Arquitetura da Participação - Avanços e Desafios da Democracia Participativa: renovando as utopias

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SISTEMATIZAÇÃO DO SEMINÁRIO NOVAS LENTES SOBRE A PARTICIPAÇÃO: UTOPIAS, AGENDAS E DESAFIOS

Seminário realizado em 04 de Julho de 2012 no âmbito do projeto de pesquisa:

Arquitetura da Participação - Avanços e Desafios da Democracia Participativa: renovando as utopias

Realização

Apoio FUNDAÇÃO FORD

Coordenação da pesquisa Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais: Anna Luiza Salles Souto e Rosangela Dias Oliveira da Paz Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc: José Antonio Moroni

Produção do texto Gerson Sergio Brandão Sampaio

Julho/2012


APRESENTAÇÃO O presente documento apresenta a síntese das exposições e debates travados durante o seminário: NOVAS LENTES SOBRE A PARTICIPAÇÃO: UTOPIAS, AGENDAS E DESAFIOS. Realizado na tarde do dia 04 de julho de 2012 nas dependências do Instituto Pólis. O seminário marcou o lançamento da Revista Pólis: Novas Lentes Sobre a Participação1, produzida no âmbito do projeto Arquitetura da Participação - Avanços e Desafios da Democracia Participativa: renovando as utopias2. Tal projeto foi desenvolvido em parceria pelo Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais e INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos, com apoio da Fundação Ford e do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada que disponibilizou bolsas para pesquisadores do projeto. A proposta do seminário foi focar alguns achados da pesquisa de modo a provocar a discussão sobre os desafios que se colocam à democracia participativa no país. A mesa foi composta pelas coordenadoras da pesquisa pelo Pólis, Anna Luiza Salles Souto (Anilu) e Rosângela Paz, o coordenador pelo INESC, José Antônio Moroni, os pesquisadores Ana Cláudia Teixeira (Pólis) e José Szwako (Pólis/ UNICAMP) que atuaram no projeto e assinam artigos da publicação. O seminário iniciou com a fala das coordenadoras que apresentaram a metodologia da pesquisa e apontaram alguns dados gerais que alimentaram a exposição dos convidados. Em seguida, José Szwako destacou a ausência dos conflitos nos espaços de participação e levantou como hipótese a relação de afinidade entre os conselheiros da sociedade civil e os governamentais. Ana Cláudia abordou a composição desses espaços e a sinergia do projeto com o eixo da democracia participativa da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político. Por fim, José Moroni apresentou aspectos relativos à problemática da

1 Novas lentes sobre a participação: utopias, agendas e desafios; Anna Luiza Salles Souto, Rosangela Dias Oliveira da Paz (org.) – São Paulo: Instituto Pólis, 2012 (Publicações Pólis; 52); 132p. Versão digital e gratuita para download em http://www.polis.org.br/uploads/1585/1585.pdf 2

Relatório

final

disponível

para

download em http://www.polis.org.br/uploads/1262/1262.pdf ou http://goo.gl/YfUKd (link encurtado). Também está disponível banco de dados do mapeamento dos conselhos nacionais, para baixá-lo acesse: http://www.4shared.com/folder/qMQa6uon/_online.html ou http://goo.gl/52nE7 (link encurtado).

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representação, que atravessa tanto a democracia representativa como a participativa, em especial a garantia de expressão da diversidade dos atores sociais nos espaços institucionais. Seguiu-se a abertura para o levantamento de questões e contribuições da plenária do seminário. Metodologicamente optou-se por um formato de roda de conversa, em que após a primeira rodada de questões o debate entre a mesa e os participantes foi mais fluído. Este documento contempla dois momentos distintos e complementares. Na primeira parte relatamos as falas da mesa, evidenciando as principais reflexões apresentadas pelos expositores e seguimos sistematizando as grandes questões que fomentaram o debate entre os presentes.

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RESUMO DA MESA

ABERTURA ANNA LUIZA SALLES SOUTO, coordenadora da pesquisa pelo Instituto Pólis, abre a mesa agradecendo a presença de todos e de todas. Informa que o projeto é um amplo estudo que busca focar a questão da democracia participativa sob diversos ângulos. O estudo aborda dois aspectos: avalia de forma crítica as instâncias de participação e olha sobre a utopia que mobilizou e continua mobilizando atores sociais envolvidos nesse processo. Esses aspectos tem desdobramentos que ela exemplifica, No que se refere à avaliação das instâncias institucionais de participação, foi feito um mapeamento dos conselhos e das conferências realizadas no decorrer das duas gestões do governo Lula, 2003-2010. Esse mapeamento nos mostra que no decorrer desse período foram realizadas 74 conferências, abarcando 40 temáticas distintas, sendo que destas 70% foram inéditas. Ou seja, houve uma ampliação dos temas que foram foco de conferências, uma diversificação das temáticas abordadas nas conferências. Porém, mesmo com a evidente ampliação das instâncias e dos temas inseridos nos espaços participativos não houve abertura do estado para a participação no que tange às politicas econômicas e de infraestrutura. Anna segue sua exposição apresentando dados referentes à caracterização dos conselhos. Destaca que não obstante 38 dos 71 conselhos nacionais atuantes possuírem carácter deliberativo, isso não implica que os mesmos incidam plenamente nos rumos das políticas públicas. Pois, segundo a coordenadora, “a efetividade do conselho está bastante relacionada com a força política dos seus integrantes e a importância da temática para o projeto político do governo, ou seja, maior força dos conselhos que compartilham de um projeto político com o governo”.

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Com relação à composição dos conselhos nacionais, Anna Luiza destaca o dado que demonstra a permanência da desigualdade de gênero também nesses espaços. Isto porque do total dos conselhos mapeados, 56% dos representantes são homens, contra 27% de mulheres. Outra abordagem da pesquisa foi o olhar para as utopias que mobilizaram e ainda mobilizam os atores envolvidos nesse processo em momentos diferentes no espaço-tempo. O primeiro foi o momento pré-constituinte, isto é, antes de 1988, norteado por questões relativas às apostas, aos projetos políticos, “os princípios norteadores da luta envolvendo a constituição democrática do Brasil”. E num segundo momento o estudo focou os dias de hoje, questionando qual é o ideário da democracia participativa num quadro de forte institucionalização dos canais de participação. ROSANGELA DIAS OLIVEIRA DA PAZ co-coordenadora da pesquisa, apresentou outro aspecto do estudo que consistiu em uma investigação qualitativa com os conselheiros de grandes conselhos nacionais, a saber, CNAS, CONANDA e CONSEA3 , que versou sobre três eixos: Primeiro, como é que se configuram as representações tanto governamentais quanto da sociedade civil nesses conselhos? Segundo, quais as interfaces que acontecem a partir dos conselhos nacionais com outros órgãos no nível federal e com outros conselhos federais? E terceiro, como é que opera em cada um desses conselhos a questão dos conflitos? Isto é, como é que são construídas as pactuações? Como é o jogo político nesses conselhos? São questões em aberto e não conclusivas ponderou a coordenadora. No entanto, apontam “novos desafios destas configurações, nesse período de gestão Lula, no que diz respeito à representação, às interfaces entre as instâncias participativas e aos conflitos”.

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Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, Conselho Nacional do Direito da Criança e Adolescente – CONANDA e Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA

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FALA DOS EXPOSITORES CONVIDADOS

JOSÉ EDUARDO LEON SZWAKO inicia sua fala afirmando que os conflitos têm desaparecido na dinâmica dos conselhos. Mesmo que seja expressa pelos conselheiros da sociedade civil certa reclamação acerca do alcance e da limitação da sua atuação nestes espaços institucionais de participação, é evidente certa ambiguidade manifesta pela percepção de que eles funcionam. Tal percepção se ancora no dado de que alguma lei ou projeto foi aprovado a partir da movimentação dos atores que compõem estes espaços. Szwako pontua que a análise realizada pelo projeto sobre a utopia da participação é dividida em dois momentos. No primeiro, pré-1988 predominava a concepção de participação no sentido de influenciar a estrutura estatal a partir de uma atuação / de uma pressão externa a tal estrutura, ou seja, localizada fora do Estado.

Destaca como fator relevante naquele

momento o elo das lideranças dos movimentos sociais com o PT, em especial com a corrente que defendia a autonomia das organizações e dos movimentos sociais. No segundo momento, com base na análise das entrevistas feitas com lideranças da sociedade civil, são apresentados três caminhos, ou seja, três apostas que resgatam e qualificam o sentido da participação, que aparentemente são divergentes. O primeiro defende a ampliação da institucionalização, o que implica na ideia de consolidação de um sistema de participação. Tal concepção é colocada pela sociedade civil desde 2004-2005 e na gestão da presidente Dilma isso entra na agenda governamental do Estado brasileiro4.

Numa outra linha de

argumentos, há quem defenda o aprofundamento da educação popular, a ampliação da formação política como quesito essencial para garantir efetividade da participação. E o terceiro caminho aponta para a necessidade de retomada das ruas, de uma ação para além dos canais institucionalizados na perspectiva de (re)apropriação de repertórios não institucionais de

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O Sistema Nacional de Participação Social está sendo gestado pela Secretária Geral da Presidência da República no seu Departamento de Ação Social. Ainda não há uma proposta definitiva, no entanto é possível verificar pontos gerais dessa proposição nos materiais e relatórios do Seminário Nacional de Participação Social, realizado em outubro de 2011 e nas noticias referentes ao Fórum Interministerial de Participação Social. Informações no site: http://www.secretariageral.gov.br

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atuação. Este último caminho não descartaria o processo institucional em curso, é complementar a ele. José Szwako destaca que entre as questões emergentes está a relação de afinidade entre os conselheiros da sociedade civil e os governamentais.

Pois a defesa

governamental da participação é baseada “no entendimento que é democrática e precisa ser fomentada pelo estado e no estado, produz um efeito apaziguador que obscurece a exposição dos conflitos”. No entanto, ele apresenta o CONSEA como exemplo positivo desta relação de afinidade dado o compartilhamento do projeto entre os atores do governo e da sociedade civil. Quanto à questão da efetividade da ação dos espaços institucionais de participação, ou seja, o alcance dos conselhos e das conferências, ele considera difícil falar em instituição participativa. Isto porque, “uma instituição política é uma instituição vinculante. Ressoa em todo território, em vários órgãos, espaços. Cabe avaliar se é suposta, imaginada, e criar instrumentos de medição dessa efetividade, lutar para que seja efetiva”. E finaliza sua exposição lançando uma provocação: Em que medida a proximidade, a familiaridade, esta afinidade entre estes atores civis e os defensores governamentais da participação está puxando pra baixo a participação? De fato, em que medida esta afinidade da forma como ela aparece ao invés de ser força positiva ela nos segura?. ANA CLÁUDIA TEIXEIRA em sua exposição menciona que a pesquisa buscou aumentar o conhecimento sobre a participação, principalmente sobre conselhos e conferências, levantando elementos que ampliam a capacidade de entender os fluxos da participação. Destaca que a pesquisa foi pensada na perspectiva de levantar pistas para adensar a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político5 pois dos cinco eixos que a compõem há um que trata de fortalecer a democracia participativa: (...) queríamos que o projeto tivesse condição de ao mesmo tempo aumentar o grau de conhecimento sobre esses canais e também aumentar a capacidade de proposição sobre eles. A avaliação que a 5

http://www.reformapolitica.org.br/

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gente tinha na época é que outras áreas da Plataforma da Reforma Política estavam mais consolidadas em termos de proposição, mas, nessa área da democracia participativa, eram mais princípios do que propostas. Para ela, o desafio está justamente em ampliar o grau de proposição para a democracia participativa. Avalia que este desafio será concretizado com a apropriação dos dados da pesquisa para a ação efetiva da sociedade civil. Neste sentido, compreende que é necessário criar uma agenda coletiva da reforma política para além das experiências setorizadas, garantindo um olhar para o todo da participação. Ana Cláudia ainda apresenta outro fator que justifica a realização da pesquisa: a percepção de que no âmbito da Plataforma da Reforma Política ocorre uma “dissintonia entre as percepções que os componentes têm dos espaços participativos”, seja pelas especificidades da atuação dos atores, como também por outros olhares sobre a participação. Assim, “o grau de utopia/ aposta gera muitas dissintonias. A pesquisa explicita os termos do que está colocado em relação à ação dos atores nos canais de participação”. Em diálogo com a proposta do seminário, a expositora apresentou uma série de questões suscitadas a partir dos resultados da pesquisa: Em que lugar a gente chegou até agora com os espaços participativos? Que diferença fez o governo Lula? Aonde tem participação e aonde não tem? Quem está sendo mobilizado e quem não está? [Em relação à] articulação entre os espaços, são sistemas ou não? Na media em que apresentava as questões, a expositora evidenciou uma série de pistas que poderiam contribuir para a solução ou, ao menos, para o levantamento de outras questões, que sintetizamos a seguir: Para avaliar o contexto atual dos espaços participativos temos que relativizar e pensar em outros contextos, em especial da América Latina e as apostas recentes dos governos de esquerda, tais como os plebiscitos, referendos e conselhos comunais; 8


A pesquisa mostrou que na gestão Lula foram multiplicados os espaços participativos. Foram realizadas 70% das conferências nacionais, 1/3 dos conselhos atuais foram criados nesse período, as conferências somam três milhões de participantes, nestas foram aprovadas 14 mil propostas e 1100 moções; No entanto, não há espaços institucionais de participação como conselhos e conferências nas áreas econômicas e de infraestrutura; Os dados de composição dos espaços de participação mostram que há desigualdade de gênero, mesmo que proporcionalmente menor que no congresso, onde há 8% de mulheres. E há discrepância na representação da sociedade civil que compreende 27% de movimentos sociais e 20% de empresários, o que para a pesquisadora é estarrecedor se considerarmos que os espaços de participação se destinavam a ser canal de “voz a quem não tem voz”; E, por fim, apresenta o desafio da integração das políticas, independente da articulação dos canais de participação. JOSÉ ANTONIO MORONI, coordenador da pesquisa pelo Inesc, contextualizou o surgimento da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, originada em 2004 a partir de seminário realizado pelo Pólis, INESC, ABONG, que pretendia discutir os sentidos da participação e da democracia. Especificamente, tal seminário debruçou-se sobre o impacto de aproximadamente dois anos de governo Lula e sobre a criação de vários conselhos. Para Moroni, “a criação desses vários espaços no governo Lula de certa forma contradizia tudo por que tínhamos lutado: o caráter deliberativo, caráter da autonomia da sociedade na escolha da sua representação, e o caráter paritário”. O desconforto presente em diversas organizações e movimentos foi o fator que originou a Plataforma. Portanto, o foco inicial de discussão é a questão da democracia participativa que se desdobrou para o conceito de reforma do sistema político. Esta envolve a democracia direta, a democracia participativa, a representativa, a democratização da informação e da comunicação e a democratização e transparência do poder judiciário. Esses são os cinco eixos da plataforma que articulados dá no que nós entendemos ser a reforma do sistema político. 9


Moroni prossegue distinguindo os diferentes conceitos de participação que circulam a arena pública. Nos anos 80, a ideia de participação possuía explicitação de um conteúdo político. Implicava a “democratização do estado, que envolvia o reconhecimento de diferentes sujeitos, que a gente falava dos novos sujeitos, dos atores sociais, na questão do reconhecimento que envolvia o direito a participação etc, etc.”. Outra concepção é passível de ser caracterizada como neoliberal pois se concretizava na proposição de enfraquecimento do estado. Tal concepção foi amplamente disseminada pelos meios de comunicação via, (...) aquele discurso que o estado faz mal, é caro, portanto, a sociedade tinha que participar. Essa dimensão de participação retira o conceito politico que nós temos e envolve a terceirização das politicas públicas e a desresponsabilização do estado em determinadas politicas, que eram as chamadas politicas sociais. Ou seja, o conteúdo da participação é muito diverso e está atrelado à concepção política, o que justifica o “resgate das utopias” proposto no estudo. É desta divergência de concepção da participação que aparece a surpresa com o alto índice de participação dos empresários nos espaços de participação, como colocado anteriormente por Teixeira. Segundo Moroni, os empresários estão presentes majoritariamente nos espaços institucionais de participação em que é possível vislumbrar certa disputa de recursos. Daí decorre o questionamento quanto ao reconhecimento desses espaços, de maneira que, para Moroni, Dentro desta estratégia dos anos 80, de formulação do sistema participativo descentralizado, as diferentes políticas públicas, essa dicotomia entre o social e o econômico nós também criamos, somos parte dessa criação, e eles sabiamente se aproveitaram disso. Mas nós também durante muito tempo dizíamos, “eu quero saber do social, não quero saber de número!”. Antes não se preocupava com tributação, com orçamento público, com recurso público, nada disso. Na sequência, o coordenador apresentou outro fator a ser avaliado em relação ao cerne da criação dos espaços de participação, a saber, a disputa travada pelos movimentos sociais pelo reconhecimento da pluralidade dos sujeitos políticos. Esta disputa estabelecia no campo da sociedade civil certa disposição das lutas políticas de modo a impor condição de inferioridade 10


dos diversos movimentos frente ao movimento sindical, que atuava na relação capital trabalho. Para ele, tal disputa expressa uma relação de poder caracterizada pela diferenciação entre movimentos estratégicos e táticos, e pondera que hoje é expressa na correlação entre as lutas gerais e específicas. Nesse contexto, a criação dos espaços institucionais de participação foi a estratégia das chamadas minorias para garantir visibilidade das suas questões. No entanto, os espaços de participação - a despeito da ideia inicial em que se apostava que esses contribuiriam para a democratização do estado - atingiram tal grau de burocratização que sufocou a possibilidade de tornarem-se espaços privilegiados de aprofundamento do olhar para as contradições da sociedade. Isto somado ao fato de que as estratégias concentraram-se na relação com estado, o que diminuiu a ação dos sujeitos políticos em relação à sociedade. Se no início pensávamos nesses espaços como instrumentos que poderiam estar democratizando o estado, porque esta era a grande questão, 'como você democratiza o estado?' e colocar um penduricalho neste estado machista, homofóbico, privado, patrimonialista, reformista e tudo “ista” que pode ser. Mas acabou que nós não fizemos outra parte da estratégia que era desses espaços serem espaços que aguçassem ou aprofundassem as contradições ... Então, se você pegar tanto conselhos como conferências não tem estratégia nenhuma de comunicação com a sociedade. Isso tem a ver também com o autoritarismo da representação da sociedade civil que está lá. “Estou representando a sociedade civil. Não preciso criar mecanismo de comunicação com a sociedade, eu já sou representante”. Para ele, a questão do autoritarismo da representação da sociedade civil tem conexão com o problema da cultura política, há tempos evidenciada na democracia representativa no que se refere à conformação da representação. Daí a questão da desigualdade de gêneros, da subrepresentação das populações negra e indígena, da juventude, da pessoa com deficiência, da população LGBT se fazerem presentes nos espaços da democracia participativa. Assim, “a ausência de dados referentes a essas especificidades evidencia que esses espaços não estão se colocando a questão da sub-representação”.

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Mediante esse quadro, para o coordenador, é fundamental resgatar a questão do conflito que esses espaços têm de ser. Posto que, (...) esses processos participativos conseguem criar canais reais de diálogo entre esses diferentes sujeitos políticos e isso é capaz de criar diferentes forças políticas. Para não ficar cada um no seu quadrado. Então, esses espaços ajudam a sociedade civil a fazer isso ou não ajudam? Eles contribuem para isso ou não contribuem? É esse nó que vai determinar as estratégias que nós vamos usar para [garantir] multiplicidade, diversidade nesses espaços participativos. Acho que é isso aí que está meio que emperrando nesses nossos debates.

*** DEBATE COM OS PARTICIPANTES6 Após a exposição da mesa foi aberto momento para contribuições e questionamentos da plenária.

EFETIVIDADE DELIBERATIVA DOS ESPAÇOS INSTITUCIONAIS DE PARTICIPAÇÃO Mesmo com a ponderação da mesa que não o estudo não se propôs a abordar a efetividade da ação dos conselhos e conferências, houve falas que reafirmaram a necessidade da sociedade civil observar este fator. Os participantes apontaram a importância de olhar a inserção institucional desses espaços dentro da estrutura do estado, nos processos decisórios, e também a avaliação das vias de incidência dos interlocutores do estado, procurando superar a relação personalista. Ainda no campo da relação dos espaços institucionais com a dinâmica do estado, Rosangela Paz aponta que há o desafio de superar a “fragmentação das políticas nos territórios (reproduz os espaços nacionais) e a setorização das políticas (cada órgão com o seu conselho)”. O que recai

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Optamos por organizar as contribuições e respostas em grandes temas de maneira a convergir as falas para um discurso comum sem, no entanto, retirar de seu conteúdo as contradições e divergências apontadas. Com essa iniciativa pretendemos apresentar a riqueza do debate e superar o limitador da exposição do nome dos participantes dado que haveríamos de empreender grande esforço para contatá-los. (NR)

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na “maior necessidade de políticas intersetoriais, horizontais e transversais”. Por fim, participantes manifestaram a percepção de que há efetividade nesses espaços, pois do contrário eles seriam esvaziados.

A CRISE DA REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL OU A QUESTÃO DO AUTORITARISMO OU A NÃO REPRESENTAÇÃO DOS REAIS ATORES SOCIAIS No debate, os participantes deram voz à abordagem científica que levanta a hipótese da conformação de uma hiperparticipação, que se caracterizaria pela fragmentação do debate com as mesmas pessoas participando dos vários espaços. E questionam a mesa se tal fenômeno foi observado na pesquisa. Observam que o descolamento do representante com o segmento representado pode caracterizar certa automação da representação. Colocações apontam para a conformação de certa elite participativa, posto que pesquisas indicam que as pessoas presentes nos espaços possuem renda superior à média brasileira, nível de escolaridade superior, além de vários outros indicadores também acima da média brasileira. Sobre a representação da diversidade dos atores sociais, observou-se que é possível transportar as questões relativas à participação no estado para as organizações do campo democrático popular. No caso específico da desigualdade de gênero, foi levantada a hipótese, com base em dados dos congressos do PT, que no nível municipal e estadual a participação das mulheres é maior. A masculinização acontece no nível federal dos espaços de participação. Szwako complementa este raciocínio ao ponderar que se a ação dos espaços tivesse maior vinculação, o fenômeno se ampliaria. Os participantes dialogaram com a fala de Moroni estabelecendo que a conexão entre a democracia participativa e a representativa começa no momento em que a eleição de delegados assume centralidade nos processos das conferências. Acreditam que a superação desta situação passa por rever as metodologias desses processos, por privilegiar os espaços locais, por apostar nas conferências livres de maneira a garantir a discussão política e abrir espaços para inserção de “gente nova”. A articulação dos processos de conferência com os

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conselhos e a possibilidade de que as deliberações tiradas assumam caráter de diretriz da política pública seria outra chave para superação dessa problemática. Para Moroni, não foram criadas estratégias políticas que oportunizassem uma nova institucionalidade que conflitasse com a atual, pois “consenso é bom para quem tem o poder”. Reiterou que as “críticas à democracia representativa são as mesmas dos espaços participativos e são reflexo da constituição da sociedade civil que perpetua a sub-representação dos segmentos e a disseminação do racismo, homofobismo, machismo etc, não só nos conselhos, como nas próprias conferências e nas organizações“. Para ele, a possibilidade de transformação passa pela construção de uma nova cultura política, que olhe para a conformação da sociedade e, portanto, devemos avaliar se os espaços institucionais de participação podem contribuir para isso. Por outro lado, Anna Luiza Souto pondera que os espaços não estão descolados da sociedade e talvez “jogar peso excessivo”, como se as instâncias fossem por si transformadoras, não altere essas questões.

A PARTICIPAÇÃO EMPRESARIAL Os participantes manifestaram suas opiniões acerca da participação dos empresários nos espaços participativos, levantado pela Ana Cláudia e complementado na fala de Moroni. Algumas posições convergem para o entendimento de que essa presença se dá no momento em que os espaços institucionais são legitimados como instâncias privilegiadas para o debate público e, também, essa presença garante que se reverta a ausência dos atores políticos reais na construção da esfera pública. No entanto, foi apontada a preocupação com a abordagem de parte do empresariado, que se apropria do discurso do nosso campo político, estando aí incluído o tema da participação, cidadania, sustentabilidade etc., dando outro significado a esses conceitos, ajustando-os à sua lógica, à lógica dos seus interesses. Ana Cláudia pontuou que a surpresa com o dado relativo ao grau de inserção do empresariado nos espaços de participação é ainda maior se olharmos o grau de sua presença em determinadas áreas. Reitera que das 1700 vagas para a sociedade civil nos conselhos nacionais, os empresários compõem 20%. Na relação entre composição e áreas, eles somam 80% das 14


áreas econômicas (FAT, FGTS, etc.), enquanto os movimentos sociais representam 4%. Em Infraestrutura (transporte, cidades, etc.) os empresários correspondem a 31% da representação enquanto os movimentos somam 17%. Mesmo na área socioambiental se aproximam da média geral com 16% dos representantes, atrás dos 44% dos movimentos.

HORIZONTES PARA REFORMA POLÍTICA OU FORTALECIMENTO DOS ESPAÇOS INSTITUCIONAIS DE PARTICIPAÇÃO Como resposta a parte das provocações feitas pela mesa, surgiu um conjunto de propostas (diretrizes – apontamentos) que poderiam contribuir para a superação de alguns dos problemas presentes nos espaços de participação. Dentre elas foi citado que cabe potencializar a capacidade de mobilização e formação, na perspectiva da educação popular, na contramão do atual status burocratizante dos espaços participativos. Ao que pode ser colocado como fragmentação dos espaços de participação, Ana Claudia apresentou o dado de que apenas 17% da representação da sociedade civil nos conselhos nacionais são constituídas via processo eleitoral; os demais são nomeados via indicação de ministros ou de organizações. Portanto, para ela, cabe olhar para a necessidade de revisão da legislação de parcela dos espaços institucionais de participação. Outro ponto abordado refere-se à possibilidade de pensar as dinâmicas dos conselhos na perspectiva de entendê-los como espaços de disseminação dos discursos, princípios e diretrizes de políticas, principalmente o que tange às políticas setoriais e às específicas, tais como as políticas públicas de juventude, de igualdade racial, de mulheres, destinadas à população LGBT, segurança alimentar etc.

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