Ebook natureza

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Sumário 02

Apresentação

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Ritmo

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O Ambiente para a criança se ativar

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Elementos da Natureza

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Elemento Terra

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Elemento Agua

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Elemento Ar

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Elemento Fogo


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Ritmo no espaço: o dentro, o fora

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Ritmo no tempo: rápido e lento

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Ritmo na relação entre educador e criança: proximidade e distanciamento

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Pensamento Ecológico

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Caminhos

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Horta Escolar

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Guia Prático por Amanda Frug e Bruno Helvécio

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Sobre o Instituto OMP

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Sobre o Projeto Natureza e sua Singularidade



Apresentação Em Gana, na África Ocidental, uma das culturas agrícolas principais é o amido de milho. Cabe às mulheres o trabalho de moer o milho. Elas colocam o grão inteiro em uma pedra de grandes dimensões ou em uma tigela de madeira, o pilão. Os pilões podem ser utilizados por várias pessoas ao mesmo tempo; cada uma segura uma grande pá e vai batendo os grãos alternadamente, em um ritmo constante de batidas: levantar e socar, levantar e socar, levantar. Normalmente duas mulheres fazem esse trabalho, enquanto uma terceira mulher se agacha ao redor do pilão e move os grãos no intervalo das batidas. Se uma das mulheres que estão segurando a pá perder o rítmo, o pilão vira para o lado podendo machucar uma perna, e se a mulher que move os grãos perder o rítmo, seus dedos podem ser esmagados. Portanto, se houver perda do ritmo por qualquer uma das mulheres que executam o trabalho de moer o milho, alguém fica ferido.

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Em nosso dia a dia temos poucas práticas como essa, em que o ritmo é tão obviamente

crítico.

Em

Gana,

no

entanto,

as

pessoas

consideram

o

desenvolvimento do sentido rítmico tão profundamente que nunca falam sobre isso. Faz parte de suas vidas desde a infância. Elas tratam o desenvolvimento do ritmo com o mesmo interesse que nós tratamos do desenvolvimento da linguagem falada. John Blacking (1973), um dos primeiros etnomusicólogos a fazer um estudo da música na África Central e Ocidental, comenta que em Venda, quando uma criança começa a com a sua colher no chão ou na mesa na hora da refeição, ninguém toma a colher ou diz “shh”. Ao invés disso, todos os membros da família começam a tocar juntos, com suas colheres, e logo toda a família participa fazendo uma música ritmada que pode continuar por até trinta minutos. Jogos de passar pedrinha são outra forma de treinamento do ritmo em Gana. As crianças se ajoelham ou sentam-se em roda, cada uma com uma pedra em frente de si, e passam a pedra ao redor do círculo cantando e marcando o ritmo como no jogo brasileiro escravos de Jó. Uma canção para o jogo de passar pedrinha cantada pelas crianças de Gana é a Boa Si Me Nsa, que quer dizer “a pedra bateu em minha mão vovó”. (ADZENYAK, MARAIRE & TUCKER, 1997, p. 39, tradução nossa). Ainda que o ritmo esteja presente na infância em nossos países, Canadá e Brasil, e em muitas outras culturas, o desenvolvimento do senso rítmico não é considerado uma habilidade vital. Parece-nos que o ritmo do trabalho, das brincadeiras e dos dias, estações e anos está ficando cada vez menos significativo.

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Em seus escritos filosóficos, Dewey (1934, 1980) e Whitehead (1929) discutem o fenômeno do ritmo como fundamental à vida e à aprendizagem. Há aproximadamente oitenta anos, Alfred North Whitehead (1929), em seu ensaio intitulado The Rhythm of Education (O Ritmo na Educação), desenvolveu a teoria de que a falta de atenção ao ritmo e à natureza do crescimento mental foi a principal fonte da inexpressividade e desmotivação na educação. Ao falar do fracasso dos alunos para aprender, Whitehead (ibid., p.32, tradução nossa) afirma que “não é porque as nossas tarefas são essencialmente muito difíceis” que os alunos não aprendem, mas “porque as nossas tarefas são definidas de uma forma não natural, sem ritmo e sem o estímulo do sucesso imediato, e sem concentração”. O PROJETO NATUREZA, RITMOS E SUSTENTANBILIDADE busca a reflexão sobre processos vivos de aprendizagem que necessariamente deverá respeitar um ritmo adequado considerando fundamental a alternância equilibrada entre concentração e expansão, entre esforço e descanso, inspiração e expiração, fomentando a importância do planejamento ser cuidadosamente elaborado, a partir desse ponto de vista, tanto a prática educativa anual, mensal, semanal e diária, como também cada uma das horas de aula (outra palavra seria melhor), a fim de conseguir o ritmo adequado às fases de compreensão, assimilação e produção da aprendizagem.

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A “Inspiração e Expiração” também são utilizadas como metáfora para se referir às necessidades das crianças por uma educação de ritmo equilibrado, uma experiência de “entrada” e uma “saída” por meio de formas de expressão artísticas e outras. Na educação infantil, por exemplo, ouvir alguém contando uma história é uma atividade de entrada, que seria seguida de uma atividade de saída como cantar. Para entender tal conceito, você, leitor(a), poderia inspirar cinco vezes sem expirar entre cada inspiração. Essa sensação apertada, contraída é como nos sentimos se nossa atividade for totalmente inspiração, sem nenhuma atividade expressiva de expiração. Atividades como ouvir alguém contando uma história, seguir instruções, ler e resolver um problema de matemática são geralmente atividades de inspiração, enquanto que movimento físico, conversar, cantar e arrumar o ambiente são atividades de expiração. As professoras planejam as aulas e os dias letivos mantendo o foco no equilíbrio da inspiração e expiração.

Duas graças há no respirar: inspirar o ar e dele se livrar. Inspirar constrange, expirar liberta. Tão lindo é feito da vida uma mescla. Agradece a Deus quando ele te aperta, e agradece de novo quando te liberta Johann Wolfgang Goethe

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Ritmos Ritmo é sempre a relação entre as partes. Existem muitas formas de alternância que podemos encontrar na natureza, nas quais polos contrários se alternam mantendo o ritmo. Apesar da regularidade que existe nesses processos, podemos observar que a repetição nunca se dá de forma idêntica e que, no ser humano, sofre interferências externas e internas. O aspecto externo do nascer do sol, por exemplo, pode apresentar alterações como maior ou menor nebulosidade ou umidade. Um amanhecer pode ser vivenciado das mais variadas formas, dependendo do estado anímico, psicológico, de quem o percebe. Há um abismo inevitável que se estende entre o indivíduo que contempla e o objeto de nossa contemplação, como no exemplo acima, do amanhecer. “Cada dia é um novo dia”, porém, o fenômeno se repete e se repete... evidenciando uma organização além da que se pode conceber a partir da Terra Quanto tempo leva entre o amanhecer e o anoitecer? Esse tempo nunca é idêntico, mas é constante. Erguer o olhar para o sol é também perceber o fluxo do tempo, seus ciclos e seu andamento.

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Quanto tempo leva entre o amanhecer e o anoitecer? Esse tempo nunca é idêntico, mas é constante. Erguer o olhar para o sol é também perceber o fluxo do tempo, seus ciclos e seu andamento. O mineral não possui a capacidade de crescimento por si próprio; a pedra cresce apenas por deposição. Já no reino vegetal, encontramos a característica de crescimento; uma pequena semente pode transformar-se em uma enorme árvore. No crescimento, a planta mostra polaridades e alternâncias. Ao brotar, a semente – exemplo máximo de contração – expande-se ao despontar para cima, com o broto; e para baixo, com a raiz. No crescimento da planta encontramos os polos vertical e horizontal: o caule cresce na vertical, e as folhas e galhos na horizontal. Nesse processo também se alternam momentos de contração e expansão.

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Antes do surgimento das folhas, encontramos o que chamamos de “nó” ou “olho”. Neste nó, um novo broto pode surgir e, portanto, acontece um novo momento de expansão da planta. Na parte de cima, a folha tem contato com a luz, enquanto na parte de baixo esse contato não existe; as folhas são brilhantes e lisas por cima e, por baixo, são foscas; às vezes, até peludas e rugosas. No botão da flor, encontramos também contração para, depois, ao desabrochar, a flor se abrir em expansão. Assim, há três momentos de contração no crescimento da planta: na semente, no nó e no botão das flores. Tudo tem o seu tempo para acontecer. Na natureza exterior, esse tempo já é característica de cada espécie. Por exemplo, a pausa no crescimento das plantas acontece antes do florescimento. Não será, então, que a pausa é sempre necessária para uma nova qualidade nascer? No ser humano, o organismo corporal tem as pausas dadas pela natureza, porém, nossa alma necessita de pausas inseridas conscientemente. Quem vivencia o ritmo percebe que as coisas têm um tempo para acontecer e desenvolve confiança na vida. A criança precisa de ritmo para se firmar no mundo com saúde. Cada amanhecer é como se ela crescesse para a atividade, assim como o sol sobe do horizonte ao zênite até o meio dia. E assim como a partir do meio-dia o sol vai descendo do zênite ao horizonte, até o entardecer, a criança vai decrescendo para a atividade. O mais importante é como aproveitamos esse impulso que a criança traz no amanhecer de crescer para a atividade. Esse fato

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o indica, por exemplo, porque é mais propício o período da manhã para as crianças pequenas se ativarem e a importância de vivenciarem/brincarem com os elementos da natureza.

Amanhecer, o mais antigo sinal de vida sobre a Terra. Amanhecer, ainda o mais novo sinal de vida sobre a Terra. Amanhecer e vida humana se entrelaçam na mesma Luz. Carlos Drumond de Andrade

Desde tempos remotos, a humanidade se vincula ao percurso do tempo. Na Antiga Grécia, pela primeira vez, Heródoto tratou a história como uma fonte de conhecimento. Para os gregos, o tempo presente é formado por duas correntes: kronos, com característica de ordenação, que vem do passado; e kairós, que vem do desconhecido, do futuro para o presente. A humanidade tinha a vivência do tempo, mas até século XIII, não conhecia o relógio mecânico. Não existiriam dias e noites se não houvesse relação entre a Terra e o Cosmos. Os ritmos astronômicos eram e são utilizados até hoje pelos alquimistas contemporâneos quando realizam a tarefa de transformar substâncias brutas em essenciais; os ritmos do sol, da lua e das estrelas são observados quando se vai iniciar um trabalho em laboratório; assim como para determinar atividades agrícolas. Esse fato sempre foi intuído ou reverenciado, e fica evidente nos nomes

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dos dias da semana relacionados aos astros. Para o domingo, por exemplo, os ingleses utilizam a palavra “Sunday” (sun=sol, day=dia, dia do Sol), assim como em alemão, “Sonntag” (sonne=sol, tag=dia). A segunda-feira é relacionada à lua: “Monday” (moon=lua, day=dia: dia da Lua) em inglês; “lunes” em espanhol, “lundi” em francês e “lunedi” em italiano. Terça-feira é o dia de Marte, reverenciado nas palavras “martes” (espanhol) e “mardi” (francês). Na língua inglesa, “Saturday” – sábado –, remete a Saturno. Se para a humanidade o relógio chegou apenas no século XIII, imagine a trajetória da criança até que ela possa se entender com esse objeto!

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A medição do tempo em horas não expressa a vivência de tempo para a criança pequena, ela não está sujeita às mesmas regras do adulto no tempo cronológico. O que determina a vivência de tempo para elas é o sol e a intensidade da luz nos diferentes períodos do dia. A criança quando brinca suspende o tempo! A criança verticaliza o tempo relacionando-o à expressão do que é divino para ela: o seu trabalho – que é brincar –, a surpresa e o milagre que vê em tudo. A criança vive em tudo pequenos milagres. De vez em quando, nós, adultos, conseguimos essa proeza, por exemplo, na relação com o outro, numa conversa bem especial, quando as duas pessoas são francas, quando um realmente ouve o outro, nós suspendemos o tempo! Depois de uma boa conversa, dizemos: “Eu não vi o tempo passar!” Outros momentos são aqueles em que podemos nos encantar com uma coisa tão simples, uma minúcia tão pequenininha, e aquilo nos preenche tanto, que pensamos que ficamos muito tempo diante do fenômeno. Quantas coisas simples podem nos encantar! Entretanto, no dia a dia, o adulto estabelece uma relação horizontal com o tempo, e por meio dela distribui as atividades a serem desenvolvidas. Quando o desenvolvimento das ações se dá de forma rígida, preestabelecida e mecânica, acontece a rotina.

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Ritmo e rotina têm em comum a repetição, que é imprescindível para a formação de hábitos. Entretanto o ritmo no âmbito pedagógico não é só a repetição ou sequência de atividades, é vivência do tempo – passado, presente e futuro – e por meio dele a criança percebe que a vida pulsa. São características do ritmo: a respiração com alternância de polos, a relação entre as partes e a pausa. A semente da vida humana é a criança e vale refletir como estamos preparando esse lugar para que essa semente possa germinar.

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O Ambiente para a criança se ativar Na escola há tempo, silêncio e espaço; tempo para todo desenvolvimento, silêncio para toda voz, espaço para a vida inteira e todos os seus valores e coisas Rainer Maria Rilke


O ambiente intrauterino, o primeiro que o ser humano vivencia em sua chegada à Terra é um espaço limitado porém flexível, pois se alarga conforme o crescimento do feto. O útero é escuro e protegido, é caloroso, com temperatura constante. Essa mesma constância ocorre com a nutrição do ser em formação. Ainda não se estabelece a relação com o ar por meio da respiração. Ao nascer, o primeiro ato drástico é a inspiração do ar, que resulta na primeira expressão sonora da criança – o grito ou ruído emitido por ela –, indicadora de que a criança está viva, por isso, tanto nos alegramos com essa expressão. Deste momento em diante, o ambiente apresentará sempre variações de calor, de luz e umidade. A amamentação é o ato regulador para a criança recém nascida, oferecendo ritmo aos processos vivenciados por ela a partir do nascimento, como fome e saciedade, desconforto e conforto, atividade e descanso. Além de nutrir, a amamentação resulta na edificação do vínculo primordial entre seres humanos, que é a relação entre mãe e filho; assim, desde a primeira mamada, a primeira refeição, se estabelece a base para a experiência social: nós precisamos uns dos outros e existimos uns para os outros. A amamentação é a imagem natural do dar e receber.

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Do período do desmame em diante, os vínculos entre seres humanos – e esse vínculo básico entre mãe e filho não foge a essa condição – são levados adiante pela voz humana, não apenas por meio da veracidade do que é dito, mas também e na mesma intensidade, pela tonalidade da voz. Lembrando que a voz humana, a partir dos últimos meses de gravidez e ao longo de todo o período de amamentação, acompanha o ser humano em seu desenvolvimento, porém, dentre estes três aspectos que formam o ambiente inicial de desenvolvimento da criança, apenas a voz seguirá por todo o decurso da vida. A modulação da voz é um recurso poderoso e comunica à criança pequena muito mais do que o significado em si. As canções de ninar, por exemplo, estabelecem a relação com o sono a partir da voz e poderá ser o recurso para a intensificação do vínculo e a passagem para o sono com confiança. Um educador consegue ser ouvido na medida em que se ocupe com a modulação de sua voz; dessa forma, as crianças acolhem o que ele expressa. Chamar a criança cantando ou cantarolando costuma ter resultados eficientes. Não é necessário explicar, mas, sim, modular a voz com sinceridade. Da mesma forma que usamos com destreza o andar tornando-o às vezes lento, às vezes rápido, podemos usar o recurso da voz falando alto ou baixo, firme ou arrastado, cantado ou aos pulinhos. Para falar, movemos o ar; mas para ouvir, é preciso haver silêncio, dentro e fora de nós. Se estivermos dentro de nós ao falar, a voz sai de uma maneira bem diferente de quando, ao falar, estamos fora de nós.

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A natureza humana provê estas três características que formam o ambiente necessário a que Rilke se refere, ao mencionar a escola, na citação acima. Estes três aspectos citados pelo poeta também são indispensáveis para a realização de toda a atividade humana: o espaço, o tempo e as relações humanas. Todo adulto pode tanto gerar as condições necessárias, quanto sobrepor-se às condições adversas. Contudo, na infância, é o educador quem se responsabiliza por gerar o ambiente propício para a criança se ativar. A atividade da criança é o que resultará na conquista de tudo o que humaniza o ser humano, inclusive, na capacidade individual de decisão. A criança finaliza as suas conquistas na primeira infância decidindo do quê vai brincar e de qual jeito, assim, ela coloca objetivo em sua atividade. As brincadeiras dirigidas não permitem que a criança se ative por si e seja autônoma. Quando as atividades são sempre dirigidas, elas deixam de ter ritmo e se transformam em rotina, porque a criança está sempre sendo dirigida de fora, nunca a partir dela mesma.

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Elementos da Natureza “As forças mais profundas que vivem no íntimo da criança só pode ser tocadas e avivadas pelo brinquedo mais sadio do mundo. O brinquedo chamado NATUREZA” Rudolf Kishnick


Em debate realizado pelo Território do Brincar e pelo Instituto Alana, em abril de 2017, o pesquisador comentou questões que permeiam a relação da criança com a natureza, ressaltando que este ponto ainda é um desafio para a educação. Neste bate-papo da série “Diálogos do Brincar”, com o tema “Criança e Natureza”, Gandhy explicou que natureza é muito mais que mar, céu, pedra, água, árvore ou verde – ou seja, é maior que o significado científico e concreto. Segundo o artista, ela está também relacionada à força criadora do ser humano e sua interioridade. Na conversa, Gandhy associou a natureza com o campo da ética, da saúde psíquica e o campo simbólico – sendo este último, segundo o pesquisador, o que está relacionado à imaginação e ao sonho, vínculo entre a criança e a natureza. “Quando a imaginação da criança encontra a natureza, ela se potencializa e se torna imaginação criadora. A natureza tem a força necessária para despertar um campo simbólico criador na criança”, explicou. No debate, Gandhy ressaltou a importância do contato da criança com ambientes de riqueza biológica e vida natural. Porém, disse que brinquedos da natureza podem ser levados para qualquer espaço, independentemente de suas condições e do tamanho físico. Por exemplo, uma casinha feita de folhas, bambu, restos de madeira ou retalhos de tecidos pode se transformar em um canto criativo de brincadeiras em qualquer ocasião ou local.

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No debate, Gandhy ressaltou a importância do contato da criança com ambientes de riqueza biológica e vida natural. Porém, disse que brinquedos da natureza podem ser levados para qualquer espaço, independentemente de suas condições e do tamanho físico. Por exemplo, uma casinha feita de folhas, bambu, restos de madeira ou retalhos de tecidos pode se transformar em um canto criativo de brincadeiras em qualquer ocasião ou local. Durante toda a infância as crianças entram em contato com os quatro elementos no brincar. Mas, afinal, quais são os brinquedos de cada elemento da natureza? Confira abaixo uma breve explicação, de acordo com o estudo de Gandhy Piorki, e comece também a identificá-los nas brincadeiras das crianças.

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Elemento Terra


Ana Lúcia Machado em sua apresentação do Ebook do Educando Tudo Muda, ela traz o elemento terra como gravidade, entranhamento, enraizamento, consistência, solidez e dureza. Para Gandhy, os brinquedos da terra são aqueles do universo da casa, da família, os que imitam a vida cultural, os que têm contato com a matéria e os de pés no chão, os que sugerem um enraizamento social. Brincar de se aterrar na areia, de moldar objetos com barro e de investigar o que se tem dentro das coisas – como a anatomia de animais –, por exemplo, são brinquedos da terra. Brincar de casinha, fazendinha, cozinha, montaria, carros de boi, lutas de espadas, são todos pertencentes ao elemento terra por sua dimensão cultural e por fazerem com que as crianças criem novas formas de cultura através de sua imaginação. As brincadeiras da casinha ou de fazer comida, por exemplo, se remetem à nutrição, ao servir, à partilha, ao cuidar de bonecas (crianças), ao carinho pela família.

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Elemento Ă gua


Os brinquedos da água estimulam o olhar da natureza, bem como a simetria e o equilíbrio. O melhor exemplo destes brinquedos são de coisas que flutuam, como barquinhos feitos com os mais variados materiais – sempre montados para não virarem com o movimento da água e não se afundarem nela, através da citada visão de simetria e equilíbrio. Brincar de pescaria também entra nesta categoria. Os brinquedos da água são os da fluidez, da leveza, os que superam obstáculos, comenta Gandhy. As brincadeiras com água representam entrega, limpeza, o relaxamento do corpo rígido que precisa se entregar, fluir, conforme cita Ana Lúcia Machado.

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Elementos Ar


Os brinquedos do ar são aqueles que ampliam a visão e os sentidos, que trazem a contemplação, que remetem a uma ideia de leveza e que sugerem um deslocamento social. As pernas de pau entram nesta categoria, pois a criança, ao usar o brinquedo, amplia sua visão do mundo, o enxerga sob outra ótica. Petecas, pipas, aviãozinho e todos os brinquedos que dependem de aerodinâmica, também são do ar. Brincadeiras com penas – que observam ou imitam pássaros –, com asas, ou até pulos expansivos também são considerados brinquedos deste elemento da natureza. Ar é movimento, leveza, expansão, quando a criança brinca com o ar, o corpo e a alma se ampliam, e a imaginação é ativada.

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Elementos Fogo


Os brinquedos do fogo são os que sugerem explosão corporal, adrenalina. Um exemplo é a brincadeira de pular corda, que usa muitas expressões como “queimou” ou “foguinho”. Brincadeiras de sombra ou de fazer cinema, com lanternas ou velas, também são do elemento fogo. Os brinquedos deste elemento sugerem uma certa transgressão, como por exemplo, pegar fósforos escondido. As crianças que brincam com fogo desafiam ordens e medos, além de provocarem superações. Brincar de fazer comida com fogo imaginário, também é um exemplo de brincadeira deste elemento. Fogo é mobilidade, dinamismo, renovação. Ele aquece, acolhe, ilumina, provocando intimidade e a aproximação das pessoas.

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Ritmo no espaรงo: o dentro, o fora


Por meio da disposição de objetos podemos criar um ritmo no espaço. Cada coisa tem seu devido lugar. Quando os brinquedos afins estão agrupados – a cocheira, onde todos os cavalinhos de pau estão juntos; no outro canto aconchegante da sala, o quarto das bonecas, etc – é possível gerar um espaço acolhedor. Aglomerados desordenados de objetos não proporcionam ritmo, já os nichos vazios serenam o ambiente, são como pausas no ritmo do espaço. As cabanas, por exemplo, podem ser feitas de vários materiais – lonas, tecidos e até de esteiras, sendo que estas últimas podem ser presas à parede e enroladas –, recriando espaços vazios na medida da necessidade. O espaço precisa propiciar ambientes onde a criança possa se recolher e vivenciar seu interior. O excesso de objetos e brinquedos é prejudicial ao ritmo no espaço, torna difícil a organização e muitos brinquedos ficam sem lugar, esparramados. Cestas e caixas resistentes são importantes na organização da sala; tudo está contido em seu devido lugar. O espaço pode proporcionar a vivência do limite, tão necessária para a criança. Se tudo está contido adequadamente, se cada coisa tem o seu lugar, a criança sente: eu também tenho o meu lugar! E se contenta! Assim, as crianças se tornam seres mais sociáveis.

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Elas podem brincar fora da sala, ao ar livre, e também dentro da sala. É preciso atentar para o fato de que expansão demais pode causar medo devido à falta de limite adequado; e contração demais pode fazer a criança sentir certa pressão. Tanto os espaços restritos demais quanto os amplos demais são nocivos Cabe ao educador estabelecer limites para a criança. Esses limites podem ser físicos – estabelecendo até onde a criança pode brincar, por exemplo –, e temporais, como quando se estabelece a duração de uma atividade. Sem limites a criança se sente perdida, insegura. O educador que estabeleceu vínculos saudáveis com a criança é alguém em quem ela confia. Com sua presença e por meio de seus gestos o educador coloca os limites. Nos momentos em que falta o limite, a firmeza e a delicadeza nos gestos são decisivas.

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Os objetos e utensílios utilizados dentro e fora da sala também caracterizam esses dois espaços, inclusive, a vestimenta e o calçado usados fora podem ser diferentes daqueles usados dentro. Ao brincar, o mesmo utensílio usado para guardar, como as caixas, pode ser empilhado para construir pontes, torres, casas. Ao empilhar objetos, a criança vivencia a verticalidade, seu primeiro desafio no espaço em direção à humanização de seu corpo, que ela incessantemente busca conquistar; por isso, ela os empilha e os derruba, várias vezes. Os tecidos e tapetes aquecem o ambiente e proporcionam que a criança se envolva e se abrigue neles, impedindo a sensação incômoda do ambiente frio. O espaço organizado, sem excessos e limpo, torna-se referência para as crianças. Os espaços de dentro das edificações nos remetem ao nosso interior, nos leva à intimidade; e os de fora nos convidam à abertura para o mundo, à admiração.

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Ritmo no tempo: rĂĄpido e lento. O tempo corre veloz e a vida escapa das mĂŁos. Mas pode escapar como areia ou como semente! Thomas Merton


O amanhecer é o doador de tempo. O movimento do sol e a consequente formação do dia e da noite transmitem confiança à criança. Não há um dia que não amanheça. O sol é constante, ele promove constância na alternância entre luz e escuridão, entre o claro e o escuro; portanto, a criança vivencia essa alternância por meio da intensidade da luz, não pelo relógio. As atividades de higiene, alimentação e sono são regidas pelo sol. Quando há lentidão e calma, as partes se alternam em um fluxo orgânico. Quando o tempo é usado assim não acontece desgaste. O educador pode ficar sem relógio e ele próprio orientar-se pelo sol, e conceber, assim, o tempo necessário para uma atividade. Tempo de menos corta a atividade, deixando-a incompleta; tempo demais de atividade pode agitar e excitar a criança. Diferentemente do uso do tempo todo cortado em pequenos horários, tempos prolongados facilitam a transição saudável entre as atividades, sendo que essa transição merece todo o cuidado do educador. Quanto tempo o educador fica fora da sala e quanto tempo fica dentro também determina ritmos. Por exemplo, o tempo que o educador fica com as crianças no parque, quintal, praça ou jardim.

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Qualquer gesto rápido assusta a criança, mas fazer tudo de forma muito lenta pode entediar e desviar a atenção do objetivo da atividade. Gestos feitos com calma e repetidamente criam rituais, que têm a qualidade de marcar o momento e estabelecer onde ele se inicia e onde ele termina. Se pela manhã o educador sempre canta para o sol, esse ato se torna um ritual. Se o educador agradece todos os dias à terra os alimentos oferecidos, no momento da refeição, isto também se torna um ritual que marca o início da refeição. Por meio de singelos rituais, podemos marcar início e fim de todas as ações pedagógicas, gerando ritmos. Ao buscar o ritmo, cria-se uma rotina pontuada por rituais, que podem marcar de maneira singela e lúdica a transição de atividades. Repetidas, essas atividades formam os hábitos, tarefa fundamental do educador na primeira infância. Esse recurso do ritual pode, por exemplo, auxiliar as crianças com dificuldade de adormecer. Sabemos que os fatores responsáveis pelos distúrbios do sono são o excesso de luz e som. O educador, então, no momento do sono, fecha a janela, puxa a cortina, cobre a criança; e sempre do mesmo jeito, todos os dias. Enquanto a luz e o som – relacionados aos sentidos da visão e audição – excitam a criança, o tato pode ser usado como o sentido que prepara para o sono. A massagem nos pés leva a criança a relaxar e a dormir profundamente.

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Se observarmos o processo de desenvolvimento dos seres humanos, perceberemos que cada coisa acontece em seu tempo. E acontece uma coisa de cada vez. Na nossa vida cotidiana, tendemos a encavalar ações e fazer várias coisas ao mesmo tempo e isto desgasta e estressa. A pressa é adversária da vitalidade. As coisas feitas com pressa saem imperfeitas, causam cansaço, alienação, são executadas com superficialidade. Com a pressa na execução de um trabalho pode-se até perder a meta. A pressa faz com que as coisas amadureçam precocemente. O fruto amadurecido “a pulso” não permite que a semente esteja plena de nutrientes e possivelmente esta semente não dará bons frutos. O que se colhe antes da hora pode murchar sem amadurecer e até apodrecer, e assim, comprometemos a possibilidade de futuro. O tempo vivo é aquele que alterna polos e desta forma temos momentos de pausa e de atividade. Existem três grandes alternâncias: a respiração – o ar entra e sai do ser humano constantemente –; a vigília no dia, e o sono na noite; a vida e a morte. Também a urgência e a eternidade são polos, pois tanto uma quanto outra nos retiram do fluxo usual do tempo.

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Ritmo na relação entre educador e criança: proximidade e distanciamento O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí

afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. João Guimarães Rosa


Como já foi mencionado, o ser humano tem a necessidade inadiável de criar vínculos. A palavra brincar tem sua origem na palavra “vincar”. Vincar pode ser compreendido como formar vincos ou vínculos. Mas vínculo com o quê? Vínculo com o mundo, com o seu próprio corpo, com a comunidade cuidadora, com as crianças que brincam juntas, com a natureza e com tudo o que possa tornar-se brinquedo. Como já mencionamos, após o nascimento, o primeiro vínculo entre a criança e a mãe é a amamentação; antes disso, porém, a mãe já propiciou o primeiro espaço, que é o útero. A amamentação é o primeiro ato para o estabelecimento de uma vida rítmica. E, por fim, a voz humana perdurará por toda a vida como instrumento de estabelecimento e perpetuação de relações humanas. Os vínculos permeiam e sustentam as conquistas humanas que a criança realiza ao brincar, conquistas estas que ninguém pode realizar por elas. A autonomia da criança é fruto dessa ativação própria, que ela realiza ao brincar livremente. Entretanto, existem âmbitos nos quais é o educador quem faz as interferências necessárias para gerar bons hábitos. E como aponta o dito popular: “hábito é a segunda natureza do ser humano”.

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Assim, temos aqui uma pulsação importantíssima no processo educativo: o âmbito da autonomia da criança e o âmbito da responsabilidade do educador. As condições atuais invertem essa relação, ao inibir a atividade própria da criança e oferecer poder decisório nos momentos em que apenas o adulto tem condições de arbitrar. O educador interfere, sobretudo, nas atividades que envolvem alimentação, higiene e sono. Estas atividades têm seus momentos regidos pelo sol. A hora da alimentação é um grande momento de união e relacionamento; por meio dela, o ser humano desenvolve íntima relação com o ambiente. Nas instituições educacionais, é comum haver uma mesa grande e alguém zelando por ela; as crianças conversam e contam fatos que não contariam em outro lugar ou em outra ocasião. É um momento de socialização muito importante, quando todos aprendem a esperar e a compartilhar do mesmo alimento. O adulto que participa junto com as crianças desse momento é um modelo vivo que rege a base da vida social futura. O cuidado com o preparo dos alimentos leva a criança a vivenciar gestos plenos de sentido, como a modelagem da massa de pão, o manuseio dos ingredientes e a vivência – sobretudo tátil e olfativa – dos seus elementos, além do significativo gesto de servir à mesa. O momento das refeições é também especial para cultivar a gratidão para com a terra, o sol, por quem cultivou o alimento, quem o preparou. Assim, conforme a criança cresce ao assimilar o alimento, a gratidão pode crescer

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junto. A regularidade rítmica das refeições, responsabilidade do educador, atua no funcionamento do metabolismo e no exercício da ordenação necessária a todo crescimento. A filósofa e cientista política Hanna Arendt, uma das maiores pensadoras do século XX – nasceu em Hanover, na Alemanha, em 1906, e faleceu em Nova York, em 1975 –, e cujas obras são imprescindíveis para a compreensão dos dias atuais, afirma que a vida do ser humano não é possível num mundo em que não se testemunhe a presença de outros seres humanos. Desde o leite materno sugado no amanhecer da vida humana, em cada refeição vivenciamos o que disse essa cientista política: “Todas as atividades humanas estão condicionadas ao fato de o homem viver junto” . A primeira refeição do dia pode ser vivenciada em uma atmosfera luminosa. À mesa, com a família, a criança se nutre não apenas do que ingere, mas também da beleza e aconchego do local, por exemplo, uma grande mesa de refeição posta no jardim, ou o piquenique no parque. Degustar, apreciar, apropriar-se do alimento requer interiorizar o mundo em seu corpo, e este se fortalece para a atividade. O consumismo e a gula são irmãos gêmeos. Não é a quantidade de comida o que alimenta e é importante observar se não estamos oferecendo alimento em demasia para as crianças. Hoje em dia, cremos que só aquilo que pesa e que tem substância nutre, mas nós nos nutrimos também das atmosferas nas quais vivemos e, especialmente, a atmosfera no momento da refeição.

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As canções de ninar são indicadas para embalar o sono das crianças. Elas também gostam de ouvir histórias, sentadas ou deitadas no colchão. Da mesma forma que nutrimos o corpo com alimentos, podemos também nutrir a alma das crianças com histórias, preferencialmente os contos de fadas clássicos. A história contada no fim da tarde, ou antes do sono, convida à introspecção e ao aconchego. O ritmo é movimento que alterna polos, então deve-se considerar que em alguns momentos a criança está perto do adulto e, em outros, está longe, mas com a confiança de que estará, logo mais, bem pertinho. Assim é um relacionamento saudável e também é assim na vida da criança: quando nasce, separa-se de sua mãe e, na amamentação, junta-se a ela; na hora do sono, separa-se; nos cuidados de higiene junta-se a ela; quando a mãe deixa a criança se ativar, separa-se dela; no momento da refeição, junta-se. Assim, no cotidiano, existem momentos em que o adulto interage com a criança e momentos em que isso não é preciso, nem sequer necessário; existe um ritmo saudável a ser conquistado na interação. É importante discernir como o educador interfere no desenvolvimento da criança. Ele atua naquilo que implantará ritmo, mas existem momentos em que a criança precisa de autonomia para descobrir-se, exercitar-se e aperfeiçoar-se.

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Os hábitos de cuidados com o corpo, como a higiene e o vestir-se; os hábitos alimentares, e nesse âmbito é importante não só o quê a criança come, mas de que maneira se alimenta; e os hábitos do sono – sendo que este também nutre e se relaciona com o mistério da noite, geram confiança, intensificam a relação com o adulto e preparam a capacidade de, um dia, a criança tornar-se autônoma nestas situações. A repetição é a característica indispensável para a formação de hábitos. A relação com os ritmos cósmicos na formação dos hábitos é o que humaniza as necessidades corporais; estabelecer essa relação e a repetição são tarefas do adulto educador. Nessa relação entre a criança e o educador, estabelece-se o ritmo quando há alternância entre os momentos nos quais a criança exercita sua autonomia e aqueles nos quais há interferência do educador, por meio de uma atenção individual e intensificada. Para privilegiar a formação de vínculos seria muito bom que os mesmos educadores ficassem com as mesmas crianças durante vários anos. Os vínculos se aprofundam conforme o tempo que dedicamos a eles. Hoje em dia, é comum as relações serem facilmente descartáveis, pois não estamos acostumados a aprofundar os vínculos. O educador poderia ficar pelo menos três anos com as mesmas crianças. Para construir pontes largas de relacionamento, é importante que os adultos se relacionem verdadeiramente, inclusive entre eles e consigo mesmos, para serem o exemplo saudável na formação do vínculo para as crianças. O poeta Thiago de Mello escreveu acerca da edificação das relações humanas:

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Nenhuma ponte de amor se estende jamais em vão. Pois algo sempre perdura de tudo a que ela deu rumo: seja um resto de recado, um fragmento de canção, leve lembrança de alvura, ou seja apenas a sombra de uma ternura. Pois algo das pontes - feitas de infância e de amor - sempre perdura.

Thiago de Mello

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Em todo ato educativo, cabe a pergunta: o que precisamos preparar, transformar, cultivar em nós para nutrir a criança? Em tudo onde há vida, há alternância. O sol rege o ritmo mais vivenciado por nós: a alternância entre luz e escuridão, dia e noite. No seres humanos, o sol é o coração; o coração rege a nossa própria luz; cada coração humano é um sol luminoso. A figura de referência da infância, o adulto responsável, pode ser comparada ao sol, enquanto a criança é um brotinho que surge para a vida. Sendo o educador a figura de referência – cujo coração é o sol que rege o ritmo da criança – cabe a ele se perguntar: de que maneira eu trabalho o meu coração? Serei eu capaz de reger meus sentimentos, minha luz? O educador muitas vezes tem interesse espontâneo pelas crianças, mas existem aquelas que desafiam este interesse. Há crianças que incomodam o educador! Ao encontrá-las, várias emoções despertam nele. E quando, enfim, ele descobre qual a relação entre o que o incomoda naquela criança e o que ele tem dentro de si, então, percebe que aquilo que o incomoda está também bem dentro dele, algumas vezes encoberto. Existem tanto as crianças que nos incomodam como as que nos passam despercebidas, ignoradas. Estes relacionamentos podem permanecer obscuros, mas podem também ser cuidados; para isso, o educador busca atentar para a alternância entre a percepção do que está fora e do que está dentro dele.

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Podemos vivenciar esse processo da seguinte maneira: •

Perceber a criança;

Acolhê-la;

Direcionar o olhar e interessar-se verdadeiramente;

Perguntar-se: o que tem a ver comigo?

Esse processo tem pulsação: ora o educador percebe a criança, ora ele acolhe a criança; ora ele observa fora dele, ora observa dentro dele. O objetivo é o crescimento e o relacionamento saudável. O que emana, irradia através do coração é atividade solar. Pela natureza solar de nosso coração, nos percebemos e nos vivenciamos elevados à condição do humano universal.

A aurora nunca nos encontra onde o poente no deixou. Khalil Gibran Khalil

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Pensamento Ecológico “Tudo o que existe e vive deve ser cuidado para continuar a existir. A essência humana reside na capacidade de tomar este cuidado. Talvez seja este, o maior desafio da capacidade inventiva do ser humano, despertar a sensibilidade e a responsabilidade com os cuidados com a terra...”


Vilmar Sidnei Demamam Berna, conta que nasceu entre duas gerações bem diferentes: a geração de seus pais, que via a natureza como fonte inesgotável de todos os recursos e capacidade infinita de receber nossos restos, e a geração dos seus filhos, que busca desesperadamente por uma saída sustentável que evite o colapso ambiental já anunciado pelos cientistas, no caso de não sermos capazes de mudar nosso rumo. Contemporâneo desta época, em que se contabilizam os prejuízos sociais e ambientais como nunca antes ocorreu na história da humanidade.

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Nunca houve uma apropriação tão grande dos recursos naturais em nome do progresso e do desenvolvimento humano. Para Berna, É um erro a maneira como a nossa espécie humana tem lidado com o planeta, é um erro achar que somos os donos da Natureza e podemos fazer com ela o que quisermos. Hamawt’a afirmou “o dia em que vocês envenenarem o último animal... quando não existirem nem flores, nem pássaros, se darão conta de que dinheiro não se come.” Segundo a Carta da Terra, “a escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida.” Definitivamente, este é um caminho sem voltas, pois a tendência é de aumentar a cada dia a consciência ambiental na sociedade. Resta saber se o Planeta conseguirá sustentar a vida humana pelo tempo necessário até que todas as mudanças que estão em curso consigam produzir seus efeitos. Mas a crise nos faz crescer e pode nos fazer encontrar os novos caminhos!

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Caminhos

“Os trabalhos com a terra e a natureza ensinam e desenvolvem de forma

direta e indireta, a determinação, método, pensamento sistêmico, a percepção do próprio corpo, uma percepção e organização do espaço e do tempo. Ao longo dos trabalhos cresce uma apreciação pela beleza e a importância do poder do grupo nos processos de transformação do espaço.” Peter Webb – Permacultor


Horta Escolar

A horta na unidade educativa tem por objetivo estimular as práticas de educação pela e na natureza por meio do cultivo nos quintais das escolas de modo geral. Incentivar e instrumentalizar professores, gestores, funcionários e familiares a fazerem parte dessas ações que vêm representando grandes mudanças e melhorias na qualidade dos ambientes escolares, na alimentação dos alunos, na ampliação da consciência ambiental e na educação para a promoção de um modo de vida sustentável.

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Guia Prático por

Amanda Frug e Bruno Helvécio


Os autores Amanda Frug e Bruno Helvécio no livro Horta Escolar: Uma sala de aula ao ar livre, trazem as técnicas mais importantes que foram aplicadas nas escolas estudadas e algumas dicas para começar uma horta com as crianças. Para os autores é importante que as crianças acompanhem o planejamento, preparação e execução dos canteiros e outras intervenções do princípio ao fim, para perceberem de onde veio todos os elementos que darão vida às plantas que irão crescer ali e assim tomar conhecimento de todo o ciclo para a produção dos alimentos e da transformação do espaço. Para isso é indispensável garantir á segurança das crianças, os autores recomendam planejar bem a atividade com flexibilidade, considerando a idade dos educandos e para assumir medidas de segurança e o passo a passo das atividades, além de garantir que em média dois ou três adultos os acompanhem. Outras medidas são marcar o dia da atividade com antecedência, pedir para que venham calçadas com botas e chapéu de sol – além de serem itens de segurança, colaboram e muito no envolvimento das crianças na prática – estabelecer os acordos e apresentar o que vai ser feito antes de sair para a atividade são elementos importantes para garantir uma boa prática.

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Manuseando ferramentas Os autores Amanda Frug e Bruno Helvécio salientam que é muito importante que as crianças entrem em contato com as ferramentas de um modo seguro, afinal, espera-se que elas cresçam capazes de produzirem seus próprios alimentos ou pelo menos conhecendo bem de onde eles vêm e valorizando todo o trabalho envolvido. A escola precisa ter um kit de ferramentas. As que forem de corte (facão, foice, tesourão e tesoura de poda) as crianças não devem usar, mas podem observar outro adulto usando e podem tocar na sua mão para conhecerem, só depende do bom planejamento da atividade para que isso aconteça na calma e não na euforia. Quanto menor a ferramenta, mais apropriada para o uso pelos educandos. Pazinhas e enxadinhas são ótimas. Porém o uso da ferramenta precisa estar vinculado a um objetivo, uma finalidade, um porque, não pode ser usar por usar.

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Escolha do local Considerando as necessidades das plantas e dos recursos, Amanda Frug e Bruno Helvécio recomendam a que lugar da horta precisa receber a luz solar em pelo menos metade do dia, uma vez que os outros recursos, terra e água, podem ser mais facilmente manipulados. Para garantir a irrigação é necessário haver uma torneira no local, se não tiver, precisa achar o ponto de água mais perto e pedir a um encanador ou quem saiba fazer bem esse serviço. Caso contrário haverá problema para levar água até a horta de balde ou regador. É necessário facilitar ao máximo, para que a atividade seja a mais prazerosa e convidativa possível e para que as crianças possam fazer o máximo de coisas sozinhas, assumindo responsabilidades, criando autonomia, guiadas pelo amor que sentem pela natureza.

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O desenho do espaço é muito importante. O objetivo é trabalhar com as crianças e compor um espaço para elas, então o desenho precisa favorecer isso. Itens importantes a serem considerados são: Caminhos: permitirão a circulação das turmas. Tamanho e localização dos canteiros: precisam ser de fácil acesso e de modo que as crian-ças possam circular em volta deles. Usar o tamanho do braço das crianças é uma ótima dica, pois evita que algumas plantas fiquem mais longe do que o braço alcança, dificultando os cuidados e a colheita. Roda: é sempre bom incluir nesse espaço ou o mais próximo possível dele, um cantinho para sentar em roda, o que favorece as conversas e trocas de experiências. De preferência em uma sombra, embaixo de uma árvore ou caramanchão. Este espaço pode ser composto usando bancos, flores e outros elementos para deixar o ambiente bem aconchegante.

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Planejamento Na fase de planejamento, Amanda Frug e Bruno Helvécio recomendam que crianças a partir de oito anos podem ser convidadas a elaborar propostas de desenhos para o espaço. Atividades interessantes para isso e que podem ser muito bem aproveitadas nas aulas de ciências, geografia, artes ou outras são: • Observar o caminho que o sol percorre todos os dias e por onde a luz solar incide no quintal da escola, quanto tempo fica aproximadamente em cada parte do quintal. • Localizar também os espaços de sombra, que recebem pouco ou nada de sol ao longo do dia. •Descobrir onde estão os pontos cardeais, partindo do nascer e pôr do sol. • Localizar os pontos e fluxos de água – torneiras e caminhos por onde ela passa nas chuvas, onde empoça, onde vira cachoeira, etc. Esses problemas de excesso de água poderão ser solucionados com plantas e drenagens simples feitas no terreno. • Localizar construções e outros elementos do espaço – brinquedos, lixeiras, etc. • Observar os lugares preferidos para as brincadeiras – não vai adiantar querer fazer a horta onde a turma joga futebol por exemplo.

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• Observar os caminhos por onde as pessoas circulam – também não adianta fazer canteiros bem nas passagens, mas pode-se embelezar as margens dos caminhos com flores, deixando-os bem mais convidativos. • Localizar os espaços com e sem chão de terra. A partir do que já existe e está ali representado, ficará claro quais são os lugares mais indicados para plantar: onde pode-se ter água, sol e terra e não vai atrapalhar nenhuma brincadeira preferida. Com imaginação e alguns lápis de cor, as crianças podem criar diversas formas de canteiros e acessos, com muita criatividade. Podem colocar ali também seus sonhos e vontades. Depois esse desenho pode ser transformado em um plano de ação, com cronogramas de ações para se chegar ao que foi proposto. Com imaginação e alguns lápis de cor, as crianças podem criar diversas formas de canteiros e acessos, com muita criatividade. Podem colocar ali também seus sonhos e vontades. Depois esse desenho pode ser transformado em um plano de ação, com cronogramas de ações para se chegar ao que foi proposto. Os maiores geralmente gostam de cuidar dos menores, assim, pode ser muito benéfico promover que os grandes façam um projeto do espaço e da horta, pensando também no acesso e divertimento dos pequenos.

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A terra Amanda Frug e Bruno Helvécio alertam que a terra dos quintais das escolas costuma ser muito compactada chegando a ser tão dura quanto um concreto. Bem avermelhada, com muita argila, porém pobre em nutrientes, precisa ser melhorada para que se torne fértil. Não é necessário comprar terra, pode ser usada terra da escola e misturá-la com outros elementos para torná-la boa para as plantas. Raspar a terra vermelha da superfície não exige tanto esforço, é bem mais fácil do que cavar buracos, e pode oferecer uma boa quantidade de terra. A terra boa para as plantas é uma terra rica em matéria orgânica e por isso tem coloração mais escura, a famosa “terra preta”. Nela a argila também está presente, porém em uma proporção menor. É possível conseguir transformar a terra vermelha da escola em uma boa terra com algumas misturas. Composto (da composteira), húmus (do minhocário) e esterco de vaca, são excelentes opções.

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Compostagem e Composto Uma prática que precisa vir junto com a horta ou até mesmo antes dela é a compostagem segundo Amanda Frug e Bruno Helvécio. Os resíduos da cozinha ou do lanche que as crianças trazem de casa, os restos de alimentos crus (frutas, cascas, pó de café...) são de extrema qualidade e importância para criar um adubo natural que é um dos grandes tesouros para a horta, o composto. Pode ser feita de diversas formas: •

Direto no chão – pilha de composto

Se a escola tem uma boa área disponível, com chão de terra, vale a pena começar esco-lhendo um canto para a composteira. Não precisa ser muito grande a princípio, mais ou me¬nos um metro quadrado é um bom começo. Pode ser necessário prever mais espaço se a composteira tiver que crescer depois. Ela precisa de sol, não muito, o suficiente para não ficar muito úmida. Além dos

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resíduos orgânicos da cozinha, vai precisar também de material orgânico seco, fonte de carbono. Os melhores são grama seca e capim seco, de preferência bem picado, mas pode ser utilizado também folhas secas, serragem, galhos e até papel e papelão, mas sem exagero. O segredo é promover um equilíbrio entre molhado e seco, nitrogênio e carbono. O molhado que tem muito nitrogênio é o que vem da cozinha e o seco são as folhas e pa¬lhas, muito ricas em carbono. Para cada medida que for colocada de “molhado”, acrescente a mesma medida de “seco”. Portanto, antes de começar a composteira, é preciso ter bem claro a fonte de matéria orgânica seca, que pode ser de dentro da própria escola. Em alguns casos, pode trazer de podas nas praças e terrenos baldios por perto, para trazer a grama e o capim cortado para a escola, deixar secar no sol e depois ir direto para a composteira. Vá intercalando as camadas de “seco” e “molhado” e escolha um dia da semana para re-mexer tudo, misturando e sentindo o “ponto”, pois é, quem nem ponto de massa de bolo ou de pão, a composteira também tem seu ponto e isso só se aprende fazendo. Aos poucos todo mundo acaba aprendendo a perceber se ela está pronta ou não. Não pode estar muito mo-lhada e nem com cheiro ruim, porque aí vai atrair os bicho. Ela precisa estar seca por fora, um tanto úmida e quente por dentro.

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Quente porque a matéria ali está em decomposição porém, para tudo dar certo, precisa ter ar, precisa entrar oxigênio, pois necessitamos dos decompositores aeróbicos, por isso é que pre¬cisa misturar tudo, revolver, uma vez por semana mais ou menos, para entrar oxigênio, que também não vai deixar ficar cheiro ruim, que é típico da decomposição anaeróbica. Assim, esse rico sistema, vai transformando tudo aquilo em um rico composto, uma terra escura, e úmida. Uma estratégia muito boa para ajudar a promover a oxigenação do sistema é inserir ga-lhos, troncos e bambus na composteira.

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Minhocário É outro exemplo muito eficiente de composteira, nesse caso, a decomposição é realizada pela minhoca, que se alimenta dos resíduos orgânicos e os transforma em húmus, um dos melhores adubos ecológicos que existe. O minhocário pode ser feito em caixas de plástico ou baldes. É possível montar um edifício de minhocas empilhando os andares e fazendo buraquinhos nos fundos deles, para as minhocas poderem transitar. Den¬tro das caixas, é feita a mesma pilha que na composteira de chão, para cada tanto de matéria úmida (restos da cozinha = nitrogênio), o mesmo tanto de material seco (grama, palha = carbono). As minhocas usadas são as minhocas vermelhas da Califórnia, Eisenia foetida. As minhocas não gostam de luz e nem de muito calor, por isso, o minhocário precisa sempre estar na sombra, em ambiente fresco. A primeira caixa, no fundo, forre com um pouco de palha seca e algumas minhocas. É preciso que acrescente a matéria úmida e seca intercaladamente até encher a caixa e passe a encher a segunda caixa. Quando esta estiver cheia, é necessário observar o húmus, para verificar se já está pronto, nesse caso, o volume

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da matéria terá diminuído a dois terços ou metade do volume inicial (caixa cheia), terá cor preta e tempe¬ratura baixa. Esses são os indicadores de que o húmus está pronto. Uma vez que húmus estiver pronto, é preciso retira-lo da caixa, e deixar as minhocas na caixa para dar sequencia ao próximo processo. O número de minhocas é inversamente proporcional ao tempo gasto pelas mesmas realizar o processo, deste modo quanto maior o número de minhocas, menor o tempo. O humos pode ser armazenado em um saco plástico resistente, para tal é preciso retirar todas as minhocas. O andar “térreo” desse edifício de minhocas é o coletor de chorume, um líquido bemescuro, resultado da decomposição e um biofertilizante folhear muito forte, por isso precisa ser diluído. Uma boa diluição é uma parte de chorume para dez de água, essa solução pode ser usada para regar a horta a cada quinze dias, aproximadamente.

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No campo das relações, Amanda Frug e Bruno Helvécio salientam que a introdução da composteira necessariamente inclui a participação das merendeiras, pois serão elas as primeiras a separar os resíduos que irão ser compostados. Geralmente isso gera um impacto muito positivo, aproxima mais os alunos e professoras das merendeiras e estas muitas vezes tem uma melhora na autoestima e disposição ao participarem com tamanha responsabilidade de um processo tão importante como a compostagem. As crianças podem se encarregar de levar os resíduos para a composteira todos os dias. Pode haver um rodízio entre as turmas. A partir de uns sete anos, as crianças também podem se encarregar de revolver a pilha de composto toda semana e de separar húmus e minhocas quando for preciso. Assim, vão acompanhando a transformação dos resíduos orgânicos em composto. Nas florestas essa decomposição ocorre sobre o solo. Tudo que morre na floresta vira alimento para ela própria e assim o ciclo da vida sempre se fecha. Não existe lixo na natureza, pois tudo que não mais tem vida útil se transforma em alimento para gerar e nutrir novas vidas. Esse é o maior exemplo a ser seguido de sustentabilidade, uma vez que fecha os ciclos.

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É sabido que pelo menos 60% dos resíduos que vão para os aterros são orgânicos. No aterro nenhum ciclo se fecha, o problema é escondido embaixo da terra e longe dos olhos e assim é deixada a tragédia para as próximas gerações. A criação de uma horta dentro da escola vai muito além das plantas. Se torna motivo de conversa, diálogo, troca e participação de alunos, pais, educadores, funcionários e comunidades. Todos tornam-se agricultores, aprendem e ensinam juntos.

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Sobre o Instituto OMP O Instituto OMP investe na educação como caminho para a transformação social através do processo de autoeducação e autodesenvolvimento do educador, pois o consideramos como sujeito e com grande potencial multiplicador, tendo por objetivo que o educador seja um modelo a ser imitado e que as crianças sejam protagonistas da vida futura. Deste modo, atuamos através de programas e projetos de formação continuada que busca através de diferentes ações contribuir com a sociedade promovendo a consciência da importância dos primeiros anos de vida do ser humano para a construção da identidade do indivíduo.

como base o conhecimento das necessidades corporais, afetivas, expressivas, sociais e cognitivas das crianças com vistas a proporcionar o desenvolvimento saudável destas, promovendo transformações na prática do educador.

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