Texto de David Jaffe Cartum Dentro de mais ou menos um ano, o Brasil dará bye bye ao rio Xingu. Graças à construção da Hidrelétrica de Belo Monte, este inestimável patrimônio não será mais capaz de dar conta da função a que sempre foi atribuído: ser rio. Deixará de ser rio, passará a ser represa. Ele, que hoje carrega toda a sua biodiversidade e seus nutrientes por dentro da selva amazônica, será barrado. E com ele, serão barradas populações num raio de 500 km, que dependem do Xingu para sobreviverem. É do rio que vem o seu sustento, sua locomoção, seu lazer, seus modos. Os índios, como pude observar, nascem do ventre da mata, e vivem soltos na água desde então. As crianças nadam crau desde os quatro anos, e os bebês mergulham na água turva, que reserva pedras e outros perigos escondidos, com naturalidade. Tirar o rio dos índios é como tirar as ruas dos cidadãos: sem elas, não haveria mais direção a ser seguida e a cidade perderia então toda a sua organização. Como é costumeiro no Brasil, aquilo que se move e que move outros em seu percurso, é logo interrompido pelos poderosos do país. Com a justificativa de ser uma operação de “interesse nacional”, a construção de Belo Monte interpela qualquer empecilho e, ela sim, flui de forma corrente, sem barragens em seu caminho. Mas quem pode determinar o que é interessante para quem? Afinal, os índios também são parte da nação. Sendo assim, por que seus interesses não são levados em conta? De fato, há uma questão coletiva: o Brasil é maior que a Amazônia. Entretanto, essa afirmação não se sustenta. Pois quando se fala em interesse, se fala em dinheiro e, por aqui, o dinheiro não vem dos índios; vem de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte. Vem do Mato Grosso com seus latifúndios e do Nordeste com sua mão de obra barata. Vem do turismo, da monocultura, das megaempresas, do empreendedorismo, da má distribuição de renda. Vem da alienação e da educação fraca. Vem de muitos lugares, mas certamente não vem dos índios, que sempre foram vistos como um limitador do desenvolvimento. Pois se a Amazônia é tão rica, por que não explorá-la? Qual a importância de entrar no mérito desses, que sempre viveram ali, se há um país inteiro a ser construído, à custa dessa floresta? Pois digo agora e direi novamente, quantas vezes forem necessárias: nós, urbanos e ruralistas que supostamente sustentam o Brasil, precisamos muito mais dos índios e da mata do que eles precisam de nós. Vivemos na ilusão de que somos os grandes impulsionadores do país, mas a verdade é que, sem a floresta, não há Brasil; não há mundo. Enquanto seguirmos fazendo vista grossa para absurdos como a construção de Belo Monte, só estaremos nos aproximando mais e mais do eminente cataclismo natural e social que nos aguarda num futuro próximo. Outras quarenta hidrelétricas estão previstas para serem construídas na Amazônia. Se isso se concretizar, poderemos dar bye bye a nós mesmos.