24 Ano X • nº 24 • setembro de 2009
Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc
Políticas públicas para a infância e a adolescência precisam de avanços A Constituição Federal de 1988 já previa a necessidade de se tratar crianças e adolescentes de maneira diferenciada, quando estabelece em seu artigo 227 que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à e d u c a ç ã o , a o l a z e r, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Dois anos mais tarde, com a promulgação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), é disseminada a compreensão de que as pessoas, desde seu nascimento até os 17 anos, são consideradas seres em condições peculiares de
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desenvolvimento, ou seja, é nessa faixa etária que o ser humano absorve a maior parte do mundo à sua volta e desenvolve as raízes do cidadão de amanhã. Apesar desses dois documentos, e de tantos aparatos legais para a garantia dos direitos de meninas e meninos, o projeto Criança e Adolescente: Prioridade no Parlamento ainda encontra medidas em tramitação no Congresso Nacional que contrariam os argumentos do movimento social em defesa dos direitos humanos. Por isso, este segundo boletim do projeto vai abordar o PL 5.186/2005, que normatiza regras para o desporto e apresenta arbitrariedades em seu texto no que se refere à formação profissional de atletas adolescentes. Por outro lado, é possível encontrar avanços. A retirada de uma criança de seu ambiente natural e sua consequente colocação em uma família substituta ainda são consideradas um assunto polêmico, tendo em vista que tais atitudes nem sempre ocorrem em caráter excepcional, como o ECA prevê. Inúmeras são as situações que provocam a lotação dos abrigos. Em sintonia com essa discussão, o Senado Federal acaba de aprovar o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao PLS 314/2004, que dispõe sobre novas regras de adoção.
Será abordada ainda, nesta segunda edição do boletim, a implantação do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) às (aos) adolescentes autores de atos infracionais, conforme estabelece o Projeto de Lei 1.627/2007, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal. Por fim, será discutida ainda a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 277/2008, que propõe a redução anual, a partir do exercício de 2009, do percentual de Desvinculação de Receitas da União (DRU) incidente sobre os recursos destinados à educação. Uma emenda sugere o fim imediato desse percentual, o que representaria aumento de investimentos na área educacional. Mais urgente que a necessidade de se discutir políticas públicas que garantam os direitos fundamentais desses meninos e meninas está a necessidade de se monitorar as atividades legislativas que podem, efetivamente, mudar a vida – para melhor ou pior – de crianças e adolescentes. Além de garantir novos mecanismos que protejam “o futuro da nação”, é necessário impedir que ocorram retrocessos, ao mesmo passo em que desafios superados (como a aprovação do projeto que regulamenta critérios de adoção) devem ser noticiados e comemorados.
Criança & Adolescente: prioridade no parlamento - é uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com o Conanda e o Unicef. Apoio: Conanda. Tiragem 1,5mil exemplares. INESC – End: SCS – Qd, 08, Bl. B-50 – Sala 435 – Ed. Venâncio 2000 – CEP. 70.333-970 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 - Fax: (61) 3212-0216 – E-mail: protocolo@inesc.org.br – Site: www.inesc.org.br. Conselho Diretor: Analuce Rojas, Armando Raggio, David Fleisher, Eva Faleiros, Fernando Paulino, Jurema Werneck, Taciana Gouveia, Luiz Gonzaga, Osvaldo Braga. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello, Cleomar Manhas, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Evilásio Salvador, Márcia Acioli, Ricardo Verdum. Assistentes: Ana Paula Felipe, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid, Christian Aid, Conanda, EED, Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Instituto Heinrich Boll, IBP, KNH (KinderNotHilfe), Norwegian Church Aid, Oxfam, Oxfam Novib, Charles Stewart Mott Foundation, Unifem, Embaixada Britânica e Unicef. Empresa de comunicação responsável pelo boletim: RG Comunicação Jornalística. Jornalista Responsável: Raphael Gomes. Esta publicação utiliza papel reciclado
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Projeto de lei Regulamenta formação de atletas, mas deixa de fora direitos trabalhistas de adolescentes É difícil escolher, no início da juventude, a carreira que se pretende seguir quando adulto. Muitas crianças e adolescentes, entretanto, se espelham em seus ídolos para enxergar uma luz no final do túnel dessa difícil decisão. Geralmente é assim que muitos meninos decidem se tornar “Ronaldinhos”, entre outros talentosos jogadores. A escolha pelo futebol, carreira aparentemente simples e sem burocracias, esconde um filtro capaz de transformar um sonho em pesadelo, pois interesses econômicos de grandes clubes podem predominar sobre o talento. Não são raros os casos em que adolescentes são desqualificados aos olhos de grandes clubes, que por meio de “escolinhas” tentam encontrar novos craques. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.186/2005. De autoria do Poder Executivo, a matéria em tramitação estabelece diretrizes no que se refere à formação de atletas, a contratos de trabalho e outras regulamentações desportivas. Após passar por algumas comissões, o PL aguarda para ser apreciado em Plenário. Quando se fala em regulamentação é necessário compreender que existem em jogo interesses de duas ou mais partes. Pode parecer óbvio, mas essa negociação entre o que é direito e a correta execução das determinações gera problemas de difícil solução.
“Entendemos que o projeto, da maneira como está redigido, viola os direitos de crianças e adolescentes”, afirma Rafael Dias Marques”
Rafael Dias Marques, vice-coordenador nacional da Coordinfância (Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente), explica que o texto inicial do PL 5.186/2005 apresentava disposições muito “simplórias”, que não previam uma proteção especial aos (às) atletas adolescentes em formação. Originalmente, o que se tinha no projeto é que esses atletas em formação eram “peças descartáveis”, ou seja, os clubes arregimentavam esses meninos, que tinham o sonho de ser grandes esportistas, e faziam testes com os jovens. Aqueles que não apresentavam um “dom” para o futebol poderiam ser “descartados” sem qualquer tipo de proteção ou tutela. “Quando o Ministério Público do Trabalho (MPT), por intermédio da Coordinfância, tomou conhecimento da tramitação do referido projeto, que não prevê proteção alguma a esses atletas em formação, passamos a acompanhá-lo mais de perto”, declara Rafael Marques, ao destacar a atuação do MPT na tramitação do projeto, tentando uma aproximação com a relatoria da matéria. De acordo com o procurador, no início houve bastante resistência em relação às propostas de alteração do projeto de lei feitas pelo MPT, mas, após algumas conversas, o relator, deputado José Rocha, aceitou algumas sugestões. Entretanto, sugestões que efetivamente abordam questões sobre proteção, escolarização, acompanhamento psicológico, disposição de alojamentos com salubridade e higiene, acompanhamento dos pais, garantia de convivência familiar, pontos cruciais para os (as) meninos(as) que saem do interior rumo aos grandes centros, não foram contempladas de imediato pelo relator. A partir daí, a estratégia do MPT foi congregar representantes do Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, do Ministério do Trabalho e Emprego e da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Juntos, foram à Casa Civil para levar as preocupações referentes ao projeto. Segundo Rafael Marques, foi elaborada uma proposta básica de 3
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alteração do projeto de lei, e a Casa Civil se comprometeu a negociar politicamente com o relator essas reivindicações. Um ponto que ainda causava preocupação era a idade mínima para que o atleta começasse a ter formação. Contrariando algumas normas – inclusive internacionais –, o projeto reduzia a idade de início da profissionalização dos 14 anos (como está atualmente na Lei Pelé) para os 12 anos. “Disso, o relator não abria mão”, afirma o vice coordenador da Coordinfância. Mas, em virtude da negociação política da Casa Civil, foi possível reverter esse ponto. Mariane Josviak, procuradora do trabalho e coordenadora nacional da Coordinfância, explica que uma das dificuldades encontradas é que a relatoria do projeto não compreendia o vínculo entre os jovens e os clubes de formação como de cunho trabalhista, apesar de a proposta, da maneira como estava apresentada, dar essa perspectiva. Rafael Marques explica que, além do ponto da idade inicial para a formação profissional do atleta, foi possível avançar em outros pontos, como a frequência escolar, a existência de alojamentos com higiene, boa alimentação, o acompanhamento familiar, enfim, parâmetros protetivos mínimos.
“Na Comissão Especial, os interesses dos adolescentes não tiveram eco. E não tiveram eco porque a composição era basicamente ligada aos interesses dos clubes formadores, que obviamente não contemplaram esta parte importante da proteção dos direitos dos adolescentes”
Apesar dos avanços, faltam Aprimoramentos “Entendemos que o projeto, da maneira como está redigido, viola os direitos de crianças e adolescentes”, afirma Rafael Dias Marques, ao explicar que um ponto fundamental ainda não foi contemplado pelo projeto: a proteção trabalhista do adolescente.
De acordo com o vice-coordenador, é importante que os atletas em formação profissional, independentemente de serem contratados pelos clubes, tenham essa proteção, com um salário mínimo garantido, uma jornada máxima de trabalho, recolhimento do FGTS e carteira de trabalho assinada, a fim de que no futuro ele possa contar com esse tempo para a sua previdência, com a garantia da proteção previdenciária em caso de acidente. Obviamente, não seriam direitos semelhantes aos do trabalhador adulto, mas em conformidade com o regime especial de aprendizagem. “Isso deveria se reproduzir na área do futebol, na área dos esportes. É claro que com as suas adaptações”, afirma Rafael Marques. Esse é um fator fundamental, tendo em vista que, caso o adolescente não seja contratado pelo clube, sua formação não será “perdida”. Isso quer dizer que, se o sonho da contratação não se efetivar, ainda assim a formação do atleta terá sido realmente importante para o jovem, não apenas do ponto de vista profissional, mas também cultural. É importante reforçar o caráter educativo da formação do atleta para que não haja o perigo de o jovem, sendo considerado inapto para a carreira profissional, ficar sujeito a certos riscos, como formas de trabalho infantil, situação de rua e até mesmo abuso e exploração sexual. A estratégia do Ministério Público do Trabalho, a partir de agora, é buscar alternativas no Plenário. “Na Comissão Especial, os interesses dos adolescentes não tiveram eco. E não tiveram eco porque a composição era basicamente ligada aos interesses dos clubes formadores, que obviamente não contemplaram esta parte importante da proteção dos direitos dos adolescentes”, declara Rafael Dias Marques. Para Mariane Josviak, a justificativa dos clubes é econômica, pois sugere que vários deles não teriam condições de contratar um aprendiz. “Mas o aprendiz recebe salário mínimo/hora”, então não é algo que tenha custo elevado.
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O contexto da Copa do Mundo é favorável para a implantação dos direitos dos atletas adolescentes, não só dos profissionais, mas daqueles em formação. Mariane Josviak destaca casos em que alguns adolescentes foram sozinhos para outras cidades participar de “peneiradas” (processo de escolha de atletas) e, não conseguindo a vaga, foram deixados nessas cidades sem o menor apoio, sem, até mesmo, a passagem de volta para suas casas. Nesse caso, especificamente, tiveram que procurar o Conselho Tutelar para conseguir a passagem de volta. “É necessário ponderar os interesses dos clubes e os interesses dos adolescentes”, enfatiza o vicecoordenador da Coordinfância, alegando que os interesses dos clubes não devem ser priorizados em detrimento dos direitos de meninos e meninas, como a Constituição prevê. Rafael Marques explica que essas tentativas de retrocesso na idade mínima para o trabalho são baseadas em pensamentos errôneos de que é melhor a criança trabalhar para ajudar em casa do que se envolver com as drogas. Mas o vice-coordenador alerta para a inversão da lógica desse pensamento, lógica esta que responsabiliza a criança pela complementação da renda familiar, em vez do papel do Estado de fortalecer as famílias. “A lei tem que prever uma situação ótima, e nós, operadores de direitos e sociedade civil, temos que lutar para alcançar essa situação ótima”, aponta Rafael Marques. Para Mariane Josviak, “há necessidade de políticas públicas para crianças e adolescentes para que eles tenham acesso à educação, à profissionalização e aos direitos que constam no artigo 227 da Constituição Federal, e não que [o trabalho infantil] seja visto como alternativa para a miséria social”.
Colocando a situação em pratos limpos Desde o início das negociações entre o MPT e a relatoria da matéria, houve avanços importantes, que
cabe destacar. Entre eles, Mariane Josviak e Rafael Marques estabelecem: 1. Idade mínima para aprendizagem profissional estabelecida em 14 anos; 2. Assistência educacional, psicológica, médica, odontológica; alimentação, transporte e convivência familiar; 3. Alojamento adequado, o que inclui segurança no ambiente; 4. Formação gratuita do atleta, sem a cobrança de taxas; 5. Horário de treinamento não superior a 4 horas por dia e no horário oposto ao das aulas.
Denúncias O Ministério Público está dividido em unidades regionais espalhadas pelos estados brasileiros. A partir de uma denúncia ocorrida em São Paulo sobre irregularidades dentro de clubes de formação de atletas, as regionais realizaram algumas visitas e constataram irregularidades. Nesses casos, foram instaurados procedimentos investigatórios e realizadas inspeções. Em geral, as violações encontradas foram justamente referentes à falta de proteção trabalhista e aos alojamentos. “Parecem gaiolas de adolescentes”, afirma Rafael Marques, relatando que o ambiente, quase sempre, é pequeno, fechado, tem pouca ventilação, apresenta condições péssimas de higiene e não conta com um adulto por perto. “Alguns casos lembram trabalho forçado”, complementa.
“É necessário ponderar os interesses dos clubes e os interesses dos adolescentes”
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Motivos para não permitir o trabalho precoce
4. Os serviços em locais perigosos e insalubres podem provocar danos irreparáveis à saúde;
O dia 12 de junho é conhecido como o Dia de
5. Os problemas mais comuns provocados pelo
Combate ao Trabalho Infantil. Neste ano, a campanha
trabalho precoce são: fadiga excessiva, distúrbios do
desenvolvida pelo Fórum Nacional de Erradicação ao
sono, irritabilidade, dores na coluna, alergia e
Trabalho Infantil tem como tema “Com educação
problemas respiratórios;
nossas crianças aprendem a escrever um novo presente
6. Estatísticas mostram percentuais alarmantes de
sem trabalho infantil”.
incapacidades permanentes, mutilações e mortes de
Durante o lançamento da campanha, no
crianças e adolescentes submetidos aos rigores do
Congresso Nacional, o Fórum enfatizou os motivos
trabalho;
pelos quais a sociedade deve combater essa prática, que
7. Começar a trabalhar cedo provoca a perda da alegria
retira de meninos e meninas a possibilidade de viver a
natural da infância e transforma a criança em um
fase mais determinante e frágil de suas vidas.
adulto antes do tempo. É importante destacar esses pontos na
Entre eles, destacam-se:
discussão sobre trabalho infantil porque muitas
1. O trabalho infantil tem como consequência o
pessoas não consideram certas práticas como trabalho.
fracasso ou o abandono escolar;
Está mais do que provado o quão prejudicial é para a
2. O trabalho priva a criança de seu direito à educação,
criança trocar as brincadeiras e a escola pelo trabalho,
ao convívio familiar, à saúde e ao lazer;
bem como é prejudicial para o Brasil permitir que sua
3. As crianças são mais vulneráveis às doenças e aos
juventude seja submetida a constantes violações de
acidentes de trabalho;
direitos.
Pontos não citados no Projeto de Lei A seguir, segue o Substitutivo ao PL 5.186/2005 com as reivindicações trabalhistas do MPT. Artigo 29 § 4º É considerado em formação desportiva, para fins de profissionalização, o atleta maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, que receba de entidade de prática desportiva formadora dos ensinamentos técnico-desportivos indispensáveis à sua formação, independentemente da modalidade. § 4º A Deverá ser firmado entre o atleta em formação e a entidade de prática desportiva contrato de formação desportiva, ajustado por escrito e por prazo determinado, sendo-lhe assegurados: I - Programa de aprendizagem especial cuja formação técnico-profissional seja compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico do atleta em formação; II - Anotação do vínculo na Carteira de Trabalho e Previdência Social; III - Salário mínimo/hora, salvo condição mais favorável; IV - Prazo mínimo de 6 meses e máximo de 2 anos de contrato de formação desportiva; V - Contribuição ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço correspondente a dois por cento da remuneração, paga ou devida, no mês anterior ao atleta em formação. § 4º B A entidade de prática desportiva formadora deve organizar os programas e cursos de formação desportiva em consonância com a regulamentação do Ministério do Trabalho e Emprego. § 14 Não se aplicam à relação de aprendizagem especial prevista neste artigo as disposições da Seção IV do Capítulo IV do Título III-Consolidação das Leis do Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
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Senado aprova projeto que garante direito à convivência familiar
trinta dias para convivência entre a criança e os postulantes à sua adoção ainda não é o ideal, resolvemos tomar como parâmetro o período estipulado para as crianças maiores de dois anos, que é exatamente o de um mês quando se trata da adoção internacional. Isso porque havia, na legislação brasileira, uma disparidade de tratamento
Estatísticas apontam que existem mais pessoas
entre as crianças menores de dois anos e as maiores no
interessadas em adotar do que crianças à espera de uma
que diz respeito ao tema da adoção internacional. Por
família substituta. Entretanto, as preferências
esse motivo, resolvemos propor a ampliação do
pretendentes e a demora nos processos obrigam as
período de convivência de quinze para trinta dias,
crianças a permanecer nos abrigos por longos períodos
esperando, dessa forma, contribuir para o
Depois de 4 anos de tramitação no Congresso
estreitamento dos laços entre a criança a ser adotada e
Nacional, foi aprovado pelo Senado um Substitutivo
os postulantes estrangeiros ainda em território
da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 314,
brasileiro.
de 2004, de autoria da senadora Patrícia Saboya (PDT-CE). A matéria, que dispõe sobre critérios para
O ECA estabelece prioridades para que a criança e o
adoção, passou recentemente pelas Comissões de
adolescente sejam criados no seio de suas famílias
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Direitos
naturais antes de qualquer processo de adoção. Além
Humanos (CDH). Agora, segue para sanção
dos programas de transferência de renda, o Poder
presidencial.
Público tem criado políticas públicas para favorecer
Uma das mudanças propostas pelo projeto diz
as famílias no sentido de que possam cuidar de seus
respeito aos prazos para adoção. O objetivo é agilizar
filhos (ou, em último caso, para que a adoção seja
os processos e evitar o abrigamento de crianças. Nesse
feita dentro do próprio país)?
sentido, a matéria também estabelece um tempo
Patrícia Saboya - Sabemos que no Brasil, na maioria
máximo para que a criança fique em abrigo, que não
das vezes, as razões que motivam a ida de crianças para
pode passar de dois anos.
os abrigos referem-se aos problemas financeiros de
Patrícia Saboya explicou alguns pontos centrais da matéria recém-aprovada.
suas famílias. O governo Lula, recentemente, concebeu diversas ações voltadas para as famílias em situação de vulnerabilidade com o objetivo de evitar
O que a motivou a propor a alteração de dois artigos
que tantas crianças e adolescentes acabem indo para os
do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 46, em
abrigos por causa de suas condições socioeconômicas.
seu § 2, e caput do art. 52) no Projeto de Lei que
Mas é preciso melhorar essas políticas públicas,
regulamenta a adoção?
centrando as atenções do governo nas famílias com a
Patrícia Saboya - Embora saibamos que o prazo de
implantação de uma série de medidas para fortalecê7
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las não apenas do ponto de vista econômico, mas
passo a passo das medidas previstas pela Convenção de
também social e afetivo.
Haia. Ou seja, a ideia é atuar com rigor e cautela ainda
Para evitar que tantas crianças fiquem abandonadas
maiores.
nos abrigos públicos e possam voltar a viver com suas famílias de origem, sugeri ao presidente Lula, por
O Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto
meio de seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, que
de Lei registra o seguinte texto: “A colocação da
o Governo Federal use programas sociais como o
criança ou adolescente em família substituta será
“Bolsa Família” e o “Minha Casa, Minha Vida” no
precedida de sua preparação gradativa e
momento dessa reintegração. A ideia é oferecer
acompanhamento posterior, realizados pela equipe
instrumentos concretos para que essas famílias possam
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da
se reestruturar para receber seus filhos de volta. Além
Juventude, preferencialmente com o apoio dos
disso, é fundamental haver ações públicas
técnicos responsáveis pela execução da política
contundentes para prevenir a ida dessas crianças para
municipal de garantia do direito à convivência
os abrigos.
familiar”. É possível que essa preparação gradativa seja realizada em 30 dias, conforme a proposta
Que tipos de riscos para crianças e adolescentes a
original do projeto de lei?
regulamentação da adoção internacional pode
Patrícia Saboya - É importante esclarecer que o prazo
prevenir?
de 30 dias é referente apenas ao estágio de convivência
Patrícia Saboya - Partindo do pressuposto de que a
entre a criança e os futuros pais no Brasil. Mas o
adoção é sempre uma medida excepcional, a nossa
processo de adoção internacional é muito mais
preocupação foi evitar que as crianças sejam
complexo do que isso. Há regras a serem respeitadas e
devolvidas por seus pais adotivos, o que pode provocar
verificadas aqui e no país de origem para as pessoas que
grandes traumas. É claro que conflitos podem existir
querem adotar uma criança brasileira. Assim como no
em qualquer família, mas a finalidade da nossa
Brasil, esses pais estrangeiros passam, em seu país, por
proposta é preparar bem o terreno para que a criança e
uma avaliação psicossocial detalhada e rigorosa. E
seus futuros pais possam ter uma convivência saudável
todo o processo montado lá é enviado ao Brasil para
e comecem a criar as bases para um desenvolvimento
que as autoridades envolvidas no caso possam analisar
feliz e equilibrado em outro país, com uma cultura
todos os aspectos da adoção.
diferente da nossa. A legislação brasileira já é
No caso de criança indígena ou proveniente de
cuidadosa nesses casos e prevê a possibilidade da
comunidade remanescente de quilombo, como
adoção internacional somente para países signatários
proceder com a adoção sem ferir sua cultura?
da Convenção de Haia, cujo relatório regulamenta
Patrícia Saboya - A nova lei prevê que a criança seja
diversas questões ligadas à infância e à adolescência,
adotada prioritariamente por etnia similar à sua para
entre as quais está a adoção. E a nova lei de adoção,
evitar choques culturais. O que tentamos fazer, com
aprovada recentemente pelo Senado, contempla o
tais medidas, foi viabilizar que essas crianças, quando
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adotadas, fiquem em comunidades com referências
adolescentes brasileiros sejam adotados por casais
culturais parecidas com as delas. Quando isso não for
estrangeiros, para viver em outros países?
possível, a lei estabelece a obrigação por parte dos
Patrícia Saboya - Em primeiro lugar, é preciso
órgãos públicos de política indigenista e quilombola,
esclarecer uma importante questão. Infelizmente, no
além da participação de antropólogos e outros
Brasil, ainda há a cultura de se priorizar a adoção de
especialistas no assunto de acompanhar devidamente
crianças menores de um ano, brancas e do sexo
esses casos até a colocação da criança em uma nova
feminino. De modo geral, são essas exigências
família.
colocadas pelos candidatos à adoção que acabam por tornar a espera muito longa. Mas a nova lei estabelece
De acordo com a matéria, a adoção contempla novas
prazos mais curtos justamente para tornar esses
configurações familiares, ao permitir, até mesmo,
processos mais céleres. Há um dispositivo que prevê,
que divorciados possam adotar conjuntamente uma
por exemplo, que o Estado tem o prazo máximo de
criança ou adolescente. A senhora acredita que isso
dois anos para resolver a situação dessas crianças,
estimulará os processos de adoção, contribuindo,
reintegrando-as em suas famílias de origem ou
assim, para a redução do número de crianças em
colocando-as para adoção. Não podemos, porém,
abrigos?
perder de vista este ponto, que, para mudar, precisa ser
Patrícia Saboya - Procuramos apenas estar em sintonia
objeto de uma grande campanha de esclarecimento e
com a nova sociedade brasileira, que comporta
sensibilização da sociedade brasileira. O que vemos
atualmente vários arranjos familiares. Sabemos que,
acontecer, muitas vezes, é que as crianças negras e os
em muitas situações, os casais se separam, mas
grupos de irmãos ou deficientes acabam sendo
continuam mantendo uma ótima convivência.
adotados por estrangeiros. Daí a necessidade de
Portanto, por que não prever que eles possam adotar
melhorarmos os processos de adoção no Brasil, tanto
uma criança juntos? Acredito que a nova lei
para brasileiros quanto para estrangeiros.
estimulará, sim, os processos de adoção e contribuirá para a redução do número de crianças em abrigos
Direito a uma família
públicos. Esse é um dos objetivos principais do texto.
O “Plano Nacional de Promoção, Proteção e
Ou seja: tornar os processos de adoção mais ágeis e
Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
mais responsáveis, objetivando, sempre, o que é mais
Convivência Familiar e Comunitária” é um
importante: o bem-estar e a felicidade da criança.
documento resultante de um processo participativo de elaboração conjunta que envolve representantes de
Em diversos estados e municípios existem casais
todos os poderes e esferas de governo, da sociedade
brasileiros interessados em efetuar uma adoção, mas
civil organizada e de organismos internacionais, os
esperam por longos períodos até que o processo seja
quais compuseram a Comissão Intersetorial criada
efetivado. Dado o interesse dos brasileiros pela
pelo Decreto Presidencial de 19 de outubro de 2004,
adoção, é realmente necessário que crianças e
que elaborou os subsídios apresentados ao Conselho 9
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Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
e de provisoriedade estabelecidos pelo Estatuto da
(CONANDA) e ao Conselho Nacional de Assistência
Criança e do Adolescente, bem como assegurando
Social (CNAS).
parâmetros técnicos de qualidade no atendimento e
Os conselhos analisaram e aprimoraram a proposta inicial, que foi, em seguida, submetida à
acompanhamento às famílias acolhedoras, às famílias de origem, às crianças e aos adolescentes;
consulta pública, o que garantiu o caráter democrático
Assegurar que o Acolhimento Institucional seja
de construção do documento. As diversas
efetivamente utilizado como medida de caráter
contribuições recebidas das diferentes regiões do país
excepcional e provisório, proporcionando
favoreceram a adequação do Plano à realidade
atendimento individualizado, de qualidade e em
brasileira, bem como aos pressupostos do Estatuto da
pequenos grupos, bem como proceder ao
Criança e do Adolescente e às normativas vigentes.
reordenamento institucional das entidades para que
Entre os objetivos do Plano destacam-se os seguintes:
sejam adequadas aos princípios, às diretrizes e aos procedimentos estabelecidos no ECA1.
“Dados atuais do CNA revelam que no Brasil existem mais de 23 mil pretendentes interessados em adotar e mais de 3.600 crianças e adolescentes esperando por uma família”
Situação em números O Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Ampliar, articular e integrar as diversas políticas e
lançou, em abril de 2008, o Cadastro Nacional de
programas, projetos, serviços e ações de apoio social e
Adoção (CNA), que tem por objetivos agilizar os
familiar para a promoção, a proteção e a defesa do
processos de adoção, por meio do mapeamento de
direito de crianças e adolescentes à convivência
informações unificadas, bem como possibilitar a
familiar e comunitária;
implantação de políticas públicas na área. Dados atuais deste cadastro revelam que no
Proporcionar, por meio de apoio psicossocial
Brasil existem mais de 23 mil pretendentes
adequado, a manutenção da criança ou do adolescente
interessados em adotar e mais de 3.600 crianças e
em seu ambiente familiar e comunitário,
adolescentes esperando por uma família. É importante
considerando os recursos e as potencialidades da
destacar que entre o número de adolescentes que
família natural, da família extensa e da rede social de
aguardam por uma família substituta pode haver um
apoio;
pequeno grupo que atingiu a maioridade durante o primeiro ano de cadastramento das informações. Esse
Fomentar a implementação de Programas de Famílias Acolhedoras, como alternativa de
cadastramento foi realizado pelas Varas da Infância e Juventude de todos os estados brasileiros.
acolhimento a crianças e adolescentes que necessitam
Os estados que mais têm pessoas interessadas
ser temporariamente afastados(as) de suas famílias de
em adotar são, respectivamente, São Paulo (6.163),
origem, atendendo aos princípios de excepcionalidade
Rio Grande do Sul (4.027),
10
1 Trechos retirados do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
setembro de 2009
Paraná (3.375) e Minas Gerais (2.454).
Ainda de acordo com dados do CNA, a
Curiosamente, são estes os estados com os maiores
maioria das pessoas interessadas em adotar tem entre
índices de crianças e adolescentes aguardando a
41 e 50 anos, o que representa 10.083 casais. Já entre
adoção. Seguindo-se a mesma ordem de unidades da
as crianças e os (as) adolescentes cadastrados, a maioria
federação, SP corresponde a 1.165 crianças
(355) tem 14 anos de idade, fator que, infelizmente,
cadastradas; RS tem 734; Paraná, 738; e MG, 277.
reduz as chances de adoção, uma vez que apenas
As estatísticas do Conselho Nacional de
0,02% dos interessados em adotar (somente 4 dos
Justiça confirmam a opinião da senadora Patrícia
mais de 23 mil pretendentes) aceitariam adolescentes
Saboya sobre as preferências na adoção.
com essa idade. Os números indicam a necessidade urgente de se investir em políticas públicas que garantam de fato
“Os números indicam a necessidade urgente de se investir em políticas públicas que garantam de fato o direito à convivência familiar e comunitária para essas crianças que hoje se encontram sob a tutela do Estado”
o direito à convivência familiar e comunitária para essas crianças que hoje se encontram sob a tutela do Estado. Mais do que um lar, esses (as) jovens precisam inegavelmente de uma proteção efetiva, que os três poderes não conseguem oferecer.
PERFIL DOS PRETENDENTES CADASTRADOS2 Total de candidatos a adotarem: 23.283 PREFERÊNCIAS Total de pretendentes que somente aceitam crianças da raça branca Total de pretendentes que aceitam crianças da raça negra Total de pretendentes que aceitam crianças da raça indígena Total de pretendentes que desejam adotar 2 crianças Total de pretendentes que desejam adotar 5 crianças Total de pretendentes que aceitam crianças com até 9 anos de idade Total de pretendentes que desejam adotar crianças que sejam somente do sexo feminino Total de pretendentes que desejam adotar crianças que sejam somente do sexo masculino
% 40,99% 25,94% 24,28% 13,19% 0,01% 0,28% 33,68% 9,28%
PERFIL DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES3 Total de crianças e adolescentes cadastrados para adoção: 3.657 PERFIL Total de crianças/adolescentes da raça branca Total de crianças/adolescentes da raça negra4 Total de crianças/adolescentes que possuem irmãos Total de crianças/adolescentes com irmãos cadastrados no CNA Total de crianças/adolescentes que possuem problemas de saúde Total de crianças/adolescentes do sexo masculino Total de crianças/adolescentes do sexo feminino
setembro de 2009
2 Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir de dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). 3 Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a partir de dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). 4 Consideram-se “negras” as crianças pretas e pardas.
% 36,31% 62,67% 71,64% 26,00% 20,04% 55,12% 44,87%
11
Projeto que implementa SINASE aguarda parecer de senadores Pesquisa realizada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos comprova que medidas em meio aberto são mais eficazes que a internação
responsabilização e inclusão social. Entre outras coisas, o SINASE prevê a mudança na concepção arquitetônica das unidades de
No dia 2 de junho deste ano, o plenário da
internação, que deverá privilegiar construções
Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei
horizontais e espaços para atividades físicas. Serviços
1.627/2007, inspirado em resolução do CONANDA,
de educação, saúde, lazer, cultura, esporte e
que dispõe sobre os sistemas de atendimento
profissionalização são prioridades no Sistema. Além
socioeducativo aos (às) adolescentes em conflito com a
disso, o projeto detalha o papel do Poder Público na
lei e institui o SINASE (Sistema Nacional de
aplicação das medidas e determina que os municípios
Atendimento Socioeducativo). A matéria seguiu para
elaborem planos para o cumprimento de medidas
o Senado, onde aguarda votação.
socioeducativas em meio aberto.
A medida representa um grande avanço na
A implementação do SINASE é uma
garantia dos direitos de adolescentes autores (as) de
atribuição da Subsecretaria de Promoção dos Direitos
atos infracionais, uma vez que garante sua
da Criança e do Adolescente, vinculada à Secretaria
ressocialização por meio de medidas educativas, e não
Especial de Direitos Humanos da Presidência da
repressivas, como, por exemplo, o sistema prisional
República (SPDCA/SEDH/PR), por meio do
brasileiro, visivelmente falido.
Programa Pró-Sinase (Programa de Implementação
O SINASE é um sistema integrado que articula os três níveis de governo para o
do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).
desenvolvimento de uma política pública de
A Agenda Social, lançada em 2007, é uma
atendimento a adolescentes em conflito com a lei. Foi
política voltada para a proteção de crianças e
concebido considerando-se a intersetorialidade e a
adolescentes e tem no Programa “Na Medida Certa” a
corresponsabilidade da família, da comunidade e do
definição das ações, das metas e do orçamento para a
Estado. Aprovado por resolução do Conselho
implantação do SINASE. São ações do programa: a
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
municipalização das medidas socioeducativas em
(CONANDA), prevê diretrizes e parâmetros para a
meio aberto; a construção, reforma e equipagem das
formulação e execução dos serviços de atendimento
unidades de internação e semiliberdade; implantação
que têm a tarefa de oportunizar aos (às) adolescentes as
de núcleos nas Defensorias Públicas/Apoio a Centros
condições adequadas para seu processo de
de Defesa; inclusão prioritária dos (das) adolescentes
12 setembro de 2009
de 15 a 17 anos no Bolsa Família e dos egressos no
Criança e do Adolescente realizou, no final de 2008, o
“Programa da Juventude” e implantação de centros de
Levantamento Nacional do Atendimento
formação/cursos de especialização.
Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a
Todas essas ações, conforme informações da
Lei, documento que reúne informações quantitativas
SEDH, mobilizaram um montante de recursos
atualizadas sobre execução da internação, internação
financeiros na ordem de R$ 534 milhões, que devem
provisória e semiliberdade existentes no país.
ser gastos entre 2007 e 2011, sendo acompanhadas
De acordo com o relatório, no Brasil existem
pela Comissão Intersetorial instituída pelo Decreto
quase 17 mil adolescentes cumprindo essas três
Presidencial de 13 de julho de 2006.
medidas. Deste total, cerca de 95% são meninos e apenas 5% são meninas.
“Mais do que fazer valer uma norma, o SINASE pretende mudar uma cultura”
que o número de adolescentes em semiliberdade
É assim que Lucia Elena Rodrigues,
aumentou, passando de 1.214 em 2007 para 1.419 no
coordenadora geral do Pró-Sinase, avalia os desafios de
período da pesquisa (2008). Também é possível
se implantar no país uma nova legislação de
observar uma queda na internação provisória, que caiu
atendimento aos (às) adolescentes em conflito com a
de 3.852 (2007) para 3.715 (2008). Segundo Lucia
lei.
Elena, esses dados apontam para o aumento na
Um ponto que merece destaque no relatório é
A coordenadora explica que a justiça juvenil
aplicação das medidas em meio aberto, o que
não pode ser a reprodução, por analogia, do sistema
representa a consolidação da organização de um
penal. Essa ideia é inadequada, tendo em vista que
sistema, como definido pelo Estatuto, e a priorização
adolescentes, por definição da própria Constituição
das medidas que propiciam o fortalecimento do
Federal, não devem ser tratados(as) como adultos(as)
convívio familiar e comunitário.
em miniatura, mas como sujeitos em condições
Ainda de acordo com os dados do relatório, a
peculiares de desenvolvimento. Nesse sentido, os (as)
taxa de crescimento do sistema de internação, de 2007
adolescentes devem ser responsabilizados(as) com
para 2008, foi de 2,17%. Vale ressaltar que essa mesma
base na perspectiva socioeducativa, de acordo com a
taxa foi de 28% entre os anos de 2002 e 2006,
sua idade, a gravidade dos fatos, o histórico desse(a)
informações que também apontam para o
jovem, entre outros fatores.
crescimento da implantação dos serviços para o
Aprovado como resolução pelo CONANDA,
atendimento em meio aberto.
é necessário também que seja instituído por lei, e com
“Promover inclusão é um grande desafio. É
este objetivo tramita no legislativo federal, o Projeto
uma ação de Governo, e não de uma secretaria
de Lei já aprovado pela Câmara dos Deputados.
isoladamente”, afirma a coordenadora do Pró-Sinase,
Encaminhado ao Senado para discussão e deliberação,
enfatizando a importância de articular ações entre os
normatiza os múltiplos aspectos desta política.
diversos ministérios, programas, ações e atores sociais.
A Subsecretaria de Promoção dos Direitos da
Nesse sentido, Lucia Elena destaca também a 13
setembro de 2009
importância de se investir não apenas no atendimento
(Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do
direto a esses(as) jovens que cometeram atos
Adolescente), de Brasília (DF), afirma que as unidades
infracionais, mas também em políticas que garantam
de internação do Distrito Federal ainda estão em
o acesso com qualidade à educação, à saúde, ao
desacordo com a resolução do SINASE. Um dos
esporte, ao lazer e à cultura, para que esses meninos e
pontos que Perla Ribeiro considera mais grave é a
essas meninas possam desenvolver suas
terceirização da aplicação das medidas
potencialidades.
socioeducativas, o que compromete o orçamento destinado e precariza as atividades.
Pontos relevantes
Ainda segundo a coordenadora do CEDECA,
No projeto de lei que aguarda votação no
várias são as razões pelas quais o SINASE ainda não foi
Senado, alguns pontos se destacam pela maneira como
implantado efetivamente. A primeira passa pelo
permitem a responsabilização coerente de
desconhecimento do documento, que é relativamente
adolescentes em conflito com a lei.
recente, embora no Distrito Federal “esse não seja o
A matéria determina que o cumprimento das
caso”, de acordo com Perla Ribeiro, pois afirma que a
medidas socioeducativas (em regime de prestação de
maioria dos gestores tem conhecimento do
serviços à comunidade, liberdade assistida,
documento. O outro motivo seria a resistência
semiliberdade ou internação) dependerá de um Plano
provocada pela orientação política desses gestores.
Individual de Atendimento (PIA), que servirá como
Na coordenação do CEDECA desde 2005,
“instrumento de previsão, registro e gestão das
Perla Ribeiro destaca que as principais violações de
atividades a serem desenvolvidas com o (a)
direitos que chegam ao conhecimento do Centro são
adolescente”. O PIA será elaborado sob a
praticadas pelo próprio Estado, na medida em que
responsabilidade da equipe técnica do programa de
alguns adolescentes são agredidos dentro das unidades
atendimento com a participação do(a) jovem, de sua
de internação, nas quais a execução das medidas
família ou de seus responsáveis legais.
socioeducativas é de responsabilidade do Governo.
No projeto também fica muito claro que as
Para Perla Ribeiro, o problema começa na
medidas devem levar em consideração o princípio da
elaboração das políticas públicas, que nem sempre
brevidade, ou seja, que as medidas excepcionais ,
contemplam todos os aspectos importantes, como o
como a internação, devem ser substituídas sempre que
orçamento destinado a cada política. Muitas vezes, os
possível por medidas mais brandas, de acordo com a
recursos são insuficientes e as políticas ineficientes,
gravidade da infração. Isso representa maiores
pois estão em desacordo com a realidade das famílias
garantias ao direito à convivência familiar e
atendidas.
comunitária.
Por outro lado, para a coordenadora do CEDECA, a população ainda enxerga muitas coisas
Medidas socioeducativas no DF Perla Ribeiro, coordenadora do CEDECA
sob a ótica do antigo Código de Menores, documento anterior ao ECA (Estatuto da Criança e do
14 setembro de 2009
Adolescente), de caráter extremamente repressivo.
permanentemente atualizados. A parceria com as
Falta, muitas vezes, a noção de que crianças e
universidades possibilita ganhos no conhecimento da
adolescentes são sujeitos de direitos, concepção
realidade e na busca das melhores alternativas.
inovadora a qualquer regulamentação anterior ao ECA.
A execução das medidas socioeducativas nos estados adquire os mais diversos contornos. A
“As pessoas tendem a colocar o problema no
percepção das entidades e pessoas que atuam na área
indivíduo”, destaca Perla Ribeiro, ao dizer que todo
da infância e da juventude sobre o atendimento ao (à)
ato de violência não é simplesmente uma questão de
adolescente autor(a) de ato infracional foi um dado
escolha, mas de contextos e violações de direitos.
fundamental para retratar as formas, as concepções e as práticas desenvolvidas nesse atendimento. Essa
Situação das unidades de internação
radiografia foi feita com base nos dados apurados pelos
Em 2007, quando foi aprovada a resolução do
Fóruns Estaduais de Defesa dos Direitos da Criança e
CONDANDA, o Fórum Nacional de Defesa dos
do Adolescente, juntamente com outros dados oficiais
Direitos da Criança e do Adolescente (FNDCA)
sobre a execução de medidas socioeducativas.
definiu como tema prioritário o monitoramento da implementação do SINASE.
Durante os seminários, foram realizadas visitas às unidades de internação dos 26 estados e, a
Foram realizados, em todos os estados
partir das discussões sobre a realidade observada, os
brasileiros, seminários de divulgação do documento,
participantes dos seminários assumiram o
que tiveram como objetivos radiografar a situação
compromisso pela implementação do SINASE,
nacional e construir pactos em cada estado para o
mediante uma agenda de ações. A agenda dos estados
monitoramento e a implementação do SINASE. Ao
concentrou atividades voltadas para a mobilização, o
todo, os eventos tiveram a participação de
orçamento prioritário para área da infância e
aproximadamente 1.600 pessoas e 637 instituições,
adolescência, o aprimoramento dos dados sobre
que contribuíram para o debate sobre o tema.
jovens cumprindo medidas socioeducativas, a
Os representantes presentes nos seminários
formação e a qualificação, o aprimoramento e a
discutiram o papel da sociedade civil e o
adequação da execução das medidas socioeducativas,
acompanhamento crítico da situação em que se
entre outros temas.
encontrava a aplicação das medidas socioeducativas, bem como os desdobramentos necessários para que o
Execução orçamentária
SINASE se concretize como política pública e garanta
O conjunto de ações e programas do
a sua aplicabilidade na perspectiva da garantia dos
orçamento público voltado para políticas de proteção
direitos humanos, dos preceitos constitucionais e dos
e desenvolvimento infanto-juvenil é chamado de
princípios do ECA.
Orçamento Criança e Adolescente (OCA). O
Durante os debates, ficou evidente a
Orçamento Criança não é um documento e nem um
importância da realização de diagnósticos precisos e
conceito oficial. É uma metodologia criada pelo 15
setembro de 2009
INESC, juntamente com o UNICEF e a Fundação
ato infracional cometido. Trata-se de um documento
Abrinq, que especifica e analisa o gasto público com
elaborado democraticamente, com a participação de
crianças e adolescentes em diversas áreas, como
vários segmentos da sociedade por meio de consultas
educação, saúde, assistência social e direitos de
públicas, seminários de debates, todos baseados em
cidadania. A partir dessas avaliações, é possível traçar
argumentos circundantes ao ECA e à Convenção
estratégias de incidência política para priorizar o
sobre os Direitos da Criança. Portanto, sua
segmento infanto-juvenil no orçamento.
implantação representa enfrentar desafios para além
Tendo como base de análise a LOA (Lei
do que as pessoas percebem.
Orçamentária Anual) de 2009, o Orçamento Criança
A responsabilização pelo ato cometido é uma
e Adolescente nos revela que, até o dia 10 de julho
importante medida para o desenvolvimento de
deste ano, foram investidos R$ 90 mil em ações de
crianças e adolescentes, desde que feita com base em
apoio à municipalização das medidas socioeducativas
princípios socioeducativos previstos pelo SINASE.
em meio aberto, o que corresponde a 2,61% do total autorizado para tal ação ®$ 3.450.000,00).
“Promover inclusão é um grande desafio. É uma ação de Governo, e não de uma secretaria isoladamente”, afirma a coordenadora do PróSinase Entretanto, dos R$ 51,5 milhões autorizados para a construção, reforma e ampliação de unidades de semiliberdade e internação, nada foi utilizado até a mesma data. O mesmo acontece com os R$ 7 milhões que deveriam ser gastos com a formação de operadores do sistema de atendimento socioeducativo. Há que se pensar na garantia de direitos como um esforço conjunto entre sociedade civil e Poder Público, visto que ambos têm diferentes poderes, que de maneira articulada potencializam a defesa dos direitos humanos. A destinação estratégica dos recursos também se revela uma importante ação para a ressocialização desses(as) jovens. A aprovação do SINASE enquanto projeto de lei é um importante avanço no sentido de garantir a correta responsabilização do(a) jovem em relação ao 16 setembro de 2009
Fim da desvinculação
o que permitiria o fim imediato da DRU sobre a educação já a partir da promulgação da futura emenda
das Receitas da Educação aguarda votação na Câmara Aprovação representa mais investimentos no
constitucional. Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e membro titular da Comissão Organizadora da CONAE (Conferência Nacional de Educação), esclarece alguns pontos da matéria em tramitação no Congresso Nacional.
setor educacional, mas especialista acredita que esta matéria não será analisada em breve
O que é a DRU?
A educação é um dos direitos fundamentais
Daniel Cara - A DRU (Desvinculação das Receitas da
definidos pelo ECA (Estatuto da Criança e do
União) é um mecanismo contábil criado em 1994, por
Adolescente) desde sua promulgação, em 13 de julho
proposição do governo do presidente Fernando
de 1990. Quando estabelece, em seu artigo 53, que “a
Henrique Cardoso. Seu primeiro nome foi Fundo
criança e o adolescente têm direito à educação, visando
Social de Emergência. Posteriormente, foi
ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para
denominado Fundo de Estabilização Fiscal. Apenas a
o exercício da cidadania e qualificação para o
partir do ano 2000, o mecanismo passou a ter seu
trabalho”, o documento deixa muito claro que o
nome atual, mais compatível com seu formato e sua
Estado tem a obrigação de oferecer acesso ao ensino
função, pois se trata efetivamente de uma
público de qualidade, concretizando a real
desvinculação.
possibilidade de que meninos e meninas amadureçam
A DRU desvincula 20% da receita tributária
com capacidade de reflexão sobre o mundo e com
da União, ou seja, graças a esse mecanismo, o Governo
participação até mesmo política, na medida em que
Federal pode gastar livremente 20% de todas as
podem construir, com o passar do tempo, uma
receitas vinculadas constitucionalmente. O problema
consciência crítica acerca de suas diversas realidades.
é que são exatamente essas vinculações constitucionais
Nesse sentido, tramita na Câmara dos
que garantem os investimentos nas áreas sociais,
Deputados a Proposta de Emenda à Constituição
especialmente em educação e seguridade social.
(PEC) nº 277, de 2008, de autoria da senadora Ideli
Segundo o artigo 212 da Constituição Federal, deve
Salvatti (PT-SC), que propõe o fim da Desvinculação
ser aplicado 18% do total arrecadado com impostos
de Receitas da União (DRU) para a educação até o
em educação.
exercício de 2011. De acordo com a PEC, esse
É importante ressaltar que a Campanha
desconto cairia para 12,5% em 2009 e para 5% em
Nacional pelo Direito à Educação defende o fim da
2010, ficando nulo a partir de 2011. Entretanto, um
DRU para todas as áreas sociais, não apenas para a
destaque feito pelo Partido Popular Socialista (PPS)
educação. Afinal, defendemos a pauta da integralidade
tem o objetivo de retirar da PEC esse caráter gradativo,
dos direitos. E é fundamental reforçar que essa foi a 17
setembro de 2009
deliberação da CONEB (Conferência Nacional de
seu direito à educação, e os familiares não têm
Educação Básica).
respeitado seu direito ao trabalho. Pior: a falta de unidades escolares prejudica gritantemente mais as
“Desde que foi criada, em valores corrigidos, a perda estimada da educação com a DRU é de mais de R$ 80 bilhões”
famílias com baixo ou baixíssimo poder aquisitivo. Portanto, colabora com a manutenção das desigualdades socioeconômicas. Além da falta que o dinheiro faz, a existência
O que a DRU representa para a educação, no sentido
da DRU, mesmo com a suposta devolução, atrapalha
orçamentário e político?
o planejamento do Ministério da Educação, porque o
Daniel Cara - Desde que foi criada, em valores
dinheiro volta irregularmente. Portanto, fica mais
corrigidos, a perda estimada da educação com a DRU
difícil fazer um bom uso dele. Para a sociedade civil, a
é de mais de R$ 80 bilhões. Para se ter uma ideia, com
DRU é injusta e nociva, porque destrói o princípio
esse montante, seria possível construir mais de 30 mil
constitucional da vinculação e diminui nosso poder de
unidades escolares de educação básica, todas
pressão sobre o destino desse dinheiro. Por exemplo,
equipadas adequadamente, segundo o estudo do
nós defendemos uma priorização da educação infantil
CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), desenvolvido
e do ensino médio, as duas pontas frágeis da educação
pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. E
básica brasileira. Sem a DRU, a pressão fica mais
essas unidades escolares poderiam significar um
objetiva, livre, com menos obstáculos.
avanço importante rumo ao cumprimento das metas do PNE (Plano Nacional de Educação). Porém, contrários ao fim da DRU na
Ainda assim, em 2007, a perda com a DRU chegou ao patamar de R$ 7,451 bilhões. É uma perda assustadora.
educação, muitos setores econômicos argumentam que o Governo Federal tem tomado como prática a
Um dos pontos em destaque na PEC 277/2008 é o
devolução dos recursos extraídos com ela para o
fim imediato do percentual da DRU na área da
Ministério da Educação (MEC). Isso não é verdade.
educação, cuja proposta original previa que fosse
De fato, isso ocorreu mais fortemente em 2006, um
gradativo até 2011. De qualquer maneira, existem
ano eleitoral. Naquele ano, os 18% constitucionais
estratégias de aplicação desse recurso a mais que seria
acumularam aproximadamente R$ 20,504 bilhões, e
disponibilizado para a educação?
foram gastos cerca de R$ 19,832 bilhões. A perda com
Daniel Cara - O fim imediato da DRU foi deliberado
a DRU foi de quase R$ 672 milhões. Ou seja, ainda
na Conferência Nacional de Educação Básica, em
assim a perda foi grande. Daria para que fossem
abril de 2008. E foi lá que retomou força esse
construídas, só com esse saldo, mais de 220 escolas.
movimento de luta pelo fim da incidência da DRU na
Para milhares de famílias que não conseguem ter seus
educação. Nós [do movimento educacional] e os
filhos matriculados em creche, por exemplo, esse
setores do parlamento já tínhamos feito várias
prejuízo é bastante real, pois as crianças são alijadas de
tentativas antes, mas todas naufragaram. A senadora
18 setembro de 2009
Ideli Salvati (PT-SC), com forte apoio do senador Cristóvam Buarque (PDT-DF), lideraram a aprovação
Dada a importância do tema, por que a matéria
da extinção da DRU no Senado Federal, que
continua aguardando apreciação dos parlamentares?
aparentemente era a etapa mais difícil. E na
Há questões de interesses partidários envolvidas no
negociação naquela Casa ficou aprovado o fim
processo?
gradual. Não é o ideal, mas era um caminho
Daniel Cara - Ocorreu que a oposição, para prejudicar
promissor, com forte apoio do setor educacional.
a tramitação de uma matéria forte em ano préeleitoral, propôs um destaque para o fim imediato da
Ainda existem pontos conflitantes na PEC
DRU. Isso, como já sabíamos no processo vivido no
277/2008?
Senado Federal, não seria aceito pelo Executivo, e o
Daniel Cara - Quando a matéria chegou à Câmara dos
fim da DRU ficou mais uma vez travado. Caso seja
Deputados, muitos temas foram incorporados à PEC
aprovado na Câmara dos Deputados, com a rejeição
277-A/2008: extensão da obrigatoriedade escolar,
desse destaque, o tema volta para o Senado Federal, e
pontos relacionados ao Plano Nacional de Educação,
todos os outros pontos incluídos poderão ser retirados
novos elementos ao regime de colaboração na gestão
ou poderão ganhar nova redação. Ou seja,
educacional, entre outros. Em tese, todos são temas
provavelmente nessa legislatura não será possível
positivos, mas que careciam de maior discussão,
debater esses temas e extinguir a incidência da DRU
especialmente a obrigatoriedade da pré-escola, que
na educação.
segundo a proposta cinde a educação infantil e isola
Se as matérias tramitassem em separado, talvez
ainda mais a creche. Para esclarecer, ninguém defende
o resultado fosse outro. É aquela história, “mais vale
a obrigação da creche, porém ela precisa ser protegida,
um pássaro na mão do que dois voando”. Porém, a
sob o risco de ser ainda mais fragilizada. O texto da
sociedade civil, com base nas deliberações da CONEB
PEC não dá conta disso. É falho.
e da CONAE (Conferência Nacional de Educação),
Desse modo, como nem o MEC, que apoia a
levará todos esses temas a debate nas jornadas para
PEC, nem o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN),
criação, aprovação e sanção do novo Plano Nacional
que é o relator, chamaram a sociedade civil para um
de Educação 2011-2020. Agora, ainda assim é
debate sobre a inclusão desses novos temas, a PEC
importante pressionarmos o Congresso Nacional pelo
277-A/2008 teve uma tramitação acelerada e sem o
fim da incidência da DRU na educação e na
apoio do setor educacional na Câmara dos Deputados.
seguridade social.
Com isso, o texto deixou de ter algumas qualidades técnicas que eram imprescindíveis, além de não contar
Quais são os maiores desafios na busca pela educação
com o apoio social e da opinião pública de que
de qualidade?
necessita. Foi um erro grave de estratégia e deflagra
Daniel Cara - O Brasil precisa seguir o caminho já
uma forma equivocada de encarar a relação com a
trilhado pelos países que avançaram rápido e
sociedade civil.
significativamente em termos educacionais, como 19
setembro de 2009
Japão, Coreia do Sul e Irlanda: investir mais e melhor
necessário investir para se oferecer uma educação
em educação, estimular a participação social nos
básica pública de qualidade para os cerca de 48
processos de tomada de decisão desde as escolas até as
milhões de estudantes brasileiros. Chegamos ao
políticas nacionais, estimular práticas avaliativas
montante anual de investimentos entre R$ 26 bilhões
democráticas nas redes e unidades escolares e valorizar
e R$ 29 bilhões, além do que já é investido em
os profissionais da educação. Infelizmente, ainda
educação básica, aproximadamente R$ 114 bilhões,
estamos distantes de qualquer resultado satisfatório
segundo dados consolidados de 2007. Porém,
em qualquer um desses pilares. Contudo, há uma
segundo as metas do Plano Nacional de Educação,
movimentação social e política interessante que, ao
deveríamos ter mais de 60 milhões de estudantes no
longo do tempo, pode acumular forças capazes de
ensino básico. Nesse caso, precisaríamos investir R$
mudar esse quadro. A CONAE deve ser um
90 bilhões anuais a mais do que já investimos hoje,
momento-chave nesse sentido. As etapas municipais e
porque seria preciso ampliar e muito as redes
intermunicipais estão sendo concluídas agora. Depois
educacionais para que possamos dar conta de toda essa
vêm as etapas estaduais e, no final de março de 2010,
nova demanda. Claro, no máximo, no prazo de uma
começa a etapa federal. Até lá, centenas de milhares de
década, o investimento deve começar a cair
brasileiros e brasileiras discutirão os rumos e as
gradativamente. Mas, antes, precisamos investir mais
políticas públicas educacionais. É um espaço
e melhor, ou seja, com forte acompanhamento e
promissor.
controle social.
O UNICEF divulgou recentemente o relatório “Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 O Direito de Aprender: Potencializar Avanços e Reduzir Desigualdades”. De acordo com o documento, cerca de 680 mil crianças brasileiras entre 7 e 14 anos estão fora da escola. Segundo a Pnad de 2007, 82,7% dos analfabetos de 15 anos ou mais do Norte são negros ou pardos, o que evidencia a desigualdade racial. Os recursos provenientes da eliminação da DRU poderiam contribuir significativamente para a redução das desigualdades e para a melhoria na qualidade da educação? Daniel Cara - Não seriam suficientes, mas colaborariam muito. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em seu estudo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), calculou o quanto é 20 setembro de 2009