Boletim Orcamento Socioambiental 23

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23 Os riscos do neo-extrativismo progressista Ricardo Verdum1

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sociedade, a economia, o fazer política e o ambiente na região sul-americana estão passando por profundas transformações. Algumas ainda pouco percebidas, por desconhecimento, omissão ou conivência. A Amazônia sul-americana e os recursos naturais ai disponíveis estão em meio a uma disputa acirrada. A constituição do que identificamos como modelo neo-extrativista progressista reproduz sobre outras bases políticas certas convergências perversas, reconduzindo a região sul-americana para a posição de provedora de recursos naturais. Isso nos coloca diante de novos desafios, de análise e de ação política em diferentes níveis, inclusive o regional. Entre esses desafios identificamos o como agir diante de governos que agem, não obstante estarem legitimados por processos sociais e políticos emancipatórios, imbricados com conglomerados empresariais nacionais e transnacionais, e financiam, com recursos públicos, a instalação de infraestrutura produtiva e a exploração de recursos naturais, causando grande impacto social e ambiental negativo. Nesta publicação, o INESC analisa essas e outras questões.

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Embora a dimensão e os efeitos da recente crise financeira internacional sejam ainda uma incógnita, ao que tudo indica, ela não deverá trazer mudanças estruturais na estratégia de inserção dos países da América do Sul (suas economias, territórios e recursos naturais) no sistema capitalista internacional de geração e circulação de mercadorias. Ao que parece, a região continuará sendo um território estratégico para a economia política mundial. Entretanto, e cada vez mais, esta importância residirá no seu potencial de provedora de commodities dirigidas aos centros manufatureiros mais dinâmicos, localizados em sua maioria fora do subcontinente sulamericano. Também como uma comportada importadora de tecnologias que modernizem os processos de extração e beneficiamento primário de recursos naturais. Quando muito, será fortalecida a posição política, econômica e financeira de países como o Brasil, que vem 1 R. Verdum é assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), em Brasília, Brasil (verdum@inesc.org.br). Um agradecimento especial para Alessandra Cardoso pela revisão do manuscrito.


agindo e sendo incentivado a ser a nova força indutora do processo de reestruturação, modernização e expansão do modelo capitalista de desenvolvimento na região. Esse é um dos principais riscos que percebemos na Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA): a de ser nada mais e nada menos do que a provedora das condições materiais gerais de produção (entenda-se infraestrutura) para potencializar um dos “modelos de desenvolvimento” que tem caracterizado a trajetória histórica da região na economia mundial (a de extrativista-exportadora), ampliando a escala das exportações (dos países) com um mínimo de agregação de valor. Colabora para isso o crescimento da demanda mundial por minerais e hidrocarbonetos (petróleo, gás e derivados). Além disso, são recorrentes as avaliações de agencias como BID e BIRD de que o Brasil e os demais países da região devem investir em infra-estrutura para reduzir os custos e o tempo de transporte. A geografia e a precariedade ou inexistência da infraestrutura de conexão dificultam a logística e aumentam o custo nãotarifário da circulação e comercialização de produtos na região. 2

2 Ver Carvalho, G. A Integração Sul-americana e o Brasil: O protagonismo brasileiro na implementação da IIRSA, Belém, Pará: Fase, 2004; Verdum, R. O insustentável ambiente da integração, Boletim Orçamento & Política Socioambiental, Ano V, n. 19, dezembro de 2006, 12p.; Verdum. R. (org.) Financiamento e Megaprojetos. Uma interpretação da dinâmica regional sul-americana. Brasília: Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2008.

Isso nos faz lembrar a tese enunciada recentemente pelos presidentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Corporación Andina de Fomento (CAF) a respeito da atual condição dos países latino-americanos no contexto da globalização econômico-financeira: “a vantagem comparativa atual dos países latino-americanos no quadro mundial é sua dotação de recursos naturais. Por um lado, os países asiáticos se têm convertido na grande fábrica mundial de manufaturas de consumo massivo. Por outro, Estados Unidos e a Europa se consolidam como provedores de manufaturas especializadas, tecnologia e serviços. África e América Latina têm sido relegadas ao papel de provedores de matérias primas. No entanto, este papel de provedores de bens de menor valor agregado tem hoje em dia uma conotação de fortaleza, dado a escassez relativa de matérias primas. Ásia, Europa e Estados Unidos carecem dos recursos naturais para alimentar o vigoroso crescimento de suas economias, o que tem impulsionado os preços das matérias primas de forma sustentável para níveis nunca antes observados ao largo da última década”. 3

Estabelecida como estratégia regional em uma cúpula presidencial realizada no ano de 2000, 3 Ver Castilla, L. M. et al (eds.) Hacia la Integración Energética Hemisférica: Retos y Oportunidades, Caracas: BID, CAF, 2008. p.3.

Orçamento & Política Ambiental: uma publicação trimestral do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos –, em parceria com a Fundação Heinrich Böll e Charles Stewart Mott Foundation. Tiragem: 1,5 mil exemplares. INESC - End: SCS – Qd, 08, Bl B-50 - Salas 431/441 Ed. Venâncio 2000 – CEP. 70.333-970 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212.0200 – Fax: (61) 3212.0216 – E-mail: protocoloinesc@inesc.org.br – Site: www.inesc.org.br – Charles Stewart Mott Foundation Conselho Diretor: Analuce Rojas, Armando Raggio, David Fleisher, Eva Faleiros, Fernando Paulino, Jurema Werneck, Taciana Gouveia, Luiz Gonzaga, Osvaldo Braga. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello, Cleomar Manhas, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Márcia Acioli, Ricardo Verdum. Assistentes: Ana Paula Felipe, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid, Christian Aid, Conanda, EED, Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Instituto Heinrich Boll, IBP, KNH (KinderNotHilfe), Norwegian Church Aid, Oxfam, Oxfam Novib, Charles Stewart Mott Foundation, Unifem, Embaixada Britânica e Unicef.

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em Brasília, a IIRSA inclui um conjunto de rodovias interoceânicas, hidrovias, portos, pontes, centrais hidrelétricas, aeroportos entre itens de infraestrutura produtiva destinados a integrar (mas também abrir) o continente aos investimentos e às empresas que atuam nos setores de infraestrutura e exploração de recursos naturais. Nesse sentido, é visível a associação do que chamaremos aqui de neo-extrativismo com os objetivos dessa Iniciativa.4 Neo-extrativismo desenvolvimentista Mas o que tem chamado a atenção de alguns analistas é que a posição de região provedora de recursos naturais está sendo fortalecida exatamente peAnalistas atentos à los governos progressistas dinâmica econômicopolítica na região e de esquerda, eleitos postulam que já com plataformas políticas existem elementos contrárias a esse modelo suficientes para se (se auto-intitulando pósafirmar a constituição neoliberais), que admide um modelo nistram hoje aproximada“neo-extrativista mente quatro quintos da progressista” de crescimento população e cerca de três econômico. quartos da superfície do território sul-americano. É na exportação de minerais, petróleo e produtos derivados da agropecuária industrial onde esses governos estão vislumbrando estar o motor do “crescimento econômico” dos países. Incluímos aqui também os agro-combustíveis baseados na cana-de-açúcar (etanol) e soja (biodiesel), que na última década têm 4 Durante a próxima reunião anual do BID, que acontecerá em março de 2010, em Cancun, no México, o banco estará divulgando o livro The Age of Productivity: Transforming Economies from the Bottom Up. Focado principalmente no item transporte, o livro trás entre as suas conclusões a de que a redução dos custos do transporte requer não só melhor infraestrutura, mas também um marco regulatório que promova investimentos e concorrência; aumentar a eficiência de portos e aeroportos e melhorar a regulação deve ser prioridade máxima dos governos da região, diz o BID. Fonte: ASCOM / BID (28/11/2009).

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recebido crescente incentivo financeiro nas áreas da pesquisa e produção, especialmente em países como Brasil e Argentina. Assim como já se fala de uma “financeirização de esquerda” 5, analistas atentos à dinâmica econômicopolítica na região postulam que já existem elementos suficientes para se afirmar a constituição de um modelo “neo-extrativista progressista” de crescimento econômico. 6 Nele, se mantém o estilo de desenvolvimento baseado na apropriação da Natureza, que por sua vez alimenta uma trama produtiva escassamente diversificada e concentrada em alguns poucos grupos empresarias. Uma economia muito dependente da capacidade de inserção internacional dos países (leia-se empresas) como provedores de matérias primas. Nesse novo extrativismo, os Estados desempenham um papel mais ativo, nacionalizando empresas (como em Bolívia e Venezuela, por exemplo) e/ ou estabelecendo parcerias público-privadas, com características que variam de situação para situação e de país para país (como no Brasil). Há uma forte imbricação entre governos, em seus diferentes níveis, com empresas transnacionais e/ou empresas privadas controladas por elites nacionais. Em alguns casos, os governos provêem substantivo suporte financeiro ou incentivos economicamente sedutores, na forma de isenção de impostos etc., facilitando a instalação, modernização e expansão de empresas e conglomerados empresarias nos países. São exemplo dessa imbricação público-privado a participação de bancos públicos como o BNDES

5 Para o caso brasileiro ver Grün, R. Escândalos, marolas e finanças: para uma sociologia da transformação do ambiente econômico, Dados, v.51: 313352. 2008 6 Ver Gudynas, E. Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo: contextos y demandas bajo el progresismo sudamericano actual, In: Varios autores, Extractivismo, política y sociedad, Quito, Equador: CAAP / CLAES, 2009. p. 187-225.

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e o Banco do Brasil (BB) no financiamento e como acionistas de empresas e conglomerados empresariais que atuam nos setores infraestrutura e extrativismo, tanto no Brasil quanto nos demais países da região sulamericana. 7

tência social, assim como ações desde os governos e empresas para deslegitimar, reprimir, criminalizar e cooptar parcelas das populações locais impactadas e organizações da sociedade civil com elas solidárias. 8

Os governos progressistas desempenham este papel legitimados pelo processo social e político que os levou a ocupar os principais postos na administração pública dos países; pela adoção de políticas redistributivas de parte dos rendimentos e tributos gerados nessa economia; e por terem viabilizado o desenvolvimento de alguns projetos democrático-participativos na gestão pública.

Novas convergências

Como o novo extrativismo passa a ser uma importante fonte de recursos para financiar os programas sociais (veja o caso do Há claros sinais anunciado Fundo Social, de que está em que usará parte dos recurcurso uma nova sos do petróleo do pré-sal convergência perversa para projetos sociais), em torno da relação os governos legitimaminfraestrutura se politicamente como de produção, progressistas enquanto extrativismo e as reforçam a posição dos novas formas de países como economias governança na região. preponderantemente extrativistas-exportadoras. Mas isso não tem impedido, no entanto, a repetição de impactos e danos sociais e ambientais negativos, semelhantes aos verificados em períodos anteriores ou que estão ocorrendo nos países com governos politicamente conservadores ou de direita em Sul-América, com Peru e Colômbia. Também não tem impedido o surgimento de movimentos de resis7 No final de abril de 2009 a carteira de projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) dentro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) somava 257 projetos, grande parte executado pelo setor privado, e incluía grandes hidrelétricas, concessões de rodovias e ferrovias. Desse total, R$ 57,5 bilhões já estavam contratados e R$ 44 bilhões estavam enquadrados. A isso se somariam mais R$ 25 bilhões de 34 projetos em perspectiva, que elevariam para 291 o número de projetos do PAC no BNDES, com financiamento potencial de R$ 125 bilhões. Fonte: Agencia Brasil.

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Hoje nos encontramos diante da exigência de fazer um novo esforço de análise do que Evelina Dagnino (2004) chamou de “confluência perversa” entre, de um lado, o projeto neoliberal que se instala em nossos países ao longo das últimas décadas e, de outro, um projeto democratizante, participatório, que emerge a partir das crises dos regimes autoritários e dos diferentes esforços nacionais de aprofundamento democrático. 9 Os últimos oito anos provocaram uma nova crise discursiva, decorrente de deslocamentos de sentido por que vêm passando noções como participação, sociedade civil, cidadania e desenvolvimento. Há claros sinais de que está em curso uma nova convergência perversa em torno da relação infraestrutura de produção, extrativismo e as novas formas de governança na região. No tocante a cena financeira, a região sul-americana está passando por profundas transformações. Ainda que agentes como o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) continuem tendo um papel relevante no desenvolvimento da infraestrutura produtiva e na exploração de recursos naturais, outros atores e processos econômico-financeiros estão sendo potencializados, inclusive com apoio técnico e respaldo político dessas duas instituições.

8 Ver Echave, J. et. Minería y Territorio en el Perú. Conflictos, resistencias y propuestas en tiempo de globalización, Lima, Perú: Programa Democracia y Transformación Global, 2009; Svampa, M. e Antonelli, M. A. (eds.) Minería transnacional, narrativas del desarrollo y resistencias sociales, Buenos Aires: Biblos, 2009; Pereira, A. R, et. A exploração minerária e suas consequências na Amazônia brasileira, Conflitos no Campo Brasil, Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2009. 9 Ver Dagnino, E. Confluencia perversa, deslocamentos de sentido, crise discursiva. In: Grimson, A. (ed.) La cultura en las crisis latinoamericanas, Buenos Aires: CLACSO, 2004.

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Além de instituições financeiras regionais (IFR) como a Corporação Andina de Fomento (CAF), do Fundo Financeiro para o Desenvolvimento dos Países da Bacia do Prata (FONPLATA), do Banco Latino-americano de Exportações (BLANDEX), do Fundo para a Convergência Estrutural A CEF movimenta e Fortalecimento da Esrecursos do FGTS, trutura Institucional do por intermédio MERCOSUL (FOCEM) e de um Fundo de do Banco do Sul, instiInvestimentos em tuições financeiras que infraestrutura (FItêm a particularidade FGTS); entre os empreendimentos de estarem nas mãos na carteira do fundo dos próprios governos está a Hidrelétrica sul-americanos vêm adSanto Antônio, no Rio quirindo uma crescente Madeira (RO) participação na promoção e no financiamento de projetos de infraestrutura física (como estradas, hidrovias, ferrovias, gasodutos e usinas hidrelétricas) e na exploração de recursos naturais. Ai está, por exemplo, o BANDES venezuelano (hoje com menos força, devido à baixa havida no preço do petróleo) e as instituições financeiras brasileiras BNDES, Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF). A CEF movimenta recursos do FGTS, por intermédio de um Fundo de Investimentos em infraestrutura (FI-FGTS); entre os empreendimentos na carteira do fundo está a Hidrelétrica Santo Antônio, no Rio Madeira (RO) e já está em estudo sua participação na construção da Central Hidrelétrica de Belo Monte (Pará). O Banco do Brasil operacionaliza o Programa de Financiamento às Exportações (PROEX), um mecanismo de financiamento que apóia às exportações de bens e serviços bancadas com recursos do Tesouro Nacional, previsto anualmente no orçamento da União. O BNDES não só empresta atualmente o equivalente a pouco mais do que oito vezes do total combinado das IFIs por ano, como também concede dezembro de 2009

empréstimos fora do Brasil, algo que deverá se ampliar com a recente abertura de um escritório na cidade de Montevidéu, no Uruguai. 10 Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), entre os anos de 2000 e 2008 o BNDES liberou cerca de US$ 3,096 bilhões em créditos para exportação de bens e serviços para 17 países na América Latina e Caribe. Desse total, US$ 992,636 milhões foram para a Argentina; US$ 421,280 milhões ao Equador e US$ 356,846 milhões à Venezuela (ver Tabela 1). Com a crescente internacionalização das empresas brasileiras e o aumento da concorrência dos asiáticos nos países vizinhos, especialmente a China, a linha do programa BNDES-Exim de apoio a exportação de bens e serviços de empresas brasileiras saltou de US$ 42 milhões em 2002 para uma estimativa de US$ 1,26 bilhão em 2009, dos quais US$ 957 milhões haviam sido liberados até agosto passado. Segundo levantamento da consultoria Valora, o Brasil teria exportado cerca de US$ 5,673 bilhões em serviços de engenharia para os países latino-americanos em 2008, representando uma participação de 50% a 60% do mercado regional11.

Brasil - Bolívia Um exemplo dessa convergência de interesses em torno da relação infraestrutura e exploração de recursos naturais é a construção do denominado “Cor10 Por intermédio do BNDES Exportação (BNDES-Exim), esse banco apóia o financiamento à exportação de bens e serviços brasileiros para projetos de infra-estrutura, visando contribuir para a “redução de barreiras econômicas e geográficas no continente”. As principais fontes de recursos do BNDES são: rendimentos de aplicações financeiras; pagamentos dos empréstimos que o banco fez às empresas e outros beneficiários; Tesouro Nacional; Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND); Fundo de Garantia para a Promoção da Competitividade (FGPC); Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); PIS e PASEP; Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); Bancos Multilaterais (BID e BIRD); Bancos Regionais (CAF e Banco Europeu de Investimentos); outros bancos, como KfW (Alemanha), JBIC (Japan Bank International Corporation), CDB (China Development Bank), NIB (Nordic Investment Bank), entre outros. 11 Rodrigues, E. “Brasil faz obras nos visinhos temendo China” Folha de São Paulo, 27 de setembro de 2009.

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redor Norte”, localizado no noroeste da Bolívia, um dos projetos âncora do Eixo Peru – Bolívia - Brasil da IIRSA. Esse projeto abarca três departamentos bolivianos: parte de La Paz, parte de Beni e todo o departamento de Pando. Com esse corredor se logrará a construção e o melhoramento da rodovia que conecta as localidades de La Paz (capital da Bolívia), Guayaramerín, Cobija e Rio Brando (capital do estado do Acre). Entre os objetivos que orientam essa obra estão: conectar através da Bolívia a rede de estradas do estado de Rondônia no Brasil com a rede de estradas do Peru e Chile; vincular regiões onde a intervenção humana é escassa, mas as oportunidades de aproveitamento econômico de recursos são significativas (petróleo, minério, madeira etc.) e viabilizar uma maior integração da zona A expansão de central da denominada empresas brasileiras Região MAP - formada da construção civil pelo departamento Madre (estradas, pontes, de Dios (Peru), o deparhidrelétricas etc.) tamento Pando (Bolívia) e e extrativistas (de minério e petróleo, o estado do Acre (Brasil). principalmente)

O BID é o principara os países pal financiador da rodovia vizinhos e outros (com US$ 307 milhões continentes é outro aspecto que vem para estudos e reconstrução, reabilitação e cons- chamando a atenção na última década, trução de vários trechos especialmente. da rodovia), seguido do Banco de Desarrollo Económico y Social de Venezuela (BANDES), que aparece como segundo maior financiador (com US$ 300 milhões destinados à construção de 324 km) e do BNDES, com US$ 230 milhões para a construção de 210 km da rodovia. 12 12 Três outras entidades financeiras estão envolvidas no financiamento da construção da rodovia: a CAF (US$ 47 milhões); o Governo da Bolívia (US$ 8,3 milhões) e o Banco Mundial (US$ 3,4 milhões). Ver: Vários, El Norte Amazónico de Bolivia y el Complejo del río Madera, Bolívia: Fobomade, CGIAB, 2007.

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A expansão de empresas brasileiras da construção civil (estradas, pontes, hidrelétricas etc.) e extrativistas (de minério e petróleo, principalmente) para os países vizinhos e outros continentes é outro aspecto que vem chamando a atenção na última década, especialmente. 13 Essa tem sido uma das principais características do processo de transnacionalização do capital brasileiro, ocorrida a partir de meados dos anos 1990, conjuntamente com a abertura da economia e do setor financeiro brasileiro para investimentos externos diretos (IED). Segundo Edson Pinto de Almeida, do Valor Econômico, Historicamente, a entrada de IED no Brasil ocorre de forma bastante diversificada, com destaque para os setores de extração de minérios, de petróleo e gás natural, bem como para agricultura e pecuária. O setor de infraestrutura, por exemplo, acolheu cerca de 9% do total aportado em 2008, o que corresponde ao valor recebido em 2007. Desde 1996, quando começaram as privatizações, o setor já recebeu US$ 80 bilhões, valor que representa 24% de todo o volume que ingressou no Brasil nesse período. 14

Em agosto passado, o presidente Lula da Silva e o presidente Evo Morales assinaram a concessão de um financiamento de US$ 332 milhões do BNDES (o equivalente a 80% do custo da obra) para a construção e pavimentação da estrada de 306 km que ligará Villa 13 Ver Instituto Rosa Luxemburg Stiftung et. Empresas Transnacionais Brasileiras na América Latina: um debate necessário, São Paulo: Expressão Popular, 2009. Outras fontes: Sobeet / Valor Multinacionais Brasileiras, Valor Econômico, outubro de 2009; Ranking Transnacionais Brasileiras 2009, documento elaborado pela Fundação Dom Cabral (FDC), 2009; 14 Almeida, E. P. “Abundância de dinheiro também traz desafios. Com R$ 288 bilhões de capital estrangeiro, o Brasil está à frente da Rússia, Índia e China”, Valor Especial, novembro 2009.

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Tunari (departamento de Cochabamba) a San Ignacio de Moxos, no departamento de Beni, no norte do país, uma área isolada dos centros econômicos e do comércio do país.

boliviano, próximo a fronteira com o Chile. Atualmente a empresa brasileira OAS realiza a construção e pavimentação da rodovia Potosí-Uyuni, com 200 km de extensão, e Potosi-Tarija, com 415 km.

Essa estrada é parte da estrada Bioceânica (acordo assinado por Bolívia, Brasil e Chile em 2007), com o objetivo de conectar o Pacífico ao Atlântico e desenvolver o comércio regional. No A região seu percurso a via corta o transfronteiriça Parque Natural de IsiboroBrasil-Peru, na Secura e vários territórios porção sudoeste indígenas. 15 da Amazônia sul-

O Salar é um gigantesco deserto de sais, onde se estima concentrar-se cerca de 50% das reservas mundiais desse minério, considerada substância estratégica da indústria de telefonia celular, de laptops e outros eletroeletrônicos. Matéria prima de baterias de alto rendimento, já é alvo da indústria automobilística que investe no mercado futuro de carros elétricos. Em 2008, o governo boliviano aprovou um projeto-piloto para produção de carbono de lítio e negociava parceria com as empresas privadas Sumimoto e Mitsubishi.

americana, é um Os serviços de encaso exemplar genharia serão prestados do processo de pela construtora brasileira expansão empresarial OAS e faz parte de um acorbrasileira para os do firmado entre os países países vizinhos e sua vinculação com para evitar a expulsão de a estratégia neooutra construtora brasileiextrativista. ra, a Queiróz Galvão (QG), devido ao péssimo serviço de pavimentação em duas estradas situadas no sul do país e à suspeita de superfaturamento e corrupção. Essa obra contou com o financiamento do Banco do Brasil (que operacionaliza o Programa de Financiamento à Exportação - PROEX, mecanismo de financiamento bancado por recursos do orçamento federal), no valor de US$ 120 milhões. 16

Na ocasião, também foi incluída na pauta de negociação bilateral a intenção brasileira de apoiar a realização de estudos para processar lítio, minério extraído da região do Salar de Uyuni, em Potosí, no sudoeste 15 Vaz, V. Linhas cruzadas. Correio Brasiliense. 22 de agosto de 2009. 16 A operação de financiamento para a realização das obras pela OAS foi aprovada recentemente pelo Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig), que é ligado à Câmara de Comércio Exterior (Camex), e encaminhada ao BNDES. O Cofig é integrado por representantes dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Fazenda; Relações Exteriores; Casa Civil; Agricultura; e Planejamento. Também participam, mas sem direito a voto, representantes de Banco do Brasil, BNDES, IRB-Brasil e Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE).

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Brasil - Peru A região transfronteiriça Brasil-Peru, na porção sudoeste da Amazônia sul-americana, é um caso exemplar do processo de expansão empresarial brasileira para os países vizinhos e sua vinculação com a estratégia neo-extrativista. Ali estão presentes (ocupando e disputando espaço territorial e recursos) os principais grupos empresariais brasileiros e internacionais envolvidos com as obras das rodovias Interoceânicas Norte e Sul (que partem da fronteira brasileira e cortam a Bolívia e o Peru), numa estreita relação com o extrativismo mineral, petroleiro, madeireiro e o agronegócio. Os principais conglomerados empresariais brasileiros ali presentes são: Gerdau, Votorantim, Odebrecht, OAS, Queiróz Galvão, Camargo Corrêa, Petrobrás, Vale, entre outras. A BR-364 é hoje parte da contrapartida brasileira para a criação desse corredor de comunicação, transporte, acesso e conexão entre o Pacífico e as regiões Centro-oeste e Sudeste do Brasil. Essa rodovia tem o objetivo de viabilizar a ocupação da fronteira econômica e política do Brasil com o Peru e a Bolívia. 7


Em articulação com a obra de pavimentação da BR-364, o governo do estado do Acre está fomentado no seu entorno, com recursos do BID e do BNDES, ativiEntre outros objetivos, é dades agroflorestais, agrímencionado que colas, pecuária e múltiplos a ferrovia servirá extrativismos. Também para transportar a estão sendo realizados produção de soja da estudos prospectivos sobre região centro-oeste o potencial de produção brasileira até portos de petróleo e derivados, situados no litoral inclusive em territórios peruano e daí para os mercados asiáticos. indígenas e unidades de conservação. Os governos no Brasil e do Peru têm vários projetos de desenvolvimento econômico previstos na região da fronteira do estado do Acre (Brasil) com os departamentos de Ucayali e Madre de Dios (Peru); projetos que estão provocando grandes impactos sociais, psicológicos e ambientais para povos indígenas e comunidades locais. Um exemplo é a Estrada Interoceânica (“Estrada do Pacífico”), ligando Rio Branco ao Peru, passando por Assis Brasil. Esta obra já está concluída do lado brasileiro, e as obras do lado peruano estão em curso. Ainda no estado do Acre, à noroeste, na continuação da BR-364, está em construção o chamado “eixo norte” (ou Interoceânica Norte), ligando Cruzeiro do Sul (Acre) e a cidade de Pucallpa (Peru). Essa rodovia é planejada para ser um segundo caminho para o Oceano Pacífico. Se construída como projetado, atravessará o território do Parque Nacional da Serra do Divisor, do lado brasileiro, e a Reserva Territorial Isconahua, do lado peruano, com significativo impacto social e ambiental negativo. Planos para sua pavimentação têm sido discutidos pelos governos do Acre e do Ucayali desde 2004. Também está prevista a interligação energética (um “linhão”) entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, como 8

parte dos acordos de conexão e integração energética entre os sistemas elétricos do Brasil e Peru. Se construído, esse linhão de energia cortará a mesma região da Interoceânica Norte, rica em biodiversidade e com territórios tradicionais de povos indígenas. Para completar o estrago, os Congressos do Brasil e Peru aprovaram em 2008, sem qualquer consulta, projetos para construir uma ferrovia ligando Cruzeiro do Sul e Pucallpa, também incidindo sobre o território do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) e da Reserva Territorial Isconahua. Entre outros objetivos, é mencionado que a ferrovia servirá para transportar a produção de soja da região centro-oeste brasileira até portos situados no litoral peruano e daí para os mercados asiáticos. Na avaliação Grupo de Trabalho (GTT) para a Proteção Transfronteiriça do Alto Juruá e Serra do Divisor (formado por organizações indígenas de representação, associações indígenas e organizações do movimento social), além do impacto direto gerado pela realização dessas obras de infraestrutura, quando prontas facilitarão a exploração de recursos naturais na região, promovendo grande impacto para os territórios indígenas e comunidades locais. 17 Uma dessas atividades é a exploração de gás e petróleo no lado peruano. O governo do Peru tem autorizado grandes empresas do setor a procurar e explorar gás e petróleo em lotes bem próximos da fronteira com o Brasil, inclusive dentro de áreas de Comunidades Nativas e de Reservas Territoriais, criadas para os índios isolados. Essas concessões foram feitas sem qualquer consulta às comunidades indígenas, em total desrespeito ao estabelecido da Convenção 169 da OIT e na Declaração dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas (ONU). Uma das empresas beneficiadas é a Petrobrás. 17 Ver Informativo Dinâmicas Transfronteiriças Brasil-Peru, Ano I, 1ª edição, de junho de 2009. Esse informativo foi lançado no XI Encontro do Grupo de Trabalho (GTT) para a Proteção Transfronteiriça do Alto Juruá e Serra do Divisor, realizado entre os dias 30 de junho e 03 de julho de 2009, na Escola Saberes da Floresta Yorenka Ãtame, em Marechal Thaumaturgo, no Acre.

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Para se ter uma idéia da aposta política do governo peruano no petróleo e gás como fatores de “crescimento econômico”, em 2004 aproximadamente 14% da Amazônia peruana estava concessionada, cinco anos depois, em 2009, esse percentual chega a mais de 75%.

• Lote 138 – foi concedido à empresa canadense Pacific Stratus Energy, e na mesma área tem também uma concessão de extração de ouro, dentro da Reserva Territorial Isconahua, vizinha do Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre.

A seguir, apresentamos um quadro de situação da distribuição de lotes situados na fronteira do Peru com o estado do Acre18:

No Brasil, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) autorizou em 2007 empresas a procurar gás e petróleo no vale do Juruá. No ano seguinte, em 2008, foram feitos vários sobrevôos e as coletas de amostras de terra em 2000 pontos no alto rio Juruá. Desses pontos, 530 estão situados a menos de dez quilômetros dos limites das Terras Indígenas Nukini, Poyanawa, Jaminawa do Igarapé Preto e Campinas/Katukina. Outros 84 pontos estão no limite e na zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Divisor. 20

• Lotes 111 e 113 – foram concedidos para a empresa chinesa SAPET Development Peru Inc., com área de 2,7 milhões de hectares de área. Se sobrepõem a várias áreas indígenas (Reservas Territoriais e Comunidades Nativas) do lado peruano e estão muito próximos do território brasileiro, especialmente das TIs Mamoadate e Cabeceira do Rio Acre e da Estação Ecológica Rio Acre. • Lote 110 – foi concedido à Petrobrás, com uma área de 1,4 milhão de hectares e sobreposição com a Reserva Territorial Murunahua e Comunidades Nativas. 19

Atualmente há 21 blocos de exploração concedidos para pesquisa na Bacia de Solimões, na Região Amazônica.

• Lote 126 – área próxima da TI Kampa do Rio Amônia, que foi concedida às empresas canadenses True Energy e North American Vanadium. No início de junho de 2009 tiveram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) aprovado e estava previsto iniciar ainda esse ano a prospecção sísmica e a perfuração de quatro poços de petróleo nos territórios nãotitulados de comunidades Ashaninka no rio Tamaya.

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18 Ibdem. 19 Em 2005, a Petrobras transformou-se na segunda maior produtora de petróleo no Peru e a empresa que detém a maior extensão de área “concedida” à exploração. Juntas, Odebrecht e a Petrobras detêm, respectivamente, 60% e 40% da maior petroquímica da América Latina, a Braskem, também presente no Peru.

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Como no Peru, essas pesquisas foram feitas sem qualquer consulta ou conversa com os povos indígenas e comunidades locais do Juruá, e sem ter sido tornado público a contratação das empresas e as pesquisas feitas na floresta. Segundo informa o GTT, no início de junho de 2009 circulou pelos jornais do sul do país que o governo federal estaria para anunciar a descoberta de petróleo e gás no Acre, como parte de estratégia para melhorar a imagem pública da Petrobrás. No dia seguinte a Petrobrás disse que não tinha nenhum anúncio a fazer. Atualmente há 21 blocos de exploração concedidos para pesquisa na Bacia de Solimões, na Região Amazônica. 21 Além disso, existe no Peru a exploração legal e ilegal de madeira. O governo peruano faz concessões para empresas explorarem madeira, inclusive nos territórios tradicionais de indígenas e camponeses ainda não regularizados. A exploração em áreas vizinhas de Unidades de Conservação, Reservas Territoriais (para 20 Ver Iglesias, M. P et. Os riscos da IIRSA e do PAC para a Amazônia, Boletim Orçamento & Política Socioambiental, ano VI, n. 20, maio de 2007, Brasília, INESC. 12p. 21 Ver Rosa, B. “Ex-executivo da Petrobras cria empresa de exploração de petróleo”, O Globo, 05 de novembro de 2009.

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índios isolados) e Reservas de Comunidades Nativas já reconhecidas tem resultado em invasões, destruição de recursos naturais, contaminação das águas, diminuição da caça e outros problemas. No Brasil, há o caso da empresa Florestal Venao, que tem o selo de “madeira certificada”, mas que já cometeu uma série de ilegalidades: invadiu várias vezes a TI Kampa do Rio Amônia, do lado brasileiro; abriu uma estrada ligando o povoado de Nueva Itália, no rio Ucayali, à região do alto Juruá onde explora madeira; e atualmente está ampliando a estrada até as Comunidades Nativas de Santa Rosa, NueEste acordo va Victoria e El Dorado. prevê, entre Segundo informa o GTT, a exploração madeireira será forte este ano (2009) na comunidade de Santa Rosa, que fica na margem esquerda do rio Breu e próxima à RESEX Alto Juruá.

outras medidas, a construção de seis centrais hidrelétricas em território peruano, com grande impacto socioambiental inclusive em territórios onde vivem povos indígenas.

Várias famílias Ashaninka da selva central se mudaram para o rio Breu e montaram duas aldeias (Oori e Coshirene), em frente à TI Kaxinawá-Ashaninka do rio Breu e da RESEX do Alto Juruá. Estas famílias estão ocupando áreas antes utilizadas pelos Huni Kui e Ashaninka brasileiros, que temem que os recém chegados iniciem a exploração de madeira. Brasil e Peru também vêm desenvolvendo planos conjuntos no campo da energia hidroelétrica. Durante a visita dos presidentes Lula da Silva (Brasil) e Alan García (Peru) ao Acre em abril de 2009, foi assinado um acordo de cooperação na área de energia. Este acordo prevê, entre outras medidas, a construção de seis centrais hidrelétricas em território peruano, com grande impacto socioambiental inclusive em territórios 10

onde vivem povos indígenas.22 Os estudos iniciais de viabilidade econômica e de engenharia estão sendo feitos pelo consórcio Empresa de Generación Eléctrica Amazonas Sur (EGASUR), do qual fazem parte as empresas brasileiras OAS, Eletrobrás e Furnas. O financiamento das obras, estimadas entre 12 bilhões e 15 bilhões de dólares, também ficará por conta do consórcio das construtoras e de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 23 Uma destas centrais hidrelétricas, a Paquitzapango, está sendo criticada pela Central Ashaninka do Rio Ene (CARE), pois sua construção ameaça inundar as terras de sete comunidades Ashaninka que vivem neste rio, indo de encontro a Constituição do país, que define os territórios indígenas como imprescritíveis. A Central Hidrelétrica de Inambari é outra central que está mobilizando indígenas, campesinos e ambientalistas, com protestos nos departamentos de Cuzco, Puno e Madre de Dios. É considerada a maior central já construída no Peru. Prevê-se a inundação de 45.000 hectares, deixando sob as águas zonas agrícolas, áreas ocupadas por camponeses (cerca de oito mil pessoas) e extensas áreas de floresta nativa (incluindo o Parque Nacional Bahuaja Sonene). Além disso, o lago permitirá acessar áreas hoje inacessíveis. Se levada a termo como hoje é projetado, inclusive a rodovia Interoceânica deverá sofrer modificações, pois uma parte dela, nos departamentos de Cuzso e Puno, ficará sob as águas do lago a ser formado. Outro ponto criticado é o fato de que 75% do total da energia 22 Inambari (2,000 MW), Sumabeni (1,074MW), Paquitzapango (2,000 MW), Urubamba (940 MW), Vizcatán (750 MW) y Cuquipampa (800 MW) são as seis grandes centrais hidrelétricas que o Brasil construirá em território peruano, além de um linhão que as conectará com o sistema de energia brasileiro. 23 Ver Felismino, R. “Peru ficará com 20% da energia de usinas construídas pelo Brasil”, Agência Reuters, 8/08/2009; García, Elias, “Brack objeta construcción de dos hidroeléctricas en la selva”, Gestión, 26/08/2009.

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ali gerada (2.000 MW) serão transferidos para Brasil. 24 Em Inambai parece estar se reproduzindo o mesmo grau de incerteza dos custos da obra e dos impactos sociais e ambientais que vemos acontecer, hoje, em relação às Centrais Hidrelétricas de Belo Monte (PA) e do Madeira (RO). Também o mesmo jogo de desinformação e contra-informação e o mesmo risco derivado da omissão e irresponsabilidade social e ambiental do governo peruano. Mas as coincidências não param por ai, isso porque são praticamente os mesmos atores financeiros e empresas envolvidas, só que em território peruano. Outros novos desafios Não podíamos concluir este artigo deixando de fora um ator político-financeiro cada vez mais importante, os fundos de pensão, e uma problemática muito pouco visualizado: sua crescentemente participação no financiamento de atividades produtivas e em empreendimentos de infraestrutura. Estima-se que os fundos movimentem hoje um valor equivalente a 16% do PIB brasileiro. Num cenário de baixos juros, o que implica na redução do retorno dos títulos públicos, os fundos de pensão estão diversificando seus investimentos. Uma das alternativas vislumbrada é o investimento nos setores de infraestrutura, em especial nas áreas de energia e transportes, e na exploração de recursos naturais. O PREVI e o FUNCEF aportaram recurso significativo no Complexo do Rio Madeira (RO). Projetos como a Central Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA) e o trem-bala, ligando São Paulo e Rio de Janeiro, estão entre os focos de atenção desses e outros fundos. A PETRUS também anunciou a possibilidade de

destinar de R$ 1 bilhão a R$ 1 bilhão e meio para o setor elétrico, caso se concretize sua participação no projeto de Belo Monte, em parceria com a CPFL Energia, maior companhia privada do setor elétrico brasileiro PETRUS e FUNDEF também estão investindo na criação de uma empresa de reflorestamento de eucaliptos para fins comerciais, a Florestal Brasil, juntamente com a holding J&F, controladora do grupo JBS-Friboi, e a MCL Empreendimentos. O PREVI tem participação acionária na Braskem, Eletrobrás, Gerdau, Petrobrás, Votorantim, entre outras. Essas empresas têm atuação para além da fronteira geopolítica brasileira, exportando produtos e serviços, comprando empresas, consorciando-se com empresas nacionais nos países ou com outros grupos internacionais etc., gerando vários passivos sociais e ambientais no plano local. Isso impõe uma renovação geral da perspectiva de análise da chamada integração regional. Para isso, a sustentabilidade e a equidade devem estar entre os fundamentos primeiros; os aspectos sociais e ambientais devem ser tratados de maneira integrada; e uma atenção especial deve ser dada ao como as relações assimétricas de poder se renovam e ampliam no seio da sociedade, viabilizando o modelo neo-extrativista. É urgente desencadear uma ação que consiga ampliar o debate público sobre as questões aqui apontadas, envolvendo inclusive setores do movimento sindical (do campo, das florestas e das cidades) que vislumbram os equívocos e conseqüências perversas desse modelo. Deve ser retomada a discussão sobre a participação da sociedade civil na concepção e planejamento das políticas públicas, mas sobre novas bases, aproveitandose dos aprendizados extraídos na última década de relacionamento com governos e organismos multilaterais.

24 Um interessante documentário, intitulado Inambari: La Represa de La Discórdia pode ser visto em: http://www.flatina.com/www/videos_flv/FLVPlayer/flvplayer.php?id=286

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Tabela 1

BNDES e o Financiamento de Exportação de Bens e Serviços US$ mil

País do Importador

2000

América do Sul

283,770

Argentina

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Total

184,412 176,224

115,890

207,510

391,088

157,693

433,122

442,862

2,392,571

1,164

216,325

5,435

310,115

276,006

992,636

882

30,489

112,265

56,218

14,716

392

Bolivia

11,837

2,470

13,534

1,635

Chile

9,648

2,241

2,556

26,113

Colômbia

1,188

19,564

5,992

131 23,271

120,270

312,955

560

27,304

Equador

100,474

37,782

39,427

404

112,331

Paraguai

129

14,367

17,593

26,145

17,223

Peru 9,895

10,714

3,492

5,020

9,000

55,653

Uruguai

36,432

23,962

1,902

17,094

Venezuela

3,323 75,591

55,621

30,367 57,031

66,757 55,813

31,732

644

421,280

8,009

17,374

83,466

845

383

381

95,383

307

2,633

3,203

2,352

72,212

25,328

70,315

43,209

356,846

160,943

704,008

217

217

44,083

23,703

América Central e Caribe 42,679

10,041

19,582

106,477

Bahamas Costa Rica

1,714

Cuba

20,065

88,073

104,490

114,823

56,900

481 8,375

6,414

3,249

10,779

30,312

15,220

Honduras

62

62

781

13,906

478

295

13,363

792

792

Jamaica

6,233

510

4,997

783

México

7,364

476

1,781

1,039

Panama

2,195 94,414

1,011

580

22

919

Republica Dominicana

6,511

199

12,157

96,450

75,255

72,679

99,581

55,641

160,586

579,059

Africa

1,902

401

0

0

0

105

0

148,952

548,253

699,613

Africa do Sul

288

288

Angola

113

1,654

148,952

539,490

690,314

Guine Equatorial

8,763

8,763

248

248

Zimbabue

105

União Européia

2,126

9,956

2,958

62

0

15,102

Alemanha

186

2,958

62

3,206

Noruega Portugal

0

0

0

0

9,770

9,770

2,126

2,126

América do Norte

284

17,744

Canadá

284

202

Estados Unidos

17,542

70,765

15,802

40,597

4,726

10,637

37,509

2,315

60,128

35,838 35,838

15,802

3,088

2,411

659

0

659

186,415 50,947 135,468

Ásia

2,920

1,460

36,960

14,427

9,792

1,204

0

66,763

China

2,920

1,460

36,960

14,427

9,792

1,204

66,763

224,014 306,489

272,694

321,177

TOTAL

333,681

537,484

0

277,242

0

639,633 1,152,058

4,064,472

Fonte: MDIC, BNDES (março/2009) Elaboração: Ricardo Verdum, Inesc

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