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Apresentação A partir desta edição, o boletim da criança e do adolescente apresenta uma nova sistemática para acompanhar a execução do orçamento criança . O Inesc passa a desenvolver o acompanhamento orçamentário usando o Programa como foco principal de estudo, tal como o processo adotado pelo governo desde o ano 2000. Assim, ao invés de selecionarmos os projetos e atividades através das unidades orçamentárias, passamos à seleção das ações governamentais através dos programas. É um procedimento técnico, mas com caráter político. A mudança nos permite acompanhar a execução dos projetos e atividades e a participação de cada órgão na execução dos programas, além de facilitar a identificação dos responsáveis pelas ações. Esperamos, ainda, que a alteração na sistemática de trabalho dê mais visibilidade à execução da política para a criança e o adolescente. É dessa forma com informações e conhecimento- que pretendemos alterar aquilo que realmente importa: a situação de milhares de crianças e jovens brasileiros, que ainda não têm asseguradas as devidas condições para exercerem o seu direito constitucional de se desenvolver como pessoa humana. Não bastasse o pouco que o poder público federal investe em programas para crianças e adolescentes, observamos também que mesmo os recursos já disponíveis são subutilizados. É inaceitável constatar que o gasto da União continua com baixíssima execução orçamentária. Nesta edição, o Boletim da criança e do adolescente analisa os números do primeiro semestre de 2001 de janeiro a 6 de julho- e conclui: chegamos à metade do ano com a utilização de apenas 19,14% do total previsto para o orçamento criança . Ao divulgar esses dados, o INESC, em parceria com o UNICEF, pretende mobilizar a sociedade civil, os formadores de opinião e a imprensa sobre a importância do tema. E ainda, influenciar o governo a melhorar sua atuação na execução de políticas públicas para a criança e o adolescente. É o que todos esperamos. Maria José Jaime Secretária Geral
A EXECUÇÃO DO “ORÇAMENTO CRIANÇA” EM 2001 Marcus Fuchs1
A Constituição Federal artigo 227 e a Lei Federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), artigo 4.º, estabeleceram a prioridade absoluta ao atendimento dos direitos da população infanto-juvenil. Isto determina que a família, em primeiro lugar, e o Estado e a sociedade, supletivamente, têm o dever de assegurar a esta população, por todos os meios e de todas as formas, todos os direitos inerentes ao desenvolvimento da pessoa humana. E que o interesse da criança e do adolescente deve prevalecer sobre qualquer outro interesse. O mesmo artigo 4.º do Estatuto estabelece que a garantia de prioridade compreende, entre outras afirmações, preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Esta destinação privilegiada de recursos públicos também está assegurada nos arts. 59, 87, 88 e 261, parágrafo único, do Estatuto. Análises do Inesc já demonstraram que o poder público federal não tem dado a devida atenção às políticas sociais públicas, quando da elaboração e execução do orçamento2 . Veremos a seguir, mais uma vez, que a área da infância e adolescência também não tem sido privilegiada no recebimento dos recursos públicos, mesmo daqueles previstos em orçamento. A exemplo de outros anos, o percentual de execução orçamentária é muito baixo no primeiro semestre de 2001. Ou seja, além de não haver recursos suficientes para o combate às formas de violação e a efetiva proteção à infância e adolescência, a sua execução é feita de maneira a comprometer a continuidade dos programas nesta área. E, para agravar, há uma concentração nos últimos meses do ano, como se fosse possível imaginar que é só neste período que as crianças são exploradas sexualmente e escravizadas no Pedagogo e Diretor Adjunto da ANDI- Agência de Notícias dos Direitos da Infância 1
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Nota Técnica n.º 50 12.07.2001 - Inesc
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trabalho, que adolescentes cometem atos infracionais, que adolescentes e jovens devem estar em programas de profissionalização, etc.
Execução abaixo de 20% A tabela abaixo demonstra que a execução do Orçamento Criança da União repete uma prática verificada nos últimos anos: o primeiro semestre tem investimentos muito baixos. Vejamos:
Este tímido desempenho de investimento a esta época do ano não é exclusividade do Orçamento Criança , mas perpassa o orçamento da União como um todo. Até 16 de junho passado, dos 364 programas do orçamento 2001 que compõem o Plano Plurianual, 125, o que corresponde a 34,3 % do total, tinham execução inferior a 5%, sendo que dos R$ 7.605.307.981,00 previstos para a área social apenas R$ 110.663.448,00 haviam sido liquidados (1,83%).
tes - presente nos Ministérios da Justiça, da Previdência e Assistência Social e do Esporte e Turismo - e de Reinserção Social do Adolescente em Conflito com a Lei - presente nos Ministérios da Justiça e do Esporte e Turismo e no Fundo Nacional da Criança e do Adolescente. Mesmo que um determinado Programa esteja em mais de um órgão, a sua execução é bastante diferente de órgão para órgão. Vejamos alguns exemplos:
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o programa de Educação de Jovens e Adultos tem 92,69% de seus recursos previstos no Ministério da Educação e 7,31% no Ministério do Desenvolvimento Agrário, sendo que o MEC executou 41,23% de seu orçamento e o Ministério do Desenvolvimento Agrário apenas 0,94%, mesmo que seu valor seja muito menor que o do MEC;
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o programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual tem 88,91% dos recursos previstos no Ministério da Previdência e Assistência Social, 9,22% no Ministério do Esporte e Turismo e 1,87% no Ministério da Justiça, sendo que o MPAS executou 20,22% de seu orçamento, o Ministério do Esporte e Turismo executou 0,08% e o Ministério da Justiça 0%;
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o programa Brasil Jovem tem 99,70% de seus recursos previstos no Ministério da Previdência e Assistência Social e 0,30 % no Ministério do Trabalho e Emprego. Mesmo assim, este Minis-
Programas pulverizados O Orçamento Criança é composto de 19 Programas e 130 Projetos. Com a distribuição pelos Ministérios, o número de Programas chega a 30, pois alguns aparecem mais de uma vez em diferentes Ministérios. Esse é o caso, por exemplo, do programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescen-
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tério ainda não executou qualquer valor neste programa. Já o MPAS executou 15,3%. ♦
no programa Esporte Solidário Solidário, o Ministério do Esporte e Turismo tem 99,95% do orçamento. Já o Ministério da Justiça tem 0,05%. O Ministério do Esporte e Turismo executou 0,45% (R$ 955.056,00) do previsto, o que representa algumas vezes mais o que está previsto para o programa no Ministério da Justiça (R$ 100.000,00). Ainda assim, este Ministério não executou qualquer valor.
Por que distribuir os Programas em diferentes Ministérios se em alguns os valores são tão baixos? Quando é feito o planejamento das
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ações, um Ministério conhece as propostas dos demais? Por que até hoje o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA - não consegue realizar a necessária intersetorialidade das ações e das políticas relativas a esta área? Se estas questões não forem respondidas e não for efetivada a referida interface das ações, continuaremos vendo o orçamento prever recursos insuficientes e dispersos, quando deveria ser instrumento para a efetivação de políticas públicas para a infância e adolescência. Na tabela 2, a lista completa dos programas, por ordem decrescente de percentual autorizado e liquidado, nos ajuda a refletir a respeito das questões acima.
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Observando a execução orçamentária de cada Ministério, em relação aos Progra-
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mas contemplados, temos a seguinte situação, por ordem decrescente de execução:
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Estas duas últimas tabelas demonstram que 56,8% dos programas têm execu-
Projetos para a criança É no Ministério da Educação que está a maioria dos projetos do Orçamento Criança . Isto, porém, não significa que nele o nú-
ção orçamentária inferior a 5%. Vejamos isso com detalhe:
mero de projetos executados seja maior que nos demais Ministérios. Pela relação dos programas, mostrada acima, é possível perceber que o Ministério que mais investiu os valores previstos foi o Ministério da Saúde. Vejamos a lista de projetos por Ministério.
Destes 130 Projetos, 57,7% têm execução igual a 0% e 72,3% inferior a 5%. Apenas seis têm execução superior a 50%. Vejamos:
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Observando a execução dos projetos dos três Ministérios que mais contribuem com projetos no Orçamento Criança , e do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente, veremos que eles se comportam no particular da mesma maneira que no geral do orçamento.
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No Ministério da Educação estão 83,9% dos recursos do Orçamento Criança . No Projeto 615 - Participação em Programas Municipais de Garantia de Renda Mínima Associados a Ações Sócio-Educativas, proveniente do Fundo de Combate à Pobreza-, estão 29,4% do orçamento do Ministério da Educação para a infância e Adolescência e 24,7% do Orçamento Criança . Esse Projeto só teve, até 06 de julho, 0,02% de execução. Uma das razões para isso foi a demora na regulamentação da Lei n.º 9533, que instituiu o referido projeto, também conhecido como bolsa escola . A execução orçamentária para a criança e o adolescente não pode, porém, ficar refém de situações como essa. Quando se cria uma nova área de investimento para programas de proteção à população infanto-juvenil já devem ser previstos e agilizados os caminhos para sua implementação. Do contrário, o que veremos é o crescimento da pobreza e a ausência de perspectiva para a infância e adolescência.
Conclusão Ao mesmo tempo em que não há dados que demonstrem a prioridade ou não da área da criança e do adolescente na construção do Orçamento da União, nem indicadores de impacto dos recursos previstos na promoção e proteção da infância e adolescência, a execução do Orçamento Criança de 2001 (até 06 de julho) confirma a prática já evidenciada nos anos anteriores de imprevisibilidade e descontinuidade na aplicação dos recursos previstos. A pergunta que se coloca é: o orçamento da União tem sido previsto e executado a partir dos princípios de preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude? Os orçamentos dos últimos anos foram influenciados diretamente pelos acor7
dos firmados pelo Brasil com o Fundo Monetário Internacional. A partir deles, o governo brasileiro assumiu o compromisso de ter superávites primários no Orçamento Público, o que colocou a não execução de despesas previstas como modelo do controle orçamentário e peça chave na manutenção da relação com os financiadores internacionais e na renovação dos créditos do Brasil junto a eles. O Brasil acaba de firmar novo acordo com o FMI. Nele, a condicionante do superávit primário está novamente colocada. Ao mesmo tempo, a exemplo de 1999, época do último acordo, cortes estão sendo feitos no orçamento da União para satisfação das exigências do Fundo. Outra pergunta que deve ser colocada é, então, como ficam os programas para a infância e adolescência frente a esta conjuntura? Mesmo que os cortes orçamentários não se concretizem nesta área específica, a realidade já é de preocupação: o governo federal deverá encontrar muita capacidade para gastar R$ 5.658.527.155,00 - ou 80,86% do Orçamento Criança em menos de seis meses. Em 2000, a execução do Orçamento Criança foi de 91,06%. Há muito por se fazer para este índice ser alcançado em 2001. Ainda assim, espera-se que este índice seja superado em 2001 e que haja qualidade no gasto. É preciso que a União encontre os mecanismos necessários para desenvolver uma regularidade na aplicação dos seus recursos para a infância e adolescência. È preciso que os entraves nesta área sejam todos superados. É preciso que o governo federal queira isto. E queira mais: encontrar para os próximos anos montantes mais significativos para os programas e projetos de proteção à criança e ao adolescente.
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A responsabilidade e o “Orçamento Criança” Marcus Fuchs
O investimento do Governo Federal em programas e projetos para a infância e adolescência continua, ano após ano, baixo. Os valores previstos nos orçamentos são insuficientes para o enfrentamento efetivo da realidade de violação de direitos a que crianças e adolescentes estão submetidos. E os gastos têm qualidade questionável. As principais conquistas no campo do reordenamento legal e da produção de novas metodologias de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil se deram por determinação e protagonismo da sociedade civil e de seus movimentos de defesa dos direitos da infância e da adolescência. Deve ser possível recuperar o papel e a força destes movimentos sociais para participar da construção dos orçamentos e controlar sua execução. Além do Inesc, quem tem feito este acompanhamento do orçamento público? Estou me referindo aos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Afirmo: ninguém! Se tiver alguém fazendo esta atividade, é exceção. Nem os Conselhos Tutelares, que, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/ 90) em seu artigo 136, inciso IX, devem assessorar o poder executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente , estão desempenhando esta função. Então, muito menos as demais organizações, como os Fóruns dos Direitos da Criança e do Ado-
lescente ou as organizações da sociedade civil de maneira geral. Não é possível erradicar o trabalho infantil, colocar todas as crianças na escola de qualidade, responsabilizar o adolescente que comete ato infracional e permitir que ele cumpra a medida socioeducativa a ele imposta, implantar programas de orientação e apoio sociofamiliar (por ingenuidade, uma ausência quase total no país afora), enfrentar o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, enfim, cumprir o paradigma ético da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente de que criança e adolescente são Prioridade Absoluta, Pessoas em Condição Peculiar de Desenvolvimento e Sujeitos de Direitos, se a sociedade civil através de suas organizações representativas não se colocar esta responsabilidade. Não faltaram reuniões, seminários, conferências municipais, estaduais e nacionais para eleger a capacitação em orçamento público, a participação na elaboração dos orçamentos e o controle dos gastos públicos como ações prioritárias e estratégicas para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente. Essa decisão, porém, ficou mais na intenção, na vontade, no desejo, do que na realização. É preciso que isso seja, finalmente, assumido, pois se não temos os recursos necessários e a execução orçamentária é descontínua e abaixo do previsto, somos todos co-responsáveis.
Boletim da Criança e Adolescente Publicação realizada em parceria entre o UNICEF e o INESC com o apoio da Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança e do Adolescente - Instituto de Estudos Socioeconômicos - SCS - Qd. 08 - Bl. 50 - Salas 431/441 Venâncio 2000 - CEP 70333-970 Brasília-DF Brasil Fone: (061) 226-8093 Fax: 226-8042 E. Mail: inesc@psinet.com.br Site: www.inesc.org.br Editora: Luciana Costa Conselho Editorial: Bizeh Jaime, Iara Pietricovsky, Jair P. Barbosa Jr - Diagramação: Ivone Melo - Impressão: VANGRAF.
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