7 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc • Ano IV • nº 7 • julho de 2005
Dívida social: a que mais aumenta No segundo ano do governo Lula, diante da falta de mudanças estruturais nos rumos da economia, confirma-se um cenário preocupante: a reprise do modelo econômico praticado no país desde 1995, o que impede a implementação da maior parte do programa de governo sob o qual o presidente Lula foi eleito. A contenção sistemática dos gastos públicos continua em vigor, principalmente na área social, com maiores e melhores garantias para os titulares da dívida pública. Para o atendimento destes, não faltarão recursos públicos. As metas de inflação e de superávit primário e a elevada taxa de juros indicam o comprometimento da política econômica com a sustentação do ciclo de financeirização da riqueza no Brasil.
E D I TOR I A L
Prioridade invertida
A
execução do orçamento federal destinado a políticas públicas sociais segue, em 2004, o mesmo padrão do ano anterior: um alto contingenciamento de recursos - de R$ 7,9 bilhões - e um acúmulo de gastos no último mês do ano. As duas questões sinalizam problemas na implementação e no desenvolvimento das políticas sociais. O ano de 2004, o segundo do governo Lula, comprova que o país manteve a opção de desviar os recursos do orçamento para o pagamento da dívida pública, ao invés de investir no resgate da dívida social. Há, portanto, uma inversão de prioridades. O superávit primário superou as expectativas. O índice, previsto para atingir, em 2004, o patamar de 4,25%, chegou a 5,1%. Isso significou, para a União, uma “economia” de R$ 61,13 bilhões, recursos que deixaram de ser aplicados em programas fundamentais para enfrentar as desigualdades sociais. A análise apresentada pelo Inesc visa fortalecer os setores democráticos da sociedade civil, fornecendo subsídios para qualificar o debate, especialmente a discussão sobre as reformas política e orçamentária, caminhos que o país deve trilhar com base em valores como a transparência e a participação popular. As análises apresentadas neste boletim utilizaram como banco de dados tabelas orçamentárias que estão disponíveis no site do Inesc: www.inesc.org.br.
Essa política, além de reduzir a capacidade do Estado de investir, é um instrumento de concentração de renda, pois quem detém a posse dos títulos públicos são os ricos. E é para eles que são transferidas cifras astronômicas, com o pagamento das mais altas taxas de juros do mundo. Segundo Márcio Pochmann1, o maior protagonista do poder do capital financeiro no Brasil foi Fernando Henrique Cardoso, que transferiu anualmente do orçamento público aos ricos a quantia de R$ 71,4 bilhões. Em seguida, vem o governo Sarney, que transferiu R$ 65,5 bilhões. O governo Lula fica em terceiro lugar, pois, até 2004, transferiu, anualmente, R$ 60,8 bilhões aos ricos que detêm a posse dos títulos da dívida pública. O ano de 2004 comprova que ainda não foi dessa vez que o país assistiria à inversão das prioridades: resgatar a dívida social, ao invés de desviar os mais de 70% dos recursos do orçamento para o pagamento da dívida pública. Segundo Márcio Pochmann2, com base nas estimativas dos autores do livro Atlas da Exclusão Social, “o Brasil registrou, em 2004, uma dívida social de R$ 7,2 trilhões, ou seja, quase 10 vezes a atual dívida financeira pública”. Essa transferência de riqueza agudiza a cruel distribuição de renda do país e contribui definitivamente para o aumento da dívida social, pois drena os recursos orçamentários que deveriam se dirigir exatamente para o combate às desigualdades e à pobreza. O boletim orçamento nº 3 do Inesc3, que trazia a execução orçamentária realizada pelo governo federal em 2003, registrava que os números alcançados levaram a um crescimento pífio dos principais 1 2 3
indicadores macroeconômicos. A realidade de 2004 nos mostra uma inversão da trajetória desses mesmos indicadores, como, por exemplo, o Produto Interno Bruto - PIB, o aumento da atividade industrial e a criação de empregos formais. Mas, em comparação com outros períodos históricos, o crescimento verificado em 2004 continua sendo pouco significativo. Esse crescimento, porém, não foi suficiente, nem poderia ser, para combater os graves problemas sociais que afligem a maioria dos homens e mulheres deste país. A reforma agrária não foi feita no ritmo necessário; as crianças e os adolescentes não foram atendidos nos seus mínimos direitos; os compromissos com a defesa dos direitos humanos estão muito aquém do definido pelos fóruns nacionais e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Os problemas do meio ambiente estão ainda sem solução. Não basta crescer, se não se investe o necessário para resgatar a dívida social vigente. Antes de analisarmos mais detidamente a questão da execução orçamentária, é fundamental olharmos para a evolução dos parâmetros macroeconômicos vigentes durante 2004. A trajetória das taxas de juros verificada durante o período foi ascendente, passando de 16,50%, em janeiro, a 17,75% em dezembro. Com relação à inflação, verificou-se uma queda no Índice de Preços ao Consumidor Amplo -IPCA, que se inicia com 7,71% e apresenta, ao final do ano, o resultado de 7,60%. O comportamento do resultado primário superou as expectativas. Programado na Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO - e na Lei Orçamentária Anual – LOA - para atingir, em 2004, o patamar
Pochmann, Marcio – Plutocracia do capital financeiro, in http://agenciacartamaior.uol.com.br/bpletim/imp_boletim.asp?id=1251 – 27/04/2005 Idem. A esquecida dívida social, http://agenciacartamaior.uol.com.br//boletim/imp_boletim.asp?id=1204 – 29/03/2005 Ver: boletim Orçamento nº 3. Primeiro ano do governo Lula: reprise ou ensaio geral, fevereiro de 2004, em www.inesc.org.br
Boletim Orçamento: uma publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc, em parceria com a Fundação Avina. Tiragem: 1.500 exemplares - End: SCS - Qd, 08, Bl B-50 - Salas 431/441 Ed. Venâncio 2000 - CEP. 70.333-970 - Brasília/DF - Brasil - Fone: (61) 3212 0200 - Fax: (61) 3212 0216 - E-mail: protocoloinesc@inesc.org.br - Site: www.inesc.org.br - Conselho Diretor: Caetano Araújo, Eva Faleiros, Fernando Paulino, Gisela de Alencar, Iliana Canoff, Nathalie Beghin, Paulo Calmon, Pe. Virgílio Uchoa, Pr. Ervino Schmidt. Colegiado de Gestão: Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Francisco Sadeck, Jair Barbosa Júnior, Luciana Costa, Márcio Pontual, Ricardo Verdum, Selene Nunes. Assistentes: Álvaro Gerin, Caio Varela, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid// CCFD// Christian Aid// EED// Fastenoffer// Fundação Avina// Fundação Ford// Fundação Heinrich Boll// KNH// Norwegian Church Aid// Novib// Oxfam// Solidaridad. Editora responsável: Luciana Costa.
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Orçamento G ráfico 1
Dívida líquida e superávit primário do Setor Público Consolidado 70 60
55,35 55,77 54,63
52,21
56,51 57,30 56,90 56,60 57,26 57,18 57,01 56,65 55,02 54,83 55,06 54,22 53,29 54,22 54,86 52,40 52,03 51,86 51,14 51,60
50 40 30 20 10 0
6,96
6,73
6,36
6,77
6,03
5,38
5,07
4,90
5,01
5,01
4,96
4,25
5,18
3,93
5,19
6,09
5,63
5,55
5,37
5,61
5,42
5,39
5,28
4,58
3 3 3 4 3 3 4 3 3 4 4 4 4 4 4 4 3 3 4 3 4 4 03 03 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 /0 l/0 l/0 v/ n/ ai ai ut ut ez ez ar ar ov ov ju ju et et br br ev an un un go go ja fe j j f j s s a o n d a o n d m a m a m m
Dívida Líquida
Superávit Primário
Fonte: Banco Central
de 4,25%, atingiu os 5,1% consolidados para o governo federal, estados e municípios. No caso da União, foram “economizados” R$ 61,13 bilhões, que deixaram de ser aplicados em programas fundamentais para enfrentar as desigualdades sociais. É importante refletir sobre o que foi gasto, mas também sobre o que não foi gasto, o que foi esterilizado em nome do pagamento da dívida ou somente para demonstrar confiabilidade aos credores. Apesar de todo esse esforço para diminuir a relação dívida líquida/ PIB, que passou de 57%, em 2003, para 51% no ano de 2004, houve um crescimento no estoque da dívida da ordem de R$ 44 bilhões. A relação dívida líquida/PIB foi reduzida graças ao crescimento do PIB. Segundo dados do IBGE, em 2003 o PIB teve uma variação anual real de 0,54% e, em 2004, de 5,18%. A taxa de ocupação saltou de 88,30% para 90,40%, significando um aumento na geração de empregos formais. O rendimento médio nominal aumentou em 5,34%, de janeiro a dezembro de 2004, passando de R$ 850,00 para R$ 895,404. A indústria também cresceu durante o ano, apresentando patamares recordes. O grau de utilização da capacidade instalada passou de 73% para 74% no último trimestre de 2004. E, no mesmo período, o indicador de situação financeira apresentou um resultado acima da média, algo que não ocorria 4
desde o último trimestre de 2001. Apesar de os parâmetros macroeconômicos apresentarem variações positivas durante o ano de 2004, o que tem permitido aos arautos do Planalto dizerem que o país cresce apesar da alta taxa de juros e do superávit primário, não se pode concluir que o país se desenvolve e ainda que combate a desigualdade e a exclusão social. Um olhar mais atento sobre a aplicação dos recursos orçamentários durante o ano de 2004 e a análise de algumas políticas selecionadas lançam luzes sobre o tamanho do desafio que temos pela frente. Para os movimentos sociais interessados em construir uma sociedade mais justa e igualitária, o acompanhamento da execução orçamentária é fundamental, pois poderá indicar o grau de comprometimento dos governantes com o pagamento da imensa dívida social, por meio do combate às desigualdades, à pobreza e da promoção do desenvolvimento sustentável. Isso porque entendemos que o orçamento público é peça fundamental na política econômica, permitindo ao Estado implementar políticas indutoras de desenvolvimento com equidade, especialmente se considerarmos que, em tempos de contenção de gastos sociais, é fundamental que sejam executados pelo menos os recursos que conseguiram escapar das “economias” para pagamento da dívida pública
Fonte: IBGE - Pesquisa Mensal de Emprego - PME
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É lógico que não nos contentamos com isso. Temos que manter a disputa política por mais recursos para os programas da área social, e também exigir que pelo menos o que se planejou gastar na Lei Orçamentária seja cumprido. Porém, a prática do contingenciamento preventivo, que em 2004 foi de R$ 7,9 bilhões, levou a que se repetisse a distorção verificada em 2003 na execução dos recursos. Também em 2004 verifica-se um alto nível de gastos no último mês do ano. Segundo os dados apresentados pela Câmara dos Deputados5 com base no Sistema Integrado de Administração Financeira - Siafi, no período de 10 de dezembro de 2004 a 15 de janeiro de 2005 tivemos a liquidação de mais de R$ 90 bilhões, cerca de 10% do total liquidado durante o ano. Se tomarmos como exemplo a função Saneamento, temos que, no mesmo período, os valores liquidados vão de 4,38% do total autorizado para 39,58% . Além de ser uma baixíssima execução para um problema tão crucial para as populações das periferias dos grandes centros, é difícil imaginar como foi possível fazer uma aplicação adequada dos recursos no curto período de 45 dias. A tabela 1 mostra como a execução orçamentária não segue um fluxo contínuo, o que certamente facilitaria a gestão dos recursos, permitindo o melhor desenvolvimento e a eficácia de programas e ações. Até o fim do primeiro semestre, mais da metade dos 369 programas estava com sua execução abaixo de 15%. Já no gráfico 2, que mostra o orçamento fechado (com restos a pagar até 10/03/
2005), temos a inversão do verificado no primeiro semestre. Nesse período, mais de 60% dos programas alcançaram uma execução superior a 70%. Porém, se compararmos o que mostra a tabela 1 com a execução orçamentária até o dia 10 de dezembro de 2004, e com o resultado fechado para o ano, temos uma situação no mínimo esdrúxula. O número de programas com execução superior a 90% saltou de 12 para 116, ou seja, subiu de 3,3% para 31,4%. A liberação financeira obedece às necessidades do contingenciamento, da restrição de gastos, e não à lógica de gestão dos programas e das ações. Como já dissemos, existe uma desproporção muito grande com relação aos recursos arrecadados dos cidadãos e cidadãs e aquilo que realmente é destinado à aplicação nas políticas públicas, e também com aquilo que é gasto com a dívida pública. Ou seja, é desproporcional o montante de recursos que volta como serviços públicos prestados pelo governo federal e o que é consumido com a rolagem e com a amortização e o pagamento de juros das dívidas interna e externa. De uma liquidação total de quase R$ 1 trilhão, foram gastos em 2004 mais de 56% na rolagem da dívida pública, e 15% foram aplicados no pagamento de juros e amortizações da mesma dívida. Os 29% restantes se dividem em transferências obrigatórias para estados e municípios e para os outros Poderes Legislativo e Judiciário -, ficando 19% para que o governo federal execute os programas e as ações constantes do Plano Plurianual - PPA 2004/2007.
T abela 1
Execução orçamentária da União de 2004 Percentual por programas % de Execução mais de 90% 70,1 a 90% 50,1 a 70% 30,1 a 50% 15,1 a 30% 0 a 15% TOTAL
Nº deProgramas 12 86 75 90 48 58 369
Em 10.12.2004 % sobre o total 3,25% 23,31% 20,33% 24,39% 13,01% 15,72% 100,00%
Nº de Programas 116 110 77 41 9 16 369
Fechado % sobre o total 31,44% 29,81% 20,87% 11,11% 2,44% 4,34% 100,00%
Fonte: Siafi/STN - Base de Dados: Consultoria de Orçamento / CD e Prodasen
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Base de dados disponível no site da Câmara dos Deputados – Consultoria de Orçamento/CD e Prodasen.
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Orçamento G ráfico 2
Orçamento Geral da União em 2004 - Fechado 19%
56%
15%
8% 2% Financiamento da dívida Despesa realizada pelo Poder Executivo Transferências para Estados, DF e Municípios Serviço das dívidas interna e externa Legislativa, Judiciária e essencial à Justiça Fonte: Siafi/STN - Base de Dados: Consultoria de Orçamento / CD e Prodasen. Elaboração: Inesc
Esses dados reforçam o que já foi dito, ou seja, que é fundamental exigir a inversão de prioridades. A sociedade não pode continuar assistindo calada ao desvio de mais de 70% dos recursos totais do orçamento para a dívida pública. Enquanto a opção política for a de priorizar os compromissos com a dívida, ficará difícil ou até mesmo impossível resgatar a imensa dívida social existente. A situação se torna mais clara ainda se olharmos para as políticas executadas durante o período. Fica evidente a necessidade de uma mudança nos princípios da política econômica adotada. Faltam recursos para cumprir metas estabelecidas, apesar de, na maioria das vezes, termos uma execução razoável dos montantes autorizados no orçamento de 2004. Do total de recursos autorizados na Lei Orçamentária de 2004, 60% foram executados, ficando abaixo da execução de 2003, que foi de mais de 80%. Na tabela 2 (p. 6), podese ver como a execução orçamentária de algumas políticas refletem a situação vista nos grandes números do orçamento de 2004. 6
Reforma agrária, só na pressão O orçamento destinado aos programas-fim da reforma agrária, para 2004, foi de R$ 1,8 bilhão. Denomina-se programa-fim aquele que impacta direta e positivamente os beneficiários. Diferenciam-se dos destinados às áreas administrativas ou meio. O Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA - executou, em 2004, 87,6% do total dos recursos aprovados pelo Congresso Nacional; ou seja, gastou R$ 1,6 bilhão dos R$ 1,8 bilhão disponibilizado para os programas-fim. Mesmo assim, ficou longe de alcançar a meta de assentar 115 mil famílias de trabalhadores rurais. Assentou apenas 36 mil. No final de seu primeiro ano de mandato, em novembro de 2003, o presidente Lula da Silva reafirmou, em eventos promovidos pelas organizações camponesas, que até o fim de seu mandato cumprirá as metas estabelecidas pelo II Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA6.. Após um ano e meio, o governo assentou menos de 60 mil famílias. A apenas 20 meses para encerrar o mandato, falta assentar 400 mil famílias. Os fatores que impediram o governo de alcançar a meta são de ordem econômica e política. A aliança política interna envolvendo a bancada ruralista e o compromisso firmado com o Fundo Monetário Internacional de pagar os juros e a amortização da dívida pública exigem a formação de superávits primários que estão sendo realizados por meio de cortes orçamentários nos programas sociais. O orçamento do MDA para 2005, inicialmente, era de R$ 3,7 bilhões, mas o governo contingenciou R$ 2 bilhões. A mobilização das organizações está pressionando o governo para que libere os recursos, pois os que estão disponibilizados são insuficientes para atingir a meta prevista. Dentre os 11 programas da reforma agrária, o que teve a menor execução orçamentária foi o programa “Paz no Campo”, apesar da tensão na área rural se encontrar em níveis críticos, em especial na
METAS II PNRA - 2003/2006: Meta 1: 400.000 novas famílias assentadas; Meta 2: 500.000 famílias com posses regularizadas; Meta 3: 150.000 famílias beneficiadas pelo Crédito Fundiário; Meta 4: Recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos atuais assentamentos; Meta5: Criar 2.075.000 novos postos permanentes de trabalho no setor reformado; Meta 6: Implementar cadastramento georeferenciado do território nacional e a regularização de 2,2 milhões de imóveis rurais.
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T abela 2
Despesa do governo federal por função 2004 DespesaDespesas por função Segurança Pública Assistência Social Saúde Educação Cultura Urbanismo Habitação Saneamento Gestão Ambiental Organização Agrária Legislativa Judiciária Essencial à Justiça Administração Defesa Nacional Relações Exteriores Previdência Social Trabalho Direitos da Cidadania Ciência e Tecnologia Agricultura Indústria Comércio e Serviços Comunicações Energia Transporte Desporto e Lazer Encargos Especiais TOTAL
Autorizado 3.213.148.017 14.337.482.572 34.414.624.640 15.514.271.978 434.044.436 1.668.810.966 788.744.168 193.422.800 1.561.918.907 2.947.450.629 3.622.955.093 10.647.497.659 2.170.759.686 10.314.069.070 13.891.305.504 1.728.494.467 166.403.725.223 11.297.047.508 662.239.584 2.758.784.795 12.336.628.151 3.813.352.457 2.963.314.434 673.488.697 757.136.336 5.547.156.239 383.716.805 1.163.493.254.426 1.488.538.845.247
Liquidado 2.767.855.746 13.863.295.002 32.972.885.890 14.532.927.063 323.920.554 1.192.707.919 489.399.562 76.549.869 1.193.443.083 2.617.626.861 3.535.512.778 10.530.935.648 2.126.077.659 8.936.536.575 13.573.309.564 1.311.767.171 165.509.439.470 10.706.740.025 550.343.506 2.607.080.734 7.635.751.822 1.548.519.107 2.084.429.012 496.444.548 396.051.933 3.651.548.218 271.419.136 602.675.249.877 908.177.768.334
(em R$)
2003 %Exec. 86,14% 96,69% 95,81% 93,67% 74,63% 71,47% 62,05% 39,58% 76,41% 88,81% 97,59% 98,91% 97,94% 86,64% 97,71% 75,89% 99,46% 94,77% 83,10% 94,50% 61,89% 40,61% 70,34% 73,71% 52,31% 65,83% 70,73% 51,80% 61,01%
Autorizado 3.012.524.406 9.850.088.876 29.874.801.390 15.926.003.064 376.699.835 975.905.680 394.891.344 240.093.764 2.568.720.768 1.715.948.095 3.384.590.967 9.183.688.220 1.495.334.549 8.801.865.208 13.635.835.898 1.295.712.887 155.287.792.003 10.722.018.443 644.439.784 2.274.350.815 9.985.614.621 609.312.446 3.024.005.159 1.034.102.553 4.727.946.420 6.122.818.863 383.100.138 860.352.376.677 1.157.900.582.873
Liquidado 2.563.812.331 8.971.663.314 28.964.638.878 15.162.770.030 246.605.664 365.473.827 130.321.632 62.555.395 1.010.279.986 1.523.836.200 3.277.907.181 8.911.385.937 1.445.531.602 7.848.281.045 12.333.531.255 1.240.879.602 155.076.149.964 10.121.303.636 420.469.549 2.124.704.878 6.934.953.099 468.317.050 2.202.891.553 683.820.020 4.163.176.009 3.249.208.734 170.398.451 654.610.322.262 934.285.189.085
%Exec. 85,11% 91,08% 96,95% 95,21% 65,46% 37,45% 33,00% 26,05% 39,33% 88,80% 96,85% 97,03% 96,67% 89,17% 90,45% 95,77% 99,86% 94,40% 65,25% 93,42% 69,45% 76,86% 72,85% 66,13% 88,05% 53,07% 44,48% 76,09% 80,69%
Fonte: Siafi/STN - Base de Dados: Consultoria de Orçamento/ CD e Prodasen. Elaboração: Inesc % Exec. - Obtido através da divisão da despesa Liquidada pela despesa Autorizada. Representa a parcela percentual da despesa autorizada que que foi gasta. * Os valores foram deflacionados pelo índice de variação dos preços médios medido pelo IPCA/IBGE.
região sul do Estado do Pará. O orçamento desse programa é considerado baixo (R$ 4,5 milhões) em face da grande demanda por segurança existente em várias áreas de conflito do país7, mas ainda assim só foram executados R$ 2,2 milhões (49,5%). Curiosamente, os recursos desse programa para 2005 foram aumentados em 357,3%, saltando de R$ 4,5 milhões para R$ 20,8 milhões. Espera-se que esse aumento não esteja vinculado a uma expectativa pessimista, por parte do governo, de que os conflitos possam se agravar, ou a uma reação frente ao assassinato da irmã Doroty no sul do Pará, onde, de 1995 a 2004, foram assassinadas 7
404 lideranças rurais. Pressupomos que esses recursos serão aplicados em projetos preventivos, que minimizem conflitos. O programa “Conviver”, cujo objetivo é o desenvolvimento integrado e sustentável do semi-árido, recebeu R$ 12,4 milhões e executou R$ 11,1 milhões (89,5%). Para 2005, os recursos saltaram de R$ 12,4 milhões para R$ 112,5 milhões, representando um acréscimo de 886%. A agricultura familiar e a agricultura camponesa nordestina, em especial a do polígono da seca, merece uma atenção especial por parte do governo. Se os produtores de outras regiões se ressentem da queda da ren-
Em 2004, houve 78 tentativas de assassinatos de líderes rurais no Brasil (Conflitos no Campo Brasil , CPT, 2004).
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da familiar, devido à baixa dos preços dos produtos agrícolas e à alta dos juros internos, que impactam a vida dos brasileiros menos capitalizados, aqueles do semi-árido enfrentam as mesmas dificuldades, com o agravante da severidade do clima. O programa “Assentamentos Sustentáveis para Trabalhadores Rurais” é considerado o mais importante, pois engloba as atividades fundamentais para a implementação da reforma agrária no país. Para 2004, o programa recebeu um orçamento de R$ 1,46 bilhão e foi executado R$ 1,33 bilhão (90,66%). Esse programa representa 63% do orçamento total dos programas-fim do MDA, excluídos os recursos destinados à ação de Concessão de Crédito-Instalação às Famílias Assentadas (R$ 296,8 milhões), que é uma operação de crédito no âmbito do Tesouro Nacional. Para 2005, há o problema do contingenciamento de R$ 2 bilhões dos R$ 3,7 bilhões aprovados inicialmente. Assim, o orçamento para 2005 está reduzido a R$ 1,8 bilhão, sendo que para o programa de assentamentos sustentáveis sobraram apenas R$ 988 milhões. Isso representa uma diminuição de recursos da ordem de 15,7%, o que significa uma perda para a reforma agrária de quase R$ 200 milhões. Esses recursos são insuficientes para atingir a meta de assentar 115 mil famílias anualmente, assumida junto aos movimentos camponeses. Até o final de abril, o orçamento de 2005 para a reforma agrária ainda não tinha executado mais que 4% do total. É uma execução abaixo da média para quatro meses de governo, considerando que estamos no terceiro ano e penúltimo ano do mandato do presidente Lula. As manifestações que estão programadas pelos movimentos camponeses logo baterão à porta do Palácio do Planalto e do gabinete do ministro da reforma agrária para cobrar o compromisso de assentar as milhares de famílias que hoje estão acampadas nas beiras das estradas e nas porteiras das propriedades improdutivas, esperando pelas desapropriações. Segurança alimentar e nutricional Há uma dificuldade singular em qualquer tipo de análise de programas que dispõem sobre segurança alimentar e nutricional. Em primeiro lugar, porque não há uma política voltada para as questões de alijulho de 2005
mentação e nutrição. Há programas dispersos e sendo executados por vários órgãos do governo. Isso significa que os programas não estão agrupados e não podem ser acionados por um filtro específico. Por exemplo, se quisermos ter informações sobre um determinado programa isso é possível. Mas não se pode acessar todos os programas que deveriam estar vinculados e promover uma sinergia que otimizaria os recursos neles empregados, nos moldes em que está atualmente formatado o Sistema Integrado de Administração Financeira, o Siafi. É preciso esclarecer que, por segurança alimentar e nutricional, entendemos “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”. (conforme a II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consan - março de 2004). Alguns programas, em 2004, estavam ainda sob a função de Assistência Social. Essa classificação não é a mais indicada, pois entendemos que mistura programas que dispõem sobre alimentação e nutrição com outros que não lhe dizem respeito, tais como resíduos sólidos urbanos ou proteção social à pessoa idosa. O que reivindicamos, como organização da sociedade civil, é que as áreas técnicas do governo promovam esse realinhamento de acordo com as políticas que possam ser institucionalizadas, como é o caso da política de combate à fome e à desnutrição. Esse alinhamento poderia ser conduzido pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar, o Consea. Essa dificuldade de acompanhar a execução orçamentária dos vários programas não impede, entretanto, que a análise seja realizada. Para isso, selecionamos entre os inúmeros programas que impactam diretamente a questão da alimentação e nutrição - como os da Rede Solidária de Restaurantes Populares ou de Acesso à Alimentação -, o programa “Abastecimento Agroalimentar”, por entender que este representa a base de sustentação para os demais programas, além 7
T abela 3
Programa “Abastecimento agroalimentar” LOA 2004 Formação de Estoques Públicos 4.089.000 (t) Produto adquirido Mapa/Conab Orçamento: R$ 1.568.741.421,00 Aquisição de Produtos para Comercialização 34.595 (t) Produto adquirido Mapa/Conab Orçamento: R$ 57.780.374,00 Aquisição de Alimentos provenientes da Agricultura Familiar 140.000 (t) Alimento adquirido Gabinete do Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar Orçamento: R$ 170.000.000,00 Operacionalização de Estoques Estratégicos de Segurança Alimentar 140.000 (t) Alimento adquirido Gabinete do Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar Orçamento: R$ 9.940.000,00
LOA 2005 Formação de Estoques Públicos 4.038.001 (t) Produto adquirido Mapa/Conab Orçamento: R$ 1.985.232.838,00 Aquisição de Produtos para Comercialização 34.595 (t) Produto adquirido Mapa/Conab Orçamento: R$ 57.348.931,00 Aquisição de Alimentos Provenientes Agricultura Familiar 279.837 (t) Alimento adquirido Ministro do Desenvolvimento Social e Fome Orçamento: R$ 198.181.713,00 Operacionalização de Estoques de Segurança Alimentar 150.000 (t) Alimento adquirido Ministro do Desenvolvimento Social e Fome Orçamento: R$ 10.700.000,00
Fonte: Base de Dados da Consultoria de Orçamento/CD e Prodasen. Elaboração: Inesc
de exigir uma soma de recursos muito maior. Enquanto o programa “Abastecimento Agroalimentar” tem um orçamento de R$ 1,8 bilhão para os programas-fim8, os demais não somam R$ 200 milhões. O objetivo do programa “Abastecimento Agroalimentar” é “contribuir para a expansão sustentável por meio da geração de excedentes para a exportação e da atenuação das oscilações de preços recebidos de produtores rurais, e formar e manter estoques estratégicos de produtos agropecuários para a regularidade do abastecimento interno e para a segurança alimentar e nutricional da população brasileira” (Lei Orçamentária Anual 2004, Anexo I, inciso XII). Entre as 11 atividades do programa “Abastecimento Agroalimentar”, selecionamos apenas quatro, como exemplo, para a segurança e soberania alimentar e nutricional do país, conforme mostra a tabela 3. Observa-se, na tabela 3, que não há grandes oscilações entre as metas das atividades previstas para 2004 e para 2005, com exceção do programa “Aquisição de alimentos provenientes da agricultura familiar”, que teve um aumento de meta de cerca de 100%. Nota-se um aumento de recursos, nesses programas, de R$ 1,8 bilhão para R$ 2,25 bilhões. É importante registrar a baixa execução orçamentária dos programas “Formação de estoques públicos”9 e “Aquisição de produtos para comercialização”. 8
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O primeiro executou apenas 33,1% dos recursos disponíveis; ou seja, de R$ 1,5 bilhão, executou R$ 520,1 milhões. O segundo não atingiu 4% de execução orçamentária; isso é, dos R$ 57,7 milhões, gastou apenas R$ 1,9 milhão. Nos outros programas (“Aquisição de alimentos provenientes da agricultura familiar” e “Operacionalização de estoques estratégicos de segurança alimentar”), a execução foi exemplar: de 99,7% e 92,6%, respectivamente. Como há falta de indicadores para medir o impacto dessas atividades sobre a segurança alimentar e nutricional dos beneficiários, podemos apenas deduzir as suas conseqüências. Os dois programas que tiveram uma baixa execução não foram priorizados (tanto a questão dos estoques públicos como a comercialização). Ambos são efetivados pela Companhia Brasileira de Abastecimento, a Conab. A não execução desses programas pode não colocar em risco a questão da soberania e da segurança alimentar do país, mas poderá haver um agravamento da dívida pública, pois, ou haverá importação de produtos agrícolas – em detrimento de setores sensíveis como a agricultura familiar – ou o país terá que recorrer ao mercado internacional (ajuda alimentar). Um ponto positivo é que o governo, ao dobrar a meta de aquisição de produtos da agricultura familiar, está indicando a boa receptividade que o pro-
Não consideramos os programas administrativos e os de equalização de juros geridos pelo Tesouro Nacional. Programas-fim são os que têm impacto direto sobre os beneficiários. Atualmente, o estoque estratégico do país não é suficiente para um mês de crise agrícola.
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grama está obtendo não somente junto ao segmento produtivo beneficiado, mas também junto a outros setores, inclusive internacionais. Pode-se inferir, igualmente, que a aquisição de produtos da agricultura familiar não beneficia somente os produtores familiares, mas igualmente aqueles que vão ingerir alimentos mais saudáveis, como os estudantes que usufruem da merenda escolar e as crianças de creches, entre outros. Partimos do pressuposto de que os produtos familiares recebem menos agrotóxicos do que os convencionais produzidos pelas grandes empresas, e que a compra local pode viabilizar o respeito à dieta alimentar regional e tradicional, restringindo a utilização de produtos massificados. Outra suposição é que os produtores familiares, descapitalizados diante da crise do mercado agrícola, são beneficiados em cascata; ou seja, têm acesso ao mercado; são estimulados a aumentar a produção e a produtividade e, portanto, vão buscar absorver novas tecnologias. Há a possibilidade de nova alavancagem de capital, caso o governo garanta o preço de compra de mercado. A dieta familiar melhora, diante da possibilidade de consumir produtos variados da produção. Com o acréscimo da renda, terão acesso, também, a outros bens de consumo. Por fim, voltamos a insistir na estruturação de uma política de segurança alimentar e nutricional que defina com clareza os seus programas e suas atividades. Essa clareza poderia facilitar o monitoramento, a avaliação e a participação das organizações da sociedade civil na elaboração quer das políticas, dos programas e dos respectivos orçamentos. Para isso, é necessário estabelecer os indicadores para avaliar a implementação e os impactos dessas políticas, além de fortalecer a estrutura física e orçamentária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar - Consea. Criança e Adolescente O Orçamento Criança e Adolescente mensurado pelo Inesc apresentou uma boa execução em 2004, atingindo mais de 90%. Neste boletim, iremos analisar os programas que compõem o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente – FNCA –, que 10
são alvo de deliberação política do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, órgão que conta com a participação da sociedade civil organizada.10. O FNCA apresentou significativa mudança no PPA de revisão. Até 2004, integrava o Fundo parte dos programas “Promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente” e “Segundo Tempo”; mais especificamente, a ação “Apoio a projetos esportivos sociais para a infância e a adolescência”. Esse último programa apresentou 13,3% de execução orçamentária em 2004. A partir de 2005, há a reformulação do FNCA, que passa a abranger, além de parte do programa de “Promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente”, também parte do programa “Atendimento socioeducativo do adolescente em conflito com a lei”. Essa mudança forneceu mais importância à agenda política do Conanda, que agora delibera sobre programas finalísticos voltados a crianças e adolescentes. No programa de “Promoção e Defesa”, a execução orçamentária em 2004 foi considerada baixa, atingindo 56,8% em relação aos valores autorizados. A cargo do FNCA, foram executados 26,5% da parcela desse programa. Se as metas financeiras de 2004 e 2005 fossem cumpridas integralmente, esse programa iria atingir 84% do que foi planejado no Plano Plurianual - PPA. Um ponto a ser destacado é a meta física para a ação “Apoio a serviços de atendimento a crianças e adolescentes sob medidas de proteção”. A meta física sobe de oito mil crianças ou adolescentes atendidos, conforme previsto na Lei Orçamentária Anual - LOA 2004, para 30.500 atendidos na LOA 2005. Se a totalidade dos atendimentos previstos na LOA 2004 e na LOA 2005 ocorrerem, a meta atingida ficaria 12,3% maior que a planejada inicialmente no PPA 2004/2007. Devido à baixa execução no ano de 2004, espera-se que mais importância seja dada a esse programa, apesar do contingenciamento recorde previsto para este ano, de R$ 15,7 bilhões. Dessa maneira, as metas constantes na LOA 2005 são mais difíceis ainda de serem atingidas em comparação com 2004.
São 28 membros, sendo 50% das vagas destinadas a órgãos governamentais e 50% destinadas a organizações da sociedade civil.
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O programa “Atendimento socioeducativo do adolescente em conflito com a lei”, que engloba as ações de atendimento realizadas, por exemplo, pela Febem/SP e pelo Caje/DF, apresenta boa execução orçamentária em 2004, atingindo 81,7%. Isso indica a prioridade do governo fornecida a essa política. Apesar de a ação “Apoio a serviços de atendimento de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e egressos” ter apresentado um crescimento de mais de 500% na meta física em 2005, o financeiro continua apresentando os mesmos patamares de 2004, o que torna impraticável alcançar as metas propostas na Lei Orçamentária Anual - LOA 2005. Se em 2005 tivermos uma execução orçamentária tão boa quanto em 2004, pode-se alcançar mais da metade dos valores financeiros (66,2%) programados no PPA 2004-2007 para esse programa. Acontece que isso ainda não é o suficiente. Apesar da prioridade designada pelo governo, observam-se vários problemas em diversas partes do país no atendimento socioeducativo aos adolescentes em conflito com a lei. A violência praticada contra adolescentes, com mortes e espancamentos nessas instituições; monitores despreparados; adolescentes vivendo em condições subhumanas; e a superlotação nos quartos, que não passam de celas de confinamento, revelam que o modelo adotado tem problemas e que as instituições não dão conta de promover o atendimento socioeducativo a esses adolescentes. Não se trata somente de obter mais recursos para promover o atendimento, e sim de melhorar a qualidade do atendimento nessas instituições. As últimas deliberações do Conanda sobre o assunto refletem a preocupação da sociedade civil brasileira. Foram constatados graves problemas no sistema. A corrupção, bem como a falta de preparo dos funcionários das instituições, demonstram a necessidade de uma intervenção federal para a melhoria do sistema de atendimento socioeducativo. Notas públicas de algumas entidades, como o Conanda e a Fundação Abrinq, já demonstraram isso, inclusive pedindo a extinção da Febem/SP. Há a necessidade de reordenamento do atendimento socioeducativo, e, para tanto, audiências públicas estão sendo demandadas pela sociedade civil organizada para a discussão dos moldes dessa 10
reestruturação. O Congresso Nacional entrou no debate, com a discussão, junto ao Conanda, de um projeto de lei para regulamentar a execução das medidas socioeducativas. Enquanto os governos federal, estaduais e municipais não quiserem enxergar a profundidade do problema e discutir com a sociedade civil esse reordenamento, as notícias de mortes, espancamentos ou rebeliões vão se tornar cada vez mais comuns. O debate sobre a reestruturação do atendimento socioeducativo é o início de uma mobilização que poderá subsidiar a elaboração de uma política nacional para crianças e adolescentes. Política indigenista: balanço orçamentário Se as dotações orçamentárias de um conjunto de 51 ações especialmente selecionadas forem somadas, pode-se dizer que houve um aumento de recursos na área de promoção, defesa e implementação dos direitos indígenas no Brasil no âmbito da Lei Orçamentária Anual- LOA, entre 2004 e 2005. Distribuídas em cinco programas (Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas; Proteção de Terras, Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento; Desenvolvimento Sustentável do Pantanal; Saneamento Rural; e Gestão da Política de Desenvolvimento Agrário), as dotações orçamentárias inicialmente planejadas dessas ações somaram R$ 278,35 milhões na Lei Orçamentária de 2004, e passaram para R$ 325,87 milhões na Lei Orçamentária de 2005. Contudo, quando se analisa o orçamento fechado do ano, sabe-se que os valores executados de grande parte dos programas ficam quase sempre abaixo daquilo que foi inicialmente planejado na Lei Orçamentária. Foi o que aconteceu, em 2004, com a soma das 51 ações. O programa “Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas”, executado conjuntamente pelos ministérios da Justiça, da Saúde, da Educação, dos Esportes e do Desenvolvimento Agrário, inicialmente possuía uma dotação de R$ 186,17 milhões, de acordo com a Lei Orçamentária Anual LOA 2004. Contudo, ao longo de 2004, novas dotações orçamentárias foram acrescentadas e a dotajulho de 2005
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ção autorizada no orçamento fechado de 2004, conforme dados divulgados em 10 de março de 2005, foi de R$ 215,74 milhões. Desse valor autorizado, apenas R$ 201,74 milhões foram liquidados; ou seja, esse programa gastou de fato 93,55% do valor autorizado, equivalente a 8,41% acima do que havia sido aprovado inicialmente na Lei Orçamentária Anual LOA. Já na LOA 2005, a dotação planejada para esse programa é de R$ 226,97 milhões. À luz das inúmeras Em relação ao progradenúncias de baixo ma “Proteção de Terras, desempenho nos Gestão Territorial e serviços de saúde e Etnodesenvolvimento”, dos inúmeros óbitos executado pelos ministéride crianças os da Justiça e do Meio relacionados com Ambiente, planejou-se inidesnutrição, fica a cialmente uma dotação de pergunta: o que está R$ 64,18 milhões na Lei dificultando uma Orçamentária Anual maior eficiência e LOA 2004 e, com os acréseficácia na atuação cimos durante o exercício da Funasa? financeiro, a dotação autorizada chegou a R$ 75,10 milhões. Porém, o montante liquidado de fato ficou abaixo tanto do valor inicialmente planejado como do valor autorizado: R$ 53,15 milhões. Isso representa 70,77% do valor autorizado e 82,81% do planejado na LOA 2004. Já na LOA 2005, para esse programa, planejou-se uma dotação de R$ 66,35 milhões. Em relação às dotações orçamentárias das ações sob a responsabilidade da Funai nesses dois programas, apesar do valor autorizado total ter sido de R$ 90,86 milhões em 2004, somente R$ 73,32 milhões foram liquidados de fato. Isso significa que o valor liquidado ficou acima daquele inicialmente planejado na LOA 2004, que era de R$ 72,26 milhões. Porém, bem abaixo do valor de fato autorizado no orçamento de 2004. As perdas maiores foram nas ações de fiscalização, de fomento e apoio às atividades produtivas, de regularização das terras indígenas e no atendimento das chamadas “ações emergenciais”. Na Lei Orçamentária Anual - LOA 2005, planejou11
se uma dotação de R$ 73,37 milhões para esses dois programas sob a gestão da Funai, onde constata-se que cerca de R$ 3,92 milhões do orçamento de 2005 são fruto de emendas de parlamentares. Quando se analisa a parcela do programa “Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas” que é destinada à atenção da saúde indígena e implementada no âmbito da Fundação Nacional de Saúde - Funasa, constata-se que R$ 178,65 milhões foram liquidados no ano passado, apesar de R$ 186,48 milhões terem sido autorizados no orçamento em 2004 para este programa sob a gestão da Funasa. No orçamento de 2004, houve um reforço nos recursos destinados à gestão e administração do programa, o que é até compreensível se considerarmos as portarias 69 e 70, publicadas no início de 2004, que trouxeram mudanças na forma de gestão do subsistema de saúde indígena do SUS. Houve também um aumento nos recursos destinados às ações de atenção à saúde. Ainda em relação ao programa “Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas”, implementado no âmbito da Funasa, no que diz respeito à ação “estruturação de unidades de saúde”, chama a atenção o fato de que foram liquidados apenas 74,82% dos R$ 7,55 milhões autorizados. Da mesma forma, um baixo desempenho orçamentário vai aparecer também em relação à ação “promoção da educação em saúde”, onde foram gastos R$ 0,32 milhões, correspondente a 38,30% da dotação autorizada em 2004. Se essas informação orçamentárias forem consideradas à luz das inúmeras denúncias de baixo desempenho nos serviços de saúde e dos inúmeros óbitos de crianças relacionados com desnutrição, nos últimos doze meses, fica a pergunta: o que está dificultando uma maior eficiência e eficácia na atuação da Funasa? Quanto à ação “ampliação de ações de saneamento básico em aldeias indígenas”, do programa “Saneamento Rural”, cuja gestão também cabe à Funasa, em 2004 planejou-se beneficiar 877 comunidades, com uma dotação orçamentária de R$ 26 milhões11. Já na Lei Orçamentária Anual - LOA
Nesta ação, estão incluídas iniciativas de esgotamento sanitário, sistema de abastecimento de água, melhorias sanitárias domiciliares e resíduos sólidos.
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2005, para essa mesma ação planejou-se beneficiar 877 comunidades utilizando R$ 31,24 milhões. Contudo, quando se soma o número esperado de comunidades beneficiadas, em 2004 e 2005, chega-se a uma meta de apenas 1.327 comunidades. Essa soma corresponde somente a 37,74% da meta total prevista no Plano Plurianual - PPA 2004/ 2007, onde planejou-se beneficiar 3.508 comunidades indígenas em quatro anos. Apesar de não estar disponível ainda o número de comunidades de fato beneficiadas em 2004, sabe-se que foram liquidados somente R$ 19,32 milhões em 2004, a despeito dos R$ 26 milhões planejados inicialmente na Lei Orçamentária Anual – LOA - terem sido integralmente autorizados; ou seja, apenas 74,33% do valor autorizado em 2004 foi liquidado. Isso posto, desconfia-se da capacidade da Funasa de atingir a meta total proposta no PPA 2004/2007. Ainda no campo das ações de saúde indígena, constata-se que, para a ação “funcionamento do centro especial de assistência do índio”, do programa “Identidade Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos Indígenas”, sob a responsabilidade da Funai, dos R$ 0,28 milhões autorizados no orçamento de 2004, apenas 18,76% foram liquidados. Assim, é quase improvável que a Funai tenha atingido a meta de 1.800 indígenas atendidos, conforme previsão da LOA 2004. Nesse sentido, aguarda-se o desempenho que teremos em 2005, já que a LOA 2005 previu o atendimento de 2.452 indígenas com uma dotação orçamentária de 0,430 milhões. Para terminar esse breve balanço orçamentário 2004/2005 das ações de regularização fundiária e de atenção à saúde indígena, chamamos a atenção do leitor, especialmente o indígena, para a importância e a urgência de serem criadas as condições legais, institucionais e políticas para o efetivo exercício do controle social indígena sobre os programas e recursos destinados aos povos indígenas no Brasil. A criação de um núcleo de monitoramento e avaliação vinculado, por exemplo, à representação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - Coiab, em Brasília, poderia ser o primeiro passo nesse sentido. A isso, associaríamos a necessidade desse núcleo estar articulado 12
com as organizações indígenas regionais e locais, de forma a estabelecer um fluxo de informações em rede. Além de fortalecer os laços institucionais internos do movimento, iniciativas dessa natureza provavelmente promoveriam maior visibilidade e transparência às políticas públicas e uma maior capacidade indígena de intervenção política integrada nos âmbitos local, regional e nacional. Os Direitos humanos em 2004 O Programa Nacional de Direitos Humanos II – PNDH II, resultado de ampla consulta pública, por meio de audiências e conferências, sofreu várias alterações devido ao novo Plano Plurianual - PPA 2004/2007. Desde a sua concepção, o PNDH II se baseia nos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais – Dhesc -, motivo pelo qual sua composição é muito abrangente, incluindo áreas como saúde, gênero, educação, criança e adolescente, cultura, entre outras. Cerca de 30 programas foram cancelados ou substituídos por outros de nomenclatura diferente. Até o momento, a Secretaria de Direitos Humanos não se manifestou com relação às alterações feitas, nem sobre quais programas e ações continuam integrando o PNDH II. Acrescente-se ainda que a 9ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, a primeira em que o governo federal participou como organizador, anunciando o caráter deliberativo da mesma, não produziu os efeitos esperados. Passado praticamente um ano da realização da Conferência, seu relatório não foi divulgado para o monitoramento das decisões tomadas naquela ocasião. Em janeiro de 2005, a Secretaria Especial de Direitos Humanos realizou reunião onde apresentou suas oito prioridades para 2005-2006, sem apresentar qualquer vínculo com as “deliberações” da 9ª Conferência, e desconsiderando um processo histórico e consolidado de parceira com a sociedade civil e o Poder Legislativo. Em diversos momentos, a Secretaria Especial de Direitos Humanos foi questionada sobre o PNDH II e a resposta sempre foi a de que o mesmo estava desatualizado e necessitava de nova revisão. Este julho de 2005
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plano apresenta falhas, já identificadas pela sociedade civil organizada que milita nesta área. O fato de não termos a atualização do PNDH II e nem um novo Plano Nacional de Direitos Humanos coloca uma questão importante: qual é a política de direitos humanos adotada pelo governo e sobre a qual se deve debruçar para fazer as análises? Mais confusa fica ainda uma possível análise da execução orçamentária das ações governamentais da área. Para efeito deste boletim, optou-se por verificar os gastos de programas e ações previstos para serem executados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos - SEDH. A Secretaria apresentou uma execução orçamentária de 75,32% do valor total dos recursos autorizados para o ano de 2004. Os programas que apresentaram menor execução orçamentária foram: “Direitos Humanos, Direitos de Todos”, com 55,92% de execução; “Erradicação do Trabalho Infantil”, com 63,14%; e “Promoção e Defesa e dos Direitos de Pessoas com Deficiências”, com 59,55%. As perspectivas para 2005 não são das melhores, até porque, segundo a SEDH, nenhum desses eixos entrou nas prioridades para o biênio 20052006. Esse posicionamento é no mínimo contraditório com o discurso do governo que prioriza a questão dos direitos humanos. O programa “Direitos Humanos, Direitos de Todos” executou R$ 79 milhões dos R$ 92 milhões autorizados em 2004, sendo R$ 5,34 milhões por meio da SEDH, R$ 1,92 milhão pelo Ministério da Assistência Social e R$ 72,20 milhões pelo Ministério do Planejamento, que destinou o total de seus recursos à ação “Indenização a Anistiados Políticos”. Assim, esta ação consumiu 90,79% dos recursos do programa. A Lei Orçamentária Anual LOA - de 2005 indica que o programa possui uma dotação inicial de R$ 317 milhões, bem acima dos R$ 43 milhões previstos inicialmente na LOA de 2004. A importante ação “Indenização a Anistiados Políticos” obteve um aumento de 859,18%, saltando de R$ 34 milhões na LOA de 2004 para R$ 300 milhões na LOA de 2005. Destes R$ 300 milhões, R$ 127 milhões foram destinados ao Ministério do Planejamento, para a indenização a anisjulho de 2005
tiados políticos civis, e R$ 173 milhões ao Ministério da Defesa, para a indenização a anistiados políticos militares. Os recursos destinados à SEDH passaram de iniciais R$ 6 milhões para R$ 17 milhões, de 2004 para 2005. Mesmo considerando a importância de maior repasse para o resgate da dívida com os injustiçados da ditadura militar, cabe questionar como o governo federal pretende efetivar a execução das outras ações constantes nesse programa. A ação “Disque Direitos Humanos”, que faz parte do programa “Direitos Humanos, Direitos de Todos”, previa, em 2004, o atendimento de 5 mil denúncias, ao custo de R$ 690 mil. Na LOA de 2005, está previsto o atendimento de apenas 361 denúncias, ao custo de R$ 50 mil, sendo que a meta para o Plano Plurianual – PPA - é de 21.270 denúncias encaminhadas. Ou seja, em 2004 e 2005 há a previsão de cumprir 25,20% da meta estipulada. Mas é improvável que a Secretaria cumpra essa meta, tendo em vista que este serviço está suspenso pela própria Secretaria há alguns meses. Assim, além da indefinição de uma política governamental de direitos humanos, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a política de contenção de gastos, de prioridade para o pagamento da dívida pública, atinge diretamente a execução de ações governamentais voltadas para a superação da desigualdade e para a inclusão social, numa perspectiva dos direitos humanos. Os recursos naturais e a globalização comercial Vivemos em tempos de acelerada globalização das relações comerciais, onde o acesso aos recursos naturais é cada vez mais uma questão de poder e de soberania, seja de uma comunidade local indígena ou quilombola, seja de um país em relação a outros. Acelera-se também a pressão e diversificam-se as estratégias de liberalização de regras e mecanismos de acesso aos recursos naturais, de forma a permitir sua incorporação nos circuitos comerciais de mercados regional e mundial. De outro lado, encontramo-nos em meio a um complexo e não-linear processo de disputas em torno do 13
significado e, principalmente, da forma de realizar na prática a chamada “redução da pobreza” e o almejado “desenvolvimento com sustentabilidade ambiental”. Um processo onde interagem atores sociais e políticos situados em diferentes níveis e setores da estrutura políticoadministrativa dos Estados nacionais, em corporações industriais e comerciais, igrejas, organizações não-governamentais nacionais e internacionais, representações acadêmicas, movimentos sociais e comunidades locais, Atualmente, entre outros, com pontos de desenrola-se um vista e interesses diversos. processo de reuniões É nesse contexto que o interministeriais, tema dos chamados “bens visando à construção e serviços ambientais” gade uma posição nha uma relevância cresbrasileira sobre “bens cente nos cenários nacioe serviços nal, regional e internacioambientais”, posição a nal. A título de exemplo, ser levada aos debates nas negociações multilateque ocorrerão até a rais da Organização MunReunião Ministerial de dial do Comércio - OMC, Hong Kong, em a Declaração Ministerial dezembro de 2005 de Doha (ou “Agenda do Desenvolvimento”), há a menção, no parágrafo 31, à importância e à necessidade de “redução ou (...) eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias aos bens e serviços ambientais”. Existe na OMC um foro especialmente criado para tratar desse tema: o Comitê de Comércio e Meio Ambiente - CTE, que trata também, por exemplo, dos efeitos ambientais do acesso a mercados, do Acordo de propriedade Intelectual -Trips, da rotulagem ambiental e da assistência técnica. No âmbito do governo federal, aparentemente falta uma avaliação desse mercado e do seu potencial para apoiar uma posição negociadora de definição de bens e serviços ambientais, assim como uma política para o desenvolvimento nacional desse setor12. Atualmente, desenrola-se um processo de reuniões interministeriais envolvendo representações de entidades não-governamentais e movimentos soci12
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ais, do setor financeiro e de prestadores de serviços ambientais, visando à construção de uma posição brasileira sobre “bens e serviços ambientais”, posição a ser levada aos debates e às mesas de negociação comercial que ocorrerão até a Reunião Ministerial de Hong Kong, em dezembro de 200513. No âmbito do Mercosul, também busca-se estabelecer posições unificadas que viabilizem uma ação conjunta, enquanto bloco regional, na apresentação e defesa de interesses sobre o tema. A partir desse contexto, pretendemos examinar um programa específico do Plano Plurianual - PPA 2004/2007, que muito poderia contribuir e se beneficiar dessas discussões e de seus resultados. Trata-se do Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural na Amazônia - Proambiente. Esse programa surgiu, originalmente, como uma proposta alternativa ao Fundo Constitucional de Financiamento do Norte – FNO, feita pelas Federações dos Trabalhadores na Agricultura – Fetag dos nove estados que compõem a Amazônia brasileira. A proposta foi apresentada pela primeira vez no “Grito da Amazônia 2000”, com o objetivo de introduzir a discussão sobre a necessidade da criação de um mecanismo de crédito baseado na noção de “prestação de serviços ambientais”, no âmbito das políticas públicas para a Amazônia. A idéia teve a frente entidades da sociedade civil como o Grupo de Trabalho Amazônico - GTA, a Coordenação de Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira -Coiab, o Movimento Nacional dos Pescadores - Monape, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag, o Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura - Fetagri e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Rondônia - Fetagro, e as organizações não-governamentais Fase e Instituto de Pesquisas da Amazônia - Ipam, entre outras. A proposta foi encampada pelo Ministério do Meio Ambiente - MMA, que fortaleceu as articulações e apoiou as consultas regionais destinadas à
Ver documento “Base conceitual para uma política de negociação de comércio de bens e serviços ambientais”, elaborado pela Diretoria de Economia e Meio Ambiente – Dema - do MMA. No início de abril, foi realizada, na cidade de Foz do Iguaçu/PR, uma primeira reunião do Subgrupo de Trabalho 6 (SGT 6) do Mercosul, com essa finalidade.
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Orçamento
elaboração de uma proposta consistente ao governo federal, o que ocorreu em 2003. Finalmente, em 2004, o Proambiente foi incorporado como um programa específico no PPA 2004/2007, contando com o apoio do governo da Holanda e da agência britânica de cooperação internacional DFID. Faz parte do programa a criação de um “fundo de serviço socioambiental” destinado a cobrir os custos e a remunerar os serviços ambientais prestados pelos É urgente que o agricultores familiares orgoverno concretize e ganizados coletivamente amplie o Proambiente em 12 “pólos pioneiros”, como uma política de com cerca de 500 famílias desenvolvimento cada. Esse é o componensocioambiental para a te que vem apresentando produção familiar maiores problemas de efetivação, especialmente devido à resistência dos agentes financeiros que atuam no mercado de carbono. Faz parte do programa a constituição de uma rede de assistência técnica e de monitoramento que garanta e certifique o serviço prestado e o direito de acesso aos recursos financeiros destinados à remuneração do produtor e da coletividade pelo serviço ambiental prestado à sociedade. O Proambiente é executado sob a coordenação da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Sustentável – SDS - do Ministério do Meio Ambiente, que compartilha com a Secretaria de Coordenação da Amazônia e a Secretaria Executiva do MMA e a Embrapa/Mapa a responsabilidade pelo conjunto das ações programadas. Em termos orçamentários, o programa teve autorizados, em 2004, cerca de R$ 4,20 milhões para as oito ações estabelecidas. Para 2005, foi autorizado um montante 23% maior, com um aumento considerável para as atividades relacionadas com a formação dos conselhos gestores dos pólos: foi autorizado para essas atividades, em 2005, R$ 1,43 milhão. As atividades de apoio à elaboração e implementação dos projetos dos “pólos pioneiros” também tiveram um aumento dos recursos autorizados, passando de R$ 750 mil, em 2004, para R$ 1,12 milhão em 2005. Infelizmente, parece que as esperanças e energias postas pelos agricultores familiares da Amazôjulho de 2005
nia na elaboração e no início da implementação do programa não vêm sendo correspondidas pelo governo federal, ao menos no que se refere à eficiência e efetividade esperada. Isso é o que se depreende da VI Assembléia Geral do Grupo de Trabalho Amazônico - GTA, realizada em março passado, que concluiu que os/as agricultores, extrativistas, pescadores artesanais, indígenas, ribeirinhos e quilombolas continuam a enfrentar no governo Lula “velhos problemas para a realização de uma produção sustentável, como a burocracia para o acesso ao crédito, a carência e inadequação da assistência técnica e das pesquisas de ciência e tecnologia às especificidades das populações e dos ecossistemas amazônicos”. Para os delegados e delegadas presentes, “é urgente que o governo concretize e amplie o Proambiente como uma política de desenvolvimento socioambiental para a produção familiar, que articule a assistência técnica, o financiamento e a remuneração dos serviços socioambientais gerados por esses segmentos produtivos”. Para finalizar, não poderíamos deixar de registrar nossa expectativa em relação à atuação dos negociadores governamentais nas discussões e negociações em torno dos “bens e serviços ambientais”, ou seja, que sua atuação não fique restrita aos interesses das corporações nacionais e internacionais dos setores financeiros, das empreiteiras da área dos serviços ambientas – como o de saneamento, por exemplo - e do agronegócio, que atuam como pesos pesados nas negociações em curso. Que eles não se esqueçam daqueles milhões de brasileiros e brasileiras que votaram por um Brasil social e economicamente mais equânime. Participaram desta edição os assessores Edélcio Vigna, Eliana Graça, Francisco Sadeck, Ricardo Verdum; os assistentes Álvaro Gerin, Caio Varela, Lucídio Bicalho; e o estagiário Bruno do Valle
* As tabelas orçamentárias utilizadas para a elaboração deste boletim estão disponíveis no site do Inesc: www.inesc.org.br
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Falência do orçamento: onde está a saída? O sistema de alocação de recursos públicos está falido. Há desequilíbrio na relação entre Executivo e Legislativo; apropriação individual por razões políticas ou financeiras; pouca integração entre planejamento e orçamento; e níveis insuficientes de transparência e controle social. Num regime republicano e democrático, é essencial a preservação de uma relação equilibrada entre os Poderes, o que não é possível se o Legislativo renuncia tacitamente à sua função de opinar sobre o orçamento na sua totalidade. Pode-se dizer que há dois orçamentos: um que interessa ao Executivo – a proposta orçamentária enviada -, outro que interessa ao Legislativo – as emendas. A Pode-se dizer que há pergunta relevante é o quandois orçamentos: um to os dois orçamentos atenque interessa ao dem ao interesse público. Executivo – a proposta Tampouco há garantia orçamentária enviada –, de execução orçamentária. O debate no Congresso Na- outro que interessa ao Legislativo – as cional permanece dissociaemendas. A pergunta do das questões de política relevante é o quanto econômica, enquanto a sanha contingenciadora do os dois orçamentos Executivo demonstra não atendem ao interesse ter limites; ultrapassa a prepúblico visão legal e dilapida políticas sociais, sem o menor constrangimento, para promover superávits primários recordes, estes de eficiência duvidosa, diante do aumento das taxas de juros. O contingenciamento preventivo serve à utilização da liberação de emendas parlamentares como moeda de troca, atendendo a conveniências do governo e, freqüentemente, coincidindo com votações de seu interesse. Não há detalhamento por estado e município, impedindo que se saiba onde são gastos os recursos. Na execução financeira e no contingenciamento, os cortes são realizados por ministério ou órgão, e não por programa, subvertendo toda a lógica que teria orientado as políticas públicas. Esses procedimentos deixam muitas dúvidas sobre os critérios técnicos da alocação de recursos públicos e abrem margem para todo tipo de negociação política utilizando as alocações e liberações. Falta transparência. 16
A Reforma Orçamentária não terá a capacidade de, sozinha, alterar esse quadro. O atual sistema político-partidário faz com que prevaleça, na composição do Congresso Nacional, a representação individual. Para garantir sua sobrevivência política, uma parte dos parlamentares dá curso a uma agenda de cunho paroquial, que também não atende ao interesse público. Seria preciso que os partidos fossem mais fortes e ideologicamente mais definidos – uma missão para a Reforma Política – para que as emendas ao orçamento pudessem ser também mais representativas dos anseios da sociedade. É preciso, no entanto, fazer na Reforma Orçamentária os avanços possíveis e, acima de tudo, evitar retrocessos. Consideramos um retrocesso a eventual aprovação do orçamento impositivo que vise acomodar interesses eleitoreiros de alguns parlamentares e facilitar a liberação de emendas pessoais, em vez de assegurar a execução das políticas públicas universais. Se as regras atuais não atendem à sociedade civil, tampouco essas atenderiam. A distribuição de poder nos Comitês e nas Comissões Temáticas permanentes reduz o espaço para a corrupção e favorece a discussão de mérito em lugar mais adequado. Não parece razoável, nem coerente, que as emendas individuais sejam aumentadas para trinta, enquanto as de comissão são reduzidas. O exercício da democracia também não deve resumir-se à atuação dos representantes eleitos. Audiências públicas devem incorporar a participação direta da sociedade civil, tanto na fase de discussão do Plano Plurianual - PPA, da Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e da Lei Orçamentária Anual - LOA, como na fase de monitoramento da execução orçamentária. Por fim, é mesmo fundamental que sejam adotados critérios públicos para a distribuição dos recursos, seja no orçamento proposto pelo Executivo, seja nas emendas parlamentares, de modo a tornar pública a localidade onde está sendo realizada uma despesa ou que é beneficiada por uma transferência, o que exigirá um verdadeiro choque de transparência. Para tanto, a Comissão Mista Especial de Reestruturação do Processo Orçamentário não pode ficar restrita às questões regimentais. Selene Peres Peres Nunes Assessora de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc
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