26 Ano XI • nº 26 • maio de 2010
Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc
O Estatuto da Criança e do Adolescente está completando 20 anos de vigência. É preciso comemorar os
ECA 20 anos
avanços obtidos em relação às políticas públicas, mas, acima de tudo, é preciso verificar as inúmeras lacunas ainda existentes. Uma das principais é o desconhecimento do texto da Lei, que faz com que a mídia conservadora e parte da sociedade preconizem que o ECA é instrumento de impunidade. A universalidade dos direitos é outro ponto que ainda está distante de ser alcançado. “Temos uma legislação avançada, mas ela precisa sair do papel e entrar na realidade”, afirma Júlia de Capdeville, 17 anos, integrante do Projeto ONDA – Adolescentes em Movimento pelos Direitos. A necessidade apontada por Júlia é unânime também entre os atores do Sistema de Garantia de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. “Falta concretizar na vida real as normas que, apesar dos 20 anos, continuam no plano meramente formal, não saíram do papel”, destaca Oto de Quadros, promotor da ABMP - Associação
Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude. Os avanços trazidos pelo ECA à sociedade são inegáveis. O ponto central da mudança é o novo paradigma defendido pelo documento, no qual crianças e adolescentes passam a ser sujeitos de direitos. No entanto, ainda há uma discrepância entre a teoria e a vida real. Há anos gritávamos nas ruas: “O ECA está aí, só falta cumprir”. A percepção de que ainda estamos longe da universalidade é uma constante entre os/as adolescentes do país.
www.inesc.org.br
Nem todos os serviços destinados a esta
Nas páginas seguintes, estão as análises de
parcela da população são de qualidade, como
diversos atores sociais comprometidos/as com a
explica Daniel Cara, coordenador geral da
efetivação e garantia dos direitos da criança e do
Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
adolescente, especialmente, representantes de
“Não há vigência de direito sem a combinação de
instituições ligadas ao movimento social de defesa e
acesso com qualidade. São dois elementos
promoção de direitos humanos dessa parcela da
indissolúveis e indivisíveis”. Esta constatação é
população.
visível na educação pública: o acesso foi
A idéia foi assegurar em seus textos a
universalizado sem preocupação com a qualidade
reflexão construída em articulações e fóruns,
do ensino. Por isso, há uma enorme distância entre o
garantindo olhares múltiplos, que abrangem desde
número de crianças que ingressam no ensino
grandes políticas públicas a medidas de dimensão
fundamental e aquelas que o concluem.
local.
Para Mário Volpi, do Unicef, “os novos cenários e desafios no combate à violência contra a criança e o adolescente surgem do desenvolvimento de formas mais sofisticadas de exploração que se
“Não há vigência de direito sem a combinação de acesso com qualidade. São dois elementos indissolúveis e indivisíveis”
utilizam das novas tecnologias, da facilidade de circulação de imagens e informação, da rapidez, e
A data emblemática exige postura arrojada
relativa facilidade, de movimentação de pessoas
na defesa de uma lei que rompe com uma cultura
entre os países”, exigindo políticas de enfrentamento
violadora e geradora de exclusão social. O intuito é
igualmente sofisticadas por parte do Estado. Em um
promover a perspectiva da dignidade como
contexto no qual as tentativas de retrocesso são
condição inegociável para toda a infância e
recorrentes, este também acaba sendo um desafio.
adolescência do Brasil.
Criança & Adolescente: prioridade no parlamento - é uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com o Conanda e o Unicef. Apoio: Conanda. Tiragem 1,5mil exemplares. INESC – End: SCS – Qd, 08, Bl. B-50 – Sala 435 – Ed. Venâncio 2000 – CEP. 70.333-970 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 - Fax: (61) 3212-0216 – E-mail: protocolo@inesc.org.br – Site: www.inesc.org.br. Conselho Diretor: Analuce Rojas Freitas; Eva Teresinha Silveira Faleiros; Fernando Oliveira Paulino; Jurema Pinto Werneck; Luiz Gonzaga de Araújo. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello, Cleomar Manhas, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Márcia Acioli, Ricardo Verdum, Lucídio Bicalho Barbosa. Assistente de Direção: Ana Paula Soares Felipe. Instituições que apóiam o Inesc: ActionAid, Charles Stewart Mott Foundation, Christian Aid, Conanda, Dfid, EED, Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Instituto Heinrich Böll, International Budget Partnership, KNH, Norwegian Church Aid, Oxfam Novib, Oxfam GB, União Européia, Unicef, Unifem. Empresa de comunicação responsável pelo boletim: RG Comunicação Jornalística. Jornalistas Responsáveis: Raphael Gomes e Gisliene Hesse. Esta publicação utiliza papel reciclado
2 maio de 2010
A voz dos jovens sobre a luta por seus direitos Adolescentes admitem que o ECA deu visibilidade aos jovens, mas acreditam que seus direitos só poderão ser efetivados a partir do momento que houver mais informações sobre a lei. Para os adolescentes que participam do
Distrito Federal os/as jovens conseguiram manter o
projeto ONDA – Adolescentes em Movimento pelos
episódio de suposta corrupção do GDF - Governo
Direitos1, realizado pelo INESC com o apoio da
do Distrito Federal - na pauta da mídia, o que
Kindernothilfe, o ECA alcançou vitórias
resultou em mudanças significativas no cenário
significativas nos seus 20 anos de existência. Por
político local.
exemplo, o aumento da visibilidade de crianças e
Em outro exemplo de mobilização,
adolescentes. “Acredito que os assuntos relacionados
adolescentes secundaristas, junto com jovens
a esse tema só são discutidos porque o Estatuto foi
universitários, garantiram a aprovação da Lei do
criado”, afirma Poti Alves, 18. “O ECA em si já é
Passe Livre no GDF, mesmo que com um texto
positivo, por meio dele é que as portas se abriram”,
restrito.
diz Aline Nascimento, 19.
“Acho que os jovens têm se movimentado,
Meninos e meninas acreditam que os jovens
mas existe uma grande parte deles – aqueles que não
precisam conhecer melhor seus direitos. No entanto,
têm conhecimento - que não estão nem ligando para
para eles, isso só pode acontecer se as informações
seus direitos. Eu tento conversar com os meus
relacionadas ao estatuto forem melhor divulgadas.
amigos e com outras pessoas sobre a falta de políticas
“Temos uma legislação avançada, mas ela precisa sair
públicas. Temos que nos conscientizar que
do papel e entrar na realidade”, diz Júlia de
precisamos de hospital com atendimento melhor, de
Capdeville, 17. “A sociedade deveria conhecer as leis.
educação com qualidade e da garantia de
Dentro das escolas, por exemplo, é essencial termos
convivência familiar e comunitária, entre outras
acesso ao ECA e à Constituição Federal”, analisa
tantas coisas”, defende Matheus Maia, 18.
Lourrany Stefane,16. “Além disso, é necessário que a
O grande desafio para os integrantes do
lei seja repassada para o público de forma
projeto ONDA é fazer com que crianças e
descontraída também”, complementa Joana
adolescentes se mobilizem em prol da divulgação do
Bianchetti, 17.
ECA. “Todos nós podemos espalhar informações
Para Márcia Acioli, coordenadora do Projeto
importantes pelos blogs e por sites de
ONDA, os/as adolescentes e jovens vem assumindo
relacionamentos”, diz Aline. “O que falta são as
lutas e bandeiras cada vez mais ousadas. Mesmo
crianças e adolescentes se articularem. Quem
tendo conhecimento sobre alguns direitos, muitos
conhece tem que divulgar o Estatuto”, completa
desconhecem as leis, o que dificulta no engajamento
Isabel Amorim, 19. “Os próprios jovens podem
em lutas mais específicas.
divulgar entre si, mas o governo precisa liberar mais
A população jovem é mais inconformada com desigualdade, injustiças e corrupção. No
verba para publicação de materiais”, completa Matheus.
1
O projeto ONDA visa à introdução de temas relacionados a direitos humanos e a orçamento público em escolas do Distrito Federal. O objetivo é assegurar o envolvimento de crianças e adolescentes na discussão sobre direitos e cidadania, observando como se relacionam com o orçamento público. A idéia é fortalecer a capacidade de atuação dos(as) jovens na conquista de seus direitos e no monitoramento das políticas públicas a eles(as) destinados. As oficinas nas escolas partem de um momento estético onde aos poucos são introduzidos conceitos e debates mais aprofundados sobre direitos humanos, orçamento público e caminhos para monitorá-los.
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maio de 2010
Sistema de Garantia dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente (SGD) *Oto de Quadros – Promotor da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude – ABMP
As maiores conquistas daquilo que se convencionou chamar de Sistema de Garantia dos Direitos (SGD) da Criança e do Adolescente são, exatamente a essência do SGD: a promulgação da Constituição de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e a ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (ECA). Isso c o n f i g u r a u m a va n ç o e x t r a o rd i n á r i o n a institucionalização e aprimoramento dos mecanismos de exigibilidade dos direitos da criança e do adolescente, compondo um amplo e complexo sistema. Porém, não podemos nos dar por satisfeitos. Falta concretizar na vida real as normas que, apesar dos 20 anos de vigência, continuam no plano meramente formal, não saíram do papel. Com raríssimas exceções, juízes, promotores de justiça, advogados, parlamentares, agentes públicos em geral, vale dizer, Judiciário, Legislativo, Executivo, Ministério Público e a própria sociedade civil, inclusive a mídia, continuam aplicando o paradigma menorista, revogado pela Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988.
Deveria nos escandalizar o fato de cerca de 600 municípios ainda não terem sequer criado Conselhos Tutelares. Deveria nos pasmar o fato de as práticas diárias de agentes públicos negarem vigência à Constituição Federal e ao próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, que determinam claramente que os direitos da criança e do adolescente devem ser assegurados com prioridade absoluta. Esse tipo de sonegação acontece quando em vez de trabalharmos para efetivação destas legislações, defendemos que a solução é reduzir a idade de responsabilização criminal. Isso é desonestidade intelectual. Há necessidade de ações para sensibilizar quem possui poder de decidir. Falta mobilização da opinião pública para que haja comprometimento verdadeiro de organizações da sociedade civil e do governo na concretização do SGD. Crianças, adolescentes e familiares também precisam ser ouvidos, na escola, na comunidade, nos serviços públicos, em todos os espaços públicos e privados.
Bater não é educar. Violência é intolerável *Mário Volpi - coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do UNICEF no Brasil O combate à violência contra a criança e o adolescente nos últimos 20 anos passou dos projetos pontuais, do final da década de 80 e início dos anos 90, para a tentativa de construir políticas, programas nacionais e planos de ação integrados. "Observa-se hoje um melhor posicionamento dos governos e da sociedade para combater as diferentes formas de violência." Houve também uma mudança na percepção da sociedade sobre o que é violência contra a criança. Especialmente, o tema dos maus-tratos e da exploração sexual, que ganhou maior visibilidade e assegurou que aquelas formas de violência que ocorrem dentro de casa pudessem ser reveladas e denunciadas; e as crianças, protegidas. 4
Observa-se hoje um melhor posicionamento dos governos e da sociedade para combater as diferentes formas de violência. Nota-se também a disposição de não aceitar justificativas que acobertam a violência, como as de que "bater é uma forma de educar", "o acontece dentro de casa é responsabilidade exclusiva da família" e outras formas de ocultação da infração. No campo das políticas públicas, o tema foi levado para a sala de aula, para os centros de saúde, para os centros de referência em assistência social. Foi constituída no país toda uma rede de serviços para enfrentar a violência. Um grande processo de mobilização social ajudou a aumentar a compreensão da sociedade sobre as mais diversas formas de violência, dando visibilidade à violência do trabalho infantil, do abuso, dos maus-tratos, da agressão física, maio de 2010
das mortes violentas, do tráfico de pessoas, da exploração sexual, do castigo físico, entre outras formas de violência. Se por um lado o tema entrou na agenda da sociedade, por outro os índices de violência contra a criança ainda permanecem altos. Os dados do Índice de Homicídios de Adolescentes indicam que, se as condições de vulnerabilidade dos adolescentes não for radicalmente modificada até 2012, o país verá o assassinato de 33.504 adolescentes nos 267 municípios brasileiros com mais de cem mil habitantes. Esta projeção é um forte alerta para que o combate à violência seja ampliado não somente pela perspectiva do fortalecimento das políticas de segurança pública, mas especialmente na combinação destas políticas com as demais políticas de educação, de assistência, de saúde, de esporte, de lazer e de cultura. O balanço destes 20 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente exige um compromisso de todos para pôr fim a essa grande contradição do país, que é ter uma excelente legislação conjugada com uma mobilização social convivendo com índices inaceitáveis de violência contra a criança e o adolescente. O desenvolvimento de formas mais sofisticadas de exploração, que se utilizam das novas
tecnologias, da facilidade de circulação de imagens e informação, da rapidez e relativa facilidade de movimentação de pessoas entre os países e outros aspectos, que foram transformando a criança em objeto de diferentes redes de exploração sexual, de tráfico de pessoas, de pedofilia, de exploração do trabalho e de recrutamento de crianças soldados, traficadas em regiões de conflitos e guerras, cria novos cenários e desafios no combate à violência contra a criança e o adolescente surgem. Do ponto de vista internacional, podemos citar, por exemplo, o fato de, segundo dados do UNICEF, 24 países apresentarem situações concretas da utilização de crianças em grupos armados, envolvendo cerca de 250 mil crianças soldados, utilizadas como combatentes, mensageiras, espiãs, transportadoras ou cozinheiras, entre outras funções. As meninas são, na maioria dos casos, exploradas sexualmente. A situação brasileira, embora não contemple esta situação específica, vê o problema das mortes violentas dos adolescentes sem uma resposta consistente que pudesse dar expectativas de solução em curto prazo. Podemos afirmar que a violência contra crianças e adolescentes é um tema que tem urgência de ser aprofundado e enfrentado com ações de maior alcance e eficácia.
Mobilização social: articulação que gera resultados *Erivã Velasco - Secretária Nacional Fórum Nacional DCA
O ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente - foi fruto da intensa mobilização social ocorrida no Brasil nos anos 80. Sua aprovação é um marco na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Isto, por si só, já representa um enorme avanço para a sociedade brasileira, pois, sinalizou uma profunda mudança de paradigma, colocando crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.
"um País como o Brasil, com sua pluralidade e profunda desigualdade social, ainda requer grande mobilização social em torno da efetivação dos direitos previstos no Estatuto"
maio de 2010
O Fórum Nacional DCA é fruto desta mesma mobilização e sua história, seus avanços e seus desafios se confundem com a luta pela implementação do ECA. E a simbologia do Estatuto é tão forte, porque demarca não apenas conquistas para a infância/juventude, mas um modo de fazer política pública no Brasil. Podemos destacar como avanços nestes 20 anos a forma como nós brasileiros/as passamos a enxergar crianças e adolescentes. Foi uma modificação importante que, ainda que ocorrendo lentamente, mostra que hoje a sociedade brasileira assimila muito mais os direitos infanto-juvenis. Neste período, também conseguimos tornar a luta pela erradicação do trabalho infantil e contra o 5
abuso e a exploração sexual uma pauta nacional. Registramos avanços no reconhecimento do direito à educação, à saúde, à convivência familiar e comunitária. Apesar destas conquistas, os desafios ainda são enormes. Parece-me que, apesar de construirmos um sistema sustentado na prioridade absoluta e na integralidade dos direitos dos jovens, nossos passos ainda são lentos diante da urgência da realidade de violação de direitos. Nosso sistema está distante do concebido pelo ECA e isso se revela, tanto conceitualmente, quanto operativamente, quando olhamos para o funcionamento da rede de atendimento, do Legislativo e do Judiciário, que muitas vezes reiteram práticas repressoras, preconceituosas e estigmatizadoras, que estão na contramão dos direitos da criança e do adolescente. Por isso, um País como o Brasil, com sua pluralidade e profunda desigualdade social, ainda requer grande mobilização social em torno da efetivação dos direitos previstos no Estatuto. Questões como a violência, que ocupa os mais distintos espaços, como a família, a escola, as
instituições, a implementação de medidas socioeducativas, questão de orçamento, participação infanto-juvenil e a formulação e integração de políticas públicas eficazes, entre outras, devem estar entre as pautas prioritárias. A sociedade civil organizada deve continuar mobilizada, fortalecendo os conselhos de direitos e exercendo seu papel de controle social junto aos governos a fim de que criemos as condições para que meninos e meninas tenham seus direitos respeitados e vida digna. No entanto, é necessário ainda fortalecer a mobilização popular. Embora o conjunto de entidades que hoje tem assento nos conselhos e fóruns de defesa de direitos e de políticas, e outros espaços, falem em nome de segmentos da população mais vulnerabilizados, há uma visível desarticulação com movimentos e organizações de base popular e com os próprios usuários das políticas públicas e sociais. Esse ponto constitui também um caminho desafiador que pode dar á essa luta a densidade política necessária para avançarmos nos termos do ECA.
Os 20 anos do ECA na vida da infância e adolescência brasileira *Maria Luiza Moura Oliveira - Conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e do Conanda; Psicóloga da PUC Goiás
Depois de passados 20 anos de aprovação, o Brasil, neste ano de 2010, celebra uma de suas maiores conquistas legislativas: o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente - , uma lei que trata os temas fundamentais de milhões de crianças e adolescentes em todo território nacional. Este relevante avanço sócio-jurídico coloca o país em destaque no cenário mundial pelo pioneirismo. No âmbito normativo, o ECA coloca-se como tratado de produção de direitos, que inspirou e influenciou várias legislações latino-americanas, avanço que coincide com o processo de transição e retomada de regimes democráticos ao longo desses 20 anos, em inúmeros países no continente. Obviamente, vinte anos não são suficientes para qualquer nação cumprir seu compromisso social de garantir à proteção integral de mais de 56 milhões de crianças e adolescentes, como é o caso do Brasil - a quinta maior dimensão territorial - em que
ainda prevalece a iniqüidade, a concentração de renda e uma história secular de graves desigualdades socioeconômica.
"Este relevante avanço sócio-jurídico coloca o país em destaque no cenário mundial pelo pioneirismo"
No entanto, a plataforma ético-politica, inscrita no ECA, reafirma princípios fundamentais para a consolidação de ações efetivas para assegurar o respeito e a defesa dos direitos humanos de meninos e meninas, já preconizados na Convenção sobre os Direitos da Criança, que estabeleceu a universalização destes direitos infanto-juvenis nos quatro cantos do mundo.
6 maio de 2010
Neste contexto, em consonância com a Constituição Federal de 1988, a constituição do SGD - Sistema de Garantia dos Direitos - apresentase como uma das novidades criadas pelo marco legal brasileiro na interpretação da Convenção. O Sistema materializou a criação de mecanismos de defesa dos direitos da infância e da adolescência, por meio dos Conselhos de Direitos, Centros de Defesa, as Frentes, Fórum, Comitês, Parlamentares e a rede de jornalistas amigos da criança, entre outros. A partir da implantação do SGD, o país construiu uma imensa rede de proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes composta por, aproximadamente, 77 mil conselheiros, distribuídos
por 5.104 conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente , equivalente a 92% dos municípios, e 5.004 conselhos tutelares, cobrindo 88% das cidades brasileiras. Os dados são da Pesquisa Bons Conselhos, realizada pela SEDH/CONANDA, em 2006. Cabe aqui ressaltar que tais órgãos ainda precisam ser de fato priorizados como instâncias f u n d a m e n t a i s p a r a c u m p r i r o p re c e i t o constitucional, que delega à família, à sociedade e ao estado a co-responsabilidade de garantir a proteção integral às crianças e aos adolescentes de forma ampla, geral e irrestrita.
“Não há vigência de direito sem a combinação de acesso e qualidade” *Daniel Cara – Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
A maior conquista nesses 20 anos de vigência indissolúveis e indivisíveis. Desse modo, o desafio é do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que se criar modos de garantir o acesso com qualidade à refere ao ensino, foi o avanço no acesso à educação. educação pública. Impulsionadas pela política Contudo, o cenário de fundos, iniciada com o que se apresenta para os Fundef, e aprofundada com próximos 20 anos não é esse. o Fundeb, as matrículas A atual conjuntura indica "é fundamental que a aumentaram bastante, ainda continuidade de avanço sociedade civil que estejam em patamares apenas em termos de acesso. se mobilize para intervir gravemente insuficientes na Então, como sociedade, creche, na pré-escola e no devemos mudar essa fortemente nesse plano ensino médio. tendência. [Plano Nacional de Mesmo no ensino A tramitação da fundamental, possuímos nova edição do Plano Educação - 2011 a 2020], déficit em zonas remotas da Nacional de Educação especialmente para região norte, nordeste e no 2011-2020, que deve campo. Além disso, crianças ocorrer no curso de 2010, é a aproximá-los dos com deficiência também melhor oportunidade para marcos do ECA. não têm acesso satisfatório a criarmos um novo e positivo É um enorme desafio, este nível de ensino. cenário. Logo, é Pa r a f a l a r d o s fundamental que a mas é uma meta possível" cenários e desafios, é preciso sociedade civil se mobilize alertar que o direito à para intervir fortemente educação não está sendo nesse plano, especialmente cumprido no Brasil. Digo para aproximá-lo dos isso, porque não há vigência de direito sem a marcos do ECA. É um enorme desafio, mas é uma combinação de acesso e qualidade, são elementos meta possível. 7 maio de 2010
Medidas Socioeducativas: exclusão não re-socializa jovens *Perla Ribeiro – ANCED Coordenadora Executiva do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal (Cedeca-DF)
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer o paradigma da proteção integral à criança e ao adolescente, rompe com a concepção do “menor em situação irregular” e, em especial, no que se refere aos adolescentes autores de ato infracional, traz a lume a natureza pedagógica da medida socioeducativa. Ao longo destes 20 anos de vigência do Estatuto, a articulação coordenada pelo Conanda Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - entre sociedade civil organizada, governo, operadores do sistema de garantias de direitos e especialistas na área de medidas socioeducativas resultou na construção do Sinase Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo em 2006. O conjunto de suas recomendações está ordenado no Projeto de Lei nº 1.627, atualmente em discussão no Congresso Nacional. O Sinase, cujas recomendações trazem um conjunto de princípios, regras e critérios de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, importantes para a estruturação da política de atendimento nos três níveis de governo (municipal, estadual e federal), integra o SGD, na medida em que estabelece diretrizes para o atendimento de adolescentes autores de ato infracional. No entanto, o maior desafio nessas últimas duas décadas tem sido a real implementação do Sistema Socioeducativo. O que se observa em grande parte do território nacional é a continuidade de uma prática de contensão - meramente punitiva e de extrema violação de direitos - que se assemelha ao modelo adotado para os adultos de caráter seletista (negros, moradores de periferia, baixa escolaridade etc) e na defesa da propriedade privada. O poder executivo tem falhado na implementação do Sinase, porque não garante as estruturas físicas e materiais necessárias à execução das medidas, tampouco, possui a quantidade de servidores suficientes e qualificados. Some-se a isto o não cumprimento do dispositivo de municipalização do atendimento, que garantiria que tanto a execução das medidas sócioeducativas, quanto o atendimento 8
inicial do adolescente fossem executados no limite geográfico do município. Além disso, há escassez de projetos pedagógicos adequados para reorganização da vida dos/as adolescentes que cumprem uma medida socioeducativa. O sistema de justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Segurança Pública), por sua vez, não tem atendido de forma satisfatória as demandas das crianças e dos adolescentes. A maior parte dos Adolescentes autores de ato infracional continua sem defesa técnica qualificada, recebendo, em razão disto, medidas m a i s g r a vo s a s , t o r n a n d o - s e v í t i m a s d e irregularidades. Há no país a prevalência da aplicação da medida de internação (medida mais gravosa) em detrimento das medidas em meio aberto, sendo que o próprio Sinase estabelece o caráter prioritário destas. A Segurança Pública ainda tem se galgado em ações meramente repressivas, que não buscando a garantia dos direitos humanos.
"o maior desafio nessas últimas duas décadas tem sido a real implementação do Sistema Socioeducativo"
De acordo com o último levantamento da SEDH, em 2006, os Estados informaram que 685 adolescentes estavam cumprindo medidas em cadeias. O reflexo deste descaso está espalhado pelo território nacional e consta nas diversas denúncias formalizadas às autoridades nacionais e internacionais. Exemplos disso são: a medida cautelar da OEA a respeito da situação da unidade de internação Caje-DF; o caso na corte interamericana da antiga maio de 2010
Febem-SP; a resolução do conselho estadual para o fechamento do Educandário Santo Expedito no Rio de Janeiro; as violações da Unidade Experimental de Saúde de São Paulo; denúncias recentes, referentes ao Sistema socioeducativo do Espírito Santo, Ceará, Sergipe, Tocantins e Rondônia; excessiva utilização de medicamentos nas unidades de internação do Rio Grande do Sul; caso de Abaetetuba (adolescente presa na cadeia com adultos homens); dentre outras. Em meio a esta realidade, o desafio para a implementação do sistema socioeducativo está para além da construção de normativas, resoluções e
determinações. Estas são importantes, mas não suficientes, se não trabalharmos a concepção que a sociedade brasileira possui a respeito dessa matéria, que é reflexo também da omissão do Estado. Vivemos uma onda de conservadorismo que inviabiliza a construção de uma sociedade mais justa e que exime o Estado da sua responsabilidade de assegurar estes direitos. Neste sentido, é importante fortalecer os espaços de incidência política e de participação no controle social do Estado, além de ampliar a política pública, incorporando aspectos sociais importantes na sua formulação e execução.
Deficiências na garantia dos Direitos *Grupo de apoio ao colegiado da APAE de Belo Horizonte
As crianças com deficiência, principalmente intelectual e transtornos invasivos do desenvolvimento, que nasceram após a edição do ECA estão hoje com pelo menos 20 anos. Estes jovens trazem em suas histórias de vida exemplos concretos do impacto da aplicação de uma lei na vida dos sujeitos. Após a edição do Estatuto, o número das matrículas de crianças e adolescentes com deficiência intelectual nas escolas comuns ou especial da rede regular de ensino ampliou-se significativamente. Para um número significativo destes jovens, a conquista legal resultou em direitos concretos, presentes e efetivados no cotidiano dos sujeitos, promovendo desenvolvimento pessoal, social e dignidade de vida. Alguns deles foram contemplados com o acesso à matrícula em escolas próximas a sua residência, com a oferta do atendimento especializado, com a habilitação e reabilitação, conforme determina o artigo 11, parágrafo 1° e 2° do ECA. Outros conseguiram acessar equipamentos, próteses e órteses nos postos de saúde de seu território. Alguns adolescentes com deficiências, principalmente intelectual, tiveram acesso ao trabalho protegido, como estabelece o artigo 66 do ECA. A exploração ou abuso sexual de pessoas com deficiência intelectual passou a ser considerada prática criminosa, combatida como o abuso e exploração sexual de todas as crianças e adolescentes. O respeito à diferença e à inclusão ampliou em todas as comunidades. O envolvimento dos maio de 2010
Conselheiros tutelares na garantia dos direitos das crianças e adolescentes com deficiência, no provimento do atendimento de suas necessidades especiais e na eliminação de barreiras comportamentais e arquitetônicas para favorecer a acessibilidade é hoje uma realidade.
"Em nome da construção da sociedade inclusiva, há de se garantir o atendimento das necessidades especiais e singularidades das crianças e adolescentes com deficiência intelectual e transtornos invasivos do desenvolvimento" Apesar dos avanços, os 20 anos de vigência do ECA não trouxeram a efetivação dos direitos para cerca de 92% das crianças e adolescentes com deficiência intelectual e transtornos invasivos do desenvolvimento. Embora o artigo 54 do ECA reafirme que o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo e sua oferta é um dever do Estado, como previsto também na Constituição, cerca de 99% dos jovens com deficiência intelectual não estão tendo percurso escolar no ensino fundamental e certificação especial de conclusão de curso, o que leva esta parcela da população a não concluir esse nível de ensino. 9
O dever da família, da comunidade e do Estado de assegurar os direitos não é cumprido. É significativo o número de jovens entre 15 e 18 anos que estão sendo desligados da matrícula de escolas de ensino fundamental regular, seja em escola comum ou especial, sob alegação de que a idade de oferta do ensino fundamental é para pessoas de seis a 15 anos de idade. Nos 20 anos de existência do ECA, ainda não fomos capazes de garantir o acesso ao trabalho protegido à maioria dos jovens com deficiência intelectual e transtornos invasivos do desenvolvimento, que se beneficiariam desta forma de trabalho. É urgente que se concentre os esforços para cumprimento dos direitos desta parcela da população. É indispensável que se dê a visibilidade necessária aos artigos do ECA que asseguram a efetividade dos direitos específicos às crianças e adolescentes com deficiências para que elas possam
ter acesso aos mesmos direitos de todas as crianças e adolescentes. Está é a Luta das Apaes. Em nome da construção da sociedade inclusiva, há de se garantir o atendimento das necessidades especiais e singularidades das crianças e adolescentes com deficiência intelectual e transtornos invasivos do desenvolvimento. Na oficina realizada com familiares e pessoas com deficiência intelectual, usuários dos serviços oferecidos pela APAE/BH, para a comemoração dos 20 anos do ECA, destacaram os seguintes avanços: a criança com deficiência passou a ser inserida no contexto das garantias do ECA; o assunto ganhou mais espaço nas discussões; e o SUS - Sistema Único de Saúde - passou a oferecer atendimento integral. Como desafios, as famílias apontam a falta de discussões e estratégias para que saúde, educação e assistência social atuem de forma inter e multidisciplinar.
“A escola tem que ser um ator do Sistema de Garantia de Direitos” A aprovação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente - se deu em 1990. Entretanto, somente em 1992, o tema do trabalho infantil começou de fato a ser pautado, sendo o debate fortalecido a partir de 1994. “A nossa avaliação é que o Estatuto, nesses 20 anos, tem muito que comemorar. O tema da infância e, sobretudo, dos direitos da infância, está posto na agenda política e social e vem sendo fortalecido.
"Acho que o nosso grande desafio é buscar estratégias de informar e sensibilizar a sociedade para a importância da proteção da criança e do adolescente" Acho que a gente já está fazendo 'a virada', porque em um primeiro momento a leitura que o grande público tinha do ECA é de que era um documento para defender adolescente em conflito com a lei, que é o discurso daqueles que em última instância não adotaram esse novo paradigma da proteção integral aos direitos da criança”, afirmou Isa Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. 10
Ao mesmo tempo que “temos o que comemorar”, Isa Oliveira destacou que “é importante ficarmos vigilantes”. Segundo a Secretária Executiva do FNPETI, de 1992 a 2000, houve redução considerável do trabalho infantil no Brasil. No entanto, de 2002 pra cá, essa redução tem se dado de maneira lenta e pouco significativa. “Acho que o nosso grande desafio é buscar estratégias de informar e sensibilizar a sociedade para a importância da proteção da criança e do adolescente. Isso a gente ainda não conseguiu”, afirmou a secretária executiva do Fórum. Em sua avaliação, Isa aponta que o programa de transferência de renda Bolsa Família, apesar de atender cerca de 14 milhões de lares, não impacta profundamente na queda do trabalho infantil, porque tem foco no combate à pobreza, e não, especificamente, no combate ao trabalho infantil. Segundo Isa, outro desafio é levar o Estatuto para as escolas. “O Fórum sempre colocou a educação como uma das estratégias fundamentais para o enfrentamento do trabalho infantil. Entretanto, essa educação que nós temos hoje não contribui muito, pois, não tem qualidade”, defendeu. Ela acredita que “a escola exclui – e não maio de 2010
acolhe – as crianças que estão em situação de trabalho infantil ou que sofreram algum tipo de violência”, em vez de dar atenção especial a esse grupo, que engrossa os indicadores de distorção idade-série, as taxas de evasão e abandono escolar e as taxas de insucesso escolar. “A escola tem que estar atenta a isso”, alertou. “A escola tem que ser um ator do SGD -
Sistema de Garantia de Direitos - e tem que cumprir seu objetivo maior, que é o de oferecer educação de qualidade e garantir o direito de aprender”, ressaltou Isa Oliveira. Nesse sentido, a secretária executiva do Fórum espera que o Plano Decenal priorize a garantia de educação integral, especialmente para as crianças e os adolescentes que estão em situação de trabalho infantil ou outras formas de violência.
Profissionais de Saúde defendem cuidado com a saúde na primeira infância “Conceituada como o estado de completo bem estar físico, mental e social do indivíduo, não se pode falar da saúde de crianças e adolescentes sem que se considere a possibilidade de realização plena dos fenômenos do crescimento e desenvolvimento, componentes singulares deste ciclo de vida do ser humano”, ponderou Dioclécio Campos Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e idealizador, em parceria com a senadora Patrícia Saboya, do projeto de lei que prorroga a licençamaternidade para seis meses. "O bem estar físico, mental e social da infância e da adolescência, no cenário da atualidade exige, como desafio, a garantia de investimento sem limites em saúde e educação na primeira infância para todos"
Para ele, nos 20 anos de vigência do ECA, houve conquistas inegáveis para a saúde da infância e da adolescência brasileiras, como a redução dos agravos infecciosos ao crescimento e desenvolvimento, resultado das campanhas de imunização e da melhoria do estado nutricional; e a ampliação da licença-maternidade para seis meses, que estrutura o vínculo afetivo na infância, importante fator para a diferenciação das funções cerebrais complexas, “sem as quais não há saúde”. “Outro avanço inquestionável é o grau de consciência crescente da sociedade quanto ao caráter prioritário da qualidade dos cuidados com a primeira infância, particularmente à luz das evidências de que a maioria das enfermidades do adulto tem início neste período de vida”, destacou Dioclécio. Thereza de Lamare, coordenadora da Área Técnica de Saúde do Adolescente e do Jovem, do Ministério da Saúde, aponta como avanços as diretrizes nacionais de atenção à saúde da criança e abril de 2010
do adolescente, que, consonantes com o Marco Legal Nacional, consideram as peculiaridades destes ciclos de vida para nortear ações integradas às outras políticas sanitárias, às ações e programas já existentes no SUS e às ações intersetoriais que contribuam para o desenvolvimento saudável desse grupo populacional. Além disso, para Thereza, “evidencia-se outros importantes avanços que impactam na saúde desta população, como a ampliação das UPAs Unidades de Pronto Atendimento - e do Samu Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - no atendimento de urgências como parte do enfrentamento de um grande desafio para a sociedade brasileira: a mortalidade de crianças e adolescentes por causas externas, em especial os homicídios e outras violências”. Destaca-se ainda, para Thereza, a ampliação das ações para a redução da mortalidade infantil na Amazônia Legal e no Nordeste; o fortalecimento da atenção primária de saúde por meio da ampliação da estratégia de saúde da família; e ampliação do acesso à informação e aos métodos contraceptivos, incluindo adolescentes de ambos os sexos. Tendo em vista os avanços conquistados nesses 20 anos de vigência do ECA, Dioclécio Campos Júnior acredita que “a despeito das mudanças favoráveis que se logrou efetivar no setor saúde, nas duas últimas décadas, pouco se vislumbra no que diz respeito à erradicação das iniquidades, responsáveis pela violência devoradora de nossa juventude, fato que neutraliza o progresso na redução da mortalidade infantil. O bem estar físico mental e social da infância e da adolescência, no cenário da atualidade exige, como desafio, a garantia de investimento sem limites em saúde e educação na primeira infância para todos”. 11
Exploração Sexual: infância roubada *Leila Paiva - Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes - SEDH
Em diversos aspectos, o Estatuto da Criança e do Adolescente é ainda vanguarda. Essa é uma experiência inédita no cenário internacional e referência para a ONU - Organizações das Nações Unidas. Os maiores avanços obtidos nesses quase 20 anos de existência do ECA foram a construção de um Sistema de Garantias e Direitos para crianças e adolescentes e o reconhecimento que a infância e a adolescência devem ser tratadas de forma diferenciada pela família, pela sociedade e pelo Estado. No entanto, é preciso construir a cultura de participação efetiva de crianças e adolescentes na formulação de políticas públicas.
"as chamadas novas formas, tráfico e pornografia infanto-juvenil na Internet, têm chamado mais a atenção do mundo, especialmente, porque precisam de estratégias transnacionais para serem vencidas"
Não basta implantar os Conselhos Tutelares. É preciso dotá-los, no nível municipal, de condições de privacidade do local de trabalho, telefone, veículo, equipamentos para integração ao Sipia - Sistema de Informação para a Infância e Adolescência- , apoio e assessoria, além de remuneração e direitos trabalhistas para a equipe de cada Conselho. Ressalte-se que a existência de Conselhos Tutelares é fundamental para mensurar os números da exploração sexual no Brasil, já que são estes os responsáveis pela constituição da base de dados do Sipia, para o qual se dirigem de imediato as informações e demandas sobre a violação ou o não atendimento aos direitos assegurados à criança e ao adolescente. Estes números são determinantes para a formulação de uma política pública eficaz para a erradicação da exploração sexual de crianças e 12
adolescentes no país. A exploração sexual pode acontecer de quatro formas: redes de prostituição, pornografia, redes de tráfico de pessoas e turismo sexual. As chamadas novas formas, tráfico e pornografia infanto-juvenil na Internet, têm chamado mais a atenção do mundo, especialmente, porque precisam de estratégias transnacionais para serem vencidas. O terceiro Congresso mundial se preocupou em definir estas estratégias comuns no mundo para fazer face ao fenômeno. A equipe do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes participou da elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e é responsável pelas metas estabelecidas no documento, cujo público-alvo são crianças e adolescentes. O Programa também estabeleceu um canal de comunicação e denúncias dos casos de tráfico de crianças e adolescentes por meio dos serviços Disque 100 e estabeleceu, junto a órgãos como Polícia Federal e Rodoviária Federal, fluxos de encaminhamento e monitoramento destas denúncias. Neste momento, está em execução um projeto que prevê a construção de estratégias conjuntas para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes especialmente o tráfico na região de fronteira do Mercosul. A garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil tem sido processual. Primeiro foi necessário afirmar a existência destes direitos - temos feito isso há vinte anos. Diante deste desafio, reafirmando a garantia e a promoção dos direitos, a análise das políticas implementadas pelo governo brasileiro revela a busca de definição de estratégias que viabilizem, na realidade local, um processo de inclusão social e de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes e a efetivação de seus direitos. A partir dessas premissas, fica claro que os novos cenários exigem uma mudança de foco e de forma de olhar a questão e da internacionalização da discussão e, conseqüente, da construção de estratégias transnacionais de garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes. abril de 2010