PRESENTE E FUTURO: Tendências na Cooperação Internacional Brasileira e o Papel das Agências Ecumênicas 1
arquivo Inesc
Brasília, 03 de abril de 2012.
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O presente texto foi elaborado por Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do INESC, e contou com os comentários de: Iara Pietricovsky, integrante do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC); Mara Manzoni Luz, representante da Christian Aid no Brasil; João Paulo Vergueiro, assessor de Financiamentos da Christian Aid no Brasil; Emma Donlan, representante da Christian Aid na Bolívia; Susana Eróstegui, diretora executiva da UNITAS da Bolívia; Anivaldo Padilha, integrante da equipe de assessores da Koinonia, membro da Diretoria do Conselho Latino-Americano de Igrejas (Região Brasil), membro da Junta Diretiva do Church World Service dos Estados Unidos e membro da Coordenação do Fórum Ecumênico ACT Aliança Brasil; e Kjled Jakobsen, consultor em Cooperação e Relações Internacionais. Para mais informações, veja a nota metodológica, no anexo.
PESQUISA
Expediente: INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos SCS Qd. 01, Ed. Márcia,13º Andar – Cobertura - Brasília-DF - Cep: 70 307 900 Brasília/DF/Brasil - Fone: (61) 3212- 0200, Fax: (61) 3212 0216 – Email: protocoloinesc@inesc.org.br – site: www.inesc.org.br Conselho Diretor Eva Teresinha Silveira Faleiros Fernando Oliveira Paulino Jurema Pinto Werneck Luiz Gonzaga de Araújo Márcia Anita Sprandel Colegiado de Gestão Iara Pietricovsky de Oliveira José Antônio Moroni Cooordenaodra da Assessoria Nathalie Beghin Assessoria Alessandra Cardoso Alexandre Ciconello Cleomar Manhas Edélcio Vigna Eliana Magalhães Lucídio Barbosa Márcia Acioli Assistente de Direção Ana Paula Soares Felipe Comunicação Vértice/Gisliene Hesse Coordenação e redação da pesquisa Nathalie Beghin Diagramação Ivone Melo Revisão Paulo de Castro
Apoio institucional ActionAid, Charles Stewart Mott Foundation, CLUA, Christian Aid, DFID, EED, Fastenopfer, Fundação Avina, Fundação Banco do Brasil, Fundação Ford, Instituto Heinrich Böll, Internacional Budget Program, Kindernothilfe, Norwegian Church Aid, Oxfam, Oxfam Novib, União Européia, Unicef, ONU Mulheres.
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SUMÁRIO
Executive summary ......................................................................................................5 Resumo executivo ......................................................................................................10 Introdução .................................................................................................................16 1. As contradições da sexta economia mundial......................................................19 1.1 O Brasil pujante ...................................................................................................19 1.2 Nem tudo o que brilha é ouro ..............................................................................21 1.2.1 Milhões de brasileiros vivem em péssimas condições de vida: a África é aqui também ......................................................................................................................22 1.2.2 A desigualdade como dimensão estruturante da sociedade brasileira ...........23 2. O Brasil e a cooperação internacional recebida ............................................... 27 2.1 As mudanças no cenário internacional da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) ............................................................................................ 27 2.1.1 Diminuição relativa da AOD ..............................................................................28 2.1.2 Emergência de novas prioridades .................................................................... 28 2.1.3 Inadequação dos critérios de distribuição da AOD ......................................... 29 2.1.4 Baixa efetividade da AOD ................................................................................ 30 2.1.5 Entrada em cena de novos doadores ............................................................... 31 2.1.6 Emergência de novas problemáticas de caráter transnacional: os bens comuns globais ....................................................................................................................... 32 2.2 A agenda da cooperação não governamental em transformação .......................33 2.2.1 As metamorfoses da cooperação solidária ...................................................... 33 2.2.2 A crescente atuação do setor empresarial ...................................................... 36 2.3 A cooperação internacional e o Brasil ................................................................ 37 2.3.1 A cooperação oficial recebida .......................................................................... 37 2.3.2 A cooperação solidária recebida ...................................................................... 39 2.3.3 A cooperação de origem empresarial .............................................................. 42 3. A cooperação internacional oferecida: o Brasil parceiro ................................. 43 3.1 Panorama geral ................................................................................................... 44 3.2 Vantagens e desafios da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional ............................................................................................................. 47 3.2.1 Uma cooperação marcada pela solidariedade e pela procura da sustentabilidade ........................................................................................................ 47 3.2.2 As ambivalências e ambiguidades da CID brasileira ....................................... 49 3.3 A cooperação brasileira não governamental oferecida ...................................... 52
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4. Os impactos do Brasil emergente na América do Sul ...................................... 54 5. Considerações finais: elementos para justificar a continuidade da cooperação ecumênica no Brasil e no âmbito da América do Sul ........................................... 60 5.1 Quatro argumentos para a cooperação permanecer no Brasil ........................... 60 5.1.1Combater as relações de poder que perpetuam a desigualdade e a miséria... 60 5.1.2 Fortalecer movimentos e organizações sociais de defesa de direitos ameaçados pelas relações de poder hegemônicas .................................................. 61 5.1.3 Influenciar a agenda global de tomada de decisões ....................................... 62 5.1.4 Replicar em outros países experiências bem-sucedidas de cooperação no Brasil ......................................................................................................................... 62 5.2 Proposta de agenda de ação ............................................................................... 63 5.2.1 Influenciar a agenda brasileira ..................................................................... 63 5.2.2 Influenciar a agenda global via Brasil ............................................................ 65 Lista de siglas e abreviaturas................................................................................... 67 Referências bibliográficas e sites consultados....................................................... 70 Anexo: nota metodológica ..................................................................................... 79
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Executive summary Global geopolitics has been shifting dramatically with the rise of new players, the so-called emerging countries. Brazil is one of these actors. In this context, international cooperation “ whether official or non-governmental “ is undergoing major changes, such as: Official Development Assistance (ODA) is facing both a qualitative and a quantitative crisis; new “ governmental and non-governmental “ donors have emerged and new cooperation practices have been adopted; social movements and civil society organisations have become increasingly active in global decision-making bodies; and new, hitherto unknown topics have been included in the international cooperation global agenda, especially topics related to common goods. Brazil has gained a prominent role in this scenario not only due to its status as a “global power”, but also because it has become both a recipient and a provider of official international cooperation. Consequently, some actors believe that Brazil does not need external aid any longer, as it is now provided with sufficient resources to tackle its problems on its own. However, others have the opposite perception: they believe that their continued presence in Brazil is strategic to influence global governance and contribute to preserving a multipolar balance in power relations. Brazil is provided with key natural resources and political weight, and its participation in the global debate on universal access to common goods is therefore essential. However, despite its status as an economic giant, Brazil has failed to eradicate its main source of injustice, poverty and extreme poverty, namely, inequality. Clear social improvements have been registered in the country, but only marginally considering the size of its economy, as it still has millions of people living in extremely precarious conditions2. It is therefore feared that, as its economic and political power increases, Brazil could spread, on a global level, practices, ideas and beliefs that produce and reproduce extreme poverty. For this reason, strengthening national institutional mechanisms that promote fair access to a more inclusive development is required to fight the kind of power relations still prevailing in the country, which systematically nurture social exclusion processes that are not being dissolved by Brazil’s economic vigor. Faced with these tensions and contradictions, Christian Aid’s programmes in Brazil and Bolivia and INESC have decided to carry out a joint reflection on the subject to 2 In Brazil, official data register that 36 million people live in poverty which is bigger than all Uganda’s population. And more: one third of the Brazilians, that is similar to Myanmar’s population, face some degree of food insecurity every day. Little bit less than half of the workforce is informal, which means that more than 40 million workers have no labour rights like minimum wage; maternity leave and maternity pay; vacation leave and vacation pay, sick leave and sick pay, pension, among others. Two million children from 5 to 15 years old are working: this is equal to Botswana’s entire population.
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come up with inputs for their strategies in the near future. For this purpose, INESC, with the support of Christian Aid Bolivia and Brazil and the collaboration of UNITAS/ Bolivia, conducted a research on the topic based on a literature review, interviews and meetings with strategic actors between December 2011 and February 2012. One of the first facts that the study observed is that there is little information available on Brazilian cooperation, particularly on cooperation offered by Brazil. Additional studies are required to provide a better understanding of the magnitude and meaning of this cooperation and its impacts both in South America and in other regions of the planet. Given the scarcity of data and of more structured reflections on the topic, this research effort took the form of an essay mainly intended to contribute elements to this debate and to offer a few assumptions. It should be stressed that this document constitutes an interpretation of organisations working to promote democracy and grassroots participation, whose actions are therefore based on defending human rights and fostering the radicalisation of democracy and social justice. The document is structured in five sections. The first one addresses ambivalences and ambiguities that characterize Brazil as well as the weakening process that civil society organizations are going through. It shows that the significant economic growth experienced in recent years in Brazil has not been able to do away with societal arrangements that produce and mantain social exclusion. Brazilian economy is going through a modernization process that has ensured better living conditions to some segments of its population, but continues to keep millions in poverty and extreme poverty in numbers equivalent to the entire population of some African countries. This process increases structural inequality. Given that Brazil has been increasingly playing a key role in the regional and international scenario, the question to be asked is to what extent an economic growth model that does not ensure universal citizenship rights could be disseminated elsewhere by means of foreign policy and international cooperation mechanisms, whether the cooperation is received, triangular or offered by the country? The second section deals with international cooperation received by Brazil. It begins by providing an overview of the situation internationally and then it analyses the behavior of the cooperation received by Brazil, whether official or non-governmental. It notes that the Official Development Assistance (ODA) allocated to Brazil is quantitatively small, i.e. less than 0.02% of GDP. There is no evidence that it has decreased in recent years, but changes have been observed in its agenda and in the profile of donors: for example, contributions from Germany and Japan for energy and environment-related programmes have increased. As for non-governmental international cooperation, no consensus was found in the literature. Some authors believe that the availability of development assistance funds is decreasing, especially
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PESQUISA INESC
because Brazil has been ranked as a medium- to high-income democracy that does not depend on external funds to tackle its economic, social, cultural, environmental, climaterelated, and institutional problems any longer. Other authors believe that the nongovernmental cooperation received by Brazil is not shrinking, but rather that a shift in its focus is underway (toward an agenda more specifically focused on fighting poverty and on reporting actual results), combined with foreign exchange-related factors, namely, appreciation of the Brazilian currency and depreciation of the euro and the US dollar. All authors seem to agree, however, that the economic crisis that has afflicted the North since 2008 is likely, at least in relative terms, to lead to a decrease in cooperation levels in coming years. It is worth noting at this point that, in general, ecumenical cooperation levels have not decreased in Brazil overall; actually, the situation is quite the opposite, as this kind of cooperation has remained true to its BASIC principles, preserving its historical relations with key partners in actions to defend human rights and economic, social, environmental and climate justice. Private sector, specially the transnationals, is an emergent actor in the international cooperation agenda, with the risks and opportunities that it carries out. The cooperation offered by Brazilian government is addressed in the third section, which is focused on understanding the new role Brazil has been playing in relation to South-South and triangular cooperation. Despite the scarcity of data and academic studies on the subject, cooperation flows are currently estimated at about 0.02% of the Brazilian GDP, most of which, three thirds, are allocated to multilateral organisations (UN, MERCOSUR and development banks). Although not very significant, the bilateral cooperation offered by Brazilian government has increased and has tended to focus on Latin America. Brazilian official bilateral cooperation affords several advantages in terms of promoting international development, such as that of being more in tune with the demands and needs of local organisations; of ensuring investments in productive sectors that promote changes of a more structural nature, as opposed to the more “paternalistic” approach traditionally adopted by rich countries; and of not imposing conditionalities and “matched aid” rules linked to cooperation arrangements. It is seen as a more horizontal, partnership-based relationship under which shared goals are established by both parties. However, the technical cooperation offered by Brazil faces risks in the medium and long term if some emerging challenges are not satisfactorily addressed, such as: the lack of an appropriate regulatory framework, of social participation and accountability mechanisms. In addition, there are positive examples of Brazilian NGOs providing horizontal assistance to counterparts in Latin America. The fourth section explores the role of Brazil in South America beyond aspects related to bilateral and multilateral cooperation, with emphasis on Brazilian investments in the region and their consequences for regional integration. It exposes the ambiguous and ambivalent nature of Brazilian foreign policy, showing that, on the one hand, it supports integration processes in the region, while on the other it subsidises
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huge investments through BNDES (National Economic and Social Development Bank) that, in some cases, violate the human and environmental rights of peoples and communities lacking the means to defend themselves. Finally, in the light of data and considerations raised in previous chapters, the final considerations section mentions several arguments that justify the continuity of international cooperation in Brazil, particularly of ecumenical cooperation arrangements, and presents a proposal for an Action Plan for reflection. It argues that the cooperation received by Brazil should continue for four main reasons, namely: to fight power relations that perpetuate inequality and poverty in the country, so as to prevent this model from being exported to other regions of the planet; to strengthen social movements and organisations engaged in actions to defend rights threatened by hegemonic power relations; to influence the global decision-making agenda toward defending rights and social justice; and to identify and “export” successful experiences promoted by international cooperation in Brazil and that have the potential to be replicated overseas (innovation, technologies, good governance etc.). It is estimated that the presence of international ecumenical cooperation in Brazil and South America in coming years is strategic for their survival in the medium and long term. The withdrawal of international cooperation from Brazil on the basis of simplistic income criteria can only be supported by short-sighted and “short-termist” perspectives. In response, alliances such as the Process of Articulation and Dialogue (PAD) between ecumenical agencies and Brazilian Partners, the Anglican Alliance and the ACT Alliance, among others, are becoming stronger, as they enhance the impact and effectiveness of different organisations by fostering links between them at the local, national, regional and global levels. Considering these four sets of arguments, it can be said that there’s room for international ecumenical cooperation to strengthen the work being carried out by Brazilian social movements, ecumenical organisations, NGOs and their networks with the aim of fostering much-needed changes both domestically and around the world. A summary of the proposed Action Plan is presented here:
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Shaping the Brazilian agenda: Keeping an agenda of development programmes, particularly to support the development and expansion of social technologies that can be replicated and adapted in Brazil and elsewhere. Supporting ecumenical organisations, social movements and NGOs in Brazil to enable them to carry out actions that can contribute to change power relations that lead to inequality, poverty and extreme poverty. Contributing to enhance the economic and political sustainability of Brazilian social movements and organisations by consolidating an institutional framework as a structuring element for democracy in Brazil. Contributing to produce information and foster the establishment of Brazilian social movements and organisations to monitor Brazilian official cooperation arrangements and investments financed by Brazil “ directly through its state
enterprises and indirectly through BNDES “ and to take part in the process of building a fairer and more inclusive and participatory Brazilian Foreign Policy, including a Brazilian International Cooperation Policy. √ Supporting efforts to train Brazilian organisations to engage in cooperation arrangements in other countries in the South. √ Supporting Brazilian organisations to deal with the consequences of the position of Bazil in the region, such as human mobility and migration. Shaping the global agenda through Brazil: With regard to the external agenda, Brazil, as a new global power, has a major role to play in the international cooperation arena. Supported by international agencies, Brazilian civil society has also gone global, expanding its activism on a global scale. Consolidating this movement is necessary not only to offset actions of a more “imperial” nature of the Brazilian government in developing countries, but also to strengthen civil society organisations in other countries in the South and to make progress in establishing a global movement that can truly contribute to eliminating environmental and climate injustices and threats that affect our planet. For these purposes to be achieved, it is necessary to: √ Support Brazilian civil society organisations for them to share their initiatives and projects with other countries through non-governmental, triangular cooperation mechanisms. √ Support Brazilian ecumenical organizations, social movements, NGOs and their networks to enable them to: (i) guarantee that Brazil maintain it propositive and leadership positions in the development cooperation, both to share and replicate experiences, technology as well as to absorb good practices and support from developed countries; (ii) monitor cooperation flows and their contents, both from OECD countries and emerging nations, in order to build a new architecture for a more transparent, effective and participatory development approach; (iii) press countries in the North to abide by their agreed-upon international cooperation target of spending 0.7% of their GDP on ODA and to identify and implement innovative mechanisms to finance international cooperation arrangements; (iv) challenge the operations of multilateral financial institutions and the role of new donors in those organisations, such as Brazil, so as to prevent them from reproducing the social exclusion schemes implemented over the past sixty years; (v) come up with information to expose problems caused by the operations of transnational corporations for discussion and propose global regulatory mechanisms in the economic, social and environmental realms; (vi) produce information and develop training processes on South-South cooperation in South America and on the current status of its institutional framework; (vii) influence global decision-making forums to ensure human rights universally, achieve greater equality in relation to common global goods, and regulate economic and financial globalization. Challenge the creation of blocks made up of artificial countries, such as the BRICS – Brazil, Russia, India, China and South Africa –, to the detriment of coalitions with a more solid cooperation agenda, such as IBSA – India, Brazil and South Africa.
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Resumo executivo A geopolítica global vem sendo profundamente alterada pela entrada em cena de novos atores, os chamados países emergentes. Este é o caso do Brasil. Neste contexto, a cooperação internacional – seja ela oficial ou não governamental – passa por profundas transformações, podendo-se mencionar: a crise da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD), tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo; a participação de novos doadores – governamentais e não governamentais – e de novas práticas de cooperação; o crescente envolvimento de movimentos sociais e organizações da sociedade civil nas instâncias globais de decisão; e a inclusão – na pauta de debates de governos e organizações – de temáticas até então desconhecidas, especialmente aquelas que têm relação com a ideia de bem comum. O Brasil ganha papel de destaque neste cenário, não somente pela sua condição de “país potência”, mas, também, porque hoje se caracteriza como ator que tanto recebe como promove cooperação internacional oficial ou governamental. Diante disso, alguns avaliam que o país não precisa mais de apoio externo, pois já dispõe de recursos suficientes para enfrentar sozinho seus problemas. Entretanto, outros têm percepção oposta: entendem que a permanência no Brasil é estratégica se o que se busca é influenciar a governança global e contribuir para manter um equilíbrio multipolar das relações de poder. O Brasil é detentor de recursos naturais e políticos que são imprescindíveis para o futuro da humanidade, o que requer inseri-lo no debate global sobre o acesso universal aos bens comuns. Entretanto, apesar da sua condição de gigante econômico, o Brasil não conseguiu eliminar a principal fonte produtora de injustiça, pobreza e miséria, que é a desigualdade. As melhorias sociais são reais, mas estão à margem do sistema e, por isso, ainda encontram-se milhões de pessoas vivendo em condições extremamente precárias.3 Teme-se, portanto, que com sua crescente força política e econômica o país espalhe pelo mundo práticas, ideias e crenças que produzam e reproduzam miséria. Por isso, avalia-se ser importante reforçar institucionalidades nacionais que sejam capazes de combater as relações de poder vigentes, responsáveis por sistemáticos processos de exclusão, que não são dissolvidos pela chamada pujança econômica brasileira.
3 Segundo dados oficiais, o Brasil conta com 36 milhões de pessoas vivendo na pobreza. Este contingente é maior do que toda a população de Uganda. E mais: um terço dos brasileiros, o que corresponde a 60 milhões de pessoas, sofre algum tipo de insegurança alimentar. Este quantitativo equivale à população de Mianmar. Pouco menos da metade da força de trabalho vive na informalidade. Ou seja, mais de 40 milhões de trabalhadores não têm acesso a direitos básicos, como salário mínimo, licença maternidade, seguro contra acidente de trabalho, férias, 13º salário e aposentadoria, entre outros benefícios. Dois milhões de crianças de 5 a 15 anos, o que equivale à população de Botsuana, estão ocupadas no mercado de trabalho.
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Diante destas tensões e contradições, os programas da Christian Aid no Brasil e na Bolívia e o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) resolveram empreender, conjuntamente, uma reflexão sobre o assunto com o intuito de subsidiar suas estratégias de atuação para o futuro próximo. Para tanto, entre os meses de dezembro de 2011 e fevereiro de 2012, o INESC, com o apoio da Christian Aid e a colaboração da UNITAS/Bolívia, realizou pesquisa sobre o tema a partir de revisão bibliográfica e de entrevistas e oitivas com atores estratégicos. Uma das primeiras constatações da investigação é que são poucas as informações disponíveis sobre a cooperação brasileira, especialmente a oferecida. Estudos adicionais se fazem necessários para melhor se entender a magnitude e o significado desta cooperação, bem como seus impactos tanto na América do Sul como em outras regiões do planeta. Frente à escassez de dados e de reflexões mais estruturadas, a presente pesquisa assume o conteúdo de um ensaio que busca, mais do que tudo, aportar elementos ao debate e levantar algumas hipóteses. Faz-se mister ressaltar que este documento corresponde a uma interpretação de organizações que pertencem ao chamado campo democrático e popular e que, portanto, pautam suas lutas pela defesa dos direitos humanos, pela radicalização da democracia e pela justiça social. O documento está estruturado em torno de cinco partes. Na primeira, apresentamse as ambivalências e ambiguidades que caracterizam o Brasil. Mostra-se que o expressivo crescimento econômico vivenciado nos últimos tempos não foi capaz de eliminar os arranjos societais que produzem e reproduzem exclusão. A economia brasileira se moderniza, consegue melhorar as condições de vida de alguns segmentos de sua população, mas continua mantendo na pobreza e na miséria milhões de pessoas, contingentes correspondentes a populações inteiras de países africanos. Este processo contribui para intensificar uma desigualdade estrutural. Levando-se em consideração que o Brasil adquire papel cada vez mais central nos cenários regional e internacional, a pergunta que se faz é a seguinte: em que medida o modelo de crescimento econômico que não assegura a universalização da cidadania será levado a outros lugares, por meio de instrumentos da política externa e da cooperação internacional, seja ela recebida, triangular ou oferecida? Na segunda parte deste documento, discute-se a cooperação internacional recebida. Primeiro, faz-se um apanhado da situação em âmbito internacional para, depois, verificar como se comporta a cooperação recebida pelo Brasil, seja ela oficial ou não governamental. Observa-se que a Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) destinada ao Brasil é quantitativamente pequena, pois representa menos de 0,02% do Produto Interno Bruto (PIB). Não existem indícios de sua diminuição nos últimos anos, mas sim uma alteração no conteúdo da agenda e no perfil dos doadores: crescem os aportes da Alemanha e do Japão em temas relacionados a energia e meio ambiente,
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por exemplo. Quanto à cooperação solidária, a literatura existente revelou não haver consenso. Para uns, os recursos estariam diminuindo, considerando-se, especialmente, que o Brasil é uma democracia classificada como de renda média/alta e não mais necessita de aportes externos para resolver seus problemas econômicos, sociais, culturais, ambientais, climáticos e institucionais. Já para outros, a cooperação não governamental recebida pelo Brasil não estaria se retraindo. Segundo eles, o que estaria acontecendo trata-se de uma mudança de enfoque: uma agenda mais focada, essencialmente voltada para o tema da pobreza e a apresentação de resultados, associada a fatores cambiais, valorização do real e desvalorização do euro e do dólar. De toda a sorte, parece haver concordância em torno de um ponto: com a crise econômica que se abateu nos países do Norte desde 2008, é provável que, pelo menos em termos relativos, os níveis de cooperação tendam a decrescer nos próximos anos. Aqui cabe registrar que, em geral, a cooperação ecumênica no Brasil não tem diminuído sua presença, muito pelo contrário, pois tem sido fiel aos seus princípios constitutivos, mantendo suas históricas relações com seus tradicionais parceiros no marco da defesa dos direitos humanos e da justiça econômica, social, ambiental e climática. Note-se, por fim, o crescente papel do setor empresarial, especialmente das multinacionais, na agenda da cooperação internacional, com as oportunidades e os riscos que tal atuação acarreta. A cooperação oficial brasileira oferecida é abordada na terceira parte deste documento, na qual procura-se entender este novo papel que o Brasil está desempenhando no marco da cooperação Sul-Sul e da cooperação triangular. Apesar da escassez de dados e de análises acadêmicas sobre o tema, verifica-se que atualmente os fluxos de cooperação governamental são da ordem de 0,02% do PIB brasileiro, sendo que a maior parte dos recursos, dois terços, se destina a organismos multilaterais (ONU, Mercosul e bancos de desenvolvimento). Ainda que de pequena monta, a cooperação oficial bilateral brasileira tem crescido e tende a privilegiar a América Latina. A cooperação governamental brasileira, especialmente a bilateral e a humanitária, apresenta uma série de vantagens na promoção do desenvolvimento internacional, como, por exemplo: (a) maior adequação às demandas e necessidades das organizações locais; (b) investimentos em setores produtivos e que promovem mudanças mais estruturais, em detrimento de uma ajuda de caráter mais assistencialista, tradicionalmente implementada pelos países ricos; e (c) ausência de condicionalidades e de regras de “ajuda casada” atreladas à cooperação. Trata-se de uma relação mais horizontal, de parceria, de estabelecimento de objetivos partilhados por ambas as partes. Entretanto, o sucesso da cooperação brasileira oferecida corre riscos a médio e longo prazos se alguns desafios que desde já se vislumbram não forem enfrentados a contento, como, por exemplo: a ausência de marco regulatório apropriado, a falta de participação social e a inexistência de mecanismos de accountability. Adicionalmente, existem inúmeros exemplos, positivos, de ONGs
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brasileiras que promovem cooperação horizontal com outras organizações não governamentais em países da América Latina. Na quarta parte deste documento, explora-se a atuação do Brasil na América do Sul para além da cooperação bilateral e multilateral, pondo ênfase nos investimentos brasileiros na região e suas consequências para a integração regional. Fica evidente o caráter ambivalente e ambíguo da política externa brasileira, que por um lado apoia processos de integração dos povos da região e, por outro, subsidia – por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – vultosos investimentos que, por vezes, violam direitos humanos e ambientais de povos e comunidades que não dispõem de recursos suficientes para se defender. Por fim, nas considerações finais, à luz das reflexões e dos dados abordados nos capítulos anteriores, arrola-se uma série de argumentos que justificam a permanência da cooperação internacional no Brasil e, em especial, da cooperação ecumênica. De igual forma, apresenta-se, para reflexão, uma proposta de Plano de Ação. Entende-se que a cooperação recebida deve permanecer por quatro grandes motivos, a saber: (1) para combater as relações de poder que perpetuam a desigualdade e a miséria no país, evitando-se, assim, exportar este modelo para outras regiões do planeta; (2) para fortalecer movimentos e organizações sociais de defesa de direitos ameaçados pelas relações hegemônicas de poder; (3) para influenciar a agenda global de tomada de decisões no sentido da defesa de direitos e de justiça social; e (4) para identificar experiências bem-sucedidas resultantes da cooperação no Brasil que possuem potencial de ser replicadas e levá-las para outros países (inovação, tecnologias sociais, boa governança, entre outras). Avalia-se que a presença da cooperação internacional ecumênica no Brasil e na América do Sul nos próximos anos é questão estratégica para sua própria sobrevivência a médio e longo prazos. Somente uma visão míope e “curtoprazista” poderia defender uma retirada do país baseada em critérios simplistas de renda. Neste sentido, ganham força articulações como o Processo de Articulação e Diálogo de Agências Ecumênicas Europeias e Entidades Parceiras no Brasil (PAD), a Aliança Anglicana e a Aliança ACT, entre outras, pois elas possibilitam aumentar o impacto e a efetividade das organizações, na medida em que estabelecem laços entre os âmbitos local, nacional, regional e global. Considerando-se estes quatro conjuntos de argumentos, há espaço para a cooperação internacional ecumênica atuar no Brasil no fortalecimento de movimentos sociais, organizações ecumênicas e ONGs, bem como suas redes, com o intuito de promover mudanças tanto internamente quanto no resto do mundo. A seguir, resume-se o Plano de Ação proposto neste documento:
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Influenciar a agenda brasileira: Manter uma agenda de programas de desenvolvimento especialmente para apoiar o desenvolvimento e a expansão de tecnologias sociais que podem ser replicadas e adaptadas tanto no Brasil como alhures. Apoiar organizações ecumênicas, movimentos sociais e ONGs brasileiros para que desenvolvam ações que contribuam para alterar as relações de poder que geram desigualdade, pobreza e miséria. Contribuir para aumentar a sustentabilidade econômica e política dos movimentos e organizações sociais brasileiros por meio da consolidação de uma institucionalidade que seja parte estruturante da democracia brasileira. Contribuir para produzir informações e processos de formação de movimentos e organizações sociais brasileiros para que monitorem a cooperação brasileira, bem como os investimentos financiados pelo Brasil – diretamente por meio de suas estatais e indiretamente por intermédio do BNDES –, e para que participem da construção de uma Política Externa Brasileira, incluindo uma Política Brasileira de Cooperação Internacional, mais justa, inclusiva e participativa. Apoiar a capacitação de organizações brasileiras para fazer cooperação em outros países do Sul. Apoiar organizações brasileiras para enfrentar, de forma qualificada, as consequências da posição do Brasil na região em áreas como mobilidade humana e migração.
Influenciar a agenda global via Brasil: No que se refere à agenda externa, o novo “Brasil-potência” é um ator de relevância para a cooperação internacional. A sociedade civil brasileira, apoiada pelas agências internacionais, também se globalizou, expandindo seu ativismo em escala planetária. Este movimento precisa ser consolidado não somente para contrarrestar uma atuação mais “imperialista” do governo brasileiro em países em desenvolvimento, como também para fortalecer organizações da sociedade civil de outros países do Sul e avançar na constituição de um movimento global que contribua para eliminar as injustiças e as ameaças ambientais e climáticas que afetam nosso planeta. Isto significa: • Apoiar organizações da sociedade civil brasileira para que partilhem suas iniciativas e seus projetos com outros países por meio de mecanismos de cooperação não governamental triangular. • Apoiar organizações ecumênicas, movimentos sociais e ONGs, bem como suas redes, para: (i) garantir que o Brasil mantenha sua posição de liderança propositiva no campo da cooperação internacional de modo a partilhar e reproduzir experiências bem-sucedidas, bem como para absorver boas práticas e o apoio oriundos da AOD dos países do Norte; (ii) monitorar os fluxos de cooperação e seus conteúdos tanto dos países integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) como os das nações emergentes, de modo a construir uma
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nova arquitetura mais transparente, eficaz e participativa para o desenvolvimento; (iii) pressionar os países do Norte para que cumpram as metas acordadas no campo da cooperação internacional (entre elas, a meta de alocar 0,7% de seu PIB na AOD) e para que identifiquem e implementem mecanismos inovadores de financiamento da cooperação internacional; (iv) desafiar a atuação das instituições financeiras multilaterais e o papel dos novos doadores nessas organizações, como é o caso do Brasil, para que não reproduzam os esquemas de exclusão social implementados nos últimos sessenta anos; (v) produzir informação de modo a problematizar a atuação das transnacionais e propor mecanismos de regulação global nos campos econômico, social e ambiental; (vi) produzir informação e processos de formação sobre a cooperação Sul-Sul na América do Sul e seu atual estágio de institucionalidade; e (vii) influenciar os espaços globais de tomada de decisão de modo a universalizar os direitos humanos, a alcançar maior igualdade em relação aos bens comuns globais e a regular a globalização econômica e financeira. Desafiar a criação de articulações artificiais de países, como, por exemplo, o BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, em detrimento de coalizões que possuem agenda concreta de cooperação, como é o caso do IBAS – Índia, Brasil e África do Sul.
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Introdução O sistema internacional vem sendo profundamente alterado pela entrada em cena de novos atores, os chamados países emergentes, que se aglutinam em torno de siglas tais como: BRICS, IBAS, BIC, Eagles, Civets, BASIC,4 etc. Tais articulações envolvem países como Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Nigéria, África do Sul, Turquia e Vietnã, para citar apenas alguns países entre aqueles que se estima que ocuparão os vinte primeiros postos no ranking mundial das economias até 2050 ou talvez antes. Neste contexto, a cooperação internacional – seja ela oficial ou não governamental – passa por profundas metamorfoses, podendo-se mencionar: a crise da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD), tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo; a entrada em cena de novos doadores (governamentais e não governamentais) e de novas práticas de cooperação; a crescente participação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil nas instâncias globais de decisão; e a inclusão – na pauta de debates de governos e organizações – de temáticas até então desconhecidas, especialmente aquelas que têm relação com a ideia de bem comum. O Brasil ganha papel crescente neste cenário, não somente pela sua condição de “país potência”, mas, também, porque hoje se caracteriza como ator que tanto recebe como promove cooperação internacional. Diante disso, algumas organizações do campo da cooperação internacional, tanto públicas como privadas, vêm avaliando que o país não precisa mais de apoio externo, pois já dispõe dos recursos (financeiros, institucionais, humanos, etc.) necessários para enfrentar sozinho seus problemas. Entretanto, outras entidades têm percepção oposta: entendem que a permanência no Brasil é estratégica, e isso por diversos motivos. Doravante, as principais decisões de âmbito internacional passarão necessariamente pelo Brasil. Daí a importância de estabelecer parcerias duradouras com o país para poder influenciar a agenda global e contribuir para manter um equilíbrio multipolar das relações de poder. O Brasil é detentor de recursos naturais que são imprescindíveis para o futuro da humanidade, o
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Estas siglas se referem aos seguintes grupos de países: BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; IBAS – Índia, Brasil e África do Sul; BIC – Brasil, Índia e China; EAGLES – Emerging and Growth Leading Economies; CIVETS – Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul; BASIC – Brasil, África do Sul, Índia e China.
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que requer inseri-lo no debate global sobre o acesso universal aos bens comuns, também conhecidos como bens públicos. Apesar da sua condição de gigante econômico – o país é atualmente a sexta economia do mundo –, o Brasil não conseguiu eliminar a principal fonte produtora de injustiça, pobreza e miséria, que é a desigualdade. As melhorias sociais são reais, mas estão à margem do sistema e, por isso, ainda encontram-se milhões de pessoas vivendo em condições extremamente precárias. Teme-se, portanto, que com sua crescente força política e econômica o país espalhe pelo mundo práticas, ideias e crenças que produzem e reproduzem miséria. Por isso, avalia-se ser importante reforçar institucionalidades nacionais que sejam capazes de combater as relações de poder vigentes, responsáveis por sistemáticos processos de exclusão, que não são dissolvidos pela chamada pujança econômica brasileira. Diante destas tensões e contradições, o INESC e os programas da Christian Aid no Brasil e na Bolívia resolveram empreender, conjuntamente, uma reflexão sobre o assunto com o intuito de subsidiar suas estratégias de atuação para o futuro próximo. Para tanto, procurou-se responder algumas perguntas, tais como: é verdade que o Brasil está conseguindo resolver seus problemas sociais e ambientais? Qual é o cenário da cooperação internacional e como o Brasil se insere neste campo? Existem novidades no ar? Qual é o impacto de o Brasil ter se tornado país emergente, especialmente para a América do Sul? Quais elementos justificam a permanência da cooperação não governamental no Brasil e, em especial, da cooperação ecumênica? Este ensaio representa uma tentativa de responder a tais indagações. A partir de revisão bibliográfica e de entrevistas junto a atores estratégicos para o tema,5 elaborouse uma primeira narrativa, que busca, mais do que tudo, aportar elementos ao debate e levantar algumas hipóteses. Faz-se mister registrar a abertura e a generosidade com as quais os entrevistados nos receberam, partilhando informações, comentários e sugestões. Note-se, contudo, que o texto é resultado das reflexões de seus autores, não cabendo aos entrevistados qualquer responsabilidade por eventuais erros ou omissões e pela interpretação dos fatos. É importante destacar que o presente documento representa um olhar de organizações que lutam por políticas públicas e pela garantia de direitos humanos,
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Entre os meses de dezembro de 2011 e fevereiro de 2012, foram entrevistados para esta pesquisa: Milton Rondó Filho, coordenador-geral de Ações Internacionais de Combate à Fome (CGFome), do Ministério das Relações Exteriores (MRE); Marco Farani, diretor da Agência Brasileira de Cooperação, do MRE; Marcos Cintra, diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Carlos Mussi, diretor da Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL) no Brasil; Daniel Augusto Furst Gonçalves, especialista em Cooperação SulSul do PNUD; Maria Cristina Araújo, assessora do Programa de Cooperação da Delegação da União Europeia no Brasil; Simon Ticehurst, chefe do Escritório da Oxfam no Brasil; Júlia Esther Castro França, coordenadora-executiva do Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Europeias e seus Parceiros no Brasil (PAD); Sandra Andrade, da Anglican Alliance; Kjeld Jakobsen, consultor em Cooperação e Relações Internacionais; e Marilia Schüller, assessora de Projetos da Koinonia.
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pela ampliação da democracia e pela justiça social. Trata-se, pois, de interpretação de organizações que se definem como democráticas, pluralistas, antirracistas, antissexistas e anti-homofóbicas e que lutam contra todas as formas de discriminação, de desigualdades, pela construção de modos sustentáveis de vida e pela radicalização da democracia. Neste sentido, o desenvolvimento é enfocado na perspectiva dos direitos humanos. Tal enfoque representa ferramenta importante para superar a discriminação e a falta de prerrogativas individuais das quais sofrem as mulheres e os homens que não usufruem dos resultados do crescimento econômico. Este enfoque possibilita, ainda, visibilizar os responsáveis pelos processos de exclusão social, pela discriminação no acesso aos recursos produtivos, pela exclusão dos mecanismos de tomada de decisão e pela exploração das pessoas vulneráveis. Assim, entende-se que estratégias alicerçadas em direitos humanos constituem-se em instrumentos poderosos com potencial de empoderamento rumo a transformações políticas, sociais, econômicas, ambientais e climáticas. Enquanto políticas e práticas não forem adaptadas a estes princípios e enquanto as relações de poder desiguais não forem desafiadas, não será possível enfrentar os problemas da desigualdade, da exclusão social e da pobreza. É neste entendimento que se situa a presente pesquisa. O documento está dividido em mais cinco partes, além da presente introdução. Na primeira, apresentam-se as ambivalências e ambiguidades que caracterizam o Brasil. Mostra-se que o expressivo crescimento econômico vivenciado nos últimos tempos não foi capaz de eliminar os arranjos societais que produzem e reproduzem exclusão. A economia brasileira se moderniza, consegue melhorar as condições de vida de alguns segmentos de sua população, mas continua mantendo na pobreza e na miséria milhões de seus habitantes, contingentes correspondentes a populações inteiras de países africanos. Por isso, afirma-se que a África é aqui também. Na segunda parte, discutese a cooperação internacional. Primeiro, faz-se um apanhado da situação geral para, depois, verificar como se comporta a cooperação recebida pelo Brasil, seja ela oficial ou não governamental. A seguir, na terceira parte, aborda-se a cooperação internacional brasileira, procurando-se entender este novo papel que o Brasil está desempenhando no marco da cooperação Sul-Sul. Na quarta parte, explora-se a atuação do Brasil na América do Sul para além da cooperação bilateral e multilateral, pondo ênfase nos investimentos brasileiros na região e suas consequências para a integração regional. Fica evidente o caráter ambivalente e ambíguo da política externa brasileira, que por um lado apoia processos de integração dos povos da região e, por outro, subsidia vultosos investimentos que por vezes violam direitos humanos e ambientais de povos e comunidades que não dispõem de recursos suficientes para se defender. Por fim, nas considerações finais, à luz das reflexões e dos dados abordados nos capítulos anteriores, arrola-se uma série de argumentos que justificam a permanência da cooperação internacional no Brasil e, em especial, da cooperação ecumênica.
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1. As contradições da sexta economia mundial 1.1
O Brasil pujante
O Brasil é um país paradoxal, pois cresce sem verdadeiramente produzir inclusão social. Como a desigualdade, em todas as suas dimensões (social, econômica, regional, racial e étnica, geracional e de gênero), é estruturante da sociedade brasileira, tal fenômeno permite que o país conviva com milhões de pobres apesar de constituir-se na sexta maior economia do mundo.6 Com efeito, a partir dos anos 1990, o país conquistou estabilidade econômica, atraindo investimentos estrangeiros. Em 2011, o PIB brasileiro superou a marca de 2 trilhões de dólares, ultrapassando países como Canadá, Itália e Reino Unido. Entre os anos de 2000 e 2010, o PIB cresceu 40% em termos reais, o que equivale a um incremento anual médio de 3,7%. No mesmo período, a riqueza per capita aumentou em mais de 130%. As exportações quintuplicaram na década de 2000, passando de aproximadamente 50 bilhões de dólares no início da década para mais de 250 bilhões de dólares em 2011.7 Suas reservas econômicas internacionais estão acima dos 350 bilhões de dólares. O país possui empresas de abrangência mundial nos campos petrolífero (Petrobras), de exploração mineral (Vale), de construção de aviões (Embraer), de siderurgia (Gerdau), de telecomunicações (Rede Globo), de alimentos e bebidas (Brasil Foods, AmBev) e de engenharia (Odebrecht), o que lhe oferece razoável vantagem em penetração comercial em diversos continentes. No que se refere à crise econômica que sacudiu o mundo em 2008, o Brasil conseguiu enfrentá-la a partir de um conjunto de medidas8 que amorteceu seu impacto. O país é considerado “celeiro do mundo”, pois se destaca na produção e exportação de alimentos, tais como açúcar, carne bovina, café, suco de laranja, soja e carne de frango. É também um dos maiores produtores de etanol e de minérios, como ferro, bauxita, manganês e nióbio. Ainda do ponto de vista dos recursos naturais, o Brasil é o maior detentor de bacias de água doce do planeta e possui a 9ª reserva de petróleo do mundo, após a confirmação recente do estoque do Pré-Sal na bacia de Santos (SP). O país possui a sexta maior reserva de urânio. Além disso, o seu território possibilita
6 A este respeito, veja o artigo do jornal The Guardian: “Brazil overtakes UK as sixth-largest economy”, publicado em 26 de dezembro de 2011. Disponível na página: <http://www.guardian.co.uk/business/ 2011/dec/26/brazil-overtakes-uk-economy>. 6 A este respeito, consulte o IPEAData no site: <http://www.IPEAdata.gov.br>. 7 O governo brasileiro implementou um conjunto de medidas anticíclicas, tais como: isenção de impostos e aumento da liquidez (empréstimos para agentes financeiros, empresas exportadoras e construtoras; flexibilização do redesconto, redução dos depósitos compulsórios, expansão do crédito para o agronegócio e ampliação do financiamento do setor exportador) para estimular a economia; e aumento do gasto social para elevar o consumo. Note-se, contudo, que o Brasil se beneficiou do bom desempenho da China, seu principal parceiro comercial em 2009. 8 O Brasil possui fronteiras com Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
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que seja a quinta maior extensão de terra do mundo, com ampla área agricultável. O Brasil abriga uma das mais ricas biodiversidades do planeta, contando com cerca de 18% da biota global, um litoral de mais de 7.000 km, o que permite fácil escoamento da produção para o oceano Atlântico pelos diversos portos existentes no país, e uma diversidade climática que propicia variada produção agrícola. O Brasil tem a quinta maior população do mundo, tem fronteiras com dez países9 e é governado, no marco da democracia e do Estado de Direito, com estabilidade política desde o começo dos anos de 1990 e, atualmente, é presidido, pela primeira vez, por uma mulher de origem búlgara, Dilma Rousseff, que goza de popularidade invejável.10 É indiscutível que a democracia representativa vem se consolidando no Brasil nos últimos 30 anos. O país dispõe de um aparato institucional que garante eleições legítimas, regulares, com resultados rápidos e alternância política no poder. O país é ainda caracterizado pela presença de uma sociedade civil atuante, diversa e que se renova periodicamente com a emergência de novos e vibrantes movimentos sociais. A institucionalidade política, em construção desde o fim da ditadura militar, em meados dos anos de 1980, criou condições para alargar a democracia, o que resultou em reconquistas de liberdades e de instituições mais democráticas, de construção de espaços de participação e concertação política (conferências, conselhos, fóruns, comitês, comissões), de formulação de demandas de inclusão econômica, social, ambiental e cultural. No campo social, o Brasil vem conhecendo melhorias no que se refere à pobreza e à desigualdade de renda,11 que podem ser explicadas por fatores demográficos, sociais, econômicos e políticos. Assim, por exemplo, as transformações demográficas pelas quais o país vem passando nos últimos anos estão sendo decisivas para esta mudança, com o chamado “bônus demográfico” criado pelas alterações na estrutura etária da pirâmide populacional, com o aumento constante da população economicamente ativa previsto até 2030, que deverá gerar uma redução do número da população de inativos que dependem da população de ativos. A maior participação das mulheres no mercado de trabalho é mais um fator, na medida em que contribuiu para aumentar a renda familiar.12 Outro elemento relevante diz respeito ao desempenho mais favorável da economia na década de 2000, conforme visto anteriormente, que possibilitou a elevação dos níveis de emprego e renda, especialmente das populações mais pobres. Merece
9 O Brasil possui fronteiras com Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. 10 Segundo a última pesquisa de opinião, realizada pela Datafolha em janeiro de 2012, a gestão de Dilma Rousseff é considerada ótima ou boa por 59% dos brasileiros. “O crescimento de 10 pontos percentuais em seis meses faz a presidente atingir o maior índice de aprovação ao final do primeiro ano de governo desde a volta das eleições diretas, em 1989”. Folha de São Paulo, 22 de janeiro de 2012, capa. 11 A este respeito, veja: IPEA (2010). 12 A este respeito, consulte: IPEA, SPM, SEPPIR, ONU Mulheres (2011).
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ainda destaque a atuação do Estado, que contribui para a ampliação e implementação de políticas e programas que alargaram a cobertura de direitos sociais constitucionalmente adquiridos em 1988. Com isso, cerca de 40 milhões de pessoas saíram da pobreza na década de 2000.13 A seguir, listam-se algumas das principais medidas tomadas neste sentido: (a) o aumento real do salário mínimo, que tem impacto direto na renda dos trabalhadores, ativos e inativos, bem como beneficiários dos programas assistenciais;12 (b) a expansão da cobertura dos benefícios monetários oriundos da previdência social e dos programas de transferência de renda (Programa Bolsa Família, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – Peti, Benefício de Prestação Continuada – BPC);14 (c) o relativo aumento da eficiência da máquina pública, que tem contribuído para incrementar a arrecadação e melhorar a fiscalização trabalhista e previdenciária, diminuindo – ainda que não erradicando – o trabalho em condições análogas à escravidão, o trabalho infantil, bem como elevando os níveis de formalidade do mercado de trabalho e, consequentemente, de proteção social dos trabalhadores; (d) a expansão do Sistema Brasileiro de Proteção Social tanto do ponto de vista da alocação de recursos financeiros bem como da cobertura dos beneficiários. Assim, por exemplo, os gastos do Estado com as políticas sociais (previdência social, assistência social, saúde, educação, emprego e renda, desenvolvimento agrário, saneamento, habitação, alimentação e nutrição) são atualmente da ordem de 24% do PIB (em meados dos anos de 1980, pouco antes da promulgação da Constituição, este percentual era de apenas 13%);15 e (e) o crescimento do crédito subsidiado destinado à agricultura familiar e a micro, pequenos e médios empreendimentos. 1.2 Nem tudo o que brilha é ouro Apesar deste cenário alvissareiro, o Brasil enfrenta uma série de desafios, podendose destacar: a pobreza, a desigualdade, a corrupção, a destruição do meio ambiente e a emissão de gases de efeito estufa. Tais mazelas podem comprometer este futuro aparentemente tão promissor. Conforme destacam Luz e Wolff: Predomina no exterior – e o governo brasileiro contribui em muito para exacerbar isso – uma imagem um tanto simplista na qual os problemas sociais brasileiros estariam em vias de resolução a partir de medidas governamentais como, por exemplo, o Bolsa Família ou, mais recentemente, o Programa de Erradicação da Miséria. Esta perspectiva, de certa forma
13 A este respeito, veja os dados do Plano Nacional de Superação da Extrema Pobreza “Brasil Sem Miséria” na página: <http://www.brasilsemmiseria.gov.br/apresentacao-2>. 14 Estudos realizados por Hoffmann e pelo IPEA revelam a importância das políticas de transferência de renda na diminuição da pobreza e das desigualdades de renda no Brasil. Simulações realizadas pelo IPEA para o ano de 2004 mostram que, se fossem retirados da renda domiciliar dos extremamente pobres o conjunto de benefícios monetários transferidos pelo Estado, a pobreza extrema dobraria, passando de 11,3% da população para 22,6%. No caso da pobreza, o percentual se elevaria de 30,1% para 41,7%. A este respeito, veja: IPEA (2007) e Hoffmann (2005). 15 A este respeito, veja palestra proferida por Márcio Pochmann, presidente do IPEA (2011).
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‘tecnicista’, do enfrentamento das questões sociais tem sido recebida com muita simpatia no âmbito internacional e, frequentemente, ofuscado esforços do campo não governamental para elaboração de um quadro mais completo e diferenciado da realidade brasileira que aponta a continuidade e mesmo o aprofundamento de problemas estruturais, e alimenta a argumentação em prol da necessária continuidade da cooperação internacional no Brasil (Luz e Wolff, 2011:7).
1.2.1 Milhões de brasileiros vivem em péssimas condições de vida: a África é aqui também A pujança descrita no item anterior não é capaz de enfrentar as graves questões sociais que permanecem no Brasil. Conforme destaca Loretta Minghella, diretora da Christian Aid, em artigo publicado na mídia inglesa nos primeiros dias de 2012,16 o Brasil pode ter uma economia maior do que a britânica, mas suas condições de vida estão longe de se assemelhar às dos habitantes da ilha. Com efeito, ainda existem no Brasil grupos da população marginalizados e excluídos que correspondem a populações inteiras de países da África Subsaariana e do Sudeste Asiático. Segundo dados oficiais,17 o país conta com 36 milhões de pobres18 – quantitativo que corresponde a 19% dos brasileiros, o que é maior do que toda a população de Uganda19– e 16 milhões de extremamente pobres20 (8,5% dos brasileiros), mais do que o conjunto dos habitantes do Níger.21 Associado a isso, um terço da população, o que corresponde a mais de sessenta milhões de pessoas, ou seja, mais do que a população de Mianmar,22 vive em domicílios considerados precários, porque não têm acesso a água encanada, esgoto ou banheiro, porque são construídos com paredes e tetos feitos de material não permanente ou porque estão em situação de irregularidade fundiária. O analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais de idade atinge 14 milhões de brasileiros, o equivalente a toda a população do Camboja.23 A mensuração da escolaridade da população jovem de 18 a 24 anos de idade com 11 anos de estudo é considerada essencial para avaliar a eficácia do sistema educacional de um país, bem como a capacidade de uma sociedade para combater a pobreza e melhorar a coesão social. No caso do Brasil, a proporção de jovens que possuem tal escolaridade ainda é extremamente baixa, apenas 37,9%, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009. No que se refere à mortalidade infantil, excelente indicador de medição das
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Minghella (2012). A este respeito, consulte: IBGE (a) e (b), bem como o site do Brasil Sem Miséria. 18 Pobreza aqui entendida como renda familiar per capita mensal inferior ou igual a R$ 140,00. 19 Segundo o “Uganda at a Glance”, do Banco Mundial, a população de Uganda é da ordem de 33 milhões de pessoas. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/uga_aag.pdf>. 20 Pobreza extrema aqui entendida como renda familiar per capita mensal inferior ou igual a R$ 70,00. 21 Segundo “Niger at a Glance”, do Banco Mundial, a população do Níger é da ordem de 15 milhões de pessoas. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/ner_aag.pdf>. 22 Segundo “Myanmar at a Glance”, do Banco Mundial, a população de Mianmar é da ordem de 50 milhões de habitantes. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/mmr_aag.pdf>. 23 Segundo “Cambodia at a Glance”, do Banco Mundial, a população do Camboja é da ordem de 14,8 milhões de habitantes. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/khm_aag.pdf>. 17
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condições gerais de vida de uma sociedade, o Brasil apresenta uma taxa pouco superior a 22 óbitos por mil crianças nascidas vivas, taxa que é cerca de cinco vezes maior do que a observada no Reino Unido. No Estado de Alagoas, a taxa de mortalidade infantil é de 46,4 por mil. A luta cotidiana para alimentar-se permanece um problema para milhões de brasileiros: um terço da população do país se encontra em algum grau de insegurança alimentar. Pouco menos da metade da força de trabalho ainda é informal; portanto, não tem acesso aos direitos atrelados ao trabalho, tais como previdência social, seguro desemprego, licença maternidade, férias, 13º terceiro salário, fundo de garantia, seguro contra acidentes de trabalho, entre outros benefícios. Como se isso não bastasse, 2,0 milhões de crianças de 5 a 15 anos de idade, o que equivale à população de Botsuana,24 estão ocupadas no mercado de trabalho, das quais cerca de 44% estão concentradas na Região Nordeste e 24%, na Região Sudeste. Vê-se que existe um enorme abismo entre a cidadania formal e a cidadania real: são milhões os brasileiros marginalizados e excluídos dos frutos do crescimento econômico. E mais: as precárias condições de vida não são universalmente distribuídas entre as populações pobres. Sexo, raça, etnia e endereço são variáveis que aumentam as probabilidades de que mulheres, negros, indígenas, povos e comunidades tradicionais, nordestinos, camponeses e habitantes das periferias das cidades estejam mais vulneráveis. São elementos fundamentados em ideias e crenças que se aliam a processos sociais, econômicos e políticos para criar sistemas de exclusão que têm sido pouco afetados, até o momento, pelo crescimento do país. 1.2.2 A desigualdade como dimensão estruturante da sociedade brasileira A desigualdade é estruturante da sociedade brasileira, pois está presente em todas as dimensões da vida social: entre negros e brancos, entre mulheres e homens, entre pobres e ricos, entre as regiões do país, entre o campo e a cidade, entre os que não têm terra e os que têm muita terra, etc. Conforme destaca recente relatório lançado pela Oxfam (2012), o Brasil é o segundo país mais desigual entre o grupo do G20, perdendo somente para a África do Sul. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (2010), o Brasil é o terceiro país mais desigual da América Latina, atrás da Bolívia e do Haiti. O tema da desigualdade tanto no Brasil como na América Latina é tão dramático que o PNUD resolveu dedicar-lhe relatório específico, pois se consolida o entendimento de que se as desigualdades não forem enfrentadas, o desenvolvimento sustentável jamais será alcançado. Para o PNUD:
24 Segundo “Botsuana at a Glance”, do Banco Mundial, a população de Botsuana é da ordem de 2 milhões de habitantes. Veja na página: <http://devdata.worldbank.org/AAG/bwa_aag.pdf>.
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A desigualdade restringe as oportunidades de desenvolvimento de amplos segmentos da população, dificulta a formação de capital humano e limita as possibilidades de investir em educação e saúde, o que, por sua vez, compromete a capacidade de crescimento econômico. Além disso, ao preservar as instituições que privilegiam os setores dominantes, a desigualdade eterniza a maior acumulação relativa da riqueza nas faixas mais ricas da sociedade (...). Do mesmo modo, se existem níveis altos de desigualdade, a capacidade regulatória do Estado se vê debilitada e, nesse contexto de debilidade institucional, cresce a probabilidade de ocupação do Estado por parte dos grupos econômicos mais poderosos (...). A desigualdade também tende a provocar tensões sociais que podem acentuar a instabilidade política e institucional, o que afeta não apenas a governabilidade, mas também os incentivos para o investimento interno e externo, entre outros aspectos (...) (PNUD, 2010: 30).
Vê-se, pois, que a principal razão pela qual parcelas significativas das famílias brasileiras encontram-se em situação de pobreza não está na escassez geral de recursos, mas na sua péssima distribuição. Nunca se promoveu uma efetiva inclusão dos mais pobres na história do país, que se desenvolveu mantendo expressivos contingentes de miseráveis. Este processo de desenvolvimento que “administra a pobreza” tem sido caracterizado por especialistas como uma “modernização conservadora”: o Estado produz transformações significativas na economia sem romper (ou apenas alterando superficialmente) com a ordem econômico-social estabelecida. Ou seja, apesar de haver ingressado no seleto clube das nações mais ricas do mundo e de ter o universalismo como fundamento de suas políticas públicas, o país ainda não foi capaz de assegurar salários decentes e um mínimo de proteção social para uma grande parte de seus habitantes. Os arranjos societais que mantêm a desigualdade e a exclusão se alimentam de processos cotidianos de discriminação, especialmente de gênero e de raça/etnia, de políticas públicas pouco efetivas e de uma democracia que vive sob ameaça. Com efeito, tais arranjos são resultantes da pressão de forças conservadoras que atuam para que o aparato institucional em vigor no país não seja utilizado de modo a alterar radicalmente os fatores determinantes da desigualdade. Assim, por exemplo, a especulação fundiária e imobiliária nas grandes cidades, associada à ausência do Estado em determinadas áreas, obriga contingentes expressivos da população urbana a viver em moradias insalubres, sem acesso a serviços básicos (notadamente saneamento ambiental, acesso à terra urbanizada e transportes públicos de qualidade), vítimas da segregação social e racial, bem como da violência.25 Nas áreas rurais, a produção agrícola, um dos principais motores do crescimento do país e de sua liderança
25 O caso “Pinheirinho”, ocorrido recentemente em São José dos Campos (SP), é emblemático: 1,5 mil famílias pobres foram violentamente expulsas sem qualquer motivo de urgência e com emprego de tropa de choque da Polícia Militar. Seus bens foram apreendidos e suas casas destruídas com uso de tática militar de surpresa e com o agravante de não lhes ter sido ofertado um teto substitutivo de abrigo. A este respeito, veja, por exemplo, matéria de Walter Maierovitch na Carta Capital de 28 de janeiro de 2012, intitulada “No Pinheirinho, o Brasil das Trevas”. Veja na página: <http:// www.cartacapital.com.br/sociedade/no-pinheirinho-o-brasil-das-trevas>.
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comercial no cenário internacional, está submetida a um modelo econômico excludente, estruturado em torno do agronegócio e da crescente exportação de seus produtos (soja; carnes; produtos florestais, como papel, celulose e madeira; álcool; açúcar e café, entre outros). Esta estratégia beneficia muito mais as empresas do que a população rural, uma vez que o latifúndio, a monocultura e o monopólio da cadeia produtiva por empresas transnacionais contribuem, por um lado, para expulsar do campo os agricultores familiares e os trabalhadores rurais e, por outro, concentram a riqueza em uma escala raramente vista em outros países. Outro fator de grande impacto para a permanência das desigualdades no Brasil é o sistema tributário regressivo, que taxa, sobretudo, o consumo e o trabalho e poupa o grande capital. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),26 em 2003, a carga tributária dos mais ricos, isto é, dos que ganhavam acima de 30 salários mínimos por mês, foi de 26,3% da renda familiar. Já para os trabalhadores mais pobres, com rendimento mensal de até dois salários mínimos, o percentual foi praticamente o dobro, de 48,9%. O mais dramático é que esta diferença só vem aumentando ao longo do tempo.27No caso das políticas sociais, há uma lógica bastante parecida. Desde o começo da década de 1990, instaurou-se um mecanismo que permite que o Governo Federal desvincule 20% dos impostos e das contribuições originalmente previstos para a área social, a chamada Desvinculação de Recursos da União (DRU). São bilhões de reais que, anualmente, são utilizados para a realização do superávit primário destinado ao pagamento de juros e à amortização da dívida.28 Em outras palavras, fortalece-se a desigualdade na medida em que, de um lado, remuneram-se regiamente os mais abastados (os credores da dívida pública) e, de outro, deixa-se de ampliar o atendimento às populações mais pobres. Do ponto de vista político, os recentes escândalos de corrupção que atingem todos os poderes acentuam a descrença generalizada na eficácia das instituições governamentais. Os partidos políticos também entraram em crise, com cada vez menos capacidade de unificar os setores sociais, orientar o Estado e articular as políticas governamentais. As organizações da sociedade civil brasileira do chamado campo democrático vêm sendo sistematicamente fragilizadas – dos pontos de vista de sua sustentabilidade política, institucional e financeira –, encontrando, desta feita, enormes dificuldades em desafiar e transformar o poder, a estrutura, as relações, os processos e as políticas em que se baseiam a sociedade e o seu desenvolvimento econômico.
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A este respeito, veja: IPEA (2010). A este respeito, veja: Salvador (2007). 28 A título de ilustração, entre os anos de 2005 e 2006, foram retirados cerca de R$ 66 bilhões de recursos inicialmente destinados às áreas de previdência social, saúde e assistência social. Isto equivalia a sete anos de Bolsa Família, cujo orçamento anual na época era de R$ 9,2 bilhões. Na educação, estima-se que, entre os anos de 2000 a 2007, R$ 45 bilhões deixaram de ser aplicados no setor por conta da Desvinculação das Receitas da União (DRU). A este respeito, veja: Salvador (2007). 27
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Como resultado, o Brasil acumula os elementos necessários para se tornar uma economia emergente e um poder ascendente na geopolítica do mundo, ao mesmo tempo em que mantém quase intocadas as condições de exclusão e desigualdade social, notadamente de mulheres, negros, indígenas, povos e comunidades tradicionais, bem como de camponeses. Em suma, apesar de seus enormes ganhos, a democracia brasileira fracassa quando se trata de garantir o acesso de todos os brasileiros e brasileiras aos direitos humanos; de produzir uma base econômica justa, solidária e sustentável; e de fortalecer um poder político mais participativo e aberto aos cidadãos e às cidadãs. A sociedade civil brasileira sob ameaça O Brasil possui uma sociedade civil organizada complexa, que inclui organizações diversas, tais como: organizações sem fins lucrativos de caráter filantrópico, organizações religiosas, organizações de defesa de direitos, movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores, redes de organizações e movimentos, entidades que promovem a responsabilidade social empresarial, entre outras. Os últimos dados disponíveis29 revelam que, em 2005, o país contava com 338 mil associações e fundações sem fins lucrativos divididas da seguinte forma: (i) religiosas = 25%; (ii) de desenvolvimento e defesa de direitos = 18%; (iii) de profissionais e associações empresariais = 17%; (iv) de cultura = 14%; (v) de assistência social = 12%; (vi) de educação = 6%; (vii) de moradia, saúde e meio ambiente = 2%; e (viii) outras = 6%. Parte destas organizações e destes movimentos, especialmente aqueles articulados em torno da defesa de direitos e de promoção da democracia, assume papel central na pressão que exercem sobre o poder público e também sobre o setor privado, para o alargamento dos direitos e para a construção de um modelo de desenvolvimento que seja efetivamente inclusivo e sustentável. Esta tarefa não é fácil, pois os desafios são imensos, a começar pela própria dívida social que o país tem para com seus cidadãos. Além disso, instituições públicas brasileiras - nos três poderes e nos três níveis de governo - estão mergulhadas em esquemas de corrupção, de tráfico de influência e de defesa de demandas corporativas em detrimento de questões de interesse público. Outro agravante deve-se à crise financeira pela qual passam importantes organizações da sociedade civil. Este fenômeno decorre de diversos fatores, tais como a diminuição e o rearranjo dos recursos provenientes da cooperação internacional, além da inexistência de cultura de doação fora das esferas familiar, de vizinhança e religiosa. Com efeito, com exceção do movimento sindical,30 não há no país uma política pública articulada e coordenada de financiamento dessas organizações. Existem diferentes mecanismos, operados por distintos órgãos públicos, geralmente pouco transparentes e com poder discricionário do Estado31. O melhor exemplo desta falta de cultura da doação pode ser dado pelo projeto Criança Esperança,32 iniciativa da Rede Globo, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A cada ano, estas duas organizações promovem uma campanha nacional utilizando o horário nobre da maior rede de televisão do país. Apesar da marca e do poder de formação de opinião e de
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A este respeito, consulte: IBGE; IPEA; ABONG; GIFE (2008). Pela lei brasileira, os sindicatos são financiados anualmente com recursos oriundos de um dia de salário dos trabalhadores do setor formal, independentemente da sua condição de sindicalizados ou não. Trata-se da chamada “contribuição sindical”. 31 A este respeito, consulte: Beghin et al. (2005). 32 Veja o site: < http://criancaesperanca.globo.com/>. 30
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mobilização destas entidades, os recursos arrecadados em 2011 foram de apenas R$ 18 milhões. Outro fator que acarreta esta dada realidade refere-se à focalização dos recursos de origem empresarial para entidades que prestam serviços sociais. O que o setor empresarial mobiliza para a área social também não é expressivo: menos de 0,5% do PIB33. E mais: a absoluta maioria destes recursos é destinada a organizações que atendem diretamente a população com atividades de assistência social, alimentação, saúde e educação, entre outras. Raras são as verbas que buscam apoiar entidades que defendem direitos humanos. Outros agravantes para a perpetuidade desta cultura são a criminalização dos movimentos sociais e os constantes ataques às organizações da sociedade civil defensoras de direitos humanos, que diariamente se confrontam com poderosos interesses dos detentores dos meios de produção e seus aliados.34,35 As tensões presentes na sociedade brasileira precisam ser mais expostas, de modo a se poder enfrentá-las e encontrar saídas para o seu equacionamento. Sem uma sociedade civil atuante que lute por políticas públicas e pela garantia de direitos humanos, pela ampliação da democracia e pela justiça social, não será possível enfrentar os problemas da desigualdade, da exclusão social e da pobreza.
Levando-se em consideração que o Brasil adquire papel cada vez mais central nos cenários regional e internacional, a pergunta que se faz é a seguinte: em que medida o modelo de crescimento econômico que não assegura a universalização da cidadania será levado a outros lugares, por meio de instrumentos da política externa e da cooperação internacional, seja ela recebida, triangular ou oferecida?
2. O Brasil e a cooperação internacional recebida 2.1 As mudanças no cenário internacional da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) A cooperação internacional governamental, chamada de Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD), fornecida pelos doadores tradicionais,36 vem passando por uma série de mudanças, devido a diversos fatores que são resumidos a seguir.37 33
A este respeito, consulte: Peliano (2006). Um exemplo disso pode ser comprovado pelas três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) sobre ONGs instaladas no Congresso Nacional durante a década de 2000. Mencione-se, ainda, a recente atitude da presidenta Dilma Rousseff de suspender, de forma indiscriminada, o repasse de recursos de convênios às organizações da sociedade civil (OSCs), ferindo acordos públicos, criando ambiente de insegurança jurídica e colocando o foco dos mecanismos de corrupção nas ONGs e não nos políticos beneficiários das práticas ilícitas. A este respeito, veja o artigo de Durão (2011). 35 A este respeito, veja o dossiê elaborado pelo PAD em julho de 2010 sobre o tema intitulado: “A repressão aos defensores de direitos humanos e movimentos sociais no Brasil”. Acesse o site: <www.pad.org.br>. 36 Os doadores tradicionais se reúnem no âmbito do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE (DAC OCDE). O DAC é integrado por representantes de 24 países membros, a saber: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia (integrante desde 2010), Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e União Europeia. Representantes do Banco Mundial, do FMI e do PNUD participam do DAC como observadores. 37 A este respeito, veja: Fordelone (2009), CEPAL (2010), Wilks (2010), Ayllón (2011), Ballón (2011), Fernández (2011a e b), Tomlinson (2009, 2010, 2011) e comentários de vários dos entrevistados. 34
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2.1.1 Diminuição relativa da AOD Segundo dados do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE (DACOCDE),38 a Assistência Oficial ao Desenvolvimento aumentou na década de 2000, passando de 0,22% do PIB em 2000 para pouco mais de 0,30% do PIB em 2010, o que corresponde a um aumento de 41% para o período. Entretanto, apesar desta melhora, mais poderia ter sido feito. Segundo Tomlinson (2010: 30-31), nos últimos cinquenta anos, observa-se brecha crescente entre a riqueza dos países doadores e as alocações da ajuda per capita, particularmente desde o início dos anos de 1990. Assim, por exemplo, o PIB per capita dos doadores cresceu mais de 200% entre 1961 e 2008, enquanto que a ajuda per capita elevou-se em somente 66% no mesmo período. A AOD dos países doadores teve um incremento anual de somente US$ 1,00 por habitante; no entanto, a riqueza nacional destes países elevou-se US$ 600,00 por ano. Em 1961, a ajuda per capita representava 0,5% do PIB per capita; em 2008, este percentual caiu para menos de 0,3%. Soma-se a isso o fato constatado de que os países doadores estão longe de ter cumprido as metas acordadas na Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, celebrada em Monterrey,39 em 2002, principalmente a meta de alocar 0,7% do PIB à AOD. O desrespeito aos acordos resultou num “déficit” da ajuda da ordem de US$ 150 bilhões somente em 2010. Com efeito, naquele ano, o valor total da AOD foi de cerca de US$ 130 bilhões. Se o patamar de 0,7% do PIB tivesse sido respeitado, o montante deveria ter alcançado a soma de US$ 282 bilhões (Tomlinson, 2010: 24). No futuro próximo, ao que tudo indica, a situação deverá piorar como consequência do agravamento da grave crise econômica que afeta os países desenvolvidos desde 2008. 2.1.2 Emergência de novas prioridades Soma-se também a este cenário de escassez relativa de recursos a emergência de novos problemas para os países desenvolvidos. Assim, por exemplo, depois do “11 de Setembro”, os Estados Unidos têm dado prioridade ao Iraque e ao Afeganistão. Vultosos recursos da União Europeia (UE) têm sido canalizados para processos de integração dos novos países que se somaram mais recentemente à UE, bem como para o atendimento de carências sociais dos países mais pobres da região. Além disso, o Japão vem dando especial atenção às vítimas do violento terremoto que sacudiu o
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A este respeito, consulte a página: <http://www.oecd.org/department/0,2688,en_2649_33721_1_1_1_1_1,00.html>. 39 Note-se que a primeira vez em que os países desenvolvidos acordaram esta meta foi na Assembleia Geral da ONU de 24 de outubro de 1970, por meio da Resolução nº 2.626 (XXV).
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país em 2011. Tais problemas acabam reorientando o destino das verbas de AOD ou competindo pelos seus recursos, seja para países considerados estratégicos do ponto de vista geopolítico, seja para a resolução de questões internas dos países doadores. 2.1.3 Inadequação dos critérios de distribuição da AOD O principal critério para definir a AOD dos países doadores diz respeito à chamada renda média per capita dos países, que privilegia aqueles que apresentam índices de renda baixa (Low Income Countries – LIC). Se é bem verdade que, em 1990, mais de 90% dos pobres se concentravam nestes países, atualmente a tendência se inverteu: três quartos dos pobres vivem nos países de renda média (Middle Income Countries – MIC).40 Entretanto, tais países receberam somente 40% da AOD na década de 2000. Além disso, o critério de renda per capita pressupõe uma distribuição homogênea dos recursos, o que está longe de ser realidade. A baixa efetividade deste indicador é mostrada pela Cepal (2010: 13): o nível de renda per capita do grupo de países classificados como de renda média/baixa, para a média dos anos de 2000 a 2008, oscilou entre um mínimo de US$ 1.943,00 e um máximo de US$ 9.077,00. A taxa de pobreza neste grupo de países, por sua vez, ficou entre um mínimo de 2% e um máximo de 84%.41 A mesma disparidade se observa num grupo de países de renda média/alta, onde o nível de renda per capita oscilou entre um mínimo de US$ 4.100,00 e um máximo de US$ 19.547,00. Já a taxa de pobreza variou entre um mínimo de 2% e um máximo de 43%. Na América Latina e no Caribe, onde a maior parte dos países é classificada como de renda média/alta, as taxas médias de pobreza para o período de 2000 a 2008 variaram de 2%, como mínimo, para 21%, como máximo. Vê-se, pois, que – mesmo que a pobreza tenha diminuído nos países de renda média – a miséria continua pouco compatível com os níveis de desenvolvimento destas nações, o que põe abaixo o argumento de que tais países possuem recursos suficientes (financeiros, institucionais, humanos, etc.) para enfrentar, sozinhos, suas mazelas sociais. O foco na pobreza ofusca os verdadeiros problemas, que estão na raiz das precárias condições de vida e da sistemática violação de direitos humanos e ambientais que ainda prevalecem nesses países. É preciso desenvolver um olhar mais apurado para enfrentar a complexidade das questões sociais, ambientais e climáticas que afligem o planeta. Assim, considerando-se esta heterogeneidade, bem como as disparidades existentes em cada país, os critérios para a alocação de recursos da AOD deveriam fixar-se com base em um conjunto mais amplo de indicadores que reflita as particularidades concretas dos países e permita detectar onde estão as principais necessidades e demandas de cada caso específico.
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A este respeito, consulte: IDS (2010). Os dados fazem referência ao nível do PIB per capita medido em paridade com o poder de compra (PPP). A taxa de pobreza é medida utilizando-se a linha de US$ 2,00 (dois dólares) diários. Os dados provêm da base de dados do “World Development Indicators”, do Banco Mundial (CEPAL, 2010: 4). 41
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2.1.4 Baixa efetividade da AOD Depois de cinco décadas de ajuda, cresce o entendimento de que tal ajuda teria tido baixa efetividade, uma vez que os países doadores tenderam a atrelar suas atividades de cooperação aos seus interesses econômicos e políticos, muito mais do que a promover o desenvolvimento das comunidades e dos povos beneficiários da AOD. Com isso, houve pouca preocupação: (a) com as reais necessidades das comunidades atendidas; (b) com o fortalecimento de institucionalidades democráticas locais; (c) com o empoderamento das sociedades nacionais receptoras da cooperação internacional; (d) com a promoção dos direitos humanos; (e) com a igualdade de gênero; (f) com a defesa do meio ambiente; e (g) com a avaliação dos resultados. Somam-se a isso: (i) a predominância de uma visão excessivamente assistencialista; (ii) o desperdício de recursos proveniente da ausência de coordenação das agências promotoras da AOD e da consequente superposição das ações; (iii) a falta de transparência na alocação de recursos; (iv) a insuficiente prestação de contas tanto às sociedades doadoras quanto às receptoras; e (v) a excessiva dependência da AOD por parte de alguns países. Apesar dos acordos selados na Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda (2005)42 e no Plano de Ação de Acra (2008),43 os avanços observados desde metade da década de 2000 foram pequenos. Representantes da sociedade civil global que acompanharam a reunião do IV Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, realizado em Busan, na República da Coreia, em novembro de 2011, manifestam sua preocupação, pois consideram que os doadores e os governos parceiros não conseguiram cumprir a maior parte dos compromissos pactuados em Paris e em Acra (Better Aid, 2011). Para além destes acordos urge incorporar na agenda de debates temas centrais para a promoção do efetivo desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, restrições comerciais sem compensação; sistemas tributários frágeis e recessivos; regulação das transnacionais, tanto nas suas ações mercantis como nas suas intervenções ditas de responsabilidade social; bens comuns globais; mudanças climáticas; ausência de participação das organizações e dos movimentos sociais nos espaços e processos decisórios, entre tantos outros. 42
O II Fórum de Alto Nível para Eficácia da Ajuda decorreu em Paris, em 2005, e juntou os doadores tradicionais (bilaterais e multilaterais), novos doadores, organizações da sociedade civil e do setor empresarial com o objetivo de avaliar o estado da arte da assistência internacional ao desenvolvimento. Os compromissos assumidos ficaram traduzidos na Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda, que se assenta em cinco pressupostos considerados essenciais para a promoção do desenvolvimento: 1º) apropriação: os países parceiros exercem uma liderança efetiva sobre as suas políticas e estratégias de desenvolvimento; 2º) alinhamento: os doadores baseiam sua ajuda nas estratégias de desenvolvimento dos parceiros; 3º) harmonização: os doadores coordenam suas atividades e minimizam os custos relacionados à ajuda; 4º) gestão para os resultados: os doadores e parceiros orientam suas atividades de forma a atingir os resultados desejados; e 5º) prestação de contas mútuas: os doadores e os países parceiros comprometem-se a prestar contas mutuamente sobre os resultados de uma melhor gestão da ajuda. 43 O Plano de Ação de Acra resultou do III Fórum de Alto Nível para a Eficácia da Ajuda. O plano lista um conjunto de ações com vistas a acelerar e aprofundar a implementação da Declaração de Paris. Tais ações estão estruturadas em torno de três eixos: a apropriação pelos países; a construção de parcerias mais sólidas e inclusivas; a gestão para resultados e a prestação de contas mútuas.
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2.1.5 Entrada em cena de novos doadores Os anos recentes se caracterizam pela irrupção de novos doadores no cenário da cooperação internacional, especialmente os países considerados emergentes, como Brasil, China, Índia, Coreia do Sul, África do Sul, Arábia Saudita, entre outros. Estimase que o aporte destes países seja da ordem de 10% do total da AOD dos doadores tradicionais (Tomlinson, 2011: 59). Ainda que o volume de recursos mobilizado por estes novos doadores seja pequeno, tais países vêm contribuindo para alterar a forma de fornecer assistência para o desenvolvimento. Novas modalidades vêm sendo desenhadas, como, por exemplo, a cooperação Sul-Sul e a cooperação triangular. A cooperação Sul-Sul (CSS) foi definida na Resolução nº 64/222 da Assembleia Geral da ONU, de 21 de dezembro de 2009, como iniciativa comum dos países do Sul, advinda de experiências compartilhadas e afinidades, com base em objetivos comuns e solidariedade afim entre eles, sendo guiada, entre outras motivações, pelos princípios de respeito à soberania e aos direitos nacionais, livres de qualquer condicionalidade (apud CEPAL, 2010: 5). Para a Secretaria Geral Ibero-Americana (SEGIB, 2011), a cooperação Sul-Sul é um tipo de cooperação entre países em desenvolvimento ancorada nos seguintes critérios: √ A cooperação é baseada na horizontalidade, na solidariedade e no estabelecimento de interesses mútuos. √ O intercâmbio de conhecimentos é considerado mais relevante do que fatores financeiros. Abrange um amplo espectro de campos de atuação que se implementam no marco da assistência técnica ou do fortalecimento institucional. √ A CSS é marcada pela reciprocidade, pelo respeito mútuo, bem como pelo respeito à soberania dos países envolvidos. √ A CSS busca ser efetiva no uso dos recursos. √ A cooperação Sul-Sul busca construir relações entre parceiros da mesma região, entre países de continentes distintos, bem como estabelecer novas e inéditas alianças. Se é bem verdade que existem vantagens comparativas de que dois países com trajetórias políticas, culturais e sociais semelhantes estabeleçam relações de parceria entre si, é também verdade que somente isso não garante a efetiva promoção de um desenvolvimento sustentável dos pontos de vista econômico, político e social. Os chamados novos doadores, na sua grande maioria, não se submetem aos acordos celebrados em Paris, Acra e Busan porque não fazem parte do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE – com exceção da Coreia, que ingressou no DAC recentemente – ou porque não concordam com os termos dos acordos. Verifica-se que existe pouca transparência nas informações, além de baixa participação de movimentos e organizações da sociedade civil nas tomadas de decisão, na implementação e no acompanhamento das atividades de cooperação. Também não se tem notícias dos resultados da CSS.
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A cooperação triangular, por seu turno, é um tipo de relação que envolve, em geral, três atores: um doador tradicional (país integrante do DAC da OCDE ou organismo internacional), um país emergente e um terceiro país, menos desenvolvido. Cada nação contribui com sua experiência, todos voltados para a construção de objetivos comuns atrelados às prioridades de desenvolvimento do terceiro país. Note-se que estão surgindo novos formatos de cooperação triangular, como, por exemplo, alguns que envolvem somente países do Sul ou que mobilizam mais do que três parceiros (a chamada cooperação múltipla). Em que pesem os avanços que este formato de cooperação possa trazer, especialmente a melhor adequação da agenda às necessidades do terceiro (o país beneficiado), e o envolvimento de organizações não governamentais, pairam sobre ele alguns questionamentos, como, por exemplo: aumento dos custos; manutenção de uma cooperação orientada pelos interesses dos países do Norte, que continuam hegemônicos no cenário da cooperação internacional; morosidade na implementação dos projetos; imposição da agenda dos países emergentes ao país beneficiário; maiores dificuldades para assegurar a transparência e a prestação de contas; e a substituição, em vez da complementaridade, da AOD Norte/Sul (bilateral e multilateral) por esta forma de atuação. 2.1.6 Emergência de novas problemáticas de caráter transnacional: os bens comuns globais Existem outros elementos que influenciam os movimentos da cooperação internacional e que estão relacionados aos chamados “bens comuns globais”, também conhecidos como bens públicos. Estes bens são de responsabilidade de toda a comunidade mundial, pois de sua preservação depende o futuro da humanidade. São exemplos de bens comuns: a água, o meio ambiente e o clima, mas, também, os direitos humanos, a equidade, a paz, a segurança, a justiça internacional, o combate à corrupção e às drogas, a erradicação de epidemias, a diversidade cultural, a estabilidade econômica e financeira e o desenvolvimento de uma institucionalidade internacional capaz de adotar princípios de equidade e solidariedade. Neste caso, a América Latina e especialmente o Brasil são estratégicos para as nações do Norte, considerando-se que abrigam um dos principais reservatórios de água potável do mundo, bem como dispõem de biomas que são fundamentais para o equilíbrio da Terra, como é o caso da Amazônia. Além disso, a região abriga três integrantes do G20 (Argentina, Brasil e México) e um país emergente, o Brasil, mostrando que tem poder de influência nos espaços de decisão internacionais, tanto no marco da Organização das Nações Unidas (ONU) quanto de outros espaços multilaterais de decisão.
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2.2 A agenda da cooperação não governamental em transformação 2.2.1 As metamorfoses da cooperação solidária A cooperação não governamental, também chamada de cooperação solidária quando é implementada por organizações, entidades ecumênicas e movimentos sociais, também vem passando por mudanças, especialmente no que se refere às agências internacionais de países do Norte. Entre os fatores que explicam estas alterações, pode-se mencionar os seguintes:44 a) Diminuição dos recursos A crise econômica internacional que sacode os países do Norte e os questionamentos que pairam sobre a efetividade da ajuda contribuem para diminuir o aporte de recursos, tanto os oriundos da AOD como os de doadores privados (individuais ou corporativos). Além disso, alguns países desenvolvidos mudaram prioridades e formas de atuação. Este é o caso, por exemplo, da Noruega, que se comprometeu a transferir US$ 1 bilhão para o Brasil, mais especificamente para o Fundo Amazônia, por intermédio do BNDES. O governo considera que sua contribuição ao país se esgota neste repasse, deixando, desta feita, de apoiar projetos tradicionalmente implementados por agências ecumênicas norueguesas no Brasil. A escassez relativa de recursos tem resultado em aumento da concorrência entre as agências e na emergência de novas organizações que se utilizam de mensagens apelativas de cunho mais assistencialista. b) Mudanças nas agendas Várias agências internacionais não governamentais vêm alterando suas prioridades em função da mudança na visão estratégica que as sociedades ditas desenvolvidas outorgam ao papel da cooperação internacional, pautando-se pelos critérios de renda média dos países que serão beneficiados pela ajuda. Tal postura tem resultado na progressiva diminuição de recursos destinados à maior parte dos países da América Latina (avaliados como de renda média) e na reorientação de prioridades para outras regiões consideradas menos favorecidas, como a África e a Ásia. Além disso, ganham destaque projetos de combate à pobreza que apresentam resultados comunicáveis do ponto de vista midiático, em detrimento de ações que atacam as causas de produção e reprodução da pobreza. Note-se, contudo, que existem exceções e, neste particular, merece menção o dado de que as agências ecumênicas, em sua maioria, não somente não se retiraram do Brasil e da América Latina, como continuaram a pautar suas agendas 44 A este respeito, veja: Luz e Wolff (2011), Caccia Bava (2011a e b), Fernández e Balbis (2011) e Croce (2010).
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de trabalho em torno da promoção dos direitos humanos e do combate à desigualdade e à injustiça social. Ademais, buscaram fortalecer sua atuação criando novas formas de interação. Este é o caso, por exemplo, do Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Europeias e suas Entidades Parceiras no Brasil (PAD).45 Trata-se de iniciativa inédita e precursora que criou uma rede formada hoje por seis agências ecumênicas europeias (Christian Aid, NCA, EED, HEKS, ICCO, PPM) e mais de 160 entidades parceiras no Brasil, cujo objetivo é gerar nova cultura de diálogo multilateral e espaço de reflexão sobre as políticas de cooperação, tomando como eixos temáticos a sustentabilidade institucional das organizações e os direitos humanos. Criado em 1995, o PAD orientou sua atuação na busca da promoção de uma nova cultura de diálogo multilateral e na construção de um espaço de compreensão das políticas de cooperação internacional. O ecumenismo e o multilateralismo sempre foram valores norteadores desta articulação. A interação e a parceria ativa entre agências de cooperação e parceiras brasileiras são valores intrínsecos à estrutura da rede, que se pauta pela busca de uma nova solidariedade entre o Sul e o Norte. c) Alterações na forma de organização Recentemente, as agências não governamentais têm procurado novas formas de atuação para aumentar seus resultados, conquistar maior efetividade e incrementar a captação de recursos. Neste sentido, pode-se mencionar iniciativas, tais como: (i) fusões entre agências, como no caso da EED com a “Pão para o Mundo” (PPM); (ii) implementação de modelos descentralizados de atuação, ancorados na criação de escritórios ou representações regionais ou nacionais, como, por exemplo, a Christian Aid com seus escritórios no Brasil e na Bolívia; (iii) nacionalização de suas organizações, especialmente nos países emergentes, como é o caso de Greenpeace, WWF, ActionAid, Save the Children, Anistia Internacional e Oxfam, entre outras; (iv) criação de redes ou alianças de modo a ampliar a capacidade de articulação internacional entre as agências de maior afinidade, como, por exemplo, a Aliança ACT.46 d) Posturas de apoiadores governamentais mais “intervencionistas” Vários governos dos países do Norte, que financiam majoritariamente suas ONGs, procuram aumentar o nível de influência sobre a política das agências não governamentais, muitas vezes a partir de interesses ligados à política externa ou a questões econômicas e de suposta necessidade de concentrar esforços e recursos em poucos temas (“alinhamento e harmonização”) para gerar efeitos mais amplos, chamados de resultados. 45
Para mais informações, acesse o site: <http://www.pad.org.br>. A Aliança ACT reúne 125 igrejas e organizações afins, que trabalham conjuntamente nas áreas de cooperação ao desenvolvimento, incidência política e ajuda humanitária. A Aliança ACT foi fundada em 2009 e atualmente está presente em 140 países, mobilizando recursos anuais da ordem de US$ 1,6 bilhão. Para mais informações, acesse o site: <http://www.actalliance.org>. 46
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e) Movimento de luta por uma cooperação internacional para o desenvolvimento entendida como bem comum Recentemente, as organizações da sociedade civil passaram a desenvolver papel mais proativo na defesa de um sistema internacional de cooperação para o desenvolvimento que seja considerado como bem público ou bem comum, voltado para financiar o desenvolvimento, realizar os direitos humanos de todas as populações, bem como para combater toda e qualquer forma de exclusão e de opressão. Neste sentido, a cooperação é uma responsabilidade de todos e, portanto, requer a participação dos governos e das organizações da sociedade civil. A discussão dos movimentos e das organizações sociais inclui também a reflexão sobre sua própria atuação no sistema internacional de cooperação, já que cerca de 6,5% da AOD é canalizada por intermédio de ONGs (Fernández, 2011a; Tomlinson, 2008). Para esta finalidade, movimentos e organizações sociais se organizaram em torno de iniciativas, tais como: The Reality of Aid Network,47 Better Aid48 e o Fórum Aberto sobre a Eficácia do Desenvolvimento das Organizações da Sociedade Civil.49 Graças a este ativismo, hoje os espaços oficiais de cooperação internacional (isto é, DAC da OCDE, Fórum de Alto Nível da Efetividade da Ajuda, Organização das Nações Unidas) reconhecem, mais do que antes, que as OSCs são atores do desenvolvimento e cumprem papel relevante para: (a) melhorar a efetividade do desenvolvimento; (b) ampliar a realização dos direitos humanos; (c) otimizar a promoção da igualdade de gênero, da justiça social, do trabalho decente, da sustentabilidade ambiental e da paz; e (d) acabar com a corrupção e a impunidade no marco de uma governança democrática. Graças a este tipo de organização e pressão, as instâncias globais e regionais de promoção da cooperação internacional têm passado a envolver mais as organizações da sociedade civil nos processos de tomada de decisão, embora este envolvimento ainda se encontre muito aquém do desejado.
47 Trata-se de uma rede de organizações não governamentais, do Sul e do Norte, criada no começo dos anos de 1990 e voltada para a análise e a incidência das políticas e práticas da cooperação internacional e de seu impacto na diminuição da pobreza. Para mais informações, acesse o site: <http://www.realityofaid.org>. 48 A Better Aid, criada em 2007, é uma plataforma aberta que reúne mais de 700 organizações da sociedade civil global para desafiar a efetividade da ajuda internacional. A Better Aid promove um conjunto amplo de atividades, tais como a realização de consultas internas e de estudos e pesquisas, o monitoramento da ajuda e o acompanhamento das reuniões do Fórum de Alto Nível da Efetividade da Ajuda. Para mais informações, acesse o site: <http://www.betteraid.org>. 49 O Fórum Aberto sobre a Eficácia do Desenvolvimento das Organizações da Sociedade Civil é uma iniciativa promovida por diversas coalizões de organizações da sociedade civil do mundo para identificar elementos que são essenciais para o desenvolvimento efetivo das organizações e dos movimentos sociais, nacionais, regionais e globais. Para mais informações, veja o site: <http:// www.cso-effectiveness.org>. Em setembro de 2010, foi realizada em Istambul, na Turquia, a 1ª Assembleia Global do Fórum para a Efetividade do Desenvolvimento das Organizações da Sociedade Civil. Durante a Assembleia, foram aprovados os Princípios de Istambul, segundo os quais as OSCs se comprometem a tomar medidas proativas para melhorar suas práticas em favor do desenvolvimento e prestar contas por estas práticas. Para mais informações, veja a página: <http://www.cso-effectiveness.org /-8istanbul-development,067-.html?lang=en>. Em junho de 2011, foi organizada a 2ª Assembleia do Fórum, em Siem Reap, Camboja, na qual foi aprovado o Marco Internacional para a Eficácia da Contribuição das OSCs ao Desenvolvimento, também conhecido como o Consenso de Siem Reap. Para mais informações, veja a página: <http://www.cso-effectiveness.org/IMG/pdf/final_framework_for_ cso_dev_eff_07_2011-3.pdf>.
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2.2.2 A crescente atuação do setor empresarial Outro ator que vem intensificando sua atuação no marco da cooperação internacional é o setor empresarial. Sua intervenção, amplamente apoiada pela Organização das Nações Unidas, pela União Europeia e pela OCDE, entre outras instâncias multilaterais, adota diversos formatos que podem ser agrupados em Iniciativas de Múltiplas Partes Interessadas (IMPIs) ou Parcerias Público-Privadas Globais do Social (PPPGS). Exemplos de IMPIs são certificações ou selos (Fair Labour Association – FLA, Forest Stewardship Council – FSC, ISO 26.000 de Responsabilidade Social, Selo Rugmark) indicadores de prestação de contas e de difusão de boas práticas (Global Reporting Initiative – GRI, Global Compact, da ONU), códigos (Clean Cloth Campaign – CCC, Ethical Trading Initiative – ETI) e acordos de marcos internacionais entre sindicatos e transnacionais. As Parcerias Público-Privadas Globais do Social envolvem empresas transnacionais ou suas fundações, organizações da ONU e, por vezes, organizações da sociedade civil. Este é o caso, por exemplo, do movimento global Educação para Todos (EPA), da Aliança Global para Vacinas e Imunização (Gavi Alliance), da Aliança Global para Melhorar a Nutrição (GAIN), do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária (Global Fund) e do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil, entre outras.50
Se, por um lado, a entrada em cena destes atores traz vantagens (recursos adicionais, novas tecnologias e novas soluções para enfrentar problemas sociais, ganho de escala de determinadas ações, entre outras), por outro levanta uma série de riscos e preocupações, podendo-se destacar: (i) subordinação dos interesses públicos aos interesses privados; (ii) alteração da agenda pública global, de forma a concentrar as prioridades em temas, regiões e países que apresentam mais chances de sucesso, evitando-se assim enfrentar os desafios estruturais que produzem e reproduzem miséria; (iii) aumento da influência política das transnacionais, de forma que estas acabem obtendo vantagens comerciais, como diminuição de tarifas e taxas, isenções fiscais, maior celeridade nos registros de novos produtos – em especial, os farmacêuticos e os alimentícios; (iv) apresentação de problemas sociais, como problemas tecnológicos, que, portanto, requerem soluções somente no campo tecnológico (assim, por exemplo, os problemas educacionais se resolvem com a distribuição de laptops de baixo custo; a desnutrição é erradicada com o fornecimento de compostos alimentares multivitamínicos que não têm qualquer relação com os hábitos alimentares das populações beneficiárias; a problemática agrícola se soluciona por meio de sementes transgênicas, etc.); e (v) fragmentação da governança global,
50 Para mais detalhes sobre a participação das empresas privadas no combate à pobreza em âmbito global, veja: Beghin (2009: capítulo 2).
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na medida em que se multiplicam os instrumentos e as ações sem qualquer coordenação pública.
2.3 A cooperação internacional e o Brasil No Brasil, a cooperação internacional recebida – tanto a bilateral e a multilateral quanto a oficial e a não governamental – nunca foi relevante do ponto de vista quantitativo, ainda que tenha tido indiscutivelmente seu papel numa perspectiva mais qualitativa (transferência de conhecimentos, técnicas, experiências, equipamentos, produtos e serviços, entre outros; fortalecimento de movimentos e organizações da sociedade civil do campo democrático, etc.). Talvez este seja um dos motivos pelos quais não existam avaliações mais abrangentes sobre os impactos desta cooperação no país nas últimas décadas. Por seu turno, a cooperação oficial oferecida é um fenômeno muito recente, sobre o qual também não se dispõe de muitas informações. Assim, diante da carência de dados e de análises mais abrangentes, este pequeno preâmbulo tem por objetivo explicar que o tema da cooperação será abordado neste item e nos próximos muito mais com o intuito de problematizar a temática e levantar hipóteses do que de trazer afirmações e defender teses. 2.3.1 A cooperação oficial recebida Para a América Latina e o Caribe, existem evidências de que a cooperação internacional vem perdendo fôlego. Com efeito, segundo dados da Cepal (2010), nas décadas de 1990 e 2000, a América Latina viu a cooperação internacional recebida diminuir em termos proporcionais: em 1990, a AOD recebida correspondia a 0,5% do PIB da região. No final dos anos de 2000, este percentual caiu para cerca de 0,2%. Do total da AOD, 8% se destina à América Latina e ao Caribe. A região é vítima de seu próprio sucesso. É a única região em desenvolvimento na qual prevalecem regimes democráticos e governos estáveis; onde não existem conflitos militares entre países e onde a absoluta maioria dos países é de renda média. Além disso, os impactos da crise econômica do final dos anos de 2000 foram relativamente bem absorvidos. Entretanto, os países da América Latina apresentam importantes necessidades não cobertas e setores com alto grau de vulnerabilidade. O critério de renda média adotado pelos doadores tradicionais para a distribuição da AOD não leva em conta a complexidade da questão social na região. Além do mais, os países da região sofrem as consequências da crise provocada pelos países desenvolvidos, mas são pouco indenizados: os fluxos de ajuda ao desenvolvimento deveriam atenuar em certa medida estes efeitos produzidos pelo vaivém dos fluxos de capitais privados e proporcionar uma fonte de financiamento estável aos países. Ainda mais no cenário pós-crise, os fluxos de AOD deveriam cumprir papel importante no momento de compensar a restrição
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de recursos em nível externo à América Latina para impedir retrocessos reais na situação social da região. No Brasil, não existem evidências de que a cooperação recebida estaria diminuindo, pelo menos nos tempos recentes. Segundo dados do DAC da OCDE,51 o aporte da AOD líquida ao Brasil é da ordem de US$ 370 milhões por ano, em média. Em 2007, o valor foi de US$ 321 milhões. No ano seguinte, subiu para US$ 460 e, em 2009, voltou a baixar para US$ 338. O valor teria sido da ordem de US$ 300 milhões no começo da década de 2000. Os principais doadores na atualidade são, de longe, Alemanha e Japão. Seguem-se França, Espanha, União Europeia, Estados Unidos, GEF/PNUD, Itália, Noruega e Fundos Especiais do BID. Note-se, contudo, que a cooperação é pequena se comparada com o PIB do país: é menor do que 0,02%. Seria interessante realizar uma avaliação da evolução do conteúdo da agenda da cooperação recebida, pois existe a hipótese de que ela vem se alterando, passando de uma atuação mais tradicional de cooperação (nas áreas de pobreza, saúde, saneamento, educação e meio ambiente, entre outras) para temas considerados mais estratégicos diante do papel de global player que o Brasil vem ocupando no cenário internacional: mudanças climáticas, Amazônia, segurança, energia, fóruns globais de decisão (G20, OMC, ONU, IFIs, etc.) e cooperação triangular. Ademais, acredita-se que os instrumentos de cooperação também estejam passando por mudanças. Assim, por exemplo, recentemente, a União Europeia (UE) anunciou que irá encerrar a cooperação bilateral com o Brasil.52 Entretanto, as relações Brasil/UE vêm se intensificando desde 2007, quando o Brasil virou parceiro estratégico da Comunidade Europeia. Desde então, são realizadas cúpulas anuais entre ambos os parceiros e celebrados Planos de Ação Conjunta com duração de três anos. O último Plano 2012-2014 foi acordado em Bruxelas (Bélgica), no final de 2011, e contém propostas de atuação concertada em áreas como: promoção da paz e da segurança; parceria econômica, social e ambiental; cooperação em ciência, tecnologia e inovação; cooperação regional e cooperação triangular; intercâmbio em áreas de educação e cultura; e aproximação das sociedades civis. Ainda que o Brasil não faça parte do grupo dos “doadores tradicionais” reunidos no marco do DAC da OCDE, o país vem participando dos Fóruns de Alto Nível da OCDE, mas apresenta críticas ao seu funcionamento, pois considera que a visão ainda é predominantemente North-driven. O Brasil entende que a concepção do sistema de desenvolvimento mundial é rígida, na qual os países só podem ser classificados como “doadores” ou “receptores”, pois não há o entendimento de que os países são “parceiros” e de que os princípios que deveriam nortear a cooperação para o 51
A este respeito, consulte “Brazil at a Glance”, na página: <http://www.oecd.org/dataoecd/57/22/ 1868114.gif>. 52 Note-se que esta cooperação bilateral mobilizava recursos de pequena monta. Segundo dados da União Europeia para o período 2007-2013, o orçamento previsto para a cooperação bilateral é da ordem de 61 milhões de euros. A este respeito, consulte a página: <http://eeas.europa.eu/ delegations/brazil/eu_brazil/tech_financial_cooperation/bilateral_coop/index_pt.htm>.
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desenvolvimento são a igualdade entre as partes, o respeito por sua independência, a soberania nacional, a diversidade cultural e de identidades, a diversidade linguística e a não interferência nos assuntos domésticos. O Brasil lamenta ainda que a cooperação Sul-Sul receba tão pouca atenção nos debates e defende um espaço de articulação mais amplo, no marco da ONU (Campos et al., 2011). 2.3.2 A cooperação solidária recebida No que se refere à cooperação recebida das agências não governamentais internacionais, não há consenso entre especialistas. Na falta de dados abrangentes, uns especulam que os recursos estariam diminuindo, enquanto outros avaliam que a tendência não é de retração, mas de alteração de conteúdo das agendas associada a fatores cambiais. Com efeito, segundo alguns autores,53 os recursos da cooperação internacional para a América Latina, incluindo o Brasil, estão se retraindo. As explicações para esta mudança de comportamento são diversas, como, por exemplo: √ O status do Brasil como país emergente passa a impressão, simplista, de que estaria resolvendo seus problemas sociais e que, portanto, não precisa mais de ajuda. √ As organizações ecumênicas, as ONGs e os movimentos sociais brasileiros, bem como suas redes, são vítimas de seu próprio sucesso. Sua força política e atuação nas últimas décadas contribuíram para a volta da democracia e para a conquista de inúmeros direitos. Tais elementos tornam mais complexo o contexto da cooperação internacional com o Brasil e possibilitam o surgimento de distintas leituras, que acarretam, em alguns casos, cisões de históricas relações de parceria. Assim, por exemplo, são crescentes os questionamentos entre algumas agências sobre a pertinência de se manter apoio a atores sociais brasileiros já dotados de capacidades e habilidades que outros atores, de países mais pobres, ainda não possuem. Também existem críticas à excessiva proximidade de determinadas organizações e movimentos junto a governos – municipais, estaduais e federal – pertencentes à coalizão política vencedora na década de 2000, o que não lhes possibilita adotar uma postura crítica e autônoma. Verifica-se, ainda, o questionamento, também simplista, ao fato de que as OSCs de base nacional não envidaram suficientes esforços para captar recursos junto à sociedade brasileira. √ A crise econômica que afeta os países desenvolvidos, diminuindo a capacidade de mobilizar recursos públicos e privados. √ Os critérios de partilha de recursos de parte das agências muitas vezes estão centrados na temática da pobreza e não nas causas que geram esta mazela, como
53 A este respeito, veja Croce (2010), Caccia Bava (2011a e b), Fernández e Balbis (2011), Silva e Vargas (2009), Luz e Wolff (2011) e Vargas e Ferreira (s/d).
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a desigualdade. Além disso, a especialização crescente de algumas agências, que passam a concentrar seus recursos em torno de temas específicos, não contribui para apoiar de forma adequada as demandas das organizações parceiras frente às complexidades e ambiguidades do contexto brasileiro atual. √ A crescente competição das agências internacionais com as organizações nacionais. Muitas das agências internacionais se nacionalizam ou estão em processo de nacionalização (tais como: WWF, Greenpeace, ActionAid, Oxfam, Anistia Internacional, Save the Children) e passam a disputar recursos com as nacionais. Trata-se de uma disputa desigual, uma vez que as agências internacionais possuem vantagem comparativa, na medida em que dispõem de recursos financeiros, marca, tecnologia, conhecimentos, etc. Note-se, contudo, que esta posição é questionada por alguns especialistas. Para autores como Ribeiro (2011), a cooperação internacional no Brasil não estaria diminuindo: o que estaria acontecendo é uma mudança de enfoque associada a fatores cambiais. Segundo a dirigente da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), a forte valorização do real, associada à desvalorização do euro e do dólar, resultou numa expressiva perda de recursos para as ONGs brasileiras que dependiam da cooperação europeia e americana para o desenvolvimento de suas atividades. Estima-se que a perda seja da ordem de um terço nos últimos cinco anos. Tal diminuição de recursos em nada é influenciada pelas decisões das agências de cooperação e das avaliações dos governos dos países desenvolvidos sobre a capacidade do Brasil de resolver, sozinho, seus problemas. Como segundo fator, a especialista menciona a tendência à concentração de recursos: a cooperação externa mantém o volume de recursos que aporta no país, mas diminui o número de projetos apoiados, favorecendo organizações com maior capacidade de impacto. Por fim, novos enfoques e estilos de relacionamento das agências de cooperação com seus parceiros correspondem a um fator adicional (que produz mudanças) e reconfiguram o campo. Agências com as quais organizações e movimentos sociais brasileiros construíram relações de confiança e conhecimento mútuo nas décadas de 1970, 1980 e 1990 estão sendo alteradas, no período recente, por revezes devidos a questões de ordem política em seus países de origem. Alguns governos europeus inclinam-se à direita, colocando na defensiva setores simpáticos a agendas progressistas de política externa. A eficácia das organizações da sociedade civil na assistência ao desenvolvimento é regularmente questionada. Por tal razão, passam a ser exigidos delas, cada vez mais, resultados mensuráveis quantitativamente e focalização do investimento no combate à pobreza. Tais exigências são transferidas às contrapartes no Brasil, o que vai tornando mais difícil a manutenção de parcerias estratégicas de longo prazo. Ainda segundo Ribeiro, neste cenário reconfigurado nem tudo é adversidade. Um conjunto não negligenciável de países desenvolvidos continua identificando o Brasil como país estratégico, por razões tanto econômicas quanto políticas, e mantendo o
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fluxo de recursos de AOD. No âmbito da sociedade civil, também um número importante de agências de cooperação permanece no país, tratando de afirmar seus princípios políticos e buscando com suas contrapartes nacionais novas estratégias para tornar mais efetivas e visíveis as conquistas em termos de empoderamento de setores sociais mais vulneráveis e de identificação de alternativas de desenvolvimento sustentável. Este é o caso de muitas agências ecumênicas europeias, que não estão encolhendo sua presença no Brasil, nem concentrando seus recursos em organizações de maior porte, mas que continuam apostando fortemente numa agenda de defesa de direitos humanos e de justiça social. Por tal razão, por exemplo, é consenso no âmbito da ABONG que a aliança que se estrutura em torno do PAD é emblemática neste sentido. Ribeiro conclui que existem elementos suficientes que indicam que o que se tem hoje na área de cooperação internacional no Brasil não é abandono, mas sim uma disputa sobre a relevância das organizações da sociedade civil como promotoras do desenvolvimento e sobre os princípios, métodos e objetivos da cooperação. Estudo coordenado por Biekart (2005) para a América Latina vai na mesma direção: segundo o pesquisador, as principais agências de cooperação europeias não teriam reduzido os recursos destinados à região entre os anos de 1990 a 2005: Primero, ha habido una reducción gradual de la asignación relativa de presupuestos a América Latina, especialmente después del año 2000. Pero como los presupuestos de las agencias también han crecido sustancialmente en los últimos años, el volumen de financiación para Latinoamérica en términos absolutos no parece haber decido significativamente. De hecho, se puede detectar más bien un leve incremento en el lapso de 1995 al 2000 (…). La segunda tendencia, muy notable es que la gran mayoría de agencias europeas no ha experimentado recortes en sus presupuestos dedicados a América Latina durante la década pasada (Biekart, 2005: 18).
Ainda que, em geral, os recursos não tenham diminuído, observaram-se mudanças de foco tanto nos países atendidos – por exemplo, saem de cena Argentina, Chile e Uruguai e entram Bolívia, Colômbia e Haiti – quanto na diminuição de parceiros latinoamericanos: La reducción del número de contrapartes es especialmente visible en los 4-5 años pasados, debido a que las cifras estaban aun en aumento a finales de los 90s (...). El sistema (los donantes de los donantes) estimula la tendencia a apoyar programas de gran envergadura incluso con organizaciones más grandes, en tanto que estas minimizan el overhead por cada euro del donante gasto (Biekart, 2005: 21).
No que se refere à atuação futura, segundo Biekart (2005), as agências estariam diminuindo seus aportes na provisão de bens e serviços sociais e fortalecendo a área de campanhas de modo a comprometer os estados dos países em desenvolvimento – em âmbito nacional, regional e local – a assumir suas responsabilidades. Na ocasião, em meados da década de 2000, avaliava-se que a cooperação internacional privada não iria diminuir drasticamente, mas paulatinamente: “La tendencia es más bien a
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ener contrarpartes ‘estrategicas’ y a largo plazo, más que a alianzas orientadas a proyectos de corto plazo” (Biekart, 2005: 21). Entretanto, a crise que afetou o Ocidente em 2008, que, ao que tudo indica, terá efeitos muito mais prolongados do que o inicialmente imaginado, pode comprometer o cenário. Note-se, ainda, que novas posturas e novos temas de interesse dos países doadores podem vir a alterar o conteúdo das agendas das agências de cooperação privada e o volume de recursos aportados. Este é o caso da pressão que alguns governos do Norte vêm pondo em suas ONGs: (i) para que procurem por fontes complementares de recursos, como, por exemplo, junto à União Europeia ou ao setor empresarial (pois tais setores terão influência no perfil futuro de atuação da cooperação solidária no Brasil); e (ii) para que se envolvam em processos de cooperação Sul-Sul e cooperação triangular. Além disso, novos temas de interesse geopolítico emergem, como a temática dos bens comuns e os novos espaços multilaterais de poder (isto é: G20, BRICS, IBAS, BASIC, UNASUL). Nestes casos, o Brasil – como poder emergente – é fundamental para influenciar a agenda global. Vê-se, pois, que não está clara a tendência da cooperação internacional não governamental no que se refere à alocação de recursos. Entretanto, o que é comum a todas as análises é que o conteúdo da cooperação está passando por transformações radicais que podem comprometer parcerias históricas celebradas com organizações brasileiras que foram cruciais nas conquistas obtidas pelo Brasil nos últimos 30 anos. 2.3.3 A cooperação de origem empresarial Ao que tudo indica, a cooperação de origem empresarial deverá crescer no futuro próximo, uma vez que todas as grandes transnacionais possuem sede no Brasil e estão à procura de legitimidade política e social, bem como de novos mercados. Estudos54 mostram que a atuação das empresas na área social em caráter voluntário obedece a diversas motivações por vezes contraditórias: para uns, o investimento social privado tem por objetivo complementar os recursos públicos, atualmente insuficientes para fazer face à problemática social brasileira. Para outros, trata-se de demanda de consumidores – tanto dos países de origem quanto dos países receptores – cada vez mais conscientes, que pressionam as empresas para que incorporem nos seus negócios novas dimensões que dizem respeito à vida social e cultural e à preservação ambiental. Há, ainda, os que entendem o investimento social privado como um recurso de marketing utilizado pelas empresas para minimizar as críticas pelo poder excessivo que elas hoje detêm. Por fim, outros analistas avaliam que a atuação empresarial na área social integra o movimento neoliberal, que busca
54
A este respeito, veja Croce (2010), Caccia Bava (2011a e b), Fernández e Balbis (2011), Silva e Vargas (2009), Luz e Wolff (2011) e Vargas e Ferreira (s/d).
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desmanchar as referências aos direitos sociais, considerados como entraves à acumulação do capital. Qualquer que seja a motivação, o que se observa, em geral, é que o setor empresarial atua em áreas – como assistência social, alimentação, saúde, educação e cultura, entre outras – que não comprometem sua imagem e que não dizem respeito às verdadeiras causas da pobreza, da miséria e da desigualdade. Ainda que se verifiquem melhorias nas condições de vida de milhares de pessoas, devido aos investimentos sociais empresariais, tal atuação em pouco contribui para que os pobres se tornem sujeitos de seus destinos.
3. A cooperação internacional oferecida: o Brasil parceiro O governo brasileiro vem dando importantes passos no campo da cooperação internacional com outros países do Sul e, em especial, com estados latino-americanos.55 Com o intuito de consolidar sua estratégia de ator global, os recursos alocados pelo Executivo federal para a cooperação internacional56 têm crescido em tempos recentes. De acordo com estudo publicado pelo IPEA, em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), 57 a cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional foi da ordem de US$ 1,6 bilhão para o período de 2005 a 2009. E mais: em termos constantes, a cooperação cresceu cerca de 50% no quinquênio. Já a revista The Economist apresenta dados mais vultosos, ainda que as metodologias não possam ser comparadas: em matéria publicada em julho de 2010,58 o semanário afirma que a cooperação brasileira pode alcançar quantias da ordem de US$ 4 bilhões por ano. Mesmo que sejam de amplitudes e origens distintas, tais dados permitem formular a hipótese de que, atualmente, o Brasil aporta mais recursos para a cooperação internacional do que os recebe. Estudos adicionais devem ser empreendidos para validar, ou não, tal hipótese. Nos últimos 30 anos, a consolidação da democracia, o fortalecimento das organizações e dos movimentos sociais, a reforma constitucional, a reformulação e a consolidação de políticas sociais, o reconhecimento internacional destas e a maior estabilidade econômica e financeira garantiram crescente consistência e viabilidade à cooperação brasileira, que se intensifica nos anos 2000. O Brasil vem projetando uma presença internacional,
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A este respeito, veja IPEA; ABC (2010); e Balanço de Governo 2003-2010. Segundo o IPEA, existem cinco modalidades diferentes de cooperação internacional: assistência humanitária; bolsas de estudo para estrangeiros; cooperação técnica, científica e tecnológica; contribuições para organizações internacionais; e operações de paz. Entretanto, outras organizações computam algumas ações (como o perdão da dívida de países pobres e juros subsidiados para obras de infraestrutura) como se fossem recursos de cooperação. 57 IPEA; ABC (2010). 58 The Economist (2010). 56
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na qual combina ações de assistência humanitária, programas de cooperação horizontal e presença militar-policial. É o que mostra o estudo do IPEA realizado em parceria com a ABC (2010), que representa um primeiro esforço na quantificação da atuação do Brasil para além das fronteiras, bem como na prestação de contas à sociedade. Note-se que os dados não podem ser comparados com a definição de AOD da OCDE, pois o IPEA somente contabilizou os recursos alocados a fundo perdido.59 3.1 Panorama geral Conforme mencionado anteriormente, o estudo do IPEA e da ABC (2010) revela que a cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional (CID) foi da ordem de U$ 1,6 bilhão, em valores constantes, para o período 2005-2009, o que equivale a uma média de U$ 320 milhões por ano (veja a tabela 1). Note-se, contudo, que três quartos deste valor correspondem a contribuições para organizações internacionais e bancos regionais, cabendo às demais modalidades (assistência humanitária, bolsas de estudo e cooperação técnica) o outro quarto. Destaque-se que, embora a assistência humanitária represente o menor valor gasto (5% do total), este item multiplicou-se por 58 vezes em cinco anos, saindo de U$ 750 mil em 2005 para U$ 44 milhões em 2009. Também se observou sensível aumento da cooperação técnica, que era da ordem de U$ 18 milhões em 2005 e elevou-se para U$ 48 milhões em 2009. Tais incrementos constituem um sinal inequívoco da crescente importância que o Brasil vem atribuindo à cooperação internacional, em um marco global de desenvolvimento econômico e social.
Tabela 1. Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional (2005-2009) (Em US$ constantes) Itens
Assistência humanitária Bolsas de estudos para estrangeiros Cooperação técnica Contribuições para organizações internacionais Total
Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional (2005‐2009) Total, US$ co nstantes 81.042.825,42 160.093.340,18 136.770.694,52 1.230.488.257,73 1.608.395.117,85
% em relação ao total
5,04 9,95 8,50 76,50 100,00
Fonte: IPEA; ABC (2010: 21)
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Segundo o IPEA; ABC (2010: 17), a cooperação brasileira para o desenvolvimento refere-se à totalidade de recursos investidos pelo governo federal, totalmente a fundo perdido, no governo de outros países, em organizações nacionais de outros países em território brasileiro ou em organizações internacionais, com o propósito de contribuir para o desenvolvimento internacional, entendido como o fortalecimento das capacidades de organizações internacionais e de grupos ou populações de outros países para a melhoria de suas condições socioeconômicas.
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No que se refere à assistência humanitária internacional (AHI), deve-se mencionar que seu perfil tem mudado drasticamente nos últimos anos, uma vez que se constata, atualmente, que há maior preferência dos países em oferecer a assistência de maneira direta aos territórios acometidos pela calamidade ou pelo conflito, em vez de ajudar por meio de organizações internacionais. Segundo o IPEA e a ABC (2010), em 2009, 97% dos recursos da AHI foram canalizados bilateralmente, sem a mediação de organismos internacionais. Este percentual era da ordem de 42% em 2005. A distribuição geográfica da assistência humanitária do Brasil é majoritária em países da América Latina e do Caribe, que receberam 76% da ajuda enviada diretamente aos países beneficiados, especialmente Bolívia, Paraguai, Haiti, Cuba, Jamaica, Peru, Honduras e Nicarágua. A Ásia beneficiou-se com 16% e a África com 8%. As principais áreas da AHI referem-se à alimentação e aos direitos humanos. Quanto à forma de utilização dos recursos desembolsados, pode-se destacar as doações em espécies (alimentos e medicamentos), o repasse de recursos às embaixadas brasileiras para a compra de produtos no mercado local, bem como os custos com serviços de frete, com passagens e diárias, com utilização de materiais e equipamentos, com a hora técnica de profissionais brasileiros e com custos administrativos associados à AHI. Note-se, ainda, que a estratégia de assistência humanitária é definida por um Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), que conta com a participação de organizações da sociedade civil.60 Em resumo, a assistência humanitária brasileira distingue-se daquela praticada pelos países do Norte porque privilegia:61 √ As compras locais de alimentos, principalmente aqueles produzidos por agricultores de base familiar. √ Ações de resposta que prevejam a rápida recuperação socioeconômica. √ A participação da sociedade civil na construção, na execução e no controle social dos projetos. √ A implementação de ações pós-emergenciais para que os países e suas populações se tornem capazes de superar suas vulnerabilidades de longo prazo. Vê-se, pois, que o Brasil tem procurado imprimir uma marca diferenciada no atendimento de emergências, o que contribui para influenciar tanto os governos dos países parceiros como os próprios organismos multilaterais. Este é o caso, por exemplo, do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que moldou o programa Purchase for Progress (P2P), inspirado no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo brasileiro. O PAA compra localmente alimentos da agricultura familiar para doá-los, 60
Trata-se do Grupo de Trabalho Interministerial de Cooperação Humanitária Internacional (GTICHI), criado em 2006. Reúne 15 ministérios sob a coordenação da Coordenação-Geral de Ações de Combate à Fome (CGFome), do MRE. Representantes de organizações da sociedade civil participam do GTI como observadores. 61 A este respeito, veja: MRE (2011).
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na forma de cestas básicas, àqueles que, na outra ponta, estão em situação de insegurança alimentar (vítimas de enchentes ou secas, desabrigados de todo o tipo, acampados da reforma agrária, comunidades indígenas e quilombolas). O PAA também abastece mercados institucionais, como escolas e hospitais, bem como mercados privados (feiras, supermercados). Trata-se de programa que fortalece a agricultura familiar, combate a insegurança alimentar e promove o consumo de uma alimentação mais saudável, pois, em geral, refere-se a produtos básicos produzidos sem agrotóxicos e sem sementes modificadas. A concessão de bolsas para alunos estrangeiros que realizam seus estudos no Brasil ou no exterior é uma das modalidades mais tradicionais da cooperação no país. Comparando-se os gastos realizados nas demais modalidades de cooperação internacional, o volume de recursos para a concessão de bolsas se apresenta constante no quinquênio 2005-2009. No que se refere à área de cooperação técnica, científica e tecnológica, o Brasil reúne consideráveis acervos de tecnologias, conhecimentos, técnicas e experiências que podem ser partilhados com outros parceiros do Sul, o que explica o expressivo incremento desta modalidade no período analisado, conforme assinalado anteriormente. A absoluta maioria dos recursos (97%) é utilizada em treinamentos e capacitações. Os custos administrativos associados e as atividades são implementados bilateralmente. As áreas de atuação são as mais diversas, podendo-se destacar: agricultura, saúde, transferência de renda, segurança alimentar, educação, sistemas de informações, entre outras. As contribuições do governo brasileiro a organismos internacionais e a destinação de recursos para a integralização de capital dos bancos regionais correspondem, de longe, à principal modalidade de cooperação. No âmbito da ONU, o país participa de operações de paz, sobretudo no Haiti, acolhe número cada vez maior de refugiados e aporta contribuições crescentes junto a organismos internacionais, tais como: Organização Mundial da Saúde (OMS), Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), Programa Mundial de Alimentos (PMA) e International Strategy for Disaster Reduction (ISDR), entre outras. Na esfera regional, menção especial deve ser feita às contribuições para o Fundo de Convergência Estrutural e de Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem). O Fundo é constituído por aportes anuais de US$ 100 milhões, dos quais o Brasil aporta 70%. A outra parte das contribuições refere-se aos repasses aos bancos de desenvolvimento – Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Tais recursos representam 37% das contribuições a organismos internacionais e 28% do total da cooperação brasileira para o desenvolvimento.
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3.2 Vantagens e desafios da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional 3.2.1 Uma cooperação marcada pela solidariedade e pela procura da sustentabilidade Segundo declarações de oficiais do governo brasileiro,62 a cooperação técnica horizontal (ou cooperação Sul-Sul) é balizada pelo conceito de diplomacia da solidariedade, na qual o Brasil coloca à disposição de outros países em desenvolvimento as experiências e os conhecimentos de instituições especializadas nacionais, com o objetivo de colaborar na promoção do progresso econômico, social, cultural e institucional de outros povos. Ao promover a cooperação bilateral, o Brasil tem particular cuidado em atuar com base nos princípios do respeito à soberania e da não intervenção em assuntos internos de outras nações. Ainda segundo autoridades brasileiras, em suas relações com os países em desenvolvimento, o governo federal busca se distinguir pelo compromisso em conceber, de forma conjunta com o país parceiro, iniciativas ancoradas no desenvolvimento efetivo de capacidades locais, abordagem que fortalece o exercício da apropriação e potencializa a autoestima dos beneficiários diretos dos programas, dos projetos e das ações. Além disso, mais recentemente, o governo tem buscado envolver movimentos e organizações sociais em formas de cooperação com a sociedade civil, procurando trazer para o debate suas experiências de participação social. Conforme destaca Caccia Bava: Não é demais lembrar a importância e a projeção internacional que tem o OP, o Orçamento Participativo, como experiência inovadora de um governo democrático. Ele começou em Porto Alegre cerca de vinte anos atrás, e hoje é adotado por 13.500 municípios distribuídos em todo o planeta (Caccia Bava, 2011b: s/p).
Pode-se mencionar, ainda, a participação de organizações da sociedade civil no Grupo de Trabalho Interministerial de Cooperação Humanitária Internacional (GTI-CHI), coordenado pelo MRE. Merece especial destaque a experiência brasileira com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que foi referência para a reforma do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas (CSA), que aconteceu em 2009 e introduziu, em caráter inédito, o mecanismo oficial de participação de organizações da sociedade civil.63 A cooperação brasileira apresenta uma série de vantagens na promoção do desenvolvimento internacional,64 como, por exemplo, maior adequação às demandas e à necessidade dos parceiros. Com efeito, a proximidade quanto ao estágio de 62
A este respeito, veja também: IPEA; ABC (2010) e MRE (2011). A este respeito, consulte as páginas do Consea: <http://www4.planalto.gov.br/consea/ internacional> e do Civil Society for the Committee on World Food Security: <http://cso4cfs.org/civilsociety-mechanism>. 64 A este respeito, veja: ODI (2010); ABONG (2011). 63
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desenvolvimento e a similaridade nas dinâmicas econômicas e sociais favorecem a atuação do Brasil nos países com os quais coopera. Além disso, a história do Brasil se assemelha às histórias de muitos países que ele apoia. Por isso, tende a financiar setores produtivos e que promovem mudanças mais estruturais, em detrimento de uma ajuda de caráter mais assistencialista, tradicionalmente implementada pelos países ricos. Por fim, o Brasil é, simultaneamente, beneficiário e promotor de cooperação internacional, o que lhe dá melhor condição de entender as necessidades dos países parceiros. Outra vantagem da cooperação brasileira diz respeito à ausência de condicionalidades e de regras de “ajuda casada” (aquelas por meio das quais os países receptores ficam obrigados a comprar dos países donatários produtos e serviços associados ao apoio) atreladas à cooperação. Trata-se de uma relação mais horizontal, de parceria, de estabelecimento de objetivos partilhados por ambas as partes. É por todas estas razões que a cooperação Sul-Sul brasileira tem crescido, assim como a cooperação triangular. O Brasil tem privilegiado a América Latina,65 ainda que suas ações de cooperação se estendam também para os continentes africano e asiático. Exemplos de cooperação triangular envolvendo o Brasil A CSS brasileira está ampliando o leque de parceiros, envolvendo cada vez mais agências e programas da ONU e os departamentos de cooperação de países da OCDE (como, por exemplo, JICA, GIZ, AECID e DFID) e da União Europeia, o que faz do Brasil um dos principais protagonistas da cooperação Sul-Sul. A seguir, apresentam-se alguns exemplos de cooperação triangular que envolvem o Brasil:66 • • • • • • • • •
Brasil e França em atuação na área de agricultura em Moçambique. Brasil e França no desenvolvimento de projetos de aquicultura em Camarões. Brasil, Argentina, Canadá e Espanha na promoção da construção de hortas no Haiti. Brasil e Espanha em projetos de reflorestamento no Haiti. Brasil e Canadá em projetos de imunização no Haiti. Brasil e Noruega no fortalecimento institucional dos governos de Angola e de Guiné-Bissau. Brasil e Espanha em projetos de saneamento na Bolívia. Brasil e Alemanha na prevenção e no combate à aids em países da América Latina. Brasil e Itália em projetos de mobilidade urbana em Moçambique.
Segundo informações do governo brasileiro,2 em 2010, a ABC mantinha 19 projetos de cooperação triangular em negociação ou em execução, com orçamento total de US$ 49 milhões, dos quais a Agência brasileira financiava pelo menos 30%. Com o Japão, destaca-se o projeto de desenvolvimento agrícola da savana tropical em Moçambique (PROSAVANA), executado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER). Também em Moçambique, o projeto de apoio à inovação tecnológica é realizado em parceria com The United States Agency for International Development (USAID). Na área ambiental, a partir da experiência bilateral com a Alemanha, foram concebidos projetos em benefício ao Peru, para disseminação de políticas para a Amazônia. Os projetos trilaterais aprovados entre 2003 e 2010 envolveram investimentos de aproximadamente US$ 20 milhões do lado brasileiro, complementados por recursos mobilizados pelas contrapartes bilaterais e multilaterais do Brasil.
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Segundo dados da SEGIB (2009: 11), a cooperação Sul-Sul na América Latina foi da ordem de US$ 13 milhões em 2008. Destes 13 milhões, mais de 80% tiveram como ofertante o Brasil. 66 A este respeito, veja: Fordelone (2009).
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Ainda que tímida, a cooperação brasileira tem sido, em geral, movida por princípios alinhados a visões de relações equânimes e de justiça social, constituindo-se em importante instrumento de política externa. De fato, o Brasil acumulou significativos resultados na implementação de suas políticas sociais. À medida que estas se ampliavam e se consolidavam internamente, o governo recebia crescentes pedidos para compartilhar suas experiências e boas práticas com países parceiros. A repercussão positiva destas políticas, por sua vez, garantiu ao Brasil crescente reconhecimento internacional, consolidado, sobretudo, ao longo da primeira década do século XXI. Mais de uma centena de instituições brasileiras do governo federal, entre ministérios e entidades vinculadas, estão hoje diretamente envolvidas nas ações de cooperação internacional. Entretanto, apesar das citadas características positivas, a cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional ainda é eivada de tensões e contradições, que – se não forem abordadas adequadamente – podem levar a comprometer sua efetividade no futuro próximo. 3.2.2 As ambivalências e ambiguidades da CID brasileira O sucesso da cooperação brasileira oferecida corre riscos a médio e longo prazos se alguns desafios que desde já se vislumbram não forem enfrentados a contento. A seguir, listam-se alguns destes gargalos. a) Recursos ainda pouco expressivos Conforme observado anteriormente, as verbas alocadas à cooperação para o desenvolvimento são da ordem de US$ 320 milhões ao ano, o que corresponde a cerca de 0,02% do PIB do país. Ainda há espaço para crescimento, pois – segundo depoimentos de representantes do governo e de organismos internacionais que atuam no país – existe enorme demanda por projetos vinda de países em desenvolvimento que aguardam apoio do Brasil. Outro exemplo pode ser dado pelo aporte relativamente pequeno do Brasil ao Focem, considerando-se, de um lado, o porte da economia brasileira e, de outro, as enormes assimetrias existentes entre os integrantes do Mercosul. b) Predominam os repasses a organismos internacionais e, em especial, a bancos de desenvolvimento Soma-se à baixa disponibilidade de recursos o fato de que a cooperação bilateral absorve somente um quarto das verbas alocadas para a CID brasileira. O restante, a maior parte, se destina a organizações internacionais e, especialmente, aos bancos de desenvolvimento, como o Banco Mundial, o BID e o BAD, que, conjuntamente, se apropriam de pouco mais de um quarto dos recursos (28%). São bem conhecidas as críticas à atuação destas instituições, que, em geral, impõem condicionalidades, pouco se preocupam com as reais necessidades das comunidades locais, são pouco transparentes e nada representativas dos interesses dos países a quem devem servir.
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c) Ausência de marco regulatório apropriado A Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), vem buscando profissionalizar e aprimorar sua atuação, mas enfrenta dificuldades devido à falta de instrumentos adequados e à inexistência de um marco legal que possibilite o desenho, a coordenação e a implementação de uma efetiva estratégia de cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional. Levantamentos iniciais realizados pelo próprio governo identificam dezenas de instituições federais que desenvolvem ações de cooperação com países em desenvolvimento, nem sempre de forma articulada e integrada. Conforme destaca Hirst (no prelo), observa-se um “déficit regulatório”, o que gera como consequência uma situação de insegurança jurídica e, muitas vezes, provoca atrasos ou soluções administrativas improvisadas. Se o Brasil quiser assumir papel de destaque no cenário internacional, especialmente buscando imprimir novos valores e práticas nas políticas de cooperação, deve, urgentemente, criar uma institucionalidade capaz de dar sustentação a este protagonismo. À ausência de um marco regulatório apropriado somam-se as dificuldades que o Brasil enfrenta para suas próprias estratégias de redução de riscos de desastres e de reconstrução frente às crescentes catástrofes climáticas que se abatem anualmente sobre o país. Todo ano, centenas de pessoas morrem e milhares ficam desabrigadas em consequência de secas ou enchentes. Apesar de tratar-se de eventos previsíveis, muito pouco é feito tanto para preveni-los como para a reintegração social e econômica das vítimas. Além de um sistema de Defesa Civil pouco operante, a falta de planejamento acompanha e agrava outros erros, tanto administrativos como ambientais, sem deixar de mencionar a existência de sistemáticos processos de corrupção e de desvio de recursos públicos para fins privados. Este quadro interno é bastante inquietante para a cooperação internacional, uma vez que, se o país não criar políticas e instituições específicas, salvaguardas e mecanismos de monitoramento da aplicação dos recursos, corre-se o risco de exportar para outros países menos desenvolvidos modelos de Redução de Riscos e Desastres (RRD) e de reconstrução reprodutores de pobreza, miséria e desigualdade. d) Fronteiras por vezes tênues entre o sentido público e os interesses comerciais e políticos A vinculação entre interesses econômicos e as ações de cooperação internacional poderá se tornar um tema sensível para a CSS brasileira. Na maior parte dos casos, são as embaixadas brasileiras nos países que promovem as ações de cooperação e, em geral, tendem a fazer prevalecer os interesses comerciais, especialmente devido à falta de política e de instrumentos de cooperação Sul-Sul. Conforme alerta a ABONG (2011), as relações entre o Brasil e os países latino-americanos, africanos e asiáticos
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nos anos recentes ilustram a integração entre a política de cooperação, a intensificação das relações comerciais e o investimento de empresas brasileiras (isto é: Petrobras, Vale, Odebrecht, OAS), em especial nas áreas de mineração e infraestrutura. Neste contexto, entende-se que não é possível julgar a eficácia da CID brasileira sem aquilatar a coerência entre essas diversas frentes: Até que ponto as atividades envolvidas no comércio, no investimento empresarial em infraestrutura, a assistência técnica e a ajuda humanitária promovem, de fato e no conjunto, o direito das nações africanas ao desenvolvimento justo e sustentável? O mesmo raciocínio é válido com relação à presença do Brasil na América Latina e na Ásia (ABONG, 2011).
Outra vinculação que também pode suscitar questionamentos diz respeito às ambições internacionais do Brasil, que adquiriram maior visibilidade a partir do governo Lula. O país busca projetar-se como ator com influência na configuração da agenda Sul-Sul, de modo a expandir e consolidar sua atuação em espaços e processos de negociações regionais e globais. Neste sentido, a cooperação oferecida pelo Brasil é, por vezes, carregada de um sentido instrumental para a política externa, o que permite identificá-la como uma ferramenta de poder brando (Hirst, no prelo). Um exemplo de intervenção Sul-Sul eivada de ambivalência e ambiguidades é a presença do Brasil no Haiti. A crescente hostilidade em relação à Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) e as críticas à falta de resultados da cooperação internacional no país parecem colocar em evidência a exaustão desta forma de cooperação.68 e) Insuficiente accountability Apesar dos esforços recentes do IPEA, da ABC e do CGFome, do MRE, em divulgar dados sobre a atuação do Brasil no campo da cooperação internacional, as informações ainda são insuficientes, especialmente do ponto de vista qualitativo. Sabe-se muito pouco sobre quais ações são empreendidas, que organizações e países parceiros estão envolvidos, quem são os beneficiários e quais são os resultados e impactos dessas parcerias. f) Falta de participação social Ainda que existam algumas iniciativas de envolvimento da sociedade civil brasileira em atividades de cooperação, especialmente na área de ajuda humanitária, em geral, a cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional não prevê a participação 68
A este respeito, veja a carta que alguns ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, centenas de ONGs, legisladores e personalidades de mais de 40 países entregaram ao secretário-geral da ONU, em outubro de 2011, reclamando a imediata retirada das tropas internacionais do Haiti. Para mais informações, acesse a página: <http://www.dominionpaper.ca/weblogs/wadner_pierre/4207>.
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social nem no desenho, nem na implantação, nem no monitoramento e nem na avaliação das ações. Assim, não há, até o momento, qualquer apropriação democrática das práticas de cooperação do Brasil para o fortalecimento do desenvolvimento internacional. É por esta razão que a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP) vem defendendo a criação do Conselho Nacional de Política Externa, para que integre os diferentes atores envolvidos com cooperação internacional.69
3.3 A cooperação brasileira não governamental oferecida A partir do final do século passado, as ONGs, as organizações ecumênicas e os movimentos sociais brasileiros pertencentes ao chamado campo democrático e popular passaram a se articular com organizações e movimentos de outros países, conformando redes internacionais que operavam no monitoramento e no questionamento do papel das instituições multilaterais, bem como no acompanhamento do ciclo de conferências promovidas pela ONU. Neste início de século, foi o Fórum Social Mundial (FSM) a face mais importante da ação internacional das organizações brasileiras, evento que reúne seus participantes sob o lema de que “Um Outro Mundo é Possível”. Nascido em Porto Alegre (RS), o Fórum Social Mundial espalhou sua metodologia e sua indignação por todos os espaços internacionais, multiplicando-se em fóruns regionais, nacionais, locais e temáticos e mostrando a força da unidade da sociedade civil na sua diversidade de trajetórias, agendas e práticas.70 É importante destacar que a efetiva atuação das organizações brasileiras deve-se, em grande parte, ao esforço de solidariedade das agências internacionais, entre elas as ecumênicas, especialmente as europeias. Foi o apoio dessas entidades que possibilitou a construção e a consolidação de tecnologias, práticas e formas de intervenção que resultaram no dinamismo da sociedade civil brasileira. Este apoio deve permanecer se as agências do Norte almejam poder influenciar os espaços globais de tomada de decisão. Merecem também menção experiências como as do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)/Via Campesina, que estão no Haiti desde janeiro de 2009, por meio da Brigada Dessalines. O trabalho da brigada acontece diretamente com os movimentos camponeses haitianos e está centrado em frentes, tais como: a produção de sementes de grãos e hortaliças, uma vez que a maior parte delas é importada; a construção do
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Para mais informações sobre as propostas da REBRIP, acesse a página: <http://www.REBRIP.org.br/ _REBRIP/pagina.php?id=2621>. 70 A este respeito, veja o artigo de Opinião da ABONG, de autoria de Sérgio Haddad, intitulado “A importância da incidência política internacional de ONGs brasileiras”. Disponível na página: <http:/ /www.ABONG.org.br/informes.php?id=4708>.
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Centro Nacional de Formação e Agroecologia; o reflorestamento, por meio da implantação de viveiros de árvores frutíferas e lenhosas; a criação da Escola Técnica de Agroecologia, voltada para a formação e a capacitação de nível médio para jovens; a instalação de cisternas e sistemas de captação de água, entre outras tantas atividades de cooperação entre os movimentos camponeses de ambos os países. Agora, novos desafios emergem no cenário internacional para o trabalho de incidência de ONGs, organizações ecumênicas e movimentos sociais brasileiros, como o monitoramento dos poderes emergentes da geopolítica global, incluindo o Brasil, em temas que vão desde o modelo de desenvolvimento até a nova conformação da cooperação internacional. Além disso, as organizações brasileiras são cada vez mais demandadas, pelas suas congêneres do Sul, a partilhar suas experiências nas áreas de participação social, segurança alimentar e nutricional, agroecologia, economia solidária e popular, orçamento público, redução de riscos de desastres, formação política de dirigentes de movimentos sociais e sindicais, entre tantas outras. Além dos temas, das tecnologias e do conhecimento, o trabalho conjunto com entidades brasileiras é valorizado pelas mesmas razões da CID: semelhanças culturais, respeito às reais necessidades do parceiro, capacidade de adaptação a situações adversas, compreensão da dimensão política dos problemas locais, etc. Tais demandas iniciam uma fase inédita de atuação das organizações brasileiras, que – para além da incidência – devem promover doravante um esforço de solidariedade para com seus pares de países menos desenvolvidos. Aqui, também, a manutenção do apoio das agências do Norte é central, não somente porque a atual legislação brasileira não permite que as entidades não governamentais nacionais transfiram recursos para outros países, como porque as organizações brasileiras ainda não têm conhecimento e expertise para atuar fora do país. Note-se que também deverão crescer as ações sociais de transnacionais brasileiras em países do Sul, devido à expansão dos negócios dessas empresas. Urge, pois, desenvolver e implementar mecanismos de monitoramento dessas ações. O apoio das agências internacionais não governamentais nesse campo é igualmente crucial, devido à sua presença em diversos desses países, o que lhes possibilita estabelecer – em parceria com as organizações, as entidades ecumênicas e os movimentos brasileiros e suas redes – as conexões entre o local, o nacional, o regional e o internacional.
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. Os impactos do Brasil emergente na América do Sul Como foi visto no capítulo 1 do presente documento, o Brasil é um país estratégico no cenário internacional dos pontos de vista geográfico, político, econômico e social. Estas características de país emergente têm contribuído para reorganizar a geopolítica global, dando efetivamente mais voz aos países do Sul.71 O governo do Brasil tem dado prioridade à América do Sul, buscando barrar as forças liberalizantes internacionais – como foi o caso quando não apoiou a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) em 2005 –, aumentando significativamente seus investimentos na região e intensificando a cooperação Sul-Sul. Para isso, o país vem fortalecendo espaços de integração regional, como o Mercosul e a UNASUL; subsidiando vultosamente grandes empresas brasileiras que atuam na América do Sul por intermédio do BNDES; e promovendo programas de cooperação bilateral, especialmente nas áreas social, de agricultura familiar e de segurança. O papel cada vez maior que o Brasil exerce na região deve-se, em parte, ao seu crescente peso econômico e, em parte, à perda de peso relativo dos Estados Unidos no continente. Segundo Sorj e Fausto (2011), os fatores que influenciam a aposta do Brasil na integração sul-americana são os seguintes: a) A avaliação de que a integração regional serve ao objetivo prioritário de assegurar mais poder e autonomia ao Brasil em sua ampla estratégia de inserção na economia global e projeção no sistema internacional. b) A importância econômica da região para o país: a América do Sul absorve cerca de 20% das exportações brasileiras e é destino importante para suas manufaturas. Além disso, existe potencial importante de integração em temas como energia, infraestrutura e recursos naturais, bem como a Amazônia. c) A criação do North American Free Trade Agreement [Tratado de Livre Comércio da América do Norte] (Nafta) e o fracasso da ALCA consolidaram a ideia de “América do Sul”, substituindo a de “América Latina”. d) A importância cada vez maior dos fluxos comerciais e dos investimentos com a China, hoje principal parceiro comercial do Brasil – o que reforça o seu perfil de exportador de matérias-primas e importador de produtos manufaturados, além do fato de que a grande capacidade comercial chinesa “rouba” o mercado regional em detrimento dos produtos brasileiros. e) A necessidade de maior controle das fronteiras diante do desenvolvimento de redes criminosas articuladas em torno do tráfico de drogas, de armas e de seres humanos.
71 Neste sentido, veja a liderança do Brasil em grupos de países como o G20 OMC, o G20 Financeiro, o IBAS, o BASIC, assim como sua atuação em eventos globais, como as Cúpulas Climáticas e de Desenvolvimento Sustentável, entre outras.
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Pode-se adicionar ainda outro fator: o aumento da imigração. A crise nos países do Norte, associada à imagem de um “Brasil pujante”, empurra levas de imigrantes para o Brasil. Levantamento do Ministério da Justiça mostrou, em meados de 2011, que a quantidade de estrangeiros que vivem no Brasil superou, pela primeira vez em 20 anos, o número de brasileiros que deixam o país para viver no exterior pelos mesmos motivos. Segundo o Ministério da Justiça, o número de estrangeiros em situação regular no Brasil aumentou em 52,4% somente no primeiro semestre de 2011, alcançando cerca de 1,5 milhão de estrangeiros.72 Não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de imigrantes em situação irregular no país, mas os principais institutos e ONGs que trabalham com este tema no Brasil calculam o número em torno de 600 mil, o que levaria o total de estrangeiros que moram hoje no Brasil para mais de dois milhões, quantitativo que representa pouco mais de 1% da população brasileira. Um dos principais instrumentos do governo brasileiro para ganhar poder e influência no mundo e na América do Sul, em especial, é o BNDES. E mais: o banco vem ganhando espaço no cenário internacional. Recentemente, em setembro de 2011, o banco participou da criação do Clube Internacional de Financiamento ao Desenvolvimento,73 criado para coordenar a atuação dos bancos de desenvolvimento em todo o mundo. O foco do clube é promover o desenvolvimento social e ambientalmente sustentável, a inovação e o investimento em infraestrutura. Além do BNDES, integram o clube outras 19 instituições. O presidente do BNDES é um dos quatro vice-presidentes do referido clube. A atuação do banco, por meio de empréstimos subsidiados, busca promover exportações de bens e serviços brasileiros; estimular a internacionalização de empresas nacionais; e cobrir lacuna de crédito em alguns países. “A estratégia é que com os investimentos são criados fluxos de comércio com os países da região. É algo que os governos locais querem, porque gera emprego”, explica Luciene Machado, superintendente de Comércio Exterior do BNDES.74 A instituição financeira vem ampliando o crédito a empresas nacionais, permitindo uma expansão nunca vista das multinacionais brasileiras na América Latina e no Caribe. Segundo cifras do próprio banco, seus empréstimos para financiar obras de empresas brasileiras na região cresceram mais de 1000% (mil por cento) entre 2001 e 2010,75 a maior parte na América do Sul. O banco prevê que em 2011 seus investimentos na região cheguem a valores da ordem de US$ 1 bilhão.
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A este respeito, veja matéria no jornal “O Globo”, que pode ser acessada na página: <http:// oglobo.globo.com/economia/crise-global-crescimento-do-brasil-fazem-numero-de-imigrantescrescer-52-no-ano-superando-2-milhoes-3079211>. 73 Para mais informações, acesse o site: <http://www.idfc.org/>. 74 Depoimento dado ao site do “Terra”, em 9 de setembro de 2011: <http://noticias.terra.com.br/ i n t e r n a / 0 , , O I 5 3 3 8 9 6 9 - E I 8 1 7 7 , 0 0 Desembolsos+do+BNDES+a+America+Latina+crescem+vezes+em+anos.html> 75 Artigo do jornal “O Estado de São Paulo” de 9 de novembro de 2011. Acesse a página: <http:// www.estadao.com.br/noticias/internacional,bndes-impulsiona-maior-presenca-brasi leira-naamerica-latina,796686,0.htm>.
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O apoio do BNDES às empresas brasileiras representa uma vantagem comparativa frente a outras de países latino-americanos que não dispõem de instrumentos similares. São especialmente as empresas do setor da construção civil que recebem apoio do banco: Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e Odebrecht. Os recursos destinam-se, sobretudo, à construção de hidrelétricas, gasodutos, rodovias e transporte urbano. Os principais países que recebem os investimentos do banco são: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, Nicarágua, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. O poder do BNDES é de tal monta que os empréstimos representam financiamento praticamente sem risco. Assim, por exemplo, a linha de crédito à exportação para a América Latina tem risco menor do que a média do banco, porque os contratos são garantidos pelo Convênio de Crédito Recíproco (CCR), sistema de compensação entre bancos centrais. Se, por um lado, o BNDES tem contribuído para fortalecer a liderança do Brasil na região e implementar projetos de infraestrutura que possibilitem maior integração econômica dos países da América do Sul, por outro, este processo tem sido realizado deixando rastros de violações de direitos humanos e de degradação ambiental, evidenciando a face menos nobre da política externa brasileira. Segundo a Rede Brasil, a estratégia de internacionalização das empresas brasileiras, especialmente na América do Sul, tem como objetivo o monopólio dos mercados latino-americanos e o acesso aos recursos naturais desses países. Recentemente, em novembro de 2011, um conjunto de organizações brasileiras76 encaminhou carta ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas com recomendações para que o governo brasileiro cumpra as obrigações internacionais e deixe de ser omisso frente às violações de direitos humanos, em território nacional ou estrangeiro, cometidas por empresas, especialmente aquelas financiadas pelo BNDES. “O Estado brasileiro não está cumprindo com sua obrigação de ‘proteger’, isto é, de impedir que terceiros (neste caso, as empresas) violem os direitos humanos e transgride também sua obrigação de investigar e punir violações de direitos humanos, independentemente de quem as cometa”, afirma o texto. O documento aborda três questões principais: barreiras ao acesso à justiça, especialmente em relação aos danos causados pela indústria extrativa; falta de controle sobre o duplo padrão de atuação das empresas brasileiras no exterior; e, por fim, ausência de transparência do BNDES, agravada por uma avaliação deficiente sobre os impactos socioambientais causados pelos projetos financiados. Entre as recomendações diretamente relacionadas ao banco está a necessidade de que a instituição financeira informe quais são os projetos que financia no exterior, detalhando para cada item dados como os relacionados aos beneficiados, aos objetivos, ao valor do financiamento, às condicionantes financeiras, ao prazo de pagamento, aos impactos sociais e ambientais esperados, entre outras informações. 76
Ágere, Conectas, Instituto Mais Democracia, Justiça Global, Plataforma BNDES, Rede Brasil e Repórter Brasil. Para mais informações, acesse o site da Plataforma BNDES no endereço: <http://w w w.plataformabndes.org . b r /site/index.php/noticias /31-destaque/227-onu-receberecomendacoes-da-sociedade-civil-sobre-bndes>.
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Tipnis: crônicas de uma tragédia anunciada Os recentes episódios que aconteceram no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), na Bolívia, são emblemáticos da postura do BNDES na promoção do chamado desenvolvimento regional. O Banco financiou – a pedido do governo boliviano e por intermédio da construtora brasileira OAS e da Agência Boliviana de Carreteras – a construção de uma estrada na Bolívia, sendo que parte dela deveria atravessar o Tipnis, uma reserva de pouco mais de um milhão de hectares, onde vivem cerca de 10 mil indígenas das comunidades de moxeño, yurakaré e chimane. Após semanas de infrutíferos debates com o governo boliviano, em agosto de 2011, os líderes de Tipnis decidiram impedir a construção da estrada. Os argumentos arrolados são diversos, podendose destacar: o impacto ambiental decorrente da chegada de colonizadores, plantadores de coca, exploradores de madeira e hidrocarbonetos, reserva adentro, por intermédio da estrada; o não envolvimento dos legítimos habitantes da reserva na discussão do projeto; e a denúncia de superfaturamento das obras. A resposta do governo boliviano foi brutal: resultou em confrontos com manifestantes pacíficos, especialmente crianças e mulheres, bem como no pedido de demissão da então ministra da Defesa daquele país, indignada com a postura de seu governo. Diante disso, o presidente Evo Morales suspendeu as obras. Organizações bolivianas, brasileiras e de outros países, reunidas no marco da Plataforma BNDES,77 vêm interpelando o BNDES quanto à sua corresponsabilidade nos conflitos ocorridos na Bolívia. Este desastroso incidente revela outra face da integração regional, que não é a dos povos, mas dos interesses econômicos. Neste caso, o Brasil e suas instituições – banco público de desenvolvimento, Ministério das Relações Exteriores e empresa privada, a OAS – não contribuíram para promover a solidariedade internacional e o respeito aos direitos dos povos indígenas. Se é bem verdade que o governo brasileiro deve respeitar a soberania do governo boliviano, principal responsável pela construção da estrada, é também verdade que poderia evitar participar da imposição de uma agenda que resultou em profundas violações de direitos humanos e ambientais, reforçando a imagem “imperialista” do Brasil, em detrimento da imagem de “parceiro”, impulsor de uma nova forma de fazer desenvolvimento.
Além disso, estudos78 mostram que, para estimular as exportações brasileiras e a inserção externa das empresas nacionais, o BNDES condiciona os empréstimos à contratação de serviços e produtos brasileiros. O repatriamento dos lucros feitos no exterior é outro critério importante; no entanto, não existem informações claras sobre como tais lucros são reinvestidos no Brasil. A falta de transparência e acesso público aos términos dos empréstimos é um fator de preocupação e demanda de organizações sociais brasileiras79 e sul-americanas. A América do Sul é o espaço de legitimação de novo ativismo internacional brasileiro, bem como área ampliada de acumulação de capital. Isso significa que a integração
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A este respeito, acesse a página: <http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/noticias/ 104-carta-em-defesa-dos-indigenas-na-bolivia>. 78 A este respeito, veja, por exemplo, Instituto Rosa Luxemburgo (2009). 79 A este respeito, consulte o site da Plataforma BNDES.
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regional como locus privilegiado da política externa do Brasil, que possibilita a formação de plataforma política para as pretensões globais do país, é também um espaço de imbricamento dos negócios nacionais para além das fronteiras. Mais do que o resultado aparente das vias de comércio, a relação econômica entre os países da América do Sul tem-se adensado pela expansão do investimento brasileiro na região.80 As ambivalências e ambiguidades da atuação brasileira na região devem-se ao fato de que o Brasil ainda é um país emergente no cenário internacional: sabe que tem responsabilidades para com os outros, mas ainda não sabe como exercê-las. Entretanto, a relação do Brasil com os demais países da região vem reproduzindo o mesmo padrão da divisão internacional do trabalho que caracteriza a clássica situação de dependência, com o Brasil aumentando as exportações de produtos manufaturados para os demais países da América do Sul, que, por sua vez, vêm aumentando o fornecimento de produtos primários para o Brasil. No Brasil, segundo a Cepal (apud Porto-Gonçalves: 2011), observa-se diminuição da participação dos produtos primários na pauta de exportações: o país é o único da região sul-americana a diminuir as importações dos demais países da região com relação ao aumento intrarregional das suas exportações, sobretudo com seus produtos industrializados. De acordo com Fiori (2010), o diferencial do Brasil entre o resto do continente está crescendo e deve ficar ainda maior depois da crise econômica de 2008. Em 2001, o PIB brasileiro era inferior à soma do PIB dos demais países sul-americanos. Oito anos depois, a relação mudou radicalmente: o PIB brasileiro cresceu e atingiu valor que representa mais do que o dobro da soma do PIB de todos os demais países da região. Neste mesmo período, a economia brasileira obteve superávits comerciais expressivos e crescentes com todos os países da região – com exceção da Bolívia –, paralelos ao aumento dos investimentos privados brasileiros na América do Sul, que vêm progredindo de forma constante em quase toda a região. Segundo Porto-Gonçalves (2011), as grandes obras de infraestrutura previstas para a região, como aquelas que se aglutinam ao redor da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), não objetivam a integração física das capitais dos Estados sul-americanos: têm por propósito interligar portos. A integração regional deve cumprir papel de articular competitivamente a região aos mercados mundiais. Assim, ignorar os territórios e povos que neles habitam e privilegiar os fluxos em torno dos eixos implica reconfigurar, desconfigurar e configurar blocos de poder que se articulam em torno dos Estados-nação. Além disso, ao privilegiar uma integração regional na perspectiva de oportunidades que se abrem nos mercados mundiais, não se parte das realidades locais que devem ser viabilizadas. Deste modo, são ignorados os grupos sociais que se forjam nestas escalas, os quais tendem a
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A este respeito, veja: Calixtre e Barros (2011).
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aparecer como obstáculos a este projeto. As iniciativas de integração regional em curso mantêm o silêncio em relação à diversidade biológica de áreas como o ChacoPantanal, os cerrados brasileiros, os llanos venezuelanos, a floresta amazônica, os contrafortes andino-amazônicos e o Darién, que são áreas que se inscrevem como de altíssima diversidade biológica e de disponibilidade de águas, entre os quais se inclui o Aquífero Guarani, um dos maiores do mundo. Também mantêm o silêncio sobre quem ocupa essas áreas. Assim, à medida que aumentam os investimentos brasileiros diretos na região, o risco de tensões políticas tende a crescer, e não a diminuir. O Brasil passa a ser percebido pelos vizinhos como um país “necessário”. Segundo Sorj e Fausto (2011: 18), existem nos países da América do Sul um temor e uma resistência ao “subimperialismo brasileiro” e à excessiva dependência econômica com relação ao Brasil. Destaque-se que no Fórum Social Temático, realizado em Porto Alegre (RS), na última semana de janeiro de 2012, oradores internacionais – como o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, o sociólogo venezuelano Edgardo Lander e a feminista uruguaia Lilian Celiberti – denunciaram um “que” de neocolonialismo na política externa brasileira.81 A integração regional de caráter liberal, fundamentada nas reformas de mercado, ao integrar países com economias de magnitude desigual, tende a reproduzir amplamente as desigualdades sociais, raciais, étnicas e regionais existentes. O mercado não é o lugar de redistribuição social de renda e de riqueza. Para que esta tendência possa ser revertida, é fundamental a definição clara do projeto político que comandará a integração, uma vez que mesmo uma perspectiva liberal, de “reformas de mercado”, implica forte apoio das instituições públicas. É o que se pode ver na ação do BNDES no fortalecimento das grandes corporações com sede no Brasil. A tensão vivida entre o BNDES e o Banco do Sul é emblemática do caráter contraditório da integração regional em curso. Desde os anos de 2000, ocorreu uma inflexão política na região. Além do progressivo fortalecimento da democracia representativa nos países, viu-se a ascensão de formações políticas identificadas com a esquerda na absoluta maioria dos países, com exceção, na atualidade, do Chile e da Colômbia. Nessa mesma onda, fortalecemse os movimentos e as organizações da sociedade civil, que passam a defender pautas políticas, econômicas, sociais e ambientais. Movimentos e organizações que ganham relevância para além da dimensão nacional, explicitando com seu protagonismo o aprofundamento e a complexificação das relações entre as escalas locais, nacionais, regionais e globais. Neste contexto, o território e sua ocupação constituem-se numa questão teórico-política que não pode mais ser ignorada. O aprofundamento dos
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A este respeito, veja matéria do Repórter Brasil na página: <http://www.reporterbrasil.com.br/ exibe.php?id=1995>.
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processos de globalização e integração regional sul-americana nas últimas décadas complexificou o jogo geopolítico mundial não só porque realinhou a correlação de forças entre Estados, mas também porque envolve outros protagonistas. A demanda por matérias-primas, a revolução tecnológica e os debates ambiental e climático proporcionaram a emergência de grupos sociais que até então se mantinham à margem das relações políticas. E são esses grupos que precisam ser fortalecidos para lutar por uma cooperação internacional para o desenvolvimento efetivamente justo e solidário.
5. Considerações finais: elementos para justificar a continuidade da cooperação ecumênica no Brasil e no âmbito da América do Sul 5.1 Quatro argumentos para a cooperação permanecer no Brasil Diante da discussão que precedeu este último capítulo, entende-se que existem quatro grandes conjuntos de argumentos que justificam a permanência da cooperação internacional não governamental no Brasil e, em especial, a cooperação ecumênica. 5.1.1 Combater as relações de poder que perpetuam a desigualdade e a miséria O primeiro argumento diz respeito à necessidade de combater os arranjos societais vigentes no Brasil, que, por um lado, contribuem para melhorar na superfície as condições de vida de alguns segmentos da população brasileira e, por outro, mantêm as perversas relações de poder que, até hoje, produzem e reproduzem desigualdades e violam sistematicamente os direitos humanos. É por isso que, mesmo sendo atualmente a sexta economia do mundo, o Brasil apresenta indicadores sociais muito pouco compatíveis com o seu poder econômico e abriga contingentes populacionais marginalizados equivalentes a populações inteiras de diversos países da África Subsaariana. Ademais, as questões ambientais e climáticas tendem a se agravar com o crescimento econômico, uma vez que o país não conta com projeto estratégico de desenvolvimento sustentável e tem sua economia baseada em atividades de baixa tecnologia e alto consumo de recursos naturais. Em outras palavras, o que a experiência brasileira revela é que a riqueza de um país simplesmente medida pela sua renda é um péssimo indicador para avaliar questões como solidariedade, justiça e equidade. Ao contrário: permite ocultar processos perversos de relações subalternas, que – a médio e longo prazos – são insustentáveis do ponto de vista econômico, cultural, social, ambiental e climático. Este cenário é assustador para parte expressiva da população brasileira que não consegue usufruir dos resultados do crescimento econômico. Em outras palavras, agora mais do que nunca, de modo a desfazer definitivamente o mito de que riqueza é sinônimo de universalização de bem-estar, é preciso apoiar as vozes resistentes dentro
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do país. Isto porque tais vozes denunciam os arranjos institucionais responsáveis pela produção e reprodução das desigualdades, que, por seu turno, resultam em pobreza e miséria e impedem que milhões de pessoas sejam sujeitos dos seus próprios destinos e, assim, tenham acesso à cidadania plena. Daí a necessidade de que a cooperação internacional, particularmente a ecumênica, ajude na promoção da articulação política das forças sociais, na produção de conhecimento, na colaboração em processos de formação, no apoio a um campo ecumênico de igrejas e religiões engajadas na luta por direitos e no desenho de formatos alternativos de desenvolvimento. Tal apoio é ainda mais urgente diante da crescente fragilização das organizações brasileiras, cuja existência está ameaçada justamente devido às relações de poder hegemônicas, que atuam para manter o status quo, para modernizar o país sem incluir. 5.1.2 Fortalecer movimentos e organizações sociais de defesa de direitos ameaçados pelas relações de poder hegemônicas Assim, apresenta-se o segundo argumento, que também tem relação com as contradições inerentes ao aparente sucesso do modelo brasileiro de desenvolvimento, isto é, com o atual enfraquecimento das forças que outrora possibilitaram a conquista da democracia e o fortalecimento do papel do Estado na condução da economia. São hoje criminalizadas e marginalizadas as organizações não governamentais, as entidades ecumênicas e os movimentos sociais que foram atores centrais do processo de redemocratização do país (a partir dos anos de 1970), da luta contra a agenda liberalizante (que predominou nas décadas de 1980 e 1990) e da defesa da instalação no poder de uma coalizão política a favor de maior justiça e equidade. Tais processos de exclusão ocorrem por meio de perseguições físicas (incluindo assassinatos, propagados pelas elites ameaçadas), morais (mediante campanhas midiáticas de difamação) e de inviabilização financeira (quando o governo se recusa a implementar um marco legal que estimule a participação de organizações – públicas, privadas e de cidadãos – no fortalecimento de entidades não governamentais que atuam na defesa dos direitos humanos, da cidadania universal, da justiça e da equidade). Por outro lado, o setor empresarial, ator que ganha cada vez mais força no campo social, não está disposto a apoiar movimentos que questionem violações de direitos, que, em geral, ocorrem por sua responsabilidade. Suas ações tendem a se limitar à prestação de serviços em áreas que não ameacem sua razão de ser (assistência, saúde, educação, esporte e cultura). No Brasil, a cultura da doação e da ajuda mútua é bastante propagada, mas limita-se a certo campo religioso e às relações de parentesco e de vizinhança. Soma-se a isso o crescente mal-estar decorrente da visibilidade de práticas de corrupção que atravessam os três poderes do Estado – o Executivo, o Judiciário e o Legislativo – em seus três níveis de governo (o federal, o estadual e o municipal), minando, desta forma, a credibilidade dessas instituições. E mais: os partidos políticos não têm sido capazes de mediar as demandas e necessidades da população, permitindo que o Congresso Nacional e seus congêneres nos estados e municípios sejam
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desacreditados como pilares centrais de uma democracia. Assim, de modo a evitar a fragilização da democracia brasileira (tão duramente conquistada), a solidariedade das agências não governamentais internacionais é imprescindível até por questão de coerência histórica, uma vez que foram elas que contribuíram para que o Brasil se liberasse do julgo da ditadura militar. Neste sentido, o apoio da cooperação internacional é crucial: para além do aporte de recursos que fortaleçam o papel político das organizações nacionais, faz-se necessária a transferência de tecnologia e de know how para o desenvolvimento de uma cultura nacional de reconhecimento e valorização de ações de defesa de direitos humanos e de crescimento com justiça social e ambiental. 5.1.3 Influenciar a agenda global de tomada de decisões O terceiro argumento está diretamente relacionado ao crescente poder do Brasil no cenário internacional e à sua capacidade de promover mudanças, que, como foi visto ao longo do presente documento, podem ampliar direitos humanos ou, ao contrário, restringi-los, levando para outros espaços, especialmente países menos desenvolvidos, arranjos societais produtores e reprodutores de desigualdades e, portanto, de pobreza e miséria. Será cada vez mais difícil influenciar os espaços globais de decisão – ONU, instituições financeiras multilaterais, Organização Mundial do Comércio (OMC), G20, etc. – sem passar pelo Brasil. Daí a importância de que a cooperação internacional ecumênica mantenha e consolide laços estreitos e duradouros de parceria com organizações e movimentos brasileiros, de modo a lutar, conjuntamente, por regras globais mais justas, que promovam equidade e solidariedade internacional. E mais: a cooperação internacional não governamental tem a vantagem comparativa de poder estabelecer pontes entre os âmbitos local, nacional, regional e global. O distanciamento do Brasil, como pregam muitos, poderá resultar na progressiva perda de poder e de influência das ONGIs no cenário global, o que terá como consequência sua paulatina deslegitimação em seus países de origem. 5.1.4 Replicar em outros países experiências bem-sucedidas de cooperação no Brasil Por fim, o quarto argumento diz respeito à enorme colaboração que organizações ecumênicas podem fornecer na identificação de experiências bem-sucedidas (resultantes da cooperação recebida no Brasil) que possuem potencial para que sejam replicadas. Tais iniciativas podem ser levadas e adaptadas em outros países do Sul (nas áreas de inovação, tecnologias sociais, boa governança, entre outras) e mesmo do Norte, como é o caso da metodologia “Orçamento e Direitos”, desenvolvida pelo INESC, que está em vias de ser aplicada na Holanda.
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Entende-se que a presença da cooperação internacional ecumênica no Brasil e na América do Sul nos próximos anos é questão estratégica para sua própria sobrevivência a médio e longo prazos. Somente uma visão míope e “curtoprazista” poderia defender uma retirada do país baseada em critérios simplistas de renda. A América do Sul (e nela o Brasil) é uma região central para o futuro da humanidade, pois se constitui em reservatório de água, de florestas e de terras agricultáveis, além de abrigar vultosos recursos energéticos renováveis e não renováveis. A região ainda oferece conhecimentos ancestrais, bem como uma cultura de estreita relação e respeito com a natureza, especialmente no campo dos povos indígenas e de comunidades tradicionais, que são cruciais para se pensar que “Um Outro Mundo é Possível”. Neste sentido, ganham força articulações como o PAD, a Aliança Anglicana e a Aliança ACT, entre outras, pois possibilitam aumentar o impacto e a efetividade das organizações nacionais e internacionais. 5.2 Proposta de agenda de ação Considerando-se os quatro conjuntos de argumentos, há espaço para a cooperação internacional ecumênica atuar no fortalecimento de organizações brasileiras com o intuito de promover mudanças tanto internamente quanto no resto do mundo, tais como as apresentadas a seguir. 5.2.1 Influenciar a agenda brasileira • É necessário manter uma agenda de programas de desenvolvimento, especialmente para apoiar o desenvolvimento e a expansão de tecnologias sociais que podem ser replicadas e adaptadas tanto no Brasil quanto alhures, como, por exemplo: metodologia de captação de água potável para consumo próprio e para produzir na região do semiárido brasileiro, adotada pela ASA; metodologia de “Orçamento e Direitos”, de autoria do INESC; metodologia de alfabetização do Movimento de Educação de Base (MEB); práticas de economia solidária e de agroecologia; atividades de fortalecimento dos sindicatos de trabalhadores; e iniciativas de orçamento participativo. O apoio a projetos locais é fundamental para levar experiências bem-sucedidas a outros países, para não se perder o contato com a realidade e, assim, contribuir efetivamente para a influência no desenho, na implementação e no monitoramento de políticas públicas que assegurem direitos. Ademais, os projetos possibilitam que os envolvidos adquiram confiança em sua própria força, encontrem soluções que possibilitem a melhoria das suas condições de vida e fortaleçam sua identidade social, política e cultural. Com a ajuda de projetos, os grupos sociais e étnicos passam a ser visibilizados pela sociedade como sujeitos sociais autônomos e com direitos. Dos projetos originam-se novas
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experiências e enfoques, que se tornam referências para as políticas públicas nacionais e internacionais. • É indispensável apoiar organizações, entidades ecumênicas e movimentos sociais brasileiros para que desenvolvam ações que contribuam para alterar as relações de poder que geram desigualdade, pobreza e miséria (como, por exemplo, as reformas política e tributária, as ações afirmativas, modelos alternativos de produção e consumo). Para tanto, faz-se necessário fortalecer as comunidades que são afetadas pelos impactos das grandes obras; os povos indígenas; os povos e as comunidades tradicionais; o movimento de mulheres; o movimento negro; os movimentos do campo; as populações que vivem em situação de rua; os movimentos urbanos; os movimentos de trabalhadores; e as plataformas que defendem reformas estruturais, como as reformas política e tributária. Faz-se mister, ainda, produzir conhecimentos na perspectiva da universalização dos direitos humanos, da educação popular, das transformações sociais e da ética. • É fundamental contribuir para aumentar a sustentabilidade econômica e política das organizações ecumênicas, das ONGs e dos movimentos sociais brasileiros, bem como de suas redes, por meio da consolidação de uma institucionalidade que seja parte estruturante da democracia brasileira. Isso implica: 9 Aprimorar a capacidade de se relacionar com um público mais amplo e desenvolver novas e criativas formas e conteúdos de comunicação que mostrem de maneira transparente, inteligível e evidente a importância do seu trabalho. Trata-se de criar condições de legitimidade e credibilidade que permitam consolidar o suporte político às suas ações e viabilizar novas formas de arrecadação de fundos junto à sociedade brasileira. 9 Apoiar a elaboração e a implementação de marco legal que regule a relação entre o Estado e as organizações da sociedade civil, seguindo os princípios weberianos da burocracia estatal (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade) e garantindo segurança jurídica para os atores envolvidos na parceria. 9 Buscar uma relação com organismos e instâncias governamentais nos níveis locais, estaduais e no federal, de maneira a viabilizar formas sustentáveis de cooperação, com preservação da autonomia institucional. 9 Conseguir uma relação equilibrada com atores emergentes mais esclarecidos do setor privado empresarial brasileiro, sem corromper os termos de sua missão institucional. • É imprescindível contribuir para produzir informações e processos de formação de organizações ecumênicas, ONGs e movimentos sociais brasileiros, para que monitorem a cooperação brasileira e os investimentos financiados pelo Brasil tanto diretamente (via suas estatais) quanto indiretamente (por intermédio do BNDES). Para a sociedade civil de nosso país, seria fundamental que ela participasse da construção de uma Política Externa Brasileira, incluindo uma Política Brasileira de Cooperação Internacional, mais justa, inclusiva e participativa. Neste caso, a
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cooperação internacional ecumênica tem muito a contribuir, ajudando a elaborar ou desenhar uma nova cooperação Sul-Sul diferente do modelo da cooperação Norte-Sul adotado até agora. Deve-se consolidar, também, uma ajuda humanitária diferenciada. É essencial apoiar a capacitação de organizações brasileiras para fazer cooperação em outros países do Sul. As agências ecumênicas possuem vasta experiência acumulada nesse campo. É preciso apoiar organizações brasileiras para enfrentar, de forma qualificada, as consequências da posição do Brasil na região em áreas como a mobilidade humana e a migração. 5.2.2 Influenciar a agenda global via Brasil
No que se refere à agenda externa, o novo “Brasil-potência” é um ator de relevância para a cooperação internacional. A sociedade civil brasileira, apoiada pelas agências internacionais, também se globalizou, expandindo seu ativismo em escala planetária. Este movimento precisa ser consolidado não somente para contrarrestar uma atuação mais “imperialista” do governo brasileiro em países em desenvolvimento, como também para fortalecer organizações da sociedade civil de outros países do Sul e avançar na constituição de um movimento global que contribua para eliminar as injustiças e as ameaças ambientais e climáticas que afetam nosso planeta. Isso significa: • Apoiar organizações da sociedade civil brasileira para que partilhem suas iniciativas e seus projetos com outros países, por meio de mecanismos de cooperação não governamental triangular. A partir da experiência adquirida durante anos de trabalho na área internacional, tanto influenciando as políticas públicas nacionais quanto as políticas de cooperação e de ajuda humanitária, as agências de cooperação internacional podem agora repassar este know-how para o Brasil. • Apoiar organizações ecumênicas, movimentos sociais e ONGs, bem como suas redes, para: 9 Garantir que o Brasil mantenha sua posição de liderança propositiva no campo da cooperação internacional, de modo a partilhar e reproduzir experiências bem-sucedidas e para absorver boas práticas e o apoio oriundos da AOD, na perspectiva de que a cooperação internacional para o desenvolvimento é um bem comum. Neste sentido, todos os países devem cooperar uns com os outros e devem fazê-lo para combater: as causas da miséria, da pobreza e das desigualdades; a violação de direitos humanos; e a destruição do meio ambiente, onde quer que estes fenômenos ocorram. Daí a importância da horizontalização das práticas de cooperação entre países. É preciso sair de um sistema articulado em torno do binômio doador/ receptor para um sistema internacional de cooperantes.
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Monitorar os fluxos de cooperação e seus conteúdos, tanto dos países da OCDE como os das nações emergentes, de modo a construir uma nova arquitetura mais transparente, eficaz e participativa para o desenvolvimento. Pressionar os países do Norte para que cumpram as metas acordadas no campo da cooperação internacional (entre elas, a meta de alocar 0,7% de seu PIB na AOD) e para que identifiquem e implementem mecanismos inovadores de financiamento da cooperação internacional, como, por exemplo: taxação de operações financeiras entre países; fim dos paraísos fiscais; ou, ainda, proibição de mecanismos de evasão fiscal praticados por empresas transnacionais sediadas em países pobres. Desafiar a atuação das instituições financeiras multilaterais e o papel dos novos doadores nessas organizações, como é o caso do governo brasileiro, para que não reproduzam os esquemas de exclusão social implementados nos últimos sessenta anos. Produzir informações de modo a problematizar a atuação das transnacionais e do BNDES na América do Sul e propor mecanismos conjuntos de regulação global nos campos econômico, social e ambiental. Produzir informações e processos de formação sobre a cooperação Sul-Sul na América do Sul e sobre seu atual estágio de institucionalidade. Influenciar os espaços globais de tomada de decisão, de modo a universalizar os direitos humanos, a alcançar maior igualdade em relação aos bens comuns globais e a regular a globalização econômica e financeira. Deve-se desafiar a criação de articulações artificiais de países, como, por exemplo, o BRICS, em detrimento de coalizões que possuem agenda concreta de cooperação, como é o caso do IBAS.
Lista de siglas e abreviaturas ABC – Agência Brasileira de Cooperação ABONG – Associação Brasileira de ONGs ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados AECID – Agencia Internacional de Cooperación para el Desarrollo AHI – Assistência Humanitária Internacional ALCA – Área de Livre Comércio das Américas ALOP – Associação Latino-Americana de Organizações de Promoção do Desenvolvimento AOD – Assistência Oficial ao Desenvolvimento ASA – Articulação no Semiárido Brasileiro BAD – Banco Africano de Desenvolvimento BASIC – Brasil, África do Sul, Índia e China BIC – Brasil, Índia e China BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CID – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento CIVETS – Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito, Turquia e África do Sul CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CSA – Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas CSS – Cooperação Sul-Sul DAC-OCDE – Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE DFID – Department for International Development/UK DRU – Desvinculação de Recursos da União EAGLES – Emerging and Growth Leading Economies EED – Evangelischer Entwicklungsdienst (Church Development Service) EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação
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FMI – Fundo Monetário Internacional FOCEM – Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul FSM – Fórum Social Mundial GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit IBAS – Índia, Brasil e África do Sul ICCO – Inter Church Organisation for Development Cooperation IED – Investimento Estrangeiro Direto IFIs – Instituições Financeiras Internacionais IMPI – Iniciativas de Múltiplas Partes Interessadas INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana ISDR – International Strategy For Disaster Reduction JICA – Japan International Cooperation Agency MERCOSUL – Mercado Comum do Sul MINUSTAH – Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti MIST – México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia MRE – Ministério das Relações Exteriores NAFTA – Tratado Norte-Americano de Livre Comércio NCA – Norwegian Church Aid OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OMC – Organização Mundial do Comércio OMS – Organização Mundial da Saúde ONG – Organização Não Governamental ONGI – Organização Não Governamental Internacional ONU – Organização das Nações Unidas OSC – Organizações da Sociedade Civil PAA – Programa de Aquisição de Alimentos PAD – Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Europeias e suas Entidades Parceiras no Brasil
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PIB – Produto Interno Bruto PMA – Programa Mundial de Alimentos PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPM – Pão para o Mundo PPPGS – Parcerias Público-Privadas Globais do Social REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos SEGIB – Secretaria Geral Ibero-Americana SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres TIPNIS – Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure UE – União Europeia UNASUL – União de Nações Sul-Americanas UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNITAS – Unión Nacional de Instituciones para el Trabajo de Acción Social/Bolívia USAID – Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
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Outros sites consultados • ACT Alliance: <http://www.actalliance.org>. • Agência Brasileira de Cooperação (ABC): <http://www.abc.gov.br>. • Asociación Latinoamericana de Organizaciones de Promoción al Desarrollo (Alop): <http://www.alop.org.mx>. • Associação Brasileira de ONGs (ABONG): <http://www.abong.org.br>. • Balanço do Governo 2003-2010: <http://www.balancodegoverno.presidencia.gov.br>. • Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri): <http://www.cebri.com.br>. • Christian Aid: <http://www.christianaid.org.uk>. • IPEA Data: <http://www.ipeadata.gov.br>. • Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais – Nupri/USP: <http://www.usp.br/ nupri>. • Observatório Político Sul-Americano (Opsa): <http://www.opsa.com.br>.DAC): <http:/ /www.oecd.org/department/0,2688,en_2649_33721_1_1_1_1_1,00.html>. • Open Forum for CSO Development Effectiveness: <http://www.cso-effectiveness.org>. • Plataforma BNDES: <http://www.plataformabndes.org.br>. • Processo de Articulação e Diálogo (PAD): <http://www.portalecumenico.net>. • Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais: <www.rbrasil.org.br>. • Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP): <http://www.rebrip.org.br>. • The Anglican Alliance: <http://www.aco.org>. • The Lutheran World Federation: <http://www.lutheranworld.org>. • The Reality of Aid: <http://www.realityofaid.org>. • UNITAS: <http://www.redunitas.org>. • World Council of Churches (WCC): <http://www.oikoumene.org>.
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Anexo Nota metodológica A pesquisa “Presente e Futuro: Tendências na Cooperação Internacional Brasileira e o Papel das Agências Ecumênicas” é o resultado de uma parceria entre os programas da Bolívia e do Brasil da Christian Aid e o INESC. O estudo foi realizado em um período de dois meses e meio (do início de dezembro de 2011 até meados de fevereiro de 2012) e contou com a participação da UNITAS, parceira da Christian Aid na Bolívia. A pesquisa teve por objetivo geral analisar o contexto no qual ocorrem os financiamentos para a cooperação internacional, tendo o Brasil como doador e receptor destes recursos. Tal análise procurou evidenciar práticas e políticas implementadas no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento, de modo a identificar tendências que possam orientar a atuação de agências ecumênicas e suas coalizões – especialmente a Christian Aid – e seus parceiros tanto no Brasil quanto no resto da América do Sul.
1.
2. 3.
4.
Para tanto, foram acordados os seguintes objetivos específicos: Identificar ambivalências e ambiguidades do Brasil emergente: mostrar em que medida sua condição de economia pujante não foi capaz de resolver seus problemas sociais e ambientais na magnitude esperada. Realizar breve balanço da cooperação internacional no Brasil – a recebida, a oferecida, a oficial e a não governamental. Analisar as implicações mais relevantes, especialmente para a América do Sul, do crescente papel do governo brasileiro como promotor de cooperação internacional e o lugar do BNDES na região. Listar os elementos-chave que justifiquem a continuidade da cooperação ecumênica no Brasil.
O estudo foi desenvolvido a partir da realização de entrevistas, de revisão bibliográfica e de debate com especialistas. No que se refere às entrevistas, foram identificados atores-chave no campo da cooperação internacional, que foram acionados para responder a um roteiro semiestruturado e organizado em torno das seguintes indagações: • Quais fatores influenciam a cooperação internacional recebida no Brasil? • Qual é a perspectiva da cooperação internacional recebida no Brasil, tanto a oficial quanto a não governamental? • Quais são as implicações de o Brasil ter se transformado em país doador ou país parceiro? Qual é o impacto deste novo papel para a América do Sul?
79
• • • •
Qual é o futuro da cooperação brasileira oferecida? Quais são os impactos dos investimentos brasileiros na América do Sul, especialmente daqueles financiados pelo BNDES? O que deve ser feito para aprimorar a cooperação internacional no Brasil e do Brasil para os países com os quais coopera, especialmente na América do Sul? Quais são as razões que justificam (ou não) a permanência da cooperação internacional no Brasil, seja ela a oficial ou a não governamental?
De modo a se obter panorama abrangente de visões e interpretações, foram identificados representantes de diversas instituições e órgãos, tais como: do governo federal, de organismos internacionais, entidades de pesquisa, redes de entidades ecumênicas e organizações internacionais não governamentais que atuam no Brasil. Infelizmente, devido ao curto tempo disponível para a pesquisa, além da época em que ela foi realizada (festas de fim de ano e férias anuais), não foi possível contatar profissionais oriundos de órgãos e organizações relevantes para o estudo, tais como: representantes do Parlamento, doadores governamentais bilaterais, profissionais do setor empresarial e do BNDES. Em estudos posteriores, tais instituições poderão ser consultadas. As entrevistas foram gravadas e sistematizadas. Note-se que a contribuição dos atores-chave serviu de subsídio para orientar a reflexão e, portanto, os depoimentos não serão divulgados, pois se assegurou aos entrevistados que suas entrevistas não seriam tornadas públicas. Neste sentido, é importante que fique claro que o resultado final da pesquisa é fruto da reflexão de seus promotores, não cabendo aos entrevistados qualquer responsabilidade por eventuais erros ou omissões e pela interpretação dos fatos. Ao todo, foram realizadas onze entrevistas, que somaram cerca de nove horas de conversa. No quadro 1, apresenta-se a lista dos entrevistados e das datas das entrevistas.
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Quadro 1. Dados referentes às entrevistas: quem e quando Áreas de atuação Governo Federal
Organismos internacionais
Organizações internacionais privadas de cooperação que se nacionalizaram ou que estão em processo de nacionalização Organizações internacionais ecumênicas que atuam no Brasil
Informantes-chave
Datas das entrevistas
Dados de contato dos entre vista dos
Milton Rondó Filho: Coordenador-geral de Ações Inte rnacionais de Combate à Fome/CGFome, do MRE (Brasília)
08/12/201 1
m ilton.rondo@itamaraty.gov.br
Marco Farani: Diretor da Agência Brasileira de Cooperação do MRE (Brasília)
15/12/201 1
Danie l Augusto Furst Gonçalves: Especialista em Cooperação Sul/Sul do PNUD (Brasília)
25/01/201 2
Carlos Mussi: Diretor da Cepal no Brasil (Brasília)
14/12/201 1
Ana Elena Vale – secre tária ana.vale@abc.gov.br
Entrevista presencial daniel.furst@undp.org (61) 3038-9187
Entrevista presencial
Entrevista presencial
carlos.mussi@cepal.org (61) 3315-5473 Soraia Barbosa – secretária soraia.barbosa@cepal.org
Maria Cristina Araújo: Assessora do Program a de Cooperação da Delegação da União Europeia no Brasil (Brasília)
25/01/201 2
Sim on Ticehurst: Chefe do Escritório da Oxf am no Brasil (Brasília)
08/12/201 1
STicehurst@oxfam.org.br
Entrevista presencial
(61) 3321-4044
Júlia Esther Castro França: Coordenadora-executiva do PAD (Goiânia)
24/01/201 2
pad.pad@terra.com .br
Sandra Andra de: Anglican Alliance (Brasília) Marilia Schülle r: Assessora de Projetos da Koinonia Aliança ACT (Rio de Janeiro) Estudos e pesquisas
Entrevista presencial
Kjeld Jakobsen: Consultor e m Coope ração e Relaçõe s Internacionais (São P aulo) Marcos Cintra: Diretor de Estudos e Relações Econôm icas e Políticas Inte rnacionais do IPEA (Brasília)
cristina.araujo@ eeas.europa.eu Entrevista presencial
Entrevista por escrito 11/01/201 2 Entrevista presencial 14/02/201 2
sandrade@ieab.org.br (61) 3443-4305
marilia@koinonia.org.br (21) 3042-6445
Entrevista por telefone 10/01/201 2 Entrevista por skype 23/01/201 2
kjakobsen@uol.com.br
marcos.cintra@ IPEA.gov.br (61) 3315 5173
Entrevista presencial
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A revisão bibliográfica baseou-se em extensa literatura da atualidade, conforme pode ser observado no item “Referências bibliográficas e sites consultados” do documento da pesquisa. Procurou-se analisar documentos oficiais, textos e reflexões oriundos de redes e organizações da sociedade civil tanto brasileiras quanto internacionais, bem como documentos de organismos multilaterais (da Organização das Nações Unidas, da União Europeia e da OCDE). Por fim, a reflexão foi complementada com a realização de um workshop, em São Paulo (SP), nos dias 9 e 10 de fevereiro de 2010. Tal evento contou com a presença de representantes da Christian Aid no Brasil (Mara Manzoni Luz, representante; e João Vergueiro, assessor de Financiamentos), do INESC (Iara Pietricowski, membro do Colegiado de Gestão; e Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política) e da diretora executiva da Unión Nacional de Instituciones para el Trabajo de Acción Social da Bolívia (UNITAS), parceira da Christian Aid naquele país. Também participaram dois especialistas do tema: Kjeld Jakobsen, consultor em Cooperação e Relações Internacionais; e Anivaldo Padilha, integrante da equipe de assessores da Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, membro da Diretoria do Conselho Latino-Americano de Igrejas (Região Brasil), membro da Junta Diretiva do Church World Service dos Estados Unidos e membro da Coordenação do Fórum Ecumênico ACT Aliança Brasil. O resultado dos debates foi incorporado para compor a versão final do texto. Faz-se mister registrar que o documento oriundo da pesquisa é mais um ensaio do que uma tese. Buscou-se problematizar o tema e levantar uma série de hipóteses e sugestões que poderão ser aprofundadas em estudos posteriores.
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PESQUISA INESC