Boletim Orçamento e Política Agrária 2

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2 Ano I nº 2 outubro de 2002

E D I TOR I A L

Está faltando reconhecimento

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econhecer a importância e o papel da mulher nos processos de reforma agrária e de agricultura familiar é uma questão fundamental para um país que se pretende justo e democrático. No entanto, as condições de vida das trabalhadoras rurais mostram que ainda é muito pequeno o impacto desses programas na superação da desigualdade de gênero. A pobreza no Brasil tem características bem marcantes pela sua expressão feminina e, mais que isso, pela sua iniquidade racial. As mulheres, além de serem as mais impactadas pela pobreza, são, na grande maioria, afrodescendentes. Combater a pobreza e a desigualdade social é sinônimo de realizar políticas voltadas às mulheres, nos espaços urbano e rural. No caso das políticas rurais, persiste a discriminação da trabalhadora do campo, bem como a subvalorização do seu trabalho. As mulheres são minoria nos programas de crédito, de apoio à agricultura familiar e de titulação de terras, por exemplo. Esta edição do boletim "Orçamento e Política Agrária e Agrícola" é dedicada à discussão sobre a equidade de gênero. Com esta publicação, o Inesc espera contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, em que a atuação da mulher tem o seu merecido reconhecimento. Afinal, as mulheres correspondem a quase a metade da população rural e são responsáveis por boa parte da produção de alimentos básicos no Brasil. Iara Pietricovsky Colegiado de gestão

Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc

Políticas de reforma agrária e agricultura familiar: e a equidade de gênero ?

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m dos principais desafios lançados nas últimas décadas para a gestão pública, particularmente para o Executivo, é o de governar com a perspectiva de gênero. Este desafio implica em garantir a participação de mulheres e homens no processo de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas, assegurando que o foco das ações seja a igualdade de acesso e de oportunidades. Ou seja, significa governar e ter compromisso com o desenvolvimento e com a democracia. Essa perspectiva não trata apenas de elaborar políticas específicas para mulheres, mas de transversalizar

Marcha das Margaridas 2000: combate à desigualdade de gênero


grande parte da produção de alimentos básias nossas necessidades estratégicas às diferentes pocos no Brasil. E as sem-terra, ou com terra inlíticas de governo. Significa reconhecer e respeisuficiente para produzir, são obrigadas a tratar as mulheres como sujeitas políticas e autônobalhar como assalariadas. mas em todos os processos de desenvolvimento, e A condição de vida das mulheres no campo não como público central das políticas de combadenuncia a baixa repercussão dos programas e te à pobreza, cujo foco é apenas a dimensão políticas de reforma agrária, e do fomento à reprodutiva. Um exemplo dessa política compenagricultura familiar, na superação da desigualsatória é o bolsa-alimentação, lançado recentemendade de gênero. De todo o público beneficiado te pelo Governo Fernando Henrique. Trata-se de pela reforma agrária nos últimos 33 anos - 1964 uma linha de programa que reproduz idéias a 1996 -, apenas 12% correspondem a títulos preconceituosas acerca das mulheres pobres e nega a A condição de vida de terra concedidos às mulheres . No Progradas mulheres no ma Nacional de Apoio à Agricultura Familiar importância social e de cicampo denuncia a - PRONAF, 88% são homens e apenas 7% são dadania da reprodução. baixa repercussão mulheres, segundo dados do Instituto BrasiNo campo, pensar a dos programas e equidade de gênero no políticas de reforma leiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase desenvolvimento sustenagrária, e do (1999). Isso demonstra que embora tenhamos fomento à conquistado avanços legais quanto à igualdatável implica em reconheagricultura familiar, de de direito, na prática ainda enfrentamos cer a participação das muna superação da muitas dificuldades para assegurá-los. lheres na luta pela refordesigualdade de Em agosto de 2000, a Comissão Nacional de ma agrária e no fortalecigênero Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag, em mento da agricultura faparceria com diversas organizações, realizou a miliar. As mulheres representam quase a metaMarcha das Margaridas 2000, em adesão à Marde da população rural, sendo que a maioria cha Mundial de Mulheres. O documento de reiestá em plena idade produtiva: dos 15 aos 55 vindicação da Marcha das Margaridas registrou anos. Muitas começam a trabalhar antes mesdenúncias e apresentou propostas para combamo de completar 10 anos de idade, enfrentanter a desigualdade e a violência de gênero nos do uma jornada de trabalho que varia de 10 a processos sustentáveis de desenvolvimento no 18 horas. As agricultoras são responsáveis por

Orçamento & Política Agrária e Agrícola: uma publicação do INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos. Tiragem: 3 mil exemplares - End: SCS quadra 08, bl B-50 - salas 431/441 Ed. Venâncio 2000 cep: 70.333-970 Brasília/DF Brasil Fone: (61) 226 8093 Fax: (61) 226 8042 E-mail: inesc@inesc.org.br Site: www.inesc.org.br Conselho Diretor: Jackson Machado presidente; Ronaldo Garcia vice-presidente; Elisabeth Barros 1ª secretária; Paulo Pires 2º secretário; Gilda Cabral 1ª tesoureira; Augustino Veit 2º tesoureiro Colegiado de gestão: José Moroni, Iara Pietricovsky Assessoria: Adriana de Almeida, Austregésilo de Melo, Edélcio Vigna, Hélcio de Souza, Jair Barbosa Júnior, Jussara de Goiás, Luciana Costa - Jornalista responsável: Luciana Costa - Projeto gráfico e diagramação: DataCerta Comunicação Impressão: Vangraf

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Execução orçamentária - 2000, 2001 e 2002 PROGRAMAS/PROJETOS Alfabetização de jovens e adultos nas áreas de reforma agrária Investimento em infra-estrutura básica para assentamentos rurais Assistência técnica e capacitação de assentados e agricultores familiares* Total

2000 Autorizado % de Execução 0 0,00%

R$ 1,00

2001 Autorizado % de Execução 24.114.712 37,45%

2002 Autorizado % de Execução** 11.441.000 7,84%

104.815.004

91,88%

94.990.000

87,64%

104.501.100

6,53%

70.438.002

96,18%

27.965.615

90,36%

55.528.998

18,01%

175.253.006

93,61%

147.070.327

79,93%

171.471.098

5,85%

Fonte: SIAFI/STN/COFF-CD e PRODASEN. Elaboração: INESC * Esta rubrica compreende os projetos Assistência Técnica e Capacitação de Assentados LUMIAR; Assistência Técnica e Capacitação de Famílias Assentadas em Projetos Criados até 1998 LUMIAR e Capacitação de Agricultores Familiares. ** Até 30 de agosto de 2002

meio rural. Algumas propostas, como a redefinição dos critérios para cadastrar as mulheres nas áreas de assentamento (programa Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária -SIPRA), a redução da taxa de juros do Pronaf de 5,6% para 4% e o acesso das mulheres ao microcrédito (grupo B do Pronaf ) estão sendo estudadas pelo Executivo. Em maio de 2001, o Ministério do Desenvolvimento Agrário /INCRA publicou a portaria nº 121, determinando que, no exercício daquele ano, no mínimo, 30% dos recursos relativos às linhas de crédito do PRONAF e ao Fundo da Terra e da Reforma Agrária – Banco da Terra fossem destinados, preferencialmente, às mulheres, com a finalidade de incrementar atividades agrícolas e não-agrícolas, a capacitação, a assistência técnica e a extensão rural. Embora não tenhamos instrumentos para monitorar e avaliar a aplicação da cota nesses programas, as críticas quanto à sua inaplicabilidade, apresentadas por trabalhadoras rurais de todos os estados brasileiros, demonstram a ineficácia dessa política, da forma em que a mesma foi adotada. Ora, a agricultura familiar esconde uma profunda desigualdade de relação entre mulheres e homens e uma estrutura outubro de 2002

patriarcal bastante opressiva. As políticas governamentais são pensadas para os homens. Todas as atividades comandadas pelas mulheres não são reconhecidas como produtivas pelos bancos e poderes públicos. A cota, isoladamente, jamais daria conta de diminuir essa desigualdade. É possível identificar outras contradições da política do governo FHC, quando analisamos o orçamento da reforma agrária e da agricultura familiar para os anos 2000, 2001 e 2002. A tabela nº 1 demonstra que houve reduções e oscilações de recursos em todos os programas e atividades previstas, principalmente em áreas esG ráfico 1

Fonte: SIAFI/STN/COFF-CD e PRODASEN. Elaboração: INESC

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tratégicas, como infra-estrutura, assistência técpaga a conta é a população, que não tem suas nica e educação. necessidades atendidas. Estes números, associados aos do gráfico 1, Como estratégia para combater todas as formostram que há uma tendência de recuo do gomas de desigualdade e subordinação de gênero verno em relação à reforma agrária, pela via da no campo, a Comissão Nacional de Mulheres desapropriação; e a investida para realizar a reTrabalhadoras Rurais da CONTAG, juntamente forma agrária de mercado, via o Banco da Tercom diversas entidades parceiras, realizará a ra. Outros dados expostos mais adiante demons“Marcha das Margaridas: 2003 razões para tram que há uma redução de recursos para a marchar por terra, água, salário, saúde e comconstrução de casas e esbate à violência”. No dia 12 de agosto de 2003, tradas, instalação de enercerca de 50 mil mulheres trabalhadoras rurais Queremos construir gia elétrica, abastecimenocuparão as ruas da capital federal, erguendo uma consciência to de água, educação, saúcrítica junto às bandeiras como a reforma agrária; a preservade e conservação do meio mulheres de base e ção do meio ambiente; o salário mínimo digdenunciar para a no; a saúde pública, com atenção integral à ambiente, o que agrava as precárias condições de sociedade brasileira mulher, e o combate à violência sexista. que a situação vida nos assentamentos, esQueremos construir uma consciência crítidiferenciada e pecialmente das mulheres. desigual das ca junto às mulheres de base e denunciar para Para tentar ludibriar a trabalhadoras rurais a sociedade brasileira que a situação diferené uma limitação ciada e desigual das trabalhadoras rurais é uma opinião pública nacional e para combater a limitação para combater a pobreza e alcançar internacional, que contipobreza e alcançar nua cobrando comproa qualidade de vida da população rural. Quea qualidade de vida missos do Governo Brasida população rural remos negociar com o Governo Brasileiro proleiro com a realização da postas que atendam às necessidades das trabaReforma Agrária, o governo investe lhadoras rurais e favoreçam a igualdade de dipesadamente na mídia e em propaganda. Os reitos e de oportunidades no campo brasileiro. meios de comunicação transmitem uma imagem irreal que gera uma expectativa nos trabalhadoRaimunda Mascena res e trabalhadoras sem-terra. Coordenadora da Comissão Nacional de Mulheres Na verdade, o governo segura a liberação de Trabalhadoras Rurais da CONTAG recursos para depois alegar a falta de tempo hábil contag@contag.org.br para a efetivação dos gastos; e com isso faz caixa, como resultado da não execução, ou remete o que restou para a rubrica de resto a pagar. Assim, o governo economiza e atende aos compromissos com o FMI, como o de obter superávit primário. Essa é uma das consequências do ajuste dos gastos públicos. Quem perde e quem 4

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A agricultura familiar e as relações sociais de gênero

podemos falar de agricultura familiar ou de agroextrativismo em geral. São identidades portadoras de projetos, com significados e plataformas específicos, que correspondem a uma visão crescente das diferenças de agroecossistemas no país, para as quais essas populações historicamente contribuíram. “Caracteriza-se a soberania alimentar como o É bom lembrar que, há alguns anos, despertava a direito dos povos definirem suas próprias polítiatenção de pesquisadores a existência de verdadeiras cas e estratégias sustentáveis de produção, distri“ilhas” de vegetação na região Amazônica e também buição e consumo de alimentos, que garantam em regiões de Cerrado. Concluiu-se que era a natuo direito à alimentação para toda a população, reza construída pelos caiapós. A sabedoria e prática baseado na pequena e média produção, respeideste povo, que combina no mesmo espaço plantas tando suas próprias culturas e a diversidade dos com usos diversos, inspirou propostas como o “planmodos camponeses, pesqueiros, quilombolas, intio em andares” nos sistemas agroflorestais que vêm dígenas, de produção agropecuária, de sendo difundidos na Amazônia. comercialização, de gestão dos espaços rurais, nos Não podemos falar de uma agricultura familiar quais a mulher desempenha um papel fundaem geral e tampouco da mulher trabalhadora rural mental e estratégico.” em geral. Há diferentes formas de inserção produtiva nas várias regiões do Brasil. É preciso reconhecer 1 A citação deste trecho da Declaração Pública da a especificidade do papel dessas mulheres. Sociedade Civil Brasileira à Cúpula Mundial da AliPrecisamos avançar mais numa abordagem que mentação tem como objetivo vincular o debate sobre faça a relação entre a complexidade da diversidade a agricultura familiar com a dos ecossistemas e dos agroecossistemas — consiquestão da fome no país. derando o papel da agricultura familiar e do Nas estatísticas Essa passagem chama a agroextrativismo – e a abordagem das relações soainda há atenção exatamente por dois ciais de gênero. invisibilidade do aspectos bastante importanO conceito de gênero explica as identidades e trabalho da mulher. tes: o reconhecimento da os papéis masculinos e femininos como construA categoria de sociodiversidade no campo e ções sociais e históricas, sujeitas a mudanças. Tem membro não a referência ao papel das base material, e não apenas ideológica, e se exremunerado da mulheres. pressa na divisão sexual do trabalho. Aplicadas ao família oculta a sua Uma perspectiva de supecampo, as análises de gênero têm mostrado a sudiscriminação ração da exclusão social e de bordinação e a subvalorização do trabalho das garantia da segurança alimenmulheres. tar precisa, necessariamente, relacionar É importante tirarmos implicações das categorias sustentabilidade socioambiental e equidade de gênecensitárias, por exemplo, e não apenas nos debruçarro. Ambas as noções colocam-se na contra-corrente mos e questionarmos sobre a ausência de informada visão economicista e produtivista sobre o campo. ções. Nas estatísticas ainda há invisibilidade do trabaVárias identidades políticas foram construídas, nos lho da mulher. A categoria de “membro não remuúltimos tempos no Brasil, nos processos de luta denerado da família” oculta a sua discriminação. mocrática. Vários setores do campesinato chegaram Para a sociedade, mesmo que as atividades agrícoà cena pública como sujeitos políticos - seringueiros, las sejam consideradas trabalho, quando realizadas quilombolas, quebradeiras de coco, etc. Portanto, não pelas mulheres passam a ser “ajuda”.

1 Extraído do documento: “ A Sociedade Civil Brasileira e a Cúpula Mundial da Alimentação: 5 anos depois”, Rio de Janeiro, 20 de maio de 2002

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Em contextos nos quais as atividades são considenão só trabalhavam aplicando o veneno como ainda radas trabalho, como é o caso das quebradeiras de lavavam as roupas contaminadas: as suas próprias e coco, pode-se perguntar se a sociedade o legitima, as dos maridos. A representação social do trabalho, ou, de outra maneira, se o reconhece, e lhe atribui como não-trabalho, condicionava-as a ficaram mais outro estatuto social. Não é bem assim. Há comunisubmetidas aos efeitos do agrotóxico. dades, em vastas regiões na Amazônia, onde os hoHá também, em várias regiões do país, a repremens dizem: “homem que é homem não quebra sentação do trabalho como leve ou pesado: não concoco”. Essa é uma maneira de desqualificar este tipo forme o tipo de atividade que encerra, mas segundo de trabalho e de desconhecer os seus múltiplos sentiquem o executa. Se feito por homem, o trabalho é dos: econômico, social e ecológico. caracterizado como pesado; se por mulher, é leve. E As quebradeiras de coco mantêm ou contribuem para o que acontece na hora da alimentação, quando há manter suas famílias. Além disso, esse movimento escassez? Para a distribuição do alimento, ao trabalho socioambiental, que foi encontrando a adesão de mileve corresponde o alimento classificado como fralhares de mulheres, exprime uma nova plataforma porco2 . A chamada “mistura”, denominação em muitos lugares para a carne, o frango, ou seja, a proteína que transforma a luta por um recurso - o recurso-terra, animal, considerada forte, nesse contexto não é o recurso-mata-nativa -, danconsumida pela mulher. Em razão disso, é de se do outro sentido para a luta Se feito por homem, supor que, em muitas regiões, o índice de desnutripela reforma agrária adaptada o trabalho é ção seguramente seja maior entre as mulheres que ao ecossistema. O movimento caracterizado como trabalham no campo do que entre os homens. Esbloqueia o processo de devaspesado; se por ses exemplos concretos de situações distintas detação dos babaçuais, que estamulher, é leve. E o monstram o quanto é fundamental enfrentar a quesva em curso na região, e clama que acontece na hora tão da subordinação das mulheres. pelos “babaçuais livres”! Várida alimentação, Mas no contexto da luta pela igualdade de gêas experiências deste moviquando há escassez? nero, o movimento de mulheres tem provocado almento mostram a agregação de Para a distribuição do gumas mudanças: tem trazido à cena novas provalor aos produtos do babaçu, alimento, ao trabalho postas, tem alterado plataformas e conseguido alnas iniciativas das organizações leve corresponde o gumas conquistas. Mas se observamos bem, temos cooperativas. alimento classificado o exemplo de várias políticas que ainda são cegas Há várias implicações ao como fraco quanto à questão de gênero. se considerar o trabalho da Em relação à reforma agrária, sabemos que remulher como “ajuda”. É o centemente algumas portarias e novas regulamentaque mostra, por exemplo, uma pesquisa participativa, ções têm procurado favorecer as mulheres. Ocorre associada a um trabalho educativo, no interior de São que o grande problema é que isso se dá num contexPaulo. Em uma região de grande incidência de uso to da contra-reforma agrária, em razão do lugar que de agrotóxicos, pretendia-se mobilizar homens e mupassou a ter, no conjunto da política do Governo, a lheres para fazerem exames de sangue com a finalichamada reforma agrária de mercado, que se realiza dade de analisar o índice de contaminação. por meio dos programas do Banco da Terra e da Mas as mulheres não responderam ao primeiro Cédula da Terra, com recursos do Banco Mundial. apelo. Sabem por quê? Porque consideravam que esAo contrário de outros países da América Latina, tavam apenas “ajudando”, e portanto não estavam o Brasil sempre considerou que a titulação de terras, contaminadas. Não levaram em conta o fato de que para homem ou mulher, era uma questão de opção; borrifavam veneno da mesma maneira que os hodiferentemente, por exemplo, da Colômbia, que mens, e muitas vezes acompanhadas das crianças. Elas 2 Os alimentos são classificados como fortes, fracos, reimosos ou não-reimosos em várias regiões.

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desde 1961 já previa na sua legislação uma ação afirmicrorregiões do estado do Pará não havia um único mativa para as mulheres: a garantia da titulação para projeto de crédito para pequenos animais ou para elas. Tanto é assim que o percentual de mulheres manejo de quintais. beneficiárias do título de propriedade na Colômbia Isso não significa que estejamos reduzindo o trajá chegou a 45% do total de benefícios, enquanto no balho da mulher ao entorno da casa, mas a proposta Brasil nunca foi além de 12%. E atualmente a polítide crédito precisa incorporar a abordagem do sisteca oficial é de retrocesso. É a anti-reforma agrária. ma de produção com seus subsistemas. Em regiões Não se pode esperar que o mercado regule o acescomo a Amazônia, nesse entorno da casa, que tem so à terra, e que esse acesso se faça pela compra. nomes variados — miscelânea, quintal, sítio, etc. —, Algumas entidades do Fórum Nacional pela Reforencontramos uma variedade enorme de espécies vema Agrária e Justiça no Campo têm dito, por exemgetais. E esses são espaços de retenção da erosão geplo, que esses programas são quase uma reedição nética, de experimentação do cultivo de certas culda antiga Lei de Terras, de 1850, do século XIX. turas nas quais as mulheres têm papel fundamental. Nesse contexto, essas portarias ou algumas regulaPrecisamos rever a concepção sobre o trabalho realimentações que vinham gazado nesse espaço que é social, econômico, ecológirantindo a titulação em O percentual de co e simbólico. nome da mulher acabam Como as relações sociais de gênero estruturam mulheres não tendo tanta eficácia. beneficiárias do título várias relações sociais, elas estão presentes na famíPelo mecanismo da vende propriedade na lia, na escola, na sociedade em geral. Como esses da, qual percentual de mu- Colômbia já chegou a papéis femininos e masculinos são construídos solheres teria acesso à terra? 45% do total de cial e culturalmente, eles podem ser mudados. Não Segundo estudo recente de benefícios, enquanto podemos perder de vista que as relações de gênero uma pesquisadora americano Brasil nunca foi estão ancoradas numa base material, porque existe na, Carmem Deere, nas árealém de 12%. E a chamada divisão sexual do trabalho, e também as do projeto Cédula da Ter- atualmente a política numa base ideológica, formada pelo que chamara no Brasil, não seriam mais oficial é de mos de uma leitura machista na sociedade. Se não do que 2%. Ficam, pois, retrocesso. É a anti- tivermos essa compreensão, é mera ilusão dizer que drasticamente reduzidas as reforma agrária o trabalho está atingindo a mulher porque atingiu condições de acesso das mua família. A dominação masculina se exerce na falheres à terra. mília e hierarquiza funções. Essa publicação se dá em um momento muito Essas questões precisam ser incorporadas aos deapropriado, pois está em discussão na Câmara dos bates sobre propostas de políticas. Sem perder de Deputados um projeto de lei que institui uma polítivista que a preservação ambiental e a agricultura ca para a agricultura familiar, que tem no seu corpo ecológica devem ser constitutivas de uma nova conuma proposta de programa de crédito. Também nesse cepção de modelo agrícola. É preciso também inaspecto, o crédito no Brasil, tal como vem sendo aplicorporar a questão das relações de gênero. Não há cado, é tanto insustentável ambientalmente como justiça sem incorporar as mulheres. E sem a igualtambém discriminador. dade de gênero! Vários tipos de crédito não atingem mais do que Maria Emília Pacheco 7% de mulheres. O que também está em jogo é a Diretora do Programa modalidade de crédito oferecida. No levantamento Amazônia Sustentável e Democrática FASE feito pela Federação de Órgãos para Assistência Somemília@fase.org.br cial e Educacional - FASE, juntamente com a Universidade do Pará, para o Fundo Constitucional Norte – FNO, verificou-se, por exemplo, que nas várias outubro de 2002

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Execução da Organização Agrária até o dia 4 de outubro de 2002R$ 1,00 Programas Educação de Jovens e Adultos Alfabetização de Jovens e Adultos nas Áreas de Reforma Agrária Subtotal

Autorizado

Executado

% Executado

11.440.998 11.440.998

3.223.362 3.223.362

28,17% 28,17%

Novo Mundo Rural: Assentamento de Trabalhadores Rurais Concessão de Crédito para Aquisição de Imóveis Rurais - BANCO DA TERRA Concessão de Crédito-Instalação às Famílias Assentadas Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária - SIPRA Discriminação de Áreas Devolutas e Terras Irregularmente Ocupadas Assistência Jurídica às Famílias Acampadas Assistência Social às Famílias Acampadas Titulação de Terras Identificação de Imóveis Passíveis de Desapropriação e Aquisição Perícia Judicial em Ações de Desapropriação de Imóveis Topografia em Áreas de Assentamento Rural Plano de Desenvolvimento do Assentamento Rural Obtenção de Terras Subtotal

247.500.000 144.300.000 1.199.999 800.000 610.000 1.033.000 6.599.999 8.800.000 7.500.000 14.800.000 4.100.000 362.720.000 799.962.998

131.042.799 59.097.065 525.849 378.585 202.000 344.729 3.420.386 5.298.915 2.649.684 5.537.989 999.694 161.610.905 371.108.600

52,95% 40,95% 43,82% 47,32% 33,11% 33,37% 51,82% 60,21% 35,33% 37,42% 24,38% 44,56% 46,39%

Novo Mundo Rural: Consolidação de Assentamentos Concessão de Crédito para Implantação de Infra-estrutura Básica - BANCO DA TERRA Implantação de Infra-estrutura Básica em Assentamentos Rurais - Cédula da Terra Implantação de Infra-estrutura Básica em Assentamentos Rurais - Combate à Pobreza Rural Investimento em Infra-estrutura Básica para Assentamentos Rurais Acompanhamento da Instalação de Projetos de Assentamentos Rurais Assistência Técnica e Capacitação de Assentados - LUMIAR Subtotal

85.280.000 15.500.000 50.020.000 104.501.100 14.949.999 11.100.000 281.351.099

72.649.199 13.700.000 0 9.172.167 9.641.989 5.504.377 110.667.732

85,19% 88,39% 0,00% 8,78% 64,49% 49,59% 39,33%

Emancipação de Assentamentos Rurais Concessão de Crédito-Instalação às Famílias Assentadas em Projetos Criados até 1998 92.500.000 Infra-estrutura Complementar para Emancipação de Assentamentos Rurais Criados até 1998 37.000.000 Topografia em Áreas de Assentamentos Rurais Criados até 1998 14.800.002 Assistência Téc. e Capacitação de Famílias Assentadas em Projetos Criados até 1998 - LUMIAR 6.069.001 Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais Criados até 1998 3.700.000 Subtotal 154.069.003

37.224.371 3.776.174 1.808.166 2.140.099 1.714.212 46.663.022

40,24% 10,21% 12,22% 35,26% 46,33% 30,29%

2.350.000 9.599.999 3.800.000 7.100.000 22.849.999

401.884 2.986.512 852.683 2.215.114 6.456.193

17,10% 31,11% 22,44% 31,20% 28,25%

Gestão da Política Fundiária Promoção da Qualidade e da Produtividade na Reforma Agrária Coordenação e Suporte Técnico às Ações do Banco da Terra Formulação e Avaliação da Política Fundiária Cooperação Téc. para Melhoria da Gestão e das Ações Produtivas em Áreas de Assentamentos Acompanhamento de Conflitos e Tensões Sociais no Campo Capacitação de Executores - BANCO DA TERRA Implantação de Sist. Integrado de Gerenciamento da Exec. da Ref. Agrária e Agricultura Familiar Subtotal

50.000 800.000 1.000.000 4.814.000 474.000 200.000 1.700.000 9.038.000

19.171 80.571 1.000.000 2.128.171 223.558 408 956.350 4.408.229

38,34% 10,07% 100,00% 44,21% 47,16% 0,20% 56,26% 48,77%

Comunicação de Governo Subtotal

8.634.599 8.634.599

4.496.427 4.496.427

52,07% 52,07%

1.287.346.696

547.023.565

42,49%

Gerenciamento da Estrutura Fundiária Georeferenciamento e Levantamento do Uso da Terra Gerenciamento do Cadastro Rural Demarcação Topográfica em Ações de Regularização Fundiária Sistema de Cadastro Rural Subtotal

Total

Excluídos os programas que não são finalísticos: Previdência de Inativos e Pensionistas da União; Desenvolvimento Agroambiental do Estado de Mato Grosso - Prodeagro; Desenvolvimento da Amazônia Legal; Apoio Administrativo; Valorização do Servidor Público Fonte: SIAFI / STN / CD - Elaboração: Inesc

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