Boletim Orcamento Socioambiental 25

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EDIÇÃO

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ORÇAMENTO & POLÍTICA AMBIENTAL

Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC

Ano X - Abril de 2011

E D I T O R I A L

O

principal objetivo deste boletim é estimular o diálogo com organizações, movimentos e instituições comprometidos com a defesa de direitos sociais e ambientais na Amazônia. Apresentamos

aqui uma síntese da metodologia “orçamento e direitos”, utilizada pelo Inesc, explorando suas conexões com o meio ambiente e com a Amazônia brasileira. A partir dos quatro pilares desta metodologia, propusemos reflexões sobre os compromissos do Estado brasileiro com a garantia de direitos na Amazônia. Acreditamos que a reflexão com base nestes referenciais pode ser útil para renovar e aprofundar estratégias de luta por direitos na Amazônia. Tentamos, por este caminho, mostrar a importância do debate crítico sobre as compensações pagas ao Estado pela exploração dos recursos naturais – o que são, quanto representam em termos de valores, onde são gastos e a quem beneficiam. Defendemos que a crescente incorporação deste tema nas agendas de luta por direitos na Amazônia representa, também, um meio pelo qual podemos exigir que o Estado aplique o “máximo de recursos disponíveis” para a garantia de direitos na região. Boa leitura!


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I. Análise do Orçamento à Luz dos Direitos

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esde os anos 1990, o orçamento público passou a ser objeto de crescente interesse e tema de incidência política do Inesc, transformando-se num instrumento-chave na atuação institucional em defesa de políticas públicas para povos indígenas, crianças e adolescentes, reforma agrária, segurança alimentar e meio ambiente. A análise da política orçamentária evidencia as prioridades do Estado. Também permite a percepção de quais grupos sociais estão se beneficiando da maneira como o Estado arrecada e, principalmente, distribui os recursos públicos. É, assim, uma das formas de aferir a correlação de forças existente entre os diferentes interesses em disputa na sociedade, em certa medida refletida nas diferentes instâncias do Estado.

Depois de quase três décadas de análise e avaliação de políticas públicas, o Instituto se colocou o desafio de construir as bases de uma nova metodologia de análise do orçamento público da União à luz dos direitos humanos. Esse desafio gerou seu primeiro resultado em 2009, com o lançamento da publicação "Orçamento e Direitos: Construindo um método de análise do orçamento à luz dos direitos humanos" . Esta análise está amparada em quatro pilares: 1. Financiamento do Estado com justiça social. É estratégico compreender a formação das receitas do Estado brasileiro e sobre quem de fato recai a arrecadação tributária. Esta abordagem da ótica das receitas permite evidenciar o quanto o sistema tributário brasileiro reforça a dinâmica da desigualdade em suas diversas formas: social, racial, étnica, territorial e de gênero. Alterar a política tributária na direção de torná-la mais justa é um grande desafio, porque significa mexer com interesses, lucros e patrimônios que, além de tudo, estão bem representados nas estruturas de poder do Estado. É extremamente difícil no Brasil, por exemplo, a discussão sobre a elevação da tributação sobre o patrimônio, que seria o caminho viável para reduzir o peso dos tributos indiretos e manter a capacidade do Estado de cumprir seu papel central de garantir direitos e promover o desenvolvimento econômico. 2. Máximo de recursos disponíveis para a promoção dos direitos. O propósito maior do trabalho com orçamento é pressionar os governos para que usem o dinheiro – que provém dos impostos que pagamos direta ou indiretamente – naquilo que deve ser a prioridade mais alta, que é a garantia dos direitos das pessoas. O termo “máximo de recursos disponíveis” serve para objetivar o que seria esta “disposição” política dos governos de aplicar (e da população de exigir que se aplique) progressi-

Documento disponível na página do Instituto de Estudos Socioeconômicos na internet, no endereço: http://www.inesc.org.br/ biblioteca/publicacoes/livros/ publicacao%20Orcamento% 20e%20Direitos.pdf

Um Estado que tenha ratificado o “Protocolo Facultativo do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” (Pidesc) é juridicamente obrigado a disponibilizar o máximo de recursos disponíveis a fim de assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto.


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vamente mais recursos em políticas consideradas centrais para a realização progressiva dos direitos, universais, mas também daqueles especificamente orientados a sujeitos de direitos historicamente excluídos. 3. Realização progressiva dos direitos humanos. Esta é outra abordagem que, articulada às anteriores, ajuda a desvendar o real compromisso dos governos com os direitos. A pergunta central que buscamos responder é se e em que medida os programas e as ações governamentais estão efetivamente orientados para a promoção dos direitos e o combate às desigualdades, de forma progressiva e sustentável. É com base nesta pergunta que temos buscado aprofundar a análise das políticas públicas, objetivada em programas e ações orçamentárias. 4. Orçamento alternativo. Nesta abordagem, buscamos propor a reflexão sobre quais políticas, programas e ações são necessários para efetivar direitos e reduzir as desigualdades e sobre quantos recursos precisam ser destinados para estas políticas. É com base nestes pilares que pretendemos nesta série de boletins sobre a Amazônia propor reflexões sobre os compromissos do Estado brasileiro com a garantia de direitos sociais e ambientais na região. Nesta edição, nós nos concentraremos nos dois primeiros pilares. Os demais pilares serão explorados nas próximas edições desta série.

II - Porque a Amazônia? Assumimos como um desafio territorializar a análise da política orçamentária governamental porque entendemos que este esforço é estratégico para uma visão qualificada e sistêmica das políticas portadoras de direitos. Isto implica considerar as políticas e o orçamento nos três níveis federativos e, também, ampliar os esforços para acompanhar a execução das políticas “na ponta”, ou seja, no município e/ou na região onde são executadas. Nesta direção, a construção de articulações políticas com organizações sociais que atuam localmente também é um desafio. Ambos os desafios deverão ser assumidos de forma progressiva. Tais enfrentamentos – aliados ao nosso compromisso com a temática ambiental, quilombola, nossa histórica atuação em defesa dos direitos dos povos indígenas e, também, nossa atuação com a temática agrária – nos conduziram a uma escolha política por focar e ampliar nossa atuação na Amazônia, onde todos estes temas têm presença marcante e estão particularmente imbricados. Esta escolha se justifica, igualmente, pela centralidade desta região no debate e no embate sobre a questão do desenvolvimento. Destacamos alguns elementos:

A FORÇA DO MODELO EXTRATIVISTA EXPORTADOR A Amazônia ocupa hoje um lugar chave nas estratégias do governo brasileiro e de empresas globais de expansão das relações comerciais com o mundo, baseada predominantemente em minérios e no agronegócio. Entre 2000 e 2010, as exportações 3 cresceram bem acima das expordos estados que compõem a Amazônia Legal (AL) tações brasileiras como um todo ou 518% contra um crescimento de 366% das exportações totais do país. Em termos de valores, as exportações da AL passaram de US$ 5 bilhões em 2000 para US$ 26 bilhões em 2010. Somente o Pará foi responsável em 2010 por 48% do valor exportado (ou US$ 12,8 bilhões). Se olharmos a pauta das exportações, veremos uma forte predominância das exportações de minérios, seguida de produtos do agronegócio, carne em especial. No caso do Pará, o maior estado ex-

Fonte: Ministério de Indústria e Comércio (MDIC). Valores nominais e apresentados em dólares.


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portador, somente as exportações da Vale, Alunorte e Albrás respondem por 78% do valor exportado (ou US$ 10 bilhões). Depois do Pará, o maior estado exportador é Mato Grosso. Em 2010, o MT exportou US$ 8,4 bilhões, com uma pauta predominante em grãos e carnes. Esta elevada contribuição da AL para o equilíbrio da balança comercial brasileira – lembrando-se que, pelo lado das importações, os estados que compõem a AL estão entre os que menos importam – impõe à Amazônia bloqueios imensos à construção de outro modelo de ocupação e utilização dos seus recursos.

A LÓGICA DA INTEGRAÇÃO REGIONAL Articulado ao ponto anterior, o papel do Estado brasileiro na ampliação da escala de operação de capitais nacionais e internacionais na Amazônia é outro pilar do modelo extrativista-exportador que tem provocado transformações cada vez mais aceleradas nos modos de vida e nas condições ambientais na região, inclusive na Amazônia pan-americana. O governo federal, por sucessivas gestões, tem elevado o investimento na implantação de logística para os meios rodoviário, hidroviário e portuário na região. Ao mesmo tempo, vem ampliando incentivos tributários e de crédito à instalação e operação do setor privado na região, com destaque para a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Isso tem reforçado ainda mais a abertura da Amazônia brasileira aos capitais públicos e privados, nacionais e associados com os capitais internacionais, fortalecendo um modelo predatório e excludente de exploração dos recursos naturais.

O DESAFIO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SUA RELAÇÃO COM O CONTROLE DE TERRAS E TERRITÓRIOS Ao mesmo tempo, o debate sobre as causas e consequências das mudanças climáticas globais tem produzido novos significados e “potencialidades” para a Amazônia. O Segundo Inventário Brasileiro de Emissões calculou, para o ano de 2005, em 1.638 Tg (teragrama) as emissões totais de CO2. O chamado “Setor de Mudança do Uso da Terra” foi responsável por 77% deste total de CO2 emitido (ou 1.259 Tg). A Amazônia, por sua vez, respondeu sozinha por 67% das emissões deste setor. Ou seja, o cumprimento da meta de redução de emissão de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% até 2020, conforme estabelece a lei que cria a Política de Mudança do Clima (Lei 12.187, de 2009), obriga o governo brasileiro a reduzir drasticamente as emissões por desmatamento na Amazônia. Outro grande setor responsável pela emissão de gases de efeito estufa é o setor agropecuário. Ele é responsável por 70% das emissões totais de CH4 (Metano), o que ocorre basicamente em função da fermentação entérica (gases) dos rebanhos de ruminantes, lembrando que temos o segundo maior rebanho de gado bovino do mundo. Este setor é responsável, ainda, por 87% das emissões totais de N2O (Óxido Nitroso), neste caso em função das emissões provenientes de solos agrícolas, sendo que os dejetos de animais em pastagem são um dos fatores de maior emissão. A Política de Mudança do Clima, instituída em lei, estabelece medidas para reduzir as emissões destes dois setores que trazem rebatimentos diretos para a Amazônia. São elas: (i) a redução de 80% dos índices anuais de desmatamento na Amazônia Legal, por meio do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm); (ii) a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas; (iii) a ampliação do sistema de integração lavoura-pecuária-floresta em

O Ministério de Ciência e Tecnologia é o órgão responsável pela elaboração do Inventário. Vale lembrar que este documento faz parte das obrigações do Brasil como país parte da Convenção sobre Mudança do Clima. É com base nas emissões levantadas neste inventário que serão monitoradas as reduções de emissão assumidas na Lei de Mudança do Clima.

Neste setor são incluídas as estimativas das emissões e remoções de gases de efeito estufa associadas ao aumento ou à diminuição do carbono na biomassa acima ou abaixo do solo pela substituição de um determinado tipo de uso da terra por outro, como, por exemplo, a conversão de uma floresta para agricultura ou pecuária ou a substituição de uma lavoura por reflorestamento.


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4 milhões de hectares; (iv) a expansão do plantio de florestas em 3 milhões de hectares. Para viabilizar estas três últimas metas, o governo pretende colocar em prática um Plano para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura, que está em fase final de elaboração pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Porém, como sabemos, há uma forte conexão entre, de um lado, os desmatamentos e as queimadas e, de outro, a concentração de terra na região, claramente articulada à dinâmica de expansão do agronegócio. Assim, esta concentração de poder pelo agronegócio amplifica o risco de que a política para mudanças climáticas beneficie, via estímulos de diversas ordens, preferencialmente os grandes detentores de terras, aprofundando, também por este caminho, a exclusão de comunidades rurais e de populações tradicionais.

A QUESTÃO FUNDIÁRIA NA AMAZÔNIA Articulada ao ponto anterior, a questão fundiária na Amazônia permanece marcada pela extrema concentração fundiária, pela ilegalidade, pela ociosidade e pelo desrespeito à legislação ambiental. Alguns pontos evidenciam esse quadro: (i) a concentração do desmatamento em áreas de consolidação do agronegócio (Pará, Mato Grosso e Maranhão respondem por 75,4% da área desmatada da Amazônia Legal); (ii) as grandes propriedades, embora representem somente 6% do número de imóveis na região, detêm juntas uma área de 200,3 milhões de hectares ou 71% da área total dos imóveis rurais na região; (iii) pelas estatísticas DE LONGA DATA VIVENCIAM do Instituto Nacional de Colonização e Reforma DIFERENTES MODALIDADES DE Agrária (Incra), o predomínio de grandes propriedades é acompanhado do alto grau de ociosidade da terra, uma vez que somente 22% das grandes propriedades são consideradas produtivas, ou seja, utiINTERNO E ACUMULAM HISTÓRIAS lizam acima de 80% da área disponível, descontadas DE TERRITORIAL E as áreas de reserva legal, preservação permanente e também as áreas impróprias para uso produtivo. DE ESPOLIAÇÃO DE

“OS POVOS INDÍGENAS COLONIALISMO INVASÃO

A despeito desta evidente associação entre desmatamento/queimada, concentração fundiária (boa parte de caráter ilegal) e expansão do agronegócio na Amazônia, essa situação não é objeto de uma ação efetiva do governo direcionada ao cerne da questão: uma reforma agrária que estabeleça na Amazônia outro modelo de utilização da terra e dos seus recursos.

RECURSOS NATURAIS”.

OS DIREITOS DOS POVOS TRADICIONAIS Os povos indígenas de longa data vivenciam diferentes modalidades de colonialismo interno e acumulam histórias de invasão territorial e de espoliação de recursos naturais. A despeito de existir legislações específicas destinadas à promoção e à proteção dos direitos de livre determinação territorial dos povos indígenas e das comunidades tradicionais – como a Constituição Federal de 1988, complementada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas – e programas e ações de governo com essa finalidade, a sua efetivação é um desafio. Existe uma grande pressão para a ocupação destas áreas por parte de setores do extrativismo mineral e madeireiro, da atividade pesqueira e da caça clandestina, de posseiros e fazendeiros. Há também vários territórios indígenas


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titulados, mas que foram cortados ou estão em risco de ser cortados por estradas, ferrovias, linhas de transmissão de energia elétrica e gasodutos. Por outro lado, a titulação de terras de comunidades quilombolas está praticamente paralisada.

O CRÔNICO DÉFICIT DE DIREITOS Um estudo recente feito pelo "Social Watch" no Brasil tratou de calcular o Índice de Capacidades Básicas, que já era feito em nível nacional, para os estados e municípios. Este índice, calculado para 2007, reúne três indicadores básicos de acesso a direitos: (i) taxa de mortalidade até os cinco anos de vida; (ii) taxa de partos atendidos por profissionais; e (iii) taxa de sobrevivência na 5ª série do ensino fundamental, ou seja, busca identificar a quantidade de crianças que, por algum motivo, não completaram o ensino até esta série. Os índices encontrados pelo estudo reforçam o conhecido abismo da desigualdade regional no Brasil e a situação comparativamente pior da Região Norte. Neste sentido, Pará, Acre e Amazonas detêm os três piores índices do Brasil. Se cada indicador for considerado em separado, a situação se mostra ainda pior na educação. No tocante especificamente ao ensino, o Pará se apresenta como o estado mais crítico, seguido de outros estados no Nordeste e também do Norte.

AS (TENTATIVAS DE) MUDANÇAS NO MARCO LEGAL

“Social Watch” é uma rede internacional de organizações que lutam para erradicar a pobreza e as causas da pobreza, para por fim em todas as formas de discriminação e de racismo, para assegurar uma distribuição equitativa da riqueza e para a conscientização dos direitos humanos.

A legislação ambiental passa por recorrentes tentativas de flexibilização. O embate em relação ao Código Florestal é o melhor exemplo da força dos interesses ligados ao agronegócio nesta flexibilização e da estratégia deste setor de expansão da fronteira agrícola amazônica. Uma das medidas pretendidas pelos ruralistas, por meio do substitutivo que tramita na Câmara dos Deputados, é a redução de 80% para até 50% da área de reserva legal para fins de regularização ambiental. Segundo estudo produzido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciência (ABC), esta redução pretendida pelos ruralistas comprometeria a continuidade física da floresta, aumentando significativamente o risco de extinção de espécies e comUMA DAS MEDIDAS PRETENDIDAS PELOS prometendo a efetividade da reserva legal como ecossistema funcional e seus serviços ecossistêmicos POR MEIO DO e ambientais. Juntamente com esta tentativa de alteSUBSTITUTIVO QUE TRAMITA NA ração do Código Florestal, existem vários outros proCÂMARA DOS DEPUTADOS, É A jetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado que tentam reduzir o marco legal de proteção ambiental. DE PARA ATÉ Exemplos disso são os projetos que tentam reduzir as áreas já demarcadas como Unidades de Conservação. DA ÁREA DE Outra categoria de projetos de grande importância para Amazônia trata dos estímulos econômicos para PARA FINS DE REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL”. a proteção ambiental. São muitas as iniciativas que também tramitam na Câmara e no Senado sobre esta matéria. Entre elas vale destacar duas: 1) o PL 5.586 de 2009 que institui a Redução Certificada de Emissões do Desmatamento e da Degradação (RCEDD); 2) o PL 195 de 2011 que institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, Manutenção e Aumento dos Estoques de Carbono Florestal (Redd+). Estes projetos além de lidar com a dificuldade de regulamentar uma matéria que ainda não tem um marco regulatório em nível internacional e possui elevada complexidade nos aspectos de mensuração, monitoramento e riscos de vazamentos – é também alvo de preocupações de movimentos sociais, pela ausência de mecanismos que garantam que comunidades que cuidam e vivem da floresta sejam de fato beneficiárias dos mecanismos de Redd+.

“ RURALISTAS,

REDUÇÃO 80% 50% RESERVA LEGAL


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A IMPORTÂNCIA E VITALIDADE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS Por fim, mas não com menos importância, destacamos como estratégico o papel que desempenha o trabalho em rede na região. Organizações locais de base comunitária ligadas a grupos indígenas, de mulheres, ribeirinhos, agricultores(as) familiares, prejudicados por barragens, sem-terras, entre outros, estão na linha de frente de mobilizações e denúncias de violências cometidas por grandes empresas contra comunidades locais e na depredação do meio ambiente. Um exemplo da vitalidade destas articulações é o "Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre", que tem mostrado grande força e capacidade de articulação local, nacional e internacional na resistência contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Reconhecemos, também, como estratégicas a discussão e a construção de abordagens e metodologias que têm o objetivo de aprofundar a reflexão sobre os reais impactos sociais e ambientais de grandes obras e projetos em curso na região. Um deles é a metodologia de Avaliação de Equidade Ambiental (AEA), elaborada pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) em parceria com organizações que compõem a Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

III. Financiamento do Estado com justiça social e ambiental Juntamente com a problemática da carga tributária brasileira, que recai mais pesadamente sobre quem tem menos, a arrecadação derivada da exploração dos recursos naturais é um tema central na luta pela garantia de direitos sociais e ambientais. Além disso, adquire um peso crucial na Amazônia. Estas compensações financeiras, que recaem sobre a exploração mineral, sobre a exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia e sobre a exploração de petróleo e gás natural, são o instrumento de apropriação pelo Estado de parte da riqueza gerada pela exploração destes recursos. É com este sentido que a Constituição de 1988 – no seu artigo 20, que define quais são os bens da União – estabelece o seguinte: § 1º É assegurada, nos termos da Lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. Trata-se, portanto, da apropriação pelo Estado de parte da riqueza derivada da exploração dos seus recursos naturais. Seu fundamento principal não é, portanto, compensar impactos ambientais ou sociais. Para estes, que não são poucos, a legislação ambiental estabelece outros mecanismos que teoricamente deveriam mitigar, compensar ou minimizar impactos sociais e ambientais. O principal deles é o licenciamento ambiental. Esta distinção é importante para ressaltar o caráter das compensações, embora, de fato, como existem hoje, elas mal “compensam” os estragos que os projetos de exploração destes recursos trazem para os municípios, as comunidades onde são implantados e para o meio ambiente. O que temos que nos perguntar é por que isto acontece? Na Amazônia, dadas a sua enorme riqueza natural e a forma predatória e espoliativa com que tem sido explorada, este tema tem uma importância central. Muito já se discutiu e se discute sobre um padrão de desenvolvimento que por sucessivos ciclos

Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou daqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando-se as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.


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de exploração e diversos projetos de ocupação resultaram e resultam em muitos impactos sociais e ambientais, além de muito pouca capacidade de internalizar na própria região as riquezas advindas da exploração dos seus recursos naturais. São muitos os interesses e fatores de ordem mundial, nacional e local que reforçam a rigidez deste padrão que articula infraestrutura/concentração de terra/extrativismo mineral/agronegócio e agora, também, inclui entre ativos com elevada expectativa de ganho os serviços ambientais e créditos de carbono. Um destes fatores está relacionado ao quanto da riqueza gerada pela exploração dos recursos naturais fica na Amazônia na forma de receitas para os estados e municípios e como são gastos estes recursos. É neste marco que, segundo a nossa visão, o tema das compensações financeiras pela exploração dos recursos naturais precisa ser enfatizado na luta socioambiental. Levantamos algumas informações e questões que contribuem para esta reflexão.

QUAIS SÃO ESTAS COMPENSAÇÕES? São três as principais fontes de receita derivadas da exploração dos recursos naturais: 1. Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM). É uma compensação que as empresas mineradoras pagam pela utilização econômica dos recursos minerais. Esta compensação é calculada como um percentual sobre o “faturamento líquido”, que varia de acordo com o tipo de minério extraído: 1% para ouro; 2% para ferro, fertilizante, carvão e demais substâncias; 3% para minério de alumínio, sal-gema, manganês e potássio. Exploradores de pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonados e metais nobres pagam 0,2% na forma de compensação. O órgão responsável pela fiscalização da arrecadação destes recursos é o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). 2. Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH). Trata-se de um percentual que as concessionárias de geração hidrelétrica pagam pela utilização de recursos hídricos. Este percentual (que é de 6,75%) incide sobre o valor da energia produzida a título de compensação financeira. O órgão responsável pela arrecadação e distribuição destes recursos é a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 3. Royalties do Petróleo e do Gás Natural. São também uma forma de compensação financeira paga pelas empresas produtoras de petróleo e gás natural (neste caso, a Petrobras). A alíquota cobrada varia entre 5% a 10% sobre o volume total da produção sobre a qual é aplicado um preço de referência. A variação de alíquota leva em conta fatores como os riscos geológicos e as expectativas de produção. O órgão do governo encarregado de receber o recurso é a Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Estas três formas de compensação foram instituídas conjuntamente pela Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, e a sua distribuição entre União, estados e municípios foi regulada pelo Decreto n° 1, de 11 de janeiro de 1991. Neste Decreto ficou estabelecido como vedação o gasto dos recursos no pagamento de dívidas (exceto para com a União e suas entidades) e no quadro de pessoal. Mas somente para os royalties do petróleo e do gás natural ficaram definidos os investimentos passíveis de utilização dos recursos: energia, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e saneamento básico. Na repartição destes recursos, à exceção dos royalties do petróleo, a lógica é privilegiar em ordem decrescente o município onde se dá a exploração ou utilização do recurso hídrico, o seu estado e, por fim, com percentuais menores, a União. Apresentamos na tabela a seguir uma síntese da forma de partilha das compensações.


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Compensações

Municípios

Estados

União

CFEM (alíquotas de até 3%)

65%

23%

12% (DNPM, Ibama e MCT)

CFURH (alíquota de 6%)*

45%

45%

10% (3% para o MMA, recursos hídricos e Amazônia Legal; 3% para MME; 4% para o FNDCT)

Royalties de petróleo e gás natural (alíquota de 5%)**

20% onde ocorre a produção + 10% para os afetados pelas operações de embarque e desembarque do petróleo e do gás natural.

70%

* Os 0,75% restantes são repassados ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, sob responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA). ** As regras de partilha variam dependendo da forma e do lugar da exploração. A partilha descrita considera royaltiesde 5%, o que ocorre nas explorações em terra ou em lagos, ilhas fluviais e lacustres.

Consideramos aqui os valores distribuídos a estados e municípios. Foram considerados nos estados do Maranhão e de Mato Grosso todos os municípios, inclusive aqueles que não fazem parte da Amazônia Legal.

QUAIS SÃO OS RECURSOS DISPONÍVEIS? Juntas, estas três formas de compensação representaram para os estados da Amazônia Legal uma receita de R$ 828 milhões no ano de 2010, distribuída entre estados e municípios, conforme a regra de partilha descrita. Distribuição

CFEM

CFURH

2010

Estados

Municípios

AC

17.024,13

48.111,69

Estados

Royalties Municípios

Total

Estados

Municípios

Estados e municípios

5.441.573,42

3.175.869,47

8.682.578,71

AM

667.855,72

1.887.418,41

1.567.348,99

1.567.348,97

168.972.391,49

70.712.865,68

245.375.229,26

AP

2.288.652,67

6.467.931,47

960.810,70

960.810,70

5.427.257,66

2.542.679,13

18.648.142,33

MA

344.244,55

972.865,02

1.200.949,33

1.200.949,35

11.481.544,94

26.410.055,05

41.610.608,24

MT

1.304.218,45

3.685.834,86

6.526.335,08

6.526.335,11

3.671.034,01

11.698.350,30

33.412.107,81

PA

68.200.245,98

192.739.825,68

63.412.149,01

63.412.148,97

9.721.980,92

24.597.930,04

422.084.280,60

RO

530.564,12

1.499.420,40

1.359.431,42

1.359.431,41

4.478.601,03

5.597.387,85

14.824.836,23

RR

5.366,18

15.165,30

-

-

3.945.896,28

1.987.150,27

-

TO

287.853,75

813.499,77

10.727.642,46

10.727.642,42

6.903.369,96

8.812.600,70

38.272.609,06

73.646.025,55

208.130.072,60

85.754.666,99

85.754.666,93

220.043.649,71

155.534.888,49

828.863.970,27

Amazônia Legal

Fonte: Siga Brasil.

Os estados do Pará e do Amazonas concentram boa parte destes recursos (50,9% e 29,6%, respectivamente) em função principalmente da exploração da mineração no Pará e da exploração de gás natural no Amazonas. O estado do Pará foi responsável por 92,6% dos valores recebidos de compensação pela exploração de recursos minerais e por 73,9% das compensações pela exploração de recursos hídricos. O estado do Amazonas foi responsável por 76,7% dos royalties de petróleo e gás natural.


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Maiores Arrecadadores de CFEM - 2010 (em R$ milhões) 12,29

Fonte: Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM

No caso da CFURH, a compensação recebida também está altamente concentrada em meia dúzia de municípios. Novo Repartimento, Tucuruí e Goianésia do Pará, Jacundá, Breu Branco (todos no Pará) e Porto Nacional (em Tocantins) concentram 72,4% do total arrecadado pelos municípios que compõem a Amazônia Legal.

Maiores Arrecadadores de CFURH - 2010 (em R$ milhões) 3.159.475,16 4.467.567,32 5.826.305,26

10.245.195,24

26.795.404,03

10.995.102,09 Fonte: Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM

Também neste caso são abundantes as notícias sobre os grandes lucros anuais das elétricas, que cresceram em 230% durante os oito anos do governo Lula. Lucros estes garantidos por uma perversa combinação entre energia elétrica barata para as atividades eletrointensivas (como a produção de alumínio, cimento, papel e celulose) e energia extremamente cara para uso residencial, iluminação pública e empresas não eletrointensivas. Além disto, há que se considerar que grande parte da energia hoje gerada e também daquela que o será com Santo Antônio de Jirau, Belo Monte, entre outras previstas, têm como destino as grandes indústrias do estado e, principalmente, de outras regiões do país.

Como resume bem um artigo sobre a farsa de Belo Monte: “Os moradores dos municípios vizinhos a Belo Monte farão o mesmo que seus pares de Tucuruí: vão olhar para cima e ver o linhão passar, enquanto suas casas ficam sem luz" (http://blog.controversia.com.br /2010/07/30/belo-montecomo-desmontar-uma-belafarsa/).


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COMPENSAÇÃO PELA EXPLORAÇÃO DE FLORESTAS Outra forma de compensação que merece atenção e reflexão é a “transferência de recursos decorrentes de concessões florestais”, instituída pela Lei n° 11.284, de 2006, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável. Trata-se de uma forma de pagamento pela exploração econômica de recursos florestais públicos, que estão altamente concentrados na Amazônia. Até o final de 2010, havia entrado em processo de licitação um total de 678.369 hectares de florestas públicas federais: 582 mil no estado do Pará (Floresta Nacional de Saracá-Taquera, Lotes Sul e Norte; Floresta Nacional de Amana; Floresta Nacional do Crepori) e 96,3 mil no estado de Rondônia (Floresta Nacional do Jamari). Dos cinco editais lançados até agora, dois já foram concluídos e tiveram contratos assinados com as empresas vencedoras. A gestão de florestas públicas, com base nesta QUEREMOS RESSALTAR lei, ao mesmo tempo em que teoricamente foi idealizada segundo princípios de sustentabilidade, respeito e inclusão das comunidades locais nos benefícios gerados pela exploração, é um tema senA IMPORTÂNCIA DO sível para os direitos sociais e ambientais. Entre outros fatores, é alto o risco potencial de restrição do acesso e da exploração dos recursos florestais e SOBRE AS COMPENSAÇÕES pesqueiros por comunidades tradicionais que historicamente habitam a região e tiram boa parte do PELA EXPLORAÇÃO DOS seu sustento da floresta. Embora o texto da lei seja claro ao garantir o acesso e a exploração da floresta por parte destas comunidades tradicionais, a restrição deste acesso é um risco evidente, caso não sejam observadas as prerrogativas das comunidades locais por parte dos órgãos gestores estaduais e do federal, o que se agravaria pelo caráter de longo prazo destas concessões: até 40 anos. Segundo informações do Serviço Florestal Brasileiro (criado por esta mesma lei), a previsão é que as concessões em Amana e Crepori gerem uma receita anual entre R$ 20 milhões e R$ 40 milhões, a depender das condições do mercado e da capacidade operacional dos concessionários.

“ NESTE BOLETIM

DEBATE CRÍTICO RECURSOS NATURAIS ”.

E quanto deste recurso fica com os estados e municípios da Amazônia? São duas as possibilidades, conforme estabelece a lei. Se a floresta explorada não estiver localizada em uma unidade de conservação, os estados e os municípios onde estão localizadas as unidades de manejo florestal receberão, cada um, 21% do valor pago anualmente. Se a concessão ocorrer dentro de florestas nacionais, o percentual pago aos estados e municípios se reduz para 14% (para cada ente) do valor pago anualmente.

O SENTIDO DAS COMPENSAÇÕES Queremos ressaltar neste boletim a importância do debate crítico sobre as compensações pela exploração dos recursos naturais. Este tema, no entanto, merece ser discutido dentro de uma perspectiva mais ampla que considere o papel dos grandes projetos de mineração e das grandes obras hidrelétricas, entre outras, na persistência da exclusão e na destruição dos modos e meios de vida de parcela importante da população que vive na região. A finalidade é que tal debate seja capaz de pressionar governos e empresas para que internalizem de forma efetiva os custos socioambientais destes empreendimentos, a ponto inclusive de tornar crítica sua viabilidade econômico-financeira.


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ORÇAMENTO & POLÍTICA AMBIENTAL

É com a análise desta questão, sob uma lente mais ampla, que precisamos indagar se, de fato, estas compensações fazem sentido. Pensando-se por este caminho, a resposta a esta pergunta depende muito da perspectiva que adotamos. Na perspectiva da justiça ecológica, a resposta seria, possivelmente, um redundante NÃO. Em especial se considerarmos que se trata de recursos naturais explorados na Amazônia, com impactos sistêmicos sobre o meio ambiente. Ou, como já dito no boletim anterior, dessa perspectiva, “as reparações, compensações e indenizações econômicas e financeiras outorgadas às pessoas afetadas – por uma rodovia, uma barragem ou a instalação de um complexo mineral-metalúrgico – podem ser importantes e desejadas por elas, ser um direito seu, mas são insuficientes à natureza. Esses direitos estão focados nas pessoas, nos danos causados nos seus modos de vida, no direito do cidadão, mas não da natureza”. Na perspectiva da justiça ambiental, talvez a resposta não seja tão direta, posto que “o direito de não se submeter e de resistir às pressões de ter que arcar com os danos ambientais decorrentes da exploração destes recursos supõe, também, colocar no centro do debate os interesses e valores das populações atingidas por estes investimentos”.

Estas duas perspectivas foram abordadas no Boletim n° 24, disponível no endereço: http://www.inesc.org.br/ biblioteca/publicacoes/boletins/ boletim-orcamentopoliticasocioambiental/ Inesc%20web.pdf.

Pensando-se um pouco mais com base na ótica das populações atingidas, são muitos os impactos socioambientais negativos dos grandes projetos de mineração, das grandes obras hidrelétricas e de infraestrutura. Impactos sobre as populações locais, mas também sobre o enorme contingente de trabalhadores que se deslocam para tra11 balhar nestes projetos. O exemplo mais recente é o da construção das barragens de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, onde se acumulam e explodem conflitos motivados por problemas trabalhistas e por desrespeito aos direitos fundamentais: descumprimento de condicionantes nas áreas de saúde, educação, transporte e segurança; denúncias de maus-tratos, condições degradantes, violência física. Estes problemas desencadeiam e se somam a outros, infelizmente óbvios pela forma com que tais empreendimentos são “empurrados” à localidade. De 2008 (quando se iniciaram as obras) até 2010, os indicadores de criminalidade dispararam no estado e na capital, Porto Velho: i) no estado, os estupros cresceram 76,5%, e as ocorrências de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes cresceram 18%; ii) na capital, aumentou em 44% o número de homicídios dolosos; iii) em Jaci-Paraná, distrito que abriga as obras de Jirau, o aumento do tráfico de drogas e da prostituição levou o Ministério Público Estadual e o Federal a cobrar do governo estadual e da prefeitura “ações sociais efetivas” para enfrentar o problema. As raízes deste “desastre anunciado” são também muitas, entre elas a fragilidade do processo de licenciamento ambiental (incluindo-se aí as ingerências políticas referentes ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que atropelam processos de licenciamento, quando não passam por cima de justificativas técnicas contrárias à licença para dado empreendimento) e a debilidade do controle do cumprimento das condicionalidades exigidas para o licenciamento, para se ficar apenas nas mais óbvias. Tudo isso ainda é potencializado pela lógica do capital de aumento da lucratividade do empreendimento, o que, por “natureza”, gera pressão por redução de custos e do tempo de produção (neste caso, de geração da energia). No caso de Jirau, por exemplo, a antecipação da geração de energia, de janeiro de 2013 para maio de 2012, geraria um ganho excedente de R$ 1,2 bilhão com a venda antecipada de energia para o mercado livre. Enfim, a reflexão sobre o significado e a importância das compensações precisa ser inserida no âmbito de um debate mais amplo sobre a forma e o significado do modelo extrativista-exportador, que acumula fabulosos lucros e socializa impagáveis prejuízos socioambientais.

Os muitos impactos sociais e ambientais provocados pelas grandes obras, pelos projetos, pela exploração mineral e pelo agronegócio explicitam a distância entre a prática e o discurso de responsabilidade social e ambiental das empresas e dos bancos que investem na Amazônia. Sobre este aspecto, veja importante análise dos impactos da mineração no sudeste paraense no site da "Justiça nos Trilhos": http://www.justicanostrilhos. org/nota/496.


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Mas entendemos que também para aprofundar estas reflexões é importante discutir o sentido e o tamanho destas compensações, que são parte importante do modelo extrativista-exportador, predominante na região. Neste caso, o fato é que, depois de todos os impactos que geram no seu processo de instalação e operação, as empresas estão explorando estes recursos e se apropriando de forma acelerada de volumes fabulosos de riquezas que são patrimônio da sociedade. Portanto, além de devidamente responsabilizadas pelos impactos que provocam, tais empresas precisam retornar parte significativa desta riqueza para quem ela é de fato devida, a sociedade, por meio do Estado. Além de uma melhor remuneração da sociedade por esta exploração, estes recursos precisam estar diretamente comprometidos com a garantia de direitos sociais e ambientais na região e com investimentos que ampliem usos sustentáveis e mais equitativos da enorme biodiversidade presente na região. É também por este caminho que podemos construir outro significado para o desenvolvimento. Pensando em uma estratégia de disputa do próprio significado do desenvolvimento e de embate contra o atual padrão de exploração destes recursos, acreditamos que é central discutir o quanto se paga por estas compensações com base em parâmetros de justiça social e ambiental. Trata-se de volumes fabulosos de riquezas exploradas, em geral, por grandes empresas privadas, com um retorno muito baixo para a sociedade.

A INSUFICIÊNCIA DAS COMPENSAÇÕES O exemplo mais marcante de compensação injusta, porque também mais estudado, é o caso da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM). Muitas análises já trataram de mostrar o quanto são baixas as alíquotas cobradas no Brasil. Para o ferro explorado na região, que sozinho gerou no estado do Pará uma arrecadação de CFEM de R$ 218 milhões em 2010, a alíquota é de 2% do faturamento líquido. Na Austrália, a alíquota varia entre e 5% a 7,5% do valor “na mina”. No Canadá, o equivalente a esta compensação varia de 5% a 14% sobre os lucros decorrentes da mineração. Para piorar, aqui no Brasil e somente aqui, a cobrança incide sobre o faturamento líquido, que, na prática, é bem menor do que o valor “na mina” e os “lucros”, parâmetros 12 utilizados em outros países produtores. Isto porque a prática geral aqui é descontar despesas incorridas, por exemplo, com esteiras, pás carregadeiras e outros maquinários. Como mostra um estudo da Câmara dos Deputados (2007) por conta destas deduções indevidas, Pará e Minas Gerais, que são os maiores produtores, também são os maiores prejudicados, pois deixam de arrecadar cerca de 40% do que poderiam. Estas e outras facilidades tributárias concedidas às empresas mineradoras no Brasil têm contribuído demasiadamente para ampliar o lucro e o poder das empresas que aqui operam, em especial da Vale. Em 2010, o faturamento da mineração no Brasil foi de US$ 157 bilhões (10% do PIB), o que representa 25% das exportações brasileiras. Em contrapartida, tais empresas têm retirado da sociedade importantes recursos que poderiam garantir direitos da população.

A VALE COMO CASO EXEMPLAR A Vale, principal empresa exploradora dos minerais na região, se tornou a maior produtora mundial de minério de ferro em grande parte graças a Carajás. Ela, que é a primeira empresa exportadora do Pará (sozinha exportou US$ 4,61 bilhões de janeiro a setembro de 2010), obteve lucro líquido recorde de R$ 10,554 bilhões no terceiro trimestre de 2010. O resultado é 253,4% acima do registrado em igual período de 2009.

Um estudo realizado pelo Departamento de Ciências Geológicas da Queen’s University, do Canadá, publicado em 1999 pelo Brazil Pavilion do PDAC'99, tratou de comparar e estimar posições na taxação da mineração na América do Sul. O estudo concluiu que Chile e Brasil são os países que impõem menor ônus tributário incidente sobre a mineração. Além disso, o documento apontou que, no geral, a América do Sul e, em especial, estes dois países apresentam uma “nítida vantagem sobre seus rivais globais”, que são Canadá e Austrália. Quer dizer, tributam bem menos do que eles e, em função disto, são mais atrativos às companhias multinacionais que operam na mineração.


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Considerando-se o acumulado nos nove primeiros meses de 2010, o lucro líquido totalizou R$ 20,068 bilhões, ou seja, 208,4% acima dos R$ 7,630 bilhões no mesmo período de 2009. Para isto, a produção de Carajás foi fundamental. Segundo a Vale, no acumulado de nove meses, a produção total foi de 227,53 milhões de toneladas, um aumento de 30,4% sobre o montante contabilizado no período de janeiro a setembro de 2009 (Fonte: "Vale tem lucro recorde de R$ 10,554 bilhões no trimestre". Valor on-line – 27/10/2010). Além do aumento do volume extraído de minerais e principalmente do minério de ferro, outro fator que contribuiu muito para este lucro recorde foi o aumento do preço do minério, que passou, em menos de um ano, de US$ 60 para US$ 120, reflexo tanto da persistência da demanda mundial, principalmente da China, quanto do poder de fogo da Vale de determinar o preço do minério no mercado mundial. Lúcio Flávio Pinto, jornalista que há décadas acompanha e desnuda o modelo extrativista exportador, que tem na mineração seu principal motor, em uma passagem de um dos seus muitos artigos, resume bem o poder da Vale: “Ela é tão poderosa quanto um governo. No Brasil, aliás, maior do que todos [os governos], exceto o governo federal, pelo controle da logística que possui em todo o país (com as duas maiores ferrovias e os dois maiores portos, num acervo que excede e ignora as segmentações federativas) e pela capacidade de investimento, maior do que [a verificada em] muitos estados somados (talvez só inferior ao de São Paulo)”. Fonte: Lúcio Flávio Pinto, Jornal Pessoal (JP), 08.11.2010 (com acréscimos nossos). Poder que tende a crescer, porque já estão em curso investimentos da Vale de US$ 11,3 bilhões (até 2014) para a exploração da mina de Serra Sul, que deverá produzir sozinha 90 milhões de toneladas/ano de minério de ferro, o que equivale a toda a produção do complexo Carajás em 2009. Esta parte da mina corresponde a somente uma quarta parte de apenas um dos 49 depósitos já mapeados em Carajás. Enfim, a estratégia de ampliação da capacidade de produção da Vale continuará centrada na província de Carajás, mas outros investimentos se somam para ampliar o poder da Vale: 1) Serra Norte – investimento de US$ 90 milhões para ampliação da extração de minério de ferro em mais 10 milhões de toneladas/ano; 2) Serra Leste – investimento de US$ 300 milhões para a abertura de novas minas em Carajás; 3) Projeto Salobo, em Marabá, para a exploração de cobre – investimento previsto de US$ 2 bilhões para uma produção de até 200 mil toneladas/ano; 4) Cristalino, em Curionópolis, para a exploração de cobre – investimento previsto de US$ 1,5 bilhão para a produção esperada de 100 milhões de toneladas/ano; 5) Onça Puma, em Ourilândia do Norte, São Félix do Xingu e Parauapebas, para a exploração de níquel – investimento de US$ 2,3 bilhões para a produção de 58 mil toneladas/ano; 6) Paragominas III, para a ampliação da produção de bauxita – investimento de US$ 487 milhões, com previsão de ampliação da produção em 4,9 milhões de toneladas/ano. Como diz a própria Vale: “Ainda há muito a se descobrir e explorar. Até agora, apenas mapeamos o potencial da produção mineral no 13 Pará. As perspectivas futuras são fantásticas, quase inimagináveis”. Muito já se falou do caráter espoliativo da extração dos recursos minerais (em especial em Carajás, na Amazônia), do seu conteúdo fortemente marcado pela ausência de compromisso do Estado e das empresas exploradoras com um processo de agregação de valor aos minérios, o que produziria um desenvolvimento de atividades vinculadas à mineração, ampliando as possibilidades de que a riqueza gerada pudesse permanecer na própria região e beneficiar sua população. O fato é que, sem desconsiderar a im14 portância da questão da verticalização da produção, de qualquer forma, é abusivo o poder de apropriação desta riqueza extraída da natureza, que é patrimônio da sociedade, em benefício próprio e de seus acionistas, em detrimento do seu usufruto comum. Além dos valores, que são muito baixos, muitos são os exemplos de recolhimento indevido por parte das empresas. Para dar um exemplo, em agosto de 2010, o Depar-

"Mineração: investimentos superam US$ 25 bilhões até 2014". Valor EconômicoEstados-Pará, abril de 2010.

A maior parte dessa riqueza é exportada como commodity (principalmente para a China) com isenção de ICMS graças à Lei Kandir. Como já alertaram muitos analistas, estamos exportando minério de ferro para a China e importando trilhos de ferro também da China. Os dados da balança comercial de Parauapebas de janeiro a setembro de 2010 mostram que foram exportados US$ 4,92 bilhões de minério de ferro, o que dá um volume de 63 bilhões de quilos líquidos. Estes números só crescem a cada ano. Não por acaso, Parauapebas já é a segunda cidade que mais exporta no Brasil. Em 2009, neste mesmo período de janeiro a setembro, o valor exportado havia sido de US$ 2,97 bilhões, o que dá um crescimento em dólares de 67% do valor exportado.


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tamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) incluiu a Vale no banco de dados de pessoas físicas e jurídicas em débito com a União (o Cadin), em função de uma dívida no pagamento de CFEM de cerca de R$ 360 milhões. A esta inscrição antecedeu outra, feita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que é um órgão vinculado ao Ministério da Fazenda com atribuição de representá-lo em causas fiscais, 15 cobranças judiciais e administrativas de créditos tributários e não tributários. O exemplo da mineração evidencia, portanto, a reduzida capacidade de absorção pela sociedade da riqueza gerada pela exploração dos seus recursos naturais. É em grande parte por esta discrepância que o governo Lula insinuou repetidas vezes a disposição política de mexer na regulação do setor. Dilma Rousseff também anunciou que irá promover uma nova regulamentação nos moldes do Pré-Sal. Já existe uma proposta do Ministério de Minas e Energia (MME) de novo marco regulatório da mineração, o qual inclui proposta de aumento das compensações (CFEM). Esta proposta está hoje na Casa Civil, e o compromisso do atual governo é encaminhála ao Congresso até junho. É importante dizer que o governo já parte do reconhecimento de que as alíquotas hoje vigentes são injustas para com a sociedade. Uma das propostas de revisão dos royalties é para a criação de um fundo especial para o desenvolvimento de regiões mineradoras, a partir dos recursos excedentes captados com as mudanças das regras. Este fundo teria como objetivo contemplar municípios adjacentes ao município minerador, que são impactados pela atividade mineradora, mas que não contam com nenhum tipo de benefício advindo da mineração. Vale registrar neste ponto a experiência recente no Brasil de tentativa de regulamentação do PréSal. O Projeto de Lei (PL) nº 5.940/2009, aprovado no dia 1º de dezembro de 2010, direciona parte dos royalties e de outras fontes de receita da exploração de petróleo na camada do Pré-Sal para um fundo social com a finalidade de constituir “fonte regular de recursos para a realização de projetos e programas nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental”. Ou seja, em tese, pretende direcionar parte dos recursos dos royalties para investimentos nestas áreas, ampliando a dotação de seus recursos.

http://www1.folha.uol.com.br/ mercado/788315-vale-eincluida-em-cadastro-deempresas-em-debito-com-auniao.shtml

“É EM GRANDE PARTE POR ESTA DISCREPÂNCIA QUE O GOVERNO LULA INSINUOU REPETIDAS VEZES A

DISPOSIÇÃO POLÍTICA DE MEXER NA REGULAÇÃO DO SETOR. DILMA ROUSSEFF TAMBÉM ANUNCIOU QUE IRÁ

PROMOVER UMA NOVA REGULAMENTAÇÃO NOS MOLDES DO PRÉ-SAL.”.

QUE CONCLUSÃO PODEMOS TIRAR? Primeiro, que é importante discutir essas compensações no seu conjunto e entendê-las como um retorno para a sociedade da exploração dos seus recursos naturais, e não somente na perspectiva do pagamento pelos impactos sociais e ambientais causados. É fundamental evidenciar neste debate o quanto é baixo este retorno. Segundo, é preciso disputar o uso destes recursos para garantir que parte importante seja comprometida com um desenvolvimento da Amazônia que coloque em primeiro plano os direitos sociais e ambientais da sua própria população. O alcance do fundo social, por exemplo, poderia ser ampliado incorporando-se os recursos das compensações (devidamente ampliadas). Sobre este aspecto também é importante questionar se a atual forma de repartição dos recursos é justa do ponto de vista do desenvolvimento da região como um todo. No caso da CFEM, por exemplo, a parcela que fica no município corresponde a 65% do total arrecadado. O crescimento da produção mineral que está altamente


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concentrada em cinco municípios amplia de forma demasiada a desigualdade na capacidade de arrecadação e gasto entre os municípios da região, lembrando-se que muitos deles, por sua proximidade, são negativamente atingidos pelos efeitos sociais e ambientais desta exploração. Estas questões nos levam a outra não menos importante, como veremos a seguir.

PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NO USO DAS COMPENSAÇÕES Embora existam vários estudos que investigam o papel das compensações no desenvolvimento local, apontando a importância dessas receitas para a melhoria dos indicadores sociais e ambientais, esta não é a regra. Além disto, estes estudos apontam a total ausência de participação social na definição das políticas públicas e das ações de governo que se servem destes recursos. A transparência na prestação de contas do uso destes recursos é outro ponto crítico. Sequer é claro para a sociedade se os vetos legais para a sua utilização (pagamento de pessoal e pagamento de dívidas, exceto da União e de seus órgãos) são de fato seguidos. Enfim, é evidente que a utilização destes recursos está muito longe de ser transparente e de responder às reais demandas da população local. Por isso, ao lado do debate sobre a necessidade de se garantir um maior retorno para a sociedade da exploração dos seus recursos naturais, é fundamental ampliar a participação social e o controle do seu uso. Estes dois desafios têm na Lei Complementar nº 131, de 2009, uma grande oportunidade. Além de reafirmar a participação popular no ciclo orçamentário, esta lei diz que todos os órgãos dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal estão obrigados a disponibilizar na internet (“em meios eletrônicos de acesso publico”) informações detalhadas e atualizadas sobre a execução orçamentária para os cidadãos e as cidadãs. Quer dizer, teoricamente temos condições, a partir desta lei, de acompanhar de perto onde estão sendo gastos os recursos públicos, inclusive das compensações. O cumprimento satisfatório desta lei requer, contudo, um maior envolvimento da sociedade no sentido de cobrar maior transparência das informações que ainda são disponibilizadas de forma pouco clara para o cidadão. Para ficar em um exemplo, o Portal da Transparência do governo do Pará, criado para responder às exigências da lei, traz informações que ajudam a desvendar para onde estão indo estes recursos. Mas estas informações não são facilmente identificadas, o que dificulta o acesso à informação que realmente importa. Veja no box ao lado o que podemos descobrir neste Portal. Se olharmos bem onde estão sendo aplicados estes recursos, veremos que estão atendendo diretamente a interesses das grandes empresas mineradoras e agroindustriais que se servem desta infraestrutura para drenar as riquezas extraídas na região, além das empreiteiras. Ou seja, a concentração de riqueza e poder serve para garantir que gastos em infraestrutura que beneficiam diretamente estas empresas sejam prioridade absoluta dos governos, em detrimento de investimentos em saúde, educação, preservação ambiental ou cultura. Em síntese, a dinâmica extrativista exportadora predominante na Amazônia possui íntima relação com a produção de infraestrutura e energia e, por sua vez, com as estratégias de planejamento e investimento levadas a cabo pelos governos. O controle social e a transparência em relação às compensações são, por tudo isto, fundamentais no embate contra este padrão de exploração.


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USOS E ABUSOS NO GASTO DOS ROYALTIES As informações no Portal da Transparência do Pará (http://www.portaltransparencia.pa.gov.br/) mostram que os royalties da mineração e do petróleo estão sendo 100% utilizados para ampliar a infraestrutura que é funcional ao aprofundamento deste padrão de exploração, ou seja, para facilitar o escoamento da produção de minérios e grãos. Além disto, parte importante das compensações pela exploração dos recursos hídricos está sendo direcionada para aplicações financeiras, muito possivelmente para pagar dívidas do estado com a União. Como chegamos a estas conclusões? No Portal da Transparência, podemos ter acesso à Lei Orçamentária Anual (LOA) (Relatórios Orçamento Estadual Lei Orçamentária Anual (http://www.sepof.pa.gov.br/sites/default/files/OGE_2010.pdf), em que estão as previsões de receita e as previsões para a sua destinação, ou seja, em que órgãos e programas estas receitas serão alocadas. Cada receita é numerada como uma fonte (CFEM = 0124; CFURH = 0125; royalties de petróleo e gás = 0126). Podemos ver então, ainda na LOA, em quais programas deverão ser utilizados os recursos das compensações. A CFEM, por exemplo (que é fonte 0124, com previsão de R$ 38,8 milhões), está toda alocada na Secretaria Estadual de Transportes. As compensações pela exploração de recursos hídricos (fonte 0125, com previsão de R$ 46 milhões) têm quase a sua metade alocada em “inversões financeiras”, possivelmente para pagar dívidas com a União e seus órgãos. O próximo passo é identificar nas despesas realizadas qual foi a destinação dos recursos destas fontes (consultar despesas escolher a Secretaria definir o período desejado). O resultado da pesquisa irá identificar centenas de Notas de Empenho (NE) com informações sobre o número do empenho, a data, o número e o nome da pessoa física ou jurídica e o valor. Infelizmente, para que se saiba a fonte de recurso que está pagando cada despesa empenhada é necessário abrir nota por nota. Fizemos este exercício como teste e identificamos, até o primeiro dia de novembro de 2010, 51 Notas de Empenho que se referiam à utilização de recursos das compensações e dos royalties (47 com recursos da CFEM e 4 com recursos dos royalties do petróleo). Além disto, encontramos, por exemplo, registros sobre a contratação de obras de conservação de infraestrutura localizadas “no quintal” da própria Vale. Uma destas obras, considerada como relativa a serviços emergenciais, foi a construção de duas pontes no trecho Eldorado-Carajás, entre os municípios de Curionópolis e Parauapebas, no valor de R$ 219.880,01. Detalhe: a obra foi feita com dispensa de licitação (ver NE00149)!


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Para piorar ainda mais este quadro de iniquidades, são comuns relatos de casos de corrupção envolvendo o uso de royalties. Episódios estes que se sobrepõem aos relatos dos pesados impactos sociais e ambientais oriundos de projetos de exploração 16 dos recursos do subsolo. Um estudo de caso recente é sobre Coari, no estado do Amazonas, que teve seu orçamento multiplicado com o recebimento dos royalties derivados da implantação do gasoduto Urucu-Coari-Manaus. Como relatam os autores, “essa fartura de recursos não alterou a qualidade de vida de seus moradores. A cidade passou a receber muito dinheiro, mas também muita gente. A população que vivia ao redor, espalhada, migrou para o centro (...). Da mesma forma que o orçamento, a população também foi se multiplicando, e hoje são cerca de 100 mil habitantes na busca pelo seu quinhão do Eldorado negro. Como não havia estrutura para isto, cresceu a prostituição, e doenças como a malária proliferaram. A cerca de dois quilômetros do porto da Petrobras, no rio Solimões, a iluminação do terminal e a movimentação das embarcações afastaram os peixes, que eram fonte de renda e alimentação para a população ribeirinha”. Além disto, como relata o mesmo estudo, existem denúncias de desvio dos recursos dos royalties que já foram alvo de diversas investigações do TCU. Em 2003, os auditores do órgão descobriram que, entre 2001 e 2002, R$ 7,7 milhões em royalties foram sacados das contas da Prefeitura de Coari sem que o prefeito justificasse o desvio de recursos. Em 2008, a operação Vorax da Polícia Federal (PF) desmontou uma organização criminosa que se apropriava de recursos repassados pelo governo federal e pela Petrobras referentes à exploração de petróleo e gás no município. A fiscalização feita em 2007 pela Controladoria-Geral da União (CGU), em parceria com a Polícia Federal (PF), concluiu que os supostos desvios praticados pela Prefeitura de Coari geraram mais de R$ 7 milhões em prejuízos aos cofres públicos entre 2001 e 2006, sendo que, destes, R$ 3,1 milhões eram referentes a recursos federais e mais de R$ 3,8 milhões eram devidos a receitas de royalties.

IV - “Máximo de recursos disponíveis” para garantir direitos na Amazônia Este conceito “máximo de recursos disponíveis”, que é uma referência importante dentro do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), é estratégico porque deixa claro que é uma obrigação do Estado assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto. Mas, para isto, precisa comprometer o máximo de recursos disponíveis. A expressão “o máximo de recursos disponíveis” traz, no seu cerne, o desafio da construção de instrumentos de medida para o cumprimento de direitos pelo Estado. Além disto, pode ser pensada em mais de um sentido. O primeiro sentido e mais comum é pensar sob a ótica dos recursos financeiros, orçamentários e extraorçamentários, mas outros sentidos são importantes. Disponibilizar recursos humanos, tecnológicos e também recursos naturais para garantir direitos é tão fundamental quanto garantir os recursos financeiros. Embora estes recursos sejam em sua maioria mensurados monetariamente, é importante explicitá-los. Entre as muitas possibilidades de utilizar esta estratégia para questionar se o Estado está realmente empenhado em aplicar o máximo de recursos disponíveis na garantia de direitos na Amazônia, chamaríamos atenção, em caráter ainda preliminar, para três exemplos de compromisso (ou de falta dele).

SAKAMOTO, Leonardo; REIMBERG, Maurício. Pobre Município Rico. In: Markus Brose (org). "O Pagamento por Serviços Ambientais: o mercado de carbono promove a inclusão social?". Editora da UCG, 2009 (págs. 62-63).


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O primeiro, já discutido, tem relação direta com o quanto retorna para a sociedade da exploração dos recursos naturais. Compensações maiores e seu comprometimento com a garantia de direitos (como aponta a regulamentação do Fundo Social do PréSal), em tese, ampliariam a capacidade dos governos (federal, estaduais e municipais da Amazônia) de aplicar mais recursos em políticas sociais e ambientais. O segundo aspecto, que será aprofundado em outro boletim, diz respeito ao compromisso do governo federal com o enfrentamento da enorme desigualdade social presente na Amazônia. Cabe perguntar – em especial neste ano de elaboração do próximo Plano Plurianual de Governo (PPA 2012-2015) – se o governo federal tem como critério e prioridade a redução das desigualdades entre as regiões, mediante a aplicação dos recursos que não são “carimbados” por lei, ou seja, aqueles que, por definição legal, devem ser transferidos para os estados e municípios segundo regras de partilha NA PRÁTICA, CONTUDO, já estabelecidas. Da mesma forma, cabe perguntar quanto dos E DEPOIS DE MUITO recursos disponíveis dos estados e municípios também estão comprometidos com os direitos. Como já vimos, a Lei Complementar nº 131 traz importante reforço para desvendar estes A AMAZÔNIA SE MANTÉM “compromissos” do Estado.

INCENTIVO FISCAL,

O terceiro que destacaríamos aqui, que também requer aprofundamentos, diz respeito ao montante de recursos que o Estado abre mão de arrecadar e aplicar em políticas públicas necessárias e urgentes por conta dos incentivos tributários. Além disso, cabe saber a quem de fato eles servem.

ECONOMIA EXTRATIVA FORNECEDORA COMO UMA

DE MATÉRIAS-PRIMAS PARA ECONOMIAS PRODUTIVAS DE BASE

É antigo o tema dos incentivos fiscais para a Amazônia como estratégia de atração de investimentos e empresas para INDUSTRIAL, a região. Teoricamente, a renúncia tributária é um instrumento para promover o desenvolvimento das regiões mais carentes do país. A lógica é simples: as empresas deixam de pagar impostos se investirem em uma determinada região que, de outra forma, não seria atrativa. Com isto, gera-se riqueza, emprego e, teoricamente, o peso desta renúncia acaba sendo reduzido, uma vez que a produção gerada permite a arrecadação de mais impostos. Com isto, é atingido o objetivo de ampliar a capacidade produtiva. Assim, os empregos e a renda desta região são alvo dos incentivos. Na prática, contudo, e depois de muito incentivo fiscal, a Amazônia se mantém como uma economia extrativa fornecedora de matérias-primas para economias produtivas de base industrial, dentro e fora do país. Além disto, a política de incentivos fiscais favoreceu e continua favorecendo uma ocupação devastadora da natureza, a elevação da concentração fundiária, a ampliação da violência no campo e o aprofundamento dos problemas sociais, inclusive em função da ocupação urbana desordenada.

DENTRO E FORA DO PAÍS”.

RENÚNCIA FISCAL É TAMBÉM UMA FORMA DE GASTO! Desde 2004, as renúncias fiscais são contabilizadas pela Receita Federal, de forma correta, como “gastos tributários”, com a finalidade de estabelecer uma uniformização com os padrões internacionais. O conceito de gasto tributário é claro, conforme se mostra a seguir. “Gastos tributários são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário visando atender objetivos econômicos e sociais”. Eles reduzem a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentam a disponibilidade econômica do contribuinte. Têm caráter compensatório (quando o governo não atende adequadamente


20 - Abril de 2011

ORÇAMENTO & POLÍTICA AMBIENTAL

a população mediante os serviços de sua responsabilidade) ou têm caráter incentivador (quando o governo tem a intenção de desenvolver determinado setor ou região). O conceito de gasto tributário objetiva, portanto, evidenciar que as desonerações representam gastos indiretos. Ou seja, ao abrir mão de arrecadar, o Estado está substituindo gastos que poderiam ser feitos diretamente por ele utilizando estes recursos. Por isto, os gastos tributários são contabilizados utilizando-se a ótica orçamentária, explicitando o ônus para a sociedade em termos de redução potencial dos gastos diretos em programas de governo. Segundo dados da Receita Federal, as regiões Norte e Nordeste possuem os maiores percentuais de participação da renúncia em relação às suas arrecadações, com 176,54% e 40,28%, respectivamente. Ou seja, as muitas renúncias que se concentram na Zona Franca de Manaus e também em atividades produtivas orientadas para produção de commodities, principalmente pecuária, representam nada menos do que 176,54% do total arrecadado pela Receita Federal na região. Sob a ótica orçamentária no exercício de 2010, a previsão dos gastos tributários apontou uma concentração de 80% do valor dos gastos em cinco das funções orçamentárias de governo. São elas: comércio e serviços, com 30,97%; indústria, com 19,62%; saúde, com 10,83%; trabalho, com 10,32%; e agricultura, com 7,77%. Os 20% restantes estão diluídos nas demais funções orçamentárias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As questões aqui levantadas somente poderão ganhar sentido político se forem incorporadas como agendas de luta por um compromisso maior do Estado com a garantia de direitos sociais e ambientais na Amazônia e pela superação da enorme desigualdade regional presente no Brasil.

Pretendemos com estes boletins aprofundar o diálogo com outras organizações, instituições e com quem mais se interessar pelos temas aqui tratados. Por isto, também gostaríamos de receber comentários, críticas, sugestões ou questões sobre os temas aqui abordados. Nosso contato: comunicacaoinesc@inesc.org.br

Tentamos chamar a atenção para o sentido e a oportunidade do debate envolvendo o tema das compensações e sua relação com a disponibilidade de recursos para garantir direitos. Os dois principais aspectos deste debate e embate são os baixos valores pagos e a falta de comprometimento do Estado com políticas garantidoras de direitos. Está em pauta uma nova regulamentação da exploração mineral no Brasil, cujo conteúdo está sendo arduamente disputado pelas empresas do setor. Neste cenário, diante da injusta drenagem de riquezas que hoje ocorre por meio da mineração e sua íntima relação com outras frentes de negócio (em especial, a agroindústria, a infraestrutura e a energia), avaliamos que esta disputa faz todo o sentido no caminho da luta por mais justiça social e ambiental na região. INSTITUIÇÕES QUE APOIAM O INESC:

EDIÇÃO

uto de do Instit - INESC ômicos Publicação Socioecon Estudos

25 - Março Ano X

BOLETIM BIENTAL SOCIOAM de 2011

I A L T O R E D I

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O

Orçamento & Política Ambiental é uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com o Climate and Land Use Alliance - CLUA, Instituto Heinrich Böll e Charles Stewart Mott Foundation. Tiragem 1,5 mil exemplares. INESC – End: SCS – Qd, 01, Bloco L – 13º andar - Cobertura – Ed. Márcia – CEP. 70.307-900 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 - Fax: (61) 3212-0216 – E-mail: protocoloinesc@inesc.org.br – Site: www.inesc.org.br. Conselho Diretor: Analuce Rojas Freitas; Eva Teresinha Silveira Faleiros; Fernando Oliveira Paulino; Jurema Pinto Werneck; Luiz Gonzaga de Araújo. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello, Cleomar Manhas, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Márcia Acioli, Ricardo Verdum, Lucídio Bicalho Barbosa. Assistente de Direção: Ana Paula Soares Felipe. Comunicação: Vértice/ Gisliene Hesse. Revisão e copidesque: Paulo Henrique de Castro. Produção Gráfica: Arte Contexto.

ActionAid, Charles Stewart Mott Foundation, Christian Aid, Climate Works Foundation membro do Climate and Land Use Alliance; Conanda, Dfid, EED, Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Instituto Heinrich Böll, International Budget Partnership, KNH (KinderNotHilfe), Norwegian Church Aid, Oxfam Novib, Oxfam GB, União Europeia, Unicef, Unifem.

É permitida a reprodução total ou parcial dos textos aqui reunidos, desde que seja citado (a) o (a) autor (a) e que se inclua a referência ao artigo original.

www.inesc.org.br O INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, consciente das questões ambientais e sociais, utiliza papéis com certificação (Forest Stewardship Council) na impressão deste material. A certificação FSC garante que a matéria-prima é proveniente de florestas manejadas de forma ecologicamente correta, socialmente justa e economicamente viável, e outras fontes controladas. Impresso na Gráfica Coronário - Certificada na Cadeia de Custódia - FSC.


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