Boletim Orcamento Socioambiental 17

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17 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc

E D I TOR I A L

Perdas e danos

C

riada em agosto de 2000, a Iniciativa para Integração da Infra-Estrutura Regional SulAmericana (IIRSA) completa seis anos em plena fase de implementação e assusta pelos riscos que pode representar para a América do Sul, especialmente nos aspectos cultural e socioambiental. A maior ameaça reside no fato de que a integração proposta pela IIRSA, e também pelos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (Enid), tem como objetivo principal a convergência comercial e econômica. Ou seja, prioriza a integração de mercados para tornar a região mais competitiva do ponto de vista da lógica da globalização capitalista, uma lógica que perpetua desigualdades e promove exclusões. Esta publicação pretende alertar para os perigos que pairam sobre a região. No Brasil, uma das preocupações é com a Amazônia, território cobiçado pela estratégia IIRSA. Estudo feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apresentado nesta edição, indica as obras planejadas pela IIRSA que têm destinação de verbas na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2006. Certamente, é fundamental o engajamento das organizações da sociedade civil, no sentido de exercer o controle social sobre a iniciativa que está em curso. Esse é um passo importante para evitar que a IIRSA se transforme num processo irreversível de perdas e danos.

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Ano V • nº 17 • setembro de 2006

IIRSA: os riscos da integração Na América Latina, a denominada Iniciativa para Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) parece ser uma clara manifestação da nova ofensiva de setores desenvolvimentistas, que, ao longo dos anos 1990, incorporaram à sua retórica as bandeiras da sustentabilidade ambiental e da inclusão. Há, na IIRSA, uma confluência de pensamentos e interesses articulando setores que, historicamente, seja pela “direita”, seja pela “esquerda”, associaram a idéia de desenvolvimento às idéias de transformações sociais, políticas e tecnológicas em direção a uma economia


industrial e modernizada; de crescimento econômico; e de integração de territórios, recursos naturais e populações no sistema produtor de mercadorias. Acena-se, complementarmente, com uma melhora na qualidade de vida das populações, particularmente da parcela identificada como a mais pobre. A IIRSA, na verdade, é um espaço de inúmeras disputas e controvérsias que muito pouco tem a ver com os supostos benefícios aos pobres, o que A IIRSA, na verdade, é um espaço de não é nenhuma novidade considerando os interes- inúmeras disputas e controvérsias que ses políticos e econômicos muito pouco tem a envolvidos e o montante de recursos financeiros ver com os supostos benefícios aos circulantes. No interior pobres da Comunidade SulAmericana de Nações (Casa), que integra os governos dos 12 países que participam da IIRSA, há diferentes projetos de hegemonia política e ideológica em disputa, como entre os governos brasileiro e venezuelano, entrelaçados com interesses empresariais, com rebatimento nas prioridades e no controle da estratégia de integração das infra-estruturas. Quem decide o quê e como? Qual projeto deve ser priorizado? Quem financia o quê? Que empresa ou consórcio fica com qual pedaço da carteira de projetos? Qual obra deve receber financiamento público? Que benefícios o setor privado vai obter com determinada obra e após a sua conclusão? Quem assume as mitigações e compensações dos impactos socioambientais? Esses são, entre outros, assuntos rotineiros nesse meio.

A Rodovia Cuiabá-Santarém parece ser um exemplo desse estado de disputas. Na página eletrônica do Ministério do Planejamento (MPO), a Rodovia Cuiabá-Santarém, localizada no Eixo Amazonas, aparece como um dos chamados projetos-âncora da IIRSA, classificação que conflita com a lista da página oficial da IIRSA (atualizada em junho/2006), na qual esse projeto não tem o mesmo status. A história da articulação inter-governamental pró-IIRSA teve início oficial em agosto de 2000, em Brasília, com a primeira reunião dos 12 presidentes dos Estados nacionais da região. A segunda reunião ocorreu em julho de 2002, em Guayaquil (Equador), onde o tema tratado foi exclusivamente infra-estrutura, isto é, a “integração física das infra-estruturas da América do Sul”. Na terceira reunião, realizada em dezembro de 2004, em Cuzco (Peru), os presidentes aprovaram os 31 projetos de grande escala considerados estratégicos (os projetos-âncora) para o período 2006-2010, com um valor inicial estimado de 6,4 bilhões de dólares americanos. Num esforço de formalização, pode-se dizer que a história da IIRSA está dividida em três momentos: o de fundação (2000-2002); o de planejamento (2003-2004); e o de implementação (2005-2010). Além dos governos dos 12 países sul-americanos, integrados na chamada Comunidade SulAmericana de Nações (Casa), estão envolvidos diretamente na IIRSA velhos e novos conhecidos do setor financeiro, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Fun-

Orçamento & Política Socioambiental: uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com a Fundação Heinrich Boll. Tiragem: 1,5 mil exemplares. INESC - End: SCS – Qd, 08, bl B-50 - sala 435 - Ed. Venâncio 2000 – CEP 70.333-970 Brasília/ DF – Brasil – Tel: (61) 3212 0200 – Fax: (61) 3212 0216 – E-mail: protocoloinesc@inesc.org.br – Site: www.inesc.org.br. Conselho Diretor: Armando Raggio, Caetano Araújo, Eva Faleiros, Guacira Cesar, Iliana Canoff, Jean Pierre, Jurema Werneck, Padre Virgílio Uchoa, Pastor Ervino Schmidt. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky, José Antônio Moroni. Assessores/as: Alessandra Cardoso, Caio Varela, Edélcio Vigna, Eliana Graça, Francisco Sadeck, Jair Barbosa Júnior, Luciana Costa, Márcio Pontual, Ricardo Verdum. Assistentes: Álvaro Gerin, Ana Paula Felipe, Lucídio Bicalho. Instituições que apóiam o Inesc: Action Aid, CCFD, Christian Aid, EED, Embaixada do Canadá - Fundo Canadá , Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Ford, Fundação Heinrich Boll, KNH, Norwegian Church Aid, Novib, Oxfam, Save the Children Fund e Wemos Fundation. Jornalista responsável: Luciana Costa (DRT 258/82)

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do Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Rio da Prata (Fonplata), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e grandes empresas do porte da Odebrecht, Petrobrás, Andrade Gutiérrez e Queiroz Galvão, entre outras, para citar as mais conhecidas. 1 Um ator financeiro que até então vinha se mantendo meio à parte no processo, o Banco Mundial (Bird), foi acionado formalmente pelo governo brasileiro. Segundo o ministro do Planejamento, PauO Ministério dos lo Bernardo, por ocasião Transportes é o único da 1ª Rodada de Consulcujas obras na tas para a construção da Amazônia brasileira chamada Visão Estratégi- incluídas na Carteira ca Sul-Americana (Vesa), IIRSA têm recursos realizada em Foz do previstos na Lei Iguaçu (PR), em dezemOrçamentária Anual bro de 2005, o presiden(LOA) 2006 te Lula teria conversado com o presidente do Bird, Paul Wolfowitz, sobre os 31 projetos prioritários da IIRSA e a importância de o Banco ajudar no seu financiamento. É motivo de preocupação a exposição feita pelo coordenador nacional da IIRSA no Brasil, Ariel Cecílio Garces Pares, durante a 1ª Rodada de Consultas para a Construção da Visão Estratégica Sul-Americana (Vesa) no Brasil (Manaus, junho de 2006). Segundo Ariel Pares, a IIRSA não é simplesmente uma listagem de obras. Antes, é “um conjunto de obras baseado num planejamento cuja sua ambição... é um projeto de desenvolvimento”. Qual seria esse “projeto de desenvolvimento” é algo que não fica claro. Em alguns momentos da sua fala, ilustrada com gráficos, tabelas e mapas, pareciam emergir imagens que espelhavam visões dos anos 1970, quando se argumentava que havia na Amazônia um “enorme vazio” de ocupação humana e que era necessário “integrar para não entregar”. Agora, se fala na “rarefeita estrutura urbana dessa região”, em “vazios” a serem 1

“urbanizados” e conectados aos “bens de serviços necessários à melhoria da qualidade de vida” e a uma “rede de cidades mínimas que dê capacidade e acesso seja a escolas, a universidades, a emprego e a renda de valor mais elevado”. O impacto da IIRSA no orçamento público federal brasileiro é visível no chamado setor infra-estrutura. O estudo apresentado a seguir busca mapear, na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2006, o lugar ocupado pelos projetos IIRSA previstos na Amazônia brasileira. O orçamento da infra-estrutura No orçamento federal, fazem parte do setor infra-estrutura os Ministérios de Minas e Energia, dos Transportes, e das Comunicações, com um orçamento autorizado pelo Congresso Nacional, em 2006, de R$ 17,79 bilhões, sendo R$ 8,29 bilhões para atividades-fim. Do total de R$ 17,79 bilhões, 52,14% estão nas mãos do Ministério dos Transportes, cabendo ao Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT) 38,05% do valor total destinado ao setor infra-estrutura. O Ministério dos Transportes é o único cujas obras na Amazônia brasileira incluídas na Carteira IIRSA têm recursos previstos na LOA 2006. Os projetos com recursos autorizados são os seguintes: Adequação da Rodovia BR-156 (Trecho Oiapoque-Macapá); Ponte binacional sobre o Rio Oiapoque (AP); Ponte sobre o Rio Itacutu, na fronteira Brasil-Guyana (RR); Rodovia Bonfim-Normandia (RR); Rodovia Cuiabá-Santarém (MT e PA)

· ·· ··

Para a execução dessas cinco obras, o Congresso Nacional autorizou, na LOA 2006, um orçamento total de R$ 108,55 milhões, conforme se verifica na tabela 1. Até 8 de agosto, estavam empenhados R$ 16,55 milhões e nem um centavo tinha sido liquidado.

Desde 2001, o Instituto para la Integración de América Latina y el Caribe (Intal), ligado ao Departamento de Integración y Programas Regionales do BID, localizado em Buenos Aires, é sede da Secretaria do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) da IIRSA. Esse Comitê é formado pelo BID, a CAF e o Fonplata, que são também as instituições financeiras promotoras da Alca. Ver a lista completa dos “projetos-âncora“ no endereço: www.iirsa.org.

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T abela 1

Projetos da IIRSA na LOA 2006 No.

Setor

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T-Rod

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T-Rod

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T-Rod

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T-Rod

8

T-Rod

Nome do Projeto

Fonte ou Observações Financiador Adequação da Rodovia BR-156/AP: trecho FISCAL - Construção de Trecho Rodoviário Oiapoque - Macapá Ferreira Gomes - Oiapoque (Fronteira `` com a Guiana Francesa) - na BR-156 - no Estado do Amapá Interconexão Viária Pucallpa – Cruzeiro do Sul (*) Ponte sobre o Rio Itacutu na fronteira Brasil - Guyana (*) Rodovia Bonfim - Normandia (Boa Vista FISCAL - Construção de Trechos Rodoviários na Bonfim - Lethem - Linden - Georgetown BR-401 No Estado de Roraima road) (*) Rodovia Cuiabá - Santarém FISCAL - Construção de Trechos Rodoviários na BR-163 No Estado do Pará FISCAL - Construção de Trechos Rodoviários na BR-163 No Estado do Mato Grosso

Autorizado 42.500.000

Liquidado 08/Ago 0

11.300.000

0

6.000.000

0

4.200.000

0

44.550.000

0

-

-

Fontes: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Siga Brasil (Senado Federal). (*) Projetos Binacionais

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é a unidade administrativa com o segundo maior montante de recursos autorizado para o setor infra-estrutura, com um total de R$ 2,52 bilhões, dos quais somente 2,88% foram liquidados até 8 de agosto de 2006. Em seguida, está a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com um orçamento autorizado de R$ 2,25 bilhões e um percentual de 7,58% liquidado. Pela Amazônia passam três eixos de integração e desenvolvimento regional: o Eixo do Amazonas, o Eixo do Escudo Guayanés e o Eixo Peru-Brasil-Bolívia. De uma listagem obtida junto ao Ministério do Planejamento (MPO), na qual estão elencados 63 projetos brasileiros que integram a Carteira de Projetos IIRSA-Brasil, identificamos 25 na região Amazônica, sendo 14 binacionais. Além das obras já mencionadas, fazem parte da lista IIRSA - Amazônia brasileira disponibilizada pelo MPO as seguintes obras: o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (incluindo eclusas para navegação); as linhas de transmissão entre as duas hidrelétricas (UHE) do Rio Madeira e o Sistema Central; os Portos em Santarém e Itaituba (incluindo obras de dragagem); os investimentos industriais em Boa Vista, Roraima (planta de celulose; plantas de processamento de soja; café instantâneo e embalagem de carne); a expansão da atual linha de transmissão de Guri (Venezuela) 4

Boa Vista (Brasil) até Manaus; o Programa de Manejo Ambiental e Territorial da Rodovia Cuiabá-Santarém; entre outros (ver tabela 2, p 5). No caso das obras da IIRSA – Amazônia brasileira, é importante estar atento ao fato de que não estão envolvidos somente os três ministérios já citados. Na BR-163, por exemplo, também há recursos financeiros oriundos dos Ministérios do Meio Ambiente; do Desenvolvimento Agrário; do Desenvolvimento Social; e da Justiça, esta última por intermédio da Fundação Nacional do Índio. A IIRSA também envolve outras instituições, como por exemplo, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização do Tratado da Cooperação Amazônica (OTCA). No caso da OTCA, em 14 de setembro de 2004, na VIII Reunião de Ministros das Relações Exteriores dos Estados-membros da OTCA, as delegações dos países decidiram adotar o plano estratégico da Organização para 2004-2012. Faz parte dessa estratégia o Eixo “Integração e Competitividade Regional”, que define: “uma das prioridades de nossos governos é construir as bases para o desenvolvimento sustentável que, em longo prazo, gere bem-estar social e aumente a participação dos países da região na economia munsetembro de 2006


dial. Por isso, a Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) considera a Amazônia de suma importância no desenvolvimento dos processos de integração física, das comunicações e da energia, que permitirão aproximar os mercados intra-amazônicos.”.

Em 25 de julho de 2005, a OTCA e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) assinaram um convênio de assistência técnica para a execução do chamado Projeto de Fortalecimento da Gestão Regional Conjunta para Aproveitamento Sustentável da Biodiversidade Amazônica,

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Carteira de projetos da IIRSA No.

Setor

Nome do Projeto

3 4

T-Rod T-Rod

Pavimentação Porto Limão-San Matías (*) Ponte binacional sobre o Rio Oiapoque (*)

FISCAL

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T-Rod

Ponte sobre o Rio Acre (*)

FISCAL

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T-HDV Hidrovia dos Rios Branco e Negro interligando Manaus a Boa Vista T-HDV Navegação do Rio Iça (*) T-HDV Navegação no sistema Solimões - Amazonas e aspectos ambientais e sociais nas bacias altas dos rios amazônicos T-HDV Navegacão do Rio Madeira entre Porto Velho e Guayaramerin ( Bolivia). T-POR Melhorias no Porto de Santana - Macapá T-POR Portos em Santarém e Itaituba

10 11 12 13 14

Fonte ou Observações Financiador

FISCAL FISCAL

FISCAL

FISCAL

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E-GER

16 17

E-GER E-LTR

18 19 20

21 22 23 24 25

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira incluindo eclusas para navegação

Hidrelétrica Binacional Bolívia - Brasil (*) Expansão da atual linha de transmissão de Guri - Boa Vista a Investimento Manaus (baseada em duas alternativas possíveis: Planta Termo- das estatais elétrica à gás na Venezuela ou Planta hidrelétrica no Río Caroní (*) E-LTR Interconexão Energética Pucallpa – Cruzeiro do Sul (*) E-LTR Linhas de transmissão entre as hidrelétricas do Rio Madeira e o Sistema Central C-LCM Línhas de fibra óptica que interconectem Caracas (Venezuela) ao Norte do Brasil através das linhas de transmissão existentes (Boa Vista) ou propostas (Manaus) (*) passo Passagem de Fronteira Brasilea - Cobija (*) passo Passagem de fronteira e construção do CEBAF (Centro Binacional de Atendimento Fronteriço) (*) passo Passagem de Fronteira San Matias-Porto Limão (Cuiabá) (*) Multis- Programa de manejo ambiental e territorial (Rodovia setorial Cuiabá - Santarém) Investi- Investimentos industriais em Boa Vista: planta de celulose; mentos plantas de procesamento de soja; café instantáneo; e Privados embalagem de carne

- Construção de Pontes na BR-156 no Estado do Amapá Sobre o Rio Oiapoque - Binacional - AP - Construção de Ponte na BR-317 no Estado do Acre Sobre o Rio do Acre (fronteira Brasil/Peru) - AC

- Melhoramento das condições de navegabilidade no Rio Amazonas - Melhoramento das condições de navegabilidade da Hidrovia do Rio Madeira - Dragagem de Aprofundamento no Canal de Acesso do Porto de Santarém.“- Recuperação do Píer nº 1 do Porto de Santarém - Implantação do Sistema de Segurança Portuária (ISPS Code) no Porto de Santarém.“- Recuperação das Estacas e Defensas Metálicas do Píer n° 1 do Porto de Santarém (PA) - Implantação da Usina Hidrelétrica Jirau com 3.900 MW; Implantação da Usina Hidrelétrica Santo Antônio com 3.580 MW (RO). Interligação do Sistema Elétrico Boa Vista-Manaus.

Fontes: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Siga Brasil (Senado Federal). (*) Projetos Binacionais

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o qual viabilizou o lançamento, em julho de 2006, de um edital visando à realização de estudos sobre os riscos para a biodiversidade decorrentes da construção de infra-estrutura na Amazônia. Imunizar-se contra os clichês socioambientalistas incorporados ao discurso e às estratégias da nova fantasia organizada chamada IIRSA é fundamental. Sem isso, dificilmente se conseguirá construir as bases para uma estratégia minima-

mente eficiente de resistência contra o complexo processo de exploração e expropriação capitalista em curso na região. A história e a configuração atual da IIRSA serão tratadas com maior profundidade, a seguir, pelo pesquisador da área de Planejamento do Desenvolvimento, Guilherme Carvalho, que inclusive aborda a questão do papel de redes, fóruns, movimentos e organizações da chamada sociedade civil nesse contexto.

Incorporação compulsória de territórios A Iniciativa para Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) é apresentada como uma tentativa de 12 países do continente Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname2 - de constituir um “sistema integrado de logística” nessa parte do continente americano, a fim de tornar a economia da região mais competitiva no cenário internacional e, por conseguinte, capaz de atrair quantidade crescente de investimentos privados, principalmente os externos. A IIRSA, portanto, é compreendida pelos seus promotores – governos nacionais; instituições financeiras multilaterais3; o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o setor privado – como o instrumento adequado para garantir a inserção competitiva dos países sul-americanos no processo de globalização capitalista, bem como a etapa necessária para a conformação da Comunidade Sul-Americana das Nações (Casa). Esse “sistema integrado de logística” consiste na concentração de investimentos em determinadas partes do território sul-americano para articular os sistemas de telecomunicações, energia e de transportes visando diminuir os custos de produção internos e a distância com os principais mercados consumidores do exterior. Ou seja, o plane2 3

jamento e a instalação dos projetos passaram a ser compreendidos como uma mesma unidade, visando à maximização da eficiência desses sistemas, sob a ótica do grande capital. Contudo, longe de promover a integração regional, a IIRSA e os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (Enid) implementados no Brasil tendem a promover a integração compulsória de determinadas parcelas dos territórios nacionais à dinâmica da globalização capitalista, aprofundando, dessa forma, a fragmentação espacial entre os países sulamericanos e no interior de cada um deles. IIRSA: histórico e evolução A IIRSA foi formalmente constituída durante a reunião de presidentes de países sul-americanos ocorrida em Brasília, em agosto de 2000, ocasião em que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a pedido do governo brasileiro, apresentou os resultados de um estudo com base no documento “Plano de Ação para a Integração da Infra-estrutura Sul-americana”. Tal documento não se resumia à apresentação de uma lista de projetos considerados relevantes para materializar a integração física da América do Sul. Era bem mais que isso, pois o elemento de relevância do

A Guiana Francesa é um Departamento Ultramarino Francês e não integra formalmente a IIRSA. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata).

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mesmo consistia na apresentação de um conjunto de pressupostos considerados essenciais para tornar competitivas as economias dos 12 países sulamericanos na era da globalização capitalista, argumentos que foram mais bem definidos posteriormente. Antes do Plano de Ação, muitos outros documentos já haviam abordado a integração física sulamericana. Nesse sentido, a inovação trazida pelo mesmo residiu no fato de ter apresentado sugestões A infra-estrutura que concretas para a construserá disponibilizada ção do arcabouço polítitem como uma de co e institucional conside- suas funções garantir rado necessário à o acesso e o controle integração econômica da dos recursos naturais América do Sul. A forsul-americanos, a fim mação posterior de difede que estes sejam rentes comitês executivos incorporados ao fluxo e grupos de trabalho; a global de mercadorias definição dos papéis dos bancos multilaterais e do organograma de gestão da IIRSA; entre outros, são desdobramentos do estudo apresentado pelo BID. Para os formuladores da IIRSA, a América do Sul possui um grande problema a ser resolvido: é uma porção do continente americano destituída de conexões estáveis internamente. A idéia básica é a de que o território sul-americano é constituído por um conjunto de “ilhas” difíceis de serem articuladas, e “altamente fragmentado por diversas barreiras naturais”, daí ser necessária a construção de “pontes” que interliguem esse território em todas as direções4. Regiões como o Pantanal, a Cordilheira dos Andes e a Floresta Amazônica são consideradas problemáticas para a integração física sul-americana. Não obstante, tais “problemas” são encarados como técnicos, posto que, segundo Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, a “Cordilheira dos Andes é certamente uma beleza, mas é um terrível problema de engenharia”; passível, porém, de ser superado através dos empreendimentos previstos na carteira de projetos da IIRSA5. 4

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Uma das críticas presentes nos documentos da IIRSA é a de que a infra-estrutura existente na região foi implementada de forma fragmentada pelos governos dos países sul-americanos. Segundo os promotores da IIRSA, isso ocorreu porque faltou a esses governos uma visão mais abrangente da América do Sul, que a compreendesse enquanto uma unidade geoeconômica e não como países apartados entre si. É justamente essa lacuna que a IIRSA se propõe a superar. Juntamente com os Eixos de Integração e Desenvolvimento, a IIRSA corresponde a um novo ordenamento territorial da América do Sul. Nesse ponto, reside uma contradição que precisa ser enfrentada pelo conjunto dos movimentos sociais e das organizações não-governamentais (ONGs) empenhados na construção de um outro modelo de desenvolvimento para a América do Sul. Integracão de mercados Diferentemente do que afirmam os promotores da IIRSA, esta não demonstra possuir uma visão realmente integral da América do Sul. Por sua vez, os Eixos de Integração e Desenvolvimento também buscam promover tão somente a integração de mercados, ou melhor, das frações dos territórios de cada país que realmente interessam à reprodução em grande escala do capital. A infra-estrutura que será disponibilizada tem como uma de suas funções garantir o acesso e o controle dos recursos naturais sul-americanos, a fim de que estes sejam incorporados ao fluxo global de mercadorias impulsionado pela globalização capitalista, justamente porque vivemos em um período histórico de grande valorização da natureza pelo mercado; daí a importância estratégica da América do Sul por conta de seus recursos naturais. Portanto, se a integração que se busca através da IIRSA é a de mercados, através da incorporação de frações de territórios que interessam ao grande capital, é possível falar de uma visão geoeconômica ampliada da América do Sul, ou seja, que a IIRSA é capaz de abarcar os diferentes países na sua totalidade, valorizando suas especificidades e indicando al-

IIRSA. Ferramenta de Trabalho para o desenho de uma Visão Estratégica da Integração Física Sul-americana. Documento apresentado para a IV Reunião do Comitê de Direção Executiva (CDE) da IIRSA, realizada em Caracas, República Bolivariana da Venezuela, em julho de 2003. BNDES. Discurso proferido por Carlos Lessa durante o Seminário de Prospecção de Projetos realizado em conjunto com a Corporação Andina de Fomento (CAF). No Rio de Janeiro, de 6 a 8 de junho de 2003. Disponível em http://www.bndes.gov.br

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ternativas de acordo com as mesmas? Ao que parece, a visão geoeconômica está associada tão somente à identificação de oportunidades de negócios. E a alocação de infra-estrutura também está em função da contração espaço-tempo em benefício do capital, fundamentalmente para aumentar a velocidade da circulação de mercadorias e diminuir o tempo para deslocá-las entre os diferentes mercados. Para Milton Santos6, esse tipo de contração, que atende a todos de modo As transformações universal, é um mito, posdecorrentes desse to que a “velocidade apenas está ao alcance de um processo acelerado sobre a natureza número limitado de pessosão bastante as” – de poucas empresas evidentes, com a e instituições, acrescentamos. E são elas as princi- destruição de vastas áreas da América pais beneficiárias dos “prodo Sul para dar dígios da velocidade” de lugar a atividades que fala Santos, fundameneconômicas tais para se manterem competitivas num mercado cada vez mais acirrado. Essa questão é relevante, pois se constitui num dos focos centrais da estratégia de desenvolvimento adotada na América do Sul e no Brasil, baseada na execução dos eixos de integração e dos corredores de exportação. A velocidade pode ser associada ainda à voracidade com que o grande capital se lança para definir o uso do território, a fim de poder controlar o máximo de recursos disponíveis para a sua reprodução. As transformações decorrentes desse processo acelerado sobre a natureza – não mais uma “natureza natural” no processo histórico, mas uma “natureza valorada” pelo capital, como ressaltou Milton Santos7 – são bastante evidentes, com a destruição de vastas áreas da América do Sul para dar lugar a atividades econômicas cujos produtos têm grande aceitação no mercado internacional, como soja, minério e madeira, entre outros. Esse avanço tem provocado o surgimento de inúmeros conflitos envolvendo vários sujeitos sociais que disputam o 6 7 8

controle do território e de seus recursos, como também do próprio sentido do modelo de desenvolvimento que se almeja – do local ao global. Por outro lado, não podemos negligenciar o fato de que a implementação dos projetos de infra-estrutura previstos no portfólio da IIRSA não é suficiente para que os objetivos a que a mesma se propõe sejam alcançados. Isso já foi reconhecido até mesmo antes da formalização da IIRSA, como no estudo desenvolvido por Eliezer Batista8. O que isto significa? Significa que a maximização da eficiência dos sistemas de transporte, energia e de telecomunicações depende da realização das reformas estruturais de cunho neoliberal, que garantam a diminuição dos custos de produção para os capitalistas e reduzam a interferência do Estado na economia. Na prática, isso corresponde à diminuição e/ou supressão de direitos trabalhistas; a focalização das políticas sociais; a privatização; a abertura das economias à competição externa e a ampliação da participação da iniciativa privada – uma das formas é através da Parceria Público-Privada –; entre outras iniciativas. Contudo, as recentes decisões do governo boliviano de Evo Morales, por exemplo, demonstram que a globalização capitalista não é uma realidade inexorável. Ainda há espaços para a construção de projetos nacionais soberanos que se chocam com os pressupostos neoliberais. Os limites impostos pela globalização não significaram a morte dos Estados nacionais. Os eixos de integração A implementação dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (Enid), no Brasil, é outra tentativa de construção de um projeto nacional; porém, neste caso, sem o mesmo grau de rompimento com os pressupostos neoliberais, como o patrocinado pela Bolívia. Sinteticamente, podemos dizer que os Enid cumprem três objetivos estratégicos fundamentais para o Brasil. O primeiro é o de construir um sistema integrado de logística que garanta a competitividade dos produtos brasileiros no merca-

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 42 SANTOS, Milton. Território e Sociedade: entrevista com Milton Santos. Editora Fundação Perseu Abramo, 2000 SILVA, Eliezer Batista da. Infra-estrutura para o Desenvolvimento Sustentado e a Integração da América do Sul. Editora Expressão e Cultura, 1997

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do internacional, através da diminuição dos custos da produção e do tempo necessário para que as mercadorias exportadas cheguem aos principais mercados do planeta. O segundo é o de incorporar novas áreas do país à dinâmica do comércio global – nesse caso, a Amazônia é um dos principais alvos dessa política. O terceiro é o de criar as condições para a consolidação da hegemonia política e econômica do Brasil na América do Sul. Cada um dos eixos brasileiros possui uma ou Enid e IIRSA são mais extensões internaciiniciativas que se onais. Daí por que o noscompletam e se so país está completa- retroalimentam, pois mente empenhado em compartilham muitos viabilizar os financiamendos pressupostos tos necessários para a exeque orientam a cução dos empreendiestratégia de mentos nos países viziintegração nhos que interessam ao econômica Brasil. Talvez o significado mais preciso para os Enid seja: Eixos Nacionais e “Internacionais” de Integração e Desenvolvimento. E essa perspectiva deve ser levada em consideração nas análises acerca de projetos como os asfaltamentos da BR-156, no Amapá, e da BR 163 (Cuiabá-Santarém); ou a execução do Complexo Rio Madeira, em Rondônia. Enid e IIRSA: os riscos Enid e IIRSA são iniciativas que se completam e se retroalimentam, pois compartilham muitos dos pressupostos que orientam a estratégia de integração econômica. Não podemos esquecer que o estudo apresentado pelo BID em 2000 foi feito a pedido do governo brasileiro. Por outro lado, os estudos desenvolvidos por Eliezer Batista da Silva durante sua passagem pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR), durante o Governo Collor, e ao longo dos anos 1990, foram fundamentais para estabelecer os eixos de integração como o elemento central da estratégia brasileira para o próprio desenvolvimento do país, 9

materializada no Plano Plurianual (PPA) 19961999, o Avança Brasil, como também contribuíram à conformação da IIRSA. Tanto os Enid como a IIRSA partem do pressuposto de que a concentração de investimentos em determinadas frações do território é capaz de gerar “ondas de desenvolvimento”, atingindo, dessa forma, as demais áreas. Uma versão atualizada dos “pólos de desenvolvimento” dos anos 1970 e dos “corredores de exportação” dos anos 1980. Contudo, ao que parece, a tendência dos Enid e da IIRSA é contribuir para aumentar a fragmentação espacial do Brasil e da América do Sul, em vez de potencializar uma maior coerência espacial do desenvolvimento, negligenciando, assim, as especificidades intra e inter-regionais. A diretriz do desenvolvimento baseada nos eixos de integração tende a formular respostas genéricas a regiões distintas histórica, econômica e culturalmente, sem que a elas sejam destinadas políticas adequadas às suas especificidades e potencialidades. Dessa forma, os eixos tendem a reproduzir respostas essencialmente homogeneizadoras para o desenvolvimento das diferentes regiões do país. Isso pode ser facilmente constatado em diferentes dimensões das políticas governamentais: a ) na definição das atividades produtivas que devem ser incentivadas através da abertura de linhas de financiamento, de crédito e de outros tipos de apoio oficial; b) na composição do portfólio de projetos para serem executados, e; c) na tentativa de enquadrar estados e municípios aos ajustes estruturais em andamento9, por exemplo. Novo ordenamento territorial Da mesma forma que a IIRSA para a América do Sul, os Enid representam um novo ordenamento territorial do país; ordenamento este que tem como diretriz a inserção econômica brasileira no mercado internacional. Em decorrência disso, as atividades produtivas valorizadas são aquelas cujas mercadorias têm grande aceitação no exterior, e a logística que está sendo implantada no país – na Amazônia, em particular – busca superar os “constrangimen-

Um exemplo desse tipo de orientação política é o Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e Fiscal dos Municípios Brasileiros, financiado pelo BID e executado sob a coordenação do Ministério da Fazenda.

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tos” ao comércio de bens e de serviços, estando, portanto, em sintonia com os debates no interior da Organização Mundial do Comércio (OMC).

missões Parlamentares de Inquérito da AL e do Congresso Nacional, que trataram do problema da grilagem de terras na Amazônia.

A IIRSA na Amazônia brasileira Em pesquisa concluída recentemente sobre a execução de grandes projetos de infra-estrutura no estado do Amapá, em particular no município do Oiapoque, localizado na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, busquei anali- A luta pelo acesso e controle dos sar os impactos, naquele município, do asfalta- recursos naturais da Amazônia tende a mento da BR-156, bem se tornar cada vez como da construção da mais acirrada ponte internacional sobre o rio Oiapoque, que promoverá a interligação viária entre o Brasil e a Guiana Francesa. O primeiro fato que chamou a atenção durante a pesquisa foi constatar que a IIRSA é uma ilustre desconhecida não somente das lideranças comunitárias locais, mas de empresários, de dirigentes de órgãos federais, de membros do Judiciário e de parlamentares, entre outros. Todas as pessoas entrevistadas afirmaram jamais ter recebido qualquer informação sobre a IIRSA, apesar de o Amapá localizar-se numa região estratégica para viabilizar a integração do extremo norte da América do Sul. Outro fato que merece ser ressaltado é a velocidade com que os conflitos se disseminam no estado. A expansão do agronegócio - da monocultura da soja; do pinho e do eucalipto, em especial –, das atividades siderúrgicas e da exploração da madeira repercutem intensamente na vida das comunidades locais e aumentam a pressão sobre os ecossistemas do Amapá, além de promover a grilagem de terras públicas. Tal ação criminosa envolve juízes, parlamentares, inclusive o presidente da Assembléia Legislativa (AL), membros do Executivo estadual, empresas multinacionais e latifundiários amapaenses e de outras regiões do país. As irregularidades foram comprovadas pelas Co-

A disputa pelos recursos da Amazônia A luta pelo acesso e controle dos recursos naturais da Amazônia tende a se tornar cada vez mais acirrada. Hoje, esse tipo de conflito está disseminado na região. A clássica visão da expansão da fronteira do sul para o norte e do leste para o oeste já não consegue explicar a natureza e a dinâmica das disputas no norte brasileiro, posto que a tendência atual é de conflitos disseminados por todo o território amazônico, abarcando áreas não necessariamente contíguas, e envolvendo sujeitos e instituições de distintos países. A compreensão do que está ocorrendo na Amazônia se tornou mais complexa. O asfaltamento da BR-156 e a construção da ponte sobre o rio Oiapoque10 integram o portfólio de investimento dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (Enid) e não estão entre os projetos definidos como prioritários pela IIRSA para serem executados até 2010. Ocorre que, para o Brasil, a execução desses empreendimentos fundamenta-se justamente na capacidade dos mesmos de impulsionar a integração sul-americana. Esse também é o caso da BR-364, particularmente o trecho Acre, Rondônia e Mato Grosso. Em relação à construção de novas hidrelétricas na Amazônia, estas têm a função de gerar energia principalmente para os centros econômicos mais dinâmicos; viabilizar a expansão das hidrovias e de atividades produtoras de mercadorias com grande aceitação no exterior – a soja, por exemplo -; bem como abastecer as plantas industriais que necessitam de grande quantidade de energia, como a empresa de alumínio ALBRAS-Alunorte, de Barcarena (PA). A Amazônia brasileira integra três eixos previstos pela IIRSA: o do Amazonas (Amazonas, Pará e Amapá), o do Escudo Guianês (Roraima e Amapá) e o do Peru-Brasil-Bolívia (Acre, Rondônia, Amazonas e Mato Grosso). Por outro lado, os estados amazônicos também integram os Enid. O Pará e o Amazonas, por exemplo, têm os seus territórios di-

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A construção da ponte é fruto do acordo bilateral entre o Brasil e a França.

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vididos por dois ou mais Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Contudo, as decisões sobre esse novo ordenamento territorial, bem como sobre os projetos de infra-estrutura destinados à região, não são discutidas com os governos estaduais e municipais, muito menos com os movimentos sociais, as organizações não-governamentais e as instituições de ensino e pesquisa amazônicas, entre outras. Dessa forma, como fica o planejamento regional A Amazônia está diante dessa realidade? Os sendo incorporada Planos Plurianuais de estacompulsoriamente à dos e municípios se tornaestratégia de ram definitivamente peças integração de ficção com a implemenpatrocinada pela tação da IIRSA e dos Enid? IIRSA e pelos Enid Essas são algumas questões que carecem de maior atenção por parte de governos e das sociedades civis brasileira e regional. Não há como propor um outro modelo de desenvolvimento para o país e para a Amazônia sem enfrentar questões desse tipo. A Amazônia está sendo incorporada compulsoriamente à estratégia de integração patrocinada pela IIRSA e pelos Enid. Partes de seu território que verdadeiramente interessam ao grande capital estão sendo alvos de investimentos que buscam inseri-las na dinâmica da globalização capitalista. Esse quadro se agrava ainda mais por conta da não implementação de uma política nacional de desenvolvimento regional que promova um tipo de desenvolvimento capaz de garantir a justiça ambiental e o fortalecimento das instituições democráticas, e que valorize as especificidades locais – sejam elas econômicas ou mesmo culturais – e não as soluções homogeneizadoras, como a expansão da monocultura. O papel da sociedade civil organizada A criação e/ou consolidação de redes e fóruns integrados por movimentos sociais, grupos pastorais, organizações não-governamentais e academia têm avançado bastante na Amazônia nos últimos anos, e isto é um fato da maior relevância. Contudo, é necessário aprofundar ainda mais a articulasetembro de 2006

ção entre as organizações e pessoas que questionam os fundamentos da incorporação compulsória a que está sendo submetida a região para garantir o atendimento dos interesses do grande capital. Enquanto lutarmos de forma fragmentada, menor será a nossa capacidade de enfrentar a essência dos problemas provocados pela IIRSA e pelos Enid na região. Por outro lado, precisamos construir uma plataforma unificada de lutas que possa expressar os interesses gerais do campo democrático e popular amazônico. Outra questão relevante é tornar o debate sobre a Amazônia um tema verdadeiramente nacional. Isso significa, por exemplo, tornar os ministérios da Fazenda e do Planejamento alvos de intervenção social e pressão política, pois não se pode restringir as negociações tão somente aos ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional. Além disso, é preciso somar esforços para unificar campanhas, desenvolver atividades conjuntas (seminários, manifestações e outras atividades), como está tentando fazer o movimento social de Rondônia em torno da luta contra o Complexo Rio Madeira. A aproximação com a academia também é muito importante nesse processo de mobilização social, pois seus membros podem ajudar a qualificar a pauta de luta e a desenvover programas de capacitação de lideranças, entre outras iniciativas. Por fim, a articulação internacional continua a ser uma ação importante para fortalecer as ações de resistência e de promoção de alternativas de desenvolvimento para a região. Nesse sentido, é preciso retomar com toda a energia o Fórum Social PanAmazônico como espaço de construção de laços de solidariedade dos movimentos sociais e das forças democráticas dessa parte do continente sul-americano, a fim de mostrar que a integração que queremos não é esta que está em andamento com a IIRSA, pois acreditamos que um outro mundo é possível. Guilherme Carvalho Mestre em Planejamento do Desenvolvimento (NAEA/UFPA) e técnico da FASE Amazônia – Núcleo Cidadania

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Um chamado ao controle social Um aspecto que merece destaque é a criação da chamada Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), constituída na terceira Reunião de Presidentes (Cuzco, dezembro de 2004), encontro no qual foram definidos os 31 projetos prioritários da IIRSA e estabelecida a prioridade para o aprofundamento da convergência entre o Mercosul, a Comunidade Andina (CAN) e o Chile, visando à construção de uma “zona de livre comércio regional”. Na ocasião, a IIRSA e os 31 projetos foram confirmados como parte da estratégia da Comunidade Sul-Americana de Nações de integração política e econômica em âmbito regional. Uma integração assentada sobre um conjunto de obras de infra-estrutura nas áreas de transporte, energia e comunicações – a chamada “integração física”. A incorporação da IIRSA como parte da estratégia de construção de “um espaço sul-americano integrado” ficou mais evidente em 30 de setembro de 2005, na I Reunião de Chefes de Estado da Comunidade, quando os 12 presidentes da América do Sul se comprometeram a buscar fontes de financiamento que, segundo o documento oficial, levassem em conta a realidade financeira de seus países, preservassem a capacidade e a autonomia decisória dos Estados, e estimulassem a realização de investimentos necessários para a implementação dos projetos prioritários reunidos na Carteira IIRSA. Também reafirmaram a importância da integração energética da América do Sul e ratificaram os resultados da I Reunião de Ministros de Energia da Casa, realizada em Caracas, em 26 de setembro de 2005, na qual se decidiu dar prosseguimento à Iniciativa Petroamérica, com base nos princípios contidos na Declaração da Reunião. 11 A transparência e o efetivo controle social sobre a IIRSA é uma dimensão pouco clara nas formulações e na prática que vem sendo implementada pelos governos e agentes financeiros envolvidos. Quando muito, fala-se de forma genérica de consultas setoriais envolvendo a sociedade civil. O acesso aos espaços de decisão e às informações orçamentárias está distante de uma situação de transparência efetiva. No Brasil, ainda não foi instituída uma verdadeira instância de participação e controle social. Essa situação é 11

agravada pelo fato do setor “tecno-desenvolvimentista linha dura” continuar comandando o processo de integração, mesmo tendo se passado mais de três anos e meio de Governo Lula. Ainda vigora o Decreto s/no de 17 de setembro de 2001, que criou a Comissão formada pelos Ministérios do Planejamento, como coordenador, de Relações Exteriores, dos Transportes, das Comunicações e das Minas e Energias. Alguém poderia dizer que se trata de um pragmatismo administrativo. Talvez, quem sabe. O fato é que os Ministérios do Meio Ambiente (MMA), Desenvolvimento Agrário e Justiça não fazem parte da Comissão Interministerial que articula as ações do projeto IIRSA no Brasil. Essa ausência do MMA é ainda mais estranha, para não dizer absurda, se considerarmos as inúmeras referências encontradas em discursos e documentos oficiais da IIRSA - Brasil sobre o “respeito às condições dos ecossistemas locais”, a preocupação com uma “sustentabilidade ampla” (econômica, social, ambiental e político-institucional) e a atenção aos povos e comunidades tradicionais. Além dos fatos e questionamentos mencionados e da tendência centralizadora que tem predominado no comando operacional e administrativo dessa megaestratégia e suas “consultas” no Brasil, é importante chamar a atenção de entidades e movimentos socioambientais parceiros para duas ações que podem contribuir para a construção de um cenário de maior transparência: (i) o fortalecimento da articulação social focada na institucionalização de instâncias de controle social sobre as políticas de infra-estrutura (como a IIRSA) nos âmbitos local, regional, nacional e internacional; (ii) uma maior atenção ao processo orçamentário brasileiro, não somente aos orçamentos de 2006 e 2007, mas também, e particularmente, ao novo Plano Plurianual 2008/2011, que já está sendo preparado nos gabinetes ministeriais do governo. Ricardo Verdum Assessor de Políticas Indígena e Socioambiental do Inesc

O documento da I Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações está disponível na página da Flacso-Brasil: http://www.flacso.org.br/ data/biblioteca/422.pdf, acessado em agosto de 2006

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