V2.N2 - CIRURGIA

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| Caso Clínico Aprofundamento de Vestíbulo pela Técnica de Kazanjian Modificada: Relato de Caso. Vestibuloplasty Using Kazanjian Modified Technique: Case Report 1

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Fernanda Queiroz BARBOSA , Flaviana Soares ROCHA , Jonas Dantas BATISTA , 4 5 6 Aparecido Eurípedes Onório MAGALHÃES , Darceny ZANETTA-BARBOSA , Íris Malagoni MARQUEZ .

Resumo

Abstract

Os cirurgiões-dentistas freqüentemente defrontam-se com um rebordo mandibular extensamente reabsorvido, com vestíbulo bucal raso e inserção alta do músculo mentoniano em relação à crista do rebordo, podendo causar o deslocamento da prótese. As técnicas de vestibuloplastia têm por finalidade eliminar as inserções musculares, reposicionar a mucosa e aumentar a área chapeável, dando maior estabilidade à prótese. Dentre as técnicas de aprofundamento de vestíbulo, temos as vestibuloplastias submucosa, por epitelização secundária e com enxertos de pele e mucosa. Abordaremos a vestibuloplastia por epitelização secundária, com ênfase na técnica proposta por Edlan & Mejchar, denominada também técnica de Kazanjian modificada. Esta técnica fornece um resultado adequado e não requer hospitalização, cirurgia complementar em área doadora ou períodos prolongados sem o uso de prótese.

Extensively resorbed mandibular residual ridge can cause a buccal fornix loss and superficialization of mentual muscle insertion leading to disappearance of the vestibular fornix and dislocation of complete dentures. Many patients with mandibular atrophy having a minimum support area for prosthesis being preprosthetic surgery a valuable method to increase it. Vestibuloplasty techniques have the purpose to eliminate muscular insertions, repositioning the mucosa and increasing denture support area. Sulcoplasty techniques are submucosa vestibuloplasty, skin/mucosa grafts vestibuloplasty and secondary epitelization vestibuloplasty. This paper will report vestibuloplasty by secondary epitelization, with emphasis in the technique proposed by Edlan & Mejchar , known as Kazanjian modified technique. This technique has good results and does not require hospitalization, complementary surgery or long periods without using complete denture.

Unitermos Vestibuloplastia, Procedimentos Cirúrgicos Menores, Cirurgia Bucal.

1 - Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia. 2 - Mestranda em Cirurgia eTraumatologia Buco-Maxilo-Facial pela

Key words Vestibuloplasty, Minor Surgical Procedures, Oral Surgery. Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia. 3 - Professor Assistente do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia.

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Fernanda Queiroz Barbosa, Flaviana Soares Rocha, Jonas Dantas Batista, Aparecido Eurípedes Onório Magalhães, Darceny Zanetta Barbosa, Íris Malagoni Marquez.

4 - Professor do Curso de Especialização em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia. 5 - Professor(a) Titular do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia

Introdução O processo de reabsorção óssea alveolar acontece em virtude da falta de estimulação ocorrida com a perda do elemento dentário. A reabsorção óssea alveolar é diferente ao se comparar maxila e mandíbula, sendo que esta sofre uma perda quatro vezes maior2. O processo pode ser crônico, progressivo, irreversível e cumulativo2,3, e como principais causas destacam-se o menor suprimento vascular, menor espessura de tecido fibromucoso, maior área de forças compressivas provocada pelo maior número de inserções musculares4 . A perda óssea alveolar provoca uma diminuição da área de suporte da prótese e faz com que alguns músculos, que se fixam em regiões mais inferiores da mandíbula, tornemse intimamente relacionados com a mesma, comprometendo, desta forma, sua retenção e 1 estabilidade . A atrofia mandibular é uma das principais indicações para vestibuloplastia e tem como objetivo criar, cirurgicamente, maior área chapeável na mandíbula, pelo reposicionamento da mucosa que recobre o osso e das inserções musculares, promovendo um aprofundamento do sulco vestibular5. No entanto, alguns critérios devem ser observados para sua indicação, como: 1) boas condições de saúde;

2) atrofia e contração da mucosa gengivolabial; 3) ausência de dentes retidos e raízes residuais; 4) altura remanescente compatível com procedimento na região anterior da mandíbula, em que a altura óssea mínima recomendada é de 15 mm, suficiente para acomodar os tecidos próprios da face e propiciar uma área chapeável para uma boa estabilidade da prótese 6. 7

Kazanjian (1924) apresentou uma técnica de vestibuloplastia em mandíbula, na qual foi realizada uma incisão na mucosa labial a 1,5 cm da crista alveolar, com levantamento de um retalho mucoso e posterior aprofundamento do sulco, suturando este retalho no periósteo na região do fundo do novo sulco formado, ficando a mucosa labial desnuda cicatrizando por epitelização secundária. Edlan e Mejchar8 (1963) propuseram uma incisão na mucosa do lábio e outra no periósteo sobre a crista do rebordo, de forma a reposicionar invertidamente estes retalhos, com a finalidade de reduzir o índice de recidiva criado após cirurgia de aprofundamento de sulco. Dentre as complicações que poderiam ocorrer durante ou após cirurgia de vestibuloplastia, destacam-se: recidiva do sulco aprofundado; dano aos nervos mentuais, milo-hióideo ou lingual; obstrução do ducto submandibular; reabsorção óssea e alteração do perfil do tecido mole do queixo e lábio inferior9,2. Apesar das indicações das cirurgias de aprofundamento de vestíbulo terem diminuído, ainda existem pacientes que podem ser beneficiados por este procedimento, seja para melhorar a estabilidade de próteses totais removíveis convencionais ou otimizar a instalação dos implantes.

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Aprofundamento de Vestíbulo pela Técnica de Kazanjian Modificada: Relato de Caso.

Caso Clínico Paciente do gênero feminino, leucoderma, com queixa de instabilidade da prótese. Após anamnese, não foi constatado nenhum problema sistêmico que contra-indicasse o procedimento cirúrgico. Ao exame clínico, a paciente apresentava-se com presença de sulcos nasolabial e labial evidentes e perda da dimensão vertical; edentulismo total superior e inferior, com boa adaptação e estabilidade da prótese superior, o que não ocorria com a inferior. Observou-se também um rebordo residual com extensa reabsorção (altura de 2,0 cm) devido à perda precoce dos dentes inferiores e ao uso prolongado de próteses removíveis, presença de lesões em tecido mole (hiperplasia fibrosa) que foram posteriormente removidas, atrofia e contração da mucosa gengivolabial com conseqüente diminuição do sulco vestibular (Figura 1).

alveolar (Figura 2), seguida por divulsão submucosa, separando mucosa de musculatura subjacente e periósteo, até o nível da crista alveolar (Figura 3).

Figura 2 - Incisão em mucosa labial

Figura 3 –Divulsão submucosa

Figura 1 – Aspecto clínico pré-operatório.

Realizou-se então uma incisão horizontal do periósteo para o rebatimento do retalho até a profundidade pré-determinada para o novo sulco (Figura 4).

Ao exame radiográfico evidenciou-se atrofia óssea mandibular, porém com 2 cm de altura, suficiente para cirurgia de vestibuloplastia que possibilitasse a estabilização de uma prótese. Baseado na avaliação clínicoradiográfica e no estudo dos modelos optou-se pelo aumento da área chapeável inferior, através do aprofundamento de sulco vestibular, pela técnica de Kazanjian modificada. A incisão foi feita em mucosa labial, de forma horizontal e superficial, a 1,5 cm da crista

Figura 4 – Incisão no periósteo

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Fernanda Queiroz Barbosa, Flaviana Soares Rocha, Jonas Dantas Batista, Aparecido Eurípedes Onório Magalhães, Darceny Zanetta Barbosa, Íris Malagoni Marquez.

O retalho mucoso foi posicionado diretamente sobre o osso vestibular desnudo e suturado, tão profundamente quanto possível e o periósteo foi suturado à margem labial (Figura 5). As extremidades da ferida labial foram suturadas com fios reabsorvíveis ® (Vicryl 4.0).

foi verificado que a profundidade do sulco clinicamente manteve-se em 10 mm. Na comparação radiográfica, não se constatou presença de reabsorção óssea.

Figura 6 – Pós-operatório de 90 dias

Figura 5 – Retalho mucoso posicionado sobre o osso vestibular

Uma compressão extra-oral, com Micropore (Cremer® - Blumenau-SC - Brasil), foi realizada para minimizar a formação do edema e imobilizar o lábio durante os primeiros 2 dias de pós-operatório (PO). Foram prescritos: Dicloflenaco de Potássio e Dipirona Sódica com as devidas orientações sobre dieta, higienização e repouso. Após 07 dias observouse a manutenção da profundidade do sulco obtido no PO imediato de 12 mm. O controle PO foi realizado com 30, 90 e 150 dias, sendo que após 30 dias, a paciente foi submetida à nova cirurgia para a remoção da hiperplasia fibrosa. A confecção das próteses só foi iniciada após 60 dias, da primeira cirurgia. Comparando o PO imediato da vestibuloplastia, com o controle PO de 30 dias, observou-se uma recidiva de 3,0 mm que permaneceu por um período de três meses. Após esse período, houve recuperação parcial na profundidade do sulco de 1 mm e a condição se estabilizou em 10 mm, durante o período de acompanhamento (Figura 6). Após seis meses

Discussão Atualmente, apesar do grande avanço da implantodontia e de técnicas de aumento de rebordo, as vestibuloplastias ainda são indicadas como opção para extensão de vestíbulo, principalmente, por evitar tratamentos dispendiosos em tempo ou para auxiliar pessoas cuja opção é a prótese total, seja por razões físicas ou econômicas6 . Várias são as técnicas de vestibuloplastias utilizadas com a finalidade de aprofundamento de vestíbulo: submucosa, epitelização secundária, enxertos de pele e enxertos de mucosa10. Contudo, antes de se optar pela vestibuloplastia, é necessário avaliar a altura e espessura do rebordo residual, que são condições fundamentais, assim como, a inserção da musculatura e a integridade e quantidade de mucosa, que deve ser saudável e suficiente para criar um novo sulco oferecendo maior estabilidade à prótese6. Neste caso clínico foi realizada a técnica de Kazanjian modificada por ser um

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Aprofundamento de Vestíbulo pela Técnica de Kazanjian Modificada: Relato de Caso.

procedimento simples, passível de ser realizado em consultório e por oferecer resultados satisfatórios, com uma profundidade aceitável de vestíbulo, pequeno grau de recidiva, ausência de área cruenta, ser pouco traumática, com discreto edema e boa sintomatologia. Ressaltase que a presença de lesões de tecido mole – hiperplasia fibrosa não contra-indicaram a cirurgia pela técnica proposta. O procedimento cirúrgico apresenta como desvantagens: cicatriz localizada neste sulco, com risco de comprometimento da retenção da prótese, e a sua difícil execução, sobretudo, no momento de dissecar o tecido sem provocar trauma ou 5 dilaceração . Com base no relato do caso clínico, observou-se que o resultado do aprofundamento do sulco no procedimento trans-cirúrgico, foi de 12 mm. Após 1 mês de seguimento, a nova profundidade era de 9 mm, que permaneceu inalterada por um período de 3 meses. Após esse período, houve um aumento na extensão do sulco para 10 mm, tendo um ganho real de 6 mm. A condição permaneceu estável pelo tempo de acompanhamento do caso. Essa perda e a recuperação parcial da profundidade do sulco teriam sua explicação na ocorrência de contração e retração da ferida na fase final da cicatrização11. No exame radiográfico foi observado a manutenção da altura óssea de 2,0 cm, após o período de 5 meses. Estudos mostraram9 uma perda óssea pouco significante, com a técnica e sugeriram que a expansão da área de apoio da prótese, por meio de uma vestibuloplastia, poderia reduzir a carga da mesma por unidade quadrada de osso. O deslocamento do músculo mentoniano poderia privar o tecido ósseo de estímulo funcional e a vestibuloplastia tornaria chapeável uma superfície óssea não exposta previamente a forças oclusais, o que poderia intensifi-

car a perda óssea no período pós-cirúrgico12. Estudos13 avaliando traçados cefalométricos observaram uma reabsorção óssea acelerada da crista alveolar após a operação citando duas possíveis causas: a extensão da elevação do periósteo e a separação do músculo do mento que priva o osso de movimentação funcional. Isso justifica que, apesar dos pacientes sentirem uma melhora da retenção e estabilidade da prótese, a reabsorção óssea pode acontecer. Vários autores8,2, preconizam suturar primeiro o retalho mucoso pediculado na porção mais inferior do periósteo rebatido, assim como, recomendavam a manutenção da sutura realizada, por oito a dez dias, tempo que o epitélio, em geral, leva para recobrir o periósteo. Nós, porém, optamos pelas suturas com fios reabsorvíveis (Vicryl 4.0) para não danificar o tecido na sua remoção, o que poderia levar a perda pós-operatória do sulco obtido. Ao exame clínico, após 60 dias, o aspecto da mucosa suturada sobre o rebordo deveria ser a de gengiva inserida, no entanto, lembrava mais a mucosa bucal. Já o periósteo suturado sobre o lábio apresentou-se com aspecto e mobilidade semelhante ao da mucosa labial, com uma linha cicatricial presente no fundo do sulco criado. Até o presente momento, decorridos quatro meses da instalação das próteses, a paciente encontra-se confortável, alimentando-se a contento e satisfeita com o resultado obtido.

Conclusão A técnica de inversão de retalhos conferiu um aumento na profundidade do vestíbulo proporcionando maior estabilidade aos aparelhos protéticos, assim como melhorias ao paciente no que se referia à estética, satisfação e convívio social. Do ponto de vista pós-operatório, não foram observadas complicações tais como: dor, parestesia, edema, hematoma e de natureza estética.

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Fernanda Queiroz Barbosa, Flaviana Soares Rocha, Jonas Dantas Batista, Aparecido Eurípedes Onório Magalhães, Darceny Zanetta Barbosa, Íris Malagoni Marquez.

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Endereço para Correspondência Jonas Dantas Batista Universidade Federal De Uberlândia · Faculdade de Odontologia Secretaria de Cirurgia · BLC 4T · Sala 2G07 Av. Pará S/N · Campus Umuarama · CEP 38.400-902 Uberlandia /MG TEL: (34) 3218·2636 · E-mail: jonasdantas@yahoo.com.br

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