Boletim Orcamento 4

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4 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc • Ano III • nº 4 • junho de 2004

PLDO/2005: um ensaio sobre a esperança e o medo “Queria entender do medo e da coragem, da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder.” 1 Se o Projeto de Lei n.º 3 de 2004, que tem a função de apresentar ao Congresso Nacional e à Sociedade Brasileira as diretrizes que deverão nortear a elaboração da lei orçamentária do exercício de 2005, fosse um ensaio literário, poderíamos atribuí-lo um título mais indicativo do seu conteúdo como, por exemplo: “Um ensaio sobre a esperança e o medo”. Pelo menos este título traduziria de forma mais clara o sentimento que temos ao analisá-lo, tal é a perplexidade que nos furta a esperança e nos restitui o medo em relação aos rumos das políticas públicas nacionais e, que, parece não ter fim ao se analisar o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício de 2005 – PLDO/2005. 1 Este trecho constitui parte da obra “Grande Sertão: Veredas”, cuja autoria é de João Guimarães Rosa.

E D I TOR I A L

O Controle Social

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ma leitura atenta do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias – PLDO para 2005, em tramitação no Congresso Nacional, demonstra descompasso entre intenção política e comprometimento orçamentário. As prioridades traçadas pelo próprio Governo no Plano Plurianual 2004/2007— ainda sem aprovação do Parlamento— não encontram eco na proposta do PLDO/2005. Eleito sob a égide da transparência, e sob o signo da mudança, o governo Lula, apesar de alguns avanços pontuais e que merecem reconhecimento, tem demonstrado falta de empenho na implementação de políticas públicas essenciais para redução da exclusão e promoção do desenvolvimento econômico e social. Nesta edição, o Inesc chama a atenção para o fato de o formato do desenho das políticas sociais especificadas no Anexo de Metas e Prioridades do PLDO/2005 deixarem muito a desejar. Em muitos casos, trazem concepções assistencialistas em detrimento da universalização das políticas públicas. As organizações da sociedade civil têm enfrentado dificuldades na obtenção de dados atualizados da execução do Orçamento da União. A abertura do Sistema Integrado de Administração Financeira – SIAFI — antiga reivindicação da sociedade civil, cujo atendimento vem sendo sistematicamente adiado — é um passo fundamental na democratização do poder e ampliação dos espaços de igualdade, tão necessários ao aprofundamento da democracia brasileira. Enquanto a transparência dos gastos públicos permanece uma falácia, continuamos pressionando pela abertura de canais de participação de forma a viabilizar o controle social de políticas públicas. As tabelas orçamentárias que embasaram as análises deste boletim estão disponibilizadas no site do Inesc: www.inesc.org.br.

Apoio:


Como se não bastasse o estado da arte em que se encontra o Plano Plurianual de Investimentos (PPA-2004/2007), que até a primeira semana de junho ainda não havia sido votado no Congresso Nacional e, portanto, ainda prescindia da aprovação do Legislativo e da sanção do Presidente da República para começar a valer de fato e de direito, o PLDO/2005, além de não alterar de forma substantiva o PLDO/2004, leva-nos a ter mais dúvidas do que certezas em relação ao exercício de 2005, que será o penúltimo ano do mandato do atual presidente. Em 2005, restará ao Presidente Lula, apenas dois anos para concluir seu mandato, o que significa que estamos no meio do caminho e, que, portanto, ainda há esperanças de se mudar a direção e os sentidos das políticas públicas vigentes até o momento. Contudo, se o Congresso Nacional não propuser alterações significativas nas metas e prioridades elencadas no PLDO/2005, pouco poderá ser feito mais adiante e, neste caso, nos restará o medo de continuarmos a conviver com as desigualdades que assolam a população brasileira que tem sexo, cor, raça e endereço de acordo com as estatísticas publicadas pelo IBGE2. Como cabe à LDO garantir as metas e prioridades da administração pública estabelecidas no PPA e demarcar as regras e compromissos3 que deverão orientar a elaboração da proposta orçamentária do exercício subseqüente, este quadro poderá ser ainda mais desalentador se conside-

rarmos a realização de eleições municipais no segundo semestre deste ano, o que, em geral, desmobiliza grande parte dos Deputados e Senadores eleitos para nos representar nas causas nacionais. Pois, ainda que estes não lancem candidaturas próprias4, poderão ser mobilizados a prestar apoio as suas bases eleitorais, o que poderá comprometer a votação dos inúmeros Projetos de Lei que atualmente tramitam no Congresso e os que ainda serão apresentados a esta casa, como, por exemplo, o Projeto de Lei Orçamentária para o exercício de 2005, que será encaminhado em agosto deste ano. Neste sentido, este Boletim tem o objetivo de destacar alguns dos diversos parâmetros discriminados no PLDO/2005, que deverão orientar a elaboração do orçamento federal do próximo ano, e que preocupam a Sociedade Civil, seja pelos aspectos apontados anteriormente ou por aqueles que serão detalhados adiante. Vale lembrar, que o prazo para que estas mudanças sejam feitas é exíguo, pois o limite dado pela Constituição para se concluir a votação do PLDO é 30 de junho. O cenário macroeconômico discriminado no PLDO/2005 não aponta alterações significativas nos parâmetros estabelecidos para o exercício de 2004 e, tampouco, no modelo econômico, pois mantêm os instrumentos vigentes na política econômica, isto é: câmbio flutuante, juros altos e elevado superávit primário, conforme pode ser observado na Tabela 1.

2 Encontram-se disponíveis no site do INESC, alguns dados selecionados das últimas publicações do IBGE acerca dos Indicadores Sociais, as quais abrangem os exercícios de 2001e 2002. 3 O detalhamento destes aspectos legais podem ser observados no art.165, § 2º, da Constituição de 1988; na seção II do capítulo II da Lei Complementar N.º 101, de 4 de maio de 2000; e no art.1º do PL N.º 3 de 2004. 4 De acordo com a matéria intitulada “Debandada com hora marcada”, veiculada no Jornal “O Correio Braziliense” em 23 de maio de 2004: dos 513 deputados, 109 já haviam avisado que iriam disputar o cargo de prefeito em suas cidades; e dos 81 senadores, 4 pretendiam disputar as eleições municipais.

Orçamento uma publicação do INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos com a parceria de Fundação Avina. Tiragem: 1.500 exemplares - End: SCS - Qd, 08, Bl B-50 - Salas 431/441 Ed. Venâncio 2000 - CEP. 70.333-970 - Brasília/DF - Brasil - Fone: (61) 212 0200 - Fax: (61) 212 0216 - E-mail: protocoloinesc@inesc.org.br - Site: www.inesc.org.br - Conselho Diretor: Eva Faleiros, Gisela Santos de Alencar, Iliana Alves Canoff, Juraci de Souza, Mariza Veloso M. Santos, Nathalie Beghin, Neide Castanha, Paulo du Pim Calmon, Pe. Virgílio Leite Uchoa, - Colegiado de gestão: José Antônio Moroni, Iara Pietricovsky - Assessoria Técnica: Denise Rocha, Edélcio Vigna, Jair Barbosa Júnior, Jussara de Goiás, Luciana Costa, Márcio Pontual, Ricardo Verdum, Selene Nunes Jornalista responsável: Jair Barbosa Júnior- Projeto gráfico: DataCerta Comunicação Esta publicação utiliza papel reciclado

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Orçamento T abela 1

Comparação dos parâmetros macroeconômicos Discriminação

PLDO valores de 2004 (A) PIB % de crescimento real (a.a.) 3,5 Inflação IGP DI – % acumulado 12 meses 7,5 Inflação IPCA % acumulado 12 meses 5,7 Taxa real juros sobre a Dívida Líq. – média % a.a. 8,38 Taxa nominal juros sobre a Dívida Líq. – média % a.a. 14,88 Taxa de câmbio (R$/US$) – final de período 3,2 Superávit Primário do Setor Público Não Financeiro (% PIB) 4,25

PLDO valores para 2005 (B) 4,0 5,0 4,5 7,5 12,4 3,64 4,25

PLDO valores para 2005 (C) 4,0 5,5 4,5 6,9 11,8 3,3 4,25

C-A

C-B

0,5 -2,0 -1,2 -1,5 -3,1 0,1 0,0

0,0 0,5 0,0 -0,7 -0,6 -0,4 0,0

Fonte: Projeto de Lei N.º 30, de 2003 – CN (PPA 2004-2007) e mensagem que acompanha o PLDO/2005. Elaboração: INESC

No que diz respeito ao câmbio, não há proposta, pois os parâmetros apontam apenas uma projeção de sua evolução que, na realidade, é determinada pelo mercado. Com isto, o governo abdica mais uma vez da possibilidade de estabelecer regras para a estadia do capital internacional no País e compromete com isto o crescimento da economia. Pois, a diminuição estimada da taxa de juros não é tão significativa, a ponto de atrair, por si só, os capitais internacional e nacional para a esfera da produção. Não seria mais eficaz reduzir as taxas de juros e promover uma desvalorização do câmbio, o que reduziria as importações e de quebra aumentaria as exportações, o que poderia gerar um aumento da produção, do emprego e da renda? O argumento usado até o momento sobre a taxa de juros — cuja redução ocorre lentamente e, volta e meia pára um pouquinho —, é de que este instrumento de política monetária tem sido usado para conter as pressões inflacionárias e atrair os investimentos externos. Contudo, deve-se indagar ao Governo de onde vem esta pressão inflacionária, se o País teve crescimento negativo no exercício de 2003, o que conseqüentemente se refletiu no aumento da taxa média de desocupação e na redução da renda média dos brasileiros em termos reais, isto é, descontando-se a inflação. Além disso, conforme ressaltado anteriormente, sem controle à entrada e à saída de capitais, a taxa de juros só atrai o capital especulativo, deixando de lado o capital produtivo, que poderia contribuir para alavancar o crescimento econômico e a geração de emprego e renda.

Além disso, como uma parcela significativa dos títulos públicos são atreladas ao dólar, a manutenção dos juros altos faz com que a dívida pública, que é soma da dívida interna com a externa, mantenha uma trajetória de crescimento. Na tentativa de estabilizar a relação dívida/PIB, é que o governo propõe a manutenção de um superávit primário5 elevado, cuja função seria a de sinalizar aos detentores de títulos da dívida pública, de que o Estado brasileiro honrará seus compromissos, ainda que para isto, seja necessário impor sacrifícios à população. Diante deste quadro, pergunta-se: a realização de um superávit primário de 4,25% do PIB é suficiente para manter estável a relação dívida/PIB, se continuarmos com juros tão elevados e com crescimento pífio da economia? De que forma os cortes realizados no orçamento para efetivar a política de geração de superávit primário ampliam o grau de desigualdade existente na população brasileira? Como se não bastasse a defesa desta política econômica restritiva, as metas e o formato do desenho das políticas sociais especificadas no Anexo de Metas e Prioridades do PLDO/2005 deixam muito a desejar, pois apresentam, em muitos casos, concepções assistencialistas em detrimento da universalização das políticas públicas, conforme será detalhado adiante. Acreditamos que as questões levantadas neste Boletim poderão ser utilizadas por nossos representantes no Poder Legislativo para interferir no PLDO/2005, e restaurar a esperança da Sociedade Civil de que “Um Outro Brasil é Possível”!

5 Ocorre quando o setor público gasta menos do que arrecada, desconsiderando a apropriação de juros sobre a dívida existente.

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As Instituições Financeiras Multilaterais e o Orçamento

cos. Seguiram as recomendações do Fundo e terminaram a década de 90 sem conseguir atingir um crescimento sustentável. Por outro lado, a abertura da indústria, do comércio e as altas taxas de juros praticaAs Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), dendos por orientação do Fundo foram benéficas para os tre as quais destacamos o Banco Interamericano de Depaíses ricos, que ocupam papel de destaque nas relasenvolvimento (BID), o Banco Mundial (BIRD) e o Funções econômicas com ambos os países. do Monetário Internacional (FMI) exercem influência Em 2003, o BIRD apresentou seu documento de no Brasil, orientando os rumos de programas e políticas estratégia para o Brasil 2004/2007. Dele constam as públicas. Por não se tratar de instituições meramente linhas gerais de sua política para o Brasil, a saber: decomerciais, mas bancos públicos internacionais, torOs financiamentos senvolvimento humano, aumento do crescimento e nam-se atrativas por cobrar impõem exigências da competitividade, desenvolvimento sustentável e a juros inferiores aos do merrecessivas à implementação das reformas fiscais e da Previdência Social. O BID está finalizando sua versão do docucado internacional e requeeconomia e nem mento para o mesmo período. Concentra sua atenrer garantias menores. Porém, sempre são ção em produtividade e infra-estrutura; pobreza, eqüiseus empréstimos são vincubenéficos para o dade e formação do capital humano; condições de lados a condicionalidades: o povo brasileiro, por vida e eficiência nas cidades; e modernização do Estapaís que recebe os recursos é não serem do. Ambos estão estruturados sobre o Plano Plurianual obrigado a seguir preceitos compatíveis com a (PPA), abordando o mesmo horizonte temporal impostos pela instituição necessidade de (2004/2007). Na prática, os anseios dos governos são financiadora. combinar direcionados pelas recomendações das próprias IFMs. As condicionalidades vadesenvolvimento, A PPP, por exemplo, é um projeto apoiado tanto pelo riam de acordo com a coninclusão social e BID quanto pelo BIRD, defendido pelo governo Lula juntura, instituição e país ensustentabilidade. e presente no PPA. Dos 103 projetos da LDO, pelo volvido. Podem tratar de menos 29 possuem contrapartida internacional6. medidas como privatizações, De acordo com estudo da Rede Brasil, entre novemredução do papel do Estado (Estado Mínimo), abertubro de 2002 e abril de 2003, para cada US$ 1.000,00 ra comercial e foco em determinadas áreas, como por de empréstimos, o BID e o BIRD obtém, em média, exemplo, o meio ambiente, só para ficar no exemplo mais de US$ 840,00 de contrapartida de fontes públibrasileiro. Orientam, assim, o modelo de desenvolvimencas brasileiras7. to adotado pelos países “tomadores” de empréstimos. As condicionalidades dos financiamentos impõem Por não ficarem restritas à seara econômica, refletem exigências recessivas à economia e nem sempre benéfiinteresses estratégicos dos países ricos, que possuem maior cas para o povo brasileiro, por não serem muitas vezes influência no processo decisório dessas instituições. Recompatíveis com a necessidade de combinar desenvolgulam desde assuntos sociais, comerciais e até ambientais. vimento, inclusão social e sustentabilidade. A política Os recursos oferecidos pelas IFMs são fruto de de desenvolvimento receitada para o Brasil é estruturada aportes dos países-membros. Os que aportam mais têm no ajuste fiscal, o que restringe o gasto e o investimento mais voz no processo decisório. Por isso, os interesses público, reduzindo o papel do Estado. As reformas dos EUA, “acionista” majoritário, são freqüentemente institucionais impostas, como o enxugamento do Estaobservados. O FMI, por exemplo, é acusado de ter do, implicaram também na adoção de metas implantado políticas neoliberais defendidas por Wamacroeconômicas, como o índice do superávit, agravashington que comprometem o desenvolvimento de das pelo voluntarismo do governo do presidente Lula. muitos países. Brasil e Argentina são exemplos clássi-

6 PL3 / 2004 (PLDO 2005). 7 Proposta de inclusão de temas na agenda da COPA. Rede Brasil, Brasília, 15 de março de 2004.

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A Criança e o Adolescente Em uma conjuntura de desemprego, arrocho salarial e violência social fica cada vez mais difícil fazer com que mudanças ocorram na realidade dos milhões de crianças e adolescentes brasileiros, uma vez que as políticas públicas não estão cumprindo seu papel de instrumento basilar para a construção da cidadania. Nesse sentido, procuramos identificar no PPA 2004/2007 os programas cujos objetivos visam assegurar a viabilidade do preceito constitucional de “prioridade absoluta à criança e ao adolescente” (art. 227, CF, 88) na implementação de políticas públicas e na definição dos recursos. Essa constatação é embasada na comparação entre o PPA 2004/2007 e o PLDO/2005. No PPA foram inseridos nove programas: Atendimento Socioeducativo a Adolescentes em Conflito com a Lei; Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; Proteção Social à Infância e Adolescência (anteriormente denominado Brasil Jovem); Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; Erradicação do Trabalho Infantil – PETI; Primeiro Emprego; Transferência de Renda com Condicionalidades; Proteção da Adoção e Combate ao Seqüestro Internacional; e Inserção Social pela Produção de Material Esportivo. Por que identificamos a incapacidade das políticas públicas de agirem como instrumento de transformação? Porque não adianta inserir os programas no PPA e não assegurá-los no Anexo de Metas e Prioridades do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária para 2005, que está tramitando no Congresso Nacional. Pensando na melhoria das condições de vida dos milhões de crianças e adolescentes socialmente excluídos ou em situação de vulnerabilidade social, a análise do Anexo de Metas e Prioridades chega a ser cômico se não fosse trágico, pois foram incluídos apenas cinco programas voltados à garantia dos direitos da crijunho de 2004

ança e do adolescente: o Programa Primeiro Emprego; a Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; a Proteção Social à Infância, Adolescência e Juventude; a Erradicação do Trabalho Infantil; e o Programa de Transferência de Renda com Condicionalidades. No entanto, não foram inseridas todas as ações de cada programa. O Programa Erradicação do Trabalho Infantil, por exemplo, teve apenas uma ação inserida: a de Atendimento à Criança e ao Adolescente em Jornada Ampliada. O valor previsto para esta ação no PPA é de R$ 369,5 milhões para atender a 1.711.390 crianças/adolescentes no período que abrange os exercícios financeiros de 2004 até 2007. Em 2004, o montante autorizado para execução é de R$ 98,1 milhões, visando a atender 399.070 crianças e adolescentes, o que representa 23,32% do total previsto no PPA. Para 2005, o PLDO propõe uma meta física de 910.000 crianças beneficiadas, número esse que representa 53,17% do total da meta do PPA até 2007. No entanto, não é possível identificar nesse Programa as ações de Concessão de Bolsa Escola, conhecido como PETI. Sabe-se que este benefício é coberto atualmente pelo Programa Transferência de Renda com Condicionalidades. Como os recursos não estão discriminados como uma rubrica em separado, não é possível identificar, no PPA, as metas físicas e financeiras que se pretende alcançar ao se garantir a continuidade do PETI, que originalmente não estava resumido apenas à transferência de renda, mas sim para garantir a retirada de crianças do trabalho infantil, sua inclusão e permanência na escola, complementado pela jornada ampliada como projeto pedagógico. No Programa Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente foi incluída no PLDO/2005 apenas a ação intitulada Apoio a Unidades de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, que inclui o apoio aos conselhos de direitos, delegacias de proteção à criança, con5


selhos tutelares, etc. A meta de atendimento no PPA é de 68.586 pessoas, sendo que a previsão de atendimento do PLDO/2005 é de 8.398 pessoas ou 12,24% do total estipulado no PPA. Diversas ações complementares ficaram fora das prioridades do PLDO/2005, o que nos leva ao seguinte questionamento: como é possível atuar sobre uma realidade injusta sem uma abordagem que trabalhe todos os aspectos do problema? Como assegurar a Programas Promoção e Defesa dos Direiimportantes, tos da Criança e do Adolescomo o de cente sem a implementação Combate ao das ações de: Implantação da Abuso e à rede de identificação e localiExploração zação de crianças e adolescenSexual e Atendimento tes; Cadastro nacional de crianças passíveis de adoção e fa- Socioeducativo ao Adolescente em mílias pretendentes; CapaConflito com a citação de profissionais para Lei, não foram promoção e defesa dos direisequer tos da criança e do adolescenconsiderados no te; Apoio a estudos e pesquiPLDO/2005. Tal sas na área dos direitos da crifato constitui um ança e do adolescente; Apoio alerta vermelho a módulos do Sistema de Inpara a sociedade. formação para Infância e Adolescência (SIPIA); Apoio à organização de jovens; Apoio a projetos de prevenção da violência nas escolas; Apoio a serviços de atendimento à criança e ao adolescente sob medida de proteção; e Apoio a serviços de atendimento jurídico-social a crianças e adolescentes ameaçados de morte? Como enfrentar o problema da violação de direitos de milhões de crianças e adolescentes sem realizar: Serviços de Proteção Socioassistencial à Adolescência; Ser viços de Proteção Socioassistencial à Juventude; sem a construção/ modernização de Centros Públicos de Atendimento à Juventude e sem garantir o funcionamento desses centros? Outro problema aqui é que 6

este último programa inclui o termo “juventude” para designar o público com idades entre 15 a 17 anos, o que constitui uma confusão conceitual se levarmos em conta que o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/ 90) define “criança até 12 anos de idade incompletos e adolescente até 18 anos”. Além disso, programas importantes, como o de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual e Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, não foram sequer considerados no PLDO/2005. Tal fato constitui um alerta vermelho para a sociedade, pois por meio desses programas seria beneficiado um número significativo de crianças e adolescentes expostos, sistematicamente, a uma situação de vulnerabilidade social. O que faremos com as FEBEMs lotadas de adolescentes, que na maioria são pobres e negros, sem que se invista na implementação de unidades de internação pequenas, conforme determina a resolução do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente - CONANDA e do ECA? Como será possível implantar outras medidas como prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e semi-liberdade? Não se pode identificar aqui um caso explícito de discriminação de classe e raça do Estado brasileiro? Ou como podemos classificar a falta de prioridade dada a um programa que exige poucos milhões perto do que se destina ao superávit primário? Com certeza poderia ser um diferencial exemplar no tratamento dado ao problema do envolvimento de adolescentes com a criminalidade e na transformação de um projeto de vida fora do narcotráfico, das drogas e da violência das ruas. Além disso, não se pode deixar de lembrar que esses mesmos programas tiveram alocação orçamentária em 2004 e a execução não altera o quadro colocado de descaso com as políticas públicas, único caminho possível para provocar, não transformações, mas, quem sabe melhorias na realidade vivida por essas crianças e adolescentes. junho de 2004


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Direitos Humanos

Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Gestão da Política de Gênero, entre outros. No que diz respeito à priorização dos Direitos Ao analisarmos as ações dos programas selecioHumanos pelo Governo Federal, o discurso não panados no PLDO/2005, questionamos o critério de rece combinar com a prática. O PLDO/2005 é mais escolha das mesmas, pois importantes ações não uma prova disso. foram incluídas, das quais destacamos: (i) a ForDos 103 programas Dos 103 programas mulação de políticas de ações afirmativas; (ii) o listados no Anexo de Me- listados no Anexo de Fomento ao desenvolvimento local para comuMetas e Prioridades nidades remanescentes de quilombos; (iii) o tas e Prioridades do Projeto de Lei n.º 3, que dispõe do Projeto de Lei n.º Apoio a abrigos para mulheres em situação de 3, que dispõe sobre risco; e (iv) o Apoio a creches, restaurantes e lasobre as diretrizes para a as diretrizes para a vanderias para a melhoria das condições de vida elaboração da Lei Orçaelaboração da Lei da mulher trabalhadora. mentária de 2005, em Orçamentária de tramitação no Congresso Há de se ressaltar que para 2005 as metas físicas 2005, em tramitação Nacional, apenas sete consapontadas no PLDO são bastante tímidas, pois se por no Congresso tam das maiores instâncias um lado, as ações são elencadas como prioritárias, suas Nacional, apenas do Poder Executivo para a metas parecem mostrar justamente o contrário, o que sete constam das efetivação dos Direitos Hu- maiores instâncias do pode ser exemplificado pelas seguintes ações: manos, assim divididos: Poder Executivo para a efetivação dos • Apoio a projetos de acessibilidade para pessoas • Secretaria Especial de com restrição de mobilidade e deficiência: na Direitos Humanos. Direitos Humanos – Lei Orçamentária Anual - LOA/2004 existem 8 Erradicação do Trabalho Infantil , Promoção recursos alocados e autorizados para realizar o e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolesapoio a apenas dois projetos, o que representa 9 centes , Erradicação do Trabalho Escravo e Pro2,3% do total de recursos previstos para esta grama Nacional de Acessibilidade. ação no PPA, cujo montante total é de R$ 4,3 milhões; no PLDO 2005 há a previsão de apoi• Secretaria Especial de Políticas de Promoção ar 25 projetos, representando 14,37% dos 174 da Igualdade Racial – Gestão da Política de propostos no PPA 2004/2007; e Igualdade Racial. • Apoio aos serviços especializados no atendimen• Secretaria Especial de Políticas para as Muto às mulheres em situação de violência: de lheres - Igualdade de Gênero nas Relações acordo com o PLDO 2005, a meta é atender de Trabalho e Combate à Violência contra a 500 mil mulheres, o que representa 12,5% do Mulher. total de quatro milhões de atendimentos previstos no PPA 2004/2007; já a LOA de 2004 Dada essa priorização, observamos a ausência de possui autorizada a mesma meta de atendimenprogramas fundamentais para a garantia e a proto de 2005, que em termos financeiros repremoção dos Direitos Humanos, como o Programa senta 25,37% dos R$ 17 milhões previstos para Direitos Humanos Direito de Todos, Promoção e os quatro anos do PPA.

8 Os programas de políticas para crianças e adolescentes estão analisados em tópico específico neste Boletim. 9 Idem 1.

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Estas constatações trazem diversos questionamentos. Alguns dos mais importantes são: que vontade política tem o Governo Federal de promover e garantir os Direitos Humanos no Brasil? As prioridades elencadas para esta temática representam a real necessidade e os anseios da sociedade brasileira? Os números mostram que o percentual de metas executadas nos últimos 17 meses e a proposta para os 12 meses de 2005 dificultam a identificação do discurso com a prática, e pior, contribuem para manutenção da violação dos Direitos Humanos no Brasil.

Reforma Agrária

É importante ressaltar que o fato de alguns programas não constarem no Projeto de Lei não significa que os mesmos não serão executados. Mas o fato de não constarem nas Metas e Prioridades para o exercício fiscal de 2005 sinaliza que não são prioritários para o governo.

Em novembro de 2003, o governo apresentou o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Avaliamos, então, que o PNRA representava uma proposta de governo de um novo modelo de assentamento agrário. Porém, ao analisar o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2005, não encontramos algumas ações e programas que são considerados prioritários no Plano. É importante ressaltar que o fato de alguns programas não constarem no Projeto de Lei não significa que os mesmos não serão executados. Mas o fato de não constarem nas Metas e Prioridades para o exercício fiscal de 2005 sinaliza que não são prioritários para o Governo. Um exemplo disso é a ausência de referência no PLDO/2005 do Cadastro Nacional de Reforma Agrária. No PNRA, o recurso previsto para a ação Obtenções de terras, do Programa Assentamentos Sustentáveis para Trabalhadores, segue uma escala

crescente (R$ 1,4 bilhão/2004 e 2005; R$ 1,8 bilhão/2006 e R$ 1,9 bilhão/2007), acompanhando o número de famílias assentadas (115 mil/ 2004 e 2005; 140 mil/2006; 150 mil/2007). No PPA 2004/2007 o recurso para esta ação é de R$ 2,6 bilhões, enquanto que o PNRA prevê R$ 6,7 bilhões, para os quatro anos. A meta física para os quatro anos no PPA é adquirir 2,5 milhões de hectares de terra, enquanto que para 2005, no PLDO, é de 1,3 milhão de hectares. Esta meta é semelhante a que está proposta no PNRA (1,4 milhão de ha), mas é desproporcional frente ao PPA, pois pretende em um ano atingir 53,7% da meta de quatro anos. Assim, ou vai sobrar anos ou a meta vai dobrar. O relatório do Tribunal de Contas da União – TCU - afirma que o Incra “poderia cumprir parte da meta de assentar 115 mil famílias até o final do ano sem desapropriar novas propriedades. O relatório mostra que, nos 3.738 assentamentos federais existentes no País, em 2003, ainda havia capacidade para instalar 90.675 famílias, em 3.600 mil hectares ociosos10”. A questão da obtenção de áreas para reforma agrária está enfrentando um desafio, que não é privilégio do governo Lula, de vencer as resistências do Poder Judiciário. Para exemplificar a dimensão da barreira, só em Goiás foram ajuizados cerca de 100 processos de desapropriação e 82 foram indeferidos pelo Judiciário. Mesmo assim o atual governo está conseguindo desapropriar áreas emblemáticas como a Fazenda Cristalina, no Pará, que possui cerca de 89 mil hectares, cujo processo estava obstruído há décadas. Apesar de algumas ausências, tais como o Cadastro Nacional, encontra-se no PLDO/2005 os programas essenciais para execução da política de reforma agrária. O programa de Assentamentos Sustentáveis para Trabalhadores Rurais, chave para a implementação da reforma agrária, incorpora as seguintes ações: Ações preparatórias

10 Tribuna da Imprensa Online, 14/5/2004.

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para a obtenção de imóveis rurais, Assistência técnica e capacitação de assentados, Concessão de crédito-instalação às famílias assentadas e a Obtenção de imóveis rurais para reforma agrária. No PPA 2004/2007 estas cinco ações estão estimadas em R$ 5,4 bilhões e foram autorizados Não podemos avaliar R$ 676,8 milhões para o com precisão se as metas estão exercício de 2004, o que representa 12,5% do to- superestimadas ou se o governo as tal estimado no PPA. No subestimou para Programa, a ação mais sigsurpreender a nificativa, depois da Obsociedade. Assim, tenção de terras — citado fica difícil avaliar acima —, é a Concessão como o governo Lula de crédito-instalação às poderá cumprir a famílias assentadas – immeta de assentar 520 plantação. Esta ação no mil famílias em PPA tem como meta atenquatro anos. der 258 mil famílias e para 2005 a meta é atender 115 mil famílias; ou seja, 44,6% da meta total do PPA 2004/ 2007. Neste caso, como nas demais ações do mesmo programa, o problema é que as metas previstas para quatro anos podem ser atingidas em dois anos. Não podemos avaliar com precisão se as metas estão superestimadas ou se o governo as subestimou para surpreender a sociedade. Assim, fica difícil avaliar como o governo Lula poderá cumprir a meta de assentar 520 mil famílias em quatro anos. As ações do programa Desenvolvimento Sustentável na Reforma Agrária objetivam reestruturar os assentamentos herdados do governo FHC. No PPA 2004/2007 foram designados R$ 1,3 bilhão para as ações prioritárias, porém, para a execução, na LOA/2004, foram previstos apenas R$ 174,6 milhões (13,2% do total). A ação mais significativa deste programa é a Concessão de crédito-instalação aos assentados – recuperação, que tem R$ 870,5 milhões previstos no PPA 2004/2007 e apenas, junho de 2004

R$ 121,5 milhões na LOA/2004, o que representa 14% do total. A meta prevista no PPA visa ao atendimento de 130 mil famílias, enquanto a meta do PLDO/2005 é de 71 mil atendimentos. Encontramos outra vez uma meta para um ano que representa 54,5% da meta estabelecida para quatro anos. Outra ação importante é a Recuperação, qualificação e emancipação de projetos de assentamento rural. Prioritária no PPA, a meta é recuperar e qualificar cerca de 234,7 mil famílias assentadas, em quatro anos. Para isso dispõe de um orçamento de R$ 333,2 milhões. No PLDO/2005 a meta é atingir 71,1 mil famílias (30,3% do PPA). Esta meta, vis à vis o PPA, é mais ajustada, pois se realizada em sua totalidade, mais a meta alcançada em 2004, pode chegar a 100% do previsto para os quatro anos. O programa Crédito Fundiário, considerado prioritário no PLDO/2005, é destacado no PNRA como um instrumento complementar da reforma agrária. É um instrumento que possibilita a aquisição de terras em áreas que não são passíveis de desapropriação ou para incorporar áreas inferiores a 15 módulos fiscais e terras produtivas superiores a 15 módulos. Este programa, que no governo FHC chamava-se Banco da Terra — é uma política do Banco Mundial —, sofreu algumas alterações em razão das críticas que recebeu das organizações sociais. No PPA, o orçamento da ação Concessão de crédito para aquisição de imóveis rurais e investimentos básicos - Fundo de Terras, do programa Crédito Fundiário, é de R$ 2,0 bilhões, enquanto que para a mesma ação em 2004 foram destinados apenas R$ 340,5 milhões (16,4%). A meta física desta ação no PPA é atender 114,2 mil famílias e no PLDO/2005 é 37,5 mil (32,8%). Não encontramos, infelizmente, no PLDO/ 2005 como prioridade a ação Alfabetização de jovens e adultos nas áreas de reforma agrária, do Programa Brasil Alfabetizado. Os indicado9


res sociais do IBGE/2003 demonstram a necessenta 95,09% do total destes recursos e explica a sidade da educação para o desenvolvimento do grande concentração de recursos na ação do Bolmeio rural, pois dos 14,6 milhões de analfabesa-Família. tos existentes no Brasil uma parte significativa As metas físicas da ação Transferência de renainda está no campo. Mesmo em queda, a taxa da diretamente às famílias em condição de pode analfabetismo entre a população de 15 anos breza e extrema pobreza (Bolsa-Família), constam ou mais, na zona rural, continua apresentando no PLDO/2005 e não do PPA, pois várias ações índice considerado alto (27,7%) em relação à foram aglutinadas durante o exercício de 2003 e urbana (9,1%). O Tribunal de Contas da União consolidadas na Lei Orçamentária Anual - LOA - TCU, em maio deste ano, determinou que o de 2004. Este é um programa típico de adminisIncra articule ações junto ao Ministério da Edutrações que vão definindo suas metas no procescação para ampliar as metas so e sob pressão da demanda da sociedade civil. de educação nos assentaPor isso, temos neste caso específico ações que Somente para as mentos. constam no PLDO/2005 e na LOA/2004, mas ações do Programa não constam no PPA 2004/2007 (TransferênTransferência de cia de renda diretamente às famílias em condiSegurança Alimentar Renda com Condicionalidades ção de pobreza e extrema pobreza); que consNo PLDO para 2005 poforam destinados tam na LOA/2004 e no PPA 2004/2007, mas demos destacar quatro proR$ 31,9 bilhões, o não constam no PLDO/2005 (Transferência de gramas que tratam especialque representa renda básica diretamente a famílias em situa95,09% do total ção de pobreza extrema para melhoria da segumente sobre segurança alidestes recursos e rança alimentar nutricional; Transferência vamentar e nutricional. Os proexplica a grande riável de renda diretamente a famílias com crigramas são os seguintes: Abasconcentração de anças de 7 a 15 Anos e a Transferência variável tecimento Agroalimentar; recursos na ação de renda diretamente às famílias beneficiárias Acesso à Alimentação; Rede do Bolsa-Família. de outros auxílios similares extintos); que consSolidária de Restaurantes Potam somente no PPA 2004/2007 (Serviços de pulares; Transferência de concessão, manutenção e cessação dos benefícios Renda com Condicionalidades11. de transferência direta de renda e a ação Auxílio Os programas podem ser classificados a partir à família na condição de pobreza extrema, com de suas ações: emergencial e estrutural. Temos três crianças de idade entre 0 e 6 anos, para Melhoria de caráter emergencial (Acesso à Alimentação; das condições de saúde e combate às carências Rede Solidária de Restaurantes Populares; Transnutricionais). Esta situação indica que o governo ferência de Renda com Condicionalidades) e um está — usando uma metáfora ao gosto do Planalestrutural (Abastecimento Agroalimentar). Dos to — trocando os pneus com o carro em moviprogramas citados acima, o orçamento previsto no mento, ou seja, está criando ações para fazer frenPPA para as ações definidas como prioritárias, no te às situações emergenciais. Esse procedimento âmbito da Segurança Alimentar, somam R$ 33,5 dificulta não só a análise, mas as organizações da bilhões. Mas, somente para as ações do Programa sociedade de exercerem o papel de controladores Transferência de Renda com Condicionalidades dos recursos e das políticas públicas. foram destinados R$ 31,9 bilhões, o que repre11 As ações destes programas podem ser acessadas no site www.inesc.org.br

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Para as duas ações prioritárias do Programa Para as ações do Programa Acesso à AlimentaAbastecimento Agroalimentar (Aquisição de alição, no PPA, foram destinados R$ 483,6 milhões. mentos provenientes da agricultura familiar e No Orçamento de 2004, este programa recebeu Operacionalização de estoques estratégicos de R$ 206,8 milhões, o que significa 42,76% do segurança alimentar) foram destinados R$ 1,1 PPA. Neste programa, como nos anteriores, rebilhão, para os quatro anos do PPA, mas no orgistramos o desequilíbrio temporal na programaçamento de 2004 foram autorizados apenas R$ ção — metas físicas — entre o PPA e a LOA, que 149,9 milhões (13,1%). Neste ritmo, o governo projetado ao longo dos três anos de governo polevará pelo menos sete derá ter conseqüências perversas. Notamos, um anos e meio para execuNotamos, igualmente, um desequilíbrio na desequilíbrio na tar os recursos previstos programação financeira entre o PPA e a LOA. programação no PPA. Enquanto o Programa Abastecimento financeira entre o A meta física estipulaAgroalimentar, anteriormente referido, recebeu PPA e a LOA. da no PPA da ação Aqui13,08% dos recursos que estavam previstos no Enquanto o Programa sição de alimentos provePPA, o Programa Acesso à Alimentação receAbastecimento nientes da agricultura fabeu 42,76%! Esta disparidade orçamentária Agroalimentar miliar, do Programa Abaspode ser percebida na maioria dos programas recebeu 13,08% dos tecimento Agroalimentar, elencados no PPA quando contrapostos aos da recursos que visa a aquisição de 2,148 estavam previstos no LOA e aos do PLDO. milhões de toneladas de O Programa Rede Solidária de RestauranPPA, o programa alimentos em quatro anos. Acesso à tes Populares é composto de três ações No PLDO/2005 está esAlimentação (Credenciamento dos restaurantes participantipulada a aquisição de recebeu 42,76%! tes da rede solidária de restaurantes populaapenas 197 mil toneladas res; Capacitação para operacionalização e ges(18,3% do PPA). Para o exercício de 2004, a meta tão de restaurantes populares e Apoio à instalafísica é adquirir 140 mil toneladas (6,5% do ção de restaurantes populares públicos e de PePPA). Se formos generosos e considerarmos que quenas unidades de produção e comercialização o governo, neste ano, consiga atingir a meta estide refeições), mas somente uma foi considerada pulada para 2005, somente em 2008 é que cumprioritária e, portanto, inclusa no PPA e no prirá a meta estipulada no PPA 2004/2007. Se PLDO/2005. formos mais críticos e considerarmos a meta desA meta prevista para a ação Apoio à instalação te ano como a mais realista, a meta do PPA seria de restaurantes populares públicos e de Pequeatingida somente em 2015. nas unidades de produção e comercialização de Outra distorção é notada na meta da ação refeições no PPA é de instalar 470 restaurantes. Operacionalização de estoques estratégicos de sePara 2005 a previsão é de instalar 55 estabelecigurança alimentar, que prevê a movimentação de mentos (11,7% do PPA). Se mantida a meta ao um milhão de toneladas no PPA e no PLDO/2005 longo do tempo, o governo precisará de oito anos propõe-se a operacionalizar apenas 197 mil (18,3% e meio para atingir a meta do PPA. Em 2004, do PPA). Neste ritmo a meta será atingida em cinco para esta ação, foi autorizado um orçamento de anos. Nesse caso, ou aumenta-se a aquisição, ou diR$ 4,9 milhões, com a previsão de instalar 40 minuem-se as metas de operacionalização, ou amestabelecimentos (8,51% do PPA), mas não há plia-se o mandato presidencial. meta física específica. junho de 2004

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Associados aos programas de segurança aliA Política Indigenista mentar estão os de biossegurança. No PLDO, para 2005, há um único programa: o de As prioridades e metas contidas no projeto de Biotecnologia, composto por seis projetos. As lei que dispõe sobre as diretrizes para a elaborametas físicas contidas na PLDO/2005 represenção da Lei Orçamentária de 2005 tornam difícil tam 15,20% do total de metas planejadas no crer que, no próximo ano, as coisas serão difePPA. Em termos orçamentários, há uma previrentes para os povos indígenas, e menos ainda que são de destinação de R$ 126,1 milhões para esserão melhores. tas ações no PPA, enquanNo PPA 2004/2007, o orçamento da polítito na LOA/2004 o monAs prioridades e ca indigenista do Governo Federal está concentante autorizado é de R$ metas contidas no trado em dois programas: o intitulado Identi27,9 milhões. Em relação projeto de lei que dade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos à meta física, cabe o exemdispõe sobre as Indígenas, que ambiciona “garantir o pleno plo do Projeto Fomento a diretrizes para a exercício dos direitos sociais dos índios e a preelaboração da Lei servação do patrimônio cultural das sociedaProjetos Institucionais para Orçamentária de des indígenas”; e o denominado Proteção de Pesquisa do Setor de 2005 tornam difícil Terras Indígenas, Gestão Territorial e Biotecnologia. Está previsto apoio a 24 projetos em crer que, no próximo Etnodesenvolvimento, com o não menos amano, as coisas serão bicioso objetivo de “garantir e proteger a inte2005, enquanto a meta no diferentes para os PPA é de 192, o que signigridade do patrimônio territorial e ambiental povos indígenas, e fica 12,5% da meta total. das sociedades indígenas”. Além desses programenos ainda que Nesse ritmo, seriam necesmas, existem, ainda, mais duas ações de caráter serão melhores. sários oito anos para cumindigenista: uma no Programa DesenvolvimenPara o exercício de prir o planejado. 2005, o PLDO prevê to Sustentável do Pantanal - Apoio a ações Além da promoção da beneficiar 32.500 socioambientais em terras indígenas na Bacia biotecnologia, o Governo alunos indígenas a do Alto Paraguai - e outra - Ampliação de ações vai investir em novas um custo ainda a ser de saneamento básico em aldeias indígenas -, tecnologias que afetam a estipulado na LOA - no Programa Saneamento Rural. No total, são segurança alimentar. Para o Lei Orçamentária 45 projetos e ações, incluídas as que se destiPrograma Desenvolvimento Anual. nam à gestão e à administração dos programas. da Nanociência e da Ocorre que somente uma ação, a de Apoio Nanotecnologia, listado entre os programas ao ensino fundamental escolar indígena, de resprioritários no PPA, estão previstos recursos de ponsabilidade do Ministério da Educação, foi inR$ 45,2 milhões. A realização das metas físicas cluída como uma ação prioritária em 2005. Para nos dois projetos do PLDO/2005 representa o período de 2004/2007, esta ação prevê o 2,45% do total de metas do PPA. Por exemplo, beneficiamento de 260 mil alunos indígenas a no projeto Implantação de Laboratórios e Redes um “custo total” de R$ 4,6 milhões. Para o exerde Nanotecnologia há previsão de cício de 2005, o PLDO prevê beneficiar 32.500 implementação de três laboratórios, quando no alunos indígenas a um custo ainda a ser estipulaPPA a meta total é de 320 unidades. Para este do na LOA - Lei Orçamentária Anual. ano foram autorizados R$ 4,6 milhões. Meta fíNa prática, a inclusão de uma única ação no sica para 2004, 40 laboratórios implantados. campo das prioridades do governo em 2005 pode 12

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significar muitas coisas. Pode significar que as demais 44 ações não são prioridade do governo; que poderão receber ou não recursos em 2005, ou ainda, que poderão receber um montante meramente simbólico, sem qualquer capacidade de provocar mudanças estruturais. O fato de uma dada ação ser prioridade no PLDO não significa que as demais ações e programas ficarão de fora do orçamento de 2005. Significa, antes, que, no caso de cortes ou contingenciamentos no orçamento de 2005, as consideradas prioritárias — que, portanto, têm uma ou mais metas associadas Dos 44 programas —, em tese, serão as últique compõem a mas a serem afetadas. Pensando no âmbito das seleção realizada no ações de responsabilidade do Inesc para realizar o Ministério da Educação pre- acompanhamento do que chamamos de vistas no PPA 2004/2007, orçamento será que a capacitação de socioambiental do professores para a educação PPA 2004/2007, fundamental indígena e o apoio à distribuição de ma- apenas 11 aparecem terial didático para a educa- no PLDO/2005 como prioritários para o ção indígena não são igualGoverno Federal. mente prioritárias? E as ações relacionadas com o reconhecimento dos territórios indígenas — como as identificações, as revisões, os processos demarcatórios e as regularizações fundiárias? E as ações de fiscalização e garantia da integridade física das terras indígenas? Não serão priorizadas no próximo ano? E o anúncio do Governo de que até o final de 2006 todas as terras indígenas estarão demarcadas?12 E as ações relacionadas com o fo-

mento e o apoio aos projetos indígenas de autosustentação, segurança alimentar e geração de renda? Será muito pouco, para não dizer lamentável, se o governo federal restringir seu campo de ação na distribuição de cestas básicas e bolsas família13. Ou o movimento indígena organizado e as entidades de apoio e parlamentares aliados no Congresso Nacional se mobilizam urgentemente para reverter este processo, pressionando e apresentando emendas, ou se passará mais um ano chorando o leite derramado e ouvindo que governar é difícil, especialmente quando não há dinheiro. O que falta mesmo é vontade política. Para finalizar, gostaria de ressaltar que, até 28 de maio deste ano, nada ainda foi feito para realizar a ação escolhida como prioridade para a política indigenista no PLDO/2005, o Apoio ao ensino fundamental escolar indígena, que tem como meta beneficiar 32.500 alunos em 2004, de um montante autorizado de R$ 893,8 mil na LOA/2004.

A Política Socioambiental O Projeto de Lei que dispõe sobre as diretrizes e metas para a elaboração da Lei Orçamentária de 2005 inclui 103 programas. Contudo, dos 44 programas que compõem a seleção realizada no Inesc para realizar o acompanhamento do que chamamos de orçamento socioambiental do PPA 2004/2007, apenas 11 aparecem no PLDO/2005 como prioritários para o Governo Federal14. E, das 162 ações que compõem estes 11 programas, apenas 50 foram consideradas prioritárias, sendo que para cada uma delas atri-

12 Ações não incluídas no PLDO 2005: Demarcação e aviventação de terras indígenas; Fiscalização de terras indígenas; Identificação e revisão de terras indígenas; Regularização fundiária de terras indígenas; Proteção de população indígena isolada e de recente contato; Regularização e proteção de terras indígenas na Amazônia Legal - PPTAL. 13 Ações não incluídas no PLDO 2005: Fomento a projetos especiais implementados em terras indígenas; Capacitação de indígenas e técnicos de campo para o desenvolvimento de atividades auto-sustentáveis em terras indígenas; Assistência técnica e extensão rural em áreas indígenas; Conservação e recuperação da biodiversidade em terras indígenas; Fomento às atividades produtivas em áreas indígenas; Gestão ambiental em terras indígenas no Brasil; Fomento a projetos de gestão ambiental dos povos indígenas da Amazônia. 14 São eles: Amazônia Sustentável; Comunidades Tradicionais; Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-árido; Nacional de Atividades Nucleares; Nacional de Florestas; Prevenção de Riscos e Combate às Emergências Ambientais; Prevenção e Combate ao Desmatamento, Queimadas e Incêndios Florestais; Resíduos Sólidos Urbanos; Revitalização de Bacias Hidrográficas em Situação de Vulnerabilidade e Degradação Ambiental; Saneamento Ambiental Urbano; e Saneamento Rural.

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bui-se uma “meta física” específica. Um esclarecimento: o fato de um determinado programa/ ação constituir-se enquanto prioridade no PLDO não significa que os demais ficarão de fora do orçamento de 2005; significa antes que, no caso de cortes ou contingenciamentos no orçamento de 2005, os considerados “prioritários”, em tese, serão os últimos a serem atingidos pela tesoura. Vejamos agora alguns O que mais preocupa mais de perto: é a programação de metas estabelecidas para o exercício de 2005, que quando comparada ao PPA e à LOA de 2004 demonstra que o Governo está adiando a realização efetiva das ações, as quais poderão, na pior das hipóteses, não atingir as metas previstas no PPA.

• No Programa Amazônia Sustentável: das oito ações que constituem este programa no PPA, somente a de Fomento ao manejo florestal na Amazônia está contemplada no PLDO/2005. Tanto na Lei Orçamentária Anual - LOA/2004 quanto no PLDO/ 2005, a meta física estabelecida para esta ação corresponde a 16,67% do total previsto no PPA, totalizando 33,33% no biênio 2004/2005, que se cumprida em sua totalidade neste período, ainda terá, 66,67% do total previsto no PPA não executados no último exercício do atual mandato do Presidente eleito em 2002; • No Programa Comunidades Tradicionais: das oito ações que constituem este programa no PPA, a ação de Gestão e administração do programa não foi contemplada no PLDO/ 2005. Contudo, o que mais preocupa é a programação de metas estabelecidas para o exercício de 2005, que quando comparada ao PPA e à LOA/2004 demonstra que o Governo está adiando a realização efetiva das 14

ações, as quais poderão, na pior das hipóteses, não atingir as metas previstas no PPA. Um exemplo disso diz respeito à ação de Assistência técnica à produção e à comercialização de produtos extrativistas na Amazônia, cuja meta estabelecida no PPA é de assistir a 28.400 produtores. Contudo, a LOA/2004 estabelece como meta o atendimento a 5.600 produtores, enquanto o PLDO/2005 prevê assistência a 6.800 produtores, totalizando 12.400 produtores assistidos no biênio 2004/2005, restando, portanto, aos exercícios de 2006, último ano do Governo Lula, e 2007 a assistência de 16.000 produtores, o que corresponde a 56,34% do total previsto no PPA. As ações de Fomento a projetos de desenvolvimento sustentável de comunidades tradicionais e Gestão ambiental em terras quilombolas apresentam um quadro ainda mais alarmante, pois terão, respectivamente, 81,48% e 62,82% das metas estabelecidas no PPA para serem executadas nos exercícios financeiros de 2006 e 2007, isto se as metas estabelecidas para o exercício de 2004 e previstas para 2005 forem executadas na íntegra. • No Programa Prevenção de Riscos e Combate às Emergências Ambientais, bastante visado pelo setor empresarial pelo fato de ser ligado às obras de “infra-estrutura para o desenvolvimento”, foram mantidas como prioritárias no PLDO/ 2005 cinco das oito ações previstas para o período de 2004/2007. Aqui estão incluídas, por exemplo, as ações de Fiscalização e de licenciamento ambiental, ambas ligadas aos setores de energia elétrica e transporte e à indústria de petróleo e gás, além da ação de Enfrentamento de emergências ambientais e de Implantação de um centro de monitoramento ambiental. Nas ações que dizem respeito ao junho de 2004


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licenciamento ambiental, a meta estabelecida para o exercício de 2005 é de 102 licenças concedidas quando somadas as ações referentes ao Licenciamento ambiental das atividades da indústria de petróleo e gás com as ações de Licenciamento ambiental das atividades dos setores de energia elétrica e transporte. Correspondem a, respectivamente, 11,93% e 10,95%, das estabelecidas para estas A única bacia ações no PPA. Já as mehidrográfica tas programadas para estas ações na LOA/ priorizada com ações específicas é a que 2004 representam, tem por objetivo a respectivamente, revitalização do Rio 10,29% e 12,44%, São Francisco. do total de metas reEstá prevista a lativos a estas ações no recuperação de PPA, o que significa aproximadamente que, em 2006, se os 2.250 ha. de área valores planejados até degradada e o 2005 forem executareflorestamento de dos, ainda deverão ser 250 ha., o que executados 77,78% representa, da programação respectivamente estabelecida no PPA 9,61% e 16,64% das da ação Licencia- metas estabelecidas no PPA. mento ambiental das atividades da indústria de petróleo e gás, e 76,62% da ação de Licenciamento ambiental das atividades dos setores de energia elétrica e transporte. Outro programa priorizado no orçamento socioambiental em 2005 é o denominado Nacional de Florestas. Em março passado, o Governo Federal lançou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal; no PLDO para 2005 foram indicadas como prioritárias 20 ações. Relacionadas diretamente aos objetivos deste Plano distribuídos por cinco programas. Estão inclusos como prioridade, por exemplo, o apoio ao florestamento e ao manejo florestal, a recuperajunho de 2004

ção de 10.000 ha. de área degradada, o extrativismo comunitário sustentável, a manutenção de 1.200 brigadas de prevenção e combate a incêndios, e o monitoramento de processos de desmatamento e queimadas. Em 2005, a única bacia hidrográfica priorizada com ações específicas é a que tem por objetivo a revitalização do Rio São Francisco, que contempla as ações de Recuperação e preservação da Bacia do Rio São Francisco e a de Reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas do São Francisco, e, espera-se que sejam coordenadas. Está prevista a recuperação de aproximadamente 2.250 ha. de área degradada (erosão e outros agravos), que representa 9,61% em relação às metas estabelecidas no PPA e, o reflorestamento de 250 ha. — incluindo nascentes, margens e áreas degradadas —, que constitui 16,64% das metas estabelecidas no PPA. Em relação à região do semi-árido nordestino, o PLDO/2005 contempla a construção de 500 cisternas, o que equivale a 50% das metas programadas para o período de 2004/2007. Feito este breve balanço, não poderíamos deixar de nos perguntar se isto efetivamente sairá do papel. Pois, como demonstrado nas comparações das metas previstas no PPA, na LOA/2004 e no PLDO/2005, verificamos que há, ainda, muito trabalho pela frente. Principalmente se considerarmos que por serem estes instrumentos meramente autorizativos, as metas estabelecidas poderão a qualquer momento sofrer cortes em função da política de superávit primário.

Participaram dessa edição os assessores: Denise Rocha, Edélcio Vigna, Jussara de Goiás, Márcio Pontual e Ricardo Verdum Os assistentes: Álvaro Gerin, Caio Varela e Karen Cope O estagiário: Bruno do Valle Contribuiram: Ivone Maria da Silva Melo, Maria José Moraes e José Pedro Londres Fonseca (voluntário)

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O Controle Social Sobre o Orçamento Público A adoção do conceito de seguridade social no art.194 da Constituição de 1988 constitui uma conquista. É, dentre outros aspectos, proveniente do embate entre a sociedade civil brasileira e o modelo econômico concentrador de renda e centralizador da captação e da distribuição dos recursos públicos, até então, vigente.

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ara tanto, houve a necessidade de adequar o orçamento público ao novo aparato legal. Isso é feito, em parte, pelo § 5º do art. 165 da CF, que determina a desagregação da Lei Orçamentária Anual nos orçamentos fiscal, da seguridade social e de investimento das empresas estatais. O PL n.º 3/2004, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da lei orçamentária de 2005, contempla algumas inovações no que diz respeito à estrutura e à organização dos orçamentos, destacando a que se refere à “segregação dos orçamentos fiscal e da seguridade social”. A exposição de motivos n.º 62/2004 do Ministério do Planejamento, que acompanha o PLDO/2005 destaca que: (i) esta segregação visa a atender a Decisão n.º 1.511/2002, do Tribunal de Contas da União; (ii) não há consenso sobre esta separação devido à “desvantagem de não propiciar uma visão consolidada dos órgãos que executam, ao mesmo tempo, ações do orçamento fiscal e da seguridade social”. De acordo com a Decisão citada, a implementação desta segregação viabilizaria um acompanhamento mais acurado das receitas e despesas da seguridade tanto pelo “Congresso quanto pela Nação”, além de aumentar o grau de transparência das ações do Governo. Isso permitiria um maior controle da aplicação dos recursos públicos, proporcionando a definição das receitas e despesas que se aplicam ao conceito de seguridade. A dificuldade de realizar este acompanhamento é decorrente da ausência de um marco legal que identifique, de forma clara, os órgãos e entidades que têm como função precípua a execução das ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Portanto, a questão em jogo aqui não diz respeito ao mero apartheid tecnicista entre o orçamento da seguridade social e o fiscal, mas ao aumento do grau de controle social sobre o orçamento público. A identificação da esfera orçamentária a que pertence determinada ação, não constitui o maior entra16

ve à transparência e ao controle social, pois elas são classificadas, também, segundo à esfera a que pertencem, através de uma coluna que é preenchida com a letra “F” (orçamento fiscal), “S” (orçamento da seguridade social) e “I” (orçamento de investimento das empresas estatais). Esta identificação não é possível de ser feita para a análise das receitas que irão compor o orçamento de cada esfera. Tal informação é disponibilizada apenas com os dados consolidados dos orçamentos fiscal e da seguridade social, publicada bimestralmente, no Relatório Resumido da Execução Orçamentária, instrumento “básico” que o governo disponibiliza para o controle social. Isso impossibilita à Sociedade Civil de agir em tempo real para propor mudanças. Se, por um lado, esta segregação poderia contribuir para a abertura e a transparência desses dados, por outro, a segregação per se poderá não implicar na resolução destas questões se não for acompanhada de alterações na legislação e nos critérios de classificação do orçamento. O controle social e a busca de uma maior racionalidade e transparência nos gastos públicos constituem parte da missão institucional do INESC. O acesso direto ao Sistema Integrado de Administração Financeira – SIAFI – e ao Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento – SIGPLAN, reiterado em diversas ocasiões às autoridades governamentais — até o momento não atendidas — eliminaria as dificuldades em apurar, não somente o resultado da Seguridade Social, mas, também, permitiria-nos ter as mesmas possibilidades de realizar o acompanhamento e o controle da execução orçamentária com dados mais atualizados. Contribuiria para diminuir o apartheid de acesso às informações sobre a execução orçamentária existente entre a Sociedade Civil e o Poder Executivo. Denise Rocha Assessora de Política Fiscal e Orçamentária do INESC. denise@inesc.org.br

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