27 Ano XII • nº 27 • fevereiro de 2011
o Plano Nacional de Educação
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Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc
O Governo Federal apresentou ao Congresso Nacional, já no apagar das luzes de 2010 e com significativo atraso, o Projeto de Lei que dará origem ao novo Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência de 2011 a 2020. O Plano, composto por 20 metas e várias estratégias para atingi-las, é bastante tímido se comparado às Resoluções da Conferência Nacional de Educação (Conae), cujos dispositivos deveriam servir de inspiração para a elaboração do PNE. Tal constatação é flagrante especialmente em relação ao financiamento da educação, pois a proposta é alcançar 7% do PIB até 2020, quando a Conae recomendava 7% em 2011 com perspectiva de se atingir 10% até 2014. Esses números não são aleatórios, uma vez que são estipulados mediante cálculos feitos por especialistas, com base no indicador elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que aglutina representantes de inúmeras instituições ligadas à área da educação, assimilado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). O CAQi (ou Custo Aluno-Qualidade Inicial) inverte a lógica utilizada até então pelo MEC para a distribuição de recursos, que se baseia na divisão da verba disponível pelo número de alunos existentes, ou seja, ele parte de um patamar mínimo calculado para que a educação seja de quali-
dade, no qual estão incluídos insumos que vão desde o salário dos professores até os gastos com limpeza. No entanto, embora o índice tenha sido incorporado pelo CNE e aprovado na Conae, na proposta do governo para o PNE ele foi inserido de forma tímida e, de certa maneira, equivocada, pois a lógica permanece a mesma utilizada até então pelo Ministério, quando exposta na vigésima meta, quinta estratégia, com o seguinte texto: “Definir o custo aluno-qualidade da educação básica à luz da ampliação do investimento público em educação”. O raciocínio deveria ser inverso: o índice é que precisaria indicar o investimento necessário. Portanto, fala-se de 50% das escolas com educação integral, universalização do ensino fundamental de nove anos, universalização do atendimento escolar à população de 15 a 17 anos, aumento das médias do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), elevação da escolaridade média da população, erradicação do analfabetismo absoluto e redução do analfabetismo funcional em 50%, entre outras metas. Todavia, é sabido que os recursos são insuficientes; por tal razão, corre-se o risco de novamente chegarmos ao final dos dez anos dizendo que as metas não foram cumpridas, entre outros motivos, pela falta de investimento, como ocorreu com o PNE expirado em 2010.
Outro problema grave é o estipulado para a educação de 0 a 3 anos, as creches, cuja meta permanece a mesma do PNE anterior, ou seja, 50% das crianças atendidas até 2020. Sabe-se que essa dívida é histórica e precisa ser sanada com maior celeridade. Além disso, entre as estratégias para esta meta está o estímulo à concessão de certificados para entidades beneficentes de assistência social, que tira a responsabilidade da área da educação e a coloca, novamente, no âmbito da assistência. As metas não são ambiciosas, ao contrário: elas são tímidas para um país que se pretende desenvolvido e quer ser, em breve, a quinta economia do mundo. Sabe-se que o melhor e mais eficiente caminho para o desenvolvimento é o investimento amplo em educação, o que ainda está longe de se transformar em realidade no Brasil. A sociedade deve se mobilizar e incidir politicamente junto ao Congresso Nacional, para que se consiga aprofundar o alcance do Plano e ampliar o financiamento da educação rumo a uma verdadeira educação pública de qualidade.
“Definir o custo aluno-qualidade da educação básica à luz da ampliação do investimento público em educação”.
Criança & Adolescente: prioridade no parlamento - é uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com o Conada e o UNICEF. Apoio: Conanda. Tiragem: 1,5 mil exemplars. INESC – End: SCS – Qd, 01, Bloco L – 13º andar - Cobertura – Ed. Márcia – CEP. 70.307-900 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 - Fax: (61) 3212-0216 – E-mail: protocoloinesc@inesc.org.br – Site: www.inesc.org.br. Conselho Diretor: Analuce Rojas Freitas; Eva Teresinha Silveira Faleiros; Fernando Oliveira Paulino; Jurema Pinto Werneck; Luiz Gonzaga de Araújo. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello, Cleomar Manhas, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Márcia Acioli, Ricardo Verdum, Lucídio Bicalho Barbosa. Assistente de Direção: Ana Paula Soares Felipe. Comunicação: Vértice/Gisliene Hesse e AF2 Comunicação/Analu Fernandes. Fotografia: Lila Rosa Sardinha Ferro.
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Esta publicação utiliza papel reciclado
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fevereiro de 2011
Saiba mais sobre o PNE O Plano Nacional de Educação (PNE), apesar de ter sido pensado pela primeira vez em 1932, por um grupo de intelectuais, em documento intitulado “Manifesto dos Pioneiros da Educação”, só foi formalizado a partir da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. E, mesmo após a Carta Magna e a LDB, o Poder Executivo só o apresentou ao Congresso, pela primeira vez, em 1998, tendo sido aprovado em 2000 para vigorar entre 2001 e 2010. O segundo acaba de ser apresentado com atraso, visto que entraremos em 2011 sem que o PNE 2011/2020 tenha sido sequer analisado previamente pelo Legislativo, pois foi apresentado pelo Executivo já em dezembro. O PNE apresenta as metas e estratégias necessárias para que a educação, em seus vários níveis, avance. É o planejamento formulado pelo governo federal, que em tese deveria ouvir a sociedade durante as conferências realizadas, apresentado em forma de Projeto de Lei ao Legislativo, para que seja debatido e transformado em Lei. O Plano oferecido para os próximos dez anos possui 20 metas e 170 estratégias. No entanto, falta, em várias metas e estratégias, o estabelecimento de prazo de realização do proposto, dificultando o monitoramento e a avaliação de sua execução por parte da sociedade. As metas são: 1. Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, além de ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos. 2. Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de 6 a 14 anos. 3. Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% nesta faixa etária. 4. Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o fevereiro de 2011
atendimento escolar aos estudantes com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. 5. Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade. 6. Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica. 7. Atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB: 8. Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo a alcançar o mínimo de 12 anos de estudo para as populações do campo da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade educacional. 9. Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. 10. Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. 11. Duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta. 12. Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta. 13. Elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de educação superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores. 3
14. Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores. 15. Garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. 16. Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, além de garantir a todos formação continuada em sua área de atuação. 17. Valorizar o magistério público da educação básica a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente.
Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, além de garantir a todos formação continuada em sua área de atuação. 18. Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino. 19. Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar. 20. Ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto do país.
Benefícios que podem advir com o novo PNE Cesar Callegari - sociólogo e membro do Conselho Nacional de Educação. É autor de vários livros técnicos e tem um notável currículo de serviços prestados à educação, à cultura, à ciência e à democracia. O Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-
pacto pela educação de qualidade para todos. Portan-
2020 nasceu das deliberações da Confederação Na-
to, deve ser fruto da participação de muitos e precisa
cional de Educação. Este será um plano mais conci-
ser defendido por todos. A mobilização em torno da
so, com menor número de objetivos e metas e mais
Conae foi necessária para a elaboração da nova lei,
focado nos principais problemas e compromissos. A
que não poderia ter o perfil de um documento pensa-
intenção é que ele seja a matriz de uma lei de respon-
do entre as quatro paredes do Congresso. Mas não foi
sabilidade educacional.
suficiente. Agora, precisamos mobilizar todo o País
O novo PNE estabelece o prazo limite para
no cumprimento da nova lei.
que estados e municípios façam, revejam e, poste-
O Brasil precisa mais do que dobrar seus in-
riormente, atualizem os seus próprios planos, fixando
vestimentos em educação e aplicar mais de sete por
metas específicas de acordo com cada realidade. Apro-
cento do PIB nesse setor. Os investimentos devem
vados, estes planos também devem responsabilizar go-
assegurar a disponibilidade de insumos mínimos ne-
vernadores e prefeitos pelo seu cumprimento.
cessários para sua necessidade. Vamos eliminar as de-
Planos de educação devem ser a síntese de um 4
sigualdades educacionais do País! fevereiro de 2011
Entrevista com
Daniel Cara O “Boletim Criança e Adolescente: prioridade no parlamento” entrevistou Daniel Cara,* coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para saber mais sobre as inovações do Plano Nacional de Educação 2011-2020. O especialista aborda questões como o aumento do investimento na educação, a valorização profissional do(a) professor(a), a educação integral e a qualidade na educação. Daniel sonha “que todos os brasileiros e as brasileiras sejam plenamente alfabetizados e que as crianças e os adolescentes (...) estudem em boas escolas públicas de período integral”.
1) O processo democrático para a elaboração do documento final da Conferência Nacional da Educação (Conae), que serviu como base para a feitura do Plano Nacional de Educação (PNE), é um marco na educação brasileira. Quais são os principais ganhos que o País pode ter com a estratégia que foi utilizada para a construção do PNE 2011-2020? Nossa vantagem é que a Conferência Nacional de Educação mobilizou milhões de brasileiros e brasileiras. Ou seja, nossas propostas estão ancoradas em forte legitimidade social. Isso é inédito e é uma enorme vantagem estratégica. 2) Qual é a principal diferença entre a proposta anterior e a nova proposta? Há duas grandes diferenças. A primeira é que o PNE 2001-2010 foi aprovado em um acirrado processo de disputas entre o Governo FHC e os setores da sociefevereiro de 2011
dade civil dedicados às lutas pelo direito à educação. Graças a esse conflito, dois projetos do PNE disputaram os votos do Congresso Nacional. Essencialmente, ganhou o do Governo FHC. Contudo, mesmo sendo tímido, o PNE 2001-2010 recebeu vetos graves, especialmente no capítulo do Financiamento da Educação. Resultado: sem recursos, o Plano não conseguiu vingar e não foi cumprido. O projeto do PNE 2011-2020 começa melhor, com um acordo social previamente estabelecido pela Conae. A segunda diferença é que o PNE 2011-2020 irá ter um conjunto reduzido de metas. Das 295 da versão anterior, o número caiu para 20 metas. Agora, um alerta: o PNE 2001-2010 não deixou de ser cumprido pelo excesso de metas. Seu descumprimento se deve, fundamentalmente, ao descaso dos governos com a educação e, por consequência, com o próprio Plano. E o descaso com o PNE abrange os governos FHC e Lula. 5
O atraso na divulgação do PNE se deveu ao calendário da Conae às eleições e, depois, à sucessão de Lula. A manutenção do ministro Fernando Haddad não foi tranquila e isso influiu no encaminhamento da mensagem presidencial do PNE ao Congresso Nacional. Em termos bem objetivos, há prejuízo nesse atraso porque a política de educação fica sem um fio condutor, mas é preferível estarmos sem plano em 2011 e, provavelmente, em 2012 do que uma aprovação aligeirada e descuidada.
3) Essa quantidade de metas atenderá todos os estados e municípios do País? As metas do PNE, conceitualmente, abrangem toda a nação brasileira. Ou seja, [o PNE] deve determinar metas a serem cumpridas, acompanhadas ou cobradas por todas as esferas de governo (municipal, estadual, distrital e federal) e todos os poderes estabelecidos (Executivo, Legislativo e Judiciário), obviamente sendo respeitadas as funções e atribuições educacionais e educativas de cada ente federado. 4) A aprovação e implementação do novo PNE poderá amenizar os problemas que temos hoje na educação brasileira, como, por exemplo, a evasão escolar, a falta de qualidade no ensino e os baixos salários para os professores? Como isso pode acontecer? As funções centrais do PNE são a de sinalizar para a sociedade quais são seus direitos e a de orientar a ação dos governos por meio de objetivos, metas e estratégias de ação. Consequentemente, o Plano determina uma ordem de prioridades, por meio de uma interpre6
tação da política educacional. A Conae deliberou que o acesso e a qualidade social da educação são elementos centrais do direito humano (e constitucional) à educação. Portanto, sendo aspectos indivisíveis do direito à educação, eles compõem o objetivo central do plano. A valorização profissional é o eixo central para a garantia da qualidade na educação. Portanto, esta deve ser transformada em uma meta, a ser cumprida por meio de estratégias, como a efetiva implementação do piso nacional salarial para todos os profissionais da educação, somado a uma atraente política de carreira. Já a evasão escolar é resultado de uma educação de baixa qualidade. 5) O outro PNE venceu no final de 2010 e, apesar de ter sido lançado o PNE que deverá ser seguido a partir de 2011, o Plano ainda não passou pelo Congresso. A que se deve esse atraso? E o que isso significa para a educação? Estamos sem Plano para o ano de 2011? O atraso na divulgação do PNE se deveu ao calendário da Conae às eleições e, depois, à sucessão de Lula. A manutenção do ministro Fernando Haddad não foi tranquila e isso influiu no encaminhamento da mensagem presidencial do PNE ao Congresso Nacional. Em termos bem objetivos, há prejuízo nesse atraso porque a política de educação fica sem um fio condutor, mas é preferível estarmos sem plano em 2011 e, provavelmente, em 2012 do que uma aprovação aligeirada e descuidada. O PNE prescinde de uma boa análise da sociedade e dos parlamentares. 6) A Câmara criou uma Comissão Especial para aprovar emenda constitucional que propõe que a educação seja de forma integral. O que o senhor tem a dizer sobre o assunto? Qual tipo de contribuição o senhor acredita que a educação integral poderá dar às crianças e aos jovens brasileiros? A educação deve ser integral. Este é um consenso mundial. Contudo, para ser integral, a educação não fevereiro de 2011
pode ser esta que encontramos hoje em nossas escolas públicas. Se for, não é educação, é castigo para as crianças e para os jovens. Educação integral não pode servir como uma estratégia ocupacionista das crianças e dos jovens, buscando afastá-los da marginalidade. Esse cunho moralista é equivocado e antieducativo. A educação integral deve ser uma política de formação e promoção da cidadania, da convivência, do incentivo ao conhecimento. Em 2030, o Brasil pode ser uma das mais promissoras potências científicas se, em 2020, tiver 100% de suas crianças matriculadas em boas escolas públicas de período integral, especialmente nas etapas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. 7) O Plano prevê um aumento de verba para a educação. De quanto será esse aumento e de onde será retirada essa verba? Esse aumento será suficiente para que tenhamos uma educação de qualidade? A Conae deliberou por 7% do PIB em 2011 e 10% a partir de 2014. Para tanto, segundo a Conferência, o fevereiro de 2011
grosso dos recursos educacionais deve vir da vinculação de 25% da arrecadação total de tributos por parte da União (hoje, a vinculação é de 18% apenas dos impostos) e 30% para municípios, estados e o Distrito Federal (hoje é de 25%). Além disso, 50% dos ganhos dos governos com as atividades relacionadas à exploração de hidrocarbonetos (petróleo, gás natural, etc.) devem ser destinados à educação. Em uma perspectiva mais estrutural, a Conae propôs a Reforma Tributária, com a taxação das grandes fortunas, do capital especulativo e a conversão dos serviços (injustos) das dívidas públicas em investimentos sociais. 8) Qual é o seu sonho para a educação do Brasil? Meu sonho é que todos os brasileiros e as brasileiras sejam plenamente alfabetizados e que as crianças e os adolescentes de suas famílias estudem em boas escolas públicas de período integral. Somente assim poderíamos ter uma República capaz de promover, efetivar e respeitar os direitos humanos de todos e todas e de cada um dos brasileiros e brasileiras. 7
Estudantes que participaram da 2ª Oficina do Processo Legislativo ficaram responsáveis por apurar e checar informações para a produção de matérias sobre o evento. Nove adolescentes se dividiram na tarefa de cobrir as palestras, entrevistar colegas, anotar as propostas dos grupos e fazer resumo do dia. Assim, o texto que segue contou com uma jovem e participativa equipe de reportagem.
O principal objetivo desta Oficina foi discutir a participação popular no âmbito do Poder Legislativo, como exercício de cidadania e conquista de direitos.
2ª Oficina do Processo Legislativo Alunos de diversas escolas públicas do Distrito Federal se reuniram para entender como funciona o processo legislativo e discutir sobre o Plano Nacional da Educação No dia 27 de novembro, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) realizou a 2ª Oficina
O projeto Onda:
do Processo Legislativo. Alunos e alunas de diversas
“Adolescentes em Movimento pelos Direitos”
escolas públicas do Distrito Federal se reuniram no espaço do Instituto Israel Pinheiro, em Brasília, para entender melhor como funciona o processo legislativo e aprofundar seus conhecimentos sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE). O Plano delimitará as principais metas da educação do País durante o período de 2011 a 2020, perpassando mais de dois governos. O principal objetivo desta Oficina foi discutir a participação popular no âmbito do Poder Legislativo, como exercício de cidadania e conquista de direitos. Outra finalidade deste encontro foi a elaboração de propostas dos estudantes para o PNE 2011-2020. O evento contou ainda com a ajuda de jovens e profissionais ligados ao projeto Onda. 8
é outra iniciativa do Inesc. O objetivo é desenvolver a formação de adolescentes de escolas públicas do Distrito Federal, a fim de que estes ampliem seus conhecimentos acerca das variadas possibilidades de atuar politicamente. A partir de oficinas, debates, filmes, participação em audiências públicas e, ainda, por meio de diálogo com parlamentares, meninos e meninas aprendem sobre direitos humanos, orçamento público e cidadania. A intenção é que esta gama de possibilidades de participação e envolvimento motive os jovens estudantes a agir em defesa de seus direitos e dos direitos de toda a comunidade.
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Especialistas ministraram palestras Desvendando o Processo Legislativo
Aplicadas (Ipea), mostrou aos adolescentes o que é
O assessor político do Inesc, Edélcio Vigna, ex-
o Plano e qual é a sua importância, bem como a da
plicou aos estudantes que o Processo Legislativo se refe-
educação, no Brasil. Abrahão baseou sua palestra em
re à tramitação de um Projeto de Lei. Vigna salientou
dados para compará-los e elucidar as diferenças entre
que o mais importante é a participação popular para
as regiões do Brasil e entre este e outros países. “A
opinar sobre o que vai ser votado e pressionar os par-
partir de dados, podemos apurar nosso olhar sobre a
lamentares pelos interesses legítimos da sociedade. “Os
realidade e adequar o planejamento para enfrentar os
processos podem ser feitos a partir de ideias que podem
problemas.” ressaltou.
surgir de deputados, senadores, pelo Poder Judiciário,
O convidado do Ipea explicou que o PNE
pela Procuradoria-Geral da União, pelo presidente da
apresenta diretrizes para garantir melhorias na situa-
República e por iniciativa popular”, explicou.
ção da educação do País, que hoje ainda apresenta um
Vigna também ressaltou que a grande preo-
quadro inadmissível de analfabetismo: 14,8 milhões
cupação atual é que o Congresso Nacional tem muito
de brasileiros são analfabetos. Abrahão salientou que
pouco “a cara do Brasil”. Ou seja, existe pouca repre-
disparidades educacionais refletem uma enorme desi-
sentação de negros, mulheres, homossexuais e índios.
gualdade entre as regiões do Brasil. Ele citou, como
Isso significa dificuldades em defender interesses de
exemplo, um dado do estado nordestino de Alagoas,
grande parte da população. Para Vigna, este desequi-
no qual 1/4 da população é analfabeta. “Temos que
líbrio no Congresso só pode ser equalizado pela parti-
avançar no Nordeste. Se o país precisa de investimen-
cipação popular. “Se não houver mobilização, de nada
tos na educação, o Nordeste precisa de muito mais”,
adianta sugerir boas propostas”, enfatizou.
afirmou. Abrahão lembrou que a educação tem o papel
Plano Nacional de Educação
e o desafio de igualar oportunidades. Com o acesso à
Com a palestra “Plano Nacional de Edu-
educação, aumentam as oportunidades e diminui o
cação: sua organização e processo de tramitação no
fosso das desigualdades entre os ricos e os mais po-
Parlamento e aspectos relevantes”, o economista Jor-
bres, entre diferentes regiões ou mesmo entre pessoas
ge Abrahão, do Instituto de Pesquisas Econômicas
de diferentes origens étnico-raciais.
“Os processos podem ser feitos a partir de ideias que podem surgir de deputados, senadores, pelo Poder Judiciário, pela Procuradoria-Geral da União, pelo presidente da República e por iniciativa popular”
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Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) O último palestrante, Daniel Cara, coorde-
Cara disse que houve uma grave ausência de vontade
nador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à
política e falta de um real embate da sociedade civil
Educação, levantou os pontos mais importantes do
organizada com o governo para efetivar as metas do
PNE. Cara explicou que a campanha construiu um
Plano. Para ele, a ausência de vontade política ficou
novo parâmetro para a educação no Brasil, o CAQi
por conta dos ex-presidentes Fernando Henrique
(Custo Aluno-Qualidade Inicial), que prevê o finan-
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Para Cara, ambos
ciamento da qualidade do ensino público, a fim de
não se empenharam em pôr em prática o Plano. Já a
que todas as escolas do País possam ter tanto estrutura
falta de embate político é fruto, segundo o palestran-
física quanto humana. Nos aspectos físicos, ele res-
te, da desarticulação da sociedade civil e do movimen-
saltou questões importantes, como o menor número
to de jovens. “Os movimentos de jovens ainda têm
de alunos e alunas por sala de aula, além de aspectos
uma enorme incapacidade em discutir educação”,
sobre refeitório, cozinha, laboratórios de ciências na-
disse Daniel Cara.
turais e informática, biblioteca com acervo, sala de TV e vídeo, mecanografia, entre outros.
Para a implementação deste novo Plano Nacional de Educação, espera-se uma ampla participa-
Quanto à estrutura humana, ele ressaltou
ção da população. Esta não é uma luta somente pelo
que esta é consolidada pelo plano de carreira para
aumento de orçamento para a educação. É uma luta
os(as) professores(as), pela formação continuada,
por gestão, legitimidade e cidadania. “Hoje, 4% do
por psicólogos(as) dentro da escola e pelo aumento
PIB é destinado à educação. Nossa meta é alcançar
dos(as) profissionais da educação. Tudo isso para ga-
8% dele”, afirmou. Segundo Daniel Cara, só assim
rantir aos(às) alunos(as) a melhor educação possível.
o governo brasileiro pode comprovar que educação é
O palestrante acredita que, com isto, o Brasil teria o
prioridade política.
fim do analfabetismo e a garantia de acesso e perma-
Cara também falou sobre a importância da
nência de todos(as) em uma escola de qualidade perto
participação política de estudantes em seus espaços de
de suas casas. Para isso, é preciso dobrar inicialmente
convivência e explica que “a ação política só se move
o orçamento da educação – algo que se faz necessário
quando você se sensibiliza com a realidade”. Os grê-
para garantir o avanço do País em todas as áreas de de-
mios estudantis são importantíssimos para a luta po-
senvolvimento e assegurar o direito humano e consti-
lítica pela educação de qualidade.
tucional à educação. Daniel Cara argumentou que já
Os(as) adolescentes, refletindo sobre suas rea-
existem escolas no País que utilizam o parâmetro do
lidades, disseram que em suas escolas “faltam labora-
CAQi, que é em média de R$ 1.485,00 por aluno por
tórios, uma cobertura para a quadra de esportes, mais
ano. O palestrante elencou ainda dois grandes proble-
palestras, oportunidades igualitárias e professores en-
mas da educação no Brasil que devem ser contempla-
tusiasmados e presentes, visto que, em algumas esco-
dos no Plano: creche e ensino superior.
las, neste último semestre, praticamente não tivemos
Sobre o PNE vigente (2001-2010), Daniel
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aula. Os professores passam muitos dias sem ir para
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a escola e depois mandam-nos fazer resumos de ma-
eles, melhor do que qualquer outro tipo de profissio-
térias que não foram ensinadas. Falta dinamismo nas
nal, são os que vivem a realidade da educação.
aulas e nas matérias. Isto desmotiva os alunos”. Estas foram as maiores reclamações dos alunos. Ao encerrar sua fala, Daniel Cara falou sobre a necessidade de se ouvir os profissionais da área da educação, visto que
Equipe de reportagem: Joana Piantino, Isabel Amorim, Thalita Oliveira, Matheus Maia, Luana Gonçalves Barreto, Gabriella Dias dos Santos, Raquel Rodrigues, Paula Gabriela Barbosa Castillo e Israel Vitor.
As Oficinas Para melhor balizar as discussões, os alu-
principais propostas a fim de produzir emendas
nos foram divididos em cinco oficinas: Qualidade
ao novo Plano Nacional de Educação. Cada ofi-
da Educação, Gestão Democrática; Democrati-
cina era orientada por um oficineiro (Cristiano
zação do Acesso, Permanência e Sucesso Escolar;
Rodrigues, Leiliane Rebouças, Marcos Woot-
Formação e Valorização dos(as) Profissionais da
man, Kauara Ferreira e Lisandra Carvalho), cuja
Educação; Ensino Médio; Justiça Social, Educa-
tarefa era estimular o debate e ajudar a sintetizar
ção e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade.
as ideias dos adolescentes. Os pontos principais
O objetivo era provocar reflexões e troca de ideias.
foram apresentados na plenária. O material será
Após as discussões, foram retiradas as
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enviado ao Governo para colaborar com o PNE.
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Seguem algumas propostas discutidas pelos grupos: • Todas as escolas devem ter acesso para pessoas com deficiência por TODA a escola, e não apenas nas entradas e saídas, para que ess@s alun@s possam usufruir de todos os setores escolares. • Que toda criança e adolescente tenha uma escola perto de casa com transporte gratuito e de qualidade. • Aplicar provas teóricas e práticas, periódicas, para avaliar o conhecimento e a prática de professores. • Garantir mais recursos financeiros. • Garantir a presença de psicólogos nas escolas. • Garantir a participação dos alunos e das alunas nos conselhos escolares e nos projetos pedagógicos. • Reduzir o número de alunos e alunas por sala de aula. • Garantir laboratórios devidamente equipados para o estudo de matérias que necessitam de conhecimento prático (química, física, internet). • Democratizar o acesso às universidades públicas. • Garantir os esportes nas escolas, com espaços próprios e para diversas modalidades. • Transporte público específico para estudantes, com passe livre e sem burocracia. • Avaliação entre professores e alunos(as): alunos(as) avaliam os(as) professores(as), que avaliam as turmas de alunos(as), com elogios e críticas, além de dicas para sua melhoria. Necessidade de discutir a avaliação no conselho escolar. • Criação de mais benefícios e incentivos aos(às) professores(as) para valorizar a profissão: bolsas de estudo, licenças, maiores salários, etc. • Criação de instância de fiscalização (monitoramento) do PNE. • Construção de escolas de ensino médio em tempo integral com estrutura para atividades diversificadas: teatro, música, artes, esportes e merenda escolar. • Incluir o Estatuto da Criança e do Adolescente nas disciplinas da grade escolar. • Segurança médica e policial: policiamento contínuo nas redondezas da escola e técnico em enfermagem na escola.
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