Cartilha Plataforma da Reforma Política

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REFORMA POLÍTICA Construindo a plataforma dos movimentos sociais para a Reforma do Sistema Político no Brasil

Reflexões para o Debate


REFORMA POLÍTICA

Construindo a plataforma dos movimentos sociais para a Reforma do Sistema Político no Brasil

Reflexões para o Debate



Sumário

ABERTURA.............................................................................................................................................................05 PLATAFORMA DA REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO......................................................................07 I - APRESENTAÇÃO E HISTÓRICO DO PROCESSO..................................................................................................09 II - INTRODUÇÃO...................................................................................................................................................11 A Constituição de 1988 e o Sistema Político............................................................................................................. 11 Interesses e concepções diferentes . .......................................................................................................................... 11 Concepção e Objetivos.................................................................................................................................................12 Princípios......................................................................................................................................................................13 O Estado e o sistema político.......................................................................................................................................14 III - EIXOS E PROPOSTAS........................................................................................................................................15 1 - FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA DIRETA................................................................................................15 PROPOSTAS:...........................................................................................................................................................15 1.1 - Regulamentação e ampliação dos mecanismos de democracia direta previstos na Constituição Federal: plebiscitos, referendos e iniciativa popular....................................................................................................................................15 1.2 - Instituir a obrigatoriedade nos estados e municípios do plebiscito, referendos e iniciativa popular................16 1.3 - Plesbicitos e referendos para os acordos internacionais.....................................................................................16 1.4 - Criação de política de financiamento público e de controle das doações privadas para as campanhas de formação de opinião nos processos de referendos e plebiscitos................................................................................................16 1.5 - Construção de uma política pública de educação para a cidadania...................................................................16 1.6 - Revogação popular de mandatos eletivos...........................................................................................................16 1.7 - Fazer referendo sobre a Reforma Política aprovada pelo Congresso Nacional..................................................16 2 - FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA....................................................................................17 PROPOSTAS:...........................................................................................................................................................17 2.1 - Participação na definição das prioridades de pauta do Congresso Nacional e demais Câmaras legislativas....17 2.2 - Criar mecanismos de participação, deliberação e controle social das políticas econômicas e de desenvolvimento..........................................................................................................................................................17 2.3 - Criação de mecanismos de participação e de controle social do ciclo orçamentário (formulação/definição, execução, avaliação/monitoramento e revisão) na União, estados e municípios......................................................17 2.4 - Reforma das Regras de Tramitação do Orçamento no Poder Legislativo: fim das emendas individuais...........17 2.5 - Acesso universal às informações orçamentárias na União, estados e municípios..............................................17 2.6 - Continuidade de planos e programas das políticas públicas..............................................................................18 2.7 - Criar mecanismos de diálogo e de interlocução dos diferentes espaços de participação e controle social......18 3 - APRIMORANDO A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: SISTEMA ELEITORAL E PARTIDOS POLÍTICOS............18 PROPOSTAS............................................................................................................................................................18


3.1 - Financiamento público exclusivo de campanhas................................................................................................18 3.2 - Manutenção dos partidos políticos exclusivamente através de contribuições de filiados definidos em convenções partidárias e dos fundos partidários...........................................................................................................................19 3.3 - Destinação do tempo de propaganda partidária para ações afirmativa............................................................19 3.4 - Uso de recursos do fundo partidário para a educação política e ações afirmativas........................................19 3.5 - Implantação da Fidelidade Partidária..................................................................................................................19 3.6 - Voto de legenda em listas partidárias preordenadas..........................................................................................19 3.7 - Possibilidade de criação de federações partidárias.............................................................................................20 3.8 - Fim da cláusula de barreira..................................................................................................................................20 3.9 - Prazo de filiação...................................................................................................................................................20 3.10 - Fim da reeleição para todos os cargos executivos.............................................................................................20 3.11 - Limites de mandatos..........................................................................................................................................20 3.12 - Proibição de disputar novas eleições................................................................................................................20 3.13 - Suplente de Senador/a......................................................................................................................................20 3.14 - Fim da votações secretas nos legislativos.........................................................................................................20 3.15 - Imunidade parlamentar.....................................................................................................................................20 3.16 - Foro privilegiado................................................................................................................................................21 3.17 - Pesquisas eleitorais.............................................................................................................................................21 3.18 - Gravação de propaganda para rádio e TV.........................................................................................................21 3.19 - Cabos eleitorais..................................................................................................................................................21 3.20 - Fim do Nepotismo............................................................................................................................................21 3.21 - Fim do sigilo bancário, patrimonial e fiscal.......................................................................................................21 3.22 - Relação com empresas que prestam serviços ao Estado..................................................................................21 3.23 - Exigência de concursos públicos para preenchimento de cargos públicos nos três poderes..........................21 3.24 - Tribunais de Contas...........................................................................................................................................21 3.25 - Reforma da Justiça Eleitoral...............................................................................................................................21 4 - DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO.......................................................................22 PROPOSTAS: ................................................................................................................................................................22 4.1 - Sistema público de comunicação........................................................................................................................22 4.2 - Controle de propriedade.....................................................................................................................................23 4.3 - Controle público..................................................................................................................................................23 4.4 - Propagandas oficiais ..........................................................................................................................................23 4.5 - Software livre.......................................................................................................................................................23 4.6 - Horário gratuito..................................................................................................................................................23 5 - TRANSPARÊNCIA NO PODER JUDICIÁRIO......................................................................................................23 PROPOSTAS:.................................................................................................................................................................23 5.1 - Concurso Público..................................................................................................................................................23 5.2 - Fim do STF............................................................................................................................................................23 5.3 - Defensorias públicas municipais..........................................................................................................................24 5.4 - Fim do sigilo bancário, patrimonial e fiscal.........................................................................................................24 5.5 - Corregedorias Populares......................................................................................................................................24 5.6 - Demissão de Juízes/as e promotores/as..............................................................................................................24 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................................................25 ANEXO 01 - REGULAMENTAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DIRETA..............26 ANEXO 02 - O PROCESSO ORÇAMENTÁRIO.........................................................................................................27 ANEXO 03 - QUADRO DOS CONSELHOS NACIONAIS E CONFERÊNCIAS............................................................29 ANEXO 04 - REFORMA DA JUSTIÇA ELEITORAL...................................................................................................35 ANEXO 05 - A REFORMA POLÍTICA NO CONGRESSO NACIONAL........................................................................36 ANEXO 06 - DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO.......................................................41 EXPEDIENTE...........................................................................................................................................................44


ABERTURA

Construindo a plataforma dos movimentos sociais para a Reforma do Sistema Político no Brasil Os debates sobre a reforma política, em que pese os distintos momentos de ascenso e descenso do debate no Congresso, governo federal e mídia, têm tido um marco comum: a ênfase, quando não a redução exclusiva do debate, a uma reforma da legislação eleitoral e dos partidos. A construção de uma sociedade democrática exige, entretanto, uma reforma política ampla, que expanda a democracia nas suas distintas possibilidades: direta, representativa e participativa. Entendemos como essencial a questão da democratização da informação e da comunicação, assim como a transparência no Poder Judiciário. É com este escopo que, movimentos sociais, redes, fóruns e ONGs, vêm construindo, desde 2005, uma proposta de Reforma Política. Esta proposta está agora, em sua primeira sistematização, pós-seminários no Fórum Social Brasileiro, colocada, para ampla consulta e debate nacional nos espaços de participação das redes, fóruns, movimentos sociais, populares e sindical. Os resultados deste ciclo de debates, a serem sistematizados ao final do ano, dependerão, entretanto, da adesão alcançada pela proposta e de sua ampla difusão. Convocamos, por isto, ao engajamento nesta iniciativa: promovendo espaços de debates da proposta e difundindo a iniciativa nos mais diversos meios de comunicação a nosso alcance. No final de novembro , na cidade de Salvador, realizaremos um seminário com o objetivo de sintetizar em uma plataforma política todas as propostas apresentadas, assim como definir novas estratégias de atuação. Por enquanto, nossa intenção é, no início de 2007, fazer uma grande pressão sobre o novo Congresso Nacional e o Poder Executivo Federal, para que os itens desta plataforma sejam considerados no processo de reforma política. AGENDA DE DEBATES E SEMINÁRIOS * Agosto, setembro, outubro: debates regionais/estaduais/por entidades, com escolha de representantes (até 3) para o encontro nacional. * Até 6 de novembro: enviar relatórios dos debates, para moroni@inesc.org.br * De 6 de novembro a 22 de novembro: preparação da síntese dos debates. * Fim de novembro: encontro nacional (local a confirmar) ROTEIRO PARA DISCUSSÃO Cada Estado/região debate o texto da melhor forma possível, em um ou mais encontros. Sugerimos que o documento seja lido e debatido e que seja feito um relatório da discussão, procurando destacar: 1) dúvidas e questionamentos; 2) complementações e supressões de propostas, dentro de cada eixo. RECURSOS PARA O ENCONTRO Informamos também que estamos procurando recursos para o encontro nacional (para custear representantes dos debates nos Estados). Mas não teremos recursos para os encontros regionais/ estaduais. Contamos que cada entidade ou articulação possa se envolver, da melhor forma possível, neste processo, mobilizando seus próprios recursos.


MAIS INFORMAÇÕES E CONTATOS Mais informações e textos suplementares se encontram no site www.participacaopopular.org.br Contatos: José Antonio Moroni (moroni@inesc.org.br), Ana Claudia Teixeira (anaclaudia@polis.org. br), Michelle Prazeres (michelleprazeresc@yahoo.com), Cassio França (cassio@fes.org.br). Saudações democráticas, • ABONG - Associação Brasileira de ONGs • AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras • AMNB - Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras • Campanha Nacional pelo Direito à Educação • Comitê da Escola de Governo de São Paulo da Campanha em Defesa da República e da Democracia • CEAAL - Conselho Latino Americano de Educação • FAOR - Fórum da Amazônia Oriental • FBO - Fórum Brasil do Orçamento • FES - Fundação Friedrich Ebert • FNRU - Fórum Nacional de Reforma Urbana • FNPP - Fórum Nacional de Participação Popular • Fórum de Reflexão Política • Inter-redes Direitos e Política • Intervozes • Movimento Nacional Pró-Reforma Política com Participação Popular • Observatório da Cidadania • PAD - Processo de Diálogo e Articulação de Agências Ecumênicas e Organizações Brasileiras • Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais • REBRIP - Rede Brasileira pela Integração dos Povos • Rede Feminista de Saúde


PLATAFORMA DA REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO

(Versão para debate)



I – APRESENTAÇÃO E HISTÓRICO DO PROCESSO Em 2005, foi realizado em Recife o seminário nacional “Novas estratégias para ampliar a democracia e a participação”, reunindo mais de 60 participantes, representando 21 estados, de diversas organizações/ redes/fóruns/movimentos e articulações. Na preparação do seminário nacional foram realizados, entre agosto e novembro de 2005, seminários estaduais e regionais, envolvendo os seguintes Estados: Acre, Amapá, Pará, Tocantins, Rondônia, Roraima, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Piauí, Sergipe, Alagoas, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás. Posteriormente foi realizado um encontro regional, envolvendo Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. O seminário foi estruturado com base em três eixos de debate: 1) os sentidos da participação, da democracia e do desenvolvimento; 2) avaliação crítica dos instrumentos e mecanismos de participação e de controle social; 3) formulação de novas estratégias para ampliar a democracia e a participação. O que orientou a construção de novas estratégias foram quatro grandes questões: 1 - Como criar mecanismos de participação e controle social na política econômica, integrando-a com as outras políticas? 2 - Como pautar o debate da participação e do controle social no processo de discussão da reforma política? 3 - Como romper a fragmentação da atual “arquitetura da participação”, respeitando as nossas identidades? Como assegurar que os canais de participação dialoguem com o conjunto da sociedade? Pensar o papel e estratégias em relação à mídia. 4 - Como desenvolver novas formas de participação e do controle social sobre o Legislativo e o Judiciário? Como fazer com que o Legislativo, o Ministério Público (MP) e o Judiciário cumpram o seu papel de fortalecimento da participação e do controle social? Após amplo debate, ficou consensuado que a Reforma Política seria o tema escolhido para concentrarmos nossas ações em 2006 e 2007. Reforma Política entendida aqui como um “campo temático”, em que os movimentos e redes podem concentrar energias, com base na perspectiva de mudança da cultura política e ampliação dos processos democráticos e que, em certo sentido, sintetiza as quatro grandes questões acima. Para construir esta estratégia foi tirada uma agenda política para 2006/2007 dividida em três momentos: 1) Construção da minuta da “Plataforma da reforma do sistema político” e discussão no Fórum Social Brasileiro, realizado em abril de 2006, em Recife. O debate se deu por meio de três seminários: a) A re-configuração do campo democrático e popular e a busca de novas formas de se pensar e fazer política; b) Reforma política como ampliação da democracia e da participação; e c) participação e controle social: por onde navegamos? 2) Debate nos diferentes grupos, redes, fóruns, movimentos, organizações e articulações da minuta da plataforma (junho a outubro de 2006) e intervenção no processo eleitoral (discussão com os/as candidatos/as) 3) Consensuar proposta de reforma do sistema político (novembro de 2006) apresentando proposta de lei ao novo Congresso (2007). Participam desta estratégia, até o momento, as seguintes redes/fóruns,/movimentos e articulações: ABONG (Associação Brasileira de ONGs), Inter-redes Direitos e Política, FNPP ( Fórum Nacional de Participação Popular), Observatório da Cidadania, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, FAOR ( Fórum da Amazônia Oriental), AMB ( Articulação de Mulheres Brasileiras), AMNB ( Articulação de Mulheres Negras Brasileiras), PAD ( Processo de Dialogo e Articulação de


Agências Ecumênicas e Organizações Brasileiras), FBO ( Fórum Brasil do Orçamento), FNRU ( Fórum Nacional da Reforma Urbana), CEAAL (Conselho Latino Americano de Educação), REBRIP ( Rede pela Integração dos Povos), Movimento Pró-reforma Política com Participação Popular, Comitê da Escola de Governo de São Paulo da Campanha em Defesa da República e da Democracia, Rede Feminista de Saúde, Fórum de Reflexão Política, Campanha Nacional pela Educação, Intervozes e FES. A presente minuta de “Plataforma da reforma do sistema político”, para o debate, é fruto desse processo, pois não consideramos a Reforma Política como um problema exclusivo dos partidos. As propostas apresentadas aqui foram feitas a muitas mãos, com objetivo de contribuir na discussão sobre reforma do sistema político. Isso não quer dizer que o conjunto das redes, fóruns e movimentos concordem com elas, na integra, pois todos/as estão discutindo esta “versão para o debate”. Vale ressaltar ainda que essas propostas foram elaboradas e discutidas com total autonomia em relação aos partidos políticos.

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II - INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 e o Sistema Político Na Carta de 1988, os/as constituintes elegeram como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, etnia, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. 1  E que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. A incapacidade das instituições vigentes concretizarem plenamente os objetivos da Constituição, o aumento do sentimento de distância entre os/as eleitores/as e seus/suas representantes, motiva parte da sociedade civil a lutar pela reforma do sistema político e a busca de novas formas de se fazer e pensar a política.

Por sua vez, essa insatisfação popular inspira o surgimento de novas propostas, com o objetivo de promover os interesses populares nos espaços de tomada de decisão. Queremos resgatar o conceito político de poder popular. Interesses e concepções diferentes A reforma política é um tema recorrente na vida política brasileira. Está presente na agenda dos congressistas há vários anos, mas sempre orientada pelos interesses eleitorais e partidários. É o chamado casuísmo eleitoral – geralmente, alterações de curto prazo e de curta duração. É por isto que a maioria dos políticos tem uma concepção de reforma política como apenas reforma do sistema eleitoral. Está presente também nas discussões acadêmicas e na mídia. Na academia, mais como um objeto a ser estudado/pesquisado; e na mídia, quase sempre, como a solução de todos os males do país ou de forma pejorativa. Para uma parte significativa desses atores, é um instrumento para melhorar a governabilidade do Estado (manter as elites no poder) ou aumentar sua eficiência (como atender melhor aos interesses das elites). No âmbito da sociedade civil organizada, das organizações, movimentos, redes, fóruns e articulações que defendem o interesse público, aqui entendido como os interesses da maioria da população, e a radicalização da democracia, a reforma política está inserida em um contexto mais amplo, que necessariamente diz respeito a mudanças no próprio sistema político, na cultura política e no próprio Estado. Por isso, os princípios democráticos que devem nortear uma verdadeira reforma política são os da igualdade, da diversidade, da justiça, da liberdade, da participação, da transparência e controle social. Em resumo, entendemos como reforma política a reforma do próprio processo de decisão, portanto, a reforma do poder e da forma de exercê-lo. Sendo assim, reforma política ganha olhares e enfoques diferentes de acordo com os interesses de quem a debate e do lugar que ocupa no cenário político e na vida pública. 1

CF, Art. 3°, incisos I, II, III e IV.

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Concepção e Objetivos Democracia é muito mais que o direito de votar e ser votado. É preciso democratizar a vida social, as relações entre homens e mulheres, crianças e adultos, jovens e idosos, na vida privada e na esfera pública, as relações de poder no âmbito da sociedade civil. Portanto, democracia é muito mais que apenas um sistema político formal e a relação entre Estado e sociedade, é também a forma como as pessoas se relacionam e se organizam.

A Reforma Política que defendemos visa à radicalização da democracia, para enfrentar as desigualdades e a exclusão, promover a diversidade, fomentar a participação cidadã. Isto significa uma reforma que amplie as possibilidades e oportunidades de participação política, capaz de incluir e processar os projetos de transformação social que segmentos historicamente excluídos dos espaços de poder, – como as mulheres, os/as afro­descendentes, os/as homossexuais, os/as indígenas, os/as jovens, as pessoas com deficiência, os/as idosos/as e os/as despossuídos/as de direitos – de uma maneira geral trazem para o debate público. Não queremos a “inclusão” nesta ordem que aí está. Queremos mudar esta ordem. Por isto, pensamos o debate sobre a Reforma do Sistema Político como um elemento-chave na crítica às relações que estruturam este mesmo sistema. Entendemos que o patrimonialismo e o patriarcado a ele associado; o clientelismo e o nepotismo que sempre o acompanha; a relação entre o populismo e o personalismo, que eliminam os princípios éticos e democráticos da política; as oligarquias, escoltadas pela corrupção e sustentadas em múltiplas formas de exclusão (pelo racismo, pelo etnocentrismo, pelo machismo, pela homofobia e outras formas de discriminação) são elementos estruturantes do atual sistema político brasileiro que queremos transformar. O que entendemos por esses conceitos: Patriarcado – Qualquer sistema de organização política, econômica, industrial, financeira, religiosa e social no qual a esmagadora maioria de posições superiores na hierarquia é ocupada por homens. Patrimonialismo – Conduta política de elites dominantes, no exercício de funções públicas de governo, que se caracteriza pela apropriação do que é público - do Estado, suas instituições e seus recursos, como se fossem patrimônio privado. Oligarquia - Forma de governo em que o poder está concentrado nas mãos de um pequeno número de indivíduos, em geral com laços familiares e/ou vínculos partidários, e pertencentes a classes sociais privilegiadas. A organização política patriarcal e a conduta patrimonialista são traços marcantes dos poderes oligárquicos. Nepotismo – prática de favorecimento e distribuição de empregos a parentes por parte de pessoas que exercem cargos e funções públicas. Clientelismo – prática baseada na troca de favores e no apadrinhamento, usando-se as estruturas e serviços públicos no interesse particular daqueles que exercem a função pública. Personalismo – culto às personalidades, com a conseqüente desvalorização do debate político e a despolitização dos conflitos. Corrupção – apropriação e desvio de recursos públicos para fins particulares, além de servir como ardil para manter-se imune às punições legais existentes e meio para manter-se no poder. A presente plataforma reúne propostas de modificações na vida política e que tenham como objetivo principal tornar os espaços e as decisões políticas permeáveis aos interesses populares. Sabemos dos limites da democracia liberal e do próprio capitalismo, mas entendemos que, mesmo com estes limites, é possível avançarmos na direção de um projeto político de sociedade centrado no combate a todas as formas de desigualdades. 12


Princípios Essa plataforma parte do pressuposto da necessidade da consolidação e ampliação dos espaços de participação e controle social e o reconhecimento dos diferentes sujeitos políticos que atuam nestes espaços. Além disso, compreendemos que é preciso aperfeiçoar a democracia representativa, e ao mesmo tempo, dotá-la de mecanismos de democracia participativa e direta. Essas transformações só se realizam se tivermos um sistema público de comunicação, baseado nos princípios da democratização, do controle social, e do direito ao acesso às informações. Por isso, o direito humano à comunicação tem centralidade nesta plataforma. Entendemos que não existe aprofundamento democrático e reforma no plano político sem uma verdadeira reforma nos espaços públicos de decisão das políticas econômicas. Queremos valorizar a política diante dos interesses econômicos, e não aceitamos a separação entre o político/o econômico/o social. Entendemos que todas as políticas públicas, sejam elas econômicas e/ou sociais, são mecanismos de redistribuição ou concentração de renda, riquezas e do poder. Temos a convicção de que o poder real nunca pode ser inteiramente delegado, ele cabe à cidadania. Por isto, o controle social e a participação cidadã e outras formas não institucionais de exercício político, autônomas e independentes, são elementos fundamentais à democratização da arena política. Os princípios democráticos que devem nortear uma verdadeira reforma política são os da igualdade, da diversidade, da justiça, da liberdade, da participação, da transparência e controle social.

O que entendemos por esses conceitos:

Igualdade: Equilíbrio de direitos e responsabilidades entre os/as cidadãos/as, respeitando as diversidades. Opõe-se às disparidades de renda, posse de terra, acesso à saúde, acesso à educação, acesso aos espaços de decisão, representação política, acesso ao comércio internacional entre os países, apropriação da riqueza produzida nas relações de trabalho, entre outras. Diversidade: Distinções dadas por aspectos de gênero, geracional, raça/cor, etnia, orientação sexual, pessoa com deficiência, entre outros. Diz respeito também aos diferentes espaços geográficos onde as populações se organizam (áreas urbana e rural, comunidades tradicionais, quilombolas, ribeirinhas, indígenas) e às distintas atividades econômicas praticadas (extrativista, artesanal, agricultura familiar, atividade pesqueira, industrial). O conceito de diversidade não se opõe ao de igualdade, pois a igualdade busca respeitar as diversidades. Justiça: Defesa dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCAs), buscando restaurar os direitos ameaçados e garantir a implementação dos direitos não reconhecidos ou a criação de novos direitos. Tem como orientação posicionar-se contra práticas que beneficiam o interesse privado em detrimento do interesse público (entre essas, o clientelismo, o patrimonialismo, o nepotismo, a corrupção, o preconceito, as discriminações). Observa o sistema democrático, a forma de governo repúblicana e o Estado de Direito, combatendo todas as formas de desigualdades e injustiças. Liberdade: Princípio que prevê a livre expressão, movimentação, atividade política e de organização dos/as cidadãos/as. Orienta o/a cidadão/ã a expressar-se e a atuar politicamente em defesa de valores democráticos, como a igualdade e os Direitos Humanos; contestar e atuar politicamente contra situações de desigualdades sociais, políticas, jurídicas e econômicas. Participação: Atuação da sociedade civil do campo democrático (movimentos sociais, organizações, etc.) nos espaços públicos de decisão. Deve ocorrer, preferencialmente, por meio da institucionalização de mecanismos de democracia participativa e direta, inclusive na elaboração, deliberação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas. É também um processo de aprendizado, na medida em que qualifica a intervenção de cidadão/ãs para a atuação nos espaços públicos de decisão. 13


Transparência: Acesso universal às informações públicas, por meio da disponibilidade inteligível ao conjunto da população. Inclui também a divulgação ampla, permanente e imparcial das decisões públicas, sejam oriundas da burocracia ou dos/as representantes eleitos/as nomeados/as. É uma postura ética que se espera do poder público. A transparência e o acesso às informações públicas fazem parte da defesa pelo direito humano à comunicação. Controle social: Monitoramento do Estado por parte da sociedade civil que atua no campo democrático, entre os quais, os movimentos sociais, visando ao controle das ações governamentais. A qualidade do controle social pressupõe a transparência e o acesso às informações públicas. O controle social visa à defesa e a implementação de políticas públicas que respeitem o conceito de igualdade, universalidade, diversidade, justiça e liberdade. O Estado e o sistema político O fato de o Estado ser o ator central de toda política pública implica que mudanças em suas instituições são indispensáveis a qualquer estratégia de aperfeiçoamento do sistema político. Nesse sentido, faz parte dessa plataforma o pressuposto de que a ampliação da participação social na esfera pública depende de mudanças profundas na própria estrutura do Estado, em todas as suas esferas – federal, estadual e municipal, no âmbito do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Enfim, precisamos ter um Estado “eficiente” na defesa do interesse público, isso só é possível com ampla participação popular. Por isso, essa plataforma opõe-se necessariamente ao paradigma do Estado mínimo e à concepção neoliberal de Estado e ao endeusamento do mercado, que transforma a cidadania em consumo.

Defendemos que a democratização do Estado deve passar pelos cinco eixos abaixo: 1 - Fortalecimento da democracia direta; 2 - Fortalecimento da democracia participativa; 3 - Aprimorando a democracia representativa: sistema eleitoral e partidos políticos 4 - Democratização da informação e da comunicação; 5- Transparência no Poder Judiciário

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A seguir, detalharemos as propostas para estes cinco eixos.


III - EIXOS E PROPOSTAS

1. FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA DIRETA EMENTA Uma reforma efetiva do sistema político brasileiro vai muito além da reforma do sistema eleitoral em tramitação no Congresso Nacional. Deve ser mais ampla, extrapolando a vida partidária e trazendo a participação popular para o centro das decisões políticas e econômicas. A política não é monopólio exclusivo de políticos/as eleitos/as e nem dos partidos, mas do conjunto da sociedade. Outra condição imprescindível da democracia brasileira é a definição de uma nova regulamentação das formas de manifestação da soberania popular expressas na Constituição Federal (plebiscito, referendo e iniciativa popular). A atual não só restringe a participação, como a dificulta. A ampliação das regras sobre plebiscito e referendo é necessária para que a participação popular nas decisões políticas seja efetiva e não meramente simbólica. Nada mais justo e eqüitativo do que submeter a Reforma Política à decisão da população também. É necessário criar a eqüidade nas disputas políticas que se fazem via mecanismos da democracia direta (plebiscitos, referendos e iniciativa popular), por isso é necessário o financiamento público exclusivo para os plebiscitos e referendos, já que a iniciativa popular é apreciada pelo Congresso Nacional. Nesse sentido, propõe-se a instauração de um sistema de democracia direta, conjugado com os instrumentos e mecanismos representativos e participativos já existentes.

PROPOSTAS: 1.1 - Regulamentação e ampliação dos mecanismos de democracia direta previstos na Constituição Federal: plebiscitos, referendos e iniciativa popular No caso dos plebiscitos e referendos defendemos dois eixos centrais para a regulamentação: i) convocação regular de plebiscitos, referendos e outras formas de consultas para os principais temas nacionais e ii) o processo de organização e debates que precede o dia da votação (propaganda na TV e rádio) deve ter a participação da sociedade civil. Há um Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional (PL 4718/2004) proposto pelo Conselho Federal da OAB e CNBB, por meio da Comissão de Legislação Participativa que apoiamos (ver anexo 01). No caso das iniciativas populares, defendemos que elas têm precedência na tramitação e votação no Legislativo, com previsão de trancamento de pauta e votação em caráter de urgência. Por exemplo: o Fundo Nacional de Habitação Popular (projeto de iniciativa popular) levou 13 anos para ser aprovado. A regulamentação da iniciativa popular deve ter como eixo principal a simplificação do processo e a utilização de urnas eletrônicas. 15


1.2. Instituir a obrigatoriedade nos estados e municípios do plebiscito, referendos e iniciativa popular Defendemos que Estados e municípios criem mecanismos de participação direta. Há projetos de leis em tramitação em sete estados e em mais de uma dezena de municípios. 1.3. Plesbicitos e referendos para os acordos internacionais Defendemos que todos os acordos internacionais assinados pelo governo brasileiro com as instituições multilaterais ( FMI, Banco Mundial, Banco Interamericano e OMC), sejam aprovados pelo Congresso Nacional e referendados pela população. 1.4. Criação de política de financiamento público e de controle das doações privadas para as campanhas de formação de opinião nos processos de referendos e plebiscitos Defendemos a exclusividade de financiamento público para os processos de plebiscitos e referendos, para não se repetir o que ocorreu no referendo do desarmamento, quando a indústria das armas financiou o “não”. O financiamento público exclusivo pode garantir uma certa igualdade nas disputas. 1.5. Construção de uma política pública de educação para a cidadania Considerando-se os enormes déficits de informações necessárias ao exercício pleno da participação propomos que os diversos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) criem programas de formação e campanhas educativas com o objetivo de proporcionar à população as informações e os instrumentos necessários ao exercício de uma participação mais qualificada junto aos diversos espaços participativos de incidência sobre as políticas públicas. Tais ações não devem pretender substituir o papel já realizado nesta direção, por diversas organizações não-governamentais, mas, sim, assumir a parcela de responsabilidade que cabe ao Estado de criar condições eqüitativas para que a sociedade civil possa influir efetivamente sobre as políticas públicas. 1.6. Revogação popular de mandatos eletivos A representação não pode ser um cheque em branco. Defendemos o direito da população revogar mandatos por meio de plebiscito, convocado pelo mínimo de 30% de eleitores/as aptos/as. Com no mínimo de 50% dos votos favoráveis, revoga-se o mandato. 1.7. Fazer referendo sobre a Reforma Política aprovada pelo Congresso Nacional Defendemos a convocação de referendo para aprovar a reforma política.

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2. FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA EMENTA É necessário superar a atual fragmentação e paralelismo da arquitetura da participação. Os inúmeros espaços de participação, em especial os Conselhos de políticas e as Conferências, não dialogam entre si e muito menos tensionam o atual sistema político representativo. A participação popular nesses espaços é majoritariamente uma participação consultiva, setorializada, reproduzindo a fragmentação existente nas políticas públicas e o distanciamento das decisões econômicas referente à alocação de recursos públicos. Precisamos ampliar os espaços públicos, institucionais ou não, de debate, a nossa capacidade de mobilização e de pressão política, desenvolver e fortalecer os espaços de participação para o controle das políticas e de recursos públicos, garantindo-lhes mecanismos para o efetivo compartilhamento do poder de decisão. Para tanto, propõe-se a construção de um sistema integrado de participação popular. PROPOSTAS: 2.1. Participação na definição das prioridades de pauta do Congresso Nacional e demais Câmaras legislativas Defendemos o direito da população em participar na definição das prioridades das pautas legislativas. O primeiro ato de cada sessão legislativa (início do ano) será convovar audiência pública ou assembléia popular com a participação de parlamentares e representantes de entidades representativas da sociedade civil (com reconhecida atuação em prol do interesse público), com objetivo de debater a pauta de votação daquele ano, elegendo prioridades. 2.2. Criar mecanismos de participação, deliberação e controle social das políticas econômicas e de desenvolvimento Não existem mecanismos de participação e controle social nas políticas econômicas. Defendemos a criação desses mecanismos começando por: a) Criação de mecanismos de participação e controle social nas decisões do Banco Central, CMN – Conselho Monetário Nacional e no Cofiex - Comissão de Financiamento Externo. b) Criação de mecanismos de controle social sobre recursos parafiscais: ( recursos públicos que estão fora do orçamento federal) e que são administrados pelo BNDES, Caixa-Econômica, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia. 2.3. Criação de mecanismos de participação e de controle social do ciclo orçamentário (formulação/ definição, execução, avaliação/monitoramento e revisão) na União, estados e municípios Defendemos que esses mecanismos devam ser integrados ao conjunto de mecanismos de participação já existentes (Conselhos, Conferências, plebiscitos, referendos etc) e que o Poder Executivo, ao elaborar a proposta orçamentária, seja obrigado a respeitar as deliberações dos conselhos. Para entender melhor o ciclo do orçamento ver anexo 02. 2. 4 - Reforma das Regras de Tramitação do Orçamento no Poder Legislativo: fim das emendas individuais Defendemos que o processo de discussão e aprovação do orçamento público (PPA, LDO e LOA) pelos legislativos devem contemplar a participação ativa da sociedade civil. Defendemos o fim das emendas parlamentares individuais e carimbadas. O Legislativo pode e deve definir o total dos recursos que se destina a uma determinada política pública. 2.5. Acesso universal às informações orçamentárias na União, estados e municípios Defendemos a implementação de canais de acesso público a todas as informações orçamentárias dos governos federal, estaduais e municipais. Em alguns casos, essas informações encontram-se em sistemas informatizados. Trata-se de garantir o acesso irrestrito à toda população, ou ao menos às organizações da sociedade civil organizada. 17


2.6. Continuidade de planos e programas das políticas públicas Criar mecanismos legais que assegurem a continuidade de planos setoriais e programas, sobretudo na área de políticas sociais, deliberados no âmbito de conselhos e conferências e que tenham demonstrado a comprovada efetividade de seus resultados. O que supõe a criação de mecanismos de avaliação. 2.7. Criar mecanismos de diálogo e de interlocução dos diferentes espaços de participação e controle social Nos últimos anos, foram criados vários conselhos nas diferentes políticas públicas. Esses conselhos, com as conferências, nas três esferas de governo ( federal, estadual e municipal) formam os sistemas descentralizados e participativos. Defendemos a atualidade e a necessidade de aperfeiçoar estes sistemas. Avaliamos que um dos desafios é a criação de mecanismos de diálogo e interlocução entre esses diferentes espaços. Mais detalhes sobre os conselhos e as conferências ver anexo 03.

3. APRIMORANDO A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: SISTEMA ELEITORAL E PARTIDOS POLÍTICOS EMENTA A representação política de vereadores/as, deputados/as estaduais e federais e senadores/as, a delegação de mandatos a prefeito/as, governadores/as e presidentes/as da República é uma condição necessária para a democracia. Por isto, é preciso democratizar as instituições representativas, inclusive e especialmente porque no tipo de democracia que vivemos no Brasil, este é o principal espaço de processamento e decisão sobre os conflitos sociais, econômicos e de interesses, ainda que absolutamente insuficiente. Apesar de defendermos que a reforma política diz respeito não somente aos processos eleitorais ou aos partidos, mas sim a todos os processos decisórios, portanto, de poder, entendemos necessário aperfeiçoar a democracia representativa, o que implica mudanças no sistema eleitoral e partidário. Neste sentido propomos uma reforma profunda dos processos eleitorais com as seguintes propostas: PROPOSTAS 3.1 - Financiamento público exclusivo de campanhas Defendemos o financiamento das campanhas eleitorais exclusivamente com dinheiro público. Doações de pessoas físicas e empresas são proibidas e sujeitas à punição, tanto para o/a candidato/a que receber quanto para quem doar. Hoje as campanhas se sustentam por meio de financiamento privado, favorecendo, de antemão, os grandes grupos econômicos e as suas candidaturas. O financiamento público exclusivo é fundamental para combater a privatização e mercantilização da 18


política, a corrupção eleitoral, o poder dos grupos econômicos nos processos eleitorais e favorecer a participação política de segmentos socialmente excluídos, como mulheres, afrodescendentes e jovens, entre tantos/as outros/as, no acesso à representação política. Defendemos que os recursos para as campanhas sejam exclusivamente desta forma de financiamento, não podendo os partidos usarem recursos de filiados/as ou do fundo partidário para os processos eleitorais. 3.2. Manutenção dos partidos políticos exclusivamente através de contribuições de filiados definidos em convenções partidárias e dos fundos partidários Esta proposta é em decorrência da proposta anterior, definindo claramente a forma de captação de recursos pelos partidos políticos. Previsão de cancelamento, temporário ou definitivo, de partido que desrespeitar esta norma. As convenções partidárias definem o patamar máximo de contribuição dos/as filiados/as, sendo esta decisão tornada pública. 3.3.Destinação do tempo de propaganda partidária para ações afirmativa Defendemos que pelo menos 30% do tempo de propaganda partidária gratuita na mídia seja para a promoção da participação política das mulheres, afrodescedentes , indígenas, homossexuais, idosos/as e pessoas com deficiência. Esta ação afirmativa procura promover uma nova cultura política e combater todas as formas de discriminações e preconceitos na política. 3.4. Uso de recursos do fundo partidário para a educação política e ações afirmativas Defendemos que sejam destinados pelo menos 30% do fundo partidário às instâncias de mulheres afro-descedentes, indígenas, homossexuais, idosos/as e pessoas com deficiência (organizados/as nos partidos) para promoverem ações voltadas ao fortalecimento e ampliação da participação desses sujeitos na política. 3.5. Implantação da Fidelidade Partidária Defendemos a implantação da fidelidade partidária. Atualmente, cada partido adota suas próprias disposições sobre fidelidade partidária. No entanto, as/os representantes eleitas/os podem mudar de partido sem perderem seus mandatos. Defendemos que os mandatos não são propriedade particular de cada eleita/o, mas sim da cidadania. Portanto, a vontade popular, expressa por meio do voto, tem de ser respeitada e não pode ser infringida. Reivindicamos que a troca de partido redunde em perda automática do mandato da/o eleita/o e que a sua substituição seja pela/o candidata/o suplente da mesma legenda ou coligação. Em caso de perda de mandato por saída do partido, defendemos que o candidato seja filiado pelo menos há dois anos em outro partido, para poder disputar qualquer eleição. 3.6. Voto de legenda em listas partidárias preordenadas Defendemos a adoção de listas partidárias preordenadas. No sistema atual, as/os eleitoras/os votam em candidatas/os, os quais acabam se sobrepondo aos partidos políticos. Este sistema favorece o personalismo e a competição interna em cada partido. A adoção da lista fechada, em que as/os eleitoras/os votam nos partidos e não em pessoas, é essencial para combater o personalismo, fortalecer e democratizar os partidos. No entanto, a lista fechada só significa avanço efetivo caso seja garantida a sua formação com alternância de sexo e observância de critérios étnicoraciais ,geracionais, de orientação sexual, etc. (organizados nos partidos) Caso contrário, estas “minorias políticas” poderão ser incluídas ao final das listas e não conseguirão se eleger nunca, mantendo-se o mesmo perfil de eleitos no poder: homem, branco, proprietário e heterossexual. Com esta proposta, os/as eleitores/as não mais elegerão individualmente seus/suas candidatos/as a vereador/a, deputado/a estadual e federal, mas votarão em listas previamente ordenadas pelos partidos, definidas em convenção partidária. A distribuição de cadeiras seria semelhante à que se processa hoje: cada partido continuaria recebendo o número de lugares que lhe corresponde pela proporção de votos que obteve. Assim, se um partido tem direito a oito cadeiras, entram os/as oito primeiros colocados/as da lista. 19


3.7. Possibilidade de criação de federações partidárias Defendemos a criação de federações partidárias para substituir as coligações partidárias, tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, sejam elas para cargos federais, estaduais ou municipais. A federação permite que os partidos com maior afinidade ideológica e programática se unam para atuar de maneira uniforme em todo o País. Ela funciona como uma forma de agremiação partidária, formada até quatro meses antes das eleições. Durante três anos, eles deixarão de atuar como partidos isolados e passarão a agir como se fossem um único partido. Hoje um partido pode se coligar com outro para uma eleição e desfazer a união logo em seguida. 3.8. Fim da cláusula de barreira Defendemos o fim da cláusula de barreira. Pela legislação em vigor, os partidos só terão representação na Câmara dos Deputados (e direito à participação no fundo partidário) a partir das eleições de 2006, se obtiverem 5% dos votos do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos nove Estados e com pelo menos 2% em cada um deles. Os que defendem a cláusula de barreira argumentam sobre a necessidade de reduzir o grande número de partidos existentes, dos quais muitos são legendas de aluguel e não merecem apoio público. Já a defesa do fim da cláusula de barreira se sustenta na idéia de que a exigência desse percentual de votos restringe a expressão político-partidária dos pequenos partidos e que não cabe restringir, de princípio, a vida e as oportunidades dos partidos. Consideramos que as/os eleitoras/os são as/os únicas/os soberanas/os para determinarem, pelo voto, sobre a existência dos partidos e sobre o direito, inclusive, de poderem se desenvolver e crescer. Quanto aos partidos de aluguel, há que se desenvolver instrumentos que punam este tipo de corrupção, sem sacrificar a liberdade de organização político partidária. 3.9. Prazo de filiação Defendemos que o prazo de filiação partidária exigido para o/a candidato/a seja de um ano antes da realização da eleição, ou dois anos, caso já tenha sido filiado a outro partido. Para concorrer às eleições, o candidato deverá ainda possuir domicílio eleitoral na circunscrição, pelo menos, um ano antes do pleito. A atual legislação prevê o período mínimo único de um ano. Defendemos que os membros do Poder Judiciário, também, sejam sujeitos a estas normas. 3.10. Fim da reeleição para todos os cargos executivos Defendemos o fim da reeleição para todos os cargos executivos e que os mandatos sejam de seis anos, e não mais de quatro anos. 3.11. Limites de mandatos Defendemos a impossibilidade de exercer mais de dois mandatos eletivos consecutivos em qualquer tipo de eleição a cargo político, sendo obrigado a uma quarentena de quatro anos. 3.12. Proibição de disputar novas eleições Defendemos que uma vez eleito/a para um mandato, tanto para o Executivo, quanto para os/as candidatos/as do Legislativo, sejam proibidos/as de disputar novas eleições sem terminar os mandatos para o qual foram eleitos/as. Por exemplo, um deputado/a eleito/a não pode renunciar ou se afastar do seu mandato para concorrer a prefeito/a. Defendemos, também, que alguém que tenha sido eleito parlamentar não assuma cargos no Executivo no período do seu mandato. 3.13. Suplente de Senador/a Defendemos que o nome do/a suplente a senador/a conste da cédula eleitoral ( urna eletrônica) 3.14. Fim da votações secretas nos legislativos Defendemos que nenhuma votação seja secreta nos Legislativos, pois entendemos que o/a parlamentar tem que prestar contas das suas ações e das suas posições políticas. 3.15. Imunidade parlamentar Defendemos o fim da imunidade parlamentar, a não ser exclusivamente ao direito de opinião e denúncia. 20


3.16. Foro privilegiado Defendemos o fim do direito a foro privilegiado, a não ser no que se refere ao estrito exercício do mandato ou do cargo. 3.17. Pesquisas eleitorais Defendemos o fim da publicação de pesquisas às vésperas do pleito. O prazo permitido deve ser de uma semana antes do fim das propagandas gratuitas na mídia. 3.18. Gravação de propaganda para rádio e TV Defendemos que as gravações de propaganda de rádio e TV só sejam permitidas em estúdios. Isso diminui os custos das campanhas e os efeitos de marketing. 3.19. Cabos eleitorais Defendemos a proibição de contratação de cabos eleitorais nas campanhas. 3.20. Fim do Nepotismo Defendemos a proibição de qualquer tipo de nepotismo direto ou cruzado nos três Poderes e nas três esferas de governo e a classificação, no Código Penal, desta prática política, como crime. 3.21. Fim do sigilo bancário, patrimonial e fiscal Defendemos o fim do sigilo bancário, patrimonial e fiscal para candidatos/as e representantes do Poder Executivo e Legislativo para ocupantes de altos cargos do poder Executivo e Legislativo, sejam concursados ou nomeados. 3.22. Relação com empresas que prestam serviços ao Estado Defendemos que detentores/as de mandatos e seus familiares não mantenham vínculos administrativos de direção ou de propriedade com entidades ou empresas que prestem serviços ao Estado, sob pena de perda de mandato 3.23. Exigência de concursos públicos para preenchimento de cargos públicos nos três poderes Defendemos que qualquer função pública seja acessada predominantemente por concursos públicos. Neste sentido, é necessário ter uma legislação que delimite claramente a questão dos chamados cargos de confiança. 3.24. Tribunais de Contas Defendemos concurso Público para a escolha dos ministros dos Tribunais de Contas (hoje são indicados pelos Legislativos). 3.25. Reforma da Justiça Eleitoral 1. Criar, com a participação da sociedade civil, o Conselho Nacional de regulamentação do processo eleitoral, tirando este poder do TSE. 2. Criar órgão executivo eleitoral independente. 3. Criar órgão fiscalizador composto pelos Partidos e organizações da sociedade civil, com dotação orçamentária própria. 4. Manter o TSE com a função judiciária e, preferencialmente, que seus juízes não sejam os mesmos de instâncias superiores, evitando que recursos contra suas decisões voltem a cair nas suas próprias mãos ou nas mãos de seus pares. Para compreender melhor as propostas referentes à Justiça Eleitoral, ver anexo 04. No anexo 05, está uma análise de como está a discussão dos projetos de leis em tramitação no Congresso Nacional, que dizem respeito a esta plataforma. 21


4 - DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO EMENTA O direito à comunicação é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. Assumir a comunicação como um direito fundamental significa reconhecer o direito de todo ser humano de ter voz, de se expressar. Hoje, no Brasil, nove famílias controlam os principais jornais, revistas e emissoras e rádio e TV, nove têm liberdade e 180 milhões de pessoas têm que aceitar o que é imposto por poucos/as. Informação é poder!

A comunicação, numa sociedade democrática, pertence ao povo. Seu espaço é necessariamente público e o único poder legítimo para regular suas práticas emana da coletividade, que é quem deveria decidir sobre as questões relacionadas ao tema. Infelizmente, a organização do espaço público de comunicação no Brasil fez-se até hoje sem a imprescindível participação popular. Sociedade e comunicação democráticas são indissociáveis. Pertencem ao mesmo universo e sua relação não pode ser dissolvida. Se a comunicação joga um papel fundamental para a realização plena da cidadania e da democracia brasileira, a democratização da comunicação representa condição fundamental para o efetivo exercício da soberania popular.

Por isso, propomos a criação do sistema público de comunicação.

PROPOSTAS: 4.1. Sistema público de comunicação Defendemos a criação do sistema público de comunicação, conforme a Constituição de 1988, que prevê a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de comunicação. No entanto, o sistema público praticamente não existe, e o estatal é fragilizado. Para que a comunicação possa acontecer livre de interesses comerciais ou políticos, é necessário equilibrar a proporção entre estes sistemas e outorgar parte das concessões a organizações da sociedade civil, garantindo mecanismos de financiamento.

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4.2. Controle de propriedade Defendemos o controle público da propriedade dos meios de comunicação. O combate à concentração da propriedade é chave para a democratização da comunicação no Brasil. Um exemplo de controle de propriedade é a proibição de que um mesmo grupo monopolize diferentes meios de comunicação. 4.3. Controle público Defendemos o controle público sobre os meios de comunicação, que vise democratizar e dar transparência à formulação e o acompanhamento das medidas de restrição (controle de propriedade) e de promoção (sistema público e estímulo à diversidade). Tais medidas constituem-se na criação de espaços públicos de deliberação, composto por ampla representação de segmentos políticos e sociais, que têm como função fiscalizar os detentores de concessões públicas, propor correções e sanções. 4.4. Propagandas oficiais Defendemos a proibição de propagandas oficiais pagas em meios de comunicação privados. 4.5. Software livre Defendemos a criação de política pública de incentivo ao uso de software livre. 4.6 .Horário gratuito Defendemos o direito de horário gratuito para as organizações da sociedade civil, assim como os partidos políticos têm este direito. Para entender melhor estas propostas, ver anexo 06. 5. TRANSPARÊNCIA NO PODER JUDICIÁRIO Ementa O Poder Judiciário é o poder ao qual a população tem mais dificuldades de acessar. Os/as profissionais do Poder Judiciário são concursados/as ou são cargo de confiança. Não estão sujeitos/as a nenhum tipo de controle social ou à participação da população.

Por isso, precisamos construir mecanismos de participação e controle social sobre o Poder Judiciário, para que cumpra o papel regulador das relações sociais, econômicas e políticas, e não o que muitas vezes faz, comportando-se como um poder submisso aos interesses das classes poderosas e dos/as que estão de plantão no poder, sujeito a influências políticas, corrupção, nepotismo, venda de sentenças, processos decididos por juízes/as parentes dos/as demandante beneficiado, enfim, um poder frágil perante às pressões das elites locais. Por isso, propomos a transparência e a democratização do Poder Judiciário. PROPOSTAS: 5.1. Concurso Público Defendemos o acesso às funções do Poder Judiciário exclusivamente por concurso público, em todas as instancias e para todas as funções. 5.2. Fim do STF Defendemos o fim do STF (Supremo Tribunal Federal) e a criação de um Tribunal Constitucional como única instância acima do Superior Tribunal de Justiça. A escolha dos Ministros do Tribunal Constitucional se daria por meio de eleições diretas nos vários grupos de operadores do direito, por rodízio, OAB, Ministério Público Federal e dos Estados e do Distrito Federal, Juizes federais e estaduais, Advocacia Geral da União e Procuradoria dos Estados. Hoje, os ministros do STF são escolhidos pelo presidente da República. 23


5.3. Defensorias públicas municipais Defendemos a obrigatoriedade da criação nos municípios das defensorias públicas. 5.4. Fim do sigilo bancário, patrimonial e fiscal Defendemos o acesso público a todas as informações bancárias, fiscais e patrimoniais de todos os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. 5.5. Corregedorias Populares Defendemos a criação de corregedorias com a participação da sociedade civil para avaliar e fiscalizar a ação do Poder Judiciário. 5.6. Demissão de Juízes/as e promotores/as Defendemos a demissão de juízes/as e promotores/as quando comprovados casos de corrupção, venda de sentenças, tráfico de influências ou vínculo com grupos criminosos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Reforma Política pode ser pensada em dois sentidos:

1) Sentido amplo: significa pensar as práticas políticas, em todos os espaços de expressão política, no âmbito do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário); dos partidos políticos e da sociedade civil organizada. Pensar as formas de participação, de representação política, com seus processos eleitorais, e de tomada de decisões. Pensar as relações entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. E, além disso, pensar as relações entre Estado, partidos políticos e movimentos sociais. 2) Sentido restrito: significa pensar os sistemas e os processos político-eleitorais e políticopartidários. Este sentido restrito tem prevalecido nas discussões e em todas as reformas realizadas nos últimos tempos. Assim, é fundamental radicalizar a democracia, aprofundar o diálogo, processar os conflitos existentes, respeitar as diferenças, assegurar a transparência e a participação social nas três esferas da política: no âmbito do Estado, dos partidos políticos e da sociedade civil organizada. Optamos em construir uma plataforma que vai no sentido amplo da reforma, identificando as principais propostas de alterações das instituições do sistema político. Procurou-se mapear as propostas que vão desde as alterações superficiais no sistema eleitoral até chegar às sugestões de alterações no sistema político como um todo. Mas sempre valorizando as mudanças que impliquem novos arranjos de poder na vida política brasileira, portanto, a construção de uma nova cultura política em que a defesa do interesse público, portanto das maiorias, esteja no centro das decisões e isto tudo com participação popular real.

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ANEXO 01

REGULAMENTAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DIRETA Tramitação A Sugestão n° 84/2004 de Anteprojeto de Lei foi apresentado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, com o apoio da CNBB ( Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) com base na proposta formulada pelo jurista Prof. Fábio Konder Comparato. Esta proposta tramitou primeiramente na Comissão de Legislação Participativa (CLP), onde foi relatada pela Dep. Luiza Erundina (PSB-SP), que deu parecer pela aprovação. Foi aprovado o parecer e transformado no PL 4.718 de 2004 (PL= projeto de lei). Em 2005, foi juntado ao PL 6.928 de 2002, de autoria da Dep. Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) que tramitava na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara (CCJC). Nessa comissão, a relatoria cabia ao Dep. Roberto Freire (PPS-PE). O parecer do Dep. Roberto Freire foi pela constitucionalidade do projeto e, no mérito, pela aprovação da proposição 6.968/2002 (assim como do PL 689/2003, do PL 758/2003 e do PL 4718/2004, apensados), tendo apresentado um substitutivo. Em maio de 2006, pelo fato de a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ter apensando um novo projeto (7004/2006) ao o PL 6928/2002, esta proposição foi devolvida ao Dep. Roberto Freire. Até julho de 2006, o deputado não havia apresentado um novo parecer.

Conteúdo A proposta da OAB e da CNBB tem por objetivo a regulamentação do artigo 14 da Constituição Federal, do que se trata do plebiscito, referendo e iniciativa popular. A Constituição Federal de 1988, ao declarar que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente” (art. 1º, parágrafo único), em outras palavras, preceitua que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, com o poder exercido pelo povo, de forma direta ou indireta. O projeto, entre outras coisas: 1) prevê a possibilidade de convocação de plebiscito e referendo a partir de iniciativa popular, seguindo os mesmos parâmetros da iniciativa popular legislativa; 2) disciplina hipóteses em que o plebiscito deverá necessariamente ser realizado, como por exemplo, em caso de mudança de qualificação de bens públicos ou a alienação de jazidas pela União Federal; 3) prevê como obrigatório o referendo popular de qualquer lei que verse sobre matéria eleitoral, desde que não oriunda de iniciativa popular; 4) dá tratamento especial à iniciativa popular legislativa, facilitando as informações a serem apresentadas pela população; Já o PL 6.928 de 2002, proposta de autoria da Dep. Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) buscar criar o Estatuto para o Exercício da Democracia Participativa, regulamentando a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal, revogando a atual Lei nº 9.709/98 (vigente) que disciplina a matéria. Todos esses projetos estão tramitando conjuntamente à espera de novo parecer do Deputado Freire, que até o momento manifestou inconstitucionalidade do art. 12 do PL 4718/04, pois discorda da intenção do artigo de conferir competência à Justiça Eleitoral em matéria de plebiscito e referendo. 26


ANEXO 02

O PROCESSO ORÇAMENTÁRIO

Com a Constituição, de 1988, o Congresso Nacional recupera atribuições em relação ao orçamento público (retiradas pela ditadura militar), O artigo 165 da CF estabelece importantes mudanças na legislação orçamentária e a hierarquia dos instrumentos de planejamento de médio e longo prazos: - Plano Plurianual de Ação - PPA - Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO - Lei do Orçamento Anual – LOA Em maio de 2000 o Congresso Nacional aprova a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF (101/2000). Esta nova lei introduziu novas responsabilidades para o administrador público com relação aos orçamentos da União, dos Estados e municípios, instituindo mecanismos de transparência fiscal e controle social dos gastos públicos, como limite de gastos com pessoal, proibição de criar despesas de duração continuada sem uma fonte segura de receitas, entre outros. Por seu intermédio, foi criada a restrição orçamentária na legislação brasileira, bem como a disciplina fiscal para os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Em maio de 2006 o Fórum Brasil de Orçamento apresenta à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados a Proposta da Lei de Responsabilidade Fiscal e Social – LRFS. Essa proposta ao modificar a LRF visa discutir o papel do Estado no cumprimento de metas sociais e não apenas na disciplina fiscal como a LRF. Encontra-se em apreciação na Comissão. Plano Plurianual (PPA) - O Projeto de Lei do PPA define as prioridades do governo por um período de quatro anos. De acordo com a Constituição Federal, o Projeto de Lei do PPA é elaborado pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo e deve conter “as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada”. O PPA estabelece a ligação entre as prioridades de longo prazo e a Lei Orçamentária Anual. No nível federal, o prazo para o envio da proposta do Executivo para o Legislativo é até 31 de agosto do primeiro ano do mandato e a aprovação da proposta pelo Legislativo é até 15 de dezembro. O PPA tem vigência de quatro anos. Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – A LDO estabelece as metas e prioridades para o ano seguinte, orienta a elaboração do Orçamento, dispõe sobre alteração na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das agências financeiras de fomento (SUDENE, CODEVASF). Com base na LDO aprovada pelo Legislativo, o ministério do planejamento elabora a proposta orçamentária para o ano seguinte, em conjunto com os demais Ministérios ou Secretarias e as unidades orçamentárias dos poderes Legislativo e Judiciário. O prazo para o envio da proposta do Executivo para o Legislativo é até 15 de abril e o prazo para a aprovação pelo Legislativo é até 30 de junho. A LRF ampliou o significado e a importância da LDO. Com a LRF a LDO passa a dispor também sobre: 27


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Equilíbrio entre receitas e despesas; Metas fiscais; Riscos fiscais; Condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas; Forma de utilização e montante da reserva de contingência a integrar a lei orçamentária anual; Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

Lei do Orçamento Anual - O governo define no Projeto de Lei Orçamentária Anual as prioridades contidas no PPA e na LDO e as metas que deverão ser atingidas naquele ano. A LOA disciplina todas as ações do governo. É dividida em Orçamento Fiscal, da Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social) e de Investimentos das Empresas Estatais. O Legislativo discute a proposta enviada pelo Executivo, faz as modificações que julgar necessárias por meio de emendas e, por fim, vota o projeto. Depois de aprovado, o projeto é sancionado pelo presidente da República e se transforma em Lei. O Poder Executivo tem até 31 de agosto de cada ano para enviar sua proposta ao Legislativo e este tem até 15 de dezembro para votar a proposta. Cabe ressaltar que os prazos apresentados são da União, podendo haver modificações para os estados e municípios. Em resumo, pode se dizer que cada um dos poderes tem papel fundamental na concepção, formulação, execução e controle do orçamento federal: Executivo: Elaboração, Execução e Controle Interno. Legislativo: Apreciação, Aprovação e Controle Externo (com auxílio do TCU). Judiciário: Julgamento de irregularidades aferidas no controle. Ministério Público: Quando acionado, realiza investigação e abre processo para incriminar os responsáveis por irregularidades. A não ser em momentos específicos previstos pela LRF (audiências públicas), não existe previsão de participação social em nenhuma das etapas nem do ciclo, nem do processo orçamentário. Como se pode ver, ou a discussão do orçamento fica restrita à burocracia de governo ou aos representantes eleitos/as. A previsão de realização de audiências públicas pela LRF ainda não se colocou como realidade. Para combater os elementos estruturantes da cultura política existente, como por exemplo, patrimonialismo, clientelismo, corrupção é fundamental que a reforma política abra espaços efetivos de participação da sociedade nas questões orçamentárias.

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ANEXO 03

QUADRO DOS CONSELHOS NACIONAIS E CONFERÊNCIAS Não temos um levantamento atualizado e preciso do número dos conselhos no Brasil nem das organizações e pessoas envolvidas, muito menos, análises mais globais da efetividade destes instrumentos na construção de políticas públicas. O que seriam hoje as políticas públicas sociais no Brasil, com o desmonte do Estado em curso com as políticas neoliberais, sem a criação do sistema descentralizado e participativo? É uma bela pergunta a ser feita. A impossibilidade de responder a esta questão dificulta qualquer analise qualitativa que se queira fazer. Portanto, só podemos, e ainda de forma limitada, nos ater aos números disponíveis, mesmo que insuficientes e desatualizados. O quadro que apresentamos abaixo se refere aos conselhos municipais em 10 políticas sociais e foi elaborado a partir da Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE de 1999, portanto, com seis anos de defasagem. Nota-se que o quadro se refere aos conselhos criados, não entrando na análise do funcionamento e eficácia dos conselhos. Não apresentamos dados de conselhos estaduais por não os encontrar. Conselhos Municipais existentes em 1999

Fonte: IBGE. Perfil dos Municípios Brasileiros, 1999. Elaboração Luciana Jaccoud e Frederico Barbosa do IPEA

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Quadro dos Conselhos Nacionais existentes em 2006 Agricultura e desenvolvimento Rural 1. Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA) 2. Conselho do Agronegócio (Consagro) 3. Conselho Assessor Nacional da Embrapa ** 4. Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF ** Trabalho 5. Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) 6. Conselho Nacional de Imigração 7. Conselho Curador do FGTS 8. Conselho Nacional de Aqüicultura e Pesca – CONAPE * 9. Conselho Nacional de Economia Solidária * 10. Conselho Nacional do Trabalho * 11. Conselho Nacional do Programa Primeiro Emprego * Integração Regional 12. Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento da Amazônia 13. Conselho Nacional da Amazônia Legal (Conamaz) 14. Conselho de Administração da Suframa 15. Conselho Deliberativo do Fundo Constitucional do Centro-Oeste 16. Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento do Nordeste Ciência e Tecnologia 17. Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) 18. Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPQ) 19. Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 20. Conselho de Administração do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos 21. Conselho Superior da Agência Espacial Brasileira 22. Conselho de Administração da Finep 23. Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGIbr * 24. Conselho Nacional de Informática e Automação Sociais e de Defesa de Direitos 25. Conselho Nacional de Assistência Social 26. Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana 27. Conselho Nacional dos da Criança e do Adolescente (Conanda) 28. Conselho Nacional de Educação (CNE) 29. Conselho Federal do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos 30. Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) 31. Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) 32. Conselhos de Recursos da Previdência Social (CRPS) 33. Conselho Nacional de Saúde 34. Conselho Consultivo da Anvisa 30


35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43.

Conselho dos Contribuintes Conselho Nacional de Segurança Alimentar - CONSEA * Conselho Nacional de Juventude - CNJ * Conselho das Cidades * Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR * Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM ** Conselho Nacional dos Direitos do Idoso ** Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD ** Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE. **

Cultura 44. Comissão Nacional de Incentivo à Cultura 45. Conselho Nacional de Política Cultural 46. Conselho Curador da Fundação Cultural Palmares Políticas econômicas e de desenvolvimento 47. Conselho de Administração do BNDES 48. Conselho Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Conmetro) 49. Conselho de Orientação do Fundo Nacional de Desenvolvimento (COFND) 50. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) 51. Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES * 52. Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial – CNDI * 53. Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual ** Segurança Pública e antidrogas 54. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária 55. Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp) 56. Conselho Nacional Antidrogas Meio ambiente 57. O Conselho Nacional de Política Energética 58. Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 59. Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) 60. Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente 61. Conselho Nacional de Recursos Hídrico ** Esporte 62. Conselho Nacional do Esporte * Transparência e corrupção 63. Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção * Turismo 64. Conselho Nacional do Turismo ** * Conselhos criados no Governo Lula ** Conselhos reformulados no Governo Lula 31


Identificamos 64 Conselhos Nacionais; destes, 13 foram criados no Governo Lula, e 9 foram reestruturados neste mesmo período. Portanto, 42 foram criados antes do governo Lula. Chamamos atenção que a distribuição por área foi uma escolha, que levou em conta o órgão que o conselho é vinculado e as suas atribuições. Às vezes fica difícil de diferenciar as atribuições de um conselho do outro ou ate aonde vai o poder de um e começa o poder de outro conselho, pois muitos têm competências e atribuições parecidas, difusas, concorrentes e sobrepostas, mostrando a ausência de uma política para esses espaços, que chamamos de arquitetura da participação. A participação no governo Lula em números Se olharmos unicamente numa perspectiva numérica e de quantidade, veremos que no governo Lula houve um grande avanço nos processos participativos. No total, foram criados 13 novos Conselhos Nacionais,mas com concepções diferentes da do movimento social que construiu a estratégia política de construção dos sistemas descentralizados e participativos nas diferentes políticas. Os conselhos criados não são deliberativos, não são paritários e a sociedade civil não escolhe seus representantes, exceção o conselho das cidades. Além, de criar novos conselhos nacionais, o governo Lula reformulou nove conselhos nacionais, adaptando as novas exigências legais e/ou políticas.

Conselhos Nacionais criados no Governo Lula 1) Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES 2) Conselho Nacional de Segurança Alimentar - CONSEA 3) Conselho Nacional de Juventude - CNJ 4) Conselho das Cidades 5) Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção 6) Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR 7) Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGIbr 8) Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial – CNDI 9) Conselho Nacional de Aqüicultura e Pesca – CONAPE 10) Conselho Nacional de Economia Solidária 11) Conselho Nacional do Trabalho 12) Conselho Nacional do Programa Primeiro Emprego 13) Conselho Nacional do Esporte

1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) 32

Conselhos Nacionais reformulados no Governo Lula Conselho Nacional dos Direitos do Idoso Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual Conselho Nacional do Turismo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF Conselho Nacional de Recursos Hídrico Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD Conselho Assessor Nacional da Embrapa Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE.


No total, foram realizadas no governo Lula 35 (já incluídas as que vão se realizar até o final do mandato) Conferências Nacionais e 2 Conferências Internacionais. Segundo dados oficiais do governo federal, ao final do ciclo de conferências nacionais 2003/2006 mais de dois milhões de brasileiros/ as participaram das conferências municipais, regionais, estaduais e nacional. Isso sem contar com os/as estudantes que participaram das conferências infanto-juvenis de meio ambiente (cerca de seis milhões). Vale ressaltar que das 35 conferências nacionais, 15 foram realizadas pela primeira vez, e a de Direitos Humanos de 2004 foi a primeira convocada pelo Executivo. Conferências realizadas pela primeira vez: meio ambiente ( versão adulta e infanto juvenil); aqüicultura e pesca; cidades; medicamentos e assistência farmacêutica; terra e água; arranjos produtivos locais; políticas para as mulheres; esporte; cultura; promoção da igualdade racial; povos indígenas; direitos da pessoa com deficiência; direitos da pessoa idosa; econômica solidária e educação profissional e tecnológica. Conferências Nacionais/Internacionais realizadas no Governo Lula

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* soma dos participantes das etapas municipais, estaduais e nacional. ** soma dos participantes das etapas estaduais e nacional *** n찾o foi convocada pelo Executivo e sim pelo Congresso Nacional e f처rum de entidades n찾o governamentais (FNEDH)

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ANEXO 04

REFORMA DA JUSTIÇA ELEITORAL

Em seu livro “O Espírito das Leis”, Montesquieu trata da separação de poderes, como forma de melhor garantir a liberdade dos indivíduos contra os abusos de poder do Estado. Para tanto, “é preciso que, pela disposição das coisas, o poder contenha o poder”, pois a liberdade estaria perdida se “o mesmo homem, ou o mesmo corpo de notáveis, ou de nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as decisões públicas e o de julgar os crimes ou pendências entre particulares.” Baseado nisso, a CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL define logo no seu início: TÍTULO I Dos Princípios Fundamentais Art. 1º ... Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Sendo assim, “a soberania do povo, em nome do qual todo o poder é exercido, tem no direito ao voto universal e secreto o meio de expressão da soberania popular. Tal direito carece de amplo exercício de fiscalização para sua completa efetivação. Fiscalização esta que deve ser exercida e compreendida, motu próprio, pelo eleitor /a comum, mediano/a, titular primeiro/a desta soberania” (Celso Três, em A SOBERANIA DO POVO NA FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE SUA SOBERANIA.) No Brasil, porém,um único órgão concentra os três Poderes, escapando completamente de todos os princípios listados acima e, por ter a palavra “tribunal” no seu nome (Tribunal Superior Eleitoral), sendo denominada por isto de Justiça Eleitoral, exerce, além da função judicial, também toda administração executiva e a normatização legislativa do processo eleitoral. Esta situação, incomum no resto dos processos eleitorais no mundo , foi construída ao longo de nossa história. A criação do TSE, em 1932, visava democratizar as eleições brasileiras, marcando o fim da época conhecida como a do Voto à Bico de Pena e da Política Café-com-Leite. Vários conceitos que são essenciais numa democracia moderna, como o voto universal (de todos e todas), a inviolabilidade do voto e a transparência do processo, foram aperfeiçoados com o advento do TSE, mas o Princípio de Tripartição do Poderes foi abandonado. Num equívoco inegável, deixou-se com a Justiça Eleitoral o poder de regulamentar os processos eleitorais, ao mesmo tempo fiscalizar, julgar recursos e, ainda, o controle de todos os recursos orçamentários destinado à realização das eleições. As propostas referentes à reforma da justiça eleitoral procura corrigir estas distorções políticas e jurídicas. 35


ANEXO 05

A REFORMA POLÍTICA NO CONGRESSO NACIONAL 1 . Introdução No sentido de contribuir como o debate, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). apresenta uma versão preliminar do estado das artes das proposições legislativas sobre reforma do sistema eleitorial/político em tramitação no Congresso Nacional. O desafio de aprofundar as análises sobre o mérito das proposições continua para a equipe do Inesc. O texto que se segue é somente uma primeira aproximação, objetivando fornecer subsídios para as discussões. Em fevereiro de 2003, quando da instalação da Comissão Especial de Reforma Política, por meio do pronunciamento do deputado Bonifácio de Andrada, foi dito que “a reforma política, de acordo com os estudos de direito constitucional, compreende: a organização dos poderes, o que envolve o regime de governo; a estrutura do Estado, que é federação; os sistemas eleitoral e partidário; e, finalmente, um tema moderno, que é a defesa nacional e segurança pública”. A fala do deputado demonstra como a reforma política é um assunto complexo e amplo, mas que é entendido por nossos/as parlamentares quase que estritamente como uma Reforma Eleitoral. Prova disso são as principais propostas da Comissão Especial de Reforma Política, em funcionamento na Câmara dos Deputados. Esta comissão elaborou dois projetos de lei (PL 1712/2003 e PL 2679/2003), que tratam dos seguintes temas: filiação partidária, domicílio eleitoral, pesquisas eleitorais, voto em listas partidárias, coligações partidárias, instituição de federações partidárias, financiamento público de campanha e propaganda eleitoral. As recentes modificações na legislação eleitoral, aprovadas pelo Senado Federal em abril, confirmam o entendimento de nossos/as parlamentares a respeito da Reforma Política: estritamente, uma Reforma Eleitoral. O texto aprovado é o substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei 5855/2005 (PLS 275/05) de autoria do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), que ficou conhecido como mini-reforma eleitoral. As alterações se justificam, do ponto de vista do Parlamento, como um tentativa da dar resposta à sociedade brasileira diante das práticas políticas tornadas públicas pela crise política em que o país está imerso desde meados de 2005. Elas pretendem reduzir os gastos nas campanhas, aumentar a transparência nos financiamentos e na prestação de contas das despesas com campanhas , e penalizar o/a candidato/a com a perda do mandato em caso irregularidades. Essa mini-reforma eleitoral (Lei nº 11.300, de 10 de maio de 2006), que modifica o texto da Lei Geral das Eleições (nº 9.504/97), passou pelo crivo do Tribunal Superior Eleitoral, para definição de sua aplicabilidade sobre o processo eleitoral de 2006, em face das restrições previstas no artigo 16 da Constituição Federal2 . Contrariando as expectativas, o TSE decidiu pela aplicabilidade, já em 2006, da maioria dos dispositivos da Lei 11.300. Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.  2

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2. COMO SÃO AS NOVAS REGRAS: 2.1 INSTRUMENTOS DE CONTROLE DOS GASTOS DE CAMPANHA. * Prestação de contas intermediárias A nova lei instituiu, além da prestação de contas ao final da campanha eleitoral, relatórios intermediários, divulgados pela internet, nos dias 6 de agosto e 6 de setembro. De acordo com a nova redação do artigo 28, § 4º, da Lei 9.504/97, os partidos políticos, coligações e candidatos/as deverão discriminar os recursos, em dinheiro ou estimáveis em dinheiro, bem como os gastos realizados até então. As informações serão, depois, comparadas com aquelas fornecidas ao final da campanha, de maneira mais detalhada. Nas prestações de contas parciais não se exige a identificação dos/as doadores/ as e os respectivos valores doados, informações que serão apresentadas apenas após as eleições. * Representação por irregularidades em arrecadação e gastos eleitorais. Importante modificação foi a criação de uma nova medida judicial para combater as irregularidades relacionadas a gastos e arrecadação de recursos de campanhas eleitorais. O artigo 30-A, introduzido no texto da Lei 9.504/97, possibilita a instauração de uma representação eleitoral que poderá conduzir ao cancelamento do diploma ao candidato/a, ou à sua cassação, se já outorgado. Fica aberta a possibilidade da procura das irregularidades contábeis mesmo depois da diplomação, o que certamente é um avanço, comparativamente à situação atual. * Arrecadação de recursos. As doações somente poderão ser efetuadas em contas registradas, aberta especialmente para a campanha eleitoral, por meio de cheque cruzado ou transferência eletrônica de depósitos. Doação em espécie foi proibida, ressalvada apenas a possibilidade de depósito, por pessoa física, em uma conta corrente específica, com observância aos limites de doação - até 10% dos seus rendimentos brutos. A nova lei também ampliou a lista de entidades proibidas de contribuir: instituições beneficentes e religiosas, organizações não-governamentais que recebam recursos públicos e organizações da sociedade civil de interesse público. 2.2 DIMINUIÇÃO DOS GASTOS DE CAMPANHA. As alterações restringiram as formas de divulgação eleitoral, permanecendo alguns instrumentos inalterados: da distribuição de impressos em geral, da divulgação através de alto-falantes ou carros de som, da propaganda em bens particulares e de comícios sem shows, além dos horários gratuitos de propaganda no rádio e na televisão. Foram proibidos: * confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato/a, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar a vantagem ao eleitor (novo artigo 39, § 6º, da Lei 9.504/97); * propaganda em bens públicos, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas e outros equipamentos urbanos. Não haverá mais banners, estandartes ou faixas fixadas nos postes e viadutos das vias públicas (nova redação do caput do artigo 37 da Lei 9.504/97); * propaganda por meio de outdoors (novo §8º do artigo 39 da Lei 9.504/97); * showmícios, ou seja, utilização, remunerada ou não, de artistas para animação de comícios (novo § 7º do artigo 39 da Lei 9.504/97). * divulgação de pesquisas eleitorais durante os 15 dias anteriores até às 18 horas do dia do pleito, prevista no novo artigo 35-A da Lei 9.504/97. 37


O TSE considerou inaplicável para as eleições de 2006 a nova redação do § 3º do artigo 47 da Lei 9.504/97, que prevê o direito de acesso ao horário gratuito de propaganda no rádio e na televisão aos partidos, de acordo com as respectivas bancadas na Câmara Federal, contadas com base na votação obtida nas eleições. Atualmente, a previsão legal é de utilização das bancadas na data da posse dos/as deputados/as para a divisão de tempo de propaganda gratuita. No entendimento do Inesc, porém, esses são apenas alguns dos temas que uma reforma política pode abarcar. Ela deve ser pensada em um contexto mais amplo, que necessariamente diz respeito a mudanças mais profundas que, além do próprio sistema político estatal, perpassa por questões de cultura política, ampliação dos espaços, controle social da administração pública, democratização da informação e da comunicação, reconhecimento de sujeitos políticos, aperfeiçoamento da democracia representativa por meio de instrumentos de democracia participativa e direta, reforma administrativa, respeito às diversidades. 3. Observações gerais sobre as proposições legislativas Filiação e Fidelidade Partidária A atual legislação sobre filiação partidária prevê o período mínimo único de um ano antes do pleito. Em tramitação no Congresso Nacional, há projetos que propõem a redução do prazo de filiação partidária bem como a exclusão de exigência de domicílio eleitoral para concorrer as eleições, como o PL 2370/2003. Em outro sentido, alguns apontam para o incremento desses prazos, como o PL 1712/2003, que exige que o/a candidato/a esteja filiado/a ao partido um ano antes da realização do pleito, ou dois anos, caso já tenha sido filiado a outro partido. Para concorrer às eleições, o/a candidato/a deverá ainda possuir domicílio eleitoral na circunscrição, pelo menos um ano antes do pleito. Por sua vez, a PEC 254/2004 propõe a retirada do texto constitucional de exigência de filiação partidária como condição de elegibilidade. Sobre fidelidade partidária, tramitam no Congresso tanto proposições mais pontuais­ – como os projetos de resolução que prevêem a distribuição das vagas na Mesa e nas Comissões durante toda a legislatura com base no número de representantes eleitos/as de cada partido na última eleição – quanto propostas mais incisivas, como as que estabelecem a perda de mandato eletivo na hipótese de troca de partido. Chama atenção o PL 4433/2004, de autoria da juíza Denise Frossad, que propõe a dispensa do dever de fidelidade partidária e livre de qualquer subordinação ao seu partido político, aquele que estiver ocupando a Presidência de Casa Legislativa.

Cláusula de Barreira Atualmente prevista na Lei dos Partidos Políticos, a cláusula de barreira determina que tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas do Legislativo, o partido que obtenha no mínimo 5% dos votos apurados, distribuídos em pelo menos 1/3 dos estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles. No que se refere à cláusula de barreira, as alterações propostas sinalizam ou para sua redução para 2 ou 1 %, como exemplo, os PLs 1359/2003, 1179/003,878/2003 e 2944/2001; ou para sua revogação, os PLs 1909/2003, 1358/2003 e 4292/1998. A posição da Comissão Especial de Reforma política diante desse quociente eleitoral é expressa no texto do PL 2679/2003, que estipula o direito a funcionamento parlamentar, em todas as casas legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que em cada eleição para a Câmara dos Deputados tenha obtido o apoio de, no mínimo, dois por cento dos votos apurados nacionalmente, não computados os brancos e nulos, distribuídos em, pelo menos, um/a terço dos Estados e eleja, pelo menos, um representante em cinco desses Estados. No caso de criação de federação, ela deverá atender, no seu conjunto, a essas exigências. 38


Federações Partidárias, Financiamento Público, Listas Preordenadas Para substituir as coligações partidárias nas eleições proporcionais ( para deputados/as, senadores/ as), a Comissão Especial de Reforma Política apresentou no PL 2679/2003, a instituição das federações partidárias, permitindo as partidos com proximidade programática se unir para atuar de maneira uniforme. Esse projeto toca em outras questões fundamentais a reforma do sistema político-eleitoral, entre elas o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais. Esse dispositivo proíbe as doações de pessoas físicas e empresas, estabelece punições aos partidos que receberem esses recursos e determina critérios a serem adotados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável pela distribuição dos recursos aos diretórios nacionais dos partidos políticos. Outra matéria regulada pelo PL 2679/2003 é o voto de legenda em listas preordenadas. Conforme essa proposta, os eleitores votam em listas previamente ordenadas pelos partidos, inexistindo a possibilidade de eleger, individualmente, seus/suas candidatos/as a vereador/a, deputado/a estadual e federal. Outras proposições sobre Reforma Eleitoral Ainda que de efeito limitado, outras propostas de reforma no sistema eleitoral brasileiro tramitam no Congresso Nacional. Algumas delas estabelecem critérios mais rígidos para a prestação de contas de campanhas eleitorais, como o PL 6583/2006, que considera crime eleitoral a apresentação de contas fraudadas e prevê como punição a cassação de mandato. Há ainda projetos de lei como o PL, 5678/2005, que propõe a diminuição do período de campanha para o período de 60 dias, e o PL 5975/2005, que caracteriza a compra de votos desde a escolha do/a candidato/a em convenção até as eleições. Algumas propostas como o PL 5826/2005, que fixa limites para as doações de campanhas e que proíbe de “showmícios”; o PL 5710/2005, que também proíbe o uso de “outdoors” e a distribuição de brindes; e a PEC 338/2004, que veda a divulgação de pesquisas eleitorais nos 15 dias que antecedem o pleito eleitoral, foram contemplados parcialmente pela mini-reforma eleitoral, mas permanecem tramitando ou porque restam propostas inovadoras em seu texto ou porque ainda não foram apreciadas. Diversos projetos dispõem sobre a propaganda eleitoral. Tratam da propaganda gratuita em rádio e televisão; proíbem a soma do tempo dos partidos que integram a coligação; estabelecem a gravação de propaganda somente em estúdio e, quando da participação do/a candidato/a, obrigatoriamente, ao vivo. A mini-reforma eleitoral pretendeu regular parte dessa matéria, sendo, entretanto, objeto de veto do presidente da República. Chamam atenção as PECs: 466/2005, que prorroga o prazo para mudança da legislação eleitoral até o dia 31 de dezembro do ano anterior às eleições; 429/2005, que dispensa a convocação do segundo turno das eleições em caso de diferença igual ou superior a 20% dos votos válidos entre os/as candidatos/as; 402/2005, que altera as eleições para o mês de novembro e prevê a coincidência no pleito de 2010 das eleições para prefeito, vereadores e os cargos das eleições gerais ( presidente, deputados/as, senadores, governadores/as); e, 303/2004, que define como Crime de Responsabilidade o descumprimento de compromissos programáticos assumidos em campanha eleitoral. Nepotismo Tramitam no Congresso Nacional, cinco PECs que vedam a prática de nepotismo em quaisquer instâncias da administração pública. Elas estabelecem ainda que as funções de confiança e comissão devem ser ocupado preferencialmente por servidor/a ocupante de cargo efetivo. Existem ainda alguns Projetos de Resolução da Câmara dos Deputados que representam uma linha de combate ao nepotismo no Legislativo Federal, considerando como atentado ao decoro parlamentar a utilização de cargos em comissão para contratação de cônjuges ou parentes. 39


Controle Social Poucas proposições apontam em direção ao controle social sobre o orçamento público, dessas ainda restam várias lacunas sobre a matéria: PLP 241/2005, dispõe sobre a publicação de relatórios fiscais na internet e sobre a criação de serviços de recebimento de denúncias; PLP 268/2005, regula os limites e o controle social das despesas de pessoal nos recursos de saúde dos municípios; PL3337/2004, que trata da gestão, da organização e do controle social das Agências Reguladoras; e A PEC 236/2004, que atribui a aplicação de recursos originados de participação ou compensação financeira no resultado da exploração de recursos hídricos e minerais a um Conselho de Controle Social. No Senado Federal, o PLS 215/1999 dispõe sobre a participação popular e o controle social dos atos de gestão do poder público, disciplina o acesso dos/das cidadãos/ãs e da sociedade civil organizada a informações relativas as finanças publicas; e o PLS 596/1999, dispõe sobre o controle social dos atos de gestão da administração pública empreendidos ou descentralizados no âmbito estadual ou municipal, através de programas federais e assegura o livre acesso dos cidadãos às informações relativas às finanças públicas. O PL 110/2003 inclui entidades da sociedade civil como usuárias dos Sistemas de consulta, fiscalização e acompanhamento orçamentário, administrativo, fiscal e monetário da Administração Pública, direta e indireta. O PLP 162/2004 dispõe sobre a participação popular no processo de elaboração do plano plurianual e dos orçamentos anuais da União. Acesso à informação Os PLs 4119/2004 e 7005/2002 dispõem sobre o registro e a divulgação públicas dos atos realizados pela administração pública nos Três Poderes; e o PL 4124/2004 regula A divulgação de obras e projetos da administração pública federal direta e indireta. O PL 5987/2005 garante às entidades da sociedade civil e à coletividade o acesso a informações e vista aos autos de processo administrativo que envolvam questões ambientais. Plebiscito, Democracia O fortalecimento da democracia representativa por meio de instrumentos de democracia participativa e direta é sinalizado nas PECs 463/2005, que possibilita a auto-convocação popular para a realização de plebiscito; 478/2005, que prevê a convocação, pelo Congresso Nacional, de realização de plebiscito para decidir sobre antecipação das eleições; 498/2006, que submete a plebiscito proposições não apreciadas pelo Congresso Nacional no prazo de duas legislaturas. O PL 6928/2002, propõe a criação do Estatuto para o exercício da Democracia Representativa. O projeto regulamenta institutos em que considera fundada a democracia participativa enquanto exercício da soberania popular: plebiscito, referendo, iniciativa popular, atuação de grupos de pressão ou de interesse. Código de defesa do eleitor Tramita no Congresso o Código de Defesa do Eleitor, proposto pelo Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) e apresentado à Comissão de Legislação Participativa. A relatora deste código é a deputada Luiza Erundina.

Junho de 2006 Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC

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ANEXO 06

DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO O direito à comunicação é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. Assumir a comunicação como um direito fundamental significa reconhecer o direito de todo ser humano de ter voz, de se expressar. Hoje no Brasil, nove famílias controlam os principais jornais, revistas e emissoras e rádio e TV, nove têm liberdade e 180 milhões de pessoas têm que aceitar o que é imposto por poucos. Informação é poder! A comunicação, numa sociedade democrática, pertence ao povo. Seu espaço é necessariamente público e o único poder legítimo para regular suas práticas emana da coletividade, que é quem deveria decidir sobre as questões relacionadas ao tema. Infelizmente, a organização do espaço público de comunicação no Brasil fez-se até hoje sem a imprescindível participação popular. Sociedade e comunicação democráticas são indissociáveis. Pertencem ao mesmo universo e sua relação não pode ser dissolvida. Se a comunicação joga um papel fundamental para a realização plena da cidadania e da democracia brasileira, a democratização da comunicação representa condição fundamental para o efetivo exercício da soberania popular. Assumindo esta concepção mais ampla, podemos afirmar que, no Brasil, o direito à comunicação ainda é um horizonte longínquo e que, dentre todos os obstáculos à sua efetivação, o não reconhecimento pela maioria esmagadora da sociedade brasileira do direito à comunicação como um direito humano é dos mais desafiadores. Enquanto a luta pela garantia de outros direitos sociais parte do pressuposto já enraizado na sociedade de que tais questões são de fato direitos humanos, o direito à comunicação, uma evolução dos conceitos de liberdade de expressão e do direito à informação, ainda carece de maior densidade social, inclusive nos movimentos sociais e nas organizações civis. No Brasil, mantém-se inalterada a concentração dos meios de comunicação de grande audiência e circulação nas mãos de poucos conglomerados, ou melhor, nas mãos de poucas famílias. Permanecemos sem qualquer mecanismo legal para combater o monopólio ou o oligopólio do setor de telecomunicações. Ao contrário de diversos países, não há, no Brasil, qualquer instrumento que impeça a propriedade cruzada de meios de comunicação, ou seja, a posse e a concessão de veículos de comunicação de diferentes naturezas numa mesma área geográfica. Em muitos Estados brasileiros, os concessionários das redes de televisão líderes de audiência (todas elas afiliadas da Rede Globo) também são proprietários dos jornais locais de maior circulação e de rádios de maior audiência. Da mesma forma, não há qualquer mecanismo que impeça o monopólio da audiência de televisão por uma única emissora (como existe mesmo nos EUA, por exemplo). No Brasil, a Rede Globo permanece soberana, mantendo níveis de audiência sempre acima dos 50% dos televisores ligados. O fato deve ser considerado grave, visto que a televisão permanece como a principal mediadora nas relações políticas, sociais e culturais dos brasileiros (98% da população de 10 a 65 anos assiste à televisão). A ausência destes mecanismos aliada à não existência do direito de antena no Brasil praticamente elimina a possibilidades de os movimentos sociais significativos comunicarem-se, direta ou indiretamente, com o conjunto da sociedade. Além disso, os principais pontos da Constituição Federal permanecem sem regulamentação. Entre eles, estão justamente o que impediria o oligopólio dos meios de comunicação (art. 220) e o que criaria exigências mínimas de programação para as emissoras de rádio e televisão (art. 221). A ausência de regulamentação 41


também atinge o artigo 223, que estabelece o princípio da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal na radiodifusão. Devemos considerar, ainda, que continuamos a ter um processo de outorga e renovação de concessões, que envolve os Poderes Executivo e Legislativo, sem o mínimo de transparência. Também no campo da comunicação comunitária não tem havido mudanças na situação dos últimos anos. Estima-se que haja hoje cerca de 15 mil emissoras de baixa potência em funcionamento no Brasil, a maioria não legalizada. A legalização destas emissoras se dá em ritmo extremamente lento, havendo mais de 7 mil processos aguardando análise no Ministério das Comunicações. É notável que ao invés de políticas de estímulo à apropriação do direito à comunicação pela população – o que ao fim e ao cabo levaria ao estímulo à criação de rádios comunitárias – o que tem acontecido é uma política de combate a esses veículos, por meio da pressão exercida pelos veículos comerciais. SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO A Constituição de 1988 prevê a complementariedade dos sistemas privado, público e estatal de comunicação. No entanto, o sistema público praticamente não existe. Para que a comunicação possa acontecer livre de interesses comerciais ou políticos, é necessário equilibrar a proporção entre estes sistemas e outorgar parte das concessões a organizações da sociedade civil, garantindo mecanismos de financiamento. Tais medidas visam a garantir o acesso igualitário dos indivíduos e dos grupos sociais aos meios de comunicação, assim como zelar pela pluralidade ideológica e cultural no espaço público midiático. Dessa forma, deve-se incentivar o surgimento e a manutenção de veículos de caráter público, ou seja, sem fins lucrativos, em especial os de caráter comunitário. Tal incentivo consiste não só em favorecer sua regulamentação (como no caso das concessões de Rádio e TV), mas também em garantir sua sustentabilidade material e financeira, assim como o acesso ao conhecimento técnico. O Estado deve subvencionar todos/as que desejam se expressar (principalmente quando se trata de grupos significativos que carecem de meios financeiros), quaisquer que sejam as suas opiniões e embora suas idéias sejam críticas em relação aos titulares atuais do poder. Muitos países adotam medidas neste sentido, financiando veículos comunitários e de caráter não lucrativo, assim como obrigando corporações de comunicação a financiar veículos de comunicação de pequeno porte. É preciso reconhecer que a diversidade de opiniões não é necessariamente proporcional ao número de veículos e, por isto, deve se prestar especial atenção à pluralidade ideológica. Deve-se também incentivar com afinco a produção de conteúdo regional, garantindo não só meios financeiros para a produção de informação e difusão cultural, mas também espaços de veiculação ou publicação dessas produções, evitando o desequilíbrio entre a cidade e o campo ou entre diferentes regiões do País. Tais medidas, entre outros objetivos, visam impedir uma influência desproporcional de determinadas culturas sobre outras. 4.2 - CONTROLE DE PROPRIEDADE Grande parte dos meios de comunicação do País é controlada por poucos grupos. O combate à concentração da propriedade é chave para a democratização da comunicação no Brasil. Atualmente, as concessões são renovadas quase que automaticamente e têm sido, historicamente, distribuídas segundo interesses políticos. Por isso, é preciso estabelecer o controle público também para as concessões dos meios, garantindo a pluralidade necessária para a consolidação da democracia. A legislação brasileira deve prever o limite de propriedade, como acontece em muitos países do mundo, incluindo aí o controle da propriedade cruzada e da audiência potencial. Essas medidas são predominantemente de cunho legislativo e prescindem de mecanismos de controle igualmente democráticos. Entre as medidas restritivas mais importantes estão as que impedem a concentração dos meios de comunicação, como as iniciativas que visam a bloquear a propriedade cruzada dos meios de comunicação, isto é, a propriedade por um grupo ou pessoa de meios de comunicação de diversas naturezas ou suportes em uma mesma região geográfica. Na prática, tais medidas visam a impedir que, em uma região específica, um mesmo grupo seja proprietário de jornais diários, emissoras de rádio e TV. Mais do que isso, visa a impedir que os veículos desse grupo ou pessoa sejam líderes de audiência/circulação em suas regiões. Outras iniciativas igualmente importantes para a efetivação do direito à comunicação e que se caracterizam como medidas de restrição são as que visam a impedir a concentração horizontal dos 42


meios de comunicação, ou seja, a oligopolização ou monopolização que se produz dentro de uma área ou setor e as que visam impedir a concentração vertical, ou seja, a concentração das diferentes etapas da cadeia de produção e distribuição por um único grupo. CONTROLE PÚBLICO O controle público sobre os meios de comunicação visa a democratizar e a dar transparência à formulação e ao acompanhamento das medidas de restrição (controle de propriedade) e de promoção (sistema público e estímulo à diversidade). Tais medidas constituem-se na criação de espaços públicos de deliberação, composto por ampla representação de segmentos políticos e sociais, que têm como função fiscalizar os/as detentores/as de concessões públicas, propor correções e sanções. Estes espaços públicos também devem gerir os fundos públicos, que visam a promover um ambiente midiático igualitário e representativo, assegurando não só a pluralidade ideológica, mas também zelando pela diversidade cultural e regional nos meios de comunicação social. O controle público é, mais do que a fiscalização do conteúdo da mídia, a única forma de efetivar o direito humano à comunicação, garantindo que a única influência sobre as medidas de restrição e promoção seja o interesse público, excluindo as possibilidades de que um dos poder - político ou econômico – prevaleça em detrimento do interesse coletivo.

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EXPEDIENTE

Colaboração: Ana Claudia Teixeira Denise Gomide Helda Oliveira Abumanssur Neusa Dias Ilustrações: Marcelo Sodré Impressão, diagramação e acabamento: Maxprint Editora e Gráfica Ltda


ABONG - Associação Brasileira de ONGs

AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras

AMNB - Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Comitê da Escola de Governo de São Paulo da Campanha em Defesa da República e da Democracia

CEAAL - Conselho Latino Americano de Educação

FAOR - Fórum da Amazônia Oriental

FBO - Fórum Brasil do Orçamento

FES - Fundação Friedrich Ebert

FNRU - Fórum Nacional de Reforma Urbana

FNPP - Fórum Nacional de Participação Popular

Fórum de Reflexão Política

Inter-redes Direitos e Política

Intervozes

Movimento Nacional Pró-Reforma Política com Participação Popular

Observatório da Cidadania

PAD - Processo de Diálogo e Articulação de Agências Ecumênicas e Organizações Brasileiras

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

REBRIP - Rede Brasileira pela Integração dos Povos

Rede Feminista de Saúde


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