considera-‐se que algumas destas situações podem ter interesse na apresentação da evolução do edifício, e que outras, que afectem mais diretamente a apresentação e a identidade dos espaços, deveram ser eliminadas ou encontrada uma solução de compromisso. A situação mais comum é a sobreposição de revestimentos. Nomeadamente na sala comunicante com a zona “mais privada”, por baixo de um revestimento com sectores de pintura de cores variadas (devido à subdivisão que existiu na sala em questão) existe um padrão geométrico que nos dá importantes pistas sobre as características anteriores da sala. Primeiro através da sua análise podemos concluir uma divisão diferente da que nos surge na pintura posterior. Assim haveria um salão, onde se encontra o padrão geométrico, e depois possivelmente uma divisória para o que seria uma antecâmara para os quartos privados (como se pode ver na fig. 5-‐15). No desenvolvimento do projeto pretendeu-‐se restaurar esta pintura que se encontra escondida uma vez que está mais adequada à sala na sua dimensão total, podendo ter pertencido ainda aos
Fig. 5-‐15 – Revestimentos em duas paredes paralelas de uma sala do Palácio dos MPL, estando indicado o fim do padrão presente no revestimento encontrado por baixo do atual, fotografia e marcação da autora, 2012
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tempos da utilização como palácio. A divisão existente será reinterpretada como zona de apresentações, já que a função será a de uma pequena sala de conferências ou reuniões. Um outro caso de sobreposição encontra-‐se no piso inferior, o mais abaixo de todos, em que para separar uma escada da única sala do piso foi construída uma parede que divide um dos vãos, alterando a sua configuração. Há sempre uma ponderação para a decisão de demolir uma parede do edificado existente ainda que afecte as configurações iniciais do edifício. Neste caso pensa-‐se que devido à alteração substancial causada pelo elemento e também à falta de interesse arquitectónico e de valorização do edifício, será retirada a parede e restituída à janela a sua forma completa.
Fig. 5-‐17 – Vista da parede acrescentada ao piso inferior do palácio dos MPL que “corta” um dos seus vãos, fotografia da autora, 2012
Fig. 5-‐16 – Sobreposição de pavimentos numa das salas do Palácio dos MPL, fotografia da autora, 2012
Na figura 5-‐16 é visível uma sobreposição de pavimentos que se encontra numa das salas do palácio. Pode-‐se observar uma camada de tijoleira mais grossa e que, após uma observação mais aproximada, parece estar dividida em elementos dispostos na diagonal em relação às paredes da sala. Sobre esta tijoleira pode observar-‐se uma camada de betão, que poderá ter sido aplicada para assentamento da camada seguinte ou sido utilizada à vista. Por último encontramos uma outra camada de tijoleira mais fina disposta formando uma moldura paralela às paredes da sala e um preenchimento com peças quadrangulares dispostas na diagonal.
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Fig. 5-‐19 – Detalhe da moldura de vão da fachada Norte do Fig. 5-‐18 – Vista parcial da fachada Norte Palácio dos MPL com a indicação: A&P 1921, fotografia da do palácio dos MPL, fotografia da autora, autora, 2012 2012
Nas figuras 5-‐18 e 5-‐19 encontra-‐se uma nova abertura, feita em 1921, que veio interromper o ritmo das portas, todas idênticas, de acesso ao palácio e se encontra a um nível diferente. Esta porta terá sido aberta na altura em que esta divisão do palácio foi adaptada para a produção de azeite ou vinho, o piso foi rebaixado, e foram inseridos dois lagares. Embora seja uma alteração considerável da fachada Norte, considera-‐se esta intervenção como um momento da vida do palácio interessante pelo carácter diferente que lhe insere, de produção em contraste com a anterior função de habitação. Esta alteração acaba por também ser útil à transformação do palácio em museu, função mais pública, por ser esta a única entrada no palácio que se encontra nivelada com o piso exterior.
Fig. 5-‐20 – Vista do contraste entre alvenarias após ter sido retirado o reboco, fotografia da autora, 2012
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Numa visita feita após ter sido retirado o reboco puderam observar-‐se diferenças de constituição de alvenarias (fig. 5-‐20) que levam à conclusão de que certos troços de parede que pareciam contínuos foram afinal feitos em momentos diferentes, e teriam inicialmente outra configuração. Na figura 5-‐21 pode ver-‐se uma situação de uma construção anterior ao nivelamento do terreno à altura que se encontra hoje. Uma vez que esta altura é referente à entrada para o Palácio poder-‐se-‐á concluir que a construção da imagem, que tem as janelas parcialmente tapadas pelo terreno, existia anteriormente ao Palácio ou, pelo menos, anteriormente à configuração de pátio e entradas que hoje encontramos. Os elementos apresentados neste capítulo são importantes para o estudo da evolução do palácio, dos seus vários momentos de ocupação e alterações. Pensa-‐se que seria interessante um desenvolvimento deste estudo com a metodologia da Arqueologia da Arquitetura, analisando as situações apresentadas e outras. Tivemos oportunidade de conversar sobre esta técnica com a Arqueóloga Maria Ramalho que se mostrou interessada neste edifício e no seu potencial interesse arqueológico. Seria importante para a preservação e mesmo recuperação e valorização da identidade do Palácio dos marqueses de Ponte de Lima, a realização de um estudo deste tipo, de Arqueologia da Arquitetura, antes do início da intervenção.
Fig. 5-‐21 – Janelas cobertas pelo atual nível de pavimento exterior, fotografia da autora, 2012
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5.2 O Projeto Vinculado ao processo de estudos realizado, apresenta-‐se uma proposta de projeto. Procurou-‐se nela responder a questões tais como a inserção de um programa para aquele local e para estas preexistências; a necessidade de introduzir construção nova complementar; determinar qual a escala adequada a estas inserções e como relacioná-‐la com o edificado preexistente; quais os pontos importantes de relação urbanística com Mafra e com a envolvente mais próxima (a antiga quinta); como preservar e ao mesmo tempo exaltar a identidade do edificado existente, Palácio e anexo, recompondo a antiga unidade com todo o complexo (jardim formal, hortas e pomares, bosque, casa de fresco, forno de cal, capelas, etc.). Pretendeu-‐se sustentar um projeto de requalificação e de adaptação a novas funções tendo em conta os princípios enunciados: entendimento dos valores de conjunto (dos urbanísticos aos culturais); respeito essencial pelo lugar e pelas suas potencialidades; recomposição das relações e ligações essenciais perdidas; compreensão global das diversas estratigrafias históricas e sua potenciação; respeito pelas características formais e estruturais do edifício, consideração pelo seu valor material, estético e histórico, adequação dos espaços às necessidades atuais tendo em conta exigências funcionais, de conforto e de segurança e, consequentemente, a análise e a intervenção no que diz respeito à resistência estrutural e à integridade construtiva; e, finalmente, integração destas temáticas e como se influenciam entre si, proporcionando a criação de espaços que correspondam aos requisitos contemporâneos considerando na devida conta a memória e o valor do edifício.
a) O Programa, suas exigências e compromissos O programa foi-‐nos proposto pelo Instituto Luso Ilírio que irá instalar o Museu e Universidade dos Valores no complexo do Palácio por cedência da Câmara Municipal de Mafra para esse efeito. É um programa bastante abrangente sendo que se pretende instalar um museu, com sala de exposições permanente e temporária; espaços de investigação e formação de carácter teórico e prático; alojamento para formadores e jovens que venham participar nas atividades; um restaurante; e ainda espaços de serviço a todas estas funções como: salas de administração e reunião, recepção e acolhimento, e espaços exteriores para realização de atividades e passeios temáticos. Foi imprescindível, perante este programa, projetar novos edifícios que completam o complexo e incorporam as funções necessárias. Assim optou-‐se por deixar no palácio as funções de exposição e administração, sendo que são as menos intrusivas. Pretendeu-‐se também dar flexibilidade a algumas partes do programa: o alojamento definiu-‐se como abrangente, podendo
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receber nas “casinhas” espalhadas no terreno pessoas fora do âmbito do museu e formação, que desejem apenas aproveitar a natureza do local; o restaurante, do mesmo modo, surge como elemento dinamizador da praça de chegada e, consequentemente, da zona, funcionando também como apoio ao alojamento; o mesmo se aplica às salas de formação da parte nova, que podem ser unidas num grande salão e ser utilizadas para qualquer tipo de evento, bem como o auditório que graças à sua disposição pode ser utilizado para eventos exteriores à função principal do palácio. Esta flexibilização pretende permitir uma maior rentabilidade do complexo e variedade de ocupações a longo prazo. b) Trabalhar com o existente Projetando com edifícios existentes e valorizados histórica, artística e arquitetonicamente pretende-‐se reabilitar não só a função e qualidade dos espaços, mas também a sua identidade, trabalhando no sentido de a restaurar. Não se pretende repor elementos do passado, que nos são desconhecidos, mas através de uma intervenção atual, permitir ao edifício recuperar as suas significações em relação à zona em que se insere, renovando a sua qualidade de edifício erudito e a sua atração. Para a definição das intervenções a realizar em cada ponto do complexo estabeleceu-‐se uma hierarquia de valores tendo cada espaço sido intervencionado consoante o seu nível de valorização. Assim, o palácio assume o primeiro nível de valorização, apresentado valores históricos, de significação, arquitetónicos, artísticos e materiais indiscutíveis que levaram a uma intervenção mínima. Esta intervenção consiste na remoção de uma parede e acrescento de uma estrutura que vem resolver problemas de circulação do edifício. No interior, foram estudados os elementos que chegaram até nós e tomadas opções que valorizem ao máximo o existente restituindo a dignidade das salas: reposição do tecto de caixotão encontrado e desenho de novos elementos, reinterpretando este tipo de teto, nas salas em que estes não chegaram até nós, escolha de pavimentos enquadrados historicamente e integrados com os vestígios existentes, manutenção da dimensão total das salas nobres do palácio. Considerou-‐se como pertencente a um segundo nível de valorização o edifício que se encontra a Norte do palácio e que constitui fachada para a nova praça criada. Este edifício apresenta valores históricos, arquitetónicos e materiais pelos elementos que o compõem bem como pela a sua configuração de grande interesse. No entanto é um edifício que estava desenquadrado, desligado do núcleo do palácio, não se encontrando relacionado geometricamente com a envolvente. Assim pretendeu-‐se com a intervenção criar novas relações para este edifício, formando com ele
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Esq. 1 -‐ Níveis de valorização do edificado existente e intervenção correspondente
1º Nível de valorização Restauro e Reabilitação cuidada 2º Nível de valorização Reabilitação e integração 3º Nível de valorização Reinterpretação Edifícios novos
e com o novo edificado um complexo de apoio ao palácio, em que é explorada a geometria e configuração do existente como ponto de partida para o proposto. No terceiro nível de valorização encontra-‐se um edifício que se pretendeu guardar pela sua geometria e posição que encerra a “praça” proposta. Este edifício apresenta unicamente este valor geométrico não sendo de especial relevância histórica ou material uma vez que se trata de um barracão de apoio, possivelmente construído para armazenamento, sem significativa qualidade construtiva ou arquitetónica. Assim, admitiu-‐se neste edifício uma intervenção mais invasiva propondo dois blocos inseridos no perímetro das paredes existentes, que vão albergar as funções de recepção do hotel e camaratas, criando, com este sistema, pátios de iluminação indireta garantindo a privacidade necessária à função. c) Praças, vistas e espaços intersticiais Os estudos efectuados ao longo desta dissertação forneceram importantes pistas para o desenvolvimento do projeto apresentado. Na comparação de exemplos de palácios contemporâneos ao Palácio MPL é possível observar que em todos os conjuntos, mesmo que fruto de diversas evoluções, se encontram pátios e espaços intersticiais de diversos tipos, sejam eles praças de chegada, pequenos pátios de serviço, varandas ou pontos de vista privilegiados sobre a propriedade ou a cidade, ou espécies de “claustros”, pátios interiores para iluminação e utilização dos moradores do palácio.
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Esq. 2 – Esquema de pátios, espaços intersticiais e vistas
Palácio Galveias, Lisboa, séc. XVII
Palácio Conde de Óbidos, Lisboa, séc. XVII
Palácio Almada, Lisboa, séc. XVII
Palácio do Calhariz, Sesimbra, séc. XVII
Palácio da Rosa, Lisboa, séc. XVIII
Palácio Duques de Aveiro, Azeitão, séc. XVII
? Palácio dos MPL, Mafra, séc. XVII
Palácio Palhavã, Lisboa, séc. XVII
Construído Pátios e espaços intersticiais Direções de vista
. Proposta de projecto
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No caso do Palácio MPL estas situações, quando existiram, encontram-‐se muito descaracterizadas: os pontos de vista sobre a propriedade negligenciados; a relação de pátio ou jardim formal, sugerida pela presença das fontes, pouco desenvolvida pelo isolamento do edifício que o encerra do lado Norte; a inexistência de um espaço claro de chegada e entrada no conjunto; a falta de espaços intersticiais de apoio e iluminação, que acabam por se tornar elementos característicos deste tipo de complexos. Com base nesta análise procurou-‐se no projeto responder a estas necessidades com a proposta da praça de chegada, onde se propõe um restaurante, a recepção e um hotel; com a definição do jardim formal na fachada Norte do Palácio e criação de uma nova relação de pátio no nível inferior; com a criação, entre os edifícios propostos, de pequenos espaços de “respiro”; e por fim com o assinalar e acentuar dos pontos de vista, que passando o complexo a ser um espaço público têm ainda mais razão de ser, com a presença de estruturas miradouro: na cobertura do auditório, por cima do corredor acrescentado ao palácio, na ligação da praça ao pátio do hotel. A praça de chegada ao complexo tem um papel crucial na nova proposta. Encontra-‐se relacionada com a Rua do Castelo que é um eixo importante de chegada, vindo do centro e, principalmente, do Convento de Mafra. Neste eixo optou-‐se por trabalhar o muro existente, que acompanha a rua do Castelo desde o largo Coronel Brito Gorjão à praça proposta, de modo a apelar à realização deste percurso, conduzindo os visitantes até ao Palácio MPL e ao novo centro lúdico proposto. d) A casa saloia como ponto de partida Para os novos edifícios optou-‐se pela fragmentação em detrimento da unidade já que um grande volume unitário poderia “competir” com o Palácio seiscentista, bloco uno e de presença imponente na paisagem. Pretendeu-‐se utilizar como referência formal para organização dos espaços uma reelaboração contemporânea do arquétipo da Casa Saloia, testando linguagens e formas que se enquadrassem familiarmente na construção tradicional da zona, uma vez que estes novos volumes surgiram como estruturas de apoio ao palácio, na linha do que seriam as tradicionais estruturas agrícolas, casas de apoio ou de habitação para os trabalhadores rurais. Assim, fundamentou-‐se o desenho dos edifícios novos no contexto de uma reinterpretação da tradicional arquitetura da “casa saloia”, já mencionada no capítulo Enquadramento na envolvente, tendo tido como base os textos: Arquitectura Vernácula da Região Saloia, da autoria de José Manuel Fernandes e Maria de Lurdes Janeiro, e A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII, tese de João Vieira Caldas. Retiraram-‐se deste tipo de construção tradicional os
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elementos recorrentes que se consideraram caracterizadores do estilo e que se reformularam na proposta de projeto. Assim propõem-‐se blocos independentes depurados, que jogam em geometria e volumes com o edifício existente, e que se interligam entre si num piso inferior comum. Também nas casas de alojamento temporário é aplicado este tipo de desenho, mantendo uma certa coerência em todo o complexo. Como materialidade escolheu-‐se o betão branco, seguindo a tendência cromática dominante num material contemporâneo, que permite
Fig. 5-‐22 – Casas em Sintra torreadas com água contígua; casas de apoio da Quinta de N. S. Dos Prazeres, Buraca, Amadora – retiradas de A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII, de João Vieira Caldas
outras possibilidades, como a uniformidade do material em toda a forma proposta, mantendo a ideia de massa que caracteriza esta construção tradicional. Em suma pretendeu-‐se que as adições propostas fossem, através de uma contextualização formal, de encontro à identidade da zona, respeitando e mesmo dialogando com os edifícios existentes. Por outro lado, e a par com esta intervenção ligada à cultura das quintas tradicionais da zona, houve também a intenção de renovar o carácter produtivo da antiga quinta através da plantação de um pomar e pequena horta no patamar inferior do terreno. Este espaço servirá para a
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aprendizagem das técnicas da agricultura, poderá fornecer em pequena escala a cafetaria e o restaurante, e ser utilizado como local de passeio nos tempos livres. O complexo proposto neste projeto apresenta-‐se como novo polo atrativo da cidade de Mafra, não só no âmbito cultural, ligado ao Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, como também com novas atrações como o albergue e o restaurante, e ainda como lugar de fruição da natureza sendo um novo ponto de acesso ao parque, vendo restituídas as suas ligações originais,.
Fig. 5-‐23 – Esquiço da proposta de projeto relacionada com o edifício existente
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Conclusão
6. Conclusão "Specialization is the way civilization moves forward -‐ and perhaps it is the way it will destroy itself. Faced with a complex entity we split it up, catalogue the parts, study and develop them separately and then fail to put them together again." Ove Arup80 A especialização, e consequente subdivisão das matérias, permitindo, por um lado, um maior aprofundamento do conhecimento, pode trazer problemas na conjugação entre elas e na sua articulação para um resultado final válido. O que se pretendeu mostrar nesta dissertação é a importância da conjugação das várias categorias de investigação e de intervenção num edifício existente e sua envolvente, e o trabalho de interdisciplinaridade necessário para que uma intervenção possa ser mais completa, coerente e rigorosa. Assim, estudaram-‐se diferentes aspectos da reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima: a sua história e enquadramento na época original, o seu estado atual e os momentos da sua transformação; as alternativas existentes para solucionar os problemas encontrados, quer sejam eles construtivos, de manutenção ou de organização; a sua envolvente e relações possíveis e desejáveis; as necessidades do contexto urbano e do palácio. Concluindo-‐se que todos estes aspectos influenciaram a concepção do projeto, e devem continuar a integrar o desenvolvimento pós-‐projeto, ou seja, o decorrer da obra pelo tempo. Em qualquer intervenção deste tipo deveria haver uma equipa multidisciplinar a trabalhar em conjunto para que os aspectos aqui abordados fossem desenvolvidos nas várias especialidades competentes, em grande sintonia e com objectivos comuns. Ilustrando o que se pretende demonstrar, surge a questão do receio que alguns arquitetos têm de ver o seu campo de ação restringido pelas outras áreas disciplinares que poriam “problemas” ou “barreiras” à extensão da sua intervenção. Como exemplo, desde o início do estudo apresentado que se tem tornado claro o quão importante é, na fase de análise e levantamento, obter o maior conhecimento possível sobre o edifício: para poder efetuar uma intervenção o mais respeitadora possível e porque este estudo, feito prévia e aprofundadamente, pode evitar alterações posteriores ao projeto, já em obra, provenientes de um deficiente ou insuficiente conhecimento do objecto. Este cuidadoso estudo prévio, como nos diz Maria Ramalho num artigo sobre Arqueologia da Arquitetura, não pretende “reduzir a capacidade de intervir nos edifícios” mas ao consciencializar os projetistas para o conhecimento exaustivo do objecto e dos
80 in TAYLOR, Becci, “Why don’t we design better?” in The Huffington Post.
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seus vários momentos evolutivos “acaba por se converter ele mesmo no sustentáculo do projeto que se pretende implementar, fornecendo pistas, ideias, soluções.” [Ramalho 2004] Pretendeu-‐se assim demonstrar como os vários tipos de conhecimento, aplicados ao caso em estudo, podem servir de base para os conceitos que regem o projeto, tornando-‐se num ponto de partida concreto e fundamentado que torna mais sólidas as opções tomadas, clarificando o desígnio social deste tipo de intervenções. O projeto apresentado é uma proposta que se rege pelo desejo de integração, pela intervenção mínima e pontual, com sensibilidade às pré-‐existências. Foi regrado por esta consciência das várias vertentes de estudo, abordadas no decorrer desta dissertação, com as limitações que a dimensão do documento e a finalidade da investigação impuseram. Fica a curiosidade pelo que seria um aprofundar desta dissertação com uma avaliação mais detalhada com base na Arqueologia da Arquitetura, ou o desenvolvimento de algumas técnicas propostas ou linhas de investigação lançadas, com base em fundamentos dados pela história, e, por fim, com o decorrer do próprio processo de projeto, já que, como nos disse o Arquiteto João Mendes Ribeiro: “os trabalhos de reabilitação ou de restauro são uma espécie de processo. O projeto [de reabilitação] tem que estar disponível para absorver os acasos e para aquilo que é inesperado – é mais um workshop de projeto que propriamente um projeto feito em dois tempos distintos, atelier e obra. Aqui atelier e obra fundem-‐se e processam-‐se no mesmo tempo, numa única fase”81
81 Entrevista pela autora apresentada em anexo.
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Conclusão
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7. Bibliografia AAVV Arquitectura Popular em Portugal, 1988, Ed. Associação dos Arquitectos Portugueses, 3 volumes AGUIAR, J. Estudos Cromáticos nas Intervenções de Conservação em Centros Históricos. Tese Doutoramento, Évora 2000. Publicado como: AGUIAR, J. Cor e cidade histórica. Porto: FAUP 2003 AGUIAR, J., CABRITA, A. M., & APPLETON, J. Guião de apoio à reabilitação de edifícios habitacionais. Lisboa: LNEC 1998 AGUIAR, J., PAIVA, J. V., & PINHO, A. (Edits.) Guia Técnico de Reabilitação Habitacional. Lisboa: INH / LNEC. 2006 APPLETON, J. Reabilitação de Edifícios Antigos-‐ patologias e Tecnologias de Intervenção (2ª Edição ed.). Alfragide: Edições Orion. 2011 CARBONARA, G. Avvicinamento al Restauro, Teoria, Storia, Monumenti, Napoli: Liguori, 1997 CHOAY, F. L'allégorie du patrimoine, Paris: SEUIL 1992 CHOAY, F. Le Patrimoine en questions, Anthologie pour un combat, Paris: SEUIL 2009 CÓIAS, V. Reabilitação Estrutural de Edifícios Antigos, Lisboa: Argumentum/ GECoRPA. 2007 CORREDOURA, L. “Análise das principais anomalias construtivas existentes no Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima-‐ Mafra, Subsídios para uma intervenção de reabilitação” in Arqueologia & História. ano 2008-‐2009. volume nº60 e 61. 195-‐212pp. Estudo efetuado em 2005 COSTA, Padre António Carvalho da, Corografia Portugueza, e Descripçam Topografica do famoso Reyno de Portugal, Lisboa, Na Officina Real Deslandesiana, 1712 FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Maria de Lurdes; Arquitectura Vernácula da Região Saloia, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991 GANDRA, M. J. “Novo subsídio para a história urbana da vila de Mafra” in Boletim cultural -‐98. Ed. C.M. de Mafra. 607-‐618pp. 1998 ICOMOS Comité Científico Internacional para a Análise e Restauro de Estruturas do Património Arquitectónico. Carta de Veneza. 1964. Fernando M. A Henriques e de Virgolino F. Jorge (trad.)
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ICOMOS Comité Científico Internacional para a Análise e Restauro de Estruturas do Património Arquitectónico. Carta ICOMOS -‐Principles for the Analysis, Conservation and Structural Restoration of Architectural Heritage (2003) ratificada pela ICOMOS 14ª Assembleia Geral do Icomoc en Victoria Falls, Zimbabué, 2003. (Disponível em http://www.international.icomos.org/charters/structures_e.pdf, consultada em 17-‐05-‐2013) KUBLER, G. A Arquitectura Portuguesa Chã-‐ Entre as Especiarias e os Diamantes (1521-‐1706) (2ª Edição ed.). (J. H. Silva, Trad.) Nova Vega. 2005 MASCARENHAS MATEUS, J. A História da Construção em Portugal, Alinhamentos e Fundações. Lisboa: Almedina 2011 MASCARENHAS MATEUS, J. Técnicas tradicionais de construção de alvenarias: a literatura técnica de 1750 a 1900 e o seu contributo para a conservação de edifícios históricos. Lisboa: Livros Horizonte 2002 RAMALHO, M. “Os primeiros passos da Arqueologia da Arquitectura no âmbito do Instituto Português do Património Arquitectónico” In Arqueologia de la Arquitectura, vol.3-‐ 2004. págs. 145-‐153 RAMALHO, M. “Arqueologia da Arquitectura. O método arqueológico aplicado ao estudo e intervenção em património arquitectónico” in Patrimonio Estudos nº 3 2002. págs. 19-‐29 SOROMENHO, M. “Classicismo, Italianismo e “estilo chão”. O ciclo Filipino.” In História da Arte Portuguesa. dir. Paulo Pereira. 2º volume. Círculo de Leitores 1995 SOUSA VITERBO Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses. Lisboa-‐INCM Imprensa Nacional Casa da Moeda 1988 VIEIRA CALDAS, J. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII, Porto, FAUP Publicações, 1999
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Bibliografia
Documentos do Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT): ANTT: Fundo: Viscondes de Vila Nova de Cerveira, Secção: Título do Morgado de Soalhães e por outro nome Mafra, Documento: Autorização concedida ao Visconde de Vila Nova de Cerveira para poder mandar rezar missa numa barraca de madeira que construiu em Mafra (14-‐11-‐ 1755). Transcrição pela autora ANTT: Fundo: Viscondes de Vila Nova de Cerveira, Secção: Título do Morgado de Soalhães e por outro nome Mafra, Documento: Autos de Vistoria da Quinta de Mafra (22-‐11-‐1744). Transcrição pela autora ANTT: Cartório Notarial Lisboa, 2º CN LSB Lv notas 158 cx.32, 6 / 22 / 4 / 1, Folhas 40v e 41v (15-‐06-‐1628)
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Anexos
Anexos
A.1
Corografia portuguesa e descripçam topográfica capa e página 45-‐ Da Villa de
Mafra ·'
:
.
c··o R O G R A F I A
PORTU GUEZA., E
DO
DESCRIPÇAM
TOPOGRAFI CA
F A MO S O R E Y NO DE PORTUGAL, com as noticias das fundações das Cidades,Villas,& tugart:s,_que contem ; Varões illuftrt:s , Genealogias das Familias nobrt:s j fundações de:: Conventos , Catalogas dos Bifpos , antiguidades,maravilhas da nato reza, edi6cios, & outras curiofas obferYaçõcs,
TOMO TERCEYRO, Offirecido
A' SE R E N IS S I MA SE N H O R A
D· MARIANNA DE AUSTRIA,
RAINHA DE POR TV G AL.
A 0 THOR O PA DRE ANTONIO CARVALHO DA
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Clerigo do Habito de S. Pedro, Mathematico, natural de L
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
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Anexos
A.2
Transcrição da cota ANTT: Arquivo Distrital de Lisboa, 2.º Cartório Notarial de
Lisboa, liv. 158, [f. 40 a 42v.] Pela Técnica Superior de Arquivo Dra. Joana Braga.
Critérios de transcrição paleográfica 1- Transcrição do documento em linha contínua, separando os fólios originais por traços oblíquos e anotando o correspondente n.º de fólio. 2- Actualização da ortografia do texto original, mantendo as maiúsculas, pontuação original, etc, mas separando as palavras que estivesse no original unidas ou reunindo sílabas ou letras de uma mesma palavra que se encontrassem separadas; 3-
Desenvolvimento das abreviaturas, sem destaque para as letras ou palavras subentendidas no original, mas mantendo a forma original dos numerais.
4- Colocação entre [ ] de tudo o que tenha sido interpretado pelo leitor ou acrescentado ao texto original, e da palavra [sic] a seguir aos erros do próprio original. Em nome de Deus Ámen. Saibam quantos este instrumento de /2 venda quitação e obrigação virem que no ano do nascimento /3 de Nosso senhor Jesus Cristo de mil e seiscentos e vinte e oito em os quinze dias /4 do mês de Junho na cidade de Lisboa na rua que vai para o colé- /5 gio dos Apostos [Apóstolos] igreja de Santo Antão nas casas da morada /6 de Diogo Marques Lucas, arquiteto de Sua Majestade, estando ele aí /7 presente e bem assim Maria Ferreira sua mulher maiores que dizem ser /8 de mais de vinte de cinco anos cada um deles e isto de uma /9 parte estava outrossim presente Simão de Amaral cava- /10 leiro fidalgo da Casa de Sua Majestade morador nesta dita cidade na rua /11 do Norte e logo por ele Diogo Marques Lucas e Maria Ferreira sua mu- /12 lher foi dito a mim tabelião perante as testemunhas ao diante nomeadas que entre /13 os bens e propriedades que têm e possuem e estão de posse pa- /14 cífica , bem assim é hum casal encabeçado que está no termo da vila /15 de Mafra que se chama casal dos Caeiros o qual tem terra de pão, vi- /16 nhas e uma azenha com duas mós e […?] entre as pertenças /17 a ele tocante e pertencentes e o seu casal, cercas, palheiros /18 terras de […?] o qual casal declararam ser seu forro, isento, livre /19 e desembargado e não são bens de capela […?] o qual /20 houveram por título de compra que fizeram a Cristóvão da Silveira estudante /21 da Universidade de Coimbra do qual se outorgou escritura pública de /22 venda feita nesta dita cidade nas notas de Vasco Andra- /23 de São Paio tabelião público de notas dela aos dezoito dias do mês de /24 Abril do ano de seiscentos e vinte e cinco na qual escritura de- /25 clarou o dito Cristóvão da Silveira ter vendido a retolo [retro] aberto trin- /26 ta alqueires de trigo a Manuel Carvalho morador nesta cidade à Conceição e com /27 a mesma condição do dito retolo [retro]
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e assim e da maneira que aos ditos /28 Diogo Marques Lucas e sua mulher Maria Ferreira têm e possuem o dito casal /29 e deles estão de posse de uma parte por suas devidas e verdadeiras /30 confrontações com que por direito devam e hajam de partir e se contrata- /31 ram com o ele dito Simão de Amaral para efeito de lhe venderem /32 o dito casal e parte que nele com o direito de poder remir dos ditos trin- /33 ta alqueires de trigo cada ano retolo [retro] aberto que assim se paga /34 o dito Manuel Carvalho e isto em preço e quantia de noventa mil reis /35 ficaram em posse e em salvo para eles vendedores por bem do que disseram eles /36 os ditos Diogo Marque Lucas e Maria Ferreira sua mulher que por este instrumento /37 de suas livres vontades pela melhor via que direito possa se [f. 40 v.] vendem e de feito venderam e outorgaram de pura e fir- /2 me venda de hoje para todo o sempre a ele dito Simão de Amaral /3 para ele e para todos os seus herdeiros e sucessores que depois dele /4 forem e vierem o dito casal e parte que ele tem com tudo o a ele to- /5 cante e pertencente com todas suas entradas e saídas direito […?]/6 […?] assim e da maneira que lhe per- /7 tence e com o dito encargo do dito retolo [retro] e o direito de o poder re- /8 mir e isto por preço e quantia dos ditos noventa mil réis em dinheiro de con- /9 tado ficam em posse e em salvo para eles vendedores à conta dos /10 quais conheceram e confessaram terem já em si recebidos da mão /11 do comprador a quantia de sessenta mil reis e os trinta mil reis restan- /12 tes a cumprimento dos ditos noventa mil réis perante mim tabelião e as testemunhas adi- /13 ante nomeadas e ele dito Simão de Amaral comprador os deu e en- /14 tregou a eles vendedores em dinheiro de contado por moedas de prata /15 da corrente neste reino que contaram e receberam e acharam to- /16 da a dita quantia dos ditos trinta mil reis que juntos aos sessenta mil reis /17 já recebidos como dito é fazendo toda a dita quantia de noventa mil /18 réis dos quais disseram eles vendedores que davam e de feito deram /19 a ele comprador e a todos os seus bens fazenda e herdeiros pleníssi- /20 ma e geral quitação de todos os ditos noventa mil reis de tal ma- /21 neira que nunca mais em tempo algum a respeito do que dito é lhe será /22 mais pedido nem demandado cousa alguma. para se fazer esta escri- /23 tura me e foi apresentada a certidão da sisa que se pagou aos ofici- /24 ais de sua majestade a quem pertencia como dela melhor pareça que ao /25 diante se trasladara nesta escritura em traslados com os traslados que da no- /26 ta se derem e logo eles vendedores tiraram e desistiram e renun- /27 ciaram de si e de todos os seus herdeiros e sucessores toda a audiência e /28 ação [palavras riscadas] e pretensão, posse propriedade poder senho- /29 rio útil domínio que ao presente e ao diante farão ter e haver preten- /30 der dar por qualquer via que seja [palavra riscada] do dito casal e no a ele tocante /31 e pertencente e todos […?] trespassaram remitiram e renunciaram /32 no dito comprador e seus herdeiros e sucessores que depois dele vierem e su/33cederem para que para sempre todo logrem e possuam mansa e pacificamente sem /34 contradição de pessoa alguma e façam de todo o que lhe bem parecer como de /35 coisa sua própria que é e lhe fica pertencendo por virtude desta escritu- /36 ra pela qual dá poder ao dito comprador porque desta escritura somente /37 possa tomar posse do dito casal e quer […?] [f. 41] rão logo dá-la e nele […?]
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por cláu- /2 sula constituto e que sempre e em todo o tempo terão e que virão /3 e seus herdeiros e sucessores como nela se contém e a faram boa e o dito /4 casal segura certa e depois livre e desembargada e toda e qual- /5 quer pessoa ou pessoas que no dito caso em a ele tocante e perten- /6 cente alguma dúvidas demandas ou embargos que se lhe puserem /7 e da pessoa ou pessoas que nisso algum direito ou ação e pretensão quei- /8 ram e pretendam ter por qualquer via que sempre e a todo se deram por /9 autores
e defensores as suas próprias custas e despesas por tal modo que ele /10
comprador e seus herdeiros e sucessores que depois dele vierem e sucede- /11 rem logrem e possuam pacificamente o dito casal e tudo o a ele per- /12 tencente sem contradição de pessoa alguma e para todo a assim cumprirem /13 e fazerem bem seguro e depois livre e desembargado pelo modo /14 que dito é com as custas despesas perdas e danos que pelo tal res- /15 peito se fizerem e receberem obrigaram os ditos vendedores todos /16 seus bens havidos e por haver e que não virão com dúvidas e nem embargos /17 nem nenhuma matéria qualidade que sejam vindo com qualquer das ditas /18 coisas e outras quaisquer que forem e tratando de a desfazer e contradizer /19 que não serão eles vendedores nem seus herdeiros ouvidos em juízo /20 nem fora dele se quer depositarem em poder do comprador ou de seu /21 procurador ou herdeiros o preço desta venda como da sisa e salário desta escritura em junto pagamento e dinheiro de contado que /22 puderam receber e lhe será entregue sem dar fiança nem fazerem ou-/23 tra alguma obrigação por os que os abonam e hão abonados para tudo /24 puderem receber com as como coisa sua própria e por se escusarem de fazerem o /25 tal deposito não haver a provisão de sua majestade nem de quem seu /26 poder tenha e havendo a sendo-lhe pedida por qualquer /27 via que seja d’agora por tal tempo a renunciarão para dela não usa- /28 rem presente nesta clausula […?] que se prese nesta escritura /29 e a pediram estas partes na forma da lei do dito senhor da qual eu tabelião /30 ora [...?] me refiro a ela e outorgaram que responderam pelo /31 conteúdo nesta escritura nesta cidade de Lisboa perante os corregedores da corte /32 corregedores juízes do cível dela e perante as justiças onde este /33 instrumento for mostrado e se edil e /34 o cumprimento dela assim se obrigaram de responder fazerem disso todo o cumprimento de /35 […?] citados por umas cartas citatórias precatórias […?] /36 para o que renunciam e de feito renunciaram […?] de seu fixo domi/37cilio termo e lugar onde o tal […?] /38 […?] gerais e especiais e todo o mais /39 que a si alegasse não que de modo […?] /40 como dito é e por ele comprador foi dito que ele aceita esta ven- /41 da […?] como me rogaram e mandaram fazer [f. 41 v.] este instrumento desta nota e dela dou os traslados que conferi e que […?] /2 e aceitaram e eu tabelião o aceito em nome de quem fora ausente como pessoa /3 pública estipulante e aceitante testemunhas assinam presentes Agostinho Marques /4 morador nesta dita cidade em casa do dito Diogo Marques Lucas, e Bento /5 Ribeiro, meu criado, e André Lucas Leitão, morador nesta cidade em Bena- /6 vente, e o dito Agostinho Marques e o dito Simão do Amaral /7 comprador
disseram serem os vendedores os próprios que presentes /8 estavam que na dita
assinaram com as testemunhas o dito vendedor Diogo/9
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Marques Lucas e por a dita e por a dita [sic] Maria Ferreira não saber escrever /10 assinou a seu rogo Bento Ribeiro meu criado e como testemunha […?] /11 […?] contém […?] entrelinhas e em testemunho de /12 verdade e dinheiro da sisa, salário desta escritura e de /13 […?] e todas as parte vão concertadas. Pinheiro Diogo Marques Lucas Simão do Amaral André Lucas Leitão Assino a rogo da outorgante e como testemunha Bento Ribeiro Agostinho Marques
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Anexos
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Transcrição livre do documento com o título: Autorização Concedida ao Visconde
de Vila Nova de Cerveira para poder mandar rezar missa numa barraca de madeira que construiu em Mafra; e páginas apensas (14-‐11-‐1755). ANTT: Fundo: Viscondes de Vila Nova de Cerveira, Secção: Título do Morgado de Soalhães e por outro nome Mafra Transcrição livre pela autora desta dissertação. 1755 Emmo Dis o Bisconde Tomás da Silva Telles q’ elle se acha na Villa de Mafra com toda a sua numerosa familia e porq’ o terramoto do primeiro desse mes lhe arruinou as suas cazas, el não pode dizer missa no oratorio dellas e na Igreja Parroquial se não pode ouvir missa sem risco evidente pella ruinas q’ tem nas abobadas, e fica mui distante o convento, portanto // Pede a N Em.a atendendo as circunstancias ? ? tempo reconcida licenca para que em huma barraca de madeira que mandou construir se possa dizer missa pello tempo que parecer a N Em.a.
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N. O que parece he percizo fazer na Qta de Mafra 1.
Na caza de emsaboar consertar as duas vidraças que são de chumbo-‐ na mesma o sobrado
concertado por ter varios buracos-‐ e nas janelas abrilhe buracos para qdo chover nao entrar Agoa 2.
Na caza da esquina que se segue pintar-‐lhe a grade e concertarlhe as vidraças no que necessitao que
he pouco 3.
Na cazinha nova mistica as outras com pouco se remedea a vidraça
4.
A caza da Comua/Comeca/? falta-‐lhe hum vidro e varios remendinhos de Cal
5.
O camarim pra a Sobradada, portas pintadas de sinzento por estarem em tosco e caixilhos a ingleza
tanto no postigo como em bandra 6.
O camarim da esquina tem duas janelas necessitao caixilhos a ingleza e bandras q as nao tem e a
sobradada 7.
Alcova da Camara a sobradada e se parecer as portas pintadas como as outras de sinzento e tudo o
mais que estiver em madeira 8.
A casa de amassar concertada a Ximine de buracos
9.
O corredor athe a Sala das vezitas concertado o ladrilho
10. A Caza de taboado pintadas as portas por estarem emdicentes e lhe ter cahido a pintura de cola que tinha 11. A caza das vezitas ou estrado esteira e ladrilho consertado e o teto varios remendos de pano e j? e a janela que cai pa o pateo da cozinha concertada e hum caixilho de vidraça e pintada q’ nunca teve tinta e por isso apodrece mto 12. A caza chamada da menza ladrilhos concertados emjeçado o teto e a porta q’ vai pa a Caza das Vezitas ? nao entre agoa 13. A Sala onde esta o candieiro jenellas consertadas de almofadas por bacho vedar Agoa q’ nao entre pa dentro-‐ teto pintado por ter alguas nodoas-‐ hum pano que esta na mesma caza e roto romendado ejesado de novo e os ladrilhos postos outros em lugar dos q’ estao maus
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14. A Caza do P.e Presto asobradada pintadas as portas o teto emjecado 15. A caza da Livraria emjecada por cima e asobradada 16. A Caza da chimine asobradada emjecada por cima 17. Os quartos por cima destas cazas romendadas todas e verçe se se pode fazer mais doce e nela hum ? por ser mto empinada 18. A porta da rua e da Sala concertadas ambas q’ necessitao 19. O quarto em dormia o Exmo. S. Viscde. bem limpo e como as vidraças de chumbo estão boas se escuzão fazer a ingleza 20. Na caza em que estão as guardopas e nelas os copos por um vidro pa dar lus por ser escura 21. Por bacho da caza da Exma Sra D. Elena de Lima por parar esta caza para comerem os criados graves esta ladrilhada por estar parte calçada e parte com ladrilho todo cobrado-‐ porta concertada menza pa comerem os ditos e bancos em roda 21. Caza da despenca concertados os tellados e toda limpa 22. Caza da copa limpa e aseada e a cozinha desta e tellados bem consertados 23. Caza de ? concertada e limpa 24. Caza de ? ? concertada e limpa 25. Cozinha consertadas as fornalhas e ver se se pode defumar milhos 26. Caza do cozinheiro Dom.es e mosso da copa limpa e tapados os buracos 27. Caza de An.o Joze acabada e forrada por sima e acabada 28. Caza onde jantarao os criados algum dia jenela nova e caixilho a ingleza e ximine tapada desta se podiao fazer duas cazas a brindo mais hua jenella pª a banda da quinta
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29. Caza onde dormem os criados de pe acrescentar as barras e juntar a ella a Caza de Vicente enesta fazer menza pa comerem os criados de pe elhes vir o comer pelo pátio da lenha q’ he mais comodo q’ pela rua fazer lhe menza e assento pa comerem os ditos-‐ e nesta dormirem alguns criados de forma q’ se faca acomodação pa os criados de pe 30. Os telhados de todas as cazas principalmte as do Palacio dizem os pedreiros q necessitao consertados mas o Louro diz q’ nao necessitao aqui se executara o q’ se mandar 31. Caiadas todas as cazas tanto do Palacio como as mais pegadas 32. Auma pipa pa Agoa q’ aq’ la esta podre 33. Todas as cazas nobres onde nao ha azuleijo com tintim junto aos ladrilhos e 34. A meza que ha para os dias de banquete se aviriguara se esta bastara ou não 35. Alem das baras q’ ha e algumas q’ se andem fazer p.a criados de pe se devem fazer mais seis pa oq’ puder ser 36. Todo o largo do Palaçio he a Cavalhariçe se deve rapar e por bem limpo pa a função e aducar mais o caminho q’ vai pa a adega do Silva demunuindo este alto q’ fas mal ? as caruajens 37. Esteiras sao percizas algumas pa as cazas se entender-‐ e algumas cadeiras e asentos q’ pareçerem percizos 38. Na Quinta he percizo asentarçe o como ha de ser a bordadura do lago-‐ se laje somte com hum filete por bacho ou com muldura q’ apontou o mestre Joao Chrizostomo 39. O mestre Alexandre Justo dis q’ a fegura q’ falta bastara de premio 15 moedas e o do modelo de bacho relevedo não percizo couza nenhuma 40. Os officiaes q’ estão a fazendo Cascata pa a Quinta de Quelus ????? 41. Sera percizo cudarce? em reposteiros pa as portas os quaes se podem fazer pa servirem em Lxa. ????? e o mesmo trigo percizase darce porvidencia a tempo
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Para se poder cuidar e ja, o como não handem faltar estas couzas em Mafra, a elle lhe parece q’ podiao vir trigos sevada e palhas de Malpica ou de Cazeiros daquela parte a Santo Anto do ?ujal pa se conduzirem em carros pa. Mafra, Perguntace se se hade mandar lavar a armacão do leito toda quanta ella he.
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A.4
Transcrição livre do documento com o título: Autos de Vistoria da Quinta de
Mafra (22-‐11-‐1744) ANTT: Fundo: Viscondes de Vila Nova de Cerveira, Secção: Título do Morgado de Soalhães e por outro nome Mafra Transcrição livre pela autora desta dissertação. Sublinhados e destaques da autora. Auto de Vistoria Aos vinte e dous do mês de Novembro de mil setecentos e quarenta e quatro annos; nesta villa de Mafra em a quinta do Illustrissimo excelentissimo Bisconde de Villa Nova da Cerveira D. Tomas de Lima e Vasconcellos adonde eu Escrivão ao diante nomeado vim com o Doutor João Tavares de Abreu Cavalheiro profeço na ordem de Cristo Juiz de Fora Orfãos e ??? em esta Villa de Mafra, é seu termo com (………….) mandado vir perante si aos Mestres Louvados nomeados para esta Vestoria, como peritos e inteligentes das obras do Pedreiro Carpinteiro Antonio de Miranda e Antonio Bauptista Corvo, juntamente ó procurador nomado por parte do (....) e também o reveendo padre Joze de Mattos como procurador do Excellentissimo Bisconde para effeyto de se fazer Vestoria, Medição e a Valliação das bemfeitorias feitas nesta dita quinta em várias obras que nella (...........................) Foy mostrado pelo procurador do ditto Excellentissimo Bisconde supplicante euá fonte de água de beber que se acha feita à pouco mais de um anno dentro da dita quinta, ele quiereo que esta bem feitoria foce vista e a valliada pelos ditos louvados, aqual sendo por eles vista, e medida , foy declarada que segundo a sua medição e a valliação em cento e um mil quatro centos e trinta reis. Mostrou mais o dito procurador do Illustrissimo Excellentissimo Bisconde supplicante a obra que fes para a condução da ágoa que se meteu na quinta para regar o pomar de espinho ? a hum dos jardins dele haverá três anos com pouca diferença e requereo se avaliace esta bem feitoria pelos ditos louvados aqual sendo por eles vista e examinada a avaliação em trezentos e cinco mil ? reis. Mostrou mais o dito procurador do excelentíssimo Bisconde as bemfeitorias feitas nas Cazas nobres, que se achão em a dita quinta há trinta e cinco anos a esta parte, cujas bemfeitorias concistem em vários acrescentamentos, que de novo se fizeram nas ditas Cazas com grande aumento; e sendo vistas e examinadas dicerão segundo a sua medição as a valliarão em seis centos e sinesenta e hum mil eoito centos reis. Mostrou mais ele dito procurador do Illustrissimo Bisconde a obra feita nas Cazas chamada dos Escudeiros, e Cozinha que ficão contiguas às asima referidas as quaes foram novamente
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acrescentadas haverá trinta e cinco annos a esta parte pouco mais ou menos; Requereo se avaliar esta bemfeitoria que sendo vista e examinada pelos ditos Louvados a avalliarão em duzentos mil reis. Mostrou mais ele dito procurador do Excellentissimo Bisconde suplicante os Muros interiores feitos na dita quinta que separão a Matta da Vinha e vários acentos que se achão feitos na dita Mata, e suas entradas e requereo se avaliar esta bemfeitoria a qual sendo vista e examinada pelos ditos Louvados declararão que segundo a sua a avaliação em cento e sinesenta mil reis; às quaes ditas propriedades até aqui declaradas, e avalliadas pellos sobre ditos Louvados forão reconhecidas parante elle dito Doutor Juiz de Fora pello procurador do juizo, é serem uteis e por notoriamente constarem ser todas feitas por ordem do Illustrissimo e Excellentissimo Bisconde, que requeria a sua avalliação, não pôs duvida alguma às ditas avalliações; Sendo outra sim requerido pello procurador do Excellentissimo Bisconde supplicante lhe fossem avalliadas as bemfeitorias de dous jardins, que se achavam feitos na dita quinta, e outros mais que ao diante se declarão; duvidando o procurador do juizo nas taes bemfeitorias, com o fundamento de que se não duvida entemder serem uteis, mas sim volluntarias, sem embargo de tal duvida a instancia do dito procurador do Excellentissimo supplicante foy pello dito Doutor Juiz de Fora tãobem mandado avalliar pellos ditos Louvados em razão delle (ser) representado pello mesmo procurador do Excellentissimo Bisconde, que semelhantes obras feitas em semelhantes quintas com a Magnificencia e a Reputação emque auella se achava se reputavão bem feitorias uteis por tao bem neste juizo senão dever desputar aquallidade das taes bemfeitorias, o que somente reconheceu elle Doutor Juiz de fora podia pertencer ao juizo, donde, emanou a carta ou a onde o Excellentissimo Bisconde supplicante quizece requerer ou fazer sobrogação, ou vinculo das mesmas bemfeitorias, eque so mente devia de servir emandar a valliar as bemfeitorias, que o procurador do mesmo Excellentissimo Bisconde lhe mostrace mandando escrever a duvida do Procurador do juizo pello, que forão com efeito avalliadas as taes bem feitorias pellos ditos Louvados pella maneira seguinte. Mostrou elle procurador do dito Excellentissimo Bisconde a obra feita em hum jardim que de novo se ratificou e se reformou, que consta de varios vazios, pedre....? assentos, emavivarias? pedrarias hum tanque, etudo mais pertencente á Caza, que fica contigua ao mesmo jardim, portal, que entra para a Mata, paredes, sucalcos, etanque, que seacha na Orta, que novamente se fes junto ó dito jardim, eque tudo se acha feito à dous para três annos a esta parte, e requereo lhe fossem avalliadas aquellas bemfeitorias que logo ali foram vistas e examinadas pellos ditos Louvados e segundo a sua medição e estimação que derão a alguma das pedrarias a valliarão as taes bemfeitorias que declaradas ficao em hum conto quinhentos e setenta e dous mil seis centos e trinta reis. Mostrou mais elle procurador do Excellentissimo Bisconde as paredes que no dito jardim se fizerão, e estavão feitas antes desta nova reforma pello mesmo dito Excellentissimo Bisconde seu constituinte haveria trinta e cinco annos pouco mais ou menos, e requereo lhe foce avalliada este bemfeitoria aqual
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logo ali fas vista é examinada pellos ditos Louvados, que declararão ea valliando e segundo a medição, que tinhão feito em cento e ?enta, e nove mil e quinhentos reis. Mostrou mais elle procurador do Excellentissimo Bisconde supplicante os sucalcos, emtulhos, edezemtulhos, que deprezente se tem feito à tres meses a esta parte emhum lugar em que se pretende fazer hum bosque, aope do jardim que dito fica, e reuqereo lhe foce avalliada esta bemfeitoria aqual sendo vista e examinada pellos ditos Louvaods a avalliarão segundo a sua medição em cento e dous mil reis. Mostrou mais elle procurador do Excellentissimo Bisconde huma Ermida emque está collocado o Senhor Santo Antonio, aqual seachava feita toda de novo haverá trinta annos pouco mais ou menos dentro nadita quinta em a Mata della, e requereo lhe foce avalliada esta bemfeitoria, àqual bemfeitoria sendo vista e examinada pellos ditos Louvados a avalliarão segundo a medição que fizerão, assim em paredes azollejos, e retabollo, pedrarias, simalhas, aboboda, telhados, grades, e portas na quantia de seis centos e sinesentamil e seis centos reis. Mostrou elle dito procurador do dito Excellentissimo Bisconde suplicante hua Caza outavada? Na Mata da dita quinta, aque chamão a do Retiro, ese acha feita àtrinta annos pouco mais ou menos ainda por cobrir, e requereo lhe foce a valliada esta bemfeitoria, aqual sendo vista e examinada pellos ditos Louvados declararão a valliação segundo a medição que tinhão feyto em as paredes, e pedrarias da dita Caza em cento cetenta eoito mil reis. Mostrou mais elle dito procurador do Excellentissimo Bisconde suplicante outro jardim chamado o jardim novo, que se acha dentro na matta da dita quinta feito haverá vinte e quatro annos pouco mais ou menos, e requereo lhe foce a valliada aquella bemfeitoria, aqual logo ali foy vista e examinada pellos ditos Louvados e segundo amedição, que por elles foy feita nas paredes, epredrarias, que no referido jardim se achavão declararão a avalliavão em quinhentos e dous mil e quatrocentos reis. Mostrou mais elle dito procurador do Excellentissimo Bisconde o concerto feyto em a Ermida do Senhor S. Jacinto, que seacha feyta na mata da dita quinta, ejá exystia, quando o Excellentissimo Bisconde suplicante della tomou posse, e requereo lhe foce a valliada aquella bemfeitoria do dito concerto, que somente havia sido feita em a referida Ermida por ordem do dito Constituinte haverá trinta e dous annos com pouca diferença, esendo visto, e examinado o dito Conserto, que pela sua medição foy avalliado pellos ditos avalliadores em corenta mil reis. Mostrou elle procurador do dito Excellentissimo Bisconde suplicante hum portal, que está defronte da porta da dita Ermida de S. Jacinto, em o muro em qu? ? setopa a dita quinta, e se acha feito, a pouco mais dehum anno, erequereo lhe foce avalliada aquella bemfeitoria que sendo vista, e examinada pellos
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ditos Louvados a avalliarão segundo a medição, que no dito portal fizerão na quantia de trinta mil reis; e por esta maneira houve elle dito Doutor Juiz de fora esta vestoria feita em todas as bemfeitorias, que forão apontadas e mostradas pello procurador do Excellentissimo Bisconde suplicante, e se achavão dentro dos muros da referida quinta feitas pello Excellentissimo Bisconde suplicante, e de tudo mandou fazer este auto , que asignou com os Louvados e eu Martinho Loussado?, escrivão, que o escrevi e declaro, que tãobem asignou o procurador do juizo sobre dito escrivão que a escreveu. Emserramento E sendo assim feyta a dita vestoria logo eu escrivão a requerimento do procurador do Excelentíssimo Bisconde suplicante remeti o treslado destes autos por instrumento na forma do estillo, ao juízo donde emanou ? ? ? ? eu Martinho Loussado escrivão que a escrevi. Não se continha mais em os ditos autos de vestoria que eu Martinho Louçado escrivão do publico judicial ? em notas em esta villa de Mafra, e seu termo por provim.to do Doutor Corregedor desta Comarca, aqui fis tresladar bem e fiche na verdade como se contam nos próprios autos, que ficão em meu poder, aos quaes em todo e por todo me reporto, emfé doq vay este instrumento por mim sobrescrito e asignado em publico, claro, e tão bem consertado como official. Official d’ baixo asignado Mafra de Dezembro onze de 1744 Cmtesto da Verdade Martinho Loussado C’ Comigo enqueredor Cdo por mim escrivão Manoel Soares Lobo Martinho Loussado
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A.5
Entrevistas aos autores dos Casos de Estudo
1. Estrutura da entrevista-‐ questões base Eu sou estudante finalista de Arquitetura na FAUTL e estou a elaborar um projeto de reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima em Mafra apoiado por uma dissertação em que exploro os temas associados a uma intervenção deste tipo. Num capítulo desta minha dissertação escolhi algumas obras que pretendo estudar e comparar no âmbito da reabilitação tendo em conta as opções tomadas e os motivos dessas opções. Escolhi para este corpus de análise o seu projeto ................. que me parece ser um interessante caso de estudo neste contexto. • As minhas primeiras perguntas relacionam-‐se com a situação em que encontraram o edifício a reabilitar. Quais eram as suas principais características facilmente perceptíveis? (tectónica, estrutura, revestimentos, materiais, cores) Qual era o seu estado geral de conservação? Quais as
principais anomalias presentes? (Sistema construtivo, estado de conservação, principais anomalias) • No caso do edifício que estou a estudar deparei-‐me com problemas de (des)organização do espaço, sobretudo nas formas de ligação entre os espaços, decorrentes das várias utilizações que o edifício teve, que nem sempre ocuparam o edifício todo. Encontraram problemas deste tipo? (Organização espacial, principais problemas da organização)
• Já em relação ao projecto, como se desenhou o programa (usos vs compatibilidade)? Quais eram os objectivos da intervenção e quais as principais restrições? • Tendo em conta todo o contexto e restrições qual foi a filosofia da intervenção? Isto é, quais os princípios ou pontos de partida para o projeto (conceito base)? • Ao longo da obra foram encontradas novas restrições que não foram logo perceptíveis no início? Como afectaram o projeto? • Tendo em conta a situação inicial do edifício, quais as principais características que foi possível manter? E quais as que tiveram que abdicar? Por que motivos?
• Em relação à questão construtiva, foi possível manter o sistema estrutural da situação inicial? (Se não) Qual foi o sistema de substituição utilizado? Que materiais foram utilizados?
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• (Se sim) Qual foi o sistema de reforço utilizado? Com que técnicas e materiais? Qual a compatibilidade com o existente? • Por fim gostaria de lhe fazer uma pergunta mais geral. Tendo em conta as teorias e recomendações para o restauro e a reabilitação, em que surgem conceitos como a autenticidade histórica, material, estética e a identidade do edifício, e, por outro lado, questões de segurança estrutural, de financiamento e de legislação, que podem por vezes condicionar a preservação do elemento histórico, qual é, na sua opinião, a forma de encontrar um equilíbrio na intervenção? Qual é habitualmente a sua estratégia em projetos deste tipo?
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2. Entrevistas Transcrição de ficheiros áudio.
a) Arquiteto João Mendes Ribeiro Inês: Eu sou estudante finalista de Arquitetura na FAUTL e estou a elaborar um projeto de reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima em Mafra apoiado por uma dissertação em que exploro os temas associados a uma intervenção deste tipo. Num capítulo desta minha dissertação escolhi algumas obras que pretendo estudar e comparar no âmbito da reabilitação tendo em conta as opções tomadas e os motivos dessas opções. Escolhi para este corpus de análise o seu projeto para o Laboratório Químico em Coimbra que me parece ser um interessante caso de estudo neste contexto. Inês: As minhas primeiras perguntas relacionam-‐se com a situação em que encontraram o edifício a reabilitar. Quais eram as suas principais características facilmente perceptíveis? Qual era o seu estado geral de conservação? Quais as principais anomalias presentes? JMR: O edifício estava abandonado. Antes tinha funcionado exatamente como Laboratório Químico até ao princípio dos anos 90. Tenho a ideia de fazer uma ou duas exposições de fotografia nesse contexto, ainda com o edifício abandonado, porque era interessante o contraste entre o edifício semiabandonado e a arte contemporânea. Tinha algumas patologias, não muitas, sobretudo a partir de infiltrações da cobertura e dos caixilhos. Havia alguns vidros partidos, peças de madeira podres nos caixilhos, telhas partidas, e todas as situações de caleiras e rufos estavam em muito mau estado – foram as condições em que encontrámos o edifício. Era necessário refazer toda a cobertura. Havia também alguns vestígios de patologias relacionadas com os azulejos, com os rodapés, e havia alguma humidade que vinha também a partir do pavimento – o pavimento era um pavimento térreo, mas não tinha uma caixa de ventilação, portanto assentava diretamente sobre o solo. O revestimento do pavimento que encontrámos era mosaico hidráulico e assentava diretamente sobre o solo com uma camada de betonilha. O facto de o edifício estar fechado também era um problema, visto que não havia ventilação e as humidades concentravam-‐se no seu interior. Em termos de revestimentos encontrámos nos pavimentos mosaico hidráulico, excepto no átrio principal que era pedra de mármore branco; as paredes eram todas rebocadas e havia alguns azulejos numa das alas, azulejos de 1910, e mesmo azulejos e rodapés originais do século XVIII na salinha a sul, de quem entra na ala direita. Na altura a maioria dos azulejos estavam ocultos, porque havia estruturas de carácter efémero que os cobriam. Os tectos eram todos estucados, relativamente trabalhados, alguns dos quais se mantêm. Na última sala da ala Norte há um tecto mais baixo, porque foi o que encontrámos: cerca de 1855 construiu-‐se aqui um auditório (este auditório de madeira é feito posteriormente à construção) e esta
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sala; este tecto era um tecto abobadado e eles cortaram a abóboda e introduziram aqui um tecto plano mais baixo. Na ala Sul fizeram a mesma coisa anos mais tarde mas houve um reforço estrutural grande (cerca de 1880). A planta do Guilherme Elsden mostra já a parte perpendicular ao volume principal que parece um acrescento, mas era já original. A sala maior desse corpo, existem descrições, era um espaço amplo com telha vã, sem qualquer cobertura, piso em terra e era onde se faziam as experiências mais arriscadas. Ao cortarem a tal abóboda a Sul, encontraram uma solução do ponto de vista estrutural muito complicada, e teve que ser tudo refeito. Mantivemos a ideia do tecto mais baixo porque foi o que encontrámos e a estrutura não era interessante porque as abóbodas foram mesmo cortadas. Há uma escada de bombeiro que permite aceder à cobertura, e ainda se vê as abóbodas, que são estruturas de madeira muito bonitas, e que foram amputadas. O friso da abóboda ainda cá está. Pareceu-‐nos que era difícil de recuperar e em termos de organização do espaço também se ganhava mais uma sala. Inês: No caso do edifício que estou a estudar deparei-‐me com problemas de (des)organização do espaço, sobretudo nas formas de ligação entre os espaços, decorrentes das várias utilizações que o edifício teve, que nem sempre ocuparam o edifício todo. Encontraram problemas deste tipo? JMR: Sim, encontrámos muitos problemas desse tipo. O edifício, a meu ver, tem uma distribuição muito clara: entrada ao centro, depois distribuía para um lado e para o outro, depois no braço perpendicular far-‐ se-‐iam outro tipo de experiências. No primeiro projeto de concurso tínhamos necessariamente que construir exposição de ambos os lados do átrio, o que coloca desde logo problemas de circulação – pensámos que a exposição permanente ficaria na ala Norte e Sul e na sala do braço perpendicular, a Nascente, seriam as exposições temporárias mantendo a estrutura dos pequenos gabinetes nesta ala, mantendo a circulação, a passagem para os gabinetes e uma sala grande. Fizemos o projecto de execução dessa maneira, mas quando começámos a obra fizemos um descasco do edifício, dos rebocos, e descobrimos estruturas do século XVI. Ou seja, pensámos que o edifício era de construção de raiz mas na verdade tinha como base o antigo refeitório do Colégio de Jesus, o que justifica a forma do edifício, visto que é feito com as mesmas pedras. Descobrimos um púlpito que estava ao eixo da sala do refeitório, e um outro que desapareceu porque a fachada foi muito intervencionada, ainda havia um vestígio ou outro mas foi impossível recuperá-‐lo. Descobrimos também três janelas do séc. XVI. Assim achámos que o que seria interessante era recuperar a escala do século XVIII, que era um espaço amplo, e não este espaço dividido de 1880, e com isso também estes elementos do século XVI mantinham uma relação física correta com o espaço, porque o antigo refeitório também tinha aquela escala. Portanto tentámos encontrar uma época onde conseguíssemos cruzar os vários tempos – cruzar o séc. XVI com o séc. XVIII. Por acaso, mas que nos soube muito bem, isso também nos arrumava muito melhor o projeto, ou seja, fazendo na ala Sul e Nascente só a exposição permanente. Assim eu podia vir para a exposição temporária, a Norte, utilizando o auditório, que normalmente é utilizado para projeção de filmes relacionados com essa exposição, e não teria que passar pelo espaço da exposição permanente. De alguma
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forma a clarificação do programa deu-‐se no decurso da obra. Há uma situação que acho que não está bem resolvida, mas foi a que foi possível, que foi a localização dos sanitários– por isso é que colocámos em frente uma vitrine para funcionar como passagem para os sanitários sem invadir o espaço, mas estão sempre dentro do espaço. Assim ganhámos esta grande sala que não existia no projeto inicial e que clarificou de forma mais interessante o próprio programa. Aquilo que acho curioso nos trabalhos de reabilitação ou de restauro é que são uma espécie de processo. O projeto tem que estar disponível para absorver os acasos e para aquilo que é inesperado – é mais um workshop de projeto que propriamente um projeto feito em dois tempos distintos, atelier e obra. Aqui atelier e obra fundem-‐se e processam-‐se no mesmo tempo, numa única fase, o que é bastante mais interessante. Por outro lado estas descobertas, que obrigam a alterar o projeto, do meu ponto de vista, enriquecem o próprio processo e o próprio projeto.
Inês: Já em relação ao projeto, como se desenhou o programa (usos vs compatibilidade)? Quais eram os objectivos da intervenção e quais as principais restrições? Já foi respondido acima. Inês: Tendo em conta todo o contexto e restrições qual foi a filosofia da intervenção? Isto é, quais os princípios ou pontos de partida para o projeto? JMR: A nossa ideia, não neste caso mas noutros projetos em contextos históricos, é muito a necessidade de criar uma distinção entre os dois tempos – passado e presente – e de alguma forma apostava nesse confronto. Por exemplo a casa de chá de Castelo de Montemor-‐o-‐Velho é claramente um objecto que aposta nesse confronto -‐ embora a peça contemporânea só viva naquele contexto, marca nitidamente essa oposição – oposição de linguagem, de materiais, de escalas, etc. Neste projeto do Laboratório Químico encontra uma espécie de tempo híbrido, tentando fazer uma síntese entre passado e presente. Não estamos tão presos à ideia de marcar dois tempos diferentes, estamos mais preocupados em dar resposta às novas necessidades, que é sempre um ponto fundamental, visto que reabilitar, ou restaurar é necessariamente transformar. Neste caso, e face a um edifício com esta carga histórica – supostamente é o primeiro edifício da Europa de construção de raiz com este objectivo – o que conduziu toda a intervenção foi tratar o edifício com a importância ajustada à sua qualidade. O edifício teria que ser tão importante como os conteúdos. Não quisemos fazer rupturas desnecessárias, ou seja o trabalho seria de pequena intervenção e de restauro. Acabou por ser bastante mais porque descobrimos
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elementos que não prevíamos, julgávamos que o edifício fosse de raiz, porque tínhamos partido de pressupostos errados. Inês: Ao longo da obra foram encontradas novas restrições que não foram logo perceptíveis no início? Como afectaram o projeto? JMR: A meu ver afectaram de uma forma positiva, como aliás acontece quase sempre. Ao descobrir mais introduz-‐se dados novos que permitem dar uma nova riqueza espacial ao edifício Há duas coisas muito importantes no processo de reabilitação: -‐ Em primeiro lugar os programas têm que ser adaptados aos edifícios. Isso não é responsabilidade do arquiteto mas é determinante – tem que se perceber a escala, a tipologia, as regras compositivas, e por aí fora. Neste caso é mérito do dono de obra, que é a Universidade de Coimbra. -‐ O segundo factor já tem que ver com as competências das equipas, e com a forma como o processo é acompanhado em obra. É preciso saber olhar o edifício. Para isso envolvemos um conjunto de especialidades, incluindo arqueólogos, historiadores, que nos asseguraram um conhecimento rigoroso do edifício. Isso é fundamental, porque a pior coisa é estar a intervir num edifício sem o conhecer ou com base em dados errados. Este processo de levantamento rigoroso, de conhecimento do edifício foi demorado, e tivemos que parar a obra para estudar as situações novas e rever o projeto. Por exemplo tomámos a decisão de demolir estruturas do século XIX, não é uma opção que se tome de animo leve, e para isso era necessário ter uma justificação muito clara e bem justificada, suportada por historiadores, dados técnicos, e de acordo com o dono de obra. No final tudo se conjugou para esta solução, mas foi uma solução muito amadurecida – é preciso essa sensibilidade quando estamos a trabalhar nestes contextos. Inês: Tendo em conta a situação inicial do edifício, quais as principais características que foi possível manter? E quais as que tiveram que abdicar? Por que motivos? JMR: Abdicámos de algumas estruturas mas recuperámos a escala original, que era aquela que nos permitia não só dar resposta ao programa mas também, e sobretudo, encontrar uma relação correta dos elementos do século XVI com aquele espaço. A questão era qual a época em que conseguíamos ter no mesmo espaço marcas de tempos distintos, e que servisse também o tempo contemporâneo, o que também é importante, visto que era importante para o projeto ter uma sala de grandes dimensões e aumentar claramente a capacidade do espaço expositivo. Assim tudo se conjugou para que esta opção fosse relativamente fácil de encontrar, embora tenha sido uma solução trabalhada. Em termos de outras características do edifício manteve-‐se tudo, excepto pequenas alterações pontuais que foram necessárias: colocação de um guarda-‐vento, portas de saída de emergência que têm que abrir para fora – tirámos o eixo da dobradiça, pusemos uns pivots, as dobradiças estão lá mas não estão a trabalhar, e agora abrem para fora -‐ e outras coisas deste tipo, muito simples. As caixilharias foram
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recuperadas, não quisemos pôr vidros duplos, o sistema de portadas continua a funcionar, e são a forma mais funcional de regular a luz. O edifício tem uma grande intervenção, que não é tão visível como isso, mas que foi a opção correta para resolver todas as situações que têm a ver com as novas necessidades. Como o edifício era um edifício térreo, considerámos que, para não tocar nas paredes, devíamos passar toda a infraestrutura técnica, que é pesadíssima, no pavimento. Para isso abrimos valas gigantes onde passam as infraestruturas, que correm exatamente onde existe portas. Todo o pavimento é desmontável, em quarteladas, e é aí que passam os grandes canais, que depois passam para uma sub-‐rede, em caixas no pavimento, que permite alimentar a rede em qualquer ponto. O edifício funciona muito bem de Verão, porque tem paredes de 80 cm de pedra, mas era muito frio no Inverno, e assim introduzimos pavimento radiante, que é aquecido no Inverno. Isso pareceu-‐nos a opção mais interessante, porque o calor do pavimento sobe e aquece o espaço. O pavimento encontrado era mosaico hidráulico, mas verificou-‐se que não era o material original. Entretanto encontrámos uma fotografia do Augusto Bobone de 1902 que tem o pavimento em madeira, e pensámos que o original seria madeira. Depois descobrimos que o original era pedra, que estava 10 cm abaixo do pavimento atual. Ainda pensámos rebaixar as quotas, mas verificámos que todas as portas e guarnições já estavam cortadas, dificultando esta opção. Só a sala pequena, a mais a Sul, tinha os rodapés originais e guarnições originais, bem como os azulejos originais do século XVIII, por isso mantivemos a pedra, que ainda é a original, neste espaço. Como havia muita pedra danificada, partida juntámos todas as boas que conseguimos encontrar e colocámos nesta sala. Esta sala é, portanto, a única que tem os materiais originais. Porquê a madeira? Pareceu-‐nos que, estando a usar uma quota diferente, e tendo a madeira já sido utilizada nesta quota, seria um material que poderia ser utilizado mantendo a referência à época da fotografia do Augusto Bobone. Claro que também teve peso a questão do custo e da facilidade de instalação do sistema de quarteladas, que funciona muito melhor com a madeira. E já estávamos a meio da empreitada, não podíamos chegar ali e fazer tudo de novo! Inês: Em relação à questão construtiva, foi possível manter o sistema estrutural da situação inicial? (Se não) Qual foi o sistema de substituição utilizado? Que materiais foram utilizados? (Se sim) Qual foi o sistema de reforço utilizado? Com que técnicas e materiais? Qual a compatibilidade com o existente? JMR: A ideia inicial era reabilitar as estruturas. No corpo central sim, foi tudo reabilitado. Mas na ala perpendicular verificou-‐se que as estruturas estavam muito danificadas – fez-‐se estudos exaustivos com a Universidade do Minho -‐ e verificou-‐se que tinha que se fazer asnas novas, embora feitas de acordo com o sistema anterior. Fizemos uma alteração, porque a asna tinha um problema: deformava-‐se muito porque
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tinha o sistema de peças de madeira ao lado do sistema de tirante; como o tirante entrava na parede colocaram este sistema ligeiramente deslocado das asnas, e havia uma deformação da asna por causa disso; o que fizemos foi pegar no tirante a eixo, a asna trabalha a eixo, e na entrega à parede desmultiplicámos esta peça por duas para o tirante entrar ao centro. Assim a asna melhorou muito o seu comportamento, mas de resto o sistema é a repetição do desenho que lá estava. Aliás os tirantes que lá estão são os originais, em ferro fundido. Estamos a usar madeira de riga antiga, com cerca de 200 a 300 anos, que vieram do norte da Europa provenientes do pavimento de casas antigas desmontadas. Olha-‐se para as madeiras e percebe-‐se que são madeiras antigas e com densidade. Até porque o vão é de 14 metros, e é difícil encontrar peças tão grandes em Portugal. Há portanto um processo de reutilização do material. Quanto às alvenarias estavam em muito bom estado. Houve necessidade apenas de reforçar estes escoramentos por causa das entregas das madres, de resto não. São paredes muito largas, com muita estabilidade e muito bem feitas. Inês: Por fim gostaria de lhe fazer uma pergunta mais geral. Tendo em conta as teorias e recomendações para o restauro e a reabilitação, em que surgem conceitos como a autenticidade histórica, material, estética e a identidade do edifício, e, por outro lado, questões de segurança estrutural, de financiamento e de legislação, que podem por vezes condicionar a preservação do elemento histórico, qual é, na sua opinião, a forma de encontrar um equilíbrio na intervenção? Qual é habitualmente a sua estratégia em projetos deste tipo? JMR: Essa é uma pergunta muito difícil de responder, porque cada caso é um caso, não tenho uma ideia formatada relativamente a esse assunto. O primeiro problema é como ajustar o edifício ao novo programa – é uma questão decisiva. Depois existe a questão das novas necessidades – tem que se introduzir novos sistemas, por exemplo a rede de infraestruturas, porque são absolutamente necessários para dar resposta às novas necessidades. O que não podemos é, com essa alteração, pôr em causa a identidade do próprio edifício. Para esse equilíbrio não há uma equação. O ponto de ruptura é esse: se eu transformo demasiado, de forma a pôr em causa a identidade, então não faz sentido. Agora o que devia haver, não tenho dúvida absolutamente nenhuma, era uma flexibilidade dos regulamentos para intervenções em edifícios pré-‐existentes, porque há regulamentos que destroem os edifícios. Por exemplo numa obra que estamos a fazer nos Açores, para cumprir com as normas de resistência ao fogo, precisamos de asnas com secções brutais, visto que a resistência ao fogo é de 60 minutos. Assim não se pode falar de reabilitação, porque embora não altere o conceito do ponto de vista estrutural, as secções alteram-‐se de tal maneira que a imagem do edifício se perde. Aqui tem que haver alguma sensibilidade, os regulamentos não podem ser os mesmos. Outro exemplo é a acústica – para cumprir as regras de isolamento acústico entre andares e manter o mesmo sistema construtivo temos que fazer uma espécie de pavimento duplo com elementos de corte para resolver este problema, o que começa
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a ser uma solução de tal forma elaborada que se torna um disparate. Esta solução, por exemplo, altera todas as quotas, porque altera a espessura do pavimento. Os regulamentos são, muitas vezes, ideias pré concebidas, não são necessariamente ideias inteligentes. No caso da reabilitação é preciso ajustar os regulamentos às condições físicas do edifício. Claro que se deve estar atento às novas necessidades mas há regulamentos que põem mesmo em causa a ideia de reabilitação. Esta necessidade de tornar flexível a aplicação dos regulamentos no caso de reabilitação é um tema fundamental. Já se construiu demais por isso, nos próximos anos, o que vamos fazer é reabilitação. Inês: Muito Obrigada.
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b) Arquiteto Victor Mestre Eu sou estudante finalista de Arquitetura na FAUTL e estou a elaborar um projeto de reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima em Mafra apoiado por uma dissertação em que exploro os temas associados a uma intervenção deste tipo. Num capítulo desta minha dissertação escolhi algumas obras que pretendo estudar e comparar no âmbito da reabilitação tendo em conta as opções tomadas e os motivos dessas opções. Escolhi para este corpus de análise o seu projeto em Alfama, o Quarteirão B, que me parece ser um interessante caso de estudo neste contexto. -‐ As perguntas serão feitas sobre um edifício específico. Vamos falar então sobre o edifício em Alfama, o Quarteirão B de Alfama. Victor Mestre (VM): Sim, do Largo do Chafariz de Dentro, foi com o arquitecto Adalberto Dias, é uma parceria. A equipa foi constituída por mim (Victor Mestre), pelo Adalberto Dias, pela Paula Silva e pela Sofia Aleixo. A Sofia Aleixo do meu lado, e a Paula Silva do lado do Arquitecto Adalberto Dias. Os quatro estivemos empenhados em encontrar soluções para um conjunto de edifícios que estavam praticamente em colapso. Que são muito interessantes e muito ricos. Eu depois não acompanhei o projecto na fase de execução para a frente. Ficou só o arquitecto Adalberto Dias, e nós continuámos noutros edifícios ali ao pé, são edifícios soltos na Mouraria. Outro de Alfama é um também num sítio muito engraçado, na rua da Oliveirinha, podemos também depois falar sobre eles já que estes acompanhei até ao fim. Inês: As minhas primeiras perguntas relacionam-‐se com a situação em que encontraram o edifício a reabilitar. Quais eram as suas principais características facilmente perceptíveis? Qual era o seu estado geral de conservação? Quais as principais anomalias presentes? VM: Digamos que esses edifícios, quando nós pegamos neles, já estão num estado completamente calamitoso. Infelizmente, são raros os edifícios que chegam à reabilitação ainda num estado razoável. Mas a maior parte deles, mesmo em estado razoável, pecam por não estarem devidamente infraestruturados. E mesmo quando estão, têm um problema de actualização face à nova regulamentação, ou mesmo, em relação à anterior a esta, não tinham sido devidamente actualizados. E têm problemas profundos a nível de todas as especialidades. Se falarmos das águas, têm problemas de ligação, com manilhas de grês, manilhas cerâmicas, que estão praticamente todas danificadas, partidas, fissuradas, com repassos muito grandes, o que faz com que as águas e os fluídos das sanitas se percam pelas paredes. E é um problema mesmo muito grave, de salubridade inclusivamente. Depois temos um problema também com as canalizações de água, que variam entre as mais antigas, em chumbo, que nem sequer são permitidas por lei, porque são tóxicas, até aos ferros galvanizados, que apodrecem ao fim de 25, 30 anos. Portanto a corrosão entra e com muita força. E temos outros sistemas mistos às vezes muito precários, como ferros fundidos. E as ligações às redes estruturais, as infra-‐estruturas que estão nas ruas, normalmente também estão muito caducas, e com problemas de secção, de seccionamento das caixas de ligação. Ou seja, cada vez há mais intervenções, portanto há mais fluídos, e as secções ou são substituídas e ampliadas por novas, ou tendem a criar problemas de entupimentos diversos. Depois temos o problema também das
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redes separativas nas ruas, isto é, águas domésticas e águas pluviais. Nem sempre são separativas, inclusivamente estão todas na mesma conduta, quando chove muito, levanta as tampas, etc. Lisboa mudou muito, e melhorou muito. Portanto acho que mudou para muito melhor em muitos aspectos, e não tenho uma visão pessimista das infra-‐estruturas primárias. Embora haja zonas, nomeadamente na zona histórica, que não estão completamente resolvidas. E depois temos o problema eterno da electricidade, que é um problema gravíssimo. Porque os fios, as secções dos fios e as componentes, na maior parte das situações, estão no exterior. São plásticos que com o tempo se vão desfazendo, vão provocando curto circuitos, entram em aquecimento e incendeiam-‐se. E como a maior parte dos edifícios têm uma parte substancial em estrutura de madeira, é um perigo muito sério. Inês: Nestes casos havia uma estrutura de madeira? VM: Pode quase generalizar que todos os edifícios de Alfama, Mouraria, Castelo e zonas envolventes, têm paredes auto portantes em alvenarias muito brandas, de pedra, de tijolo, de cacos de tijolo e de cacos de telha, porque a maior parte deles são reaproveitamentos pós-‐terramoto e as divisórias em frontais de madeira. E ganharam novos pisos, inclusivamente, pós-‐terramoto, com situações ligeiras, recorrendo à madeira, que à partida parecem ser inteligentes e interessantes. O problema é que, com o tempo, não tiveram manutenção e apodreceram mais rapidamente, deterioraram-‐se. Porque os últimos pisos, normalmente, têm uma componente muito maior de madeira do que qualquer outro material. Ficando mais leves, com paredes mais estreitas, para ganhar área. E amarra-‐se depois às estruturas das coberturas de forma diferente. Normalmente o sistema é a cruz de Santo André. Quer nas paredes frontais intermédias, que fazem o travamento transversal, quer às vezes até nas próprias paredes exteriores, com um bom revestimento de reboco. Mas muitas delas são paredes de estrutura de tabique. E internamente, muitas vezes as divisões são feitas com tábuas, com pranchas de madeira ao alto. Ficam com alguma estrutura pelo meio, com alguma ideia de cruz de Santo André, ou até o que se chama de “tabique aliviado”, que são pranchas ao alto fixas aos tabuados do tecto e descarregam nos topos, “aliviando” as cargas centrais distribuídas habitualmente de forma contínua, e que naturalmente têm esse grande problema. E por último, há ainda um problema extraordinariamente mais grave, aparentemente apenas só em alguns casos, que são os xilófagos: o caruncho, a formiga branca, etc. O que contamina tudo. De todos os edifícios de que lhe estou a falar, 70%, para não dizer mais, estava impregnado desses animais selvagens que comem tudo. Inês: Enfraquecido por dentro quando por fora parecia que estava inteiro. VM: Há muitas situações em que ficamos admirados, em como é que a estabilidade ainda é possível. Porque no fundo, como isso é um sistema auto portante que vai amarrando tudo a tudo, não há pilar, viga ou laje… Eu posso dizer-‐lhe é que há equilíbrios desequilibrados. Todas as ruas estão equilibradas em conjunto. No dia em que cair um prédio, os outros sofrem todos. O primeiro tremor de terra que vier, a sério, hoje em dia, vai ser um problema grave. Porque a avaliar pela forma como a maior parte das
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construções estão, embora tenham bom aspecto por fora, a maior parte delas, no plano sísmico, não estão nada resolvidas. Mesmo com essas novas intervenções que procuram estabilizar a pré-‐existência. Nesta que nós fizemos na rua da Oliveirinha, que é uma construção que até paredes de terra tinha, e que nós nem suspeitávamos da sua existência, e de encontrarmos os estrados de madeira também contaminados, como na maior parte das paredes de tabique, e nós de ligação que já não existiam. É um milagre como aquilo tudo se aguenta. Portanto tivemos que substituir a maior parte, pelo mesmo sistema de cruz de Santo André, com secções mais consistentes e uniformes. Voltámos a usar exactamente os mesmos materiais e depois fizemos uns revestimentos quase que diria homogéneos no plano estrutural, com placas de viroc. O que tem uma grande vantagem, porque nos permite ocultar, no seu interior, as infra-‐ estruturas. É má de trabalhar, porque é muito pesado e é rijo para cortar, mas cria uma boa consistência à parede. Mas, lá está, refizemos praticamente todos os pisos, com estrutura metálica, nas zonas de águas, onde tivemos que colocar uma laje colaborante, ou laje mista de aço e uma esteira de betão, com chapa galvanizada. Basicamente, os edifícios quando vão para uma renovação desta natureza, temos que considerar que vão para uma remodelação profunda. Porque desta época, anterior ao terramoto, até aos gaioleiros de 1840 para cá, todos são materiais muito precários, muito frágeis, e muito danificados. Têm muitas infiltrações, os telhados têm repasses imensos, as águas furtadas estão todas deterioradas, abateram quase todas. Está cheio de mal feitorias, porque as pessoas vivem em espaços muito contidos e procuram melhores condições nem sempre da melhor maneira, porque normalmente constroem à conta das espessuras das paredes. Poem um lavatório, uma sanita, ou uma banheira, tiram uma parede estrutural e poem lá esse objecto. E o resultado depois é que fissura tudo e causa um perigo eminente. As secções das paredes não podem ser sacrificadas desta maneira. Inês: No caso do edifício que estou a estudar deparei-‐me com problemas de (des)organização do espaço, sobretudo nas formas de ligação entre os espaços, decorrentes das várias utilizações que o edifício teve, que nem sempre ocuparam o edifício todo. Encontraram problemas deste tipo? VM: Nalguns deles sim. Mas eu diria que isso pode ser um problema e pode não ser. Porque os edifícios têm ciclos. Têm ciclos de uso e de durabilidade. E é importante que as pessoas tenham consciência disso. Um edifício não é eterno. E não tem uma utilização eterna. Pode ter o mesmo tipo de funcionalidade, mas até os padrões de uso na habitação variam de século para século, de década para década, de moda para moda. As pessoas vão evoluindo e as novas exigências também vão impondo novas regras de habitabilidade. E os casarões normalmente têm esse inconveniente. Começam a ficar grandes demais para famílias muito pequeninas, e as pessoas vão isolando dentro do próprio edifício zonas de uso mais diário, outras só para visitas ou para quando vem a família, etc…E de repente está a velhinha sozinha em casa com 20 divisões. É insustentável. A “culpa” não é do edifício, a “culpa” é de não haver uso adequado para aquele edifício. Porque quando não há uso, não há manutenção. O que os edifícios devem, de vez em quando, “sofrer”, é uma reconfiguração, um reajuste, uma re-‐adaptabilidade a novos usos, quem sabe, um re-‐emparcelamento. Há situações de emparcelamento e de re-‐emparcelamento. Há divisão: um casarão pode dar um fogo, dois fogos, três fogos. E às vezes um fogo é tão pequenino que precisa de crescer à custa
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de outro que está ali ao lado, que está desaproveitado. Portanto as cidades mexem-‐se, o problema é quando isso tudo mexe de forma espontânea e mal calculada, no sentido em que não se mede todas as consequências. Como as pessoas que tiram paredes e esquecem-‐se que têm dois ou três andares por cima. Não dá, porque ao retirar uma parede, desajusta completamente o sistema estrutural. Como também no último piso não é muito pacífico com as coberturas que pesam muito, quanto mais quando as pessoas tiram paredes intermédias em pisos inferiores. Inês: E neste caso específico? VM: Neste caso específico houve um redesenhar das organizações. Vou dar-‐lhe o exemplo do Largo da Achada. Havia um edificiozinho que tinha três pisos, três inquilinos. E nós desse ediciozinho fizemos apenas um inquilino. Foi ao contrário, mantendo a escada no sítio em que estava, a cozinha redesenhada no sítio onde estava, e depois cada piso tem praticamente uma divisão. Uma para dormir, uma para comer, e outra para estar. Porque o espaço é tão exíguo que eu pergunto-‐me a mim próprio como é que era possível estarem ali três inquilinos. Estamos a falar daquela zona “tardo medieval” da Mouraria. Aliás tinha um edifício em andar em ressalto, do século XVI, ao lado, fabuloso. Em muito mau estado, nem sei se ainda existe. E é revelador das condições em que se vivia, que eram muito precárias. Há situações destas, como no Porto, conheço as chamadas “ilhas”, que são uma espécie de vilas operárias, em que havia o sistema da cama rotativa. Portanto as famílias eram tão grandes que dormiam à vez. E todos “em cima uns dos outros”. Eram espaços muito exíguos. E sempre que se mexe em edifícios desta natureza, tem que se reconfigurar. Porque as pessoas mexeram nas cozinhas, já não estão na mesma prumada. As casas de banho aparecem também de uma forma muito desligada umas das outras. Re-‐infra-‐estruturar um edifício aos “ésses”, como eu costumo dizer, é muito complicado, porque todo o centímetro quadrado é importante. Num edifício desta natureza, um centímetro quadrado conta. E conta mais no sentido de aliviar espaço, portanto libertar espaço, do que recompartimentá-‐lo. Penso que a perspectiva que se tem hoje do espaço de habitação está muito mais favorável à reabilitação de espaços dessa natureza, porque as pessoas já não necessitam, ou já não tem aquela fobia de ter o quarto de dormir, o quarto de hóspedes, a sala, a sala de jantar. Hoje em dia já somos capazes de viver todos num espaço. Inês: Voltamos quase um bocadinho ao Medieval. VM: Ao Medieval, com um zonamento bem distribuído, e com, se calhar, paredes de correr, biombos, o que quer que seja. Há uma nova forma de encarar o espaço de habitar. Porque o trabalhar em casa já é também uma nova realidade e as pessoas já partem mais para uma visão diferente dos espaços de habitar. Inês: Já em relação ao projecto, como se desenhou o programa (usos vs compatibilidade)? Quais eram os objectivos da intervenção e quais as principais restrições? Como é que foi possível compatibilizar a criação do programa e qual a metodologia utilizada precisamente para criar um programa que se adapte tendo um edifício existente? VM: Todos os edifícios têm uma entidade “encomendadora”, o cliente. Seja ele o Estado ou um privado. E portanto, quando vieram ter connosco, quer no caso da Oliveirinha, que é um cliente privado, uma herança
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de família, que era um edifício com três pisos mais sótão. E que era um edifício com três inquilinos em três espaços minúsculos. Só que passou a ter kitchenette em vez de ter uma cozinha fechada em cada piso. Passou a ter uma ideia de espaço amplo e fluido em vez de ter uma compartimentação muito rígida. E o dono actual, que é a neta do fundador ou comprador da casa, pediu-‐nos para, no último piso, fazer uma espécie de “penthouse”, com 50 metros quadrados, que é uma grande “penthouse”, como deve calcular. Devia ter no mínimo 500, não é? Ou seja, tem um “mezzanino” com uma vista deslumbrante para São Vicente de Fora. Que foi um sarilho, porque a regulamentação é muito rígida na área de protecção, mesmo do ponto de vista interpretativo. E por isso nós tivemos o projecto parado várias vezes até conseguir ajustar tudo até ao milímetro. Mas depois ao nosso lado, está tudo cheio de clandestinos que fizeram “tudo e mais um par de botas”. Essas coisas têm que ser repensadas de uma vez por todas, porque proibir por proibir quando o paradigma mudou, quando todos nós temos o nosso sentido de responsabilidade e de defesa do património. Não é com leis abstractas e proibicionistas que se resolvem as coisas. Foi uma pena nesse aspecto, mas conseguiu-‐se fazer o que foi possível. Lá está o espaço como um mezzanino, simpático, dando a ideia de um espaço muito maior quando continua a ser pequenino. Mas como ganha ali uma espécie de piso duplo com uma cobertura inclinada sobre esse espaço, criou uma plataforma onde cabe uma cama de corpo e meio, mais nada, e uma vista deslumbrante para São Vicente de Fora. É o preço de ter uma casa minúscula. Tem uma sala aberta para esse mezzanino, uma micro casa de banho e uma micro cozinha. Os outros por aí abaixo são só um piso e não têm pé direito duplo. Mas só para lhe dizer que as outras situações que temos de reabilitação de pequenos edifícios na Mouraria, todos eles vinham com, digamos, uma ideia de programa base definido: T0, T1 e T2. Foi a EPUL que patrocinou um concurso de reabilitação, projectos e construção e ganhámos integrados numa proposta conjunta com uma empresa de construção. Nós depois reajustámos face ao estado de ruína em que os edifícios estavam. Reajustámos as possibilidades. Há bocadinho esqueci-‐me de dizer uma coisa importante que tem a ver com a salubridade: Para além do problema da salubridade no plano dos esgotos, há também o problema da salubridade no plano da ventilação. Que nesses sítios, é um dos elementos mais perturbadores da conservação desses edifícios. No caso deste edifício da Rua da Oliveirinha, pelo facto de não ter alçado tardoz, só tem alçado para a rua, até ao último andar não têm ventilação transversal possível e daí o apodrecimento generalizado das madeiras na parte de trás. O que tentámos fazer agora foi uma ventilação transversal mas encanada, piso a piso, para o último andar. E com entradas, piso a piso, por debaixo das portas, no exterior e nas paredes, para ver se conseguimos ter um varrimento e uma renovação permanente de ar. Inês: Pois, mesmo que não seja em janela, pelo menos que o ar circule. VM: Exacto, é fundamental. Inês: A pergunta seguinte já foi entretanto mais ou menos respondida, dizia respeito aos objectivos da intervenção e às restrições.
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VM: A regulamentação é um dado que não deve ser um constrangimento, mas é na maior parte das vezes. Porque a legislação faz sentido. É importante termos regras, é importante sabermos onde estamos situados, onde nos movemos, qual é a ideia de conjunto. A primeira base fundamental na reabilitação do património é olhar à volta e dizer “não estamos sós”. Seja um monumento nacional, sejam edifícios de acompanhamento, sejam edifícios perfeitamente anónimos numa rua qualquer, há uma identidade cultural e socio cultural em seu redor. Ou de bairro, ou de quarteirão, ou de uma estrutura de uma zona de protecção. Enfim, há sempre uma entidade que dá a identidade ao lugar. E essa identidade é aquela que nos ajuda a termos perspectivas de enquadramento para aquilo que iremos fazer. E como a maior parte das intervenções procura “apagar” o mais possível a intervenção do arquitecto, ainda mais procuro essas referências para me ajudar a deixar de ser arquitecto no sentido da visibilidade e ser profundamente arquitecto no sentido da compatibilidade e integração da intervenção. Quer no exterior quer no interior. Principalmente quando é possível libertar espaço de quarteirão interior, libertar os logradouros que estão sempre muito sacrificados com mal feitorias e com clandestinos por tudo quanto é sítio. Uma pessoa às vezes olha para dentro de um logradouro e imagina que poderia ser um jardim extraordinário para aproveitamento de todas as pessoas, e cada um tem o seu barraco, e isso é que é triste e não serve a ninguém. Os barracos não acrescentam nada à casa, e estão muito degradados, porque estão construídos uns em cima dos outros, não apanham sol, não apanham ar, quando chove é uma desgraça, etc. As coisas vão melhorando, eu não quero ser pessimista porque acho que as coisas estão a melhorar e que há um esforço muito grande das Câmaras, das Juntas de Freguesia, dos arquitectos. Os arquitectos, apesar de terem pouco trabalho, cada vez são mais intervenientes nos últimos anos, e têm feito um trabalho interessante. Tem-‐se feito muito trabalho, e os arquitectos, por exemplo da Câmara de Lisboa, são muito bons arquitectos, que não tendo uma prática intensa de projecto, têm uma prática profissional de gestão que é muito importante. E, tirando os casos de fundamentalismo, que penso que também foram muito condicionantes e desgraçadamente tiveram demasiada importância na formação de leis muito blindadas, que não permitem a sua renovação, sem ser através do Plano Director Municipal. Há bocadinho dizíamos “quando as famílias eram grandes, as casas eram grandes”, e depois começaram a reduzir as zonas habitadas até que ficou a velhinha sozinha em casa. Nós temos esse problema na cidade, temos esse problema a nível global. A regulamentação foi tão fundamentalista, com medo dos “patos bravos” que há trinta anos atacavam como formigas brancas os centros históricos. Essas leis foram tão negativas, que mataram os “patos bravos” e os que não eram “patos bravos”. Matou tudo. As obras clandestinas e os seus responsáveis são os que ficam. Porque a maioria recusa-‐se a viver nas cidades sem condições de actualização dos imóveis. Resultado: engordou tudo o que é periferia, tudo o que é desgraça nos arredores da cidade. Inês: E construiu-‐se a mais também, tendo edifícios devolutos no centro. VM: E em sítios magníficos! Viver novamente a cidade será um encantamento. Tem é que se criar condições, tem que se anular essas ideias tão fechadas de Património.
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Inês: Tendo em conta todo o contexto e restrições qual foi a(s) filosofia(s) da(s) intervenção(ões)? Isto é, quais os princípios ou pontos de partida para o(s) projeto(s)? VM: Como para todos os outros. A olhar, conhecer o mais profundamente a realidade que se vai tratar. Fazer o tal enquadramento social e cultural da envolvente. Perceber onde se está, antes de correr qualquer tipo de risco. Portanto é preciso conhecer a integridade do edifício, o estado de conservação, a sua história, o património integrado, se tiver: azulejo, cantaria, qualidade do reboco, tipo de tinta, madeiras em presença, mosaicos hidráulicos, etc. Tudo isso conta-‐lhe a história, a origem e as transformações que o edifício teve. Às vezes as transformações são mais ricas que o próprio edifício. Mas na maioria das vezes não é assim. Temos transformações desgraçadas, feias, mal feitas, que penalizam imenso os edifícios. Mas às vezes há surpresas. Já intervi em edifícios que tinham sido intervencionados por outros arquitectos e bem! Noutras épocas. Estou a lembrar-‐me de um palácio que recuperei em Almada, do século XVII e XVIII, e de repente tinha uma intervenção dos anos 40, em déco, na capela, num sítio onde aparentemente tinha que desarrumar aquilo tudo porque tinham feito uma casa de banho por cima do adro e ao lado do coro alto. E é de tal maneira qualificada, que se revela uma memória tão interessante, com os mármores que lá tinha, que limitei-‐me a tirar as peças sanitárias e ficou tudo o resto. Os mármores, os pavimentos. Não deixa de ser uma casa de banho, mas é uma excelente casa de banho. Fiz bem ou fiz mal, alguém ajuizará. Daqui a vinte ou trinta anos, ou amanhã, que foi um disparate e que devia ter tirado tudo e voltado ao século XVIII, como era. Inês: É a eterna questão: porque é que uma intervenção dos anos 40 é menos qualificada que a outra ou tem menos valor. Cada época tem a sua maneira de intervir. VM: É verdade, mas eu também não sou crente na acumulação como método na salvaguarda do património. Há intervenções em que é preciso perceber que têm validade ou não têm, tanto no plano da ética da intervenção, da estética, no plano histórico, etc. Mas, só porque existem, não quer dizer que tenham valor no contexto em presença. E tudo isso é muito relativo, porque de repente toda a gente passou a dizer: “Ah não, património é até à actualidade! Tudo é património.” E quando você tem um programa, tem que o fazer cumprir, avaliando se é justo para aquele edifício. Tem um obstáculo pelo caminho, é uma casa de banho anos 40, condiciona-‐lhe uma coisa mais ambiciosa no contexto do projecto, se calhar este, vai para o lixo. Ali, houve possibilidade de a compatibilizar, porque não incomodava e porque bastou tirar-‐lhe as peças sanitárias e continuou a ser uma zona de passagem como era antes, de ligação do coro alto. Mas repare bem, foi possível repor novamente a ligação, mas se não fosse, ia provavelmente para o lixo. Eu julgo que há uma coisa que se chama “camadas de sacrifício”, que são aquelas que você retira dos edifícios em favor de qualquer coisa considerada indispensável. É nessa procura de equilíbrio que você faz a sua intervenção, que a redimensiona, que a pensa, que a questiona. E que na sua disciplina mental tem sentido ou não tem. É evidente que toda a gente que mexe em património devia ter conhecimento das cartas da Unesco, de todo o desenvolvimento que tem existido de
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décadas a fio de pensamento na área da reabilitação e conservação de património, das experiências já executadas por muitos e bons arquitectos, etc. Entender, e tirar daí ilações. E cada um interpreta à sua maneira. Penso que não há “cartilhas”, recuso-‐me a seguir uma “cartilha”, mas não posso de maneira nenhuma ignorar quem pensou antes de mim, e que provavelmente pensou muito bem. Inês: Há sempre o saber teórico e depois cada caso é diferente. VM: Mas o saber teórico só serve para equilibrar as intervenções. São parâmetros, não são leis absolutas. Mesmo as leis devem ser interpretadas, em função da realidade. Inês: Ao longo da(s) obra(s) foram encontradas novas restrições que não foram logo perceptíveis no início? Como afectaram o(s) projeto(s)? VM: Sempre, sempre. Afectam, acima de tudo, a questão da carteira. Por muito perspicazes que os arquitectos e os engenheiros sejam, e seguramente são (têm treino de muitos anos para lidar com isto, e já quase que adivinham o que está por detrás de um problema), há sempre coisas ocultas. Por exemplo, tudo o que está no subsolo é uma surpresa, desde as arqueologias pesadas às arqueologias menos condicionantes, como também infra-‐estruturas, etc. Mas com certeza que há muita coisa oculta numa obra. Inês: Nestes casos, na Rua da Oliveirinha ou no Arco da Achada, houve alguma situação mais relevante? VM: Olhe, lembro-‐me da que fizemos com o Adalberto Dias, em que apareceu inclusivamente uma atafona, que é um moinho. Nessa época antiga estava integrada numa fábrica de curtumes e perto dos cais marítimos. Sempre que se faz um buraquinho no chão, aparece Roma Antiga. Portanto, aí apareceu a surpresa. Nos outros edifícios, o que nos apareceu foram elementos de cantaria de enchimento das paredes, e um deles ficou à vista por ser minimamente interessante como memória. Na Rua da Oliveirinha foi um sótão completamente esquizofrénico, de sobreposições de madeiramentos. Nunca tiraram os madeiramentos, foram pondo cada vez mais, foram subindo, mas por sobreposição de estruturas. São surpresas, aí foi só desmontar, não foi difícil, mas teve custos não previstos. Inês: Tendo em conta a situação inicial do edifício, quais as principais características que foi possível manter? E quais as que tiveram que abdicar? Por que motivos? VM: Em todos eles a expressão arquitectónica ficou intacta. O edifício no exterior ficou intacto. E como nós recusamos a reabilitação pela fachada, ou seja, o Fachadismo, todos os estrados de madeira foram mantidos, retirando o mínimo possível, mesmo quando o mínimo parecia o máximo, de madeiras contaminadas. Mantivemos as ligações antigas dos madeiramentos, que eram madeiramentos com secções muito grandes, castanho antigo, pinho antigo. De má qualidade, ou provavelmente de segunda, como se costuma dizer, mas numa perspectiva de manter a identidade do edifício, procurámos que o interior correspondesse ao exterior. As escadas ficaram sempre, não só no seu aspecto, mas nos próprios materiais, estruturais e de revestimento, tentámos manter o máximo possível.
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Inês: E quais as que tiveram que abdicar? VM: Paredes interiores. Não porque as quiséssemos tirar, mas porque elas próprias estavam em colapso na maior parte das vezes. Noutras, porque deu jeito tirar, porque se criou uma outra identidade espacial. Não havia elementos de património integrado valioso nestes casos. Nem frescos nem azulejos, etc. Estivemos a reabilitar uma quinta em Almada, onde aproveitamos dezenas e dezenas de azulejos que estavam pintados com tinta de óleo por cima e dispersos. Conseguimos recuperar uma parte deles e fazer dois painéis que pusemos nas paredes de uma grande sala, que ficou com um ar de parede “atapetada”. Mas é um pouco repor a memória do edifício com coisas que já não se sabiam de onde eram, que estavam dispersas, que eram rodapés, lambris e tudo em cacos. No exterior, quando escavámos o quintal, apareceram ainda mais azulejos. Inês: No nosso palácio temos uma fonte com uma grande parte forrada a azulejos, mas nenhum é igual a outro. São soltos que foram colados e que vêm de outros sítios. Nuns vê-‐se que eram letras, mas estão todas soltas e dispersas. VM: Engraçado agora é fotografar, pôr no computador e tentar reconstruir a palavra. Inês: Em relação à questão construtiva, foi possível manter o sistema estrutural da situação inicial? VM: Foi, foi reforçada. São paredes de alvenaria que foram reforçadas com uma espécie de bainha, com uma grelha de rede distendida, e uma argamassa muito específica para manter a rigidez da parede em termos verticais e para permitir que se fizessem novas pregagens para ancorar cantoneiras para apoiar as lajes colaborantes e para fixar as estruturas de madeira que estavam desligadas das fachadas. As madeiras normalmente apodrecem junto às fachadas, porque é onde entra a água. Ou porque entra pela caixilharia, pelos parapeitos, ou porque entra mesmo lá por cima, pela cobertura e vai lavando as paredes interiormente e a podridão apodera-‐se dos madeiramentos que entram nas paredes. Portanto aí tivemos que fazer em empalmes, que é seccionar a madeira danificada e integrar troços de novas madeiras, aproveitando as velhas. Isto foi genericamente em todos os casos, e poucas coberturas se conseguiram aproveitar na íntegra. Quase todas se tiveram que desmontar, e muitas delas já eram novas coberturas, (ou seja, refeitas há 40 ou 50 anos) e compostas por secções muito esbeltas, muito frágeis. Tivemos que as reforçar. Inês: Neste caso das coberturas, que materiais é que utilizaram? VM: Madeira, com algum ferro, algum aço nos rincões, para as manter estáveis. Fizemos estruturas de madeira apoiada numa estrutura de aço primário. E depois usámos telhas metálicas com corte térmico enquanto subtelha, que ajudam também a uniformizar ou a homogeneizar estruturalmente toda a cobertura de madeira. Porque são grandes telhas de aço, com poliuretano expandido “em sandwich”, que são aparafusadas à estrutura de madeira. Chegam a ter um metro por seis de comprimento (ou 5,5 ou 7 de
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comprimento), todas ao lado umas das outras. Não só garante a estanquicidade, se se partir alguma telha cerâmica colocada por cima, como dá a tal uniformidade ao sistema. Nas paredes foi utilizada uma rede metálica distendida. Tem a expressão de losangos, é feita a partir de uma chapa através de um cunho, e após uma “repuchagem” ela abre. Fica com uma resistência muito forte. Usamos também a rede de capoeira nalguns sítios, só que temos uma grande condicionante quando se usa aço não tratado, não se pode usar argamassa de cal, porque a cal queima o ferro. Nós usamos quase sempre a cal, muito raramente usamos outro material que não seja cal e areias com várias dosagens, dependendo do que temos em presença. Inês: E neste caso, com este tipo de rede de capoeira, não se pode usar a cal? VM: Usamos um salpico primeiro em cimento, com alguma cal hidráulica e areias finas. Ou umas argamassas projetadas já pré fabricadas, que depois recebem os acabamentos finais à base de cal, e por fim o estuque. Inês: Qual a compatibilidade destas técnicas e materiais com o existente? VM: O importante é estudar minimamente a pré-‐existência e verificar o que é que tem de materiais. É como olhar para o edifício e ver, no plano arquitectónico e da expressão, o que é que tem: tem cantaria, tem pedra, tem azulejo, etc… Quando parte para uma visão mais focada, você diz “Tem aqui rebocos, vamos lá ver qual é a constituição desse reboco?”: Tem muita cal, tem pouca cal?; Já tem cimento?; É preciso tirar as zonas de cimento?; O que está por baixo?; Está uma alvenaria de pedra?; Está uma alvenaria pobre, muito mista?; Está uma alvenaria de tijolo?; Está madeira?; O que é que lá está? Portanto, o que está é aquilo que vai condicionar o seu reboco. Portanto é bom aprender com o que lá estava antes, porque se lá estava é porque era compatível. Se puder analisar melhor. Se puder ver se tem uma percentagem de areia muito elevada, em face da cal em presença, se tem só uma qualidade de areia e pouca cal, se tem aquela areia de saibro que os pedreiros dizem que tem muita goma, etc. Isso é muito importante ver. A prática corrente é infelizmente, descascar o edifício de cima a baixo, e rebocá-‐lo de novo de cima a baixo, com novas argamassas, prática que os empreiteiros gostam muito de fazer, porque acham que assim se uniformiza tudo. O que normalmente dá asneira, porque ou estudaram muito bem quais são as (in)compatibilidades da argamassa, e o melhor mesmo é encontrar o traço adequado através de experiência numa parede virada ao sol durante o maior tempo possível. Para ver se há compatibilidade e se as argamassas se comportam bem, nomeadamente a fissuração. E um pouco empiricamente se vão afinando os traços. Se é para fazer um reboco integralmente em cimento, então é esquecer, porque é uma questão de tempo, ele há-‐de cair às postas, como eu costumo dizer. Fissura, descola, cai e parte. Porque não é compatível com a base. Mas isso reflectir-‐se-‐á em função da situação que estamos a avaliar. Os exemplos são diversos, um Palácio é um Palácio, em geral muito qualificado, bem construído, com bons materiais, enquanto que nos edifícios correntes, como os das nossas intervenções, tudo era aproveitado, com muitos traços e em diversas intervenções. Já existia um reboco unificador de cima a baixo. Nem por
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pisos. Estava cheio de rebocos de cimento, que é um grande problema. Socos enormes em baixo que vão descolando. Você bate com a costa da mão e ouve-‐se o som oco. Em relação à argamassa colocada sobre a rede metálica, isso é uma argamassa estrutural, faz parte da estrutura. Antes de colocar a malha metálica, tem que limpar e lavar a parede muito bem. E tudo o que está solto sai. Digamos que fica com o “osso da parede”. Tem pedra, ou tem tijolo, ou tem tijolo e pedra, mas está limpinha. E não tem argamassas soltas nas juntas, nem alvenarias saídas. Estão todas à face, para encostar a rede distendida, com “pregos”, ou ferrolhos. Quando eu digo pregos, não são pregos de carpintaria. São varões que entram e amarram com arames a própria rede. Ou então é soldada nalguns casos. E por vezes recorre-‐se a uma máquina de projetar argamassa, então procede-‐se manualmente à colher. Salpica com argamassa não muito líquida mas também não muito sólida, para penetrar nos buraquinhos da rede e nas alvenarias que estão atrás, de modo a se criar uma aderência em profundidade. Uma boa parte dessas argamassas tem um coeficiente de cimento significativo, para proteger a própria rede de ataques químicos da cal. São argamassas muito industriais que hoje em dia vêm preparadas e se preparam em betoneiras em estaleiro próximo. Tem que estar num estado semi líquido, senão a bomba não a puxa. Se é a partir de uma betoneira dentro da obra e é você que está a prepará-‐la, depende da capacidade do pedreiro ou do mestre que está a prepará-‐la. Quando essa tarefa está terminada e tem 3 ou 4 centímetros de espessura, você tem o edifício “embainhado”. É esta argamassa que dá resistência aos materiais que estão por trás, constituindo-‐se numa unidade estrutural. Mesmo no caso de paredes muito fracas, com alvenarias muito brandas, ganham uma consistência e uma rigidez extraordinária. Esta solução permite apoiar novamente a essa parede, os estrados dos pavimentos e dos tectos. Inês: Eu vi umas imagens do Quarteirão B em que tem uma parte com uma estrutura metálica, com uns varões metálicos. Sabe como isto foi feito? VM: Todos os pavimentos passaram a ser, não em madeira, mas em laje colaborante. Por isso é que aparece a estrutura metálica. Inês: Só nos outros casos é que se manteve a madeira então. VM: Exato, o Quarteirão B foi todo desarmado. Ficaram só as paredes à volta. Porque é um outro tipo de intervenção, porque tinha colapsado por dentro. Era insustentável, não foi uma opção de desmontar o edifício. Ele próprio se auto implodiu, infelizmente. Porque esteve muitos anos abandonado. Lembro-‐me de um dos fogos que tinha a particularidade de ter um daqueles inquilinos que leva, todos os dias, dois ou três ou quatro sacos de roupa e de lixo que apanha na rua. Toneladas de lixo lá dentro! Eu não sei como é que ele entrava dentro de casa e comia e dormia. Era até ao tecto. Não tem ideia, era uma coisa alucinante! Inês: Por fim gostaria de lhe fazer uma pergunta mais geral. Tendo em conta as teorias e recomendações para o restauro e a reabilitação, em que surgem conceitos como a autenticidade histórica, material, estética e a identidade do edifício, e, por outro lado, questões de segurança
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estrutural, de financiamento e de legislação, que podem por vezes condicionar a preservação do elemento histórico, qual é, na sua opinião, a forma de encontrar um equilíbrio na intervenção? Qual é habitualmente a sua estratégia em projetos deste tipo? VM: A primeira coisa é saber para que é que querem o edifício restaurado? Para que é que serve o edifício? Há um conhecimento real e objectivo do restauro do edifício? Até pode ser para não ter nada, mas tem que se ter essa consciência. A primeira coisa é saber com que finalidade se quer reabilitar o edifício. A seguir, é saber com que meios? Que meios é que se tem? Portanto, primeiro o uso e depois o dinheiro necessário para o reabilitar. E depois, quanto pretendem gastar para manter o edifício? Que é uma das coisas que nunca se pergunta. E é algo que é fundamental, porque eu posso ter muito dinheiro agora e depois da obra concluída posso não ter nenhum. Eu tenho que ter um uso adequado ao edifício, de preferência duradouro. Para ser duradouro, tem que se ter a capacidade de se auto regular a manutenção futura e para pagar tudo o que é manter o edifício. E manter o edifício não é só pagar as contas da água, da luz, do gás e do IMI. (o que já é muito). É preciso mantê-‐lo. Reabilitar por reabilitar ou restaurar por restaurar é muito pouco hoje em dia. Pode dizer-‐me: “assim os edifícios históricos vão-‐se perder, para que é que servem os castelos e tantos museus que temos aí de porta fechada?” É verdade, mas isso é uma consciência nacional de edifícios considerados prioritários e identitários da nossa vida e história cultural. E se houve essa vontade de, com dinheiros públicos, os manter, no estado em que estão, compreende-‐se, podendo contudo discordar. Mas do que eu me lembro, trabalhei dez anos nos monumentos nacionais, todos os anos se fazia provavelmente um terço do que era necessário fazer para manter os edifícios históricos, mas existia critério, face ao orçamento e às prioridades. E, mesmo assim, mantinham-‐se. Estou a falar de edifícios históricos protegidos. Outra coisa é um privado. Um privado que tem uma casa de família, se não tiver dinheiro, o que é que faz? A questão é sempre o dinheiro e o uso. Eu não separo as duas. E depois há o critério de conservação, de restauro ou mesmo de reabilitação. Que é a outra coisa que é fundamental. Qual é o critério de restauro? Inês: É aí que entra a tal autenticidade. Histórica, material, estética, identidade, etc. Até que ponto se intervém, quais é que são os níveis de preservação, etc. VM: Vejo com frequência intervenções em edifícios históricos públicos e privados. Apesar de valiosos bons exemplos de intervenções em históricos extraordinários e que se mantêm propriedade privada, ou porque são heranças de família ou porque foram comprados. De um modo geral não se verifica o entendimento mínimo e admissível do que é intervir, num edifício com essas características e não exatamente como um edifício de construção civil vulgar. Por vezes chega-‐se ao ridículo de “abonecar”, de se inventarem expressões parasitas: “ai que eu tenho aqui um palácio, até parece um castelo, vou lhe por mais umas ameias”. Portanto um outro factor fundamental, que é a consciência da intervenção. Você tem que saber: Porque é que vai intervir, qual é o programa, para que é que serve, com que dinheiro, como é que se vai manter e, no meio disso tudo, ao restaurá-‐lo, com ou sem ética de intervenção. E você diz-‐me assim: “não tem nada a ver com isso, eu sou dona do meu palácio, faço o que quiser.” Está bem, então não me peça opinião técnica. Mas como cidadão, que passo lá todos os dias à porta, e vejo que é uma muito má
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intervenção, lamento. Porque há uma coisa que se chama a consciência pública. A consciência pública, que é um valor abstracto, que eu nem sei se existe, confronta-‐se com as intervenções dissonantes que afectam o espaço colectivo. Mas é aquilo que normalmente as pessoas dizem: “Ah que sítio tão bonito. Ah Belém é tão bonito. Ah Alfama é tão bonito.” Porquê? Porque há uma unidade, há uma antiguidade qualificada. Na abstração máxima, as pessoas, com a formação que têm, dizem: ”Isso é muito antigo, é do tempo dos Romanos.” É tudo do tempo dos romanos, é tudo de um tempo referenciável a... A pessoa tem aquela consciência. Os que estão lá dentro dizem: “olhe venha para cá você viver”. Tudo depende do ponto de vista. De quem vê, de quem está e de quem vive. Portanto, o Património vive de todas essas relações. Interessa-‐me muito pouco falar do grau cultural da intervenção antes de tudo isso que acabei de dizer estar minimamente assegurado. O uso, o financiamento, a manutenção, etc. E, sobretudo, também, o que é que eu estou a devolver à sociedade com esta intervenção. É para mim? É para uso pessoal e fica na esfera do privado? Uma intervenção abrange naturalmente também o espaço público, o interesse colectivo, por isso não se isola do contexto. Inês: E a maior parte das coisas dão para a rua... VM: Essa relação entre público, privado é aquilo que o regulamento proibicionista ainda mediar. Mas isso é o que me importa menos. Eu continuo a dizer que a lei existe, deve ser respeitada, é importante, é um referencial quando interpretado com sensatez. O que me importa é o grau de “educação” e de formação de quem intervém, de quem é proprietário e de quem devolve à cidade os edifícios intervencionados. Seja para uso público, semiprivado ou totalmente privado. Porque quando dizemos que os edifícios classificados têm que ser protegidos, é verdade que a classificação protege os edifícios, mas por via do excesso de zelo, também os mata. Muitas das vezes porque condiciona muito as pessoas, que se sentem desprotegidas. Acham que por terem um edifício classificado deveriam ter certos direitos do Estado ou das Câmaras. Em alguns casos têm, estão isentas de impostos. Noutros casos, querem fazer uma adaptação do edifício às suas necessidades, e as condicionantes são de tal ordem, que a pessoa vive num inferno, segundo o seu ponto de vista. Não podem tirar uma janela que mete água e que é de madeira, porque está numa zona histórica. E o vizinho já pôs uma de alumínio e é bestial, e não entra água. Eu não estou a dizer que concordo. Estou a dizer é que as pessoas se sentem penalizadas. É esse passo que a lei não conseguiu dar ainda. Exige-‐se uma maior equidade da lei, uma coisa é salvaguardar-‐se o interesse global, mas ao não se salvaguardar o particular, que é quem paga a manutenção, fragiliza-‐se o objectivo pretendido. A entropia estará na profunda clivagem da lei entre ela e a quem se destina. Há bocado falámos daquela fachada que era bestial. Então o proprietário diz: “Então estou a pagar a fachada para regalo de toda a população. Acho óptimo. Todos os anos tenho um acréscimo de x para manutenção, para pintar a caixilharia, quero pôr um vidro duplo e não me deixam. Como é? A Junta de Freguesia vem cá todos os anos pagar a pintura da caixilharia, a energia, o consumo a mais?”. Esses conflitos pequenos/grandes, que aparentemente não deveriam acontecer na sociedade porque cada um de nós se compromete com a sua
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parte, acontecem e tornam-‐se em factores de perturbação sociocultural de uma comunidade com “contaminações” incontroláveis. E numa sociedade em empobrecimento acelerado como estamos neste momento, a maior parte desse património vai ser penalizado. Os ciclos económicos, a vida como ela é, aquilo como nós sempre a interpretámos, o Património, não é uma coisa estática. Está sempre a mexer e a lei não permite que ela mexa e que se reajuste, como se a sociedade não se movesse. É um drama. Eu acho que o maior drama neste momento do Património é o fundamentalismo da lei, desajustada da condição social a que deveria responder. É muito fácil pôr num papel “Faça o favor, volte a pôr a janela em madeira.” É fácil, quando o dinheiro não é o nosso. Inês: Por exemplo, há aqueles casos como o Palácio Fronteira, que é claramente bem sucedido porque o próprio dono tem interesse na manutenção. VM: O Palácio Fronteira foi uma das experiências mais extraordinárias. Durante aproximadamente 7 anos, em períodos intercalados, caminhei quase todos os dias para lá, às vezes incluindo Sábados. Foi uma relação extraordinária com o proprietário, que é um homem de uma cultura geral extraordinária e de um interesse imenso na preservação do património, uma pesada herança familiar, que pretende legar após criteriosas intervenções. Foi para mim, a maior experiência entre o dono da obra e o arquiteto. Não sei se terei outra igual. São situações muito especiais. Como tenho trabalhado para o Estado, uma entidade muito abstracta, como interlocutor. E que de um modo geral também correu sempre muito bem, porque, na maior parte das vezes, o Estado não se interpunha, porque não existe como pessoa, e ficamos mais dependentes da nossa própria consciência. Com o Sr. Marquês, era eu próprio que ansiava por irmos à obra, e ele sentava-‐se e discutia comigo, no plano da discussão intelectual, o que se ia fazer. Há uma discussão teórica, preparatória daquilo que se vai fazer. Há uma exigência técnica e consciência perante o acto de intervir. A qualidade dos intervenientes, a forma como se trata das pessoas que estão a intervir, sejam pedreiros ou carpinteiros, é determinante para o êxito da intervenção. Estávamos a elevar a intervenção para um patamar que não é habitual no nosso país. A nível de dono de obra. É evidente que há grandes intervenções de Património em Portugal de grande sucesso, mas poucas privadas. O êxito das intervenções depende das qualidades profissionais e da ética pessoal dos que estão envolvidos na reabilitação e dos que representam o dono de obra, que pode ser o Estado ou pode ser outro proprietário qualquer. Inês: Obrigada.
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c) Arquiteto Alexandre Marques Pereira Inês: Eu sou estudante finalista de Arquitetura na FAUTL e estou a elaborar um projeto de reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima em Mafra apoiado por uma dissertação em que exploro os temas associados a uma intervenção deste tipo. Num capítulo desta minha dissertação escolhi algumas obras que pretendo estudar e comparar no âmbito da reabilitação tendo em conta as opções tomadas e os motivos dessas opções. Escolhi para este corpus de análise o seu projeto Biblioteca Casa Mantero que me parece ser um interessante caso de estudo neste contexto. Inês: As minhas primeiras perguntas relacionam-‐se com a situação em que encontraram o edifício a reabilitar. Quais eram as suas principais características facilmente perceptíveis? Qual era o seu estado geral de conservação? Quais as principais anomalias presentes? AMP: O estado geral em que encontrámos a Casa Mantero era péssimo. Houve um concurso em 1996 em que a ideia era recuperar a casa para biblioteca e também o jardim. A casa tinha sido comprada pela Câmara de Sintra cerca de 20 anos antes, e não tinha sofrido qualquer manutenção -‐ não tinha telhado e as paredes estavam em péssimo estado, o que com o clima de Sintra transformou a casa numa ruína autêntica. O jardim, como os jardins de Sintra, tinha potencial. Fazia parte dos pressupostos do concurso a recuperação da casa, que era relativamente pequena, e não era suficiente para a biblioteca. Assim os dois corpos novos foram implantados numa cota alta, uma vez que a topografia é muito acentuada, e feita a ligação à casa, que também era outro dos pressupostos do concurso, era que tinha de haver uma ligação entre a Casa Mantero recuperada e o edifício novo. A casa é um pequeno palacete. Houve uma característica que me chamou a atenção, quando lá fui na altura do concurso, na área em que agora é a galeria: como o pavimento do 1º piso tinha caído via-‐se tudo até à cobertura, em duplo pé direito, e daí surgiu a ideia de preservar essa altura para dar alguma dimensão ao espaço. Quanto ao exterior a ideia foi recuperar, não para repor como era dantes mas para preservar o carácter da casa e da zona, até porque a casa e o jardim funcionam como o remate da correnteza em que se insere. Não se pretendeu repor como era dantes, até porque o programa era diferente, uma vez que inicialmente destinava-‐se a habitação e agora se pretendia, pelo concurso, colocar um pequeno café e uma galeria – um programa um pouco vago. Por isso a ideia era recuperar a casa por dentro, mantendo, não mexendo nos pés direitos, porque como era uma ruína não havia nada por dentro, com uma correspondência para a fachada, para que a fachada não funcionasse como um cenário, sem qualquer ligação ao interior. A ideia era recuperar mantendo qualquer coisa do carácter do que seria uma casa do principio do séc. XX finais do XIX.
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Inês: No caso do edifício que estou a estudar deparei-‐me com problemas de (des)organização do espaço, sobretudo nas formas de ligação entre os espaços, decorrentes das várias utilizações que o edifício teve, que nem sempre ocuparam o edifício todo. Encontraram problemas deste tipo? AMP: Não tivemos esses problemas porque só existia a casa (existiam também uns anexos, umas garagens, que encontrámos e que foram todos destruídos). Relativamente ao jardim foi essencialmente feito um trabalho de limpeza e os percursos,, as árvores mantiveram-‐se quase todas, não houve nenhuma árvore nova que lá se implantasse, aproveitou-‐se as árvores que já lá estavam, mantendo a ideia de bosque típico de Sintra. Inês: Já em relação ao projecto, como se desenhou o programa (usos vs compatibilidade)? Quais eram os objectivos da intervenção e quais as principais restrições? AMP:O programa foi-‐nos dado – biblioteca pública municipal para adultos e crianças, com os respectivos espaços técnicos e apoios. A opção foi desde o início que a biblioteca funcionaria apenas na parte nova e não na casa. Depois tem uma ligação, o bar, uma galeria; e os outros espaços foram desenhados de forma a que tivessem possibilidade de adaptação a várias funções, mantendo a versatilidade. O resto do programa foi cumprido nas áreas novas. Os objectivos eram a recuperação da casa, quinta e jardim e implantação da biblioteca, como já falámos. A restrição era o sítio, que tem uma topografia muito acentuada, com grandes desníveis, como a maior parte das coisas em Sintra, o que é uma dificuldade mas também era a qualidade da localização, porque permite ter uma vista privilegiada sobre a serra e sobre a vila. Assim o que fizemos foi tirar partido da adversidade, do terreno, da topografia, e do programa, que tinha uma certa complexidade. Partindo das várias ideias e pressupostos optámos por instalar a biblioteca na parte mais alta do tereno que era o espaço mais livre do terreno -‐ quase não tinha árvores -‐ acho que só se deitou uma árvore abaixo – e assim o objectivo foi gerir esses limites e tirar o melhor partido deles. Inês: Tendo em conta todo o contexto e restrições qual foi a filosofia da intervenção? Isto é, quais os princípios ou pontos de partida para o projeto? AMP: A ideia geral do projecto foi construir uma biblioteca que estivesse muito ligada com o exterior, a dois níveis: a paisagem próxima -‐ o bosque, e a paisagem distante – as vistas sobre a vila e a serra e depois com a topografia. Pretendeu-‐se não só uma relação visual mas também um contacto real, com a possibilidade de entrar e sair do espaço. Daí a ideia de implantar a biblioteca na cota mais alta do terreno. Como a casa Mantero está cá em baixo foi necessário gerir a diferença de cotas, o que levou àquela distribuição no terreno com comunicações horizontais e verticais, e com várias entradas aos vários níveis, uma cá em baixo e outras entradas distribuídas pelo percurso pelo jardim. Eu sempre lutei por essa relação aberta ao exterior, possível graças aquela implantação, que se deve à inteligência do dono de obra,
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a Camâra Municipal de Sintra, que escolheu aquele sitio. Penso que hoje em dia talvez não fosse possível, uma localização tão boa. Essa disposição ia um pouco contra certos princípios das bibliotecas públicas, e por isso aquele projecto demorou tanto tempo, porque foi necessário convencer, não o cliente, a Câmara de Sintra, que estava de acordo com a proposta, mas o Instituto do Livro, que entendia que a biblioteca devia ser mais fechada sobre si própria, só com uma entrada. Eu sempre defendi que devia ter várias entradas e acho que resultou bem, o que é bastante perceptível pelos utilizadores. Inês: Ao longo da obra foram encontradas novas restrições que não foram logo perceptíveis no início? Como afectaram o projeto? AMP: Sim. Houve restrições tanto na parte recuperada como na parte nova. Relativamente à recuperação, não havia um levantamento, e por isso este teve que ser feito para perceber como aquilo estava e para saber a história do espaço, o que não foi fácil. Além disso puseram-‐se problemas técnicos e construtivos, do ponto de vista da reabilitação, porque foi a primeira obra que eu tive em que esses problemas da reabilitação se puseram, depois fiz outros como o palacete do relógio, no Cais do Sodré. Por exemplo havia sítios em que só existia metade da parede da fachada: como a reconstruir? Havia paredes de alvenaria, que aqui no sul não são de boa qualidade, e que tiveram que ser reconstruídas; por dentro teve que se construir uma parede de betão, que circundava todo o interior, e tinha depois as lajes e coberturas, para dar estabilidade e segurança anti-‐sísmica, e havia o problema de a ligar ao resto da estrutura. Houve a questão da reconstrução de algumas alvenarias, mas mesmo em relação às alvenarias existentes havia necessidade de as consolidar, porque tinham muitos ocos. Outra questão foi a dos acabamentos: sempre tive a ideia de fazer os acabamentos com rebocos de cal, em vez de rebocos de cimento. Eu tinha ido aos países nórdicos na altura, para visitar bibliotecas e outros edifícios recuperados, e fui a centros históricos e vi que a recuperação era feita sempre com rebocos de cal com pigmentos, em vez de pinturas. E foi isso que fizemos, com o acompanhamento do Arq. José Aguiar, que é especialista no assunto. Claro que nada disto estava previsto no concurso, e só em obra tivemos que resolver os problemas de construção que surgiram, o que foi um grande processo de aprendizagem. E as surpresas foram estas, foi começar a ver que aquilo estava tudo podre, quer dizer aquilo estava com muito mau aspecto, mas uma coisa é o aspecto, até dava um ar romântico, mas depois a questão foi como aguentar isto tudo. Na parte nova também não havia levantamentos a nível geológico, e descobriu-‐se depois que o terreno tinha muita rocha. Isso determinou algumas adaptações no projecto, mas que até foram positivas – por exemplo no pátio à inglesa previsto na parte de trás, descobriu-‐se que havia uma rocha, e esta foi aproveitada para constituir a parede do pátio. Foi uma surpresa positiva. Inês: Tendo em conta a situação inicial do edifício, quais as principais características que foi possível manter? E quais as que tiveram que abdicar? Por que motivos?
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Anexos
AMP: Do que vi de fotografias antigas da Casa Mantero vi que havia uma cobertura em ardósia, que depois se manteve, e havia uma série de vãos relacionados possivelmente com os aposentos dos empregados. Como no nosso projecto a cobertura não seria habitável resolvi não fazer as aberturas que não iriam dar a lado nenhum. Por isso mantive a geometria do telhado mas não todos os seus elementos. Em relação às fachadas, principalmente do lado voltado para Sintra, mantiveram-‐se sem grande alteração – por exemplo os elementos em ferro da varanda foram todos recuperados ou feitos de novo. Do lado de trás é havia uns acrescentos que se percebia que não eram de origem, até tinham algum interesse, mas como não encaixavam bem com o programa tiveram que ser retirados. Também a nível da fachada, no piso de baixo, há dois vãos com uma cantaria de pedra e com um pequeno frontão de estilo neo-‐clássico, e para valorizar a integração desse elemento tanto por dentro como por fora, não se pôs caixilho nesse vão, ficando só em vidro. Também tivemos que fazer uma cave para arrumos, que não existia com aquela dimensão necessária, e que também teve implicações na estrutura. Inês: Em relação à questão construtiva, foi possível manter o sistema estrutural da situação inicial? (Se não) Qual foi o sistema de substituição utilizado? Que materiais foram utilizados? (Se sim) Qual foi o sistema de reforço utilizado? Com que técnicas e materiais? Qual a compatibilidade com o existente? AMP: Havia várias opções, que foram discutidas na altura com o Eng. José Ferreira Crespo, e a decisão foi fazer uma parede de betão por dentro, de entre 15 e 20 cm, que tem uns gatos que amarram, e funciona solidária com a parede, existente e a que se veio a fazer, dando-‐lhe a estabilidade necessária. Também tem as lajes e a cobertura, que também são de betão. Utilizei depois o mesmo princípio no Cais do Sodré. O reboco exterior é de cal com pigmento e o interior de estuque. Inês: Por fim gostaria de lhe fazer uma pergunta mais geral. Tendo em conta as teorias e recomendações para o restauro e a reabilitação, em que surgem conceitos como a autenticidade histórica, material, estética e a identidade do edifício, e, por outro lado, questões de segurança estrutural, de financiamento e de legislação, que podem por vezes condicionar a preservação do elemento histórico, qual é, na sua opinião, a forma de encontrar um equilíbrio na intervenção? Qual é habitualmente a sua estratégia em projetos deste tipo? AMP: Eu nunca fiz restauro – considero que o que fiz foi sempre reabilitação, porque o programa muda, as circunstâncias e o tempo mudam, há novas condições de segurança, etc. Em termos genéricos, das obras que acompanhei, acho que o importante é tentar encontrar um equilíbrio entre manter um carácter e uma memória do que aquilo foi, se a obra tem valor arquitectónico, como é o caso da Casa Mantero e do Cais do Sodré, nunca foi posta em causa a decisão de manter o edifício. Já tive outros casos em que isso não se justificou, como por exemplo na Rua Saraiva de Carvalho, a antiga casa de Almeida Garrett, que fiz ainda com o Arquiteto Tainha, que não tinha interesse nenhum porque era só o
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sítio em que ele morreu. A ideia era fazer um prédio de habitação, e o edifício não estava classificado nem tinha interesse nenhum. Além disso não havia possibilidade de manter a relação entre a fachada e o interior, porque por dentro era uma ruína. Eu sou bastante contra uma certa tendência de manter a fachada sem correspondência nenhuma com o que está no interior -‐ é uma espécie de máscara, completamente falsa, é até hipócrita. Para mim tem de haver sempre uma relação entre o fora e o dentro, mesmo que feitos em tempos diferentes. A não ser claro que não se tenha outra hipótese... Como princípio é o único princípio que eu acho completamente errado, mas há muitos exemplos, até premiados. Há outras questões que tenho vindo a perceber com a aprendizagem ao longo do tempo desde a Biblioteca. Agora para ser um bocadinho polémico, por exemplo, a recuperação que o Siza fez no Chiado, que em termos gerais não está mal, tem um ponto muito criticável, que pouca gente fala, que é precisamente nos rebocos. Quando se quer recuperar um edifício, ou uma fachada, deve-‐se utilizar primordialmente as técnicas construtivas antigas – utilizar num edifício destes o reboco de cimento e pintura plástica é um desastre, porque envelhece mal, não se integra com a estrutura e começa a fissurar. Pode parecer uma questão menor, mas eu acho que é uma questão fundamental, porque é o rosto daquilo que fica. Aqui há um mês voltei à Biblioteca, que vai fazer 10 anos, e o que é interessante é que a Casa Mantero está com muito melhor aspecto que o edifício novo. Na altura a ideia era fazer tudo com o reboco de cal, tanto o velho como o novo, mas o empreiteiro começou a pôr problemas, relativamente a esse reboco no edifício novo, não que seja mais caro mas leva mais tempo e é mais complicada a aplicação, e o dono de obra acabou por ceder e o edifício novo foi todo rebocado com reboco de cimento e pintado com tinta de silicone. Mas não ficou bem, começou a fissurar, enquanto a parte antiga está bem, com as manchas da idade, mas envelhece bem. Em Estocolmo e Copenhaga, e em Itália também, vi esses rebocos de cal com pigmentos e aquilo ganha uma vida própria, tem uma certa dignidade, e não tem que ser pintado. Tem outros problemas, porque como não se pode pintar os grafittis por exemplo não têm solução. O reboco de cal é como uma aguarela, tem uma certa transparência. Relativamente aos materiais que se usa, outra coisa que não gosto nada são os caixilhos de PVC, que se utiliza muito, mas que não jogam com o resto. Os caixilhos são de madeira, originais ou novos. Por exemplo no Cais do Sodré, no palacete, a caixilharia é toda de madeira pintada, de mercado, de um fabricante sueco, na fachada que dá para a rua levou um vidro triplo, por causa do ruído dos carros – e realmente não se ouve nada! O mais importante é utilizar os materiais antigos, não necessariamente copiar o desenho antigo, mas manter a cor e o ambiente que reporta ao que estava antes. Em Sintra tem uma cobertura em ardósia, tem zinco, tem o reboco de cal, tem madeira… No Cais do Sodré é um pouco mais rico, e não estava tão
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Anexos
deteriorado, as pessoas tinham a imagem daquilo que lá estava e mantive. A cor é que é diferente, mas como as fotografias eram todas a preto e branco… fui para o cinzento, gosto muito de cinzento. Obrigada!
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d) Engenheiro Jorge Bastos Inês: Eu sou estudante finalista de Arquitetura na FAUTL e estou a elaborar um projeto de reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima em Mafra apoiado por uma dissertação em que exploro os temas associados a uma intervenção deste tipo. Num capítulo desta minha dissertação escolhi algumas obras que pretendo estudar e comparar no âmbito da reabilitação tendo em conta as opções tomadas e os motivos dessas opções. Escolhi para este corpus de análise o seu projeto para o Palácio Fronteira que me parece ser um interessante caso de estudo neste contexto. Introdução: Houve vários momentos de intervenção. Em que momentos é que fez parte? JB: Há várias intervenções desde o início do século passado. Há uma em 1915, depois há intervenções nos anos 60, depois nos anos 80 a 2000, e continua a haver intervenções. A minha foi nos 80. Em 87, 88. Inês: Foi quando se reabilitou a fachada norte? JB: A fachada norte, as coberturas. Eu desenvolvi o programa de candidatura a financiamentos para as reabilitações, porque as entidades oficiais para financiar a obra precisavam de projectos concretos. Portanto esse “master plan” foi desenvolvido por mim. Tive o apoio do mestre Frederico Jorge, mas ele faleceu em 1994, e depois segui sozinho. Inês: As minhas primeiras perguntas relacionam-‐se com a situação em que encontraram o edifício a reabilitar. Quais eram as suas principais características facilmente perceptíveis? Qual era o seu estado geral de conservação? Quais as principais anomalias presentes? JB: O estado de conservação em geral era bom, nas áreas acessíveis. Portanto, os pavimentos estavam encerados, estavam mantidos, as paredes, os rebocos estavam mantidos. Mas nas áreas inacessíveis ou de difícil acesso, ou seja, as coberturas, a manutenção era deficiente. Porquê? Porque o edifício tem cerca de 12 metros de altura, e não é qualquer um que consegue lá chegar. Na cobertura, as principais anomalias eram infiltrações, acumulação de detritos, entulhos, e deterioração das madeiras. E corrosão nos ferros. Inês: No caso do edifício que estou a estudar deparei-‐me com problemas de (des)organização do espaço, sobretudo nas formas de ligação entre os espaços, decorrentes das várias utilizações que o edifício teve, que nem sempre ocuparam o edifício todo. Encontraram problemas deste tipo? JB: Esses problemas funcionais, de utilização e circulação, foram estudados pelo Frederico Jorge nos anos 60. Houve obras de alteração, remodelação, etc, nos anos 60. Inês: Neste caso houve uma mudança de função nesse momento, ou já vinha detrás, dos anos 60 uma função mais museológica, mais aberta ao público? JB: Há um sector aberto ao público, mas a ideia é mostrar o ambiente de uma casa vivida. Não um ambiente de um museu, mas de uma casa em utilização permanente. E portanto, para as pessoas poderem
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imaginar, na realidade, como era o estilo de vida há 200, 300 anos atrás, embora haja adições contemporâneas, ou seja, electricidade, casas de banho, águas, cozinhas eléctricas. Porque, por exemplo a função antiga da cozinha era no rés-‐do-‐chão, e a cozinha actual é no primeiro andar, com água corrente e electricidade. Basicamente foram estas as mudanças que houve. Depois houve adaptações de um certo número de espaços para escritórios de apoio ao palácio. Porque o palácio neste momento sobrevive graças à figura da fundação. Portanto a fundação tem benefícios fiscais, isenção de impostos. Tem que desempenhar uma actividade cultural, como contrapartida. Mas os benefícios também são interessantes. Inês: Já em relação ao projecto, como se desenhou o programa (novos usos (neste caso escritórios, electricidade, canalizações, etc) vs compatibilidade)? Quais eram os objectivos da intervenção e quais as principais restrições? JB: Há os espaços nobres. Os espaços de representação. Aí, não há habitação, não há instalações sanitárias, não há cozinhas. Depois, há os espaços secundários, em que se conseguiu gerir a área disponível para colocar as tais funções. Quer dizer, houve uma hierarquização de espaços. Há espaços intocáveis, e depois há espaços que podem ser adaptados a casas de banho, etc. E depois há espaços “sobrantes”, se assim se pode dizer, que foram espaços com outras funções. Como o quarto de brinquedos, para as crianças irem para lá brincar, ou o espaço de dispensa. Esses espaços, não tinham, em termos decorativos, riqueza digna de nota, e foram desactivados e mudados para cozinhas, casas de banho, etc. A parte de escritórios foi colocada num espaço que eram as cavalariças, que tinham sido alteradas para garagens. E a seguir às garagens, aquele pavimento era empedrado e foi fácil adaptar a escritórios. Os espaços com estuques decorativos, com azulejos, com ferro forjado (que neste caso não há) não devem ser tocados. Mas outros espaços eram mais fáceis de mexer. Inês: Tendo em conta todo o contexto e restrições qual foi a filosofia da intervenção? Isto é, quais os princípios ou pontos de partida para o projeto? JB: A filosofia da intervenção foi uma filosofia inteligente, se quisermos. Ou seja, não alterar as funções do edifício, portanto a habitação senhorial; manter o edifício aberto para poder gerar receitas dos visitantes; e um planeamento de obras faseado. Ou seja, o edifício podia ser fechado e a intervenção podia ser global, mas isso implicava um ano de perda de receitas, ou dois. Ao fazer-‐se uma intervenção faseada, o edifício continuou a ser visitado, não na totalidade, mas por sectores, e as pessoas iam aproveitando as partes disponíveis. Inês: Ao longo da obra foram encontradas novas restrições que não foram logo perceptíveis no início? Como afectaram o projeto? JB: Há sempre surpresas. O problema de uma obra de reabilitação é que têm que ser desenvolvidos, em média, 3 projectos. Um inicial, talvez de intenções. Um segundo, de concurso para a obra. E um terceiro, para as surpresas que aparecem na obra. Há de tudo. Desde fundações, a coberturas,… Desde alterações feitas nas obras anteriores, que não eram perceptíveis nem estavam documentadas. E a pessoa estava,
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portanto, a trabalhar com informação errada. Essa parte foi difícil de controlar. Os desenhos de levantamento de fundações, paredes, etc. não coincidiam com o objecto existente. Escaparam alguns detalhes a quem fez esses levantamentos. Só depois de estarmos na obra é que verificámos que havia erros nos levantamentos. Inês: Mais da forma dos elementos, ou mesmo em termos de materiais ou em termos da constituição das paredes? JB: Era de tudo. Não só da alteração, substituição e degradação dos materiais. Houve hipóteses em que se supunha que as madeiras estariam em bom estado. E só depois de chegar ao local é que se verificou que tinham elevados graus de deterioração. Nas alvenarias, a mesma coisa. Pensava-‐se que estavam em bom estado, mas na prática estavam muito deterioradas. Inês: Tendo em conta a situação inicial do edifício, quais as principais características que foi possível manter? E quais as que tiveram que abdicar? Por que motivos? JB: O edifício foi mantido tal como estava. Houve uma alteração de geometria das coberturas, porque as coberturas existentes estavam na posição deformada pré-‐colapso. Ou seja, eu tenho a cobertura, ela começa a deformar-‐se, os elementos começam a apodrecer. Portanto em vez de ter as barras com o comprimento total, têm menos uma parte que está podre. Sendo que as paredes estão estáveis, em vez de ter a cobertura da altura total, começa a ficar mais baixa, a abater. Inês: Em relação à questão construtiva, foi possível manter o sistema estrutural da situação inicial? Qual foi o sistema de reforço utilizado? Com que técnicas e materiais? Qual a compatibilidade com o existente? JB: Foi, foi reforçado. Houve reforços nas alvenarias, houve reforço das coberturas. Portanto houve uma solução com uma cobertura secundária, em aço estrutural. Noutros sectores fizeram uma cobertura em madeira, uma cobertura secundária em madeira, mas que está a gerar fracturas nas alvenarias. O projectista que desenvolveu essa solução, em termos de projecto de alterações, teve uma ideia melhor que a minha. Há sempre pessoas com ideias, ou idiotas. E portanto, em vez da estrutura estar concebida de uma maneira, está concebida por forma a afectar as paredes, e portanto está a gerar fissuras e fracturas nas paredes. Inês: Por exemplo no reforço das alvenarias, que materiais é que foram utilizados? JB: Utilizou-‐se aço inox, argamassas. Inês: Entre paredes ou só dentro da mesma? JB: As duas coisas.
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Anexos
Inês: Por fim gostaria de lhe fazer uma pergunta mais geral. Tendo em conta as teorias e recomendações para o restauro e a reabilitação, em que surgem conceitos como a autenticidade histórica, material, estética e a identidade do edifício, e, por outro lado, questões de segurança estrutural, de financiamento e de legislação, que podem por vezes condicionar a preservação do elemento histórico, qual é, na sua opinião, a forma de encontrar um equilíbrio na intervenção? Qual é habitualmente a sua estratégia em projetos deste tipo? JB: É assim, eu não percebo esses critérios todos. O critério número um é segurança. Eu posso ter um objecto autêntico, posso ter uma solução construída, que tem que se colocar dentro de uma campânula, porque coloca em risco os utilizadores. Portanto, em primeiro lugar, há que criar uma solução segura, para as pessoas poderem utilizar. Em segundo lugar, é necessária uma investigação tecnológica na área dos materiais, na área do diagnóstico, que raramente é feita. Ou seja, as entidades não querem gastar dinheiro com análises médicas, nem com raio x, se me faço entender, porque acham que não é necessário. Ou seja, o projectista tem que ser um bruxo. Tem que adivinhar o que lá está, sem mexer em nada. E de preferência sem visitar o local, pode ser a 400 km de distância. Para ali, antibiótico de largo espectro, e acertou! Quer dizer, todos estes aspectos de diagnóstico, de visita ao local, de sondagens, de verificação de materiais, custam muito dinheiro. E as pessoas querem é gastar dinheiro na obra e não no diagnóstico. Portanto o que acontece normalmente é que a obra arranca sem haver um diagnóstico preciso. Há um diagnóstico aproximado, a obra arranca, e depois tem que parar, com os custos inerentes, para se irem fazer os diagnósticos. Ou então têm custos acrescidos para as alterações. Estão os operários parados, a receber dinheiro, enquanto estão outros operários que podiam ter começado antes a fazer o diagnóstico. Há aqui uma espécie de vazio de comunicações entre os operários, os técnicos, os promotores, os donos de obra, em que julgam que estão a poupar dinheiro, mas na realidade estão é a adiar as despesas para mais tarde. Outro problema, típico Português, são os treinadores da bola. Toda a gente percebe da obra, mas quando se entrega um lápis para a pessoa concretizar a ideia, todos fogem com o rabo à seringa. Não há ninguém que assuma a responsabilidade e que seja capaz de fazer. Mas toda a gente tem uma opinião ou um palpite. São todos treinadores da bola de secretária ou de café. Mas na prática, atacar o problema, arregaçar as mangas ou trabalhar, não estão para isso, é uma chatice. Inês: Obrigada.
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Anexos
A.6
Elementos de projeto -‐Maquetes de Estudo -‐Esquiços -‐Materialidades -‐Maquete Final
-‐Painel 1
-‐Painel 6
Enquadramento na envolvente
Planta do piso 1-‐ escala 1.200
Corte-‐ escala 1.200
-‐Painel 2 & 3
Legenda de espaços
Planta de Coberturas-‐ escala 1.200
Definição das casas do Hotel-‐ escala
-‐Painel 7
1.200
Cortes e Alçados-‐ escala 1.200
Vista geral da praça
-‐Painel 8
-‐Painel 4
Cortes Construtivos-‐ escala 1.50
Planta do piso -‐1-‐ escala 1.200
Corte-‐ escala 1.200
-‐Painel 8
Esquema de Pátios, Vistas e espaços
Corte Construtivo-‐ escala 1.50
intersticiais Esquema
Imagens de proposta de reabilitação de
Hierarquização
dos
de uma pintura encontrada no
edifícios existentes
Palácio
Corte perspectivado de uma zona do
-‐Painel 5
palácio
Planta do piso 0-‐ escala 1.200
Corte-‐ escala 1.200
Esquema de Percursos principais e secundários
Esquema de Caracterização dos espaços exteriores
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Anexos
Maquete de Estudo
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Maquetes de estudo da relação entre os edifícios propostos e os existentes
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Anexos
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Anexos
Esquiços Casas do Hotel
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Reabilitação do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima
Edifício existente e novo na praça
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Anexos
Jardim
Corredor de ligação entre o novo edifício e o existente
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Materialidades
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Anexos
Maquete Final
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