DIÁLOGOS entre as culturas judaica e contemporânea
Diålogos entre Culturas Judaica e Contemporânea
Diålogos entre Culturas Judaica e Contemporânea
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Diálogo entre culturas judaica e contemporânea [livro eletrônico] / revisão Miriam Shuartz ; diagramação Michoel Regen. — S. Paulo : Instituto Cultural Interface, 2014. 21711 kb ; PDF Vários autores. ISBN: 978-85-68033-00-5 1. Cultura contemporânea 2. Cultura judaica 3. Judaísmo 4. Religião e cultura. 14-04234 CDD-296 Índices para catálogo sistemático: Cultura e Religião : Judaísmo 296
Diálogos entre culturas judaica e contemporânea © 2014 por Instituto Cultural Interface Autores: Yaco Alexander Kirzner Chirou Moishe Paim Joe Faintuch Iso Chaitz Scherkerkevitz Daniela Guertzenstein Ana Szpiczkowski Joseph Harari e Gina Szajnbok Harari Eduardo Zeiger Manu Marcus Hubner Yossef Zukin Enrique Mandelbaum Editores: Gina Szajnbok Harari Alexandre Matone Joseph Harari Moishe Paim Manu Marcus Hubner Revisão Miriam Shuartz Diagramação Michoel Regen © Direitos para a língua portuguesa adquiridos pelo Instituto Cultural Interface, que se reserva a propriedade desta tradução. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização prévia, por escrito, do Instituto Cultural Interface. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para interfacecultural@gmail.com.
Sumário
Apresentação .............................................................................................................................vii Sobre os Autores .........................................................................................................................ix Editorial ......................................................................................................................................xi Crises Financeiras em Elul Yaco Alexander Kirzner Chirou ..................................................................................................1 Casamento: Influência Judaica no Direito Brasileiro Dr. Joe Faintuch ...........................................................................................................................9 Autoridades Rabínicas Daniela Guertzenstein ..............................................................................................................21 Religião e Ciência Joseph Harari e Gina Szajnbok Harari .....................................................................................37 Personagens da Bíblia Hebraica que Aparecem em Registros Arqueológicos Manu Marcus Hubner ...............................................................................................................45 A Visão Racionalista da Bíblia: Maimônides e os Comentários da Mishná Enrique Mandelbaum ...............................................................................................................63 Visão Secular e Religiosa da Bíblia Hebraica, a Torá Moishe Paim ..............................................................................................................................75 O Direito de Religião no Brasil Dr. Iso Chaitz Scherkerkevitz ..................................................................................................105 Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade Ana Szpiczkowski ....................................................................................................................123 Seja uma Abelha, não uma Aranha Eduardo Zeiger ........................................................................................................................139 Verdade, Realidades Naturais e Virtual Yossef Zukin .............................................................................................................................143
Apresentação
Instituto Cultural Interface: diálogo entre culturas judaica e contemporânea O Instituto Cultural Interface é uma associação sem fins lucrativos de caráter sóciocultural, sem cunho político ou partidário, que objetiva criar uma interface com várias frentes de atuação entre as Culturas Contemporânea e Judaica. Finalidade Realizar estudos, pesquisas, cursos, aplicações práticas, publicações e eventos sobre as relações entre a cultura judaica e a cultura contemporânea. Missão Difundir o conhecimento multidisciplinar que fomente o diálogo da Cultura Judaica e suas filosofias com a Cultura Contemporânea, contribuindo para a elevação e compreensão dos objetivos do homem e da humanidade. Visão Ser um centro de estudos, pesquisa, projetos e atividades reconhecido pela excelência de seu trabalho em sua área de atuação. Valores O DIÁLOGO possibilita entendimento e aproximação entre pessoas. O homem, através de CONHECIMENTO, SABEDORIA e COMPREENSÃO, é o único ser capaz de melhorar a si mesmo e ao mundo. O ESTUDO leva ao aprimoramento do homem. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Sobre os Autores
Yaco Alexander Kirzner Chirou Professor de Finanças Quantitativas e Gestor de Investimentos Financeiros. Ministrou aulas na USP, FGV, INSPER, FAAP e outras. Trabalhou em diversas instituições financeiras internacionais, como Citibank e Banco de Santander, no Brasil, USA e Reino Unido. Autor do livro “A Crise da Marolinha” e de vários artigos que analisam o conhecimento talmúdico em economia e finanças desde a perspectiva do conhecimento atual. Joe Faintuch Advogado e gestor patrimonial. Daniela Guertzenstein PhD pelo programa de estudos judaicos e árabes do DLO/FFLCH/USP. MA em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Professora de Cursos de Ensino Superior pelo Min. Educação e Cultura de Israel. Gina Szajnbok Harari Graduada em Análise de Sistemas pela Faculdade de Tecnologia – FATEC-SP, Pós-Graduação em Gestão de Projetos pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP e Analista Sênior de Suporte aos Canais Eletrônicos do Banco Itaú-Unibanco S.A., desde 1990. Joseph Harari Graduado em Física, Mestre em Oceanografia Física, Doutor em Meteorologia e Professor Livre-Docente em Oceanografia Física, pela Universidade de São Paulo, e Docente no Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, desde 1981. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Sobre os Autores
Manu Marcus Hubner Engenheiro formado pela UFMG, mestre e doutorando em Letras pela USP. Enrique Mandelbaum Psicanalista, doutor em Letras pela USP, Orientador Educacional do Colégio Lubavitch. Autor do livro Franz Kafka: um judaísmo na ponte do impossível (SP: Perspectiva, 2003). Moishe Paim Engenheiro eletrônico e rabino. Iso Chaitz Scherkerkeitz Procurador do Estado de São Paulo, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, Mestre em Direito, Professor Universitário. Ana Szpiczkowski Pedagoga especializada em Orientação Educacional e Administração Escolar pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Castro Alves (1974), mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1984) e doutora em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (1996). Membro do Laboratório de Estudos da Intolerância - LEI da USP e do Instituto do Milênio, patrocinado pelo CNPq. Autora do livro: “Educação e Talmud: Uma releitura da Ética dos Pais”, 2a. ed. São Paulo: Humanitas, 2008. Eduardo Zeiger PhD em Genética e Professor Emérito no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade da Califórnia (UCLA) e CEO do Torah Science Foundation. YoSsef Zukin Engenheiro de Produção pela PUC-Rio, e Mestre em Desenho Industrial pela Domus Academy de Milão, além de ser ordenado rabino pela Ieshivá Pirchei Shoshanim de Bnei Brak - Israel. É Diretor de Operações do Grupo Bandeirantes (BAND) de Televisão, na sua Divisão de TV a Cabo, Internet Banda Larga, VoIP e Telecom, além de editor-chefe do Torah-m@il.
x Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Editorial
BS”D
O Instituto Cultural Interface foi for- uma interface entre as culturas judaica e mado com o objetivo de criar espaços contemporânea. para diálogos sobre a Cultura Judaica e Apesar de que floresce atualmente a Cultura Contemporânea, e pesquisas uma rica literatura científica em línem benefício da sogua portuguesa, ciedade. oriunda das mais Cientes da importância Cientes da imdiversas editodos avanços portância dos imras e instituitecnológicos dos últimos pressionantes avanções de ensino e ços tecnológicos dos pesquisa, como séculos para a vida últimos séculos para também um númoderna, um grupo a vida moderna, um mero crescente crescente de pessoas de publicações grupo crescente de com formação pessoas com formasobre temas juuniversitária e ção universitária e daicos, poucas conhecimentos de são as publicaconhecimentos de ções em língua cultura judaica sencultura judaica sentiu a tiu a necessidade de portuguesa que necessidade de prover prover, com uma unem estes dois uma interface entre as linguagem sintoniassuntos. Esta culturas judaica e zada com nosso tempublicação surpo, e, concomitange, então, para contemporânea. preencher uma temente, mantendo lacuna cultural o conteúdo original, Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
xi
Editorial
de grande relevância para todos aqueles que apreciam uma leitura simpática e agradável, e reúne autores de grande versatilidade e profundos conhecimentos em suas áreas de atuação. Os artigos desta primeira publicação já mostram uma linguagem comum entre a Cultura Judaica e a Científica – disseminada e incorporada nas nossas vidas. O Instituto Cultural Interface tem conexões com outras entidades internacionais de cunho semelhante. Nesta primeira publicação, o texto inicial é contribuição do Prof. Dr. Eduardo (Eliezer) Zeiger, que nos brindou com a palestra de inauguração do Instituto. Ele é Professor
Emérito no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade da Califórnia (UCLA), PhD em Genética, autor de mais de 100 artigos científicos, cujo livro “Plant Physiology” é referência em diversas universidades do mundo, incluindo a Universidade de São Paulo. Alem disto, ele é o CEO do Torah Science Foundation, um instituto com objetivos semelhantes aos nossos. Convidamos todos a participar com suas ideias e opiniões, a dialogar e propor novos enfoques e iniciativas, em benefício da difusão da cultura e do conhecimento, para tornarmos o nosso mundo um ICI lugar cada vez melhor.
xii Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Crises Financeiras em Elul Yaco Alexander Kirzner Chirou
N
o dia 5 de setembro de 1929, nos Os comentários foram igualmente igEstados Unidos, políticos, empre- norados, mas o professor começou a ficar sários e acadêmicos viviam eufóricos a famoso; naquele dia, a bolsa caiu 2,4%, frenética expansão econômica, política e inaugurando a despencada geral e intermilitar dos Estados Unidos. A Europa se minável da crise do ano de 1929. Aquele recuperava da guerra e das crises econô- dia era o inicio do mês de Elul. micas e hiperinflacionarias subsequentes Por causa desta e de outras grandes e, em Nova York, um discreto professor de quedas, existe um mito em Nova York de contabilidade preparaque Setembro é o mês va uma palestra sobre das grandes crises ecoUma crise a bolsa. nômicas, da volatilidaO professor Roger de, das grandes quebras econômica é Babson levava meses e calotes. Este mito é algo muito sério criticando a valorisustentado por abunzação dos preços das dante evidência históe preocupante ações. Sustentava que rica, que sugere uma em qualquer as ações estavam muirelação entre Setembro to acima do seu valor e as crises econômicas. época do ano. econômico e que uma Vamos testar esta reviolenta reversão era lação sobre a ótica do inevitável e iminente. Mas, como ninguém calendário judaico. levava a sério seus comentários, naquele O mês de Setembro normalmente cai dia resolveu ser mais agressivo e direto, e num período importante do calendário judisse: “Mais cedo ou mais tarde, o crash daico, que começa com o mês de Elul e ocuvirá, e poderá ser tremendo”. pa também quase todo o mês de Tishrei, o Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Crises Financeiras em Elul
mês seguinte. Este período dura 53 dias e contém as festas de Rosh Hashaná, Iom Kipur e Sucot - para simplificar, chamamos este período de PRIKS (Período Rosh Hashaná-Iom Kipur-Sucot). Dividindo os 365 dias do ano em períodos de 53 dias, teremos aproximadamente 7 períodos por ano. Dos últimos 100 anos, selecionamos os dias das 30 maiores quedas do índice Dow Jones da bolsa de Nova York – veja a lista abaixo. Contamos um total de 21 dias. Dividimos estes 21 dias entre os 7 períodos do ano e concluímos que, no período PRIKS, deveriam ter ocorrido 3 destes dias. Porem, na realidade, foram 10. Este resultado surpreende, porque significa que a probabilidade desta relação existir é de 99,91%. Ou seja, podemos disser que não é por acaso que as grandes crises acontecem no PRIKS, com uma margem de erro de apenas 0,003% (como não é fácil definir o que são “grandes crises econômicas, volatilidade, grandes quebras e calotes”, foram feitos vários testes, incluindo ou excluindo diferentes eventos, utilizando diferentes distribuições de probabilidade e diferentes
parâmetros. Os resultados mudam pouco e continuam expressivos. Apresentamos apenas o teste mais conservador. Porém, se formos mais lenientes na inclusão de eventos, existem outros testes nos quais a probabilidade passa de 99,95%, com margem de erro inferior a 0,000000001%). Qual é esta relação? Podemos arriscar uma resposta desde a filosofia e o calendário judaico. O mês de Elul é um período de preocupação, temor, autoavaliação e angústia, porque D’us nos julga no primeiro dia do mês seguinte, que é Rosh Hashaná, o começo do novo ano. Não é um simples julgamento de culpado ou inocente. D’us também julga, em primeiro lugar, se utilizamos bem o ano de vida que passou e os recursos que Ele nos deu – como saúde e sustento. Em segundo lugar, Ele determina quanto de recursos receberemos durante o ano que começa. Se não tivermos um julgamento bom, é possível que tenhamos um ano com problemas e escassez. Durante Elul devemos refletir, entender e reconhecer que erramos. Também, devemos assumir o compromisso de tentar melhorar durante o ano próximo, e
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Crises Financeiras em Elul
com este objetivo, estabelecer metas que porque D’us gosta de nós e quer nos perpossamos cumprir. Se o compromisso e doar. Inclusive, Ele falou várias vezes na as metas forem convincentes teremos um Torá, que neste dia ele vai nos perdoar bom julgamento e um ano “bom e doce”. (Lv 16:30; Nm 14:19-20). Quando chega Rosh Hashaná, D’us julEntão, como fomos perdoados, ficamos ga duas levas. A primeira é daqueles que felizes e começamos um período de alegria cumpriram o compromisso e as metas. que vai até o fim da festa de Sucot. Mas não Estes recebem mais um ano e a designação podemos esquecer que, atrás do perdão, dos recursos necessários para as novas houve um julgamento que fixou metas e metas. A segunda leva julgada é daqueles estabeleceu recursos para o ano próximo, que não recebem um ano mais. Temos e que pode não ter sido tão bom. Novamente D’us, que quer que tenhaaqui dois grupos. Um grupo é daqueles que já cumpriram sua missão no mundo, mos um julgamento bom e uma vida signie um ano mais de vida não vai agregar ficativa e feliz, nos dá outra oportunidade. nada, nem para eles nem para o mundo. A sentença só será promulgada no final de D’us os chamará de volta durante o ano. Sucot, e sua redação ainda pode ser alteO outro grupo é daqueles que já fizeram rada, o que proporciona mais 15 dias para dano suficiente e não há possibilidade que tentarmos melhorar o julgamento. Assim, mudem. Estes serão cortados do mundo a alegria não é tão completa e permanece durante o novo ano. um discreto ambiente de temor e dúvidas. Para os demais, que são chamados os Uma crise econômica é algo muito sério “do meio”, D’us adia o julgamento por 10 e preocupante em qualquer época do ano. dias, até Iom Kipur. Ele nos dá a oportu- Mas, para que a preocupação seja mais nidade de ter julgamento melhor. É um profunda e genuína, e ajude a produzir período angustiante, porque depois de anos melhores e mais doces, D’us manda ter percebido como, quando e por que as crises nos PRIKS. erramos, vamos passar 10 dias entristecidos e arrepenExiste um mito em Nova didos, pedindo um indulto que não sabemos se mereceYork que Setembro é o mês mos nem se será concedido. das grandes crises Chega Iom Kipur e D’us perdoa todo mundo, de econômicas, da uma vez, de maneira gevolatilidade, das grandes ral e irrestrita. Este súbito perdão, depois de tanta quebras e calotes. aflição e incerteza, acontece Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Crises Financeiras em Elul
Tabela – CRISES E GRANDES QUEDAS DAS AÇÕES NOS ÚLTIMOS 100 ANOS EVENTO
DATA
BOLSA
DATA HEBRAICA
Fora do PRIKS
30/7/1914
-6,91%
Fora do PRIKS
1/2/1917
-7,24%
Crash do ano 29
23/10/1929
-6,33%
19 Tishrei / Sucot
Crash do ano 29
28/10/1929
-12,82%
24 de Tishrei / 1o. Dia após Sucot
Crash do ano 29
29/10/1929
-11,73%
25 de Tishrei / 2o. Dia após Sucot
Crash do ano 29
6/11/1929
-9,92%
Crash do ano 29
11/11/1929
-6,82%
Fora do PRIKS
16/6/1930
-5,81%
Grande Depressão I
24/9/1931
-7,07%
13 de Tishrei
Grande Depressão I
5/10/1931
-6,78%
24 de Tishrei / 1o. Dia após Sucot
Fora do PRIKS
31/5/1932
-6,21%
Grande Depressão II
12/8/1932
-8,40%
Motzai T’sha ve Av
Grande Depressão II
5/10/1932
-7,15%
5 de Tishrei
Fora do PRIKS
25/2/1933
-5,40%
Fora do PRIKS
20/7/1933
-7,07%
Fora do PRIKS
21/7/1933
-7,84%
Fora do PRIKS
26/7/1934
-6,32%
Fora do PRIKS
18/10/1937
-7,20%
Fora do PRIKS
14/5/1940
-6,80%
Fora do PRIKS
21/5/1940
-6,78%
Presidente de USA sofre infarto.
26/9/1955
-6,54%
10 de Tishrei / Iom Kipur
“Black Monday I”
19/10/1987
-22,61%
24 de Tishrei / 1o. Dia após Sucot
“Black Monday II”
26/10/1987
-8,04%
Fora do PRIKS
8/1/1988
-6,85%
Mini Crash de 1989
13/10/1989
-6,91%
14 de Tishrei / Véspera de Sucot
Crise da Ásia Crise da Rússia, Hedge Funds - LTCM 11 de Setembro
27/10/1997
-7,18%
27 de Tishrei / 1o. Dia após Sucot
31/8/1998
-6,37%
9 de Elul
17/9/2001
-7,13%
23 de Elul
Falência Countrywide
16/8/2007
-0,12%
2 de Elul
Falência Northern Rock
14/9/2007
0,13%
2 de Tishrei / Rosh Hashaná
Falência Agencias F.Mae e F.Mac
4/9/2008
-3,00%
4 de Elul
Falências Lehman e AIG
15/9/2008
-4,40%
15 de Elul
Crise 2008
29/9/2008
-6,98%
29 de Elul / Rosh Hashaná
Crise 2008
9/10/2008
-7,33%
10 de Tishrei / Iom Kipur
Crise 2008
15/10/2008
-7,87%
16 de Tishrei / Sucot
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Crises Financeiras em Elul
Vários dias do mesmo episódio de crise foram contados como um único episódio. Por exemplo, da crise de 2008 foi contada como um único episódio, mesmo tendo três dias. As falências não foram contadas.
no dia 7 de setembro, correspondente a 6 de Elul, começou uma nova queda. Na véspera de Rosh Hashaná a perda chegou a 20%. No dia 5/10/1932, cinco dias antes de Iom Kipur, a bolsa perdeu 7,15%, e até Iom Kipur mais outros 20%.
CRONOLOGIA
Guerra na Ásia – 1937 A guerra na Ásia tinha começado alguns anos antes, e até então não tinha refletido no resto do mundo. Os Estados Unidos continuavam com a política de isolamento e a Europa estava muito ocupada com sua recuperação econômica e com o eixo Nazifascista. Nos primeiros dias de agosto de 1937, que era o inicio de Elul, o clima bélico começou a afetar a bolsa e causou a queda de 7,20% no dia 18/10/1937.
Crash do ano 1929. Durante 1929 a bolsa chegou a acumular alta de quase 30%. No dia 5/9/1929, correspondente a 1 de Elul, aconteceu a primeira queda significativa do crash. Na véspera de Rosh Hashaná a queda atingiu 13%, e até os dois dias seguintes a Sucot passava de 25%. Grande Depressão I – 1931 Depois das quedas de 1929 a bolsa continuou caindo, inclusive durante 1930 e 1931. Em maio deste último ano parecia que a queda da bolsa havia chegado ao fundo do poço. Porém, no dia 14/8/31, correspondente a 11 de Elul, começou outra queda livre. No dia 26 de Elul a perda já era de 10%, e até Iom Kipur chegou a 23%, culminando com a histórica queda de 10,7% no dia seguinte ao fim de Sucot, o 5/10/31. Ao queda acumulada no período foi de 40%.
Ataque cardíaco do presidente americano - 1955 Na madrugada do domingo 24/09/1955 o presidente americano, Dwight Eisenhower, sofreu um ataque cardíaco. Na segunda feira, que era Iom Kipur, a bolsa caiu 6,54%.
Grande Depressão II – 1932 De novo o fundo do poço parecia ter sido atingido. Entre junho e setembro de 1932 a bolsa acumulou 85% de retorno. Mas, Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Crises Financeiras em Elul
“Black Monday” – 1987 Durante 1987, até o início de Elul, a bolsa tinha acumulado mais de 40% de lucro. No dia seguinte começou a descida. No meio de Sucot houve um tombo de quase 4%, que elevou as perdas a mais de 10%. Começou um período de pânico e vendas frenéticas que culminou no primeiro dia após Sucot, com uma queda de 22,6%, a maior perda percentual diária da historia. Minicrash de 1989 Os mercados financeiros já vinham sendo sacudidos pelo estouro da bolha dos “Junk Bonds”, ou “bônus-lixo”. No dia 13/10/89, os sistemas de trading eletrônico dispararam uma série de vendas encadeadas que só parou quando os computadores foram desligados. Era véspera de Sucot e a bolsa caiu 6,9%. Crise da Ásia – 1997 Durante 1997, a bolsa chegou a acumular ganho de quase 30%. Durante o mês anterior a Elul, começaram os boatos sobre os problemas financeiros nas economias emergentes da Ásia. Nos primeiros dias de Elul, começaram as notícias que confirmavam os boatos, e as vendas dispararam. O processo
culminou com uma queda de 7,2% no primeiro dia após Sucot, no dia 27/10/1997. Crise da Rússia – Crise dos “Hedge Funds”. Em meados de agosto de 1998 a Rússia entrava numa crise típica de 3º mundo e ninguém imaginava que esta crise pudesse atingir Europa ou os Estados Unidos. Não obstante, nos primeiros dias de Elul, já se ouviam algumas vozes alertando para os novos e desconhecidos “Hedge Funds”. No dia 31/8/1998, correspondente a 9 de Elul, foram publicadas as primeiras noticias de prejuízos bilionários, inclusive no gigantesco LTCM (Long-Term Capital Management). Logo em seguida, uma reação em cadeia
Não podemos esquecer que, atrás do perdão, houve um julgamento que fixou metas e estabeleceu recursos para o ano próximo. 6 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Crises Financeiras em Elul
derrubou centenas de “hedge funds” e bancos, muito similar à crise de 2008. 11 de Setembro de 2001. O 11/9/2001 correspondia ao 23 de Elul. No World Trade Center estavam localizados unidades operacionais e centros de computação de dezenas de instituições financeiras, inclusive o Morgan Stanley, que ocupava 25 andares de uma das torres. Devido ao atentado de 11 de setembro, muitas instituições ficaram impossibilitadas de operar. Somando-se este fato ao medo de novos atentados e à confusão reinante, a bolsa fechou e só abriu no dia 17/9/2001 - que era a véspera de Rosh Hashaná - e caiu 7,1%. Crise das Hipotecas Desde julho de 2007 se multiplicavam os indícios e os boatos sobre problemas
nas maiores instituições do mercado de hipotecas. Entre elas estavam a financeira Countrywide e o banco Northern Rock. A primeira faliu no dia 16/8/2007, que era 2 de Elul, e o segundo no dia 14/9/2007, que era Rosh Hashaná. Crise de 2008 No dia 4/09/2008, um ano após as primeiras grandes falências no mercado de hipotecas, o mercado assumia o colapso das gigantescas agências financeiras Fannie Mae e Freddie Mac. Para evitar a falência – e do mercado todo – o governo americano nacionalizou ambas as empresas no dia 7/9/2008, que era 7 de Elul. Uma semana depois, no dia 15 de Elul, faliu o gigante Lehman Brothers. A Merryl Linch entrou em colapso no quintal do Bank of America. Até o fim de Sucot a bolsa perdeu 25%. ICI
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Casamento: Influência Judaica no Direito Brasileiro Dr. Joe Faintuch
I – A Instituição “Casamento” no Judaísmo “E disse o Eterno D’ us: Não é bom que o homem esteja só; farei para ele uma companheira frente a ele”. (Gn 2:18)
A
instituição do casamento é fundamental e central na vida judaica, a ponto de se afirmar que o judaísmo pode sobreviver sem a sinagoga, mas é incapaz de perdurar sem a família. O casamento não é uma criação humana, mas sim um mandamento divino expresso ao primeiro homem: “Portanto o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá com a sua esposa, e serão uma carne”. (Gn 2:24) O casamento judaico é concebido como uma união sagrada, estabelecida e abençoada por D’us, caracterizando-se como forma de constituição da família, célula-base da sociedade judaica, em que
se assenta toda a transmissão dos valores religiosos e morais judaicos, além de ser uma oportunidade de se praticar, em primeiro lugar, o mandamento bíblico de “amor ao próximo”. Uma vez que tamanha é a importância do casamento, o celibato é tido como infração religiosa, inexistindo no aramaico (língua utilizada no Talmud e demais livros sagrados) termo equivalente a “solteiro”. Tal importância pode ser justificada pelo fato de a família ter sido sempre a força do judaísmo, já que a maioria dos atos e experiências nevrálgicos do judaísmo requerem um ambiente familiar. O casamento não se sustenta somente pela necessidade da reprodução e perpetuação da espécie humana, mas também pelo anseio que se tem de um companheiro, bem como para a realização individual de cada um. Acredita-se que o homem e a mulher foram criados como uma entidade única, por isso seu estado natural é de estarem unidos. Nem o homem nem a mulher são a “imagem de D’us” apenas se estão juntos.
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Casamento: Influência Judaica no Direito Brasileiro
O Direito Pátrio, como não podia deixar de ser, reconhecendo a importância do matrimônio, passa a discipliná-lo, muitas vezes sob a influência da lei hebraica, do direito canônico e do direito português.
II – Do Casamento na Lei Hebraica II. 1- Conceito Na religião em tela o casamento não é visto tão só como uma criação humana, mas como um mandamento divino expresso ao homem: “Portanto, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá com sua esposa, e serão uma carne” (Gn 2:24). É sobre a instituição do casamento que depende a vitalidade e a força do homem e da mulher em manter uma vida e crescimentos judaicos. O casamento israelita não é apenas uma sociedade; é mais do que isto – é uma fusão. Enquanto cada um tem suas prerrogativas e responsabilidades, apesar de manter sua individualidade, esperase que ambos, marido e mulher, saibam renunciar a ambições pessoais e egoístas quando essas contradisserem os interesses do lar. Assim estão criando uma nova entidade e personalidade chamada “Família”, através da qual cada um poderá desenvolver seu potencial.
Conforme reza a teologia judaica, o casamento é o estado humano ideal, sendo considerado a instituição social básica estabelecida por D’us quando da Criação. Em se concebendo a Criação como um processo contínuo no qual o homem é sócio de D’us, o Judaísmo encara o matrimônio como um modo de o ser humano participar na obra Divina. Ao contrário do que muitos leigos apregoam, essa religião não tem o casamento como fim único na procriação, a continuidade da espécie. O matrimônio é concebido como um modo de constituição da família, célula-base da sociedade hebraica, onde se assenta a transmissão de todos os valores morais e religiosos e, principalmente, como a oportunidade maior de se cumprir o mandamento bíblico de amor ao próximo. Muito mais do que a reprodução, a justificativa maior do enlace matrimonial baseia-se na necessidade indispensável da cumplicidade, entre homem e mulher, para a realização interior do indivíduo.
II. 2- Requisitos para a validade do casamento a) Capacidade legal dos Contraentes: Prevista na Guemará nos tratados de Yebamot, p. 112b, Nidá, p. 45b, e Guitin, p. 70b. A capacidade legal para contatar, inclusive para contrair casamento dá-se com a maioridade que ocorre para os homens aos 13 anos e um dia e para as mulheres a partir dos 12 anos e um dia. Apesar de a mulher a partir da idade acima já ser
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Casamento: Influência Judaica no Direito Brasileiro
A instituição do casamento é fundamental e central na vida judaica, a ponto de se afirmar que o judaísmo pode sobreviver sem a sinagoga, mas é incapaz de perdurar sem a família. considerada maior, até a idade dos 12 anos e meio ela será relativamente capaz, encontrando-se sob a tutela do pai; a partir de então sua capacidade é plena. Informa o tratado talmúdico de Kidushin (p. 41a) que em se tratando de núpcias contraídas por menores ou quando a noiva for relativamente capaz, mister a anuência dos tutores. b) Consentimento dos Contraentes Requisito vital à validade do casamento. É interessante notar que mesmo se tratando de uma noiva menor de idade ou relativamente capaz, a lei rabínica orienta ao pai que consulte sua filha no que concerne ao seu real desejo de se casar ou não, sob pena de nulidade, que pode ser invocada a qualquer tempo (Tossefta do tratado de Kidushin [p. 2b]). Tal requisito endossa a natureza contratual do casamento judaico. O consentimento deve ser espontâneo, nunca sob coação. Enquanto que em matéria civil a coação como um vício do ato jurídico torna o ato anulável, no que concerne ao matrimônio a coação invalida de pleno o ato, uma vez que, tendo em vista o significado moral do casamento, o consentimento é da própria essência do ato.
c) Testemunhas Sob pena de invalidade, o enlace matrimonial deve ser presenciado por duas testemunhas legalmente qualificadas para tanto. Nas transações comerciais de modo geral, as testemunhas atestam o ato, ou seja, caso sejam chamadas confirmam que a transação se consumou. Quanto ao casamento, a presença das testemunhas pertence à substância do ato, como parte integrante desse; afirmam elas a veracidade do ato que presenciaram através da assinatura no contrato de casamento – a Ktubá. Além de serem capazes legalmente, respeitadoras da lei, as testemunhas não podem ser parentes de nenhum dos nubentes, não podem ser cegos, vez que se requer delas que assistam a cerimônia, a colocação da aliança, por exemplo; surdos, mudos ou loucos de todo o gênero; que não tenham sido condenados por nenhum crime, que não tenham cometido perjúrio, e que não ajam grosseiramente.
II. 3- Impedimentos matrimoniais Além dos requisitos anteriormente expressos requeridos para a realização
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do casamento, devem ser obedecidas as proibições estabelecidas pela lei no que se refere aos impedimentos matrimoniais. Um casamento é nulo quando há um impedimento legal entre as partes.
II. 4- Natureza Jurídica Contratual – “A Ktubá” – O contrato nupcial O casamento judaico é tido como união sagrada de respeito mútuo, lealdade, direitos e obrigações para ambos os contraentes, cuja natureza jurídica é indubitavelmente de um contrato não apenas de cunho espiritual, mas sim de um contrato com todas as acepções que o termo indica. A forma definitiva da ktubá foi definida por Shimon bem Shetach, presidente do Sinédrio (Supremo Tribunal Rabínico), no século II-I A.E.C., que aperfeiçoou o documento até então existente, tornando-o um instrumento assecuratório dos direitos da mulher e da estabilidade do casamento, através do estabelecimento de cláusulas legais de cumprimento obrigatório. Segundo evidências, até o 1º Exílio (586 A.E.C) o casamento consistia num ato puramente oral; a partir de então passou a ser registrado por escrito, sendo enfim aperfeiçoado nos século II-I A.E.C. O contrato matrimonial judaico tem suas normas regulamentadoras arroladas na Mishná e na Guemará. Há de se ressaltar que além daquelas cláusulas obrigatórias que devem constar em toda ktubá, as partes podem pactuar outras, de caráter particular, que se in-
cluirão no contrato. Todavia, essas não poderão contrariar o que reza o texto normativo, não poderão infringir qualquer princípio de ordem pública. Em suma, as cláusulas do contrato em tela equivalem aos deveres do homem em relação à mulher, assumidos por ocasião do casamento, perante duas testemunhas.
Enquanto cada um tem suas prerrogativas e responsabilidades, apesar de manter sua individualidade, espera-se que ambos, marido e mulher, saibam renunciar a ambições pessoais e egoístas quando essas contradisserem os interesses do lar. A ktubá não é da essência do ato matrimonial, constituindo-se numa evidência desse, num registro assecuratório da estabilidade do casamento, uma vez que através de suas cláusulas, principalmente as de caráter financeiro, evita que se processe um divórcio por um ato impensado do marido. Por não ser da substância do ato, a não redação de um contrato de casamento não implica a ineficácia das cláusulas obrigacionais que, por estarem previstas
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na lei, subsistem (Tratado de Ketubot [p. 16b]). Todavia, os sábios preocupados com a eventual desproteção da mulher que não tivesse uma ktubá, consideraram aconselhável, e moralmente obrigatória, a elaboração do referido instrumento legal, considerando o casamento sem ktubá” um concubinato, tendo em vista que a única diferença legal entre a esposa legítima e a concubina era a redação ou não da ktubá.
III – Influência Judaica no Direito Matrimonial III. 1- No direito romano De início cabe relembrar que conforme anteriormente disposto, o cristianismo não possuía em seus primórdios nenhuma normatização ordenada em matéria matrimonial, o que adveio somente com o Concílio de Trento, no século XVI E.C. A importância da influência judaica pode ser indubitavelmente sentida pela inclusão, como fonte de Direito da “Moisacaraum et Romanarum legum Collatio” (Lex dei quam praecipit dominua ad Moysen), datada do século IV E.C. Como afirmam os romanistas, o Direito Pós-Clássico revela-se sobretudo pela sua influência oriental.
IV. 2 – No direito canônico Como é de conhecimento notório, principalmente no que se refere a seus aspectos históricos, o cristianismo sofreu inegável e incomensurável influência da religião e da lei judaica. Basta atentar para o fato de que Jesus e Paulo eram judeus praticantes, discípulos de dois grandes mestres, respectivamente, Hilel e Raban Gamliel. Nesse contexto, já afirmava Paulo que a Igreja era como um ramo de oliveira silvestre enxertado na árvore cultivada do povo judeu. A herança cultural judaica sobre o cristianismo, perceptível ao mínimo pela admissão do Velho Testamento no cânone cristão, foi durante muito tempo e, por que não dizer, ainda é assunto desconhecido de muitos. Devido ao proselitismo cristão, sobretudo nos tempos primeiros e a consequente necessidade de dissociação das duas religiões, a influência judaica sobre o cristianismo passou despercebida por muitos estudiosos.
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IV. 3 – No direito brasileiro O desenvolvimento da legislação matrimonial brasileira ocorreu por influência de outros sistemas legais, sobretudo o do Direito Canônico e do Direito Português. Prova disso é o fato de que, por ordem do rei português D. Sebastião, os decretos matrimonias contidos no Concílio de Trento eram válidos em todo o seu reinado. No Brasil Império foram adotadas como legislação as Ordenações do Reino Português, sendo ratificada a vigência dos decretos tridentinos através do decreto imperial de 3 de novembro de 1827. O legislador constituinte de 1824 não se preocupou, na verdade, com a regulamentação do casamento, uma vez que esse tinha caráter eminentemente religioso, estando subordinado às normas do Concílio de Trento e da Constituição do Arce-
bispado da Bahia. Submetido à jurisdição eclesiástica, era tido como válido apenas o casamento contraído entre católicos apostólicos romanos, tendo em vista que pela Constituição Imperial de 1824, no seu art. 5º, a religião Católica Apostólica Romana era a oficial do Império, sendo permitido o culto que não fosse católico tão somente no âmbito doméstico. Gradativamente, foram surgindo novas questões no que concerne ao casamento, não disciplinadas pela doutrina eclesiástica, ligadas ao pátrio poder, licença para casamento de menores, alimentos, dentre outras, que passaram a ser submetidas à legislação civil vigente, ou seja, às Ordenações do Reino de Portugal. As crescentes ondas imigratórias para o Brasil geraram um grave problema no que se refere ao matrimônio de pessoas que não eram católicas, sendo logo sentida a neces-
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sidade de se legislar a esse respeito. Assim, cuja celebração seria gratuita. Daí em dianem 11 de setembro de 1861, foi promulgada te, a cerimônia religiosa tornou-se mera a lei nº 1.114, ratificada pelo decreto de faculdade das partes, a ser realizada antes 17 de abril de 1863, reconhecendo o casa- ou depois do casamento civil. mento de não católicos segundo o credo A celebração civil do casamento tem dos nubentes e ampliando a situação de sua forma estatuída pelo Código Civil, jurisdição civil nas questões matrimoniais. datado de 1917, nos artigos 180 e seguinte. A necessidade da secularização do A Constituição de 1934 admitia o cadireito matrimonial, embora há muito samento religioso com efeitos civis, desde suscitada, esbarrava na oposição clerical, que se proceda à habilitação, ao Registro e que por sua vez exercia forte pressão sobre à observância das disposições da lei civil. o governo imperial. Essa orientação foi mantida nas Cartas Magnas seguintes, Somente com o advento da Repúblimantendo-se ainda O casamento israelita ca, deu-se a separahoje em vigor. Na não é apenas uma Carta de 1988, art. ção entre a Igreja sociedade; é mais do 236, par. 1 e 2, ree o Estado, com a conheceu-se que o subsequente seculaque isto – é uma fusão. casamento é civil. rização da matéria Sua celebração é matrimonial. Pelo decreto n.º 181, de 24 de janeiro de 1890, no gratuita, tendo efeitos civis o casamento seu art. 108, instituiu-se o casamento civil religioso, se contraído em consonância com obrigatório, facultando-se aos noivos obser- os ditames legais. var, antes ou depois do enlace matrimonial civil, o credo que lhes conviesse. Como já era de esperar, tal dispositivo encontrou forte oposição do clero, que se mantinha intransigente na adoção de novas normas, razão pela qual levou o Ministério da Justiça a promulgar a Circular de 11 de junho de 1890 e o decreto 521, de 26 de junho de 1890, asseverando a exclusiva validade e reconhecimento do casamento civil. A influência legislativa do sistema legal Seguindo a mesma conduta, a Cons- judaico sobre o Direito Romano, o Direito tituição de 24 de fevereiro de 1891 reco- Canônico e, enfim sobre o Direito Brasileinheceu em seu art. 72, parágrafo quarto, ro, por ser matéria de difícil bibliografia e a exclusiva validade do matrimônio civil, estudo, carece de maior atenção por parte
VI – Considerações Finais
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dos juristas, principalmente brasileiros. No A secularização do casamento brasileique diz respeito à legislação matrimonial ro, tardia em relação aos estados europeus, brasileira, preferem os autores nacionais não afastou a orientação bíblica de muitas testemunharem a influência canônica e das normas civis; como exemplo disso romana, de mais fácil apuração; de fato, podemos citar os impedimentos matrimuitas vezes, desconhecem a fonte origi- moniais. nária de várias regras canônicas e romaO casamento, no Direito Brasileiro, nas como a hebraica, como se pretende consiste num modo de constituição de fademonstrar. mília. Tal concepção atribuída por muitos Importante salientar que certos as- ao Direito Canônico, na verdade, reflete a pectos da legislação influência do Direito matrimonial brasiHebraico, perceptíA secularização do leira não são fruto vel, inicialmente, na casamento brasileiro, da citada influência narração bíblica da judaica, não obstanCriação, fundamentardia em relação aos te se possa constatar to da doutrina matriestados europeus, não o avanço dessa lemonial canônica. De afastou a orientação gislação, que previa fato, todo o significabíblica de muitas das há mais de dois mil do do casamento no normas civis. anos normas que só meio social e jurídico recentemente foram foi incorporado da doutrina canônica incorporadas pelo ordenamento pátrio, como é o caso de a que, nesse particular aspecto, inspiroumulher impugnar judicialmente, por mo- se nos conceitos e nas leis judaicas que, de tivo justificado, a mudança de domicílio modo ímpar na Antiguidade, dignificavam determinada pelo marido. Isso demonstra o matrimônio. que o Direito Comparado não admite, nos O reconhecimento do casamento como dias atuais, a emissão de julgamentos que elemento formador da família legítima não denotem o “primitivismo” ou a “moderni- impediu que o judaísmo reconhecesse o dade” de sistemas jurídicos. O verdadeiro concubinato, embora com um significado propósito do Direito Comparado é a análise social diverso do existente atualmente, comparativa de sistemas jurídicos, obje- outorgando-lhe um caráter semelhante à tivando um conhecimento enriquecedor, “entidade familiar” proclamada na Consmotivado pelo valor cultural que encerra em tituição brasileira em vigor. A concubina, si mesmo, e que pode propiciar inovações na embora possuísse uma posição diferente vida jurídica nacional, sem manifestações da esposa legítima, tinha seus direitos de preconceitos de qualquer natureza. respeitados no tocante ao matrimônio e 16 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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ao direito sucessório de seus filhos. Na prática, a diferença entre o concubinato e o casamento legítimo residia no fato de no último inexistir o contrato de casamento, a ktubá. Atribuir uma influência judaica ao concubinato, tal como hoje reconhecido pelo direito brasileiro, seria uma inverdade desmedida. Na verdade, deve-se então ressaltar a modernidade e a humanidade da lei judaica, fundamentada na realidade social e destituída de preconceitos. Coube à lei judaica inaugurar a concepção do casamento como contrato de caráter privado. Embora fosse reconhecida sua importância no contexto religioso, emocional e social, o casamento era concebido como um ato particular das partes, de acentuado caráter civil, o que pode ser demonstrado pela necessidade de, quando de sua realização, elaborar-se um contrato por escrito, prática que remonta ao século VI A.E.C. Tal contrato, evidência do ato formal do matrimônio, tinha por fim estabelecer os direitos e deveres das partes, protegendo a mulher parte hipossuficiente na relação matrimonial de uma sociedade patriarcal. Outrossim, a necessidade do consentimento dos nubentes e da necessidade da presença de duas testemunhas ao ato reforçam a natureza contratual do casamento e demonstram as preocupações judaicas com os efeitos civis decorrentes do matrimônio. Vale lembrar que o direito romano e o canônico não estipulavam a obrigatoriedade de documento escrito, comprobatório do ato matrimonial, ou de testemunhas. Essas
A lei rabínica orienta ao pai que consulte sua filha no que concerne ao seu real desejo de se casar ou não, sob pena de nulidade, que pode ser invocada a qualquer tempo. O consentimento deve ser espontâneo, nunca sob coação. exigências passaram a surgir na doutrina canônica somente após o Concílio de Trento, embora a natureza contratual do casamento canônico, e a necessidade de se exigir certas formalidades ao ato já fossem pressentidas há muito pelos canonistas, e propugnada por S. Agostinho. A regulamentação do casamento canônico como contrato e a exigência dos requisitos acima especificados demonstram a influência judaica que se fez sentir nos primeiros tempos, em que pela ausência de uma doutrina matrimonial própria, a Igreja incorporou muitas normas da lei judaica e do Direito Romano. No entanto, convém mencionar que a Igreja retirou da sua doutrina os efeitos patrimoniais decorrentes do matrimônio, que já eram previstos no Direito Hebraico, atribuindo a previsão de tais efeitos ao juízo secular.
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Origem de toda a teoria do parentesco, a lei judaica serviu como base, fundamento, para todas as legislações modernas, incluindo a brasileira, não obstante tendo essa sofrido, ao longo dos séculos, ampliações e restrições. Ainda, o consentimento dos nubentes, elemento essencial ao matrimônio válido, deveria ser o inicial, diferentemente da regra romana, que exigia o consentimento continuado. A ideia do consentimento inicial, originário da lei hebraica, transmitiu-se à doutrina canônica, com sua incorporação pelas legislações modernas. A teoria da nulidade e anulabilidade do matrimônio, desconhecida pelo direito romano, embora atribuída pela doutrina ao direito canônico, reflete influência judaica. De fato, como se depreende da lei judaica constante da Mishná e do Talmud, havia dois tipos de impedimentos: os impedimentos que proibiam o casamento acarretando sua nulidade e os que, não obstante proibissem o casamento, não o invalidavam se infringidos, tornando-o apenas passível de anulação. Do exposto, percebe-se a nítida influência da lei judaica sobre a doutrina canônica, que, com tal denominação, transmitiu essa teoria a várias legislações modernas, como é o caso do direito brasileiro. Dentre os impedimentos dirimentes previstos na legislação pátria, a consanguinidade e a afinidade merecem inicialmente um enfoque especial. A legislação mosaica, prevendo minuciosamente os
impedimentos motivados pela consanguinidade (incesto) e pela afinidade consistiu na primeira sistematização sobre a matéria. Como já foi abordado, a doutrina canônica incorporou, nos primeiros momentos, a teoria da consanguinidade e da afinidade previstas no Direito Hebraico, especificamente no Livro de Levítico e no de Deuteronômio. Origem de toda a teoria do parentesco, a lei judaica serviu como base, fundamento, para todas as legislações modernas, incluindo a brasileira, não obstante tendo essa sofrido, ao longo dos séculos, ampliações e restrições. No Direito Brasileiro, tal qual prevê a lei civil, o matrimônio gera uma série de consequências pessoais e patrimoniais para os cônjuges, na medida em que faz nascer um vínculo entre as partes. As normas civis que estabelecem o dever de fidelidade recíproca1, mútua assistência2, são atribuídas por muitos à doutrina canônica e sua influência no nosso ordenamento; na verdade, o exame detalhado desses deveres demonstra que, embora tenham sido 1. Vide inciso I do artigo 1566 do Código Civil em vigor. 2. Vide inciso III do artigo 1566 do Código Civil em vigor.
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transmitidos pela doutrina da Igreja, sua origem é judaica. O conceito do dever de fidelidade recíproca no Direito Hebraico primitivo, consubstanciada na proibição da poliandria, foi desenvolvendo-se aos poucos na medida em que a poligamia extinguia-se; a proibição cristã da poligamia, elaborada por Paulo, reflexo das discussões rabínicas que antagonizavam monogamia e poligamia, induziu à estipulação da monogamia, fonte originária do dever de fidelidade recíproca, já preconizado por muitos rabinos. O dever de mútua assistência, cujo fundamento é atribuído ao Direito Canônico, também reflete a influência judaica. Para os romanos, a mútua assistência só foi expressamente prevista no Digesto na época pós-clássica, quando também se passou a admitir a prestação de alimentos do marido à mulher. Ao con-
trário, na lei judaica, a mútua assistência foi concebida como elemento essencial do matrimônio sendo, inclusive, posta na ktubá uma cláusula para manutenção e o sustento em nível moral e econômico. A norma judaica serviu de fundamento à concepção cristã da essência do matrimônio, a que a mútua assistência acha-se vinculada. Interessante notar que o poder despótico que cabia ao homem no Direito Brasileiro, até o advento da lei 4.121/62 –, de fixar o domicílio da família, assim como no Direito Romano – com aquela lei a mulher passou a ter a possibilidade de impugnar judicialmente o domicílio escolhido pelo marido, se considerá-lo prejudicial. Tal impugnação já era prevista no direito hebraico, constando expressamente das fontes antigas. Assim, concluímos pela
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A necessidade da redação por escrito de um documento comprobatório da realização do matrimônio, materializado no direito pátrio pela certidão do registro civil, foi inicialmente prevista pelo direito hebraico. atualidade da lei judaica e como essa tem o poder de influenciar outros sistemas, pela sua posição de vanguarda. Vale lembrar que o Direito Canônico não regulamentou em sua legislação os efeitos patrimoniais advindos do casamento, matéria que era atribuída ao juízo laico. Outro ponto em que a doutrina hebraica inovou consiste na proteção da mulher por ocasião do divórcio ou falecimento do marido e sua fundamentação, estipulando-se, desde Shimon bem Shetach (século II A.E.C.), a reserva de uma importância para o sustento da mulher nesses casos em que se tornava desprotegida. Assim, podemos tranquilamente afirmar que a prestação alimentícia devida à mulher no direito moderno remonta a essa simplificada forma indenizatória prevista na lei judaica. Em Roma, apenas no Direito Justinianeu, concedeu-se à mulher o direito de receber alimentos do marido, norma advinda da posição privilegiada em que o cristianismo, fundamentado no judaísmo, posicionava a mulher. A necessidade da redação por escrito de um documento comprobatório da realização do matrimônio, materializado
no direito pátrio pela certidão do registro civil, foi inicialmente prevista pelo direito hebraico, uma vez que desde o século V A.E.C. havia um documento por escrito, um contrato, destinado a provar o ato matrimonial, garantindo assim a estabilidade do matrimônio e a proteção dos direitos dele decorrentes. A constituição de uma hipoteca legal privilegiada sobre os bens do marido para servir como garantia aos bens dotais da mulher sob sua administração, determinada por Justiniano, foi regra incorporada da lei judaica, já que desde Shimon ben Shetach previa-se tal norma, que visava a proteção dos bens da mulher, evitando uma dilapidação por eventual má administração marital. Assim percebe-se a origem da norma prevista no art. 297 do Código Civil de 1916. Diante de tudo o que foi exposto, resta clara a influência da lei judaica sobre o direito matrimonial pátrio, seja através do Direito Romano, seja através da doutrina canônica. O fato é que a lei judaica acabou se valendo do Direito Romano ou Canônico para manter-se presente, também, nos ICI ordenamentos modernos.
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Autoridades Rabínicas Daniela Guertzenstein
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e Moisés a Moisés não houve como Moisés1. De Moisés filho de Amram e Yohevet do êxodo do Egito a Moisés bar Maimon se diz entre os judeus que não existiu ninguém como estes dois homens. O primeiro Moisés é conhecido no judaísmo como Moshe Rabeinu, citado na Bíblia Hebraica como a autoridade máxima na formação de um povo em torno a uma Divindade Única. Este primeiro Moisés é conhecido por ter liderado o êxodo do Egito com a ajuda de seu irmão Aharon e por ter transmitido as leis e ensinamentos escritos e orientado oralmente seus seguidores pelo deserto até pouco antes da entrada na Terra Prometida. Este primeiro Moisés é citado no Livro do Deuteronômio (último Livro do Pentateuco) por entregar aos lideres das doze tribos do povo de Israel e depositar na Arca do Testemunho as escrituras das leis e dos ensinamentos escritos conhecidos como 1. Inscrição sobre o túmulo de Maimônides em Tiberiades.
Torá Escrita ou Pentateuco. O Pentateuco juntamente com os textos de Profetas e as Escrituras hebraicas e aramaicas vieram a formar o TaNaKh (Torá + Nevyim + Ketuvyim) que são as Escrituras Hebraicas conhecidas como Bíblia Hebraica. Este primeiro Moisés ficou conhecido também por transmitir oralmente normas e regras. Moisés para o judaísmo foi o profeta máximo, escolhido por D’us para tirar os israelitas (descendentes de Jacob) do Egito, para transformar seus seguidores em povo e para dar-lhes a Torá. Os ensinamentos orais de Moisés são conhecidos no judaísmo como Torá Oral, ou Tradição Oral, que é o alicerce fundamental da hermenêutica judaica rabínica que rege a doutrina da liderança de um povo. O segundo Moisés, Moisés bar Maimon, conhecido como Rambam ou Maimônides, viveu no século XII E.C. e começou a escrever por volta do ano 1170 o compêndio Yiad HaHazaká, em português, “A Mão Forte”. Este compêndio
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Autoridades Rabínicas
engloba uma série de catorze livros nos quais Moshe bar Maimon organiza sistematicamente as leis e os costumes da Torá Escrita (Bíblia Hebraica) e da Torá Oral (Tradição Oral) por tópicos, tornando-se uma das mais reconhecidas autoridades legais do judaísmo rabínico. O primeiro versículo do Pirkei Avot2 traz o início da sequência das autoridades da qual o judaísmo rabínico descende: “Moisés recebeu a Torá do Sinai e entregou-a a Josué, e Josué aos Anciões, e os Anciões aos Profetas, e os Profetas a entregaram aos Membros da Grande Assembléia. Eles disserem três ditos (coi2. Tratado de Avot (Ética dos Pais) é um dos tratados da Mishná (Mishná = primeiros textos editados da Tradição Oral que são a base do Talmud de Jerusalém do Talmud Babilônico).
sas): sejam circunspectos no julgamento, formem muitos discípulos e façam uma cerca em torno da Torá.”
Maimônides no prefácio de seu compêndio Yiad HaHazaká traz conceitos básicos sobre o recebimento da Torá Escrita (Bíblia Hebraica) e da Torá Oral (Tradição Oral) e transcreve as gerações de autoridades determinantes na transmissão da literatura e da doutrina judaica rabínica. Constam também neste prefácio gerações escolásticas e seus trabalhos, nomes de juizes e tribunais. Seguem abaixo algumas partes deste prefácio: “Todos os mandamentos que foram dados para Moisés no Sinai foram dados com a sua explicação. Como está dito ‘e darei para você as Tábuas de
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Autoridades Rabínicas
A transmissão da cultura judaica rabínica continua até os dias de hoje através do estudo de todos os textos do judaísmo rabínico nas escolas e academias de todas as comunidades judaicas ortodoxas pelo mundo. Pedra e os ensinamentos (Torá) e os mandamentos’. Torá é a Torá escrita. “O mandamento” é a sua explicação. E fomos mandados cumprir a Torá segundo o mandamento. E o mandamento é chamado Torá Oral. Toda a Torá foi escrita por Moisés com a escrita da mão dele antes que ele falecesse. E deu o livro para cada uma das tribos e um livro colocou-o na arca como testemunho. Como foi dito ‘peguem este livro da Torá e vocês o coloquem... e será lá para você como testemunho’. E o mandamento é o significado da Torá – não foi escrita, mas sim foi ordenada aos anciãos, a Josué e ao resto do povo de Israel. Como foi dito ‘tudo que eu vos ordeno guardem-o para cumprí-lo’ etc. E por isto é chamada Torá Oral. Apesar da Torá Oral não ter sido escrita. Moshe Rabeinu a ensinou toda ela no seu tribunal aos setenta anciãos. Elazer e Pinkhas e Josué – os três a receberam de Moisés.”
Em hebraico a palavra mandar usada neste contexto equivale a ordenar. Essas palavras de Maimônides retiradas dos en-
sinamentos orais refletem a visão integralista do judaísmo rabínico como um todo. O judaísmo rabínico se denomina como descendente e representante da religião original do povo de Israel, transmitida e ordenada por Moshe Rabeinu às autoridades e a todo povo de Israel na sua formação. Os setenta anciãos eram os encarregados judeus a obrigar os seus irmãos escravos para que cumprissem todas as tarefas dadas pelos egípcios3. Maimônides continua no prefácio a corrente de juízes que transmitiram os ensinamentos em forma de lei oral: “E para Josué que foi aluno de Moshe Rabeinu entregou a Torá Oral e a ordenou a ele. E assim Josué todos os dias de sua vida ensinou-a oralmente. E muitos anciões a receberam de Josué. E recebeu Eli dos anciãos e de Pinkhas. E Samuel 3. Pentateuco, livro 4 – Nm., capítulo 11, versículo 16. Vide comentário de Rashi (Rashi = Rabi Shelomo Itzhaki) sobre este versículo (referência Sifrei 11 – 16). Sifrei é um Midrash Halakhá (Midrash Halakhá = Estudos Legais da Tradição Oral) dos Tanayim (Tanaym = 1ª geração de estudiosos que começou a editar a Tradição Oral no 2º século da era comum a pedido do Príncipe de Judá).
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recebeu de Eli e de seu tribunal. E David recebeu de Samuel e do seu tribunal... ...E Barukh ben Neria recebeu de Yirminia e de seu tribunal. E Ezra e seu tribunal receberam de Barukh ben Neria e de seu tribunal. O tribunal de Ezra é chamado ‘As Pessoas da Grande Assembléia’ e eles são Hagai e Zakharias e Malakhi, Daniel e Hanania e Michael e Azariah e Nekhemias ben Hakhliah e Mordekhai Bilshan e Zerubavel e muitos sábios com eles – completando cento e vinte anciãos (...) Shamayia e Avtalyion que eram convertidos e o tribunal deles recebeu de Yehudá e Shimon e do tribunal deles. Hillel e Shamay e o tribunal deles recebeu de Shamayia e Avtalyion e do tribunal deles...”
Maimônides passa pelas gerações e traz a organização das escrituras, a transcrição da lei oral passada de geração em geração. Ele apresenta a origem da Mishná e da Guemará que formam o texto talmúdico.
Podemos sintetizar uma sequência de gerações do judaísmo rabínico. Depois do tempo de Moisés, as primeiras autoridades rabínicas foram os anciões, juízes, até Samuel que era juiz e profeta, segue o Rei David e seu tribunal até Salomão e seu tribunal. Com a construção do Primeiro Templo de Jerusalém pelo Rei Salomão dá-se início ao Sinédrio. O Primeiro Templo de Jerusalém foi destruído, os israelitas (descendentes de Jacob) e outros residentes da Judeia, que constituíam então o povo israelita e eram denominados como judeus, foram levados exilados para a Babilônia, e na Babilônia foi estruturada a Grande Assembleia, mas sem o poder de um Sinédrio. No quinto século antes da era comum, Ezra o Escriba e Nehemia migram da Babilônia para Jerusalém; as escrituras hebraicas, portanto, a Torá, os Profetas e as Escrituras são editados por Ezra o Escriba antes de seu retorno e falecimento na Babilônia. Voltou-se a ter um Sinédrio com a construção do Segundo Templo de
Os fundamentos das leis judaicas rabínicas são basicamente os mesmos para todas as comunidades judaicas rabínicas, mas estes fundamentos se expressam de maneiras diferentes de acordo com o desenvolvimento histórico peculiar de cada comunidade e das culturas das sociedades ao seu redor. 24 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Jerusalém. Com a destruição do Segundo Templo de Jerusalém no primeiro século da era comum, o Sinédrio transferiu-se para Yavne, pela Galileia e após dez paradas terminou em Tiberíades4. Entre as autoridades rabínicas temos os tanayim. Tanayim significa repetidores, recitadores. Os tanayim em aramaico “teni” ou “tena” = ensinar são os sábios judeus da virada da era até a compilação da Mishná por volta do final do segundo século da era comum. A edição das leis orais, ou seja, a redação da Torá Oral foi iniciada a pedido do Príncipe de Judá no segundo século da era comum, com o intuito de que o judaísmo não fosse esquecido, uma vez que o Templo de Jerusalém tinha sido destruído, os sá4. Talmud Babilônico, Tratado Sankhedrin.
bios judeus estavam falecendo e, inclusive, o Evangelho (Bíblia Cristã) estava sendo redigido. Aliás, podemos lembrar que os textos evangélicos escritos em aramaico ou grego por volta do segundo século da era comum canonizados posteriormente em grego juntamente com a Septuaginta (tradução do Pentateuco em hebraico bíblico ao grego que foi elaborada aproximadamente no segundo século antes da era comum) estavam se disseminando entre os judeus após a destruição do Segundo Templo de Jerusalém, desenvolvendo uma nova doutrina com conceitos conflitantes aos princípios da hermenêutica oral originada com Moisés no Sinai. As obras principais que contêm os ensinamentos compilados pelos tanayim são a Mishná, a Tossefta e os Midrashei
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Halakhá. Depois dos tanayim seguem os amorayim; amorayim vêm do verbo falar, e produziram o Talmud de Jerusalém e o Talmud Babilônico por volta do terceiro ao quinto século da era comum com textos em aramaico. Após os amorayim seguem os savorayim, cujo significado é explicador; estes se ocuparam principalmente em coletar e comparar redações de trechos talmúdicos, explicar, completar, organizar e continuar redigindo em aramaico o Talmud até por volta do fim do sexto século ou metade do sétimo século da era comum. Permitindo outro adendo, agora sobre o Islã, sabemos que Maomé viveu no sexto e sétimo século da era comum. Seus descendentes instauraram o Islã que é uma doutrina miticamente transmitida pelo anjo Gabriel a Maomé e apropriaram-se
de textos da tradição judaica e da tradição cristã. Aliás, o Islã surgiu dividido em duas correntes criadas por pessoas próximas a Maomé. O desenvolvimento de comunidades islâmicas fez com que israelitas e judeus que viviam em terras árabes desde os primórdios das narrativas bíblicas hebraicas, muito antes do surgimento do Islã, passassem a ser classificados pelos islâmicos como estrangeiros em terras islâmicas. Isso só fez com que os líderes de verdadeiros impérios e academias judaicas naqueles territórios sentissem na prática o que eles próprios declaravam em seus cânticos hebraicos. Contudo, não a religião islâmica e suas contínuas guerras e revoltas, mas sim os intelectuais orientais e o desenvolvimento das ciências no Oriente, e do idioma árabe influenciaram tanto a reestrutu-
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O Sefer HaHinukh, que é uma obra literária judaica rabínica espanhola do século XIII E. C. de grande influência até os dias atuais, traz que as autoridades são falíveis, mas que o poder de decisão deve ser colocado em algum lugar, ou vigorará a anarquia uma vez que cada um poderá dizer que ele está correto e as autoridades estão erradas. ração gramatical do hebraico quanto o desenvolvimento do pensamento lógico, gerando, na Idade Média, uma literatura judaica rabínica portadora de cunho doutrinário racional e outros filósofos ocidentais. Retornando ao judaísmo, a sequência continua com os gheonyim, que foram as eminências, ou excelências. A tradução literal de “gheonyim” é gênios. Este título era concedido aos líderes das academias babilônicas de estudos judaicos e cunhado aos estudiosos do Talmud do sexto ao décimo segundo século da era comum. Foram os gheonyim e os seus descendentes que revitalizaram o hebraico, uma vez que o talmud foi redigido em aramaico. Surgiram na sequência, então, os chamados rishonim, que significa em hebraico ‘primeiros’, já da época de Maimônides, e os akhronim, que significa em hebraico ‘últimos’, do século XV E.C. em diante. Todos os textos desta longa corrente se tornaram de suma importância nos estudos judaicos rabínicos por serem in-
terpretados como os ensinamentos vivos do judaísmo, passados de geração a geração junto com os textos das escrituras hebraicas e seus santos manuscritos. Está escrito no oitavo versículo do capítulo dezessete do livro Deuteronômio do Pentateuco: “ ...para não se desviar a direita ou a esquerda de tudo que eles vão te dizer”. A terminologia “o que eles vão te dizer” concede uma autoridade suprema, apoiada no próprio texto da Torá Escrita. Os líderes que transmitem e interpretam o texto bíblico apoiam-se neste versículo para justificar o poder divino dado a sua liderança. Segundo os tanayim que redigiram o Sifrei - Midrash Halakhá, nós devemos seguir as autoridades também se eles chamam a direita de esquerda e a esquerda de direita5 , mas isto só deve ser seguido quando não se tem certeza total de que as autoridades estão erradas. Nakhmanides, no século XIII E.C., que 5. Sifrei, Juizes, par 151.
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é um dos mais importantes exegetas do judaísmo rabínico, explica que nós devemos atribuir o nosso parecer de que os sábios estavam equivocados à nossa falta de entendimento,6 e explica também que caso os sábios estejam errados, a Torá lhes concedeu esta autoridade e eles devem ser obedecidos. O Sefer HaHinukh7, que é uma obra literária judaica rabínica
Uma autoridade reconhecida é a de um "possek", que é quem determina a maneira que devem ser cumpridas as leis da Torá e os costumes judaicos de acordo com a doutrina judaica rabínica.
espanhola do século XIII E.C. de grande influência até os dias atuais, adverte que as autoridades são falíveis, mas que o poder de decisão deve ser colocado em 6. Comentário de Nakhmanides sobre Dt. 17:11. Vide inclusive o primeiro princípio de Hasagot LeSêfer HaMitzvoth. 7. Sêfer HaHinukh, atribuído a um dos “rishonim”, conhecido na cultura judaica rabínica.
algum lugar, ou vigorará a anarquia uma vez que cada um poderá dizer que ele está correto e as autoridades estão erradas8. O Talmud de Jerusalém relata que se uma autoridade está errada, como, por exemplo, se ela declara um pedaço de carne não apropriado como apropriado, não é necessário acatar a decisão desta autoridade. Para poder não acatar a decisão desse colega deve-se também ser uma autoridade e ter a convicção de que foi cometido o engano citado acima9. O Talmud de Jerusalém relata também situações em que as autoridades estão cometendo um claro e evidente engano; mas obviamente deve-se ser um estudioso para ser capaz de identificar e discutir o engano e alegar que os outros estudiosos estão errados10. Hoje em dia não existe consenso sobre alguma autoridade rabínica como as descritas acima. Muito menos existe alguma autoridade como a do Sinédrio de Jerusalém que tinha o poder de aplicar a pena de morte no tempo do Templo de Jerusalém, ou ao Sinédrio de Yavne que não tinha mais o poder de julgar a pena de morte. Atualmente não existem regras claras para se tornar uma autoridade rabínica reconhecida. Existe sim um consenso de 8. Sêfer HaHinukh, p.508 da Edição Chavel. 9. Mishná Horayiot 1:1. 10. Torah Temimá, Deuteronômio. Vide Sêfer HaHinukh, número 495 (492) e Hayiei Adam 127:1 quem discorda; as palavras “do juiz que será naqueles dias” pode ser levado a autoridades superiores até para o Sinédrio.
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quem são os maiores estudiosos de cada geração. Uma autoridade reconhecida é a de um “possek”, que é quem determina a maneira que devem ser cumpridas as leis da Torá e os costumes judaicos de acordo com a doutrina judaica rabínica, mas se ninguém o leva em conta ele não é considerado uma autoridade e se a maioria de sua comunidade discorda de uma sua decisão, esta sua decisão termina por se invalidar por si própria. Retornando a Moisés, Moshe Rabeinu, que representa a autoridade máxima do judaísmo: Yitró, sacerdote de Midyian, sogro de Moshe, foi ao encontro do povo de Israel depois da saída do Egito e aconselhou seu genro a nomear juízes, para que todos os casos não tivessem que chegar sempre diretamente para ser julgados por ele11. A autoridade de Moshe Rabeinu foi contestada por Dathan e Aviram filhos de Eliav12 , por Korakh e por mais duzentos e cinquenta pessoas de renome13, Dathan, Aviram e 11. Pentateuco, livro 2 – Exôdo, capítulo 18, versículos 18 – 23. 12. Pentateuco, livro 4 – Nm., capítulo 16, versículo 1. 13. Idem, versículo 2 até 34.
todos que pertenciam a Korakh foram engolidos vivos pela terra14 e os duzentos e cinquenta homens foram queimados pelo fogo divino15 Algumas curiosidades são apresentadas neste contexto. Korakh era sacerdote e também um líder de sua comunidade. Korakh poderia parecer ter abraçado os termos de uma democracia contra uma aristocracia representada pelos irmãos descendentes de Amran. O capítulo 16 do Livro de Números do Pentateuco traz os tópicos das discussões de Korakh contra Moisés e apresenta o 14. Pentateuco, livro 4 – Nm., capítulo 16, versículo 32 e 33; livro 2 – Exôdo, capítulo 26, versículo 10. 15. Pentateuco, livro 4 – Nm., capítulo 16, versículo 35.
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fim de Korakh, de Dathan e de Aviram e das duzentas e cinquenta pessoas importantes que o apoiaram. Depois do primeiro Moisés, o Pirkei Avot explica que o poder da autoridade foi dividido em três16: “Rabi Yehudá diz: Seja cauteloso no estudo, pois um erro por descuido no estudo considera-se uma transgressão voluntária. Rabi Shimon diz: Há três coroas: a coroa da Torá, e a coroa do sacerdócio, e a coroa do reinado, e a coroa de um bom nome (está acima) é maior do que elas.”
A coroa da Torá é a primeira. Os Templos de Jerusalém foram destruídos e os sacerdotes estão impuros. Em nossos dias os sacerdotes de Israel são chamados antes para ler a Torá, eles abençoam a comunidade e tem sobre si o dever de obedecer algumas leis a mais do que os outros judeus. Com a coroa real a espera do próximo rei, a coroa do bom nome que é considerada a maior entre elas, pode ser a coroa dos líderes rabínicos que reinam em nome da Torá. A transmissão da cultura judaica rabínica continua até os dias de hoje através do estudo de todos os textos do judaísmo rabínico nas escolas e academias de todas as comunidades judaicas ortodoxas pelo mundo. Na maioria destas academias os rapazes que são capazes se tornam rabinos por volta dos vinte anos. O rabino de hoje 16. Pirkei Avot, capítulo 4, versículo 13.
recebe um certificado de sua academia, chamado Semikhá. Semikhá significa encoberto, assim como Moisés da saída do Egito cobriu a testa de Josué quando passou (ordenou ou outorgou) a Torá a Josué, para que Josué a transmitisse (outorgasse) ao povo17. Apesar da proibição dos romanos em ordenar rabinos prevalecer até 425 da era comum, o costume retornou de modo que eminências rabínicas concedem este título aos seus discípulos quando eles terminam de estudar o programa de estudos judaicos rabínicos definidos pela sua academia. Com a fundação do Estado de Israel, formou-se a Rabanut HaRashit LeIsrael, Rabinato Mór do Estado de Israel, um ór-
Em termos acadêmicos o título de rabino equivale ao certificado de mestrado e o título de juiz rabínico equivale ao certificado de doutorado do Ministério da Educação do Estado de Israel. 17. Pentateuco, livro 4 – Nm., capítulo 27, versículos 18 -23.
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gão oficial do Ministério das Religiões do Estado de Israel. Esta Rabanut HaRashit é a autoridade governamental israelense responsável em interpretar a lei judaica e emitir pareceres sobre todos os assuntos que lhe competem. A cada dez anos o Parlamento do Estado de Israel escolhe um Rabino Chefe de Israel para a comunidade de judeus com costumes asquenazitas e um Rabino Chefe de Israel para comunidade de judeus com costumes sefaraditas. Dentre as responsabilidades da Rabanut HaRashit do Estado de Israel encontra-se a função de formar rabinos e juízes rabínicos oficiais e legalmente reconhecidos. Os programas e os exames para conceção do título de rabino da Rabanut HaRashit duram seis anos. O programa e os exames para que um rabino possa receber o título de juiz rabínico leva mais seis a oito anos. Em ter-
mos acadêmicos este título de “semikhá” de rabino equivale ao certificado de mestrado e o título de juiz rabínico equivale ao certificado de doutorado do Ministério da Educação do Estado de Israel. Antes de receber um cargo estatal, o candidato a rabino ou a juiz rabínico deve passar por exames e entrevistas. Os cargos estatais oferecem o poder de uma autoridade governamental quanto a todas as responsabilidades que competem a um rabino ou a um juiz rabínico. Por exemplo, a Rabanut do Estado de Israel é responsável pela verificação da “kashrut” (kasher é a habilitação religiosa para consumo) dos vegetais nos campos israelenses, da produção “kasher” de alimentos nas indústrias nacionais e nas cozinhas dos restaurantes e quiosques do país. Os tribunais rabínicos israelenses (tribunais judaicos oficiais legalmente reconhecidos) são responsáveis pelas conversões ao judaísmo, por casamentos e divórcios entre judeus e por outros assuntos somente da vara cível. O rabinato oficial do Estado de Israel concede também títulos por meio de exames e programas de curta duração, alguns destes títulos elaborados especialmente para cargos e funções religiosas em comunidades judaicas fora do Estado de Israel. Apesar da existência da Rabanut do Estado de Israel as comunidades judaicas ortodoxas são lideradas por eminências à
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parte. As escolas das comunidades destas eminências são registradas normalmente como parte do sistema educacional autônomo israelense, em hebraico Hinuhkh Atzmayi. As escolas que fazem parte do sistema educacional autônomo israelense têm a liberdade de elaborar seu próprio currículo. Existem várias eminências rabínicas fora do Estado de Israel. Essas eminências geralmente são conhecidas pelos governos de seus países e algumas delas são conhecidas mundialmente inclusive entre não judeus. Entre as eminências fora de Israel destaca-se a figura do Rabino Jonathan Sacks que é o Rabino Chefe da Inglaterra. O Rabino Dr. Jonathan Sacks lecionou judaísmo à realeza de seu país e é conhecido no parlamento britânico, formou-se em Oxford, escreve uma infinidade de livros e é pessoa ativa como mentor filosófico no mundo judaico, acadêmico e político. Os Estados Unidos da América é o país que contém a maior quantidade de judeus no mundo. Encontram-se no país comunidades judaicas ultra-ortodoxas, ortodoxas, conservadoras, liberais, reformistas, reconstrutivistas entre muitas outras denominações de segmentos judaicos modernos e seus desdobramentos pós-modernos, além de grupos e comunidades que se apropriam de terminologias e costumes judaicos contemporâneos formando novas identidades judaicas com origens míticas. Em outubro de 1963, o Rabbi Bernard Weinberger, então membro da Aliança
Judaica Rabínica da América, publicou no segundo exemplar da conhecida revista “The Jewish Observer” um artigo sobre a função das eminências rabínicas. Rabbi Weinberger explicou que uma eminência seria quem possui o ingrediente “Daath HaTorá”, em hebraico, “Visão da Torah”, que transcende o estudo e/ou a piedade que faz uma eminência. Ele escreve que existem várias eminências e que todos nós sabemos intuitivamente quem elas são e acrescenta que ninguém consegue ou pode forçar que os outros aceitem uma eminência como tal. São discutidas as funções dos rabinos das comunidades e o encaminhamento de questões complexas a autoridades maiores. O termo Daath HaTorá é amplamente discutido nos Estados Unidos da América por rabinos e acadêmicos. Segundo vários sermões e artigos de rabinos ortodoxos quem possui Daath HaTorá está conceitualmente ligado à profecia e inclusive ao reinado. A pessoa que tem Daath HaTorá recebe um poder próximo a de um oráculo. O termo Daath HaTorá transforma as palavras de seu possuidor em uma imposição religiosa, elas são assim mais do que um bom conselho que o sábio dá a seus alunos... Mas, o Rabino Soloveitchick, entre outros, discorda que um rei tem com os seus discípulos a mesma relação que um mestre tem com seus alunos. A autoridade de um professor não pode ser imposta e não é usado nenhum instrumento de coerção. Um professor é deliberadamente aceito e abraçado com felicidade...
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Autoridades Rabínicas
Entre as comunidades judaicas rabínicas que mais cresceram no mundo na última geração encontra-se a Comunidade Hassídica Chabad – Lubavitch, que tem o seu centro mundial situado em Crown Heights no Brooklyn, de Nova Iorque, e tinha como líder máximo o Rebbe Menachem Mendel Schneersohn ou Rebbe de Lubavitch. O Rebbe Menachem Mendel Schneersohn é conhecido por ter sido completamente dedicado à Torá e ao povo, e ter uma percepção excepcional. O Rebbe Menachem Mendel tinha o mérito de abençoar, e sua comunidade o considerava possuidor de Daath HaTorá. Pessoas do mundo todo vinham ao seu escritório pedir conselhos particulares, políticos, dentre outros. Seus discípulos se sentem obrigados a seguir estes conselhos a todo custo, mesmo sem entendê-los. O Rebbe Hassídico é associado a um rei e responde a todos os tipos de perguntas. Em um de seus discursos dos anos oitenta o Rebbe Menachem Mendel de Lubavitch
pregou que cada judeu pegue para si um mestre (“tasse lekha rav”). Sabe-se também na comunidade Chabad – Lubavitch que quando uma pessoa quer saber sobre “kashrut”, sobre rezas ou sobre outros assuntos religiosos específicos ela deve encaminhar a sua pergunta a um legislador rabínico, a um Possek ou More DeAtra. A tensão entre autoridade rabínica e autonomia pessoal é assunto e título de livros editados por Moshe Sokol nos Estados Unidos. Sokol edita em seu livro sobre o século vinte o texto do Rabino Aharon Lichtenstein. Este texto cita a situação crítica do judeu ortodoxo moderno, de sua necessidade sociopsicológica de procurar a autoridade como uma âncora para retê-lo submisso. As autoridades rabínicas tratam de assuntos ligados a todas as ações de um judeu. Cada comunidade tem seus líderes e legisladores rabínicos, mas cada uma destas comunidades tem origens, história e costumes diferentes. Os fundamentos das leis judaicas rabínicas são basicamente os mesmos para todas as comunidades judaicas rabínicas, mas estes fundamentos se expressam de maneiras diferentes de acordo com o desenvolvimento histórico peculiar de cada comunidade e das culturas das sociedades ao seu redor. No Brasil existem vários grupos de judeus ultra-ortodoxos e ortodoxos, e São Paulo é a cidade que agrega o maior
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número destas comunidades. Havia no bairro do Bom Retiro, na cidade de S. Paulo, o Rebbe de Ratzfert, o Rebbe Beher, representante de uma dinastia na qual seus líderes eram associados a reis. Hoje seu filho está com projeto de mudar-se para os Estados Unidos, e, seu genro, que mudou-se do Bom Retiro para a região de Higienópolis, é o rabino responsável por esta comunidade. No bairro do Bom Retiro, na região de Higienópolis e no bairro de Cerqueira César são encontradas as maiores sinagogas e centros de estudos das comunidades judaicas, as quais as palavras de seus líderes são consideradas lei por muitos membros de suas próprias comunidades. A comunidade judaica de costumes sefaraditas de origem síria em Higienópolis é uma delas. A comunidade hassídica satmer, a central da comunidade hassídica chabad do Brasil e a comunidade judaica ortodoxa de origem lituana no bairro de Cerqueira César são outros exemplos. As escolas judaicas ultra-ortodoxas outorgam um comportamento judaico rabínico modelo a seus alunos, inclusive através de regulamentos rígidos que atingem a vida particular do aluno e de sua família. As escolas judaicas ortodoxas ensinam a religião e orientam seus alunos. Não se pode esquecer que existem escolas judaicas com líderes que não necessariamente conhecem a literatura rabínica, mas sustentam uma educação com motivos que lhe sejam concernentes como judaicos, além de transmitir alguns
costumes judaicos rabínicos como tradições judaicas. Existem também escolas judaicas, principalmente nos Estados Unidos, que educam de acordo com os seus desdobramentos judaicos reformistas, reconstrutivistas, entre outros... Deve-se também saber que existem rabinos não ortodoxos que não sabem estudar a Bíblia Hebraica e os textos talmúdicos nos idiomas originais e que utilizam em suas prédicas a literatura secular sobre judaísmo e os conteúdos desenvolvidos pelos programas para a formação da erudição pastoral de seus segmentos judaicos. E, que existem rabinos não ortodoxos e importantes líderes que não dominam a literatura rabínica, mas que, com seus conhecimentos, representam com dignidade suas comunidades e por vezes representam as comunidades judaicas em geral. Sem Juízes e Reis e com Rebbes que não legislam, cresce a tendência de que a elite de cada uma das comunidades judaicas rabínicas construa e escolha a sua liderança local. A liderança no judaísmo rabínico tem a relação simbólica da cabeça com o corpo18. A comunidade judaica rabínica geralmente procura, escolhe e questiona seus líderes. Quando estes líderes são autoridades rabínicas propriamente ditas eles assumem o papel de cabeça. A relação da cabeça com os orgãos do corpo é outro 18. Veja Midrash Raba, Bereshit 56:7, Tikunei Zohar 114a e Comentário de Rashi Tratado de Hulin 93a.
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assunto. A relação deste corpo judaico com o Todo Poderoso é apresentada nas fontes judaicas rabínicas como a relação de um noivo e uma noiva retratada no Cântico dos Cânticos19. Atualmente, mais do que nunca, segundo o Rabino Chefe da Inglaterra, Rabbi Jonathan Sacks, muitos judeus abandonam as suas origens religiosas. Mas, sabemos que das escrituras até hoje, não faltam também não judeus a abraçar os princípios e o modo de vida judaico rabínico. Com o desenvolvimento de diversos segmentos pós-modernos judaicos e a difusão e apropriação dos termos judaicos, talvez seja de bom tom que cada indivíduo que se apresente como rabino aplique como sufixo de seu título o segmento doutrinário, histórico, social e geográfico de que ele faz parte. Hoje nas sociedades ocidentais temse teoricamente o direito de escolher os amigos, escola, ambiente e de se escutar a quem se quer. Temos também o direito de acreditar no que conseguimos imaginar. Assim também qualquer indivíduo que queira participar da longa corrente
judaica rabínica e cumprir todos os seus ensinamentos pode se converter e fazer parte dela.
Bibliografia Berger, Michael S. Rabbinic Authority. New York, Oxford: Oxford University Press, 1998. Goldwurm, Hersh. The Rishonim. Second revised and expanded Mesorah Publications, Ltd, 2001. Maimonides, Moises. Mishne Torah. Mossad HaRav Kook, Jerusalem, 1993. Sokol, Moshe Z. Ed., Engaging Modernity: Rabbinic Leaders and the Challenge of the Twentieth Century. Orthodox Forum, Jason Aronson, 2000. Rabbinic Authority and Personal Autonomy. Jason Aronson, 1994. Ética dos Pais. Sidur Tekhilat H-shem, Mercaz LeYinyianeyi Hinukh, Kfar Habad 770 Eastern PkwY - Brooklyn N. Y. Ano 5763. Pentateuco. Edição Orekh Yiamim com Comentário de Unklus, Rashi. Editado e publicado por Yosef Shalom HaLevi Wainfeld ICI em Jerusalém, 1997.
19. Cântico dos Cânticos. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Religião e Ciência Joseph Harari & Gina Szajnbok Harari
Religião e Ciência têm como objetivo por todo o mundo. Se definirmos as leis básico o bem estar da humanidade. da Ciência como expressão da “vontade O Judaísmo é a Religião monoteísta mais de D’us”, não pode haver contradição entre antiga do mundo, e a maior revolução nas Ciência e Religião. Mesmo que as leis da ideias que o mundo já conheceu foi a crença natureza pertençam ao reino da Ciência, em um D’us que é incorpóreo e não tem toda lei natural é confirmada por dados forma corporal, de modo que Ele não pode científicos, com critérios que devem ser ser definido em termos aceitos pela Religião como uma lei divina da realidade humana e, que vem do Criador portanto, Ele está acima Religião e da Ciência, que descredo Universo. Ciência têm ve as leis que governam A seguir temos três como objetivo esta realidade [1 e 2]. exemplos de textos bíDe acordo com essa blicos donde se extrai básico o bem abordagem, não pode indicações de D’us para estar da haver uma contradição homem sobre a imentre Ciência e a crenportância da atividade humanidade. ça em D’us, visto que a científica. Ciência apenas descreSegundo a tradição ve a realidade física e, portanto, não pode judaica, no sexto dia da Criação, D’us criou descrever D’us. o Homem à Sua imagem, o abençoou e Além disso, o judaísmo intro- ordenou que se frutificasse e se multipliduziu dois princípios básicos da casse, enchendo a terra e subjugando-a, Religião monoteísta: D’us é o criador do dominando o peixe do mar e a ave dos céus universo e Ele estende Sua providência e todo o animal que se arrasta sobre a TerDiálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Religião e Ciência
O homem só pode usufruir dos bens da Terra se conhecer o comportamento dos ecossistemas e ciclos de vida neles inseridos. ra. E D’us deu também todas as ervas que dão sementes sobre a Terra, para o homem comer (Bereshit, 1, 28:30). Essas ordens podem ser consideradas como mandamentos de conhecimento e desenvolvimento científico, visto que o homem só pode usufruir dos bens da Terra se conhecer o comportamento dos ecossistemas e ciclos de vida neles inseridos. Paralelamente a esta diretriz de necessidade de conhecimento, as leis específicas da Torá podem ser vistas sob ponto de vista espiritual mas também físico. Por exemplo, as leis de utilização do solo na Terra de Israel, como a do o ano sabático, envolvem a santidade desta Terra, mas também constituem a forma de uma recuperação dos minerais para uma plena produção nos anos seguintes. O atual conhecimento científico da humanidade comprova isto. Ao expulsar Adão e Eva do Paraíso por causa do pecado da fruta proibida, D’us amaldiçoou a terra e disse ao Homem que com esforço iria comer dela (Bereshit, 3, 17:18). É o desenvolvimento científico que pode proporcionar a produção de milhares
e milhares de toneladas de alimentos, para milhões e milhões de pessoas. Portanto, faz parte do espírito da Torá o mandamento de esforço físico e espiritual para sua subsistência. Note-se que, no versículo de Bereshit, 1, 29, D’us disse “e eis que dei para vocês toda verdura ...”: segundo Rashi, RamBan e Ibn Ezra, D’us não permitiu ao homem e sua mulher matarem animais e comer sua carne, e só a partir da época de Noé é que isto foi permitido. Após o Dilúvio, D’us impôs, para a Terra, semeadura e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite, sem cessar (Bereshit, 8, 22). Nessa frase, D’us garantiu que as leis da natureza seriam mantidas para sempre, e que o Homem poderia aproveitar delas para sua subsistência e bem estar. Uma das bases da Ciência se encontra na repetibilidade dos fenômenos – Emoji, a constante gravitacional se mantém, a decomposição nuclear não muda, etc ... Pode-se considerar que as leis da natureza são expressões da vontade de D’us e, um dos objetivos dos cientistas, é tentar descobrir as teorias que melhor descrevem essas leis. Maimônides escreveu: “O único caminho para conhecer D’us é através do estudo da Ciência Emoji – e é por esta razão que a Torá começa com a descrição da Criação”. (Maimônides, Guia dos Perplexos, 1190). Um axioma fundamental do Judaísmo é que a Torá é um livro vivo e sua glória permeia toda a Terra. O princípio fundamental da fé judaica, como expressa Maimônides, é que a Torá, dada
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Religião e Ciência
ao homem séculos atrás, tem a força da verdade absoluta, e não pode haver nenhum evento que contradiz sequer uma parte dela. Segundo este princípio, nenhum desenvolvimento da Ciência, filosofia ou teologia poderá vir a desafiar a verdade da Torá como revelada no Sinai. Outro ponto de união entre Ciência e Religião se encontra cada vez mais pre-
sente. A descoberta de códigos genéticos, a clonagem de seres vivos e a possibilidade de compreender o início e o fim da vida têm questões morais complexas e a Religião terá um papel importante a desempenhar na manutenção do delicado equilíbrio entre o conhecimento e a moralidade. A importância do estudo da Torá nas gerações futuras está na maneira como
As leis de utilização do solo na Terra de Israel, como a do o ano sabático, envolvem a santidade desta Terra, mas também constituem a forma de uma recuperação dos minerais para uma plena produção nos anos seguintes. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Maimônides escreveu: “O único caminho para conhecer D’us é através do estudo da Ciência – e é por esta razão que a Torá começa com a descrição da Criação”. informações científicas estarão relacionadas com visões religiosas do mundo. Aqui residem grandes desafios, cada vez mais fascinantes para estudiosos judeus e cientistas. Em cada geração, haverá novas descobertas científicas, e grandes estudiosos judeus terão que levá-los em consideração e “incorporarem” estas descobertas em um contexto religioso judaico. Mesmo se o futuro trouxer descobertas científicas que levem a aparentes antagonismos entre o que é o relato da Torá e que é conhecido da pesquisa científica, a tensão criativa acabará por estimular a Torá aos estudiosos, e não enfraquecer a fé religiosa. Através da pesquisa científica se chega à descoberta da verdade científica e à conclusão que a mesma é idêntica à Torá, ou seja, contradições aparentes entre a Ciência e a Torá decorrem de nosso conhecimento incompleto da verdade científica no presente. Note-se, entretanto, que a Torá é Ciência, mas também envolve moral, caráter, comportamento, ... Pode-se concluir, portanto, que a visão de Maimônides da Torá e da Ciência é bastante ousada. Não só Maimônides rejeita a existência de um abismo entre a Torá e a Ciência, mas ele posiciona a Ciência ao lado
da Torá: as leis da natureza são “a vontade de D’us”, e se o objetivo da Torá e seus mandamentos é levar os seres humanos mais perto de D’us, devemos nos esforçar para compreender a “vontade de D’us”, ou seja, compreender as leis da natureza. Além disso, Maimônides afirma que não se pode aproximar de D’us adequadamente pelo estudo da Torá sozinho. As Ciências naturais, em sua opinião, são um meio de acesso que purifica o cérebro humano a adorar o Criador.
A plausibilidade da Fé Religiosa no Século XXI E.C. A visão de que, como o passar do tempo, a Ciência irá fortalecer a verdade eterna da Torá, de fato parece ter uma base sólida. Além disso, a crença judaica de que D’us criou o mundo parece mais razoável no século XXI E.C. do que nunca. A questão da criação foi resolvida no século XX E.C.: todos acreditam que o mundo foi criado, seja por um Ser
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Superior, seja por uma grande explosão (Big-bang) [3]. De fato, apenas o primeiro verso de Gênesis continua sujeito a debate. Os crentes afirmam que “D’us criou os Céus e a Terra”, enquanto que os ateus afirmam que o mundo foi realmente criado, mas que este foi um ato aleatório. No século XXI E.C., os crentes já não se encontram na defensiva em relação à pesquisa científica. Muito pelo contrário, a crença de uma pessoa religiosa é mais razoável do que a de uma pes-
soa que afirma não haver a Divina Providência, e que apenas o acaso rege a criação. Podem ser citados vários exemplos, retirados do excelente livro do Prof. Nathan Aviezer [4], em apoio à crença na ordenação Divina do universo: A vida na Terra requer água e sem água não há vida. Nos planetas vizinhos, como Vênus, que é mais próximo do Sol do que a Terra, a água se encontra no estado de vapor, enquanto que, em Marte, mais longe
De todas as órbitas possíveis para a Terra em torno do Sol, nós temos a órbita específica que permite os fluxos exatos de calor e água, que dá vida a todos os seres. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Religião e Ciência
do Sol, a água se concentra em gelo formado ao redor dos polos. Portanto, não pode haver vida nesses planetas. Ademais, como se poderia explicar que, de todas as órbitas possíveis para a Terra em torno do Sol, nós temos a órbita específica que permite os fluxos exatos de calor e água, que dá vida a todos os seres. Alguém poderia supor que isso aconteceu por mero acaso? Ainda com respeito à água, tome-se como exemplo sua conhecida anomalia: de todas as substâncias, a água em seu estado líquido tem a propriedade de ser menos densa do que em seu estado sólido, de modo que o gelo flutua na água, permitindo que os peixes sobrevivam na água abaixo da superfície durante o inverno. Além disso, a densidade da água é máxima a 4ºC, e diminui à medida que
a temperatura se aproxima de 0ºC; como resultado, a vida pode ser mantida nas profundezas do oceano, mesmo durante os invernos mais frios. Ao lado do fator água, a combustão nuclear no sol permite a vida na Terra e, se a mesma fosse alterada, por um pequeno percentual, as condições no nosso planeta poderiam ser desfavoráveis para a vida. Adicionalmente, as estrelas longínquas explodem e causam a chegada de carbono para a Terra, tornando possível a vida na sua superfície. Se essas estrelas se aproximassem, a radiação liberada em sua explosão tornaria a vida na superfície da Terra possível? Muitos outros exemplos da Divina Providência mostram que a fé é muito
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Religião e Ciência
o comportamento dos processos no planeta e dos seres vivos, mas chegar a controlar todos os passos dos processos naturais. Atualmente é possível controlar a genética de rebanhos, visando melhorar sua produtividade. Testes são realizados para “bombardear” nuvens com partículas de sal, para produzir chuvas em áreas com secas. Algum dia a Ciência irá controlar totalmente as condições meteorológicas? Nesse dia, como será a bênção de chegada ICI das chuvas?
Notas
razoável. De tudo isso se pode concluir que, com o passar do tempo, enquanto a Ciência faz novas descobertas, a fé no Criador e Sua Providência sobre o mundo só é fortalecida. Cientistas judeus foram abençoados por aprender a Torá e integrar Torá e Ciência, uma grande contribuição para a humanidade. Com certeza, novos desafios irão aparecer, para a Ciência e para a Religião. Nos últimos 50 anos, a capacidade de observação e previsão científica aumentou extraordinariamente. Marés nos oceanos podem ser previstas com precisão de milímetros, previsões meteorológicas contêm níveis de acerto cada vez maiores. Porém, o objetivo maior da Ciência não é somente o de prever
1. Artigo baseado nos trabalhos do Prof. Moshe Kaveh, da Universidade de Bar – Ilan,Israel: Torah and Science (http://www.biu.ac.il/ JH/Parasha/eng/bereshit/kavet.html) Faith and Science in the third Millennium (http://www.biu.ac.il/JH/Parasha/eng/ bereshit/kav2.html), acessados em junho de 2011. 2 Este é um dos 13 “Princípios de Fé” de Maimônides. No original, Maimônides diz em seu comentário sobre a Mishnah: “Esta Torá não deve ser revogada, nem haverá outra Torá”, e de acordo com a tradução de R. Kappah: “Esta, a Torá de Moisés, não deve ser revogada, nem haverá qualquer outra Torá.” 3. Gerland Schroder, Genesis e o Big Bang, de 1994. 4. Nathan Aviezer, In the Beginning, de 1994.
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Personagens da Bíblia Hebraica que Aparecem em Registros Arqueológicos Manu Marcus Hubner (doutorando em Letras pela USP)
O
s documentos da antiguidade que sobreviveram até os dias de hoje poderiam atestar a veracidade das narrativas Bíblicas ou, pelo menos, confirmar que a Bíblia Hebraica possui um contexto histórico plausível? Muitos dos locais citados pela Bíblia Hebraica realmente existem, e frequentemente possuem os mesmos nomes registrados pela Bíblia Hebraica. Existem outros lugares que, aparentemente identificados com cenários de eventos bíblicos, possuem nomes diferentes daqueles registrados pela Bíblia Hebraica, mas o trabalho minucioso de arqueólogos por diversas vezes desvendou a correspondência histórica entre os nomes antigos e modernos destes locais, como é o caso da antiga cidade de Ramsés (Gn 47:11; Ex 1:11 e 12:37; Nm 33:3, 5) identificada com a localidade de Khatana-Qantir, cujo nome atual é Tell el-Daba1. Assim, 1. Aharoni (1979, p. 176, 196); B. Mazar (Encyclopaedia Mikrait, 1982, Vol. 7, p. 389-394); Hoffmeier (1996, p. 117-9); Bright (2000, p. 121-2);
as evidências epigráficas que possuímos confirmam, com frequência, nomes de personagens, de locais e até mesmo de fatos registrados pela Bíblia Hebraica. É interessante notar que estes personagens, que aparecem tanto na Bíblia Hebraica quanto em documentos arqueológicos, estão, em ambos, em contexto similar, ou seja, tanto na Bíblia Hebraica quanto nos documentos arqueológicos, estes personagens participam dos mesmos eventos ou eventos da mesma época e de contexto possível. Podemos dizer que os personagens registrados pela Bíblia Hebraica dificilmente não seriam os mesmos daqueles de mesmo nome, registrados pela arqueologia. Vejamos alguns exemplos, entre as dezenas de possibilidades, de documentos arqueológicos nos quais aparecem personagens bíblicos. Naville (1924, p. 18-39); Davies (2009, p. 79); Cole (2000, p. 520); Freedman (1992, Vol. 5, p. 639); Levine (2000, p. 515); Kitchen (2006, p. 255); Sarna (Exploring Exodus, 1996, p. 20).
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
O nome do rei Acabe, do reino de Israel, cuja história está relatada no livro de I Reis 16:28-22:40, está também registrado na Estela de Salmaneser, que relata a batalha de Carcar no Rio Orontes (853 A.E.C.), entre o rei assírio Salmaneser III (859-824 A.E.C.) e uma liga de doze reis. Esta estela é também chamada de Monolito Kurkh, por ter sido encontrada
no vilarejo de Kurkh, próximo à cidade de Bismil na província de Diyarbekir, Turquia, em 1861, por J. E. Taylor, cônsul britânico. Encontra-se no British Mu-
Fig. 1. Estela de Salmaneser
Fig. 2. Obelisco Negro de Salmaneser
“(...) Ele trouxe para ajudá-lo 1200 bigas,
“(...) O tributo de Jeú (Ia-ú-a), filho de Omri (Ḫu-um-ri); Eu recebi dele prata, ouro, uma vasilha de ouro, um vaso de ouro de fundo pontudo, copos de ouro, baldes de ouro, estanho, um cajado real [e] ‘puruḫtu’ de madeira.”
1200 cavaleiros, 20000 soldados de Hadadezer de Damasco; (...) 2000 bigas, 10000 soldados de Acabe (A-ḫa-ab-bu), o Israelita (...)” Aharoni (1998, p. 96); Bright (2000, p. 243); Dever (2001, p. 163); Pritchard (1958, p. 188-191; 1958a, p. 178-180).
Aharoni (1998, p. 100); Dever (2001, p. 166); Pritchard (1958a, p. 171-178).
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
seum de Londres. O rei Hadadezer, de Damasco, cujo nome aparece no livro de 2 Samuel 8:2-5, também faz parte da liga de reis que luta contra os assírios. A batalha de Carcar não é mencionada pela Bíblia, e aparentemente o rei Acabe foi morto logo depois em outra batalha, em Ramote-Gileade, em um conflito com Damasco, após a retirada do exército assírio. Há também um obelisco do mesmo rei assírio, Salmaneser, chamado de Obelisco Negro (cerca de 830 A.E.C.), que mostra o rei de Israel Jeú (2 Rs 9:4-10:36) pagando tributos a Salmaneser III, descoberto pelo arqueólogo Austen Henry Layard em 1846 em Nimrod (Calá), norte do Iraque. Encontra-se no British Museum, Londres. Mesmo que a Bíblia Hebraica não registre esta cena específica, ela é plausível. A estela de basalto negro de Tel Dan contém uma inscrição em aramaico que celebra a vitória de um rei arameu, provavelmente de Damasco, sobre os hebreus. Três personagens bíblicos são mencionados nesta estela: David, Rei de Israel (1 Sam 16:13; 2 Sam 5:3-4), Joram, Rei de Israel (2 Rs 3:1-9:24), e Acazias, Rei de Judá (2 Rs 8:25-9:29). A linguagem, localização e datação (entre o Nono e o Oitavo Séculos A.E.C.) tornam plausível que o autor seja Hazael ou seu filho, Bar Hadad II/III, reis de Damasco e inimigos de Israel. No relato bíblico, o rei arameu apenas fere o rei de Israel, Joram, que, ferido, abandona a batalha e é posteriormente assassinado por Jeú, seu sucessor, que também assassina o rei de Judá, Aca-
zias. O relato da estela é diferente: o rei arameu é quem assassina os reis de Israel e de Judá. Curiosamente, é a primeira vez que o nome “David” surge em um documento arqueológico. Seus fragmentos
Fig. 2. Estela de Tel Dan “(...) E o rei de Israel penetrou na terra de meu pai. [E] Hadad me tornou rei. E Hadad foi na minha frente [e] eu parti de ... dos meus reis. E eu matei dois reis poderosos, que prepararam duas mil bigas e dois mil cavaleiros. Eu matei Joram filho de [Acabe] rei de Israel, e eu matei Acazias filho de [Joram] rei da Casa de David.” Athas (2003, p. 192-194); Kitchen (2006, p. 17, 36-37).
2 Rs 9:14-28 “...e o rei Joram voltou para se curar, em Jezreel, dos ferimentos causados pelos arameus, quando ele estava lutando contra Hazael, rei de Aram. (...) Jeú pegou seu arco e acertou Joram entre suas omoplatas; a flecha saiu pelo seu coração, e ele caiu em sua biga. (...) Acazias, rei de Judá, fugiu para Megido e morreu lá.”
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
foram descobertos entre 1993 e 1994 por uma equipe dirigida por Avraham Biran. O Balaam, filho de Beor bíblico (Nm 22:5-24:25; 31:8) foi contratado pelo rei Balak, de Moabe, para amaldiçoar os israelitas. Os fragmentos de Deir Alla trazem o registro de um cataclisma iminente, o qual foi informado ao profeta Balaam através de um sonho. As duas narrativas possuem muito em comum: em ambos, Balaam é um profeta com visões proféticas noturnas, e em ambos, o cenário dos acontecimentos é a Transjordânia. Os 119 fragmentos já encontrados das inscrições em tintas vermelhas e pretas
Fig. 3. Inscrições de Deir Allah Kitchen (2003, p. 412-413).
sobre gesso branco foram encontrados em 1967 e datam de 840-700 A.E.C. Encontram-se no Museu Arqueológico de Aman, na Jordânia. A Pedra Moabita de Dibom, uma pedra de basalto descoberta na Jordânia, também conhecida como Estela de Mesa, rei de Moabe (849 A.E.C.), foi descoberta em 1868 pelo missionário alemão F. A. Klein, e encontra-se no Louvre, em Paris. Os nomes dos personagens bíblicos Omri, Rei de Israel (2 Rs 9:4-10:36) e Mesa, Rei de Moabe (2 Rs 3:4-5) estão registrados nesta pedra. Após a morte de Acabe, filho de Omri (885-874 A.E.C.), Mesa revoltase contra o domínio de 40 anos exercido pelo reinado de Israel sobre Moabe. A mesma história de revolta e os mesmos personagens se encontram tanto no relato bíblico, quanto na Estela de Mesa. A estela teria sido feita por volta de 830 A.E.C. Trezentos textos cuneiformes da Babilônia, que se encontram no Staatliche Museen de Berlim, registram a distribuição de alimentos dos armazéns reais de Nabucodonosor II, rei da Babilônia (605562 A.E.C.), dos quais quarto textos indicam rações mensais para Jehoiakhin (2 Rs
Os documentos da antiguidade que sobreviveram até os dias de hoje poderiam atestar a veracidade das narrativas Bíblicas ou, pelo menos, confirmar que a Bíblia Hebraica possui um contexto histórico plausível? 48 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
24:15, 25:27-30; Jr 52:31-34), rei de Judá, incluindo seus cinco filhos. Nabucodonosor conquistou Jerusalém e exilou seu rei com sua família e parte da população da cidade. Suas condições na Babilônia se mantiveram desconhecidas até que o sucessor de Nabucodonosor, Evil-Merodach, concedeu-lhe uma posição de privilégio. A lista de ração comprova que o rei de Judá esteve realmente cativo na Babilônia, conforme a narrativa bíblica. No XIII século A.E.C., o faraó Merneptah (1236-1223 A.E.C.) afirma que destruiu um povo chamado “Israel”. É interessante notar que a estela de granito de Merneptah (1208 A.E.C.) mencione um povo chamado “Israel” vivendo em Canaã. É possivelmente a única vez que um documento egípcio mencione o nome “Israel”. A escrita hieroglífica deste nome deixa claro que este “Israel” se refere a um grupo de pessoas, possivelmente tribal, e não a uma cidade, nação ou região. A estela foi encontrada nas ruínas do templo funerário do Faraó Merneptah em Tebas, e encontra-se exposta no Museu Egípcio do Cairo. É interessante destacar, conforme lembrado por Kitchen (2006, p. 310-11), que os faraós nunca divulgam suas derrotas, ou a perda de um esquadrão de elite de bigas, nas paredes dos templos, para que todos possam ver, já que os deuses egípcios somente proporcionaram vitórias aos reis – e derrotas indicam desaprovação! O prisma hexagonal de Senaqueribe, datado em torno de 689 A.E.C., escrito
Fig. 4. Estela de Mesa ” (...) Quanto a Omri, rei de Israel, que humilhou Moabe por muitos anos, pois Quemosh estava zangado com sua terra. E seu filho o seguiu e também disse: ‘vou humilhar Moab’. No meu tempo ele falou, mas eu triunfei sobre ele e sobre sua casa, enquanto Israel pereceu para sempre! Omri ocupou a terra de Medeba, e [Israel] habitou lá no seu tempo e metade do tempo do seu filho (Acabe), quarenta anos; mas Quemosh habitou lá no meu tempo.” Aharoni (1998, p. 114-116); Bright (2000, p. 242); Kitchen (2006, p. 13, 34-36); Pritchard (1958, p. 209-210).
2 Reis 3:4-5 “Mesa, o rei de Moab, era um pastor. Ele pagou para o rei de Israel cem mil ovelhas gordas e cem mil carneiros cobertos de lã. Quando Acabe morreu, o rei de Moab se rebelou contra o rei de Israel.”
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
em acádio, contém os anais do rei assírio Senaqueribe (704-681 A.E.C.), que sitiou a cidade de Jerusalém em 701 A.E.C., durante o reinado de Ezequias, rei de Judá (2 Rs 18:13-19:37, 20:20; Is 36:1-37:38; 2 Cr 32:2-4, 30). Senaqueribe é também mencionado na Bíblia Hebraica (2 Rs 18:1319:37; Is 36:1-37:38). O prisma, também conhecido como “Prisma de Taylor”, foi descoberto numa colina em Kuyunjik, atual Mosul, nas ruínas de Nínive, antiga capital do Império Assírio, atual Iraque, pelo coronel Taylor, em 1830. Encontra-se no Oriental Institute of Chicago, Illinois. Ainda sobre o reinado de Senaqueribe (704-681 A.E.C.), a destruição de Laquis
pelo exército assírio está muito bem documentada através das cartas de Laquis encontradas nos destroços queimados do portão da cidade, e do grande relevo mural encontrado no palácio de Senaqueribe, em Nínive, escavado por Henry Layard em 1845-1849, que detalha a cidade, o sítio e os resultados da conquista: rendição, execução e deportação. (Mazar, 2003, p. 412-437). O faraó Sheshonk I (945-924 A.E.C.) corresponde ao personagem da Bíblia Shishak (1 Rs 11:40, 14:25-26; 2 Cr 12:29), que avança sobre Jerusalém no quinto ano do reinado de Roboão, rei de Judá (1 Rs 14:25-26). A história bíblica corresponde ao registro deixado pelo faraó do
Fig. 5. A Estela de Merneptah Fig. 5. Listas de Ração da Babilônia “(...) 10 [sila] para Ia-ku-ú-ki-nu, o filho do rei de Ia-ku-du (Judá); 2,5 sila para os cinco filhos do rei de Judá (Ia-ku-du) through Qana’a (...)” (text Babylon 28186)
“Canaã é perseguida por todos os males, Asquelom foi levada, Gezer capturada, Ianoam é como se não fosse, Israel está devastada, sua semente não mais existe.” Malamat (1998, p. 62-66), Propp (2000, p. 741-
Pritchard (1958, p. 205).
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744), Pritchard (2011, p. 328).
Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
grandes e pequenas, e considerei-os como pilhagem. Fiz dele próprio prisioneiro em Jerusalém, sua residência real, como um pássaro numa gaiola. (...)” Aharoni (1998, p. 117-118); Bright (2000, p. 284309); Dever (2001, p. 167-171); Kitchen (2006, p. 40-42); Pritchard (1958, p. 199-201).
O livro de Reis (2 Rs 18:13) menciona a submissão do rei Ezequias: “No décimo-quarto ano do rei Ezequias, Senaqueribe rei da Assíria atacou todas as cidades fortificadas de Judá, e as capturou. Ezequias, rei de Judá, enviou mensageiros ao rei da Assíria, a Laquis, dizendo: ‘Eu pequei. Retire-se e aquilo que você me impuser, eu acatarei. O rei da Assíria impôs sobre Ezequias rei de Judá uma taxa de 300 talentos de prata e 30 talentos de ouro.”
Fig. 6. O Prisma Hexagonal de Senaqueribe “ Quanto a Ezequias (Ha-za-qi-(i)a-ú), o Judeu, ele não se submeteu ao meu jugo, eu levantei cerco sobre 46 de suas cidades fortificadas, fortalezas muradas e sobre os incontáveis pequenos vilarejos na sua vizinhança, e conquistei-os (...). Eu expulsei 200150 destas pessoas, jovens e velhos, homens e mulheres, cavalos, mulas, burros, camelos, incontáveis cabeças de gado
As evidências epigráficas que possuímos confirmam, com frequência, nomes de personagens, de locais e até mesmo de fatos registrados pela Bíblia Hebraica.
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
seu itinerário, uma lista das 154 cidades conquistadas nos territórios atuais de Israel e Síria. Este registro encontra-se no templo de Amon, em Karnak. Além desta lista de cidades, em Megido foi encontrado um fragmento de uma estela monumental contendo o nome de Sheshonk I, reforçando a conclusão de que o faraó realmente esteve na região e ergueu um monumento triunfal naquele local. O fragmento de Megido foi encontrado nas escavações de 1930 chefiadas por R.S. Lamon e G.M. Shipton do Oriental Institute de Chicago. A Tábua de Tiglate-Pileser III (745-727 A.E.C.), chamado de “Pul” na Bíblia Hebraica, e sua lista de prisioneiros, registra que o rei Menaém, de Samaria (reino de Israel) pagou tributos e se submeteu ao rei assírio, além da menção de outros reis de Judá e de Israel. Encontra-se no Museu Israel, de Jerusalém. Os seguintes personagens bíblicos são mencionados pela tábua: Acaz, Rei de Judá (2 Rs 16:7-8; 2 Cr 28:2021; Os 1:1; Mi 1:1), Menaém, Rei de Israel (2 Rs 15:14-22; 1 Cr 5:26), Oséas, Rei de Israel (2 Rs 17:1-18:12), Peca, Rei de Israel (2 Rs 15:25-31), Rezin, Rei de Aram (2 Rs 16:5-9) e Tiglate-Pileser III, rei da Assíria (2 Rs 15:29, 16:7-10). Em seus anais, o rei assírio Sargão II (721-705 A.E.C.) (Is 20:1; 2 Rs 18:9-
10) menciona a conquista do reino de Israel, mencionando até mesmo o número de prisioneiros capturados, e se declara conquistador do reino de Judá. O relevo de Sargão II foi descoberto nas ruínas de Corsabade, no nordeste do Iraque, pelo arqueólogo francês Paul Emil Botta em 1842, e encontra-se no Louvre de Paris. O relevo de Sargão II com seu marechal de campo encontra-se no British Museum de
Fig. 9. A destruição de Laquis O livro de Reis (2 Rs 18:13) menciona o ataque de Senaqueribe a Laquis: “No décimo-quarto ano do rei Ezequias, Senaqueribe rei da Assíria atacou todas as cidades fortificadas de Judá, e as capturou. Ezequias, rei de Judá, enviou mensageiros ao rei da Assíria, a Laquis, dizendo: ‘Eu pequei’ (...)”
Diversos selos nos fornecem nomes de pessoas, títulos oficiais, e informações sobre o sistema administrativo e a iconografia. 52 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Fig. 8. A Tábua de Tiglate-Pileser
Fig. 7. Relevo e Estela do Faraó Sheshonk Aharoni (1998, p. 91-92); Bright (2000, p. 233-234);
“ (...) Em todas as nações nas quais [eu recebi] tributo (...), Joacás (Ia-úḫa-zi) de Judá (...). Eu recebi tributo de (...), Rezon de Damasco, Menahem (Me-ni-ḫi-im-me) de Samaria, (...). [Quanto a Menaém, eu] o oprimi [como uma nevasca] e ele... fugiu como um pássaro, solitário, [e se ajoelhou aos meus pés(?)]. Eu o fiz retornar ao seu lugar [e cobrei tributo dele:] ouro, prata, vestidos de linho com guarnições multicoloridas, ... muito eu recebi dele. Israel (literalmente: “terra de Omri”, Bît Ḫumria), todos seus habitantes (e) seus pertences eu levei para a Assíria. Eles derrubaram seu rei Peca (Paqa-ḫa) e eu coloquei Oséas (A-ú-si-) como rei deles. Eu recebi deles 10 talentos de ouro, 1000 (?) talentos de prata como seu tributo, e eu os levei para a Assíria”.
Kitchen (2006, p. 10, 32-34); Pritchard (1958,
Aharoni (1998, p. 113); Bright (2000, p. 270-274);
p. 187; 2011, p. 239).
Pritchard (1958, p. 193-194; 2011, p. 264-265).
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Londres. Os prismas foram encontrados em Nimrod, Iraque, entre 1952 e 1953, e estão hoje no Louvre, em Paris. Os livros de Reis (2 Rs 20:2) e Crônicas (2 Cr 32:2-4) relatam as obras do rei Ezequias, do reino de Judá, como parte das preparações contra a iminente invasão assíria. Estas obras estão também registradas na inscrição de Siloam, que se encontra no Museu de Istambul, Turquia. Diversos selos encontrados, feitos de diferentes tipos de pedras duras e semi-
preciosas, e suas impressões em asas de jarros e bullae de argila, nos fornecem nomes de pessoas, títulos oficiais, e informações sobre o sistema administrativo e a iconografia do período. A maioria destes selos é encontrada em níveis dos séculos VIII e VII A.E.C., referentes aos reinos de Israel e Judá. Alguns dos nomes encontrados podem ser identificados na Bíblia, como por exemplo: “Berachyahu, filho de Neriyahu, o escriba”, que pode ser identificado com Baruc, escriba de
Fig. 8. Anais de Sargão Inscrições: “Eu conquistei e saqueei as cidades de Shinurthu [e] Samaria (As-mir-i-na) e todo Israel (Bît-Ḫu-um-ri-a, Terra de Omri”) (...)” ” Eu sitiei e conquistei Samaria (Sa-meri-na), levei como prisioneiros 27290 de seus habitantes.” Prisma: “(...) Então para os governantes da Palestina (Pi-lis-te), Judá (Ia-ú-di), Ed[om],
Moabe [e] aqueles que vivem [nas ilhas] e trazem tributo [e] ‘tâmartu’ - presentes para meu senhor Ashur (...)” Inscrição em Nimrod: “Propriedade de Sargão, conquistador da nação de Judá (Ia-ú-du), que é distante (...)” Aharoni (1998, p. 114-116); Bright (2000, p. 275); Gadd (1954, p. 173-201); Pritchard (1958, p.
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195-198; 2011, p. 266-269).
Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Jeremias durante a época de Joaquim (Jr 36); “Jeremiel, o filho do rei”, presumivelmente o filho de Joaquim, enviado para prender Jeremias (Jr 36:26); Gamarias, filho de Safã”, uma importante autoridade
(Jr 36:10-12); “Gedalyahu acima da casa”, identificado com Godolias (“Guedália”), filho de Aicam, nomeado governador de Judá depois da destruição de Jerusalém (Jr 39:14). (Mazar, 2003, p. 493-4)
Fig. 9. Inscrição de Siloam e Túnel de Ezequias “E esta foi a maneira em que foi perfurado: — Enquanto [. . .] ainda (havia) [. . .] machado(s), cada homem em direção ao seu companheiro, e quando ainda faltavam três côvados para serem perfurados, [ouviu-se] a voz dum homem chamando seu companheiro, pois havia uma sobreposição na rocha à direita [e à esquerda]. E quando o túnel foi aberto, os cavouqueiros cortaram (a rocha), cada homem em direção ao seu companheiro, machado contra machado; e a água fluiu da fonte em direção ao reservatório por 1.200 côvados, e a altura da rocha acima da(s) cabeça(s) dos cavouqueiros era de 100 côvados.” (Museu de Istambul) “Ora, o restante dos atos de Ezequias, e todo o seu poder, e como fez a piscina e o aqueduto, e como fez vir a água para a cidade, porventura não estão escritos no
livro das crônicas dos reis de Judá?” (2 Rs 20:2) “Quando Ezequias viu que Senaqueribe tinha vindo com o propósito de guerrear contra Jerusalém, teve conselho com os seus príncipes e os seus poderosos, para que se tapassem as fontes das águas que havia fora da cidade; e eles o ajudaram. Assim muito povo se ajuntou e tapou todas as fontes, como também o ribeiro que corria pelo meio da terra, dizendo: Por que viriam os reis da Assíria, e achariam tantas águas?” (2 Cr 32:2-4) “Também foi Ezequias quem tapou o manancial superior das águas de Giom, fazendo-as correr em linha reta pelo lado ocidental da cidade de Davi. Ezequias, pois, prosperou em todas as suas obras.” (2 Cr 32:2) Pritchard (2011, p. 290) Fotos: Museu de Istambul.
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Fig. 10. Exemplos de Selos O nome Gedália, “acima da casa”, é identificado com Godolias (“Guedália”), filho de Aicam (2 Rs 25:22-24; Jr 40:5-41:3), nomeado governador de Judá depois da destruição do primeiro templo de Jerusalém (586 A.E.C.) por Nabucodonosor, rei da Babilônia. O selo foi encontrado em 1935 nas escavações de Laquis.
Em Jr 36:1-8, o profeta Jeremias chama seu escriba Baruc ben Neria, que escreve as palavras ditadas pelo profeta. Em Jr 36:26, o rei de Judá, Jehoiakim, ordena a prisão do profeta e de seu escriba. Em Jr 36:32, o profeta dita ao escriba novamente as palavras proféticas, após saber que o rei havia queimado o manuscrito original. Kitchen (2003, p. 21, 383)
"Pertence a Gedália, que está sobre a casa.” Kitchen (2003, p. 69-70)
Estes são apenas alguns exemplos de evidências epigráficas que comprovam a existência de personagens menciona-
dos pela Bíblia Hebraica. Temos muitas outras ocorrências, conforme a tabela a seguir.
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Personagem (ordem alfabética)
Bíblia Hebraica
Arqueologia
Acabe, rei de Israel
1 Rs 16:28- A estela de Salmaneser, que relata a batalha de 22:40 Carcar no Orontes - 853 A.E.C., entre o rei assírio Salmaneser III (859-824 A.E.C.) e uma liga de doze reis, entre os quais é mencionado o rei Acabe, de Israel.
Acazias, filho de Joram, rei da Casa de David
2 Rs 8:25-9:29
Acaz, rei de Judá
2 Rs 16:7-8; 2 Inscrição de Tiglat-Pileser III recebendo tributos Cr 28:20-21; do rei de Judá. Os 1:1; Mi 1:1
Balaam
Nm 22:5-24:25; Inscrições de Deir Alla, na Jordânia, contam suas 31:8 profecias.
Baltazar (Belshazzar), rei da Babilônia
Dn 5
Cilindro de Nabonidus, original de Sippar.
Berachyahu, filho de Neriyahu, o escriba
Jr 36
Duas impressões de selo com seu nome foram encontradas em 1975 e 1996, pode ser identificado com Baruc, escriba de Jeremias durante a época de Joaquim.
Ciro, rei da Pérsia
2 Cr 36:22-23
Cilindro de Ciro, que comemora a vitória sobre a Babilônia.
A estela de Tel Dan contém uma inscrição em Aramaico que celebra a vitória de um rei arameu, provavelmente de Damasco, sobre os hebreus. A linguagem, localização e datação (entre o Nono e o Oitavo Séculos A.E.C.) tornam plausível que o autor seja Hazael ou seu filho, Bar Hadad II/III, reis de Damasco e inimigos de Israel. Curiosamente, é a primeira vez que o nome “David” surge em um documento arqueológico.
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Esarhaddon, Rei da Assíria
(2 Rs 19; Is 37; A estela de Esarhaddon (680-669 A.E.C.), datada Ez 4) 671 A.E.C., registra as campanhas militares vitoriosas do rei assírio filho de Senaqueribe, e lista reis de territórios a oeste do rio Eufrates, entre os quais está incluído o rei Menassés, de Judá. Tratados de Esarhaddon.
Ezequias, rei de Judá
2 Rs 18:1319:37, 20:20; Is 36:1-37:38; 2 Cr 32:2-4, 30
O Prisma Hexagonal de Senaqueribe (701–681 A.E.C.), escrito em acádio, no qual este rei afirma ter subjugado o reino de Judá, tomando cidades, levando escravos e prendendo o rei, Ezequias, em Jerusalém, como numa gaiola. Obras de Ezequias: aqueduto de Siloé e manacial de Giom. As inscrições de Siloé testemunham a narrativa Bíblica da construção de um novo canal para trazer suprimento de água até Jerusalém, enquanto a cidade estava sendo ameaçada pelos assírios, em torno de 701 A.E.C.. As águas de Giom foram desviadas para o vale de Gai por um túnel de 533 metros de comprimento. Uma inscrição numa pedra, no final do túnel, descreve o projeto.
Gamarias, filho de Safã
Jr 36:10-12
Nome encontrado em impressões de selos, uma importante autoridade.
Gedália, “acima da casa”
Jr 40:5-41:3
Nome encontrado em impressões de selos, identificado com Godolias, filho de Aicam, nomeado governador de Judá depois da destruição de Jerusalém.
Hazael, rei de Damasco
2 Rs 8:7-15
Obelisco de Salmaneser III, 18º. ano, e inscrição do mesmo rei em mármore pérola.
Jeremiel, o filho do rei
Jr 36:26
Nome encontrado em impressões de selos, presumivelmente o filho de Joaquim, enviado para prender Jeremias.
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Jeroboão II, rei de Israel
2 Rs 14:23-29
O Selo de Megido, onde se lê “Sema servo de Jeroboão”, provavelmente pertenceu a um ministro do rei Jeroboão II.
Jeú, filho de Omri, rei de Israel
2 Rs 9:4-10:36
O Obelisco Negro de Nimrod (norte do Iraque, cerca de 830 A.E.C.), mostra o rei de Israel pagando tributos a Salmaneser III.
Johanan, sumosacerdote durante o reinado de Dario I
Ne 12:22-23
Papiro de Elefantina, Egito.
Joram, filho de Ahab, rei de Israel
2 Rs 3:1-9:24
A estela de Tel Dan contém uma inscrição em Aramaico que celebra a vitória de um rei arameu, provavelmente de Damasco, sobre os hebreus. A linguagem, localização e datação (entre o Nono e o Oitavo Séculos A.E.C.) tornam plausível que o autor seja Hazael ou seu filho, Bar Hadad II/III, reis de Damasco e inimigos de Israel.
Menahem, rei de Israel
2 Rs 15:14-22; A Tábua de Tiglate-Pileser III (745 A.E.C.) e sua 1 Cr 5:26 lista de prisioneiros, em cujas inscrições está registrado que o rei Menahem, de Samaria (reino de Israel) pagou tributos e se submeteu ao rei assírio.
Menassés, rei de Judá
2 Rs 20:21- Registros de Assurbanipal, rei da Assíria, sobre 21:18; Ez 4:9-10 a conquista de Elam e da Babilônia; registros de Esarhaddon, filho de Senaqueribe.
Mesa, rei de Moabe que se revolta contra o reino de Judá
2 Rs 3:5
A Pedra Moabita de Dibom, na Transjordânia, também conhecida como Estela de Mesa, rei de Moabe (853-852 A.E.C.)
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Jr 27:6.
Portão de Ishtar, construído por ele mesmo. Tábua cuneiforme de Nabucodonosor. O registro arqueológico da destruição de Judá pelos babilônios é extenso. Jerusalém foi maciçamente destruída e queimada, como demonstrado pelos achados perto da torre no Bairro Judeu e pelas casas queimadas na costa oriental da Cidade de Davi. Fora de Jerusalém, o palácio de Ramat Raquel caiu em ruínas.
Neco, faraó do Egito
2 Rs 23:33-35
Inscrições de Assurbanipal.
Omri, rei de Israel
2 Rs 9:4-10:36
A Pedra Moabita de Dibom, na Transjordânia, também conhecida como Estela de Mesa, rei de Moabe (853-852 A.E.C.)
Oséas, rei de Israel
2 Rs 17:1-18:12
Anais de Tiglate-Pileser III, rei da Assíria, encontrados em Calah.
Pekah, rei de Israel
2 Rs 15:25-31
Anais de Tiglate-Pileser III, rei da Assíria.
Rezin, rei de Aram
2 Rs 16:5-9
Anais de Tiglate-Pileser III, rei da Assíria.
Sanballat, governador da Samária, opositor de Neemias
Ne 6
Papiro de Elefantina, Egito.
Sargão II, rei da Assíria
Is 20:1
Inscrições e relevo de Sargão II (721-705 A.E.C.), descobertos nas ruínas de Khorsabad, no nordeste do Iraque. Nas inscrições, Sargão afirma ter conquistado Samaria no seu primeiro ano de reinado, levando 27.290 prisioneiros.
Nabucodonosor,
rei da Babilônia
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
Senaqueribe, rei da Assíria
2 Kings 18:13- O Prisma Hexagonal de Senaqueribe (701–681 19:37; Isaiah A.E.C.), escrito em acádio, no qual este rei afirma 36:1-37:38 ter subjugado o reino de Judá, tomando cidades, levando escravos e prendendo o rei, Ezequias, em Jerusalém, como numa gaiola. A destruição de Laquis pelos assírios está muito bem documentada através das cartas de Laquis encontradas nos destroços queimados do portão da cidade, e do grande relevo mural encontrado no palácio de Senaquerib, em Nínive, que detalha a cidade, o sítio e os resultados da conquista: rendição, execução e deportação.
Shishak, faraó do Egito
1 Rs 14; 2 Cr 12 Parede sul do Grande Templo de Amon, em Carnaque.
Tiglate-Pileser 2 Rs 15:29, Inscrição de Barrakab, rei de Sem’al, e na lista de III, rei da 16:7-10 reis asssírios; Tábua de Tiglate-Pileser III. Assíria Pritchard, 1950; id., 2011. Aharoni, 1998, p. 97-103; Mazar, 2003, p. 412-437, 493-4.
O grande arqueólogo Albright (1964, pp. 294-296) classificou da seguinte forma a contextualização histórica bíblica: “Tem havido um retorno geral ao apreço da exatidão da história religiosa de Israel, tanto no aspecto geral como nos pormenores factuais. Em suma, agora podemos novamente tratar a Bíblia do começo ao fim como documento autêntico de história religiosa (...). Não é exagero enfatizar-se fortemente que, a bem dizer, não há nenhuma evidência, no antigo Oriente Próximo, de falsificação documentária ou literária.”
Bibliografia AHARONI, Yohanan [et al.]. Atlas Bíblico. Rio de Janeiro: CPAD, 1999. . The Land of the Bible. A Historical Geography. Philadelphia: The Westminster Press, 1979. Albright, William Foxwell. History, Archaeology, and Christian Humanism. McGraw-Hill, 1964. ATHAS, George. The Tel Dan inscription: a reappraisal and a new interpretation. New York: Sheffield Academic Press, 2003. AVIGAD, Nahman. Hebrew Bullae from the Time of Jeremiah: Remnants of a Burnt Archive. Jerusalem: Israel Exploration Society, 1986, Pp. 139, in Journal of Near Eastern Studies, Vol. 50, No. 3 (Jul., 1991), pp. 222-224, disponível em:
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Personagens da Bíblia Hebraica que aparecem em registros arqueológicos
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62 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
A Visão Racionalista da Bíblia: Maimônides e os Comentários da Mishná Enrique Mandelbaum
R
abi Moshé ben Maimon, mais conhecido dentro do campo judaico pelo acróstico Rambam e, no campo da filosofia em geral, pelo nome de Maimônides, é daqueles homens cuja obra pode ganhar o qualificativo de biblioteca, não apenas pelo impressionante volume de páginas escritas, mas principalmente porque, em torno de sua obra, um homem pode viver. E é mais do que isto. Em sua obra, todo um coletivo humano pode organizar-se. Se Maimônides é um filósofo, então a filosofia tem nele um autor em quem a distância entre os fenômenos humanos e as elaborações teóricas é eliminada, tornando assim a elaboração teórica o meio privilegiado para o aperfeiçoamento da vida dos homens. É impressionante como, em pleno início do século XII E.C., o nome de Rabi Moshé espalhou-se por lugares tão distantes quanto o norte da França, a Provença, a atual região da Alemanha, Itália, Síria, Babilônia, norte da África e Yêmen. Em tempos de aldeia global, tendemos a acreditar que o mundo medieval era mar-
cado por um enorme isolamento, ou que as comunicações entre os diversos centros culturais eram extremamente reduzidas. O caso de Maimônides é um bom exemplo de quão errada é essa suposição. Ele se põe num lugar que poderíamos definir como uma encruzilhada de civilizações, e assume uma postura que, utilizando um termo contemporâneo, poderia defini-lo como humanista, mas o faz implicando-se
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A Visão Racionalista da Bíblia: Maimônides e os Comentários da Mishná
profundamente em sua identidade pessoal, em sua condição de judeu, e assumindo total responsabilidade por seu coletivo. Rambam é um exemplo de que o melhor caminho para o universal é o mergulho nas raízes pessoais. E, para nos apropriarmos da ideia do lugar que Rambam ganhou dentro do povo judeu, basta dizer que, quando de sua morte, no dia 20 de Tévet de 4965 (1204), todas as comunidades judaicas o prantearam. Não que sua obra não tenha despertado oposição no próprio campo judaico, mas a oposição, principalmente, foi suscitada pelo reconhecimento de sua grandeza, tão monumental ela era que corria o risco de eclipsar, de acordo com alguns oponentes, toda a produção anterior. É que Maimônides, por assim dizer, atuou primeiro como uma “esponja”, podendose dizer sem exagero que absorveu toda a produção rabínica do período talmúdico e gaônico para, a seguir, comportar-se como um “funil”, organizando um código de leis tão impressionante que, aos seus contemporâneos, lhes parecia que levaria a prescindir do incrível empenho realizado pelas
academias talmúdicas. Visto à distância e com nossos olhos contemporâneos, que desconfiam das grandes sistematizações, tendemos a aderir às objeções do Rabi Abraham ben David, o Rabad, do círculo de poskim (comentadores) da Provença, que, com olho crítico, investigou toda a Mishné Torá – a principal obra halákhica de Rambam -, produzindo o que, no campo talmúdico, se conhece pelo nome de Hasagot (objeções) de Rabad. Claro que, nessa polêmica – uma polêmica violenta e de grande implicação histórica -, as concepções de Rambam sobre D´us ocupam um lugar importante, mas a principal questão parece suportar-se no empenho de demonstrar que o código de leis da Mishné Torá, essa organização sistemática de leis e preceitos realizada por Rambam, não conseguiria, apesar de toda a sua grandeza, sobrepor-se ao Talmud. O que o Rabad quer demonstrar é que emitir um juízo final e definitivo em torno de uma lei ou um preceito somente pode ser feito após uma revisão exaustiva das fontes principais, e estas são a Mishná e a Guemará. Um dos elementos da Mishné Torá que deu margem para a controvérsia, para além do profundo objetivo sistematizador, que implica sempre uma ação de contração, foi o fato de que Rambam suprimiu, em seu trabalho, as fontes e os nomes dos sábios comentadores que realizaram e compilaram o Talmud, nos quais se baseou para definir as leis. Este fato problematiza o estudo das relações entre o corpo talmúdico e a Mishné Torá. O próprio Rambam se
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A Visão Racionalista da Bíblia: Maimônides e os Comentários da Mishná
apercebeu deste problema e quis escrever um livro das fontes, que não foi realizado. É ele próprio quem relata, numa missiva a Rabi Pinchas ben Rabi Meshulam, os inconvenientes surgidos pela falta das fontes. Diz ele: “visitou-me um piedoso juiz, que trazia consigo um volume do livro (Mishné Torá) que trata do assunto Rotzeach (Assassino), contido no tratado Nezikim (Prejuízos). Mostrou-me um assunto e disse-me: ‘Lê isto’. Eu li e lhe disse: ‘O que há de especial?’ Respondeu-me com a seguinte pergunta: ‘Em que lugar [do Talmud] consta isto?’ E eu lhe respondi: ‘Na seção correspondente, ou no capítulo ‘E estes são os redentores’ [parte de Danos, do tratado Prejuízos], ou no tratado Sanedrim, onde se trata a respeito das leis do crime’. Respondeu-me: ‘Eu procurei em todos esses lugares e não o encontrei, nem no Talmud Yerushalmi [Talmud produzido em Jerusalém], nem na Tossefta [agregado de leis do período dos tanaim, não fixado na Mishná]’. O fato me intrigou muito, e eu lhe disse: ‘Porém, eu me lembro que, em algum lugar do capítulo Guitim (Divórcios), trata-se desse tema de forma marginal’. Busquei no capítulo Guitim e não encontrei. Fiquei perplexo e voltei a
me perguntar: ‘Onde eu encontrei estas palavras?’ Disse então ao meu interlocutor: ‘Me dê um tempo para lembrar onde está’. Ele se foi e, então, eu me lembrei. Mandei um mensageiro a procurá-lo e o fiz voltar, e lhe mostrei a explicação do assunto de que ele duvidava no capítulo Ievamot (Regras referentes ao matrimônio com a cunhada), do tratado Nashim (Mulheres), porém somente de passagem. Se eu, que sou o autor, esqueci a fonte original dessa lei, o que dizer dos demais?” O problema é bem mais complexo do que apenas o de citar as fontes. Ocorre que Rambam, com a sua Mishné Torá, um trabalho que lhe tomou dez anos ininterruptos de elaboração, criou um gênero e, por conseguinte, uma atitude, totalmente nova com respeito à Halakhá. Para compreendermos o que está em questão, é importante tentarmos definir o conceito de Halakhá e apresentar, mesmo que em breves traços, o seu desenvolvimento até o período de Rambam. A palavra Halakhá é utilizada, de modo geral, para definir a Lei judaica. Etimologicamente, por Halakhá podemos entender “o caminho por onde se anda”, o que põe de manifesto principalmente a sua dimensão prática. Não é um termo encontrado na
Maimônides é daqueles homens cuja obra pode ganhar o qualificativo de biblioteca, não apenas pelo impressionante volume de páginas escritas, mas principalmente porque, em torno de sua obra, um homem pode viver. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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A Visão Racionalista da Bíblia: Maimônides e os Comentários da Mishná
Bíblia. Sua origem remonta aos períodos dos da conduta humana que não seja tratada tanaitas e amoraitas, e é aramaica – prove- e a qual não se lhe ofereça um caminho a niente do verbo Halakh, caminhar -, sendo seguir. Isto porque é inerente à concepção utilizado para indicar aquele que observa a judaica a noção de que a esfera do sagrado Torá de D´us e cumpre os seus mandamen- deve abarcar todo o campo do existir humano. São inúmeras as tos. No texto bíblico, a metáfora do caminho passagens bíblicas em É inerente à e a observância da Lei que fica explicitado que já se encontram vincuo sagrado não se resconcepção judaica ladas: “Ensina-lhes os tringe apenas ao culto a noção de que a estatutos e as leis, fazereligioso. A passagem esfera do sagrado lhes conhecer o cami“santos sereis porque deve abarcar todo santo sou Eu” sintetiza nho a seguir e as obras que devem fazer” (Ex. o campo do existir bem o processo que foi 18:19)/ “Se vos conduzise desenvolvendo aos humano. São res segundo os meus espoucos, no sentido de inúmeras as tatutos, se guardares os formatar toda a vida meus mandamentos e passagens bíblicas humana no interior de os praticares” (Lv. 26:3)/ uma Lei tida como reem que fica “O Eterno disse a Moivelada. Os estudiosos explicitado que o sés...A fim de que Eu o estão de acordo que, sagrado não se ponha à prova para ver já no período do primeiro Templo, as leis se anda ou não na mirestringe apenas nha Lei (Torá)” (Êxodo e os mandamentos, tal ao culto religioso. 16:4). Andar, em todas como aparecem formuessas passagens, é análados na Torá, pressulogo a cumprir. A Halakhá não é um desen- põem a necessidade de uma atividade de volvimento teórico sobre os procedimentos interpretação e desdobramento, para que os do homem para com seus semelhantes e mesmos pudessem ser aplicados. No próprio para com D´us. Ao contrário, ela é uma Pentateuco, encontramos algumas situaconstrução realizada colocando-se toda ções nas quais a Lei é enunciada a partir ênfase na descrição e compreensão dos atos de um incidente. Assim, por exemplo, em humanos envolvidos em toda e qualquer cir- Lv. 24:12, ao homem que blasfemou o nome cunstância, a partir dos princípios da Torá – de D´us, “...puseram-no sob custódia, para ou Lei mosaica – e de seu desenvolvimento, que se decidisse somente pela ordem do tal como operado no conjunto de livros do Eterno”. Ou seja, dá-se uma situação para a Tanach. Não existe nenhuma área na esfera qual ainda não se sabe como agir de acordo 66 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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com a Lei. Somente após o acontecimento, define-se a Lei: “...Todo homem que amaldiçoar o seu D´us...deverá morrer...” (24:16). Entre outros casos do Deuteronômio, temos também aquele, em Números 27, em que as filhas de Salfaad apresentam-se para reclamar a herança dos pais. Moisés, então, leva o caso delas diante do Eterno (27:5), e a lei da herança lhe é revelada (27:1-11). No último livro do Pentateuco, explicita-se o modo de proceder com a Lei quando Moisés não mais estiver entre os seus: “Quando tiveres que julgar uma causa que te pareça demasiado difícil – causas duvidosas de homicídio, de pleito, de lesões mortais, ou causas controvertidas em tua cidade -, levantar-te-ás e subirás ao lugar que o Eterno teu D´us houver escolhido. Irás então até os sacerdotes levitas e ao juiz que estiver em função naqueles dias. Eles investigarão e te anunciarão a sentença. Agirás em conformidade com a palavra que eles te anunciarem deste lugar que o Eterno houver escolhido. Cuidarás de agir conforme todas as suas instruções. Agirás segundo a instrução que te derem, e de acordo com a sentença que te enunciarem, sem te desviares para a direita ou para a esquerda que eles te houverem anunciado” (Dt. 17:8-11). Dessa passagem, podemos depreender a constituição de uma autoridade ou uma corte que terá por função desdobrar e ensinar a Torá. Nos livros dos Reis, podemos acompanhar essa autoridade em funcionamento e, nos livros dos Profetas, o lugar central que ela tinha tanto nas questões concernentes ao culto quanto em todas as esferas da vida humana.
Não houve nenhuma época em que não se tivessem feito estudos e renovações, num processo ininterrupto que deu origem a uma cadeia de transmissão descrita no capítulo Avot (Pais) e que retroage até o momento da revelação da Torá a Moisés. De acordo com esta leitura, que se tornou oficial no judaísmo rabínico, Moisés teria recebido de D´us duas Torot, uma escrita - Torá schebikhtav –, e outra oral – Torá shebe`al peh. Fazem parte da primeira os cinco livros do Pentateuco, e a segunda – que corria em paralelo e sobre a qual pairava o imperativo de nunca ser registrada por escrito, para não promover o risco de um deslocamento da centralidade da Torá escrita – compreendia exatamente todos os desdobramentos da Lei que se faziam necessários para que a Lei da
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A Visão Racionalista da Bíblia: Maimônides e os Comentários da Mishná
Torá escrita pudesse ser cumprida pelo coletivo de Israel. Historicamente, podemos dizer que a construção da Halakhah ganhou um primeiro impulso quando do exílio da Babilônia, no ano 587 A.E.C., porque já nesse período o coletivo do reino de Judá lutava por preservar a sua identidade no exílio e, com certeza, o processo de elaboração legal deve ter tido que ser agilizado. O livro de Ezra constitui-se numa importante fonte de informações para acompanharmos as transformações institucionais que tiveram que ser feitas para que pudesse ser operada a reforma necessária para, diante do edito de Ciro, o rei persa que permitiu o retorno do exílio, retomar a vida nacional, no período da reconstrução do Templo. Os primeiros registros da atividade halákhica nos vêm do período dos pares (zugot), e as leis por eles realizadas são conhecidas como guezerot
e takanot. A guezerah tinha um intuito restritivo, que mais tarde ganhou o seu entendimento através do aforismo, atribuído aos homens da grande assembleia, de fazer um cerco (sugah) ao redor da Torá. Já a takanah tem um intuito mais positivo, promovendo algumas transformações no sentido de permitir que a Lei pudesse ser cumprida em novos contextos. Nesse longo período histórico, que adentra o momento em que Alexandre, o grande, conquista a região do reino de Judá (333-331 A.E.C.), e se desenvolve até a anexação de Judá pelo império romano e a posterior destruição do Templo, no ano 70 E.C., um profundo conflito acompanha o coletivo de Israel, pela definição da autoridade dos promulgadores da Lei, em torno de uma intensa luta ideológica. Esta autoridade, que é tanto administrativa como judicial, no início está profundamente vinculada aos serviços do Templo, onde é instalado o Beit Din (casa da justiça), no qual exerciam sua função os sanedrim, um corpo de 71 membros que sancionavam as normas religiosas e jurídicas e supervisionavam a vida religiosa tanto no interior da Judeia quanto das comunidades judaicas espalhadas fora, por exemplo na Babilônia e na Alexandria. Opõem-se a essa autoridade, no período pré-asmoneu, os samaritanos, por exemplo. É durante o governo asmoneu, que se estende de 168 a 63 A.E.C., que o processo halákhico ganha força, instituindo-se diversas academias, entre as quais destacam-se as de Hillel e Shamai, que tomam para si a tarefa de desenvolver o corpo de leis através
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A Visão Racionalista da Bíblia: Maimônides e os Comentários da Mishná
do estudo. A seita mais importante desses de revisão e ordenamento de toda a lei oral estudiosos é a dos pirushim (fariseus), que acumulada, desde o período de Hillel e deram continuidade a uma orientação que Shamai. Cabe a Yehuda Hanassi, sessenta teve a sua origem no período persa e incluía e cinco anos após a derrota da rebelião de as atividades dos soferim (escribas), desde Bar Kokhba (132-135 E.C.), compilar todo o o período de Esdras. Seu princípio básico corpo de leis num conjunto ao qual se deu era o de garantir a fidelidade à Torá e de- o nome de Mishná, e que é dividido em monstrar a sua aplicabilidade a todos os seis grandes ordens – Zeraim (Sementes), Moed (Festas), Nashim aspectos da vida. Com o desenrolar dos even(Mulheres), Nezikim O trabalho (Danos), Kodashim tos históricos, eles foram ganhando centra(Santidade) e Tohorot talmúdico visa lidade e a legitimidade propiciar que a Lei (Purezas), que são, por da maioria do coletivo sua vez, subdivididos da Torá possa ser judaico, em sua luta numa série de 62 trataaplicada, na sua dos. Sem Estado e sem contra os saduceus, que faziam parte da aristoo Templo, a atividade integridade, em cracia governante e asdesenvolvida nesses toda situação centros constituiu-se sumiam uma postura histórica, que é numa referência para mais helenizada. São os fariseus os responsáveis todo o coletivo judaico, sempre dinâmica. pelo desenvolvimento criando uma dinâmica da Halakhá, num camque, aos poucos, o foi po tão extenso que abarca a ordem dos ritos organizando numa vida governada pela e das orações, os dízimos e as oferendas, Torá e pelo cumprimento dos preceitos – as leis da pureza e impureza, os procedi- mitzvot. A Mishná, cuja etimologia vem da mentos do calendário sagrado e das leis do palavra lishnot (repetir, reiterar, estudar), Shabat, as relações conjugais, a lei civil e a foi a principal matéria de estudos, a fonte criminal, entre muitas outras. E serão prin- das regras da Halakhá, a base da vida e do cipalmente os sucessores da escola de Hillel pensamento do povo judeu, e sobre ela foi e da atividade que esta realizava que, em se construindo, ao longo dos três ou quatro meio aos dramáticos acontecimentos que se séculos seguintes, o grande compêndio da seguiram à destruição do Templo, no ano tradição oral, tanto na versão babilônica, 70 E.C., tomarão para si, agora em novos feita pelos sábios que viviam nessa região, centros, entre os quais se destaca Iavne, a quanto na versão de Jerusalém, feita pelos responsabilidade de manter vivo o estudo sábios das academias da Palestina. É imda Torá, iniciando-se um enorme processo portante ressaltar que, na compilação da Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Mishná, Rabi Yehuda quis principalmente encontrar uma maneira de fixar as leis orais tal como as tinha recebido, mantendo a discrepância das diferentes opiniões, sem emitir uma decisão definitiva sobre os múltiplos assuntos que são tratados, o que oferece a esse texto seu incrível caráter polifacetado. Cada norma é atribuída ao seu autor, e muitos pontos são tratados através da controvérsia (makhloket) – uma controvérsia que remonta até a um período anterior à revolta dos asmoneus, até as academias de Hillel e Shamai. A Mishná, portanto, não é uma síntese fechada, e essa é a maior maravilha desse trabalho, que é a de deixar, mesmo que na forma registrada, o que era atividade exegética ainda num estado de abertura para a exegese. É sobre esta base que será realizada a Guemará, ou literatura amoraíta, um compêndio de discussões sobre a Mishná que não apenas mantém, mas acelera o estilo polêmico e de debate em torno da formulação e desdobramento das leis. É importante ressaltar que toda essa produção ocupou um lugar central, no sentido de dotar o coletivo judaico de uma referência identitária em todo o território onde existisse uma comunidade judaica – território este tão amplo que abarcava as regiões da Antioquia, Alexandria, Roma, Espanha e Alemanha –, e o fator que possibilitou esse amplo alcance foi, a partir do ano 640 E.C., a expansão do Islão em grande parte dessas regiões. Com o declínio dos centros na região do atual Israel, no século IV E.C., o eixo transfere-se para a Babilônia, que, até o sé-
culo X E.C., exerce um papel central na vida espiritual e na liderança do coletivo. O Rav Ashi (371-427 E.C.) inicia a compilação, na Babilônia, de todas as discussões, ordens e tratados da Mishná. A redação final do Talmud babilônico foi feita no século V E.C. O trabalho talmúdico visa propiciar que a Lei da Torá possa ser aplicada, na sua integridade, em toda situação histórica, que é sempre dinâmica. Da forma como o Talmud é elaborado, fica pouco claro o limite entre o que seria a opinião singular de um sábio e uma doutrina geral válida. Isto confere ao Talmud uma forma que é, ao mesmo tempo, rígida e flexível. A flexibilidade possibilitou a emergência de uma rica filosofia judaica medieval, capaz de reinterpretar as crenças religiosas tradicionais com uma liberdade bem maior do que aquela encontrada, por exemplo, na escolástica cristã do período. Mas, por outro lado, essa mesma flexibilidade deu margem para uma discussão sobre a legitimidade da Lei no interior do campo judaico. A crise de autoridade das instituições judaicas - em primeiro lugar do Exilarca, um representante do coletivo judaico diante dos califas e, logo a seguir, dos gaonim, as autoridades máximas das academias babilônicas – trouxe consigo a ampliação de um processo de oposição dentro de parcelas do coletivo judaico – lideradas por Anan ben David -, que propunham um retorno às escrituras sagradas. Este grupo foi se afastando da autoridade legal do Talmud, propondo um retorno à Bíblia. E, no século X E.C., ganham força, sob a denominação
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de caraítas. É neste contexto que devemos situar a obra de Maimônides. Diversos exercícios de sínteses parciais sobre a obra talmúdica já tinham sido realizados antes da Mishné Torá. Porém, nenhum se compara em magnitude ao empreendimento de Rambam. Já frisamos que o Talmud não é uma obra sistêmica. O receio de Maimônides era de que o empreendimento talmúdico, devido às suas proporções e ao modo como os temas são tratados, ficasse distante do coletivo judaico. Na sua introdução à Mishné Torá, Rambam deixa claro que o que ele se propõe é que todos os mandamentos sejam perfeitamente conhecidos por todos, de forma que pudessem encontrar com facilidade os procedimentos adequados, sem terem que se ver obrigados a atravessar as profundas polêmicas do texto talmúdico, que poderiam induzir a erros. Rabi Yehuda HaNassi (Yehuda, o príncipe), 150 anos após a destruição do 2o
Templo, achou importante compilar a lei oral para que as gerações futuras pudessem ter acesso a ela. A algo semelhante se propôs Maimônides, ao dividir todo o material halákhico talmúdico e organizá-lo em 14 livros, dando a cada um o nome apropriado, de acordo com o assunto tratado. São estes: Sêfer HaMadá (Livro da Ciência), Sêfer Ahavá (Livro do Amor), Sêfer Zmanim (Livro dos Períodos), Sêfer Nashim (Livro das Mulheres), Sêfer Kedushá (Livro da Santidade), Sêfer Haflahá (Livro das Distinções), Sêfer Zraim (Livro das Sementes), Sêfer Avodá (Livro do Serviço [Religioso]), Sêfer Korbanot (Livro das Oferendas), Sêfer Tahará (Livro da Pureza), Sêfer Nezikim (Livro dos Prejuízos), Sêfer Kinyam (Livro dos Patrimônios), Sêfer Mishpatim (Livro das Sentenças) e Sêfer Shoftim (Livro dos Juízes). A gigantesca obra divide-se em 14 livros, 83 sinopses, 982 capítulos e milhares de versículos.
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Na abertura do primeiro livro, o Livro do Sêfer HaMadá – Hilkhot Iesodi HáTorá da Ciência, de forma concisa e extrema- (leis referentes aos fundamentos da Torá), mente lúcida, Maimônides integra pen- que é o modo como Rambam apresenta samento e Lei, dando a esta última uma D´us diante dos leitores: Halakhá 1: O fundamento e a base da legitimidade necessária, derivada da concepção de D´us. Normalmente, tende-se a sabedoria é saber que há um primeiro ser separar a obra filosófica da obra rabínica e que Ele dá existência a todos os seres, e desse grande autor. Porém, essa introdução todos os seres no céu ou na terra, ou entre mostra claramente o quanto ambas se in- eles, não têm existência senão através da tegram num todo uniforme. Maimônides verdade da Sua existência. teve acesso à obra de Aristóteles através da Halakhá 2: E se fosse concebível que rica mediação árabe do período, e leva em Ele não existisse, nada poderia ser. Halakhá 3: E se fosse concebido que os consideração, tanto na metodologia quanto nas reflexões teóricas, os procedimentos outros seres, exceto Ele, não existissem, soaristotélicos, para elaborar uma interpreta- mente Ele seria, e Ele não cessaria de ser com ção racional sobre as razões de cada mitzvá a inexistência deles. Porque todos os seres e do conjunto de todas elas, como um modo requerem Dele, e Ele, abençoado seja, não de veneração a D´us. O Guia dos Perplexos, requer de nenhum deles; portanto Sua versua obra principal de cunho filosófico - dade não é igual à verdade de nenhum deles. realizada posteriormente à Mishné Torá Halakhá 4: E é isto que o profeta diz: -, um verdadeiro exercício de exegese no “Mas o Eterno é um D´us verdadeiro” (Jequal mais de 1400 passagens bíblicas são remias 10:10). Somente Ele é a verdade, e elucidadas por ele, não deve ser compreen- nenhum outro tem verdade como a Sua dida à margem da produção da Mishné verdade. E é isto que as escrituras dizem: Torá. A última parte desse livro na verdade reaPara Rambam, a Halakhah é um processo firma o seu exercumulativo. De acordo com ele – e ele é cício realizado na explícito nessa ideia -, ao lado da tradição Mishné Torá, e as recebida por Moisés, os sábios foram primeiras partes introduzindo novas interpretações. Cada podem ser entengeração agrega novas considerações didas como um normativas, derivadas de sua própria desdobramento argumentação, ao corpo de conhecimentos das primeiras quatro halakhot revelados que lhes foram transmitidos. da primeira parte 72 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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“Além Dele, não existe outro” (Deut. 4:35)isto é, não há ser verdadeiro além Dele, que seja como Ele. Nessas compactas sentenças, Rambam apresenta D’us com uma visada aristotélica, como sendo o responsável e o causador de tudo. Todos os existentes no céu, na terra e entre eles, dependem Dele. Mas Ele não depende de nenhum deles. Essa é a noção de causa primeira, que Rambam toma de Aristóteles. O segundo fato que chama a atenção é que nenhum atributo, a não ser o da verdade, é utilizado para apresentar D´us. E, de fato, grande parte do empenho do Guia dos Perplexos está voltado para desantropomorfizar a noção de D´us, através de exercícios exegéticos que ressignificam as passagens bíblicas nas quais aspectos da vida ou da dinâmica humana são projetados em D´us. Maimônides leva às últimas consequências a noção de um D´us indescritível - a não ser como verdade - e que não depende para nada de Sua criação. Assim, ele se aproxima da noção de D´us concebido muito mais como ideia do que como ser. Mas Rambam não chega propriamente a isto. Para ele, D´us é um existente, porém um existente que só pode ser conhecido através do cumprimento de Seus mandamentos. Conhecer D´us é uma mitzvá, e só através do cumprimento das mitzvót conhece-se D´us. Por isto, ele lê no Decálogo “Eu sou o Eterno teu D´us, que te fiz sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Êxodo 20:2), “Eu sou” como sendo um mandamento, o primeiro e essencial do qual todos os outros derivam
– como causa primeira. Isto quer dizer que o primeiro mandamento é o reconhecimento de um Ser que se dá a conhecer através dos mandamentos que transmite, que são os caminhos para conhecê-Lo. E, conhecendo-O, ou seja, andando por seus caminhos, cumprindo os preceitos, aperfeiçoam-se os homens e aperfeiçoa-se a vida dos homens. E o trabalho que Rambam organiza no Mishné Torá nada mais é do que uma facilitação, se assim pudermos chamar, para que os homens sigam esse conhecimento – um conhecimento que, como se vê, é, à melhor maneira judaica, antes de mais nada uma prática, um modo de relacionar-se com os outros e com o mundo que aperfeiçoe o acontecer da história. Na Mishné Torá, que pode ser traduzido como Segunda Torá e que popularmente foi chamada de Yad Hazaká –(Mão Forte), talvez porque yad representa o número 14 em hebraico –, as leis que se encontravam esparsas pelos diversos tratados do Talmud são fortemente reunidas. Logo na abertura do livro, Maimônides cita as 613 mitzvot – como que para não esquecer de nenhuma -, 365 das quais são preceitos que impedem alguma ação e 248 que demandam uma ação. Distribui todas as mitzvot ao longo dos 14 livros, recolhendo e juntando do mar do Talmud tudo o que diz respeito a cada uma delas. Ele não se limita a apresentar a lei, como se fosse um legislador, mas explica a razão de ser de cada uma delas, discorrendo sobre sua origem e elaboração e sua evolução através da história. Assim, por exemplo, no primeiro capítulo sobre
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as orações, depois de citar os versículos da referência obrigatória em todos os campos Torá em que se determina a obrigação de da tradição judaica, dos racionalistas aos rezar diariamente, Maimônides explica em místicos. Muitos autores consideram que detalhes e com incomparável clareza como sua obra freou um processo mais dinâmico surgiram os costumes da reza diária e como no mundo da Halakhah, sendo uma dos foram criados os trechos litúrgicos que principais responsáveis por sua cristalicompõem os livros de rezas. Não se trata zação. No entanto, devemos lembrar que, apenas de um código civil. À dimensão ju- quando Rambam começou o seu trabalho, rídica, agrega-se uma a era do Talmud já tinha outra pedagógica, de se encerrado, e que a viNa sua introdução à modo que aquele que são do processo halákhiMishné Torá, aprende a lei, aprenco que Maimônides tem Rambam deixa claro de também o sentido não é em nada cristalique o que ele se dela. Cada capítulo zado. Ao contrário, para dos muitos que inteRambam, a Halakhah propõe é que todos é um processo cumugram a obra é anteceos mandamentos dido por um prólogo lativo. De acordo com sejam perfeitamente que, de forma precisa, ele – e ele é explícito conhecidos por explica ao leitor o tema nessa ideia -, ao lado da todos, de forma que que está sendo tratatradição recebida por pudessem encontrar Moisés, os sábios fodo. E, ao final de cada com facilidade os capítulo, segue-se um ram introduzindo noprocedimentos postulado moral ou vas interpretações. Cada um relato fabulado, geração agrega novas adequados, sem considerações normade forma a que, junto terem que se ver com a razão que deve tivas, derivadas de sua obrigados a aprender a lei, desperprópria argumentação, atravessar as te-se também um senao corpo de conheciprofundas polêmicas mentos revelados que timento de apego a ela. do texto talmúdico. lhes foram transmitiNão há dúvida de que essa obra mudou dos. E é nesse processo o panorama da vida de desdobramento da judaica. Ainda em vida, através de uma Lei que os homens, aos poucos, vão aprointensa troca de cartas, grande parte da fundando seu conhecimento de D´us, até obra foi sendo esclarecida, e o tamanho que as esperanças messiânicas, das quais de sua influência pode ser melhor ava- Maimônides, o racionalista, não abria mão, ICI liado se lembrarmos que se tornou uma se realizem. 74 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Visão Secular e Religiosa da Bíblia Hebraica, a Torá Moishe Paim
Introdução
J
udaísmo e Torá são indissociáveis. É praticamente impossível entender o Judaísmo sem conhecer a Torá. Há duas premissas diferentes enfocando o mesmo texto, a Torá – a Bíblia Hebraica: secular e religiosa; e isso causa confusão. O estudo secular é o mais conhecido por ser difundido, através de traduções, nos idiomas locais. O estudo religioso tem por referência o texto original, sendo que as traduções auxiliam, ou facilitam, a sua compreensão e acesso. Os estudos acadêmicos da Bíblia Hebraica dão ênfase ao conteúdo, à mensagem, portanto é indiferente usar o texto original ou traduzido, ou traduzido de tradução. Contém grande heterogeneidade de enfoques, premissas, e abordagens, com teorias chegando a um ápice de aceitação, e sendo abandonadas; sofrendo efeitos de interesses políticos, guerras, adaptando-se à mentalidade da época, ajustando-se às descobertas arqueológicas, e várias outras
mudanças. Tem raízes antigas, pois já no inicio da Era Comum surgiram questionamentos sobre sua genuinidade, e divindade, e com o passar do tempo foram formuladas teorias sobre o número de autores, sobre datas em que foram escritos, e outras. A grande maioria desses estudos foi e ainda é feita usando textos traduzidos, e, normalmente, com traduções dessas traduções, versões e atualizações, afastando-se cada vez mais do texto original hebraico. Por isso a análise baseada em texto – ou crítica literária – é o modo de estudo predominante para determinação de datas, de autores, de explicação de leis, de relatos históricos, da situação do povo na época, etc., bem como para elaborar premissas, tirar conclusões e encontrar comprovações. Os Hebreus, seu idioma, suas características individuais e seu escrito, a Bíblia Hebraica, são analisados do ponto de vista da civilização ocidental, apesar das inúmeras diferenças.
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O Judaísmo tem sido encarado ora como religião, ora como estilo de vida, ora como cultura, ora como Ocidental, ora como Oriental; além de particularizações como: “meu Judaísmo”;“ na minha opinião o Judaísmo é...”. No presente artigo apresentamos um resumo dos principais conceitos e ideias do enfoque secular da Torá, e alguns princípios e conceitos do enfoque religioso. Também trazemos trabalhos-pesquisa sobre relações entre o Judaísmo e civilizações da Ásia e Extremo Oriente, uma vez que a relação do Judaísmo com o Ocidente e Oriente Próximo já é bem divulgada.
Visão Acadêmica 1. Sobre Bíblia Hebraica O método moderno de interpretação histórica do Velho Testamento é de origem relativamente recente. O texto do Pentateuco atribui a origem da lei completa a Moisés, que o recebeu diretamente de Y-HWH no Monte Sinai. Só em 1521 E.C. a autoria mosaica do Pentateuco foi pela primeira vez nos dias de hoje posta em causa. Espinosa, segundo sua interpretação de um comentário de Ibn Ezra, expressou dúvidas sobre a autoria mosaica, dando-lhe uma importância até então não recebida, e apresentando uma formulação nova, que marcou permanentemente a crítica bíbli-
ca. Após essa nova abordagem, a origem mosaica do Pentateuco foi abandonada pelos críticos1. Os primeiros cristãos usaram, primordialmente, a LXX (Septuaginta, como é conhecida a tradução para o grego). Eram usadas, também, outras traduções pois eram consideradas como sendo idênticas em natureza. No primeiro século da era
Há duas premissas diferentes enfocando o mesmo texto, a Torá – a Bíblia Hebraica: secular e religiosa; e isso causa confusão. O estudo secular é o mais conhecido por ser difundido, através de traduções, nos idiomas locais. comum apareceram pessoas que questionaram a genuinidade e autenticidade das fontes da Bíblia Hebraica até negando a sua fonte divina, como, por exemplo, os ensinamentos dos Gnósticos. Os Ofitas (precursores dos Gnósticos) desdenhavam do D’us da Bíblia Hebraica. O italiano Ptolomeu (~145-180 E.C.) concluiu que os cinco livros tinham por fontes D’us, Moisés 1. Origin and History of Hebrew Law, John Merlin Smith.
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Visão Secular e Religiosa da Bíblia Hebraica, a Torá
e os Anciãos. Os heréticos começaram a estudar e analisar a Bíblia Hebraica de uma perspectiva subjetiva. O herege Marcion (filho de um bispo cristão) adotou uma interpretação literária do texto bíblico, concluindo que D’us era fraco, injusto e instável. Também os nazareus negavam a autoria mosaica da Bíblia Hebraica. No século III E.C., Porfírio (um dos principais expoentes da filosofia mística conhecida por Neoplatonismo) foi o primeiro a arguir que Daniel não era obra de um profeta. No século IV E.C., a critica literária começou a ser aplicada à análise bíblica, e, em séculos posteriores estudiosos levantaram problemas e questões sobre a Bíblia Hebraica, incluindo uma corrente que pregava ater-se ao sentido gramatical simples, independente de interpretações eclesiásticas. O filosofo judeu Benedito Espinosa (século XVIII E.C.) é considerado por mui-
tos estudiosos atuais como o fundador da abordagem científica da Bíblia. Apresentou, em seu Tratado Teológico Político (1670) regras para interpretação das Escrituras levando em consideração fatores como o estilo de vida, caráter, expectativas dos autores dos vários livros do Pentateuco como meio de determinar o proposito, a ocasião, a data que foi escrito. Em 1790 surgiu uma hipótese da existência de duas seitas obedientes a dois deuses E-lohim e Y-HWH (o Tetragrama). E ao longo do tempo outras hipóteses foram lançadas: As Escrituras seguiam padrão jurídico dos Códigos de Hamurábi, de Lipit-Eshtar , dos Hititas; Adaptar os textos à antiga cultura do Oriente Próximo; Na Era do Iluminismo, caracterizada pelo enaltecimento da razão, houve revolta contra autoridades externas; O Texto da Bíblia Hebraica deveria ser tratado com os mes-
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mos critérios aplicados aos textos seculares, abraçadas por Wellhausen, que desenvolsem considerar autoridades eclesiásticas, veu a “Hipótese Documental”, seguindo dogmas ou tradições religiosas; No iní- princípios Hegelianos de evolução, encacio do século XIX E.C. foi desenvolvida rando as atividades religiosas dos Israelitas uma “hipótese de documentos bíblicos como impulsos primitivos e animalescos, fragmentados” postulando a existência de destituindo as fontes históricas que des40 fontes separadas creviam a religião na constituição do monoteísta dos PaO amor é Pentateuco, combatriarcas. Devido à sua simplicidade e tida com vigor por proporcional ao abrangência a meestudiosos convenENTENDIMENTO; todologia de Grafcidos da autoridade quanto maior o mosaica; PentateuWellhausen tornouentendimento, maior co e Livro de Josué se preferida, numa constituiriam uma época empenhada o amor. em agrupar vários mesma obra, chamada de Hexateuco; assuntos num único “Documento Fundamental” (Grundschrift) princípio. Com o tempo várias vozes se ; “Hipótese da cristalização”; Exemplos de levantaram contra a Hipótese Documental. Alguns assuntos relacionados com estuenfoques utilizados para crítica à Bíblia Hebraica: Filologia, Literário, Subjetivo, Fi- dos divergentes da Hipótese Documental: losófico, Histórico, Evolucionista, Arqueo- Os critérios puramente subjetivos de Graf lógico, Antropológico, Jurídico, Psicologia foram contestados por muitos estudioprimitiva, Zeitgeist (“Espírito da época”), sos da época, devido a variados motivos Sitz in Leben des Volkes (“Importância da e fundamentos; Na tentativa de atribuir situação vivida pelos povos”); A Torá era datas aos documentos da LXX os autores um produto do estado Hebreu, ao invés de extrapolaram a crítica literária movendo-se ser a base sobre a qual foi formado; Teoria para a crítica histórica, que desde o inicio pan-babilônica / “Grande Mesopotâmia”; foi dominada por assunções errôneas, reGordon (1962): Gregos e Hebreus eram centemente comprovadas As Universidades civilizações com estruturas paralelas, de- britânicas exerciam um controle para que rivadas de sua posição no Mediterrâneo, e os que não simpatizassem com a Hipótese não, diferentes, como se pensava. Documental fossem apontados para carGraf aderiu à “Teoria Suplementar”, gos secundários, fortalecendo a influência e seus critérios, para a determinação das da Hipótese Documental; Bissel atacou datas dos acontecimentos relatados na as pressuposições básicas da hipótese de Bíblia Hebraica. Suas conclusões foram Graf-Wellhausen; Orr apontou fragilidades 78 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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essenciais na aplicação do método; Sayce Kaufmann escreveu que “os argumentos abandonou seu suporte à Hipótese Docu- de Wellhausen se complementam bem, e mental devido às descobertas arqueológicas ofereceu o que parecia um fundamento surgidas; Dahse mostrou ser impossível sólido para construir a casa da crítica bíconsiderar que os nomes Jacob e Israel eram blica. Tanto evidências como argumentos indicações de distintas fontes literárias; Vá- contrários chegaram, até, a rejeitar, conturias comparações entre MT ( o texto masso- do o estudo bíblico continua usando suas rético da Bíblia Hebraica) e LXX indicaram conclusões. O estudo bíblico entrou num outros defeitos e imperfeições dos estudos período de buscar novos fundamentos” ; e conclusões; Estudos indicaram que as Bright (1960):” após duas guerras mundiais condições religiosas e culturais eram de um e outros incontáveis horrores, sobraram nível bem mais avançado do que a teoria poucos que advoguem a teoria da evolução de Wellhausen estava preparada para re- suficiente para explicar a história de Israel”; conhecer ou admitir; Erdmans (século XX O estudo acadêmico da Bíblia Hebraica está E.C.) rejeitou a validade do critério de no- em estado de fermentação. Todos os momes divinos indicarem seitas ou estágios de delos convencionais para a compreensão politeísmo; Möller (século XX E.C.) expli- da formação e desenvolvimento do Pentacou que os dois nomes divinos indicavam teuco ficaram sujeitos à questionamento. funções diferentes: E(lohim), a atividade de Também apontou a impossibilidade de D’us na natureza; J(aveh, o Tetragrama), o ordenar os documentos numa pura e clara D’us da revelação; Dornseiff referiu-se aos progressão cronológica. Parece difícil chenomes “Alexandros” e “Paris”, da Ilíada, de Homero, que seOs estudos acadêmicos da gundo o critério da Hipótese Documental indicaria fontes Bíblia Hebraica dão “Alexandrista” e “Parisista” ênfase ao conteúdo, à à Ilíada, de Homero. Meck, um reconhecido Orientalista, mensagem, portanto é escreveu que a Hipótese Doindiferente usar o texto cumental é de natureza muito artificial; Umberto Cassuto original ou traduzido, ou foi outro feroz oponente da traduzido de tradução Hipótese Documental, e defendia a tese de que A Bíblia Hebraica foi escrita nos tempos do Rei Da- gar a um novo consenso. Os seguidores de vid, por uma única pessoa, baseado em Wellhausen aceitaram, incondicionalmenantigas compilações e narrativas; Yehezkel te, sua liderança intelectual – assim como Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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este confessou ter agido com relação a Graf tempo antes de adquirirem forma literá– no assunto de determinação das datas ria. O processo por meio do qual as tribos dos acontecimentos bíblicos. O excessivo israelitas se uniram no culto de Y-HWH é detalhismo desses dois homens, combina- indubitavelmente muito complicado. Hado ao seu menosprezo pelas opiniões dos veria algo na existente religião herdada outros estudiosos, pelas tribos que tornaram seu mépreparou o camiNo início do século XIX todo o dominante nho para o que viE.C. foi desenvolvida na crítica bíblica. ria, de modo que A aplicação do o que aconteceu uma “hipótese de não parecesse esquema de Weldocumentos bíblicos lhausen pelos seus uma quebra radifragmentados” discípulos tornoucal com o passase um veículo indo, mas sim uma postulando a existência voluntário para cont inu idade? de 40 fontes separadas a expressão de Qualquer um que na constituição do fraquezas especonheça o consiPentateuco, combatida cíficas implícitas derável poder no caráter naciocom vigor por estudiosos de assimilação do povo judeu, nal germânico. convencidos da imediatamente É fácil perceber autoridade mosaica. que os trabalhos se inclinará a sudos estudiosos por que essa força alemães contemporâneos manifestavam deve estar atuando desde o início, num uma incapacidade egoísta de apreciar opi- extraordinário nível, que conquista tanto niões diferentes das suas, atestando-se um líderes como o povo.” superioridade ideológica e monopólio da “Há um limite do que pode ser proverdade2. vado cientificamente, mesmo pela mais Segundo A. Alt é difícil detalhar, his- bem sucedida comparação; e não devemos toricamente, o crescimento de Israel, pois esquecer disso3.” Embora essencialmente secular, o esnenhuma nação observou ou deixou algum relato, nem mesmo os próprios Israelitas. tudo acadêmico não deve dessacralizar Nós ficamos na dependência de coletâneas a Bíblia Hebraica. Não se pode exilar o de sagas, transmitidas oralmente por longo elemento sagrado de escritos que foram 2. Introduction to the Old Testament, Ronald Kenneth Harrison, Theory and Method in Biblical and Cuneiform Law, Bernard M. Levinson.
3. Essays on Old Testament history and religion - The G-d of Fathers , Albrecht Alt.
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formulados com o propósito explícito de ser literatura sagrada, nem desconsiderar os significados de revelação, punição e redenção atribuídos a eventos da história dos antigos israelitas. O desafio do estudo acadêmico da Bíblia Hebraica, contudo, não se restringe à abordagem crítica. Os modos de expressão, categorias de pensamento e o ambiente sociocultural pressupostos nas narrativas e nas leis são estranhos ao pensamento ocidental, embora o Antigo Testamento seja o livro mais lido no mundo. Debruçar-se, horas a fio, sobre o original, implica reformular nosso padrão de pensamento, e mergulhar nas dimensões de uma racionalidade antiga e desconhecida, que se revela aos poucos, encantando-nos no processo de sua leitura interminável4.
2. Sobre Traduções Há quatro grandes eras de traduções da Bíblia: 1) ~200 A.E.C. – século IV E.C. De origem Judaica e vernáculos grego (basicamente a LXX) e aramaico. As traduções foram necessárias só devido ao fato de que grandes comunidades judaicas viviam aonde (Alexandria e Ásia Ocidental) aquelas línguas eram a norma. Para os judeus da Diáspora era cada vez mais difícil de entender, pois os idiomas populares tornaram-se o grego e o aramaico. Os Targums e a LXX tornaram-se 4. Do Estudo Acadêmico da Bíblia Hebraica, Suzana Chwarts.
mais influentes. Filosofia grega de tradução era “palavra-por-palavra”, que, no caso da LXX, foi aplicada num idioma Semítico, que possui sintaxe bem diferente5. Nos sécs. III e IV A.E.C. (fim do período Pérsico e início do período Helênico) surgiu o ponto-de-vista que, juntamente com a Lei Escrita (torah she bikhtav) D’us deu a Moisés, no Monte Sinai, uma Lei Oral (torah she be’al peh); consequentemente, para compreender e seguir a Torá de D’us total e completamente, era essencial utilizar ambas as Leis, e não se dava ênfase na literalidade do texto, dando liberdade para interpretações. 5. Do Prólogo do livro Eclesiastes, de Ben-Sira: “Deve ler com muito cuidado e atenção pois, apesar de nosso esforço e indulgência em traduzir, frases podem ter sido traduzidas imperfeitamente. Pois o que está expresso no original hebraico não tem o mesmo sentido e significado quando traduzido para outra língua.”. O que estava sendo traduzido? Não uma obra literária comum, uma saga, um documento comercial, ou semelhante; estava-se traduzindo a Palavra de D’us. Para os Hebreus a Bíblia constituía a Palavra de D’us transmitida através de seus portavozes. Portanto não se brinca com tal tradução mas, sim, as reproduz o mais literalmente possível, sem introduzir o entendimento e interpretação próprios.
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Para os judeus-cristãos, como para muitos judeus, em geral, a LXX era a Bíblia, e não a original, em hebraico. E em cada Era de Tradução da Bíblia, as versões sofreram revisões de vários tipos, primordialmente relativas a idioma e interpretação. 2) Séc. IV- ~1500. De princípio Católico-cristão. As línguas envolvidas eram, primordialmente, o grego e, posteriormente, o latim (especialmente a tradução Vulgata). Os principais centros eram a Palestina e as emergentes comunidades cristãs do Império Romano. Cristianização das versões judaicas e do texto original, em hebraico; isso ocasionou novos sentidos, acepções e nuances. Geronimo (Hyeronimus) decidiu aprender o hebraico para fazer sua tradução, para o latim, da Bíblia, apesar de já ter feito tradução dos Salmos da LXX6. A Vulgata não representava a unidade que se imaginava. Havia novas traduções e traduções de traduções. Quaisquer que sejam os méritos intrínsecos e da autoridade recebida pela Igreja, da LXX, não era mais do que uma tradução e, portanto, secundária. Além disso, era inútil em controvérsias com judeus que, justificadamente, a apontavam como travesti da Bíblia Hebraica7. 3) 1500- ~1960. Essencialmente Protestante. As línguas eram: alemão, inglês, francês, holandês, espanhol, italiano e escandinavo.
Nos séculos XIV-XV a Europa Ocidental começou uma crescente mudança econômica, política, social e, também, religiosa. Essa nova ordem influiu no estudo e tradução da Bíblia, e o latim já não era linguagem acessível. Duas versões8 ajudaram a determinar a filosofia da tradução para os cinco séculos seguintes, quando uma nova ordem social resultou dos efeitos das duas Guerras Mundiais. Para se fazer essas traduções a partir do original em hebraico, foram exigidos vários anos de estudo da língua. O grego e o hebraico voltaram, após quinze séculos, ao foco da atividade intelectual. 4) De escopo Judaico-Católico-Protestante. O idioma predominante é o inglês, e, secundariamente, o francês. Tentativas dessas comunidades, nos Estados Unidos, de deixar a exegese pura, e a reprodução “palavra-por-palavra” do texto hebraico ou grego9. No hebraico, as letras, ainda que não sejam ideogramas, produzem palavras impregnadas de sentidos que só emergem diante do leitor quando este outorga a essa escrita as vogais necessárias para que, dentre a pluralidade de sentidos possíveis, um deles se realize na leitura. A não utilização de signos para ritmar a leitura, tais como pontos e vírgulas, também contribui para que o texto assuma essa condição de obra em aberto e,
6. H.F.D. Sparks, Cambridge History of Bible.
8. Em alemão, por Martin Luther (1483-1546) e em inglês, por William Tyndale (1495-1536).
7. H.F.D. Sparks, Cambridge History of Bible. Como tradutor, Geronimo era inconsistente e, à vezes, negligente.
9. A history of bible translations and the North-American contribution, Harry M. Orlinsky/Robert G. Bratcher.
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dotado de ambiguidade, transforme o ato de ler, de interpretar, num desígnio do leitor10.
incluídos na narrativa contínua que se inicia com a criação mundo e termina com a morte de Moisés. A tradição judaica, bem 3.Sobre Lei como a própria Bíblia, atribui todos eles O método moderno de interpretação ao mesmo período, o período da vida de histórica do Velho Testamento é de origem Moisés, que corresponde aproximadamenrelativamente recente. O texto do Pentateu- te ao final do século 13 A.E.C. A escola Wellhausen12, por outro lado, co atribui a origem da lei completa a Moisés, que o recebeu diretamente de Y-HWH distingue entre a redação final do Pentano Monte Sinai. Só em 1521 E.C. a autoria teuco, que é fixado no final do século 4 mosaica do Pentateuco, pela primeira vez, A.E.C. e as diversas fontes usadas pelo refoi posta em causa. Espinosa, segundo sua dator. O mais antigo é o pequeno Código interpretação de Ex xxxiv 17-28, um comentário que usa o nome de Ibn Ezra, exQualquer um que conheça divino J(ahveh), pressou dúvidas e que pode ser o considerável poder de sobre a autoria atribuído à época assimilação do povo mosaica, dandode Moisés. Outra lhe uma imporcoleção é Êx. xxjudeu, imediatamente se tância até então inclinará a supor que essa -xxii, pertencente não recebida, e a uma fonte que força deve estar atuando apresenta ndo utiliza o nome desde o início, num uma formuladivino E(lohim), ção nova, que que deveria ser extraordinário nível, que datado para o marcou permaconquista tanto líderes nentemente a período de Josué como o povo. crítica bíblica. ou dos Juízes, ou Após essa nova seja, cerca do séabordagem, a origem mosaica do Penta- culo XII A.E.C.. O livro D(euteronômio), teuco foi abandonada pelos críticos11. de acordo com esta escola, é o livro da lei A mais importante fonte de informa- encontrada no Templo em 621 A.E.C. e está ções sobre a história jurídica dos Hebreus conectado com a reforma cultual do rei é o Pentateuco. Vários códigos e leis são Josias. Outra coleção, a chamada H(Código de Santidade-Holiness): Lev. xviii-xxvi, 10. Destraduzindo a Bíblia: A realização utópica de Haroldo Campos, Enrique Mandelbaum.
11. Origin and History of Hebrew Law, John Merlin Smith.
12. J. Wellhausen, Prolegomena to the History of Ancient Israel.
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é considerado anterior a 600, enquanto o exemplos do estilo apodíctico fora de Israel. P(Código Sacerdotal-Priestly) pertence ao Até mesmo a regra, que um legislador não período pós-exílio e foi identificado por esta muda seu estilo a menos que haja citações escola com a lei promulgada por Esdras, na de fontes diferentes, está aberto à discussão. segunda metade do século V A.E.C. Esta Se alguns elementos são importantes para fonte consiste, principalmente das porções ele, ele pode deixar o discurso apodítico, legais da primeira parte de Lv e Nm bem especialmente quando estão envolvidas como uma revisão de Ex e muitas passagens questões morais e religiosas. de Gn l. Para efeitos de história legais, não Outra visão soO convívio entre o devemos colocar bre a estrutura dos códigos da Bíblia foi crer e entender está muita ênfase nos aspectos literários proposta por A. Jirna própria base do ku. De acordo com de pesquisa bíblica. Judaísmo, de forma sua “lei de ferro”, o Ideias encontradas no Código Sacerautor de um código indissociável. Não segue sempre o mesdotal (Priestly), por existe “fé cega”. mo estilo, de modo exemplo, podem ser que as diferenças de mais antigas e sua reestilo indicam a existência de diferentes dução à escrita pode ter sido a etapa final fontes. Deve-se, portanto, distinguir no de uma longa tradição oral. Escolas mais Pentateuco entre dez formas de expres- recentes, como os de Crítica da Forma e são, tais como casuística ou apodíctica, Upsala, corretamente, tomam uma posição mais sintética em relação a variedade no singular ou plural. A primeira classificação foi aceita e de fontes. Os estudiosos suecos atribuem desenvolvida por A. Alt. A formulação muito mais importância à tradição oral casuística, em sua opinião, resulta da ju- subjacente à literatura bíblica do que à sua risprudência dos Cananeus e corresponde forma escrita. Ao lidar com a estrutura às coleções de outras leis do antigo Oriente. social e as instituições de Israel nós não O sistema sugerido por este autor, embora confiamos nos dados literários e cronoainda communis opinio, recentemente so- lógicos, mas sim nos concentramos nas freu muitas críticas. Sabemos muito pouco tendências do desenvolvimento, tal como das leis dos Cananeus para sermos capazes resulta da Bíblia como um todo. A tradição hebraica não fazia distinde identificá-lo com as passagens casuísticas do Pentateuco. A maioria dos livros de ção entre as normas da religião, moral e leis do Antigo Oriente, é verdade, é formu- lei. Condizente com essa origem divina lada em um padrão casuístico , mas existem comum, o homem foi obrigado a obede84 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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cer todas com igual consciência. O estilo apodítico, em especial, significa que o comando provém de D’us e que a sua promulgação foi parte de uma cerimônia religiosa. Regras de culto frequentemente aparecem em uma sequência de leis civis (cf. Êx. xxii-xxiii) e os pedidos dos Profetas para justiça fazem parte de seu ensino de lealdade para com D’us. A distinção entre religião e lei já era, no entanto, conhecida nas leis da Babilônia dos Hititas assim como no Código de Gortyn e Grego e nas Doze Tábuas romanas. Isso não significa que o Estado não tinha interesse no exercício dos deveres religiosos dos sacerdotes ou cidadãos. Mas os assuntos religiosos, embora de interesse público, pertenciam a uma categoria separada da lei do Estado; em Israel, por outro lado, nenhuma diferença era sentida entre os dois e nenhum deles eram criações do Estado. O pensamento hebraico, assim, reagiu sobre o conceito mesopotâmico de ordem cósmica. As várias forças da natureza eram compreendidas pelos babilônios como deuses vivos vivendo numa espécie de super-estado ao abrigo de um sistema legal todo abrangente. O monoteísmo de Israel não mudou essa ideia de uma crença na ação contínua de um poder discricionário de D’us. O conceito de Estado foi mantido, mas foi alterado para a ideia, se assim pode-se dizer, de uma monarquia constitucional e não de uma tirania. É com base nessa crença que as questões de teodiceia desempenham um
papel tão importante no pensamento bíblico. Questões como a de Abraão (Gn xviii 25) e Jó tocam os fundamentos da religião hebraica13. Os intérpretes do Código da Aliança precisam chegar a termos com o fato de que ele é parte de uma ampla tradição literário-legal, e só pode ser entendido em termos daquela tradição. O ponto de partida para a interpretação deve ser a presunção de que o Código da Aliança é um texto coerente compreendendo leis claras e consistentes, da mesma forma de seus antecessores cuneiformes. Aparentes incoerências devem ser atribuídas ao estado de nossa ignorância sobre o contexto social e cultural das leis, não necessariamente ao desenvolvimento histórico e, certamente, não a um excesso de qualquer sutileza ou incompetência da parte do seu compilador14.
Sobre Culturas e Civilizações Não é claro quando se iniciou a distinção entre Oriente e Ocidente e, conforme encontramos em Paul Goodman (extraído de “A History of the Jews”), o judaísmo é anterior a essa divisão: “A história dos 13. Hebrew Law in Biblical Times, Ze’ev Falk; Essays on Old Testament history and religion-The Origins of Israelite Law, Albrecht Alt. 14. What Is The Covenant Code? Raymond Westbrook.
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Judeus começa nos primórdios da civilização humana. Mas enquanto a descendência das outras nações foi perdida ‘nas brumas da mitologia’, a Bíblia preservou um relato notavelmente simples e vívido das origens e do início da história do povo chamado Hebreus, Israelitas ou Judeus”. “A origem do povo Hebreu é um enigma. Certamente eles não eram uma raça diferente, nem tinham características físicas suficientes para distingui-los das demais nações ao seu redor15”. O Judaísmo precedeu religiões e civilizações influentes no Ocidente e no Oriente, conforme Paul Goodman: “Se tirássemos os Judeus da esfera do pensamento e da vida – se imaginássemos que não existiram aqueles que geraram as forças espirituais, dogmáticas e éticas do Cristianismo e do Islamismo (a réplica árabe do Judaísmo), que vieram ao mundo, que nós nada soubéssemos deles e das influências Hebraicas, as quais agiram substancial e repetidamente mudando o curso da História – então ambas as civilizações, Oriental e Ocidental, nos pareceriam irreconhecíveis.” O Judaísmo não é identificado, exclusivamente, com o Ocidente ou Oriente, tendo, conseqüentemente, sofrido devido a essa não-identificação; por outro lado essa 15. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais, Edward Mcnall Burns.
vida resultou numa cultura, que preza os valores dos dois lados, permitindo participar positivamente nos seus desenvolvimentos. Segundo Walter G. Muelder, reitor da Escola de Teologia da Universidade de Boston, “desde que a questão Oriente-Ocidente foi levantada, o Judaísmo tem sido mal-entendido e mal interpretado, principalmente devido ao viés cristão e à forte noção antissemita contra os judeus ou tudo o que houvesse no Judaísmo.” Devido a boa, e disponível, documentação consegue-se identificar a influência do Judaísmo na Civilização Ocidental. A civilização ocidental é o produto de duas civilizações imensamente poderosas. De um lado, a Grécia antiga. Do outro, o antigo Israel. Atenas e Jerusalém são duas culturas muito diferentes e sempre assumimos que podiam ser razoavelmente traduzidas uma para a outra. A antiga Grécia e o antigo Israel eram duas formas de se falar das mesmas coisas. Assumimos isso porque a cultura europeia está baseada no Cristianismo, que virou, depois da conversão de Constantino em 327 E.C., a força cultural dominante na Europa. E o Cristianismo é a síntese dos dois. Nasceu em Israel, mas sua área de atividade estava em Grécia e Roma, o mundo helenístico. Portanto, tínhamos uma cultura baseada no Cristianismo, que juntou o mundo do antigo Israel e o mundo da antiga Grécia. Por isso achamos que um podia ser traduzido para o outro. Entretanto, embora os primeiros cristãos fossem, de fato, judeus, o que é pro-
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fundamente significativo é que os primei- dos Egípcios, tiveram maior importânros textos cristãos estão todos em grego. cia para o mundo moderno do que os Desde seu próprio começo, o Cristianismo Hebreus. Foram eles que, obviamente, – embora tivesse partes de Judaísmo – se nos proveram com a maior parte dos expressou na linguagem da Grécia. E isso fundamentos da religião Cristã – seus influenciou a civilização ocidental até os Mandamentos, os relatos da Criação e dias de hoje. No coração de nossa civi- do Dilúvio, seu conceito de D’us como lização há uma tensão não reconhecida Legislador e Juiz e mais do que dois terços e não resolvida entre as partes gregas e da sua Bíblia. As concepções hebraicas de as partes judaicas, moralidade e teoria e as partes gregas política também tiforam dominantes. veram profunda A civilização influência nas naNão se t rata ocidental é o apenas de que no ções modernas, esJudaísmo há palapecialmente aqueproduto de duas vras que não se polas aonde a fé Calcivilizações dem traduzir para vinista era forte17.” o grego. É muito “Os Israelitas, imensamente ou Hebreus, eram mais do que isso. A poderosas. De um diferentes em sua estrutura profunda do pensamento jureligião, porque, ao lado, a Grécia daico não pode ser contrário dos outros antiga. Do outro, o traduzida para as povos do Oriente antigo Israel. categorias domiPróximo, eles reinantes do pensavindicavam que mento ocidental. O seu d’us era o único pensamento ocidental está baseado num d’us; que ele fez o mundo e tudo que nele modelo grego, muito diferente do mo- existe, mas estava separado deste mundo,e delo judaico. E como não percebemos que tinha feito um pacto especial com eles isso, achamos que o Judaísmo era muito e, como parte desse pacto, ele deu a eles mais simples, domesticado e dócil do uma coleção completa de leis e regras de que é na verdade16 .” como viver, como cultuá-lo. Os Israelitas, “Dentre todos o povos do antigo dessa forma, contribuíram para o OcidenOriente, nenhum, com a possível exceção te com o monoteísmo. Essa contribuição 16. O que é fé? Rabino-chefe do Reino Unido, Jonathan Sacks.
17. História da civilização ocidental : do homem das cavernas às naves espaciais, Edward Mcnall Burns.
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foi importante não somente como religião ou teologia, mas também porque o monoteísmo causou uma distinção radical entre o divino e o humano. Essa distinção tem duas consequências. Primeiramente, ela enfatiza os valores morais dos atos humanos e, assim, ajuda a criar a ideia de uma consciência individual e da responsabilidade individual. Segundo, direciona a atenção humana para entender a natureza, tanto humana quanto não-humana, e esse impulso, junto com o racionalismo grego e os modernos princípios europeus de liberdade e tolerância, tornaram possível a Ciência e a Democracia18”. Um estudo comparativo do Veda e da Torá19 mostra várias afinidades, contrariamente à caracterização estereotipada ressaltando as oposições entre “Hinduísmo” e “Judaísmo”, e sugere que representam duas espécies do mesmo gênero. O modelo de escritura exemplificado pelo Veda e pela Torá é enraizado num modelo 18. From Plato to NATO: the idea of the West and its opponents, David Gress. 19. Veda and Torah, Profa. Dra. Barbara A. Holdrege.
de tradição religiosa diferente dos paradigmas de tradição religiosa que fundamentam as concepções cristãs do Novo Testamento, ou das concepções islâmicas do Qu’rãn, e é uma alternativa para repensar a monolítica concepção de tradição religiosa baseada no Cristianismo, que tem tendido a dominar os estudos e pesquisas acadêmicas. O paradigma de tradição religiosa desenvolvido a partir do contexto cristão dá precedência a categorias como: crença, doutrina, teologia, e delineiam noções de tradição-identidade que estão enraizadas no caráter missionário do Cristianismo. As tradições brâmanes e rabínicas oferecem uma alternativa com prioridades em: prática, observância e leis e tradição-identidade priorizando categorias étnicas e culturais, predominantemente não missionárias. O Veda e a Torá assumem um papel de símbolos multivalentes. Cada um tem status e forma de um símbolo que possibilita legitimação transcendente para a totalidade de tradição normativa; cada um assume uma função dupla: um corpo circunscrito por texto, e um símbolo
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aberto que pode ser estendido para incluir qualquer texto normativo, ensinamento, prática ou tradição20. Ananda 21 aponta alguns princípios básicos do Hinduísmo e do Judaísmo. Comenta que, efetivamente, a história sempre começa acompanhada por crença ou fé; contudo, tem se tornado uma norma, especialmente entre os autores modernos, iniciar com história, e todas suas tendências, para racionalizar o início do homem nesta terra. Apesar de não ser simples a questão se o início foi a história ou a fé, autores modernos enfatizam, veementemente, suas posições do seguinte modo:” O Judaísmo, no seu começo, não possuía ‘princípios básicos’. Nem o Pentateuco ou os Profetas estabeleceram credo ou doutrina que pudesse ser considerado como fundamento do Judaísmo. A Bíblia contém, somente, uma declaração que é: ´Shemá Israel...(Escuta, ó Israel, O Eterno é nosso D’us, O Eterno é Um’. 20. No nordeste da Índia, na massa de terra que fica entre Mianmar (antiga Birmânia) e Bangladesh, vive um pequeno grupo de pessoas que vêm praticando o Judaísmo desde a segunda metade do século XX E.C. Eles não assumiram uma “nova” religião. Essas pessoas, na verdade, voltaram à religião de seus ancestrais. Eles chamam a si mesmos Bnei Menashe (ou Manmaseh), descendentes da tribo de Menashe, uma das dez tribos perdidas. Também conhecida como a Shinlung, os Bnei Menashe relatam sua história de exílio do Reino do Norte de Israel em 721 A.E.C. em toda a rota da seda, finalmente, terminando na Índia e Myanmar (Birmânia). A história dessas pessoas é surpreendente. Depois de milhares de anos de exílio, eles redescobriram suas raízes e estão retornando ao Judaísmo. (http:www.bneimenashe.com). 21. Hindu View of Judaism, Ananda.
O Rabino Saadia Gaon22 escreve: “Por que dizemos nas preces ‘Nosso D’us e D’us de nossos pais’? Há dois tipos de pessoas que acreditam em D’us. Os que acreditam porque sua fé tem sido transmitida de pai para filho, e é uma fé forte; e os que atingiram a fé através de busca intelectual. A diferença entre os dois: o primeiro tem a
A maioria dos filósofos pensam sobre D’us da maneira mais logicamente inteligível. vantagem da fé inabalável – independente de questões com que se depare, mas tem a falha de ter sido dada por uma pessoa (seu pai ou seu mestre), sem racionalização; o segundo tem a vantagem de ser fruto de esforço próprio, mas pode ser mudada por algum argumento convincente.”. O Dr. Saeki23 descobriu a tumba de Hada-no-Kawatsu, chefe da tribo Hada (ou Hata) e do templo chamado “Osake Jinja” (“Templo do Rei David”). E após quarenta 22. Livro de Crenças e Opiniões (Emunot VeDeot), cap. III. 23. Ikuro Teshima, aluno e sucessor do prof. Yoshiro Saeki, em seu livro The Jewish Diaspora in Japan – the tribe of Hada.
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anos de intensivos estudos concluiu que a tribo Hada era de judeus da diáspora, que chegaram ao Japão no início da Era Comum, muito antes do que o Budismo, que lá chegou em meados do século VI A.E.C. Em uma visita do autor, Teshima, ao templo de Osake, em Sagoshi, os sacerdotes lhe mostraram uma máscara do rei Ko, e, conforme a história da antiga China, o ideograma Ko se refere às terras do ocidente. Há teorias de que tal máscara foi trazida por Hada-no-Kawatsu, e outra de que era do próprio Kawatsu. Quando o Dr. Saeki viu a foto da máscara exclamou, exultante: “É, seguramente, a feição de um judeu!”. Teshima diz que os primeiros imigrantes que chegaram na formação do Japão provinham de diversas regiões da Ásia, Malásia e Polinésia, e outro importante grupo de semitas, incluindo a tribo de Hada, cujas origens são traçadas até a antiga terra de Israel. O reino de Hada é frequentemente mencionado nos relatos chineses da época. Na mitologia japonesa encontramos elementos profundamente marcados pelo Judaísmo.
No reinado do imperador Ojun, século III E.C., um líder de Hada, chamado de Rei de Yudzuki24 veio ao Japão, voltou à sua terra e retornou ao Japão com 18.680 pessoas que se instalaram na Rota da Seda. Posteriormente, foram cativos dos chineses e participaram, brutalmente oprimidos, da construção da Grande Muralha. Teshima traz fatos que indicam que Shih Huang-Ti, sec. III A.E.C., que unificou o império chinês, e cujo nome dá origem ao nome do país (China), tinha origem judaica. Sambem traz indicações de que a família real japonesa, em épocas passadas, seguia o rito shintoista chamado Yahada – que tem ligações com o Judaísmo. A princesa Mikasa, irmã do imperador Hiroito, é arqueóloga de renome e descobriu num antigo espelho de ouro, pertencente à família real, a inscrição do Tetragrama (o nome Divino de quatro letras). A Prof. Dra. Vera Swarcz25 cita que as civilizações Chinesa e Judaica são as mais antigas e ininterruptas civilizações da terra com tradições e idiomas que resistiram aos milênios. Apesar de terem histórias diferentes, cada qual com sutilezas no vocabulário para a transmissão da memória cultural, é significativo que os caracteres 24. Dr. Saeki explica que Yuzdu deriva de Yehuda, e o sufixo “ki” significa “recém-chegados, novos imigrantes”. 25. Especialista em Estudos Asiáticos, poliglota — incluindo o chinês — em “Bridge across time”. É autora de importantes obras sobre o tema, incluindo um trabalho de três volumes sobre a história da intelectualidade chinesa, vivia e estudava na China já nos anos 70.
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usados hoje no Diário do Povo podem estar diretamente ligados às inscrições em ossos, do século VII A.E.C., bem como o fato de cientistas judeus publicarem suas mais recentes descobertas no mesmo idioma dos textos bíblicos, de mais da 3500 anos. Chineses e Judeus podem contemplar seu passado com familiaridade, reconhecendo seus ancestrais, como se estivessem conversando com eles hoje. Essa continuidade não pode ser atribuída a acidente histórico ou de geografia. Entender essa conexão requer um considerável esforço intelectual e de abstração. Outras antigas civilizações também possuem memória com profundas raízes, mas que, ao longo do tempo, tiveram interrupções e esvaeceram. Meng Jiao, poeta da dinastia Tang (618907), advertiu: “Se você abandonar a história, não lhe restará vontade para ações morais. Se der as costas para os que te antecederam, as armas em suas mãos quebrarão e será impossível dominar o presente”. Similarmente diz o Salmista, sobre o exílio da Babilônia (Salmo 137). Cada poeta fala sobre a memória como imperativo cultural e ético. Cada um usa diferentes metáforas para alertar sobre os perigos do esquecimento e as dificuldades da recordação. Outra afinidade entre essas civilizações é que ambas encorajam, e exigem, atenção meticulosa e apego à literalidade dos textos. Somente uma pessoa treinada e letrada pode apreciar as tradições e transmiti-las; somente quem lembra (especialmente textos básicos e clássicos) pode tornar-se um arquiteto de continuidade cultural.
No entanto, há diferença na motivação. O conceito de um D’us que está no mundo, e, concomitantemente, o transcende é fundamental para todas as práticas judaicas, e o lembrar é considerado um preceito religioso, não somente um hábito cultural. No caso chinês, o compromisso com a memória provém do conceito organicista do universo. Outra diferença é com relação ao tempo. Os sábios-estudiosos confucionistas, assim como o povo em geral, viveram quase ininterruptamente em sua terra natal, sendo a relação com o espaço mais forte do que a com o tempo. A história dos judeus é marcada por frequentes tentativas de separá-los de sua terra (apesar de que alguma parte do povo sempre conseguiu ali viver), e sua ligação com o tempo é muito forte, como descrito por Ahad Ha-Am (Asher Ginzberg) sobre a santidade do Shabat (que é função do tempo não do espaço): “Aquele que verdadeiramente sente em seu coração uma conexão com a vida de seu povo através das gerações vai achar quase impossível imaginar a existência do povo de Israel sem a Rainha Shabat”. Apesar dessas diferenças, seu aluno David Fine percebeu uma similaridade essencial e escreveu que Chineses e Judeus compartilham uma “tradição Judeo-Confucionista que conservou a identidade de dois grandes povos através de 3000 anos” o que contraria generalizações da tradição judaico-cristã, que frequentemente nega os discernimentos espirituais da Bíblia Judaica. No seu ensaio, Fine se detém
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nas práticas culturais chinesa e judaicas e encontra analogias, ao ponto de parecerem idênticas. Por exemplo, enfatiza a similaridade entre a posição cultural do rabino e do sábio-estudioso chinês, e entre o ritual confucionista (li) e a lei judaica (halachá). E vejamos o que se encontra no livro Zohar (1:99b), que faz parte da Torá: “Disse Rabbi Abba: Um dia cheguei a uma cidade do povo do Oriente, e disseram-me alguma sabedoria que tinham herdado desde tempos antigos. Eles também tiveram livros que explicavam esta sabedoria, e eles me trouxeram um tal livro. Neste livro estava escrito que quando uma pessoa medita neste mundo, um espírito (ruach) é transmitido para ele desde o alto. O tipo de espírito depende do desejo de que ele se liga. Se a sua mente se liga a algo sublime e sagrado, então é isso que ele atrai para si. Mas se sua mente se liga ao ‘Outro Lado’, e ele medita sobre isso, então isso será o que ele atrai para si. Eles disseram: ‘Tudo depende da palavra, ação e do desejo do indivíduo de ligar-se. Através desses ele atrai o lado ao qual ele se apega’. Nesse livro eu encontrei todos os ritos [idólatras] e práticas envolvidas na adoração das estrelas e constelações. Ele incluía as coisas necessárias para tais ritos, bem como instruções de como se deve meditar, a fim de atrair para si as influências.
Da mesma forma, aquele que deseja unir-se ao alto através de Ruach HaKodesh deve fazer isso com ação, palavra e desejo do coração, meditando nessa área. Disso é o que depende quando alguém tem desejo a algo e atrair a influência para si.... Eu lhes disse: ‘Meus filhos, as coisas desse livro são muito próximas dos ensinamentos da Torá. Mas vocês devem se afastar desses livros, para que seus corações não sejam atraídos para suas práticas [idólatras] e todas as outras [os facetas] lá mencionadas, e para que não sejam desviados de servir o Santo, Abençoado Seja’ ”. Todos estes livros podem confundir uma pessoa. Isso ocorre porque o povo do Oriente tinha grandes sábios, que herdaram essa sabedoria de Abraão. Ele a tinha dado aos filhos de suas concubinas, como está escrito, “Para os filhos das concubinas, Abraão deu presentes”(Gn 25:6) [Originalmente essa era sabedoria verdadeira], mas depois foi transformada em muitos lados [idólatras].”
A Visão Religiosa 1. Lógica de estudo O formato ocidental padrão é que, para explicar um assunto (numa publicação ou
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num livro, por exemplo) é necessário expor a lógica de forma sequencial, como, por exemplo, em capítulos, cuja numeração indica a sequência, e os conceitos vão sendo expostos ordenadamente. Contudo, como fazer isso quando os conceitos a serem apresentados são entrelaçados ou concomitantes? Ao explicar um já é necessário explicar o outro, e vice-versa. Ao apresentar um conceito antes de outro há a possibilidade de ficar com a impressão de que o anterior é mais importante do que o posterior, e isso influir na compreensão. No Talmud – o exemplo clássico e mais conhecido da forma de estudo judaico – é comum que os conceitos, princípios, opiniões estejam espalhados pelo texto, e em diversos livros. Com a lógica sequencial é difícil de seguir seu raciocínio. Mas a Ciência e a Tecnologia têm fornecido muitas ferramentas que facilitam a compreensão de conceitos e ideias da Torá, inclusive alguns bem difíceis. No caso em pauta, de interdependência de conceitos, encontramos na internet o recurso comum do link. Um texto pode conter palavras ou conceitos não conhecidos e, através de links, pode-se consultar a explicação e continuar a leitura do texto. Podemos citar, ainda, pesquisas interdisciplinares, onde distintos ramos científicos são envolvidos simultaneamente.
2. Modelos Como definição de ‘Modelo’, neste texto, adotamos a seguinte:“Representação, esquema ou conjunto de hipóteses que
descrevem, ou interpretam, um estrutura, fenômeno ou fato, de modo simplificado, fragmentado”. O uso de modelos é necessário quando há dificuldades para entender um assunto no seu todo, e essa é uma prática comum de áreas de pesquisa a atividades práticas. Uma maior complexidade pode exigir diferentes modelagens: (a) Modelos simultâneos, onde o assunto é representado, interpretado, explicado, por intersecções entre os modelos; (b) Cada Modelo trata de uma parte, e o conjunto explica o todo. Se a abrangência do assunto aumentar, pode ser necessário modificar a modelagem; se não houver esta necessidade, admitimos que a modelagem existente tem boa consistência. Deve-se levar em conta, também, que há diferenças entre ‘Modelo’ em Ciências Exatas, Humanas, Biológicas. A Torá pode ser considerada Filosofia, História, Religião, Teosofia, Ciências Sociais, etc., cada qual com seu significado específico de ‘Modelo’. Significativamente, observamos diferença de enfoque nos nomes usados: Sefer Torá e Bíblia. O nome usado na academia é Bíblia, que provém da palavra grega biblos (papel, livro). Sefer provém da raiz “SFR (”)ספר, a mesma da palavra número ()מספר. A Bíblia dá prioridade para o conjunto (livro, papel aonde estão os escritos), enquanto Sefer não abandona o conjunto, mas, ao mesmo tempo, se atém à importância de cada unidade. Para entender o “assunto” Torá, também necessitamos de um modelo.
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Por abranger diversas e distintas áreas, modelos simples podem até confundir a compreensão e as conclusões. Por isso, neste artigo apresentamos uma visão da Torá bem mais ampla do que a tradicionalmente conhecida no meio acadêmico na medida em que os modelos tradicionais são insuficientes para analisar e permitir a apreciação da grande riqueza nela contida.
3.Torá: Escrita e Oral Torá é uma palavra hebraica com algumas conotações, entre elas: instruções, ensinamentos, ordens de D’us para o mundo, e para o povo de Israel; referência a toda a Bíblia Hebraica, também conhecida por Velho Testamento; referência ao chamado Pentateuco; Lei mosaica; Leis e recomendações D-ivinas. No presente artigo usamos a palavra Torá tanto significando os cinco livros escritos por Moisés, segundo o que recebeu de D’us, como no sentido mais amplo que abrange as formas escrita e oral. A Torá possui duas formas, que se complementam totalmente: a forma escrita e a forma oral. Há uma ideia errônea de que exista uma Torá Escrita e uma Torá Oral, como se houvessem duas Torá. A Torá Escrita é constituída por cinco partes, escritas em pergaminho. A escrita e o pergaminho precisam seguir muitos detalhes para que possam ser considerados um Livro da Torá (Sefer Torá, em hebraico). Uma de suas particularidades é que o Sefer Torá adquire santidade, o que o torna diferente de um livro comum.
Essa santidade (kedushá, em hebraico) é um conceito pouco conhecido e familiar. Não deve ser confundido com espiritualidade, apesar de que o espiritual é parte integrante da Torá – e do Judaísmo. O mesmo texto do Sefer Torá, escrito sobre papel adquire uma santidade, mas diferenciada da do Sefer Torá.
D’us, no Judaísmo, não é um ser com poderes sobrenaturais. Essa extrapolação do ser humano pressupõe alguma ligação, ainda que muito distante. No caso judaico, D’us está numa esfera, por assim expressar, diferente, da qual o homem não tem qualquer referência, ou imaginação. No texto da Torá Escrita não está claro o que são ordens, o que é relato histórico, o que são recomendações, etc., pois é complementado pela forma Oral. Há milênios existem pessoas que não conheciam, ou não aceitaram essa forma Escrita-Oral, e do limitar-se somente à forma escrita decorre uma compreensão diferente daquela que considera a forma mais ampla, com a forma oral.
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A forma oral contém esclarecimentos e explicações do conteúdo da Torá Escrita. Essa forma, de uma parte escrita e uma parte oral, é de difícil visualização em termos teóricos, mas é através da prática que se consegue entendê-la.
4. Letras, Palavra, Números No hebraico não existe diferença entre consoantes e vogais. Para uma letra ser pronunciada é necessário que seja associada a um som, como o da vogal. Vendo o texto original da Torá, só se observa certos sinais, sendo, portanto, impossível de ser lido, e, consequentemente, entendido. Esse sinais são chamados de Ot, em hebraico. No texto da Torá Escrita, a vocalização é fornecida pela Torá Oral. Assim, a transmissão da Torá, desde seu início, foi feita através dessas duas formas, em conjunto. Posteriormente, a vocalização recebeu um sistema de sinais, para acompanhar os textos escritos em papel, facilitando o seu entendimento. Esses sinais são chamados, em hebraico, de Nekudá (Nekudot, no plural). Outra necessidade para o entendimento do texto são as pontuações: vírgula, ponto, parágrafo,etc.. Também nesse caso essas informações provêm da Torá Oral, por meio de uma cantilena, uma melodia. As entoações também receberam um sistema de sinais, permitindo que sejam transmitidos com o texto escrito. Obviamente, o som de cada sinal é transmitido oralmente. Uma peculiaridade pouquíssimo conhecida é que na Torá Escrita há muitas
palavras que têm sua leitura diferente de como está escrito. Dentro dos padrões seculares isso parece uma aberração, para a qual apresentam várias hipóteses. Mas é bem coerente com o sistema do conjunto Escrita-Oral. Exemplos: Gn 25:23; 30:11; Dt 2:33; 5:10; 8:2; 21:7; 27:10; 28:23; 28:57; 28:30; 29:22. Outra peculiaridade que não tem relevância nos estudos seculares é que na Torá Escrita há, espalhado em meio às palavras, um alfabeto completo (desde Alef ( )אaté Tav ( ))תde letras com tamanho menor do que o texto geral, e um alfabeto com letras de tamanho maior. Ot também pode corresponder a um valor quantitativo, ou seja, um valor numérico, ou seja, há “letras” e “números” que possuem a mesma forma. Outro significado de Ot de é “sinal”. O Ot “sinaliza”, ou “aponta” para algo. No campo de linguagens de programação de computadores, na linguagem C, há um conceito chamado de “ponteiro” que guarda semelhança com este aqui apresentado.
5. 70 idiomas, 70 faces, 70 70 pedaços Na própria Torá consta que ela foi traduzida para os 70 idiomas existentes na época. O objetivo disto é que todos os povos tivessem possibilidade de conhecê-la, estudá-la e, também, discutir ou contestar seu conteúdo. Um outro aspecto é a perspectiva, o ângulo, o ponto-de-vista. A Torá tem 70
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panim, normalmente traduzido como “faces”, e, similarmente, tem 70 achor, que significa “costas”– o oposto de panim (“face”). Isso é muito interessante e significativo: a Torá contém explicações, ou entendimentos, que permitem confirmá-la (panim) ou negá-la (achor). Contudo, estes aspectos têm uma mesma origem. Isto é exemplificado pelo Midrash que diz: A Torá é comparada a uma pedra, que foi golpeada e ficou em 70 pedaços. Isto é, olhando cada pedaço, individualmente, ele parece ser uma unidade independente. Porém, se sabemos que são partes de um todo, é possível buscar integrá-los26.
6. Mashal Kadmoni, linguagem humana, linguagem figurada, Metáfora, Parábola A Torá também é chamada de Mashal Kadmoni. É uma expressão com profundos significados. A palavra hebraica mashal, é usada, em geral, com o sentido de ‘parábola’, ‘exemplo’, ‘referir-se indiretamente’. Kadmoni provém da palavra kadmon, cuja raiz significa ‘o antes de qualquer antes’, ‘o antes absoluto’. Mashal kadmoni, então, nos transmite a ideia de que a Torá – suas letras, palavras, frases, números, história, interpretações, ângulos-de-vista, etc.– é uma referência 26. Ez 2:9-10; Midbar Shur, 5 e 16; Ain Aieh, Hakdamah; Shaloh Hakadosh; Shushan Sodot, 556; Sefer Likutim Tzemach Tzedek, Ot Aleph; Sefer Maamarim Admur Emtzai, Bamidbar.
a “algo”, ao Kadmon ou uma referência produzida pelo Kadmoni a “algo”. D’us, o Kadmoni, que é infinitamente mais elevado do que o homem, possui infinitas maneiras de Se expressar, enquanto o homem é limitado. “Meus pensamentos não são como teus pensamentos, teus caminhos não são como Meus caminhos” (Isaías 55:8). Portanto, se a “comunicação” de D’us para o homem é feita segundo a linguagem (palavras e conceitos) que este consegue entender, D’us, por assim dizer, “veste” Sua sabedoria dentro da limitação humana. Assim, uma maneira de explicar mashal é que ele é uma linguagem simbólica. Isto se assemelha à transmissão de um conceito, ou conhecimento para um aluno: quando esse conhecimento é muito elevado, além da capacidade do aluno, o mestre se utiliza de parábolas, exemplos, comparações, histórias que “apontam” para aquilo que quer transmitir. No caso da Torá encontramos algo extraordinário. Ela relata um história real e, ao mesmo tempo, é como uma história para transmitir conceitos e ensinamentos elevados. Se o aluno se esforça, ele consegue aprender coisas que os outros não conseguem imaginar, coisas que a pessoa, por si própria, não conseguiria concluir, atingir. Quanto mais meticuloso, aplicado, dedicado, perspicaz for o aluno, mais conseguirá entender, e com mais profundidade, plenitude, detalhe, abrangência. No livro chamado Sefer Ietzirá, encontramos esta interessante expressão: “O
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mundo foi criado por 3 coisas: Sofer (quem escreve, escritor), Sefer (o que é escrito, livro), Sipur (o que é contado no livro)”. O Sofer pode expressar suas ideias através de Sipur, diferentes e equivalentes, em fala, ou em Sefer. A linguagem figurativa depende da imaginação e tipo de experiências individuais. Não há como definir, claramente, qual parte da figura usada é comum ao conceito transmitido. Quais são os limites ou fronteiras de aplicação da linguagem figurativa? Depende do idioma e de situações regionais; a tradução de expressões idiomáticas é difícil e pode até distorcer, ou ser de todo impossível. (Exemplo: Ele é um ‘cobra’. Ele é um ‘avião’. A comida ‘caiu’ mal. ‘No mundo da lua’.)
7. Comunicação A palavra para ‘letra’, em hebraico é ot ()אות. Ot significa, também, ‘sinal’, que é, inclusive, uma tradução mais adequada. Portanto, no Hebraico, a letra é uma sinalização para algo. (Conforme explicado no item Mashal kadmoni.) A sinalização é uma forma de comunicação. Numa visão mais profunda, podemos dizer que há vários níveis de letra: (1) Quando se lê um texto há (a) a letra escrita, com tinta no papel, (b) a imagem da letra formada no cérebro (letra do pensamento), (c) decodificação, identificando a ‘letra-sinal’ com um acervo de imagens na memória, (d) o significado desta letra, (e) o entendimento desta letra devido à sua posição relativa às letras vizinhas, etc.;
(2) No processo de explicar um conceito: (a) O início de um pensamento é quase imperceptível, ocorre “mais rápido do que um raio”. Esse raio – que contém todas as informações e detalhes extremamente concentrados – está comunicando algo. Esta comunicação é pessoal e quase indetectável. As letras e palavras nesse nível são diferentes do entendimento tradicional. (b) Para que essa ideia seminal contida nessa raio possa ser entendida – mesmo para a própria pessoa – ela deve ser desenvolvida em uma forma um pouco mais inteligível. Nesta forma, aquela ideia passa para uma nova “linguagem”, com outro tipo de letras, menos conceituais, abstratas, do que as do estágio anterior. (c) Num novo estágio, em direção ao material, encontramos uma nova “linguagem”. (d) Após alguns estágios de “materialização”, com suas “linguagens”, chega-se à expressão falada (letras no formato falado) e escrita (letras no formato escrito).
Transcendência Natural Os Sábios usam uma interessante expressão sobre a Torá: “Ela fala sobre os Mundos Superiores, mas refere-se aos Mundos Inferiores”27. A história relata27. Torá medaberet batachtonim veromezet baelionim.
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da na Torá acontece no mundo material, texto clássico Mikraot Gdolot tem um poucontudo, além desta superfície, há ensi- quinho do texto bíblico e, ao redor deste, namentos sobre assuntos muito elevados. uma discussão. Há a leitura que Rashi faz É conhecido em certos círculos que do versículo, a de seu neto Rashbam, a de a Torá possui 4 níveis de interpretação e Ibn Ezra, a do Ramban, a de Chizkuni, estudo, chamado, em hebraico, de Pardes. Radak, Sforno,etc.. Essa página da Torá Esta palavra é uma discusé, também, o são extensa, Os Sábios usam uma interessante contínua. Se acróstico que expressão sobre a Torá: “Ela fala representa 4 vocês fossem sobre os Mundos Superiores, mas níveis: P (da descrever refere-se aos Mundos Inferiores”. a literatura letra Pei) sigA história relatada na Torá religiosa ranifica Peshat, acontece no mundo material, que é o sentibínica, a mecontudo, além desta superfície, do literal e lhor expreshá ensinamentos sobre assuntos super f icia l são para ela (Mikrá); R (da que eu posso muito elevados. letra Resh), pensar é “anque significa Remez, o sentido indireto tologia de argumentações”. (Mishná); D(da letra Dalet), que signifiE como é o texto do Talmud? O Rabino ca Drash, no sentido de indicar, apontar. X diz isto, o Rabino Y aquilo. E na págiQuem passou pelas fases P e R pode en- na padrão do Talmud, em volta do texto tender para o que o texto aponta (Talmud); principal, há uma discussão entre Rashi S da letra (Samach), que significa Sod, o (francês do século XI E.C.) e seus filhos e segredo, que é o nível do estudo da Kabalá, netos – conhecidos como Baalei Tossafot e da Agadá. – ou seja, uma discussão em redor de uma Deste modo, ao simplesmente se ler o discussão, e, ao redor dessas, e em outras texto da Torá, já há um certo contato com páginas, outras discussões e análises. os níveis espirituais, e um sentimento de Não conheço nenhuma literatura simitranscendência. lar, nem conheço outros livros impressos dessa forma, nem o Arden Shakespeare 8. Interpretações tem “Rashi e Tossafot” dessa forma. Eles O formato e sistema de interpretações já resolveram a discussão antes de escreda Torá não encontra paralelo em outras verem os comentários28. literaturas ou culturas. Assim se expressa o rabino Jonathan Sacks: “Peguem um 28. O que é fé? Rabino-chefe do Reino Unido, texto padrão do Chumash (Pentateuco), o Jonathan Sacks. 98 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Desse prisma, as hipóteses dos estudos seculares podem ser consideradas interpretações, e serem comparadas com as outras já existentes. Esse é um diferencial, pois as interpretações religiosas não são aceitas, de antemão, nos estudos seculares.
9. Judaísmo & Religião O Judaísmo é comumente citado como sendo uma religião de um povo, da mesma forma que outros povos têm sua religião. Mas vejamos os significados de Religião: (a) culto, credo, crença num ente supremo; conjunto de dogmas29 e práticas; manifestação da crença por meio de doutrinas e ritos próprios30; (b) crença, manifestação de tal crença; modo de pensar ou de agir; princípios31. Esses significados têm pontos em comum com o significado de ‘Axioma’: (a) premissa considerada necessariamente evidente e verdadeira, fundamento de uma demonstração, porém ela mesma indemonstrável, originada, segundo a tradição racionalista, de princípios inatos da cons29. Dogma: (a) Ponto fundamental de uma doutrina religiosa, apresentado como certo e indiscutível, cuja verdade se espera que as pessoas aceitem sem questionar. (b) Por extensão de sentido: qualquer doutrina (filosofia, política, etc.) de caráter indiscutível em função se supostamente ser uma verdade aceita por todos. (c) Opinião sustentada em fundamentos irracionais e propagada por métodos que também o são. Dogma: Ponto fundamental e indiscutível duma doutrina religiosa, e, por extensão, de qualquer doutrina ou sistema.
ciência, ou, segundo os empiristas, de generalização da observação empírica32; (b) premissa imediatamente evidente, que se admite como universalmente verdadeira, sem exigência de demonstração; Proposição que se admite como verdadeira porque dela se podem deduzir as proposições de uma teoria ou de um sistema lógico ou matemático33.. A palavra hebraica para religião é דת (dat), que é a mesma palavra para lei. Isto significa que o contexto para religião é seguir leis, e o religioso é chamado de דתי (datí). E o Judaísmo não é só seguir leis. O Judaísmo tem crença, fé, tem manifestação da crença, tem dogmas. Mas: (a) O dogma máximo que é o monoteísmo possui mais um contexto de axioma, do que de dogma. Pois o início do Monoteísmo se deu com Abraão que, como seus pais, nasceu idólatra, cultuando diversos deuses; ele “descobriu” o monoteísmo através de lógica e ponderações. (b) A manifestação de crença não é resumida a cultos e rezas. Há estudo, conduta pessoal, familiar e coletiva. Há preocupação com o desenvolvimento sadio entre toda a humanidade. Há manifestações através da música, diversas forma de arte, e outros modos pessoais.
10. Judaísmo & Ciência Maimônides fez dois Tratados sobre a Lei Judaica: (a) Sefer HaMitzvot; (b) Iad
30. Dicionário Houaiss.
32. Dicionário Houaiss.
31. Dicionário Aurelio.
33. Dicionário Aurelio. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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HaChazaká. Na abertura de cada um deles, ele trata da primeira Lei, que é a mais básica e fundamental, de duas formas até antagônicas. No Sefer HaMitzvot ele diz que a primeira obrigação é ACREDITAR em D’us, e no Iad HaChazaká que é ENTENDER que há D’us. No final do Livro Madá, do Tratado Iad HaChazaká, encontramos: “É algo claro e sabido que o amor a D’us não se instala no coração, a menos que a pessoa persiga. E o amor é proporcional ao ENTENDIMENTO; quanto maior o entendimento, maior o amor”. Crença e entendimento são, aparentemente, mutuamente excludentes. Se alguém entende, não há espaço para crer; e, se crê, é porque não está conseguindo entender. Crença é, normalmente, associada a fé, religião; entender é normalmente associado à conhecimento, ciência. E esta é a mensagem. O convívio entre o crer e entender está na própria base do Judaísmo, de forma indissociável. Não existe “fé cega”. A ciência e a tecnologia têm contribuído enormemente para facilitar o entendimento de passagens e conceitos profundos da Torá e, mais especificamente, da Kabalá. As complexas ideias da Teoria do Tzimtzum, Tikun Olam, criação exnihilo, Influência do observador, e outras, tornaram-se mais acessíveis através das ilustrações tecnológicas. Atualmente encontramos milhares de judeus, observantes das tradições religio-
sas, em diversos postos na Academia, Centros de Pesquisa, e em desenvolvimento de tecnologia de vanguarda. Uma menção significativa é o comentário do prêmio Nobel de Física, Dr. Arno Penzias sobre o livro “Mind over Matter”, do rabino Menachem Mendel, o Lubavitcher Rebbe: (tradução livre) “O que é ciência, quais os seus pontos fortes, suas limitações e suas lições para a humanidade? Este volume instigante ajudará a abordar tais questões”. Uma definição ampla, sem ater-se à divergências encontradas na Filosofia da Ciência, para Ciência, seria: “Encontrar lógica para explicar observações mensuráveis. Em consequência, aumenta o conhecimento humano, e de como a natureza, ou a realidade, funciona”. O termo ‘observações mensuráveis’ implica que seja fenômeno detectável pela capacidade sensorial humana, inclusive com auxílio de equipamentos. Esta descrição não contempla certos estudos, que também são considerados Ciência, como História, Psicologia, Educação, e outros; portanto, Torá – que não é como Ciência Exata ou Natural, que possa ter prova indiscutível, mensurável e definitiva – também pode ser estudada sob um prisma científico, dentro de sua própria essência (e não como Teologia, História, Educação, dentre outras). O estudo lishmá pode ser um equivalente ao estudo de Ciência ou Pesquisa básica, cujo objetivo é o conhecimento, não se preocupando com utilizações.
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11. Leis, Halachá, Mitzvá, Filosofia, Teologia Na Liturgia judaica há algo aparentemente simples, que oculta uma profundidade. Referimo-nos à frase: “Adon Olam asher malach, beterem kol ietzur nivrá”, “Dono/ Senhor do mundo, que reinou antes de que tudo fosse criado”. A atitude de reinar é feita através de ordens, ou seja, o rei dita as leis que devem ser obedecidas pelos súditos. E a sequência é: primeiro é necessário haver pessoas sobre as quais possa haver um rei e, consequentemente, reinado, que é expresso através das ordens reais, suas leis. Essas leis podem ter a finalidade de regulamentar as atividades, estabelecer deveres e obrigações, ou, ainda, serem simplesmente expressões da vontade real, sem necessidade de algum motivo. Contudo, a sequência de “Adon Olam” é outra: Primeiro há um rei (Adon/Senhor), depois o reinado (ou seja, as ordens) e depois as criaturas (súditos). Por isso o ser humano não consegue entender as leis Dvinas, pois elas são de um tipo diferente daquele que o homem entende. Uma lei que existe antes de haver quem vai cumpri-la, e um rei que estabelece leis antes de haver um reinado. A lei feita pelos homens tem a finalidade de regulamentar ações, ou expressar comportamento (como as leis Científicas, da História, da Economia, do Mercado, dentre outras), e, por definição são sujeitas a alterações e mudanças. Não são leis que determinam o fato, mas sim, são geradas
pelos fatos e observações. As leis D-ivinas determinam os fatos, são imutáveis. Assim, por serem diferentes o uso do mesmo nome: ‘lei’ - causa confusão. As ‘leis D-ivinas’ e as ‘leis’ humanas não podem ser comparadas, porque são diferentes em sua raiz. Quanto ao conceito-palavra, “lei” pode ter vários significados: norma, regulamentação, costume, Torá, convenção, etc, como por exemplo: leis de trânsito são convenções; leis de esporte são regulamentações; leis da Física, da Matemática, da Economia têm diferentes significados. Na Torá encontramos, entre outros, os seguintes termos que podem se referir a “Lei”: ( דיןdin) משפט (mishpat) ( מנהגminhag) ( חוקchok) עדות (edut) ( צדקהtzedaka) ( דתdat) ( תורהtora) ( הלכהhalachá) ( מצוהmitzva). Halachá pode ser entendida como “sistema jurídico” judaico. Ela incorpora as leis talmúdicas e suas práticas. Boa parte da filosofia e do espírito do Judaísmo estão nela contidos. Consequentemente, é muito importante que haja um entendimento, ou equacionamento adequado. Pesquisas e estudos modernos sobre o Judaísmo seguem modelos de outras culturas, gerando uma visão [e análises e conclusões] deformada. Tentar enquadrar o relacionamento entre homem e D’us, ou seu semelhante, nos moldes de teorias sociológicas, econômicas e políticas atuais, mascara ou transforma o Judaísmo. Seguindo estas tendências, um Sábio pode ser considerado ora “conservador”, ora “ liberal”, ora “reacionário”,
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Teologia tampouco é uma abordagem adequada. Como as teorias citadas, a ideia de Teologia – que é um termo derivado do grego – é alheia, estranha, ao Judaísmo. Teologia, por ser considerada Ciência, pressupõe estudo sistemático, com um corpo de doutrinas articulaNão é claro quando se iniciou do e organizado. A título de exemplo, a distinção entre Oriente e Maimônides enumera 13 princípios, Ocidente, sendo o Judaísmo nos Princípios da Fé, ao passo que o anterior a essa divisão: “Se Rabino Iossef Albo relaciona três. tirássemos os Judeus da esfera Outro aspecto importante é que no do pensamento e da vida – se Judaísmo não há separação, na práimaginássemos que não tica, entre crença e teoria religiosa. existiram aqueles que geraram Na Halachá, deveres do homem as forças espirituais, para com seus semelhantes são pardogmáticas e éticas do te integrante dos seus deveres para Cristianismo e do Islamismo com o Criador. (a réplica árabe do Judaísmo), Não são leis sociais, ou derivaque vieram ao mundo, que nós das da praticidade humana, pois, nada soubéssemos deles e das apesar de usar-se o termo ‘lei’, elas influências Hebraicas, as são, efetivamente, “regulamentações quais agiram substancial e de comportamento”, ou “normas de repetidamente mudando o conduta” que variam para adequacurso da História – então rem-se ao local, ao povo, à época. Por ambas as civilizações, isso a Halachá é, efetivamente, mais Oriental e Ocidental, nos parecida com o conceito de imutabilidade que a palavra ‘lei’ transmite. pareceriam irreconhecíveis.” Um outro conceito judaico é encontrado na Mitzvá. São ordens dide obedecer ao “Reino do Céus” e aceitar vinas, que a priori devem ser obedecidas seu jugo é peculiar, só entendida dentro incondicionalmente. Contudo, se alguém de seu escopo. Por isso, é possível uma tem fraqueza espiritual e só consegue cumdemocracia – no sentido que “honra a pri-la após análise minuciosa, este ato é igualdade, e é governada pela a lei e a bem aceito34. justiça”– independente do forma funcional do governo. 34. Yehuda Halevi, O Cuzari, 2:26. etc.. A constituição política não é nenhuma das existentes em outras culturas, como : monarquia, oligarquia, eleições dos representantes, ou outras. A forma
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A tendência do homem é tomar a si como referência. É natural buscar adaptar aos seus valores, conhecimentos, capacidades, e assim por diante. D’us, no Judaísmo, não é um ser com poderes sobrenaturais. Essa extrapolação do ser humano pressupõe alguma ligação, ainda que muito distante. No caso judaico, D’us está numa esfera, por assim expressar, diferente, da qual o homem não tem qualquer referência, ou imaginação. A possibilidade para que o homem entenda D’us depende de que D’us Se comunique com o homem, dentro dos limites e possibilidades humanas. “Tu És Um, mas não no sentido numérico...oculto dos ocultos...Tu és quem dirige e não há quem Te dirija...Tu És a Causa de todas as causas, Produtor de todos efeitos..
Não há quem possa Te conhecer em absoluto...” (Introdução ao Tikunei Zohar, pg. 17a) “Uma Existência Primeira, que criou tudo o que existe. Tudo o que existe, em todos os níveis, só existe devido à Sua Existência. Se imaginar-se que Ele não existe, então, nada existe. Se imaginar-se que tudo o que existe deixe de existir, só Ele continua existindo, e nunca deixa de existir. Todas as existências dependem de Sua Existência, mas Ele não depende de qualquer outra existência. Ele é a única verdade, e não há verdade sem Ele. Ele movimenta, continuamente, os astros, sem mão ou corpo.” (Descrição de D’us, feita por Maimônides, no inicio do Tratado Iad HaChazaká). No Monoteísmo Judaico, D’us é infinito. Contudo a palavra ‘infinito’ é im-
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possível para o homem entender35. Sendo ele finito, o conceito de infinito, para o homem, é algo além de seu limite. O Universo é dito ser infinito, mas está se expandindo, segundo as teorias atuais; para onde pode se expandir, se é infinito? Sabe-se que a Ciência se refere ao denominado Universo conhecido; e, assim, o que conhecemos como infinito é imensamente grande, mas tem limite. Portanto o que é D’us, por princípio é impossível de entendermos. Consequentemente, também não entendemos Sua Torá, que também é infinita. E isto gera uma conhecida contradição: sendo Ele infinito, como é possível que tenha criado um mundo finito; afinal, qualquer parte do infinito é, também, infinito. Há dificuldades em encontrar uma resposta. A Criação é uma ideia judaica. Ao ler-se os mitos de culturas antigas – seja chinesa, hindu, egípcia, babilônica, assíria ou grega – não se encontra a noção de um poder puramente espiritual que criou o mundo do nada. Nesse mitos, o mundo evoluiu a partir da noite, da escuridão, da mãe-natureza, do infinito, ou de outra fonte vaga. Contudo a noção de um mundo criado de um nada absoluto não é encontrado nesse mitos. Aliás, não há palavra no grego que possa ser apropriadamente traduzida como ‘criação’(Na 35. Encontramos em certos campos de pesquisa acadêmico-científica estudos baseados em um infinito teórico (e.g. Funções). David Hilbert (“On the Infinite”, em Philosophy of Mathematics) sustenta que não é possível, no mundo real, um conjunto infinito.
Septuaginta, a tradução da Torá para o grego, a primeira sentença está assim:”En arxei apoisen ho Theos ton houranon kai tain gain”. A tradução para o inglês da Septuaginta, publicada na Inglaterra em 1784, traduz essa sentença como: “In the beginning G-d made the heaven and the earth” (“No princípio D’us fez os céus e a terra”). O verbo grego epoisen geralmente significa ‘produzir algo’, que não expressa o contido no original hebraico). A ideia da origem do mundo, para os gregos, não incluía a noção de um Ser absolutamente infinito, nem de um Criador. A maioria dos filósofos pensam sobre D’us da maneira mais logicamente inteligível. Somente Espinosa concebeu D’us como um Ser absolutamente infinito, mas rejeitou a noção de Criação, e consequentemente não conseguiu explicar a existência de um mundo finito, e seu conceito de ‘modos finitos’ é a grande fraqueza de sua filosofia36 . ICI
36. Creation, The Argument from Finitude, Prof. Yitzchok Block – Professor Emeritus de Filosofia, Universidade de Ontário.
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O Direito de Religião no Brasil Iso Chaitz Scherkerkevitz(1)
S
umário: I - Da liberdade de religião. II - Da religião na Constituição Federal. III - Da necessária separação Igreja-Estado. IV - Do ensino religioso na rede pública de ensino.
I - Da Liberdade de Religião A Constituição Federal consagra como direito fundamental a liberdade de religião, prescrevendo que o Brasil é um país laico. Com essa afirmação queremos dizer que, consoante a vigente Constituição Federal, o Estado deve se preocupar em proporcionar a seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa, proscrevendo a intolerância e o fanatismo. Deve existir uma divisão muito acentuada entre o Estado e a Igreja (religiões em geral), não podendo existir nenhuma religião oficial, devendo, porém, o Estado prestar
proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões. É oportuno que se esclareça que a confessionalidade ou a falta de confessionalidade estatal não é um índice apto a medir o estado de liberdade dos cidadãos de um país. A realidade nos mostra que tanto é possível a existência de um Estado confessional com liberdade religiosa plena (v.g., os Estados nórdicos europeus), como um Estado não confessional com clara hostilidade aos fatos religiosos, o que conduz a uma extrema precariedade da liberdade religiosa (como foi o caso da Segunda República Espanhola).(2) O fato de ser um país secular, com separação quase que total entre Estado e Religião, não impede que tenhamos em nossa Constituição algumas referências ao modo como deve ser conduzido o Brasil no campo religioso. Tal fato se dá uma vez que o Constituinte reconheceu o caráter inegavelmente benéfico da existência de todas as religiões para a sociedade, seja em virtude da pregação para o fortalecimento
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O Direito de Religião no Brasil
da família, estipulação de princípios morais e éticos que acabam por aperfeiçoar os indivíduos, o estímulo à caridade, ou simplesmente pelas obras sociais benevolentes praticadas pelas próprias instituições. Pode-se afirmar que, em face da nossa Constituição, é válido o ensinamento de Soriano de que o Estado tem o dever de proteger o pluralismo religioso dentro de seu território, criar as condições materiais para um bom exercício sem problemas dos atos religiosos das distintas religiões, velar pela pureza do princípio de igualdade religiosa, mas deve manter-se à margem do fato religioso, sem incorporá-lo em sua ideologia.(3) Por outro lado, não existe nenhum empecilho constitucional à participação de membros religiosos no Governo ou na vida pública. O que não pode haver é uma relação de dependência ou de aliança com a entidade religiosa à qual a pessoa está vinculada. Salienta-se que tal fato não impede as relações diplomáticas com o Estado do Vaticano, “porque aí ocorre relação de direito internacional entre dois Estados soberanos, não de dependência ou de aliança, que não pode ser feita.”(4) A liberdade religiosa foi expressamente assegurada uma vez que esta liberdade faz parte do rol dos direitos fundamentais, sendo considerada por alguns juristas como uma liberdade primária.(5) Consoante Soriano, a liberdade religiosa é o princípio jurídico fundamental que regula as relações entre o Estado e a Igreja em consonância com o direito fun-
damental dos indivíduos e dos grupos a sustentar, defender e propagar suas crenças religiosas, sendo o restante dos princípios, direitos e liberdades, em matéria religiosa, apenas coadjuvantes e solidários do princípio básico da liberdade religiosa.(6) O jurista americano Milton Konvitz salienta que “If religion is to be free, politics must also be free: the free conscience needs freedom to think, freedom to teach, freedom to preach — freedom of speech and press. Where freedom of religion is denied or seriously restricted, the denial or restriction can be accomplished — as in the U.S.S.R., Yugoslavia, or Spain — by limits or prohibitions on freedom to teach, freedom to preach-by restrictions on freedom of speech and press. Political and religious totalitarianism are two sides of the same coin; neither can be accomplished without the other.”(7), ou seja, não existe como separar o direito à liberdade de religião do direito às outras liberdades, existindo um inter-relacionamento intenso entre todas as liberdades por ele mencionadas (liberdade de ensinança, de consciência, liberdade de pensamento, de imprensa, de pregação, dentre outras). Jorge Miranda também relaciona a liberdade religiosa com a liberdade política. São suas palavras: “Sem plena liberdade religiosa, em todas as suas dimensões — compatível, com diversos tipos jurídicos de relações das confissões religiosas com o Estado — não há plena liberdade política. Assim como,
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em contrapartida, aí, onde falta a liberdade política, a normal expansão da liberdade religiosa fica comprometida ou ameaçada.”(8) É importante que se perceba que a ideia de liberdade religiosa não pode ser entendida de uma maneira estática, sem atentar-se para as mudanças de nossa sociedade. Segundo Soriano: “La libertad religiosa no es lo que fue ni lo que es hoy; la libertad religiosa es un concepto histórico, como todas las libertades, que en nuestro tiempo adopta una determinada forma, que no es la única ni la definitiva. También la libertad religiosa ha passado por varias etapas que han ido poco a poco enriqueciéndola. Una primera etapa en la que se reducía exclusivamente a la tolerancia religiosa ante el predominio de un monopolio religioso confesional: la religión dominante toleraba otros credos religiosos distintos y ‘ falsos’, debido, primero a los imperativos de orden político, y, después, al reconocimiento de la libertad de conciencia; una etapa que sustituye a otra del más crudo confesionalismo estatal, intransigente y militante, representado en Europa por la diarquía del Pontificado y el Imperio, guardiana de la tradición católica imperante en el continente hasta las luchas religiosas del Renacimiento. Una segunda etapa de predominio del pluralismo confesional con el reconocimiento de las distintas confesiones religiosas: libertad
religiosa para las confesiones dentro de un panorama de relativa desigualdad en el ejercício de las religiones. La libertad religiosa no está ahora presidida por el signo de la tolerancia en el ámbito de una única, verdadera y oficial religión del Estado, sino por la aceptación de la pluralidad de credos dentro del territorio del Estado; con ello el fenómeno religioso se engrandece y abarca una diversidade de opciones fideístas y la libertad religiosa se enriquece con la aportación de nuevos horizontes teológico-doctrinales; pero se trata todavia de un pluralismo moderado, el pluralismo de las opciones fideístas y del colectivo de los creyentes exclusivamente. Hay una tercera etapa en la que aún no estamos y cuyos primeros brotes doctrinales comienzan a aparecer en los momentos actuales, la etapa del pluralismo religioso íntegro, como la he llamado en otra ocasión, que representa
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la inserción de las opciones religiosas no de confiança e de amor que, com todas as fideístas dentro del concepto y de la pro- suas faculdades, intelectuais e afetivas, o tección de la libertad religiosa.”(9) homem vê-se obrigado a prestar a Deus, seu Para se falar em liberdade religiosa é princípio e seu fim”. Objetivamente, religião importante analisar-se o próprio conceito seria “o conjunto de atos externos pelos de religião, pois conforme ressalta Konvitz, quais se expressa e se manifesta a religião o que para um homem é religião pode subjetiva (= oração, sacrifícios, sacramentos, ser considerado por liturgia, ascese, presoutro como uma sucrições morais)”.(12) Com base no perstição primitiva, Juan Zaragüeta, nosso progresso imoralidade, ou até com mais precisão constitucional, pode-se mesmo crime, não esclarece que afirmar com segurança havendo possibilidade de uma defi“I) La ‘religión’ que o Estado não deve nição judicial (ou consiste essencialsimplesmente “tolerar” legal) do que venha a mente en el homenaa existência de outras ser uma religião.(10) je del hombre a Dios. religiões em seu Se não é possível Pero la precision de território. Deve saber uma conceituação esta definición troconviver com a pieza con la doble legal do que vem a multiplicidade de ser religião, podedificultad: 1) de dereligiões existentes, mos tentar definir o finir el concepto de conceito com apoio Dios, de tan múltiple tratando igualmente na filosofia. acepción (véase); 2) a todas. Em conformidade determinar en qué de com as ensinanconsiste el homenaje ças de Carlos Lopes de Mattos, religião é a religioso. A) A este propósito cabe distinguir: “crença na (ou sentimento de) dependência a) la religión interessada, que busca a Dios em relação a um ser superior que influi no como un Poder superior a los de este mundo, nosso ser – ou ainda – a instituição social para hacerle propicio (con oraciones y sade uma comunidade unida pela crença e crificios) a los hombres, en el doble sentido pelos ritos”.(11) de liberarlos de los males y procurarles los Para o Professor Régis Jolivet, da Univer- bienes de esta vida; b) la religión desintesidade Católica de Lyon, o vocábulo religião ressada, que (sin excluir lo anterior) busca pode ser entendido em um sentido subjetivo sobre todo a Dios para hacerle el homenaje ou em um sentido objetivo. Subjetivamente, — culto interno o mental y externo o verbal religião é “homenagem interior de adoração, y real, especialmente sacrificial, privado 108 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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y público (véase) — de la adoración y del amor de los hombres. B) La religión: a) no moral, que considera a Dios como el legislador y sancionador, en esta vida o en la otra, del orden moral y jurídico, y al ‘pecado’ o infracción de este orden (que incluye también el religioso) como una ofensa de Dios, que quien cabe recabar su perdón a base del propósito de volver a cometerlo. Las religiones inferiores se caracterizan en ambos conceptos por atenerse al sentido a) y las superiores al sentido b). Hay que advertir, sin embargo, que la religión, incluso en el sentido b), se presta a ser utilizada hasta por los que no creen en Dios y para los demás en el concepto de A) b), como fuente de consuelo para el alma; y en el concepto B) b) como auxiliar del orden moral y político (concepto ‘pragmático’ de la religión). II) Se distinguen también la religión natural y las religiones positivas, o históricamente existentes; de las que varias pretenden ser reveladas por Dios con revelación variamente garantizada, y por ende sobrenaturales, no sólo por el modo de la revelación, sino también por la elevación con ella del hombre a una condición de intimidad con Dios (la ‘gracia santificante’, conducente tras de la muerte a la ‘gloria’ o visión beatifica de Dios) que por su naturaleza no le corresponde; la religión cristiana descuella como tal religión sobrenatural. Es de advertir que espíritus agnósticos tocante al dogma de la existencia o cuando menos de la esencia de Dios, no renuncian a la religión como sentimento o actitud de dependencia respetuosa del hombre del impe-netrable. Absoluto imanente
o transcendente al mundo que nos rodea. De esta actitud ha derivado el sentido de ‘lo religioso’ hasta a actos de la vida profana que se entienden ejercidos con una absoluta seriedad o deberes cumplidos con escrupulosa diligência.”(13) A liberdade de religião engloba, na verdade, três tipos distintos, porém intrinsecamente relacionados de liberdades: a liberdade de crença; a liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa. Consoante o magistério de José Afonso da Silva, entra na liberdade de crença “a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença...”(14) A liberdade de culto consiste na liberdade de orar e de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de contribuições para tanto.(15) A liberdade de organização religiosa “diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização de igrejas e suas relações com o Estado.”(16) A liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e crenças das religiões tradicionais (Católica, Judaica e Muçulmana), não havendo sequer dife-
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rença ontológica (para efeitos constitucionais) entre religiões e seitas religiosas. Creio que o critério a ser utilizado para se saber se o Estado deve dar proteção aos ritos, costumes e tradições de determinada organização religiosa não pode estar vinculado ao nome da religião, mas sim aos seus objetivos. Se a organização tiver por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do Estado. Por outro lado, existem organizações que possuem os objetivos mencionados e mesmo assim não podem ser enquadradas no conceito de organização religiosa (a maçonaria é um exemplo desse tipo de sociedade). Penso que em tais casos o Estado é obrigado a prestar o mesmo tipo de proteção dispensada às organizações religiosas, uma que vez existe uma coincidência de valores a serem protegidos, ou seja, as religiões são protegidas pelo Estado simplesmente porque as suas existências acabam por beneficiar toda a sociedade (esse benefício deve ser verificado objetivamente, não bastante para tanto o simples beneficiamento para a alma dos indivíduos em um Mundo Superior — os atos, ou melhor, a consequência dos atos, deve ser sentida nesse nosso mundo). Existindo uma coincidência de valores protegidos, deve existir uma coincidência de proteção. Devemos ampliar ainda mais o conceito de liberdade de religião para abranger também o direito de proteção aos nãocrentes, ou seja, às pessoas que possuem
uma posição ética, não propriamente religiosa (já que não dá lugar à adoção de um determinado credo religioso), saindo, em certa medida do âmbito da fé(17), uma vez que a liberdade preconizada também é uma liberdade de fé e de crença, devendo ser enquadrada na liberdade religiosa e não simplesmente na liberdade de pensamento. Pontes de Miranda reforça esses argumentos ao afirmar que tem se perguntado se na liberdade de pensamento caberia a liberdade de pensar contra certa religião ou contra as religiões. Salienta que nas origens, o princípio não abrangia essa emissão de pensamento, tendo posteriormente sido incluído nele alterando-se-lhe o nome para ‘liberdade de crença’, para que se prestasse a ser invocado por teístas e ateus. Afirma, por fim, que “liberdade de religião é liberdade de se ter a religião que se entende, em qualidade, ou em quantidade, inclusive de não se ter.”(18)
II - Da Religião na Constituição Federal Para a análise do tema é conveniente que se traga à colação os dispositivos constitucionais a ele relativo. Vejamos: A Constituição Federal, no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o
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Se a organização tiver por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do Estado. livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. O inciso VII afirma ser assegurado, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva. O inciso VII do artigo 5º estipula que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. O artigo 19, I, veda aos Estados, Municípios, à União e ao Distrito Federal o estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. O artigo 150, VI, “b”, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto, salientando no parágrafo 4º do mesmo artigo que as vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem
somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. O artigo 120 assevera que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, salientando no parágrafo 1º que o ensino religioso, de matéria facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. O artigo 213 dispõe que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. Salientando ainda no parágrafo 1º que os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insufi-
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ciência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. O artigo 226, parágrafo 3º, assevera que o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. Cada um desses dispositivos constitucionais poderia dar origem a uma monografia, porém, por uma opção meramente didática, optamos, como já se deve ter percebido, por não tratá-los por tópicos isolados, tecendo comentários sobre eles no bojo do texto.
III - Da Necessária Separação Igreja-Estado De início podemos notar uma falta de sintonia entre a nossa fala inicial, embasada no texto constitucional, e o que ocorre cotidianamente no Brasil. Como é possível se falar que não existe uma religião oficial quando ao abrir-se qualquer folhinha nota-se a existência de feriados oficiais de caráter religioso. E mais, de caráter santo para apenas uma religião (v.g. dia da padroeira do Brasil e finados).
Se existe uma separação entre o Estado e a Religião, será que seria constitucionalmente possível a existência desses feriados? E como ficam as datas santificadas das outras religiões: o ano novo judaico, o ano novo chinês, o período de jejum dos muçulmanos etc.? Tal questionamento está sendo feito atualmente pela Igreja Universal do Reino de Deus. É uma pena que as atitudes da mencionada Igreja estejam também envoltas em um manto de intolerância religiosa, sendo a discussão sobre a existência dos dias santificados encarada como uma “vingança” contra a imagem da padroeira do Brasil. Tal questionamento deveria ser feito no âmbito frio e racional da Constituição, sem o apelo a lutas religiosas, perseguições etc. Porém é bom que se ressalte que Konvitz, citando o Justice Douglas, afirma que a separação entre o Estado e a Igreja não é absoluta. Ela é limitada pelo exercício do poder de polícia do Estado(19) (e por outros poderes constitucionalmente atribuídos a este) e pelas práticas amplamente aceitas como símbolos ou tradições nacionais e que não seriam abolidas pela população mesmo que não gozassem de apoio estatal.(20) Portanto, se a existência desses feriados é de constitucionalidade duvidosa, tal realidade é plenamente defensável face ao apego que a maioria da população tem a essas tradições, sendo que, provavelmente, grande parte da população não iria trabalhar mesmo que não fosse determinado o feriado.
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Creio não ser inconstitucional a existência dos feriados religiosos em si. O que reputo ser inconstitucional é a proibição de se trabalhar nesse dia, por outras palavras, não reputo ser legítima a proibição de abertura de estabelecimentos nos feriados religiosos. Cada indivíduo, por sua própria vontade, deveria possuir a faculdade de ir ou não trabalhar. Se não desejasse trabalhar, a postura legal lhe seria favorável (abono do dia por expressa determinação legal), se resolvesse ir trabalhar não estaria obrigado a obedecer uma postura válida para uma religião que não segue. Pode-se ir mais além nesse raciocínio. Qual é a lógica da proibição de abertura de estabelecimento aos domingos? Com certeza existe uma determinação religiosa por trás da lei que proibiu a abertura de estabelecimentos nos domingos (dia de descanso obrigatório para algumas religiões). Como ficam os adeptos de outras religiões que possuem o sábado como dia de descanso obrigatório (v.g., os judeus e os adventistas)? Dever-se-ia facultar aos estabelecimentos a abertura aos sábados ou aos domingos, sendo que a ratio legis estaria assim atendida, ou seja, possibilitar o descanso semanal remunerado. Portanto, creio que alargando o calendário de feriados e dias santificados para incluir as datas das maiores religiões
existentes no nosso país e tornando estes feriados e dias santificados facultativos (no sentido de ser feita a opção entre ir trabalhar ou não), qualquer resquício de inconstitucionalidade estaria sanado. Um problema muito mais grave está na descoberta de qual deve ser a exata postura do Estado frente às religiões (minoritárias e majoritárias). Em que consiste a já mencionada separação de Estado e Igreja? Já vimos que o Estado brasileiro está terminantemente proibido de subvencionar qualquer religião. Vimos também que o Estado não pode obstar uma prática religiosa. Não pode adotar uma religião oficial. Não pode
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discriminar por critérios religiosos. Não pode fomentar disputas religiosas. Restanos ver o que pode o Estado fazer. O Estado pode cooperar com as instituições religiosas na busca do interesse público (art. 19, I, da C.F.), ou seja, ele não pode manter relações de dependência ou aliança, porém pode firmar convênios com as entidades religiosas quando tais convênios atendam ao interesse público (e não ao interesse dos governantes). Aliás, pode e deve ter tal postura. A experiência judicial americana nos mostra como é difícil delimitar até
onde é constitucionalmente possível e permitido a cooperação entre Estado e religiões. Vários casos foram levados às Cortes americanas com relação à leitura da Bíblia (Velho Testamento-sem comentários) em sala de aula(21), com relação ao pagamento pelo Estado do ônibus escolar em Escolas Católicas(22), com relação ao
planejamento das aulas na Escola Pública para que se abra um espaço para o ensino religioso(23), com relação à distribuição de Bíblias com o Novo e o Velho Testamento nas escolas(24), com relação ao descanso semanal(25). Todas as decisões foram tomadas por uma estreita margem de votos, o que demonstra a enorme polêmica que envolve o assunto. Nossa jurisprudência sobre o tema ainda está engatinhando, podendo ser citados os seguintes precedentes: Em 1949, foi impetrado no Pretório Excelso o Mandado de Segurança que recebeu o n. 1.114. Nesse Mandado, um bispo dissidente da Igreja Católica Apostólica Romana requeria o amparo do Judiciário no sentido de evitar que o executivo impedisse “as manifestações externas, quais procissões, missas campais, cerimônias em edifícios abertos ao público etc.,” de sua Igreja, quando praticadas com as mesmas vestes e seguindo o mesmo rito da Igreja Católica Apostólica Romana. O S.T.F. manifestou-se contrário à pretensão do impetrante, fulminando com essa decisão a acalentada separação entre Estado e Igreja. Esta decisão deixa claro como é extremamente difícil a prática do “jogo democrático religioso”, ou seja, se na teoria a separação Estado-Igreja já estava bem delimitada (desde 1890), na prática essa separação ainda era feita por linhas muito tênues. É importante registrar-se o teor do voto discordante do saudoso Ministro Hahnemann Guimarães. A transcrição do voto se faz necessária pois vale como uma aula
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prática e teórica sobre o tema: “...Daí resultou a providência sugerida do Sr. Consultor-Geral da República, o Professor Haroldo Valadão, nos seguintes termos: “Cabe, portanto, à autoridade civil, no exercício do seu poder de polícia, atendendo ao pedido que for feito pela autoridade competente da Igreja Católica Apostólica Romana, e assegurando-lhe o livre exercício do seu culto, impedir o desrespeito ou a perturbação do mesmo culto, através de manifestações externas, quais procissões, missas campais, cerimônias em edifícios abertos ao público etc., quando praticadas pela Igreja Católica Apostólica Brasileira com as mesmas vestes, enfim, o mesmo rito daquela”. Adotando a providência sugerida neste parecer, Sr. Presidente, parece-me que o poder civil, o poder temporal, infringiu, frontalmente, o princípio básico de toda a política republicana, que é a liberdade de crença, da qual decorreu, como consequência lógica e necessária, a separação da Igreja e do Estado. Reclamada essa separação pela liberdade de crença, dela resultou, necessariamente, a liberdade de exercício de culto. Devemos esses grandes princípios à obra benemérita de Demétrio Ribeiro, de cujo projeto surgiu, em 7 de janeiro de 1890, o sempre memorável ato que separou, no Brasil, a Igreja do Estado. É de se salientar, aliás, que a situação da Igreja Católica Apostólica Romana, separada do
Se existe uma separação entre o Estado e a Religião, será que seria constitucionalmente possível a existência de feriados oficiais de caráter religioso? Estado, se tornou muito melhor. Cresceu ela, ganhou prestígio, graças à emancipação do regalismo que a subjugava durante o Império. Foi durante o Império que se proibiu a entrada de noviços nas ordens religiosas; foi durante o Império que se verificou a luta entre maçons e católicos, de que resultou a deplorável prisão dos Bispos D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira e D. Macedo Costa, bispos de Olinda e do Pará. Mas não nos esqueçamos do próprio cisma, provocado, no século XIV E.C., pelos cardeais rebeldes, em que se elegeu o antipapa Clemente VII. Assim, a História da Igreja está repleta desses cismas, está repleta desses delitos contra a fé. Trata-se pois, de delito contra a fé, como o classificam os canonistas... É o que se dá, no presente momento. O ex-bispo de Maura, D. Carlos Costa, não quer reconhecer o primado do Pontífice Romano, quer constituir uma Igreja Nacional, uma Igreja Católica Apostólica Brasileira com o mesmo culto católico. É-lhe lícito exercer esse culto, no exercício da liberdade outorgada pela Constituição no artigo 14,
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parágrafo 7º, liberdade cuja perturbação é, de modo preciso, proibida pela Constituição, no artigo 31, inciso II. Trata-se, pois, de delito espiritual, podemos admitir. Como resolver um delito espiritual, um conflito espiritual, com a intervenção do poder temporal, do poder civil, que está separado da Igreja? Os delitos espirituais punem-se com as sanções espirituais; os conflitos espirituais resolvem-se dentro das próprias Igrejas; não é lícito que essas Igrejas recorram ao prestígio do poder para resolver seus cismas, para dominar suas dissidências. É este princípio fundamental da política republicana, este princípio da liberdade de crença, que reclama a separação da Igreja do Estado e que importa, necessariamente, na liberdade do exercício do culto; é este princípio que me parece profundamente atingido pela aprovação de parecer do eminente e meu ilustre colega de Faculdade, Professor Haroldo Valadão. Assim sendo, Sr. Presidente, concedo o mandado.”(26) Portanto, com exceção do Ministro Hahnemann Guimarães, o Supremo Tribunal Federal fez vistas grossas à necessária separação entre Estado e Igreja, desconsiderando o próprio texto constitucional, apegando-se a sentimentos individuais não amparados pela ordem jurídica. A nossa Suprema Corte foi novamente convocada a pronunciar-se na Representação n. 959-9 - PB (JSTJ-Lex, 89/251) aonde arguía-se a inconstitucionalidade da Lei n. 3.443, de 6.11.66 que exigia a prévia autorização da Secretaria da Segu-
rança Pública do Estado da Paraíba para o funcionamento das Tendas, Terreiros e Centros de Umbanda. O Ministro Francisco Rezek, à época Procurador da República, salientou em seu parecer que: “5. Em termos absolutos, nada existe na norma sob crivo, tanto em sua redação atual quanto, mesmo, na primitiva, que constitua embaraço aos cultos africanos, de modo a afrontar a garantia constitucional da liberdade religiosa. 6. No máximo, dar-se-ia por defensável a tese do embaraço relativo, e do consequente ultraje ao princípio da isonomia, à consideração de que as exigências da lei paraibana não se endereçam por igual, aos restantes cultos religiosos. Para tanto, porém, seria necessário que a conduta do legislador local parecesse abstrusa e inexplicável, o que, em verdade, não ocorre. Pelo contrário, a quem quer que não se obstine em ignorar a realidade social, parecerão irrespondíveis os argumentos do digno Governador do Estado da Paraíba, à luz de cujo entendimento os cultos africanos ‘são destituídos de qualquer ordenamento escrito ou mesmo tradicionalmente preestabelecido. Não contam com sacerdotes ou ministros instituídos por autoridades hierárquicas que os presidam ou dirijam, nem possuem templos propriamente ditos para a prática dos seus rituais. Estes como textualmente esclarece a própria representação sub judice, se realizam separadamente, em terreiros, tendas ou Centros de Umbanda, entidades autônomas
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e independentes, nem sempre harmônicas nas suas práticas, fundadas por qualquer adepto daquelas seitas que se considere com poderes e qualidades sobrenaturais para criá-las. Tais circunstâncias, agravadas pela ausência de qualquer ministro ou sacerdote, notória e formalmente constituído, comprometem o sentido da responsabilidade a ser assumida perante as autoridades públicas, no que concerne à boa ordem dos terreiros, tendas e Centros de Umbanda. Quis, então, o legislador local, assegurar no Estado o funcionamento daqueles cultos, mediante o cumprimento de determinadas exigências, a serem atendidas pelos representantes dessas sociedades, que passariam, assim, a ter existência legal. Essas exigências, feitas em garantia da ordem e da segurança pública, não podem constituir embaraço ao exercício do culto, no sentido constante do artigo 9º, II,
da Constituição da República, tanto mais quanto a própria lei, no seu artigo 3º, determina expressamente que, autorizado o funcionamento do culto, nele a polícia não poderá intervir, a não ser por infração da lei penal que ali ocorra.’” O Pretório Excelso furtou-se à análise do mérito da representação por entender que a mesma estaria prejudicada pela alteração sofrida no artigo 2º da Lei n. 3.443/66 pela Lei n. 3.895/77. Ocorre que a alteração mencionada não teve o condão de sanar a inconstitucionalidade existente. Pela Lei n. 3.895, de 22 de março de 1977, “O funcionamento dos cultos de que trata a presente lei será, em cada caso, comunicado regularmente à Secretaria de Segurança Pública, através do órgão competente a que sejam filiados, comprovando-se
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o atendimento das seguintes condições Quando o Supremo Tribunal se nepreliminares: ...II-b) possuir licença de gou a apreciar a representação, por via funcionamento de suas atividades reli- oblíqua, julgou válida a discriminação, giosas, fornecida e renovada anualmente fazendo, novamente, tábula rasa de nossa pela federação a que foi filiado”. Constituição. Ora, somente os Terreiros, Tendas No âmbito do Estado de São Paulo e Centros de pode-se mencioUmbanda (Culnar o Mandado A Constituição Federal tos Africanos) de Segurança n. consagra como direito deveriam, pela 13.405-0 (publimencionada lei, cado na RJTJESP fundamental a liberdade comunicar o seu 134/370) impede religião, prescrevendo funcionamento à trado contra ato que o Brasil é um país Secretaria de Sedo Presidente laico. Não existe uma gurança Pública. da Assembleia Legislativa que Qual é o motivo religião oficial no Brasil. mandara retidesta discrimirar, sem oitiva nação? É patente que tal exigência sendo feita exclusivamen- do Plenário, crucifixo colocado na sala te aos Cultos Africanos fere o princípio da da Presidência da Assembleia. isonomia, não importando se a Secretaria O Tribunal entendeu, sem adentrar ao de Segurança Pública não tenha mais que mérito do ato, ser matéria de “âmbito estridar a sua autorização para que a entidade tamente administrativo, constituindo, do, funcione. O só fato dos Templos de uma ademais, ato inócuo para violar o disposto determinada religião serem obrigados a co- no inciso VI do artigo 5º da Constituição municar o seu funcionamento à Secretaria da República”. de Segurança Pública, e outros Templos de Apenas ad argumentandum vale a outra religião não serem obrigados a tal transcrição de trecho do voto vencido do procedimento, já mostra um preconceito douto Desembargador Francis Davis que e um tratamento diferenciado totalmente afirma que o “crucifixo existente na Presiinjustificados. A fala de que a discrimina- dência da Augusta Assembleia Legislativa ção foi feita em razão da “realidade social” é uma exteriorização dos caracteres do é desprovida de conteúdo, não possuindo Povo de São Paulo. É a representação de pertinência lógica com o próprio trata- um preâmbulo da própria Constituição mento desigual. A expressão equivale a deste Estado, outorgada com invocação um “cheque em branco” a ser preenchido da ‘proteção de Deus’. É ainda, a exterioria gosto do sacador. zação de um Povo que, como deve, cultua 118 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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sua história, tendo sempre presente que o Brasil, desde o seu descobrimento, é o País da Cruz. Isto é, a Ilha da Vera Cruz, e depois, a Terra de Santa Cruz, indicação, em última análise, de um povo espiritualista, nunca materialista. Cabe ao Senhor deputado impetrante defender, na Casa das Leis, esse símbolo representativo do Povo de São Paulo, que, ao elegê-lo, outorgou-lhe legitimidade bastante para a defesa, na Assembleia, dos predicados e interesse de São Paulo, dentre os quais seus caracteres religiosos (independentemente do credo individual) e histórico.” Com o devido respeito, não creio ser esta a melhor interpretação a ser dada ao preceito constitucional que invoca a “proteção de Deus”. Se é inegável a tradição cristã do povo brasileiro, também é inegável o crescimento de outras religiões que consideram a existência de crucifixos e imagens de santos uma “abominação”. É difícil, hoje, precisar numericamente qual é a religião majoritária. O que se pode afirmar, sem qualquer dúvida, é que existe uma parcela considerável da população que não segue mais a religião católica apostólica romana. Com base no nosso progresso constitucional, pode-se afirmar com segurança que o Estado não deve simplesmente “tolerar”(27) a existência de outras religiões em seu território. Deve saber conviver com a multiplicidade de religiões existentes, tratando igualmente a todas. A existência de um Ser Superior é aceita por todas as religiões. As religiões, basicamente, divergem na forma de se encontrar
Deus, escolhendo cada uma seu próprio caminho. Portanto, concluo que o Estado Brasileiro não pode escolher aleatoriamente um caminho. Que o lado “espiritual” do povo deve ser respeitado, estimulado e protegido não há dúvida. O que não se pode fazer é optar por uma religião em detrimento de outras. Acredito estar a razão com o nobre Deputado Estadual Presidente da Assembleia, que entende que “nenhum símbolo religioso deve ornamentar qualquer próprio do Estado, em especial a sede de um dos Poderes, exatamente o Gabinete daquela autoridade que o representa, sob pena de se estar violando a Constituição.”
IV - Do Ensino Religioso na Rede Pública de Ensino A Constituição da República estabelece em seu artigo 210, parágrafo 1º, que as escolas públicas de ensino fundamental deverão ter, obrigatoriamente, em seu curriculum, como matrícula facultativa porém dentro do horário normal de aulas, uma cadeira relacionada ao ensino religioso. A Constituição não traça, no mencionado dispositivo, nenhum padrão de conduta para o Administrador ou para os educadores
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com relação à forma que se dará o ensino religioso, muito menos qual o seu conteúdo ou ainda, por ser facultativa a matrícula, não dá nenhuma dica sobre o que farão as crianças que não optarem pelo ensino religioso durante o período em que estiverem sendo ministradas as aulas relacionadas à matéria. Tais indagações ficaram sem resposta imediata devendo ser feita uma exegese de todo o texto constitucional para que se consiga dar a aplicação correta ao artigo. Primeiramente, é conveniente repisarse que não existe uma religião oficial no Brasil. Não existindo religião oficial, não se pode optar pela ensinança dos preceitos de nenhuma religião específica (ou melhor dizendo, não se pode optar pelo ensinamento de apenas uma religião) pois em assim ocorrendo estar-se-ia promovendo o proselitismo patrocinado pelo Poder Público. Se está proibida a ensinança de determinada religião, qual era a intenção do Constituinte? Cremos que a intenção do Constituinte foi dar a oportunidade para que os alunos, em idade de formação de sua personalidade, possam ter informações para optar, no futuro, livremente por uma religião, ou por nenhuma religião. Na cadeira de ensino religioso deveriam ser transmitidos os fundamentos das maiores religiões existentes no Brasil, com ênfase nos aspectos que lhes são comuns: prática de boas ações, busca do bem comum, aprimoramento do caráter humano etc.. Deixa-se consignado que a implementação do ensino religioso nas escolas públicas vai passar por um grave problema,
que é a falta de bons profissionais, aptos a transmitir conceitos gerais sobre todas as religiões, sem tentar forçar a prevalência de suas próprias ideias, ou das ideias da religião que representa (é conveniente que se atente que à margem da quase inexistência de tais profissionais, ainda existe, na nossa realidade, a agravante das péssimas condições generalizadas do ensino de nosso país, que como regra geral, infelizmente, não oferece a possibilidade da mantença de bons quadros do magistério dentro do ensino público).
O que para um homem é religião, pode ser considerado por outro como uma superstição primitiva, imoralidade, ou até mesmo crime. Existe, por outro lado, uma impossibilidade de que os professores sejam recrutados em determinada religião. Deve haver um concurso público em que se exija o conhecimento das linhas gerais de todas as principais religiões existentes no Brasil: religiões de origem africana, católica, evangélica, judaica, muçulmana, budista etc., pois só assim os professores estarão,
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pelo menos em tese, aptos a transmitir as ideias com um grau relativo de isenção. Outra questão que deverá ser solucionada é a relativa à facultatividade da matrícula. Será que existe a facultatividade constitucionalmente prevista? Sendo que a matéria relativa ao ensino religioso deverá ser ministrada no horário normal de aula, aonde ficarão os alunos que não fizerem a opção por ela? Se não houver uma opção viável, não há que se falar em facultativa. Se a opção for ficar sem fazer nada durante o período das aulas, ou ainda, ficar tendo aula de uma das matérias tradicionais, com certeza a “facultatividade” estará ameaçada. Por derradeiro, outro ponto a ser analisado é relacionado à pressão do grupo: se noventa por cento de uma classe se dispuser a ter aula de determinada religião (no caso de não ser seguida a interpretação que fizemos relacionada com a obrigatoriedade de serem ministradas aulas sobre todas as correntes religiosas), como se sentirão os dez por cento da classe que por não fazerem parte da religião majoritária, ou por não possuírem nenhuma convicção religiosa? Fatalmente o grupo exercerá uma forte pressão sobre as crianças que ainda estão em estágio de formação de ideias. Pelos argumentos colacionados cremos que foi infeliz o legislador constituinte ao determinar que o ensino religioso deva ser ministrado dentro do horário normal das escolas públicas, devendo, portanto, ser revisto este dispositivo, pois está em contra-
dição com o bojo da Constituição Federal no tocante à separação obrigatória entre o Estado e os entes religiosos, sob pena do Estado vir a patrocinar o proselitismo. ICI
NOTAS (1) Artigo publicado na Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Janeiro/dezembro de 1996 ns. 45/46. (2) SORIANO, Ramón. Las liberdades públicas. Madri: Tecnos, 1990. p. 84. (3) SORIANO, Ramón, ob. cit., p. 64. (4) SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5 ed. rev. e ampl. de acordo com a nova Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 223. (5) SORIANO, Ramón, ob. cit., p. 62. (6) SORIANO, Ramón, ob. cit., p. 61. (7) KONVITZ, Milton R. Fundamental liberties of a free people: religion, speech, press, assembly, 2. ed. New York: Cornell University Press, 1962. p. 5. (8) MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. v. 4, p. 348. (9) SORIANO, Ramón, ob. cit., p. 75-76. (10) KONVITZ, Milton R., ob. cit., p. 49. (11) MATTOS, Carlos Lopes de. Vocábulo filosófico. São Paulo: Leia, 1957. (12) JOLIVET, Régis. Vocábulo de filosofia. Tradução de Gerardo Dantas Barreto, Rio de Janeiro: Agir. 1975. (13) ZARAGÜETA, Juan. Vocábulo filosófico. Madri: Espasa-Calpe. 1955. p. 454. (14) SILVA, José Afonso da., ob. cit., p. 221. (15) Idem, ibidem. (16) Idem, ibidem.
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(17) SORIANO, Ramón, ob. cit., p. 76. (18) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a Emendan. 1, de 1969. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 5, p. 123. (19) A legitimidade do exercício do poder de polícia já foi declarada nas Apelações Cíveis ns. 146.692-1/6 e 152.224-1/10, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo relator foi o Desembargador Andrade Marques. Nos acórdãos mencionados ficou demonstrada a possibilidade da Municipalidade fechar templos que não estejam cumprindo as posturas municipais para o seu funcionamento (falta de alvará, horário, barulho etc.) (20) KONVITZ, Milton R., ob. cit., p. 56. (21) Trata-se do Doremus Bible-Reading Case quando foi considerada constitucional a leitura do texto sem comentários, em virtude do espírito religioso do povo americano. (22) Trata-se de Everson case, onde foi questionado se o Estado deve suportar com o custo do transporte das crianças quando estas frequentem escolas religiosas. A Suprema Corte manteve a decisão da mais alta Corte de New Jersey que sustentou essas parcerias. (23) Trate-se do Zorach case onde, em 1952, foi considerado constitucional o planejamento da cidade de New York no tocante ao horário das aulas nas Escolas Públicas de modo a ser possível o ensino religioso, com expressa autorização dos pais, fora do horário de aula e fora das escolas. (24) A Suprema Corte entendeu ser tal ato inconstitucional por ser um ato sectário no Gideon’s Bible case. (25) A Assembleia Legislativa do Estado de New York decidiu que “In the United States, as has been manifested in the attitude of the Supreme Court
with respect to Sunday laws, and in its treatment of the New Jersey Bible-reading case, and in the Zorach decision, separation means co-operative, not absolute, separation. The most (and the least) that can be expected is that the law, while preserving Sunday as the Sabbath, will provide relief for those who observe the seventh day as their Sabbath, by permitting them to engage in their vocation or business on Sunday, provided they conduct themselves ‘in such manner as not to interrupt or disturb other persons in observing the first day of the week as holy time.’” (KONVITZ, Milton R., ob. cit., p. 81). (26) PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Comentários à Constituição de 1967..., ob. cit., v. 5, p. 133-135. (27) É conveniente que se traga à colação as ensinanças de PONTES DE MIRANDA sobre o tema: “Os inícios da liberdade religiosa foram simples armistícios, ou tratados de paz, entre duas religiões interessadas em cessar, por algum tempo, a luta. Depois, admitiram-se mais uma ou duas ou as mais conhecidas. Não só: onde uma preponderava, não abria mão do seu prestígio; tolerava as outras. Era a chamada religião “dominante”. Em vez de se falar de liberdade religiosa, falava-se de tolerância religiosa, espírito de tolerância e outros conceitos semelhantes. Em 1789, MIRABEAU e TOMAS PAINE puseram o dedo na chaga. Surgiram as ideias de religião “dominante” e de “tolerância”. O último foi assaz claro e feliz: “A tolerância” dizia ele, no estudo sobre os Direitos do Homem, “não é o oposto à intolerância, mas a sua falsificação. Ambas são despotismos. Uma se atribuiu a si mesma o direito de impedir a liberdade de consciência, e outra, o de autorizá-la”. A “tolerância” era resto de pensamento despótico.” (ob. cit., p. 121-122).
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade Ana Szpiczkowski
A
presença dos judeus no Oriente Mé- em latim), conjunto de hábitos e costumes dio data dos tempos bíblicos. Dentre formados por acúmulo de experiência ou as diferentes etnias que habitam o Oriente pela preservação das tradições, é diferente Médio, os judeus, representados por seu de Ética. Ética diz respeito ao exercício inpatriarca Abraão, primeiro representante dividual diante de questões, em função de do judaísmo, lá se instalaram. algum critério pessoal. Nas construções A unidade do povo judeu na antiguida- de normas morais estão incutidos conde se dava não em relação a um território ceitos de ética. Para viver em sociedade mas à sua história são necessárias resequencial, relatada gras, que consistem O verdadeiro educador e escrita na Bíblia, a em normas adotadas reconhece em seu Torá. ou aceitas convencionalmente para A Torá, constialuno uma pessoa que tornar possível a tuída pela Lei Estambém possui crita e pela Lei Oral, convivência humaconhecimentos, fruto tem como personana, as quais podem da sua própria gem principal a fivariar de acordo experiência. gura de Deus que, com a civilização a por seu intermédio, que se destina, com impõe sua moral ao seu povo. Moral a época, com povo ou com o ramo da (“mos”, “mores”, hábitos ou costumes atividade humana, e passam a ser obedeDiálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
cidas por todos os seus membros. Grande modificadores da sociedade. A seleção das parte das normas morais tem como fonte máximas do Pirkei Avot, denominadas a Bíblia. Embora a ética não seja necessa- Mischnayot1, foi feita com base na questão riamente religiosa, a religião necessita da da intertextualidade entre a Ética dos ética. Todas as religiões se fundamentam Pais e a proposta freiriana, procurando incorporar um texto em outro e utilizar em princípios éticos. No judaísmo, a atribuição da Bíblia a interdiscursividade entre ambos, quer a Deus faz com que a moral e a ética se para reproduzir o sentido incorporado, tornem muito próximas. Trata-se de quer para transformá-lo e perceber a inuma moral que emana de Deus, não do tertextualidade “interna” das vozes que falam no texto. ser humano. A moral é composta de Nossa proposta, “O diálogo não mandamentos, aos portanto, é ler e inquais os judeus depode converter-se terpretar o texto do vem cumprir de tal Pirkei Avot no connum ‘bate-papo’, maneira a exercitar texto das modernas e aprender a perder a teorias da educação, que marche ao sua própria vontade particularmente a gosto do acaso para chegar a apreneducação democráder a vontade divina. tica proposta por entre professor e A ética judaica, por Paulo Freire. Muito educandos” sua vez, consiste em mais há para ver no obedecer ao código Pirkei Avot, e sua moral, aos mandamentos divinos, contidos riqueza filosófica e teológica permitiria na Lei Escrita, o Tanakh e na Lei Oral, o inesgotáveis abordagens. Fique claro que, Talmude. aqui, visamos especificamente à questão Apesar da existência de diferentes da educação e do ensino. O assunto da educação recebe ênfase teorias sobre ética na filosofia judaica, enfocaremos aqui o tratado do Pirkei neste estudo, pelo fato de que ela, enquanto Avot, do Talmude, “Ética dos Pais” em processo de libertação, garante ao homem português, e procuraremos estabelecer a sua superação. Porque educar (de eduum diálogo entre os aspectos educacio- care), de acordo com Villa (2000) signifinais contidos neste texto e a proposta de ca conduzir, guiar, orientar, e engloba o Paulo Freire, eminente filósofo e educador brasileiro, que defende a prática demo- 1. Plural de Mischná – A mais antiga das obras remanescentes da literatura rabínica, editada por crática na educação para a formação de Judá Há-Nassi e completada por membros de seu cidadãos conscientes, críticos, atuantes e círculo após sua morte, no início do século III E.C. 124 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
conceito de educere, referente a fazer sair, extrair, dar à luz Paulo Freire (1976) enfatiza, em seus estudos, a importância do despertar e da participação do cidadão no processo educacional. De fato, a problematização do ensino, decorrente do envolvimento e da motivação do educando por ver sua realidade social e cultural deve ser considerada nos conteúdos ensinados; o relacionamento efetivo entre professores e alunos, a visão do aluno como um todo, e o respeito ao seu desenvolvimento cognitivo é fundamental para a educação. Para tanto é necessário o Diálogo. Diálogo enquanto princípio pedagógico e metodológico, portanto diferente de mera conversa ou como afirma Freire: “O diálogo não pode converter-se num ‘bate-papo’, que marche ao gosto do
acaso entre professor e educandos”. (Freire, 1992, p. 1, nota 47). O diálogo é necessário enquanto exigência epistemológica, e não apenas enquanto um recurso dentre outros para ser usado ou não na relação docente, pois “A dialogicidade não pode ser compreendida como um instrumento usado pelo educador, às vezes, em coerência com sua opção política. A dialogicidade é uma exigência da natureza humana e também um reclamo da opção democrática do educador” (Freire, 1995. pp. 74-82). Diálogo e investigação, para Freire, várias vezes aparecem juntos, formando o que denominamos de “investigação dialógica”, em que o conhecimento do objeto não é de posse exclusiva do professor, que transfere o conhecimento aos alunos num gesto benevolente; em vez dessa afetuosa
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
dádiva de informação aos estudantes, o ob- contém, entre outras, uma inesgotável rijeto a ser conhecido medeia os dois sujeitos queza de ensinamentos e reflexões sobre cognitivos. Em outras palavras, o objeto educação e ensino. Não se trata de um código de valores a ser conhecido é colocado na mesa entre os dois sujeitos do conhecimento. Eles se e normas, mas de uma série de condições encontram em torno dele e através dele mínimas necessárias para a sustentação de para fazer uma intoda sociedade huvestigação conjunta mana e do homem Conceitos (Freire, 1987, 1975). simples do povo. I nv e s t i g a ç ã o A leitura do semelhantes aos de como princípio Pirkei Avot nos Paulo Freire podem permite observar pedagógico e metodológico signifiser encontrados no que por meio de sentenças breves, ca a superação da tratado do Pirkei pedagogia de armáximas com estilo Avot. mazém, visto que, e forma genuínos, os nesta perspectiva: Tanaítas, educado“O educador prores e repetidores da blematizador refaz, constantemente, seu época, transmitiam ao povo uma maneiato cognoscente, na cognoscibilidade dos ra democrática de viver, respeitosa, com educandos. Estes, em lugar de serem re- direitos e obrigações, em que impera a cipientes dóceis de depósitos, são agora justiça e a responsabilidade pessoal e coleinvestigadores críticos, em diálogo com tiva. Interessante observar que, enquanto o educador, investigador crítico, também” Paulo Freire defende o exercício da inves(Freire, 1997, p. 80). tigação dialógica, com direito à crítica, à Conceitos semelhantes aos de Paulo argumentação, à autonomia, à construFreire podem ser encontrados no trata- ção e à participação, também os sábios do do do Pirkei Avot, que contém toda uma Talmude desenvolviam uma metodologia coleção de ditos e sentenças dos “pais”, participativa para o seu estudo, o Pilpul2 e os Sábios de Israel, cobrindo um período a Havruta3. Trata-se de um processo proaproximado de quinhentos anos, desde 300 blematizador, em que as declarações de A.E.C. até 200 E.C. O caráter de suas má- cada estudioso são aceitas e integradas ximas é fundamentalmente ético, muitas às afirmações de outros Sábios, na busca delas exaltam a Torá, a Bíblia, ao mesmo de conciliação e redução de diferenças. tempo em que propõem um aprimoramento individual do homem enquanto 2. Raciocínio dialético, in Steinsaltz, 1989, p. 321. ser atuante na sociedade em que vive, e 3. Parceria. 126 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
Nele os mestres expõem a doutrina e, na O Tratado de Avot, outro nome atrimedida em que os alunos não a compre- buído ao Pirkei Avot, é formado por cinco endem inteiramente, fazem perguntas. A capítulos, acrescido posteriormente de um essas perguntas segue-se a contestação dos sexto capítulo. Sua extensão não permite professores, explicando-a mais claramen- que se faça neste artigo uma análise de tote. Surgem objeções e os defensores das dos os ditos nele contidos, mas procurarei teses de seus mestres se enfrentam com apresentar, de maneira sucinta, o conteúdo seus contraditores. Ao término do deba- de algumas de suas máximas, a título de te, algumas opiniões são definitivamente ilustração. Tomemos como exemplo a máxima 1 descartadas e outras adotadas por ter sido do Capítulo 1: reconhecido o seu valor. Esta metodologia pressupõe o envolvi“Moisés recebeu a Torá do Sinai 4, transmento afetivo com o objeto de discussão, mitiu-a a Josué, Josué aos anciãos 5, os e a participaanciãos aos Profetas 6 e ção ativa no processo de Profetas a Não se trata de um código ostransmitiram aprend i z agem. Proporaos homens de valores e normas, mas da Grande ciona ao alude uma série de condições Assembléia7 no uma automínimas necessárias para Esses mesconfiança tal tres proclaque ele não a sustentação de toda tenha receio maram basisociedade humana e do de expor seus camente três pensamentos princípios: homem simples do povo. sede pondee lhe permita explorar e rados no julgamento formai muitos discípulos...” criar novas ideias. Na medida em que o aluno vai se desprendendo da timidez, adquire coragem para se colocar diante dos 4. De Deus que esteve no monte Sinai. colegas e mestres, vencer etapas e adquirir 5. Os Sábios e dirigentes de Israel, tanto nos tempos de Josué como depois dele, até o aparecimento dos autoestima mais elevada. Com esse proce- Profetas, cuja linha se inicia com Samuel e o rei Davi. dimento, não estará somente escutando aos 6. Surgiram durante o período do Primeiro Templo, outros, mas tem a oportunidade de ouvir época do exílio da Babilônia e início do Segundo Templo - 586 A.E.C. também a si mesmo e de tentar, cada vez 7. Existiu logo após o início do período que cormais, atingir um nível apropriado para responde ao Segundo Templo; dela faziam parte as igualar-se aos colegas na argumentação. figuras exponenciais de Esdras e Neemias- 516 A.E.C. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
A cadeia transmissora de ensinamen- Infere-se daí que o discípulo que estuda a tos, conforme nos referimos acima, nos Torá não deve ficar apenas ligado ao seu leva, através das gerações, até os Tanaí- estudo, mas deve ser capaz de ensiná-la, tas, os Sábios da Mischná. Trata-se de na medida em que vai adquirindo matuuma cadeia sem interrupções, desde a ridade e autonomia. Há uma passagem no Revelação no Talmude sobre monte Sinai até Rabi Hya, sécuos nossos dias, Os Tanaítas, educadores lo III E.C., dissendo que em cípulo de Rabi e repetidores da época, nenhuma época Yehuda Hanastransmitiam ao povo o estudo da Torá si - o compilador foi abandonado; da Mischná, que uma maneira cada um dos viajou por difedemocrática de viver, períodos teve rentes vilarejos grandes mesrespeitosa, com direitos de Israel. Lá vetres e nos legou rificou que as e obrigações, em que crianças ficamonumentos de impera a justiça e a sua atividade esvam soltas pelas piritual. ruas, não receresponsabilidade Os três prinbiam instrução pessoal e coletiva. cípios enunciae, ao atingir uma dos nessa máxiidade de maior ma parecem-nos extremamente atuais e responsabilidade, eram encaminhadas estão presentes nos conceitos de educação por seus pais para atividades agrícolas, democrática. a fim de ajudar no sustento familiar. Ao A ponderação no julgamento remete a chegar a determinado vilarejo, Rabi Hya conceitos de atuação do mestre. Se o mestre reuniu um grupo de crianças, de seis a for precipitado no julgamento, poderá dis- sete anos de idade, e ensinou-lhes a Torá. torcer a avaliação, desrespeitando o aluno. Para um ensinou o Gênesis, para outro, Quanto a “formar muitos discípulos”, o Êxodo, para um terceiro, o Levítico, e Lehmann (1985) nos explica que o judaís- assim por diante, com todos os livros da mo existe somente na Torá e pela Torá. Bíblia. Em seguida pediu-lhes que ensiÉ, pois, um dever primordial estudar a nassem uns aos outros, entre si, aquilo Torá com cuidado, aprender e conhecê-la que haviam aprendido. E assim continuou bem, aprofundar-se nos seus preceitos e Rabi Hya por outras cidades, formando submeter-se a eles com rigor. Porém, en- cada vez mais discípulos. Conseguiu que siná-la é tão importante quanto estudá-la. essas crianças, a quem ele chamava de 128 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
Tzon Kodaschim – “rebanho de santos” – não somente detivessem o conhecimento, mas que, também, multiplicassem seus ensinamentos. Impossível seria para nós deixar de estabelecer uma relação direta entre essa passagem do Talmude e a situação brasileira, tão similar em termos de abandono de suas crianças. A solução encontrada por Rabi Hya foi bastante criativa e adequada para a época, mas não consiste necessariamente numa resposta para os dias de hoje. É preciso que se busquem soluções atuais para um problema que, como vimos, ocorre em todos os tempos. Não se trata de simplesmente copiar exemplos e modelos adotados em outros tempos ou por outras nações, pois a bagagem das crianças é outra e varia muito de região para região do Brasil. É preciso antes de tudo conhecer e analisar atentamente a realidade dessas crianças, para buscar soluções alternativas, criativas e adequadas a essa realidade. A solução encontrada por Rabi Hya promoveu a autonomia das crianças e, aparentemente, considerou o fato de que sua tarefa de mestre não se restringia apenas a ensinar os discípulos, mas formá-los, preparando-os para que fossem autônomos e capazes de ensinar também. Um estudioso da
Torá tem por obrigação formar o maior número de discípulos, contribuindo, assim, para a difusão da Lei. Um sábio deve colocar seus conhecimentos a serviço de seu próximo, com o fim de ajudá-lo a encontrar o bom caminho. Isto significa que o sábio não deve ser muito severo e exigente na aceitação de discípulos, mas ao contrário, deve atraí-los, quaisquer que sejam suas possibilidades, seu ritmo ou suas condições de aprendizagem. Vale lembrar que os homens da Grande Assembleia insistem na necessidade de intensificar o ensino, independente do número de alunos; querem que os professores se ocupem de cada um em particular, para que, mais adiante, sejam capazes de estudar por si sós, ensinando-os, de tal forma que possam se tornar autônomos e converter-se também em mestres.
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Estudar a Torá, portanto, é aplicar-se com a finalidade de levar uma vida digna, e adquirir sabedoria e inteligência. Transportando esse conceito para a educação geral, concluímos que é preciso estudar e ensinar aquilo que é pertinente à realidade da pessoa. Sob outro ângulo, Bunim (1966) esclarece que a expressão “formai muitos discípulos” literalmente significa “erguei muitos discípulos”. Comenta o autor que o mestre tem a tarefa de levar seus discípulos a “erguer-se”, proporcionar-lhes força e substância, dignidade e senso de independência. Percebe-se, portanto, que a máxima que se refere a formar muitos discípulos envolve conceitos propostos por Freire, tal qual a aceitação do indivíduo, o respeito pelo mesmo independentemente de suas condições materiais, culturais e psicológicas, e o incentivo à sua autonomia. Na Mishná 14 do capítulo 1, encontramos os seguintes dizeres: “Se eu não for por mim, quem será por mim? Mas se eu só for por mim, o que sou eu? E se não agora, quando”. Embora o homem, por sua própria natureza, procure preservar sua individualidade, dadas suas características sociais, ele possui, também, responsabilidade em relação aos outros e à sociedade de um modo geral. É preciso, entretanto, que ele perceba a si e aos outros como seres que
se movimentam continuamente, em uma sociedade inconstante e que exige que se adapte a ela ou proponha mudanças. Essas, por sua vez, devem ser propostas no momento certo, em função de uma leitura real da sociedade como se apresenta. O passado é importante enquanto modelo a ser analisado com crítica. O futuro nem sempre é alcançado, em virtude da acomodação, muitas vezes eleita como modo de vida, e que pode trazer consequências nefastas. O momento presente, portanto, como resultado de suas vivências anteriores, deve ser vivificado de maneira intensa, para que o possa conduzir para um futuro melhor, a ele, como indivíduo, e ao grupo social do qual faz parte, propiciando-lhe, de acordo com Freire, a capacidade de tornarem-se responsáveis por sua própria educação. Em outra máxima, Rabi Yokhanan Ben Zakay (10 a 80 E.C.) dizia: “Se tiveres estudado muito a Torá, não te louves a ti mesmo, pois para isto foste criado”. Ao assumir a responsabilidade de ensinar, o professor, com base em seus conhecimentos, deve cumprir humildemente seu dever de educar, porque sua obrigação vai
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
além da simples transmissão de conheci- frente aos alunos, pelo fato de dominarem mentos. Implica uma atitude educacional um conhecimento específico. Esse “profesque envolve respeito pelo ser humano que sor” desconhece que seus alunos possuem está ali, ávido por receber novos conheci- conhecimentos distintos dos seus e que ele mentos, pois o mestre também aprendeu próprio também estaria se beneficiando, a Torá de gerações anteriores, para ter a se estivesse suficientemente aberto para capacidade de transmiti-la à nova geração. a troca de conhecimentos. Muitas vezes É preciso ter clara a meta educativa guarda e até esconde o que sabe, pois isso que se pretende atingir e, na busca de lhe proporciona um sentimento de poder respostas e perguntas, tentar conduzir a e domínio, fruto de uma possível inseguação político-pedagógica numa direção rança e necessidade de se impor pela força. emancipadora. O verdadeiro educador deve transmitir Consciente disso, o verdadeiro educa- aquilo que aprendeu, à semelhança de seus dor reconhece em seu aluno uma pessoa antepassados que, desde Moisés no Sinai, que também possui conhecimentos, fruto foram transmitindo a Torá para as gerações da sua própria experiência. Assim, o pro- seguintes, sucessivamente, até a atualidade. fessor autoritário e dono do saber dá lugar, de acordo com Freire (1976), ao professor problematizador, que Esta metodologia possui um papel mais abrangenpressupõe o envolvimento te do que aquele que utiliza seus afetivo com o objeto de alunos como meros receptores do conhecimento. O verdadeiro edudiscussão, e a cador reconhece nos seus alunos participação ativa no pessoas com suficiente capacidade processo de para investigação e crítica, responaprendizagem. sáveis pela transformação da realidade e da sociedade. Desmembrar Proporciona ao aluno esta ideia da importância da apliuma autoconfiança tal cabilidade na vida daquilo que se que ele não tenha receio aprende significa não reconhecer que o atendimento às necessidades de expor seus do aprendiz seja um dos princípios pensamentos e lhe básicos da educação democrática. permita explorar e criar Há que se lembrar aqui os assim novas ideias. chamados professores, que se colocam em posição de superioridade Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
Este movimento de dar e receber conhecimentos, certamente, conduz o estudante ao desenvolvimento de sua inteligência, aguça o sentido crítico do pensamento e permite a elucidação de problemas. No caso específico do estudo da Torá, afirma Lehman (1985) tal compenetração permite a prática de saber aconselhar, pois
Rabi Hya conseguiu que essas crianças não somente detivessem o conhecimento, mas que, também, multiplicassem seus ensinamentos. Impossível seria para nós deixar de estabelecer uma relação direta entre essa passagem do Talmude e a situação brasileira, tão similar em termos de abandono de suas crianças. sua inspiração conduz à aplicação de seus princípios. Assim, aquele que decide guiarse pelas prescrições da Torá, que tem aguçado e fortalecido sua mente na companhia dos Sábios, estudando em companhia de
outros discípulos e ensinando, ele mesmo, por sua vez, sabe formular juízos claros e seguros, pois tem o hábito de consultar os demais e, reciprocamente, dar a sua opinião. O estabelecimento de uma relação entre a sabedoria e a maneira de estudar a Torá nos dá uma lição de democracia, na qual todos têm o direito de questionar, emitir opiniões, ensinar e aprender uns com os outros. Assim, o professor que estiver envolvido e interessado, tanto em seus alunos como no conteúdo, estará transmitindo seus conhecimentos e desenvolvendo, ao mesmo tempo, o envolvimento dos alunos com o conteúdo da aprendizagem. Estudar a Torá, portanto, é aplicar-se com a finalidade de levar uma vida digna, e adquirir sabedoria e inteligência. Transportando esse conceito para a educação geral, concluímos que é preciso estudar e ensinar aquilo que é pertinente à realidade da pessoa. Vários outros exemplos do Pirkei Avot poderiam ser incluídos neste estudo, mas devido ao espaço escasso apresentarei uma síntese de valores contidos no mesmo. Ao proceder a uma “leitura” do Pirkei Avot sob a perspectiva das modernas teorias pedagógicas, foi possível encontrar semelhanças e proximidade às teorias educacionais andragógicas. Numa metodologia andragógica há uma relação horizontal entre professor e aluno. Ambos participam do processo de aprendizagem, embora se leve em conta à experiência e sabedoria do professor.
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
Na relação andragógica, porém, é necessário o diálogo, como meio de estimular um constante intercâmbio entre o repertório do professor e o repertório do aluno. Isso não elimina, em nada, a transmissão de conhecimentos técnicos e formais. Nesse sentido, a discussão intertextual, entre os princípios de Paulo Freire e o Pirkei Avot, me faz refletir nas profundas mudanças sociais, econômicas, tecnológicas que o mundo globalizado tem enfrentado nos últimos tempos, e propor mudanças que exaltem o humanismo e o estudo. Ambos os textos aconselham e recomendam atitudes e comportamentos, tanto do mestre quanto do aprendiz, relacionados, especialmente, à liberdade e responsabilidade. A liberdade pressupõe conceitos ligados a uma atuação consciente e disciplinada, isto é, contrária à libertinagem. E ela pode se manifestar de diferentes maneiras: pela liberdade de expressão e pela liberdade de escolha, ou seja, o livre-arbítrio. A liberdade, conforme podemos observar em algumas máximas, se constitui em direito do cidadão, para que ele possa se estabelecer como elemento responsável na sociedade em que atua, em um compromisso de responsabilidade que envolve a si mesmo e aos outros. Essa responsabilidade coletiva implica uma busca constante
de aperfeiçoamento e um compromisso do homem não só com a geração da qual faz parte, mas também com o legado de conhecimentos que deve deixar para as gerações futuras. O aperfeiçoamento e o legado, por sua vez, certamente, deverão passar pelas situações de estudo e ensino responsáveis e conscientes. Isso envolve o respeito pelo próximo, que pode ocorrer em diferentes níveis e se manifesta de distintos modos. Encontramos, por exemplo, o respeito pelo homem que, quando considerado como um ser integral, tem direito à individualidade, possibilidades e ritmos diferenciados, a opiniões distintas e a erros. Aquele que erra deve ser corrigido, porém não humilhado ou envergonhado publicamente, pois, por ser uma pessoa honrada, merece inicialmente o respeito próprio e se tor-
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
na, assim, pronto para ser honrado pelo semelhante. Ser respeitoso significa realizar esforços para merecer o respeito do outro e exige flexibilidade e tolerância dos interlocutores. Esse tipo de relacionamento, quando considerado adequado para a sociedade como um todo, certamente deverá servir para o relacionamento educacional entre
mestres e aprendizes. Envolve deferência e reverência de ambas as partes, e nunca o temor que inibe e prejudica. Nesse contexto, a liderança é exercida com humildade e modéstia, além de reverência por aquele que se encontra ávido por aprender. Assim, o líder acaba por ocupar tal posto não por seus valores materiais, mas por seus valores pessoais que, certamente, irão vigorar na eleição de outros líderes. Procura agir com justiça, evitando extremismos e discriminações.
Para tanto, propõe-se aceitar o próximo do modo que ele é e tenta desenvolver sua autonomia e autoconfiança, oferecendo-lhe afetividade, autenticidade, apreço, confiança, e compreensão empática. Procura demonstrar interesse pelo outro, porém, um interesse não possessivo, em uma relação interpessoal amável, paciente e respeitosa, porque, na medida em que reconhecer no outro um elemento crítico, irá permitir e até promover a exploração, isto é, irá levá-lo a buscar soluções. Dessa forma, é importante que líderes, professores, enfim a sociedade, promovam oportunidades de desenvolver o senso crítico, a reflexão, o questionamento, para que as pessoas possam fazer escolhas conscientes e responsáveis. Para que isso ocorra, são necessários, em nosso entender, o envolvimento e a motivação, que impulsionam à participação ativa, à tomada de risco e à problematização para a busca de soluções e modificação da realidade. É preciso, também, que haja disponibilidade e desprendimento para a cooperação em vez de competição. Nem sempre as pessoas estão preparadas para este tipo de exercício da cidadania. Daí o papel do
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
líder, do educador que, numa atitude dia- a si e aos outros, propiciando um ambiente lógica, favorece a autoestima elevada dos estimulador e apropriado, em que ouvir o educandos, promovendo problematizações outro, ouvir a si mesmo constitui princípio e buscando soluções conjuntas, quer seja básico da ponderação e do bom senso. A entre grupos de educandos ou de colegas, ponderação do educador está intimamente em um ambiente propício às colocações ligada à consciência que ele tem de seu diversificadas, à argumentação, ao respeito papel enquanto líder, à manutenção de pelas diferenças e à revisão e criação de no- um equilíbrio entre a teoria e a prática, vas ideias. O verdadeiro líder sabe que está num exercício de coerência e sabedoria, sempre em situação em que se reconhece de aprendizagem e que a ação procede O passado é importante que, muitas vezes, do pensamento e do a posição de educaestudo enraizado enquanto modelo a ser dor-educando pode desde cedo. A escoanalisado com crítica. O inverter-se. Permite la, neste contexto, futuro nem sempre é ousar e criar, procutorna-se uma instialcançado, em virtude tuição de formação rando tornar o erro da acomodação, muitas um elemento conse não só de ensino, vezes eleita como modo trutivo para o desencoerente com a rede vida, e que pode volvimento de seus alidade e necessitrazer consequências dades de alunos e educandos. Desse modo, estará, a nosprofessores. Assume nefastas. O momento so ver, provendo-os seu caráter social, presente, portanto, como um local de de sentimentos de como resultado de suas segurança, autoconexercício diário da vivências anteriores, fiança e autorrealidemocracia, que põe deve ser vivificado de zação, pois, recorrer em prática a aprenmaneira intensa. a professores, coledizagem adquirida gas e outras fontes dos alunos, respeisignif ica buscar ta sua capacidade crescimento e aprendizagem significativa. particular de absorver, de selecionar e Esse educador, diferente daquele que transmitir os conhecimentos. Seu carácrê na educação bancária, é um profes- ter democrático permite considerar as sor-orientador, considera a realidade dos diferenças de opinião como discussões alunos, procura motivá-los com conteúdos construtivas, sedimentadas no princípio pertinentes à sua realidade, orienta o gru- do direito à reivindicação e à possibilidade po o qual representa enquanto líder, honra de mudanças no sistema. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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A discussão intertextual entre os princípios de Paulo Freire e o Pirkei Avot, me faz refletir nas profundas mudanças sociais, econômicas, tecnológicas que o mundo globalizado tem enfrentado nos últimos tempos, e propor mudanças que exaltem o humanismo e o estudo. Para concluir, gostaria de citar uma máxima do Pirkei Avot, de autoria de Rabi Elazar Ben Schamuá 8: “Que a honra do teu discípulo seja tão querida para ti como a tua própria, e a honra do teu companheiro como a reverência pelo teu mestre, e a reverência pelo teu mestre como a reverência pelos Céus”, que resume ao mesmo tempo em que amplia, a discussão sobre o exercício democrático da cidadania.
Por sinal, “responsabilidade” em hebraico, Akhraiut, é constituída do mesmo radical da palavra Akher – “outro”, fato que segundo Rosemberg, ao citar Lévinas em uma palestra, nos leva a associar um termo ao outro e considerar a vida em sociedade como um eterno exercício de responsabilidade para consigo mesmo e com os seus semelhantes. Finalmente, considero que a inclusão da ética na educação significa a eleição de princípios metodológicos que fundamentalmente afirmam o reconhecimento do outro, ou noutros termos, ética na educação significa o confronto através do diálogo e da troca de argumentos, isto é, diálogo e investigação. Assim como o Pirkei Avot representou um marco para a sociedade aristocrática da época, entendo que os princípios defendidos por Paulo Freire, em defesa da conquista da cidadania pelo homem, encontram eco na sociedade atual brasileira. Por conseguinte, uma leitura intertextual dos modernos princípios da educação democrática, e em especial de Paulo Freire, à luz do Tratado judaico em questão, poderá constituir uma contribuição, mesmo que modesta, para o debate e a reflexão sobre a educação e o exercício da cidadania, no mundo atual e, particularmente, no contexto brasileiro.
8. Quarta geração de Tanaítas, período de 140 a 165 E.C.
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Ética Educacional de Paulo Freire e Pirkei Avot: Intertextualidade e Interdiscursividade
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Seja uma Abelha, não uma Aranha Prof. Eduardo Zeiger
N
um certo país havia um carroceiro bem sucedido e pode sustentar sua família judeu muito pobre. Ele trabalhava dia e educar seus filhos nos caminhos da Torá. e noite, mas não conseguia economizar um A porção da Torá Shemini inclui as leis centavo. Ele não podia mais suportar voltar de distinção entre animais casher (próprio para casa e para sua esposa sem nenhum para o consumo) e não-casher (impróprio dinheiro, então ele foi ao Rebe para obter para o consumo). A abelha não é casher ajuda. O conselho do Rebe foi: “Torne-se — portanto os judeus não podem comê-la um maguid! “ (Um maguid ia de cidade em — ao contrário do mel, que é casher (1). cidade incentivando os judeus a se arre- Esta é uma situação muito especial, porpender e se esforçar que, geralmente, mais nos caminhos “o que vem de A aranha agarra tudo um animal nãoda Torá). “Rebe”, disse o carroceiro casher é, também, o que pode e mantém chocado “Como não-casher” (2). para si, a abelha eu poderia ser um Assim, na maiorecolhe e dá tudo o possível maguid, ria dos casos, um eu nunca falei em produto de um que pode. animal casher é, público e eu não sei nada?” O Rebe lhe disse: “Assemelhe-se a também, casher (exemplo: leite de vaca), abelha e não a aranha. A aranha agarra enquanto um produto de um animal nãotudo o que pode e mantém para si, a abelha casher não é casher (exemplo: leite de porrecolhe e dá tudo o que pode”. O carroceiro co). No caso da aranha, a qual o carroceiro seguiu o conselho do Rebe, ouvia o que as foi aconselhado a não se assemelhar, nem o pessoas sábias diziam, e retransmitia suas animal nem sua seda — usada para conspalavras em sua função de maguid. Ele foi truir a teia — são casher. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Seja uma Abelha, não uma Aranha
Por que o mel — que é produzido por Se uma abelha fica com fome durante o um inseto não-casher — é casher, enquan- voo, ela transfere néctar do saco de mel to a seda da aranha não é? A resposta, cla- para o seu estômago e usa o néctar como ro, é que a lei judaica, codificada por nossos alimento. Quando o saco está cheio de sábios há muitos séculos, determina que mel, a abelha retorna para a colmeia e as os judeus observantes podem comer mel, abelhas-operárias retiram o néctar com as mas não abelhas, línguas e o passam aranhas ou seda de ao redor, deixando aranha. Fato notáPor que o mel — que é uma parte da água vel é que a natureno néctar evaporar produzido por um za da produção de no processo; em inseto não-casher — é mel pelas abelhas e seguida, o néctar da seda pelas araé depositado em casher, enquanto a uma célula da nhas, que só foram seda da aranha não é? colmeia, onde é compreendidos em detalhes no armazenado. Veséculo passado, são totalmente coerentes mos assim que o néctar nunca faz parte com a lei judaica. As abelhas produzem o do metabolismo da abelha. mel forrageando néctar das flores (que são A teia de aranha, por outro lado, é uma casher como qualquer produto vegetal) e mistura complexa de proteínas produzidas armazenando em seus corpos em um es- pela aranha. As proteínas são codificadas tômago especial, chamado de saco de mel. por DNA de cada organismo e são muito esAs abelhas têm um segundo estômago, no pecíficas para cada espécie. Por exemplo, a qual digerem o alimento que consomem. principal proteína de seda de aranha é chamado sericina e tem atraído uma grande atenção nos últimos anos. A seda da aranha é um material extraordinário que pode esticar de 4 a 6 vezes o seu comprimento, sem quebrar, e tem um enorme potencial para a fabricação de muitos produtos. Em contraste com vermes de seda, no entanto, as aranhas não podem ser cultivadas porque comem uma as outras, quando cultivadas no mesmo meio. Recentemente, o gene para sericina foi clonado e transferido para cabras, com o objetivo de utilizar a cabra para produção de sericina juntamente com 140 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Seja uma Abelha, não uma Aranha
o seu leite (tal leite, geneticamente modificado, contendo quantidades significativas de sericina, talvez não seja casher). Os blocos de construção das proteínas são substâncias químicas chamadas aminoácidos. Se um animal come uma proteína que se origina a partir de um outro animal, ou se uma planta desmonta essas proteínas em seus componentes aminoácidos, serão criadas as próprias proteínas específicas do animal ou da planta em questão. Aprendemos da lei judaica que um peixe casher que come alimento não-casher permanece casher, enquanto um peixe não-casher que come comida casher permanece não-casher. Pode-se inferir que as proteínas específicas de animais casher e não-casher podem desempenhar um papel na manifestação física das propriedades espirituais que fazem um animal casher ou não-casher. A compreensão científica da síntese de proteínas e os detalhes do processo da produção de mel não estavam disponíveis quando nossos sábios determina-
ram que o mel é casher, ou seja, nossos sábios agiram com Ruach Hakodesh, inspiração divina. A percepção de que o conhecimento científico sobre o mel e a seda de aranha são totalmente coerentes com a lei judaica nos fornece uma compreensão da sabedoria refinada de nossos sábios. Além disso, a A compreensão científica compreensão da base científica da síntese de proteínas e da lei judaica pode nos dar um melhor entendimento dos seus os detalhes do processo ICI princípios orientadores.
da produção de mel não estavam disponíveis quando nossos sábios determinaram que o mel é casher.
NOTAS: (1) Maimoni d e s Hil ch ot ma’chalot asurot 3:3. Shulchan Aruch Yoreh De’ah 81:8 (2) Mishnah Bechorot 01:02
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Verdade, Realidades Naturais e Virtual Prof. Yossef Zukin
1. Introdução:
realidade mais limitada, pois refletem os Nós vivemos em uma realidade, D’us limites de seu criador. criou muitas realidades diferentes e os No entanto, apesar dessa multiplicidade seres humanos estão criando outras rea- de realidades, este artigo explica como lidades. Quantas de fato há somente realidades exisUma e Verdadeira tem? Nossa realiRealidade. Esta é a Você não se dade, aquela em visão incorporada encontra mais na que vivemos, é uma nos livros da Torá. realidade. Ela pode Ela compreende sala de jantar, mas todas as realidaser chamada a Reaestá dentro do lidade Humana ou des descritas acima ciberespaço de Natural. Não podee está oculta na mos afirmar que é Realidade Natural Marte que você “A realidade”, ou a deste mundo. conhecia da ficção “Verdadeira RealiE s t e a r t i go dade”, porque ela é t a mb é m mo scientífica. tra como o conlimitada em muitos aspectos. Ela ceito científico de não abrange outras realidades que D’us Realidade Virtual está ajudando a revelar criou, que incluem os milagres, o mundo a Verdadeira Realidade. Pesquisas de alta após a morte, o mundo dos anjos, e assim tecnologia feitas hoje estão convergindo por diante. Finalmente, através da ciência para o que está há muito tempo escrito na e da tecnologia, os seres humanos estão Torá, e que hoje é um fato: a ciência não criando Realidades Virtuais, que são a contradiz a Torá, muito pelo contrário. Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
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Verdade, Realidades Naturais e Virtual
As linhas gerais deste artigo são baseadas principalmente na experiência do trabalho do autor. Ele é diretor de um importante grupo de empresas de Telecomunicações e foi sócio de uma grande empresa de Ciência da Computação. Ambas são a estrutura principal para a realidade virtual.
2. Definições: É possível que tenhamos chegado a uma situação em que seja necessário definir nossa realidade como uma “realidade real”, em contraposição a uma realidade virtual - um conceito que é muito popular hoje em dia. Realidade virtual se refere, em geral, aos sistemas em que o usuário interage com um computador, e se envolve numa tarefa visual tridimensional (3D) . O computador oferece um domínio virtual de suporte para os modelos 3D ou para um ambiente completo e, se houver transdutores adequados, o usuário pode interagir com o sistema em tempo real. Não é um novo tipo de realidade que está aparecendo. É diferente da realidade
natural, mas não pode ser considerada propriamente uma “nova realidade”, uma vez que é mais um acréscimo ou “amplificação” do que realmente uma outra realidade. Essas realidades são caracterizadas como “virtuais” pois têm funções criadas por seres humanos, que produzem uma saída puramente aleatória. Isso significa que a lógica da saída não segue uma entrada específica ou “semente”, tais como a hora do dia ou um número escolhido. Além disso, o resultado não corresponde a um padrão específico.
3. Quantas realidades? É possível responder a essa pergunta de diferentes maneiras, tais como: 1. Uma = a Realidade Natural: o mundo em que vivemos, comemos, dormimos, andamos, falamos, trabalhamos, estudamos, fazemos Mitsvot (mandamentos) etc. 2. Muitas = As diferentes realidades que D’us criou: o mundo dos anjos, o mundo das almas sem o corpo, o paraíso, Guehinom (inferno), etc.
É possível que tenhamos chegado a uma situação em que seja necessário definir nossa realidade como uma "realidade real", em contraposição a uma realidade virtual - um conceito que é muito popular hoje em dia. 144 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Verdade, Realidades Naturais e Virtual
A luz do sol entra através de muitas janelas, e, mesmo assim, o sol continua a ser, apenas, um. 3. Muitas = As diferentes realidades que os seres humanos criam: o mundo virtual (como um jogo de vídeo ou um dispositivo de capacete), um filme, internet, etc. 4. Duas = o mundo agora e o Mundo Vindouro. 5. Nenhuma = a realidade é ilusória; na realidade, é recriada a cada instante. 6. Muitas = dependendo de quem esteja vivendo esta realidade particular. 7. Uma = Uma Verdade, a Realidade Divina. Essas respostas descrevem duas perspectivas diferentes: a visão “de baixo para cima” e a visão “de cima para baixo”. Todas, exceto a última resposta, referemse à visão humana, que é a visão que temos agora. A última resposta é a Visão Divina “de cima para baixo”. Um paralelo a esses dois tipos de visão pode ser identificado pela seguinte história: um grupo de pessoas que nunca viram ou ouviram falar de um piano em suas vidas está contemplando um piano [Figura 1]. Um diz que é um pedaço de madeira, o outro diz que é uma peça requintada de mobiliário, e o outro diz que é, obviamente, algum tipo de máquina. Cada uma dessas pessoas busca a verdade segundo sua maneira particular, usando sua experiência e capacidade para decifrar o significado do objeto à sua
Figura 1
frente. As conclusões alcançadas são todas verdadeiras - um piano é uma peça de madeira, uma peça de mobiliário e uma máquina. Mas eles captaram apenas a parte mais externa da realidade. E não é porque seu raciocínio é falho, ou baseado em dados falsos; mas porque o piano pertence a um mundo – o mundo da música – que está além dos parâmetros das suas realidades. Assim sendo, eles não perceberam o piano pelo que é, mas, o piano que existe em seus respectivos mundos – o mundo da química, o mundo da marcenaria, o mundo da engenharia. Eles estavam olhando para ele de baixo para cima. Quando um músico de outra
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Verdade, Realidades Naturais e Virtual
Dizer que há anjos em um determinado espaço é tão científico como dizer que há ondas elétricas com frequências diferentes, e ao mesmo tempo não podemos vê-las. galáxia entra na sala, ele diz que é um piano, um instrumento musical. Ele se senta ao teclado e toca um concerto. O músico é como um embaixador do mundo da música que veio e introduziu uma nova percepção: a percepção de “cima para baixo” - uma visão do piano do seu mundo, o mundo do piano. 2 Hoje vemos essas realidades de uma forma múltipla e esta é a razão pela qual todas as respostas acima são verdadeiras. No entanto, na essência, só existe uma realidade, que é a visão Divina. As múltiplas realidades (incluindo as virtuais) podem ser entendidas como parte da Verdadeira Realidade, da mesma forma como a luz do sol entra através de muitas janelas, e, mesmo assim, o sol continua a ser, apenas, um. O Lubavitcher Rebe explicou que “apesar da variedade de janelas, há apenas uma luz. Isso vale mesmo quando a luz aparece de maneira diferente de lugar para lugar: a luz solar brilhando através de janelas de vidro colorido de diversos matizes. No entanto, a luz permanece inalterada, mesmo que tenha a aparência
colorida das janelas, como ocorre, também, com a água em um vidro colorido: uma vez removida do vidro, ela volta a apresentar sua clareza original. Assim, também, com os vários modos em que a luz da Presença Divina se manifesta: a luz permanece a mesma, sem mudança ou divisão; quaisquer diferenças na manifestação são atribuíveis apenas à forma como a luz é recebida pelo objeto para o qual se manifesta “ .3 Nas seções seguintes serão explicadas algumas das respostas acima. Será mostrado como todas elas são corretas e levam à resposta verdadeira absoluta: há apenas UMA REALIDADE VERDADEIRA.
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Verdade, Realidades Naturais e Virtual
4. A Realidade Natural: Nós vivemos no mundo material da realidade natural. Em hebraico a palavra para “mundo” é “olam” ()עולם, o que denota ocultação, o lugar que D’us escolheu para nos encontrar e Se revelar. Nós revelamos D’us a partir de nossas ações físicas neste mundo. É explicado que 5 “a finalidade para a qual este mundo foi criado é que o Santo, bendito seja Ele, desejou ter uma morada nos reinos inferiores,6 especificamente neste mundo físico. Neste mundo de dobrada e redobrada escuridão espiritual, Sua luz irradia ainda mais forte do que nos reinos espirituais, mais superiores, através do homem que transforma as trevas em luz. E para cumprir este objetivo, D’us nos queria como Seus parceiros,7 para aperfeiçoar este mundo e transformar esta realidade. No entanto, os termos “superior” e “inferior” não servem para denotar graus de importância respectiva aos olhos de D’us, ou de proximidade com Ele. Eles indicam em que grau a Divindade é revelada em cada mundo individual: quanto mais revelação, mais “superior”
é o mundo; quanto maior a escuridão e a ocultação, mais “inferior”. Deste ponto de vista, o nosso mundo físico é o mais baixo, pois aqui a Divindade é mais velada e escondida.8
5. A Realidade Invisível: D’us criou muitas realidades, mas Ele colocou um filtro para que possamos ver apenas a nossa realidade natural. Tudo o que vemos fora da natureza é visto como um milagre. Os anjos vivem também em nosso mundo, mas não podemos vê-los porque eles estão em uma realidade diferente. Dizer que há anjos em um determinado espaço é tão científico como dizer que há ondas elétricas com frequências diferentes, e ao mesmo tempo não podemos vê-las. No entanto, se ligarmos um dispositivo de rádio que pode capturar essas ondas, então seremos capazes de ouvir esta realidade que estava oculta. Poderemos ver o paraíso quando morrermos, mas ele existe também no tempo presente. O Guehinom, ou o inferno, é uma outra realidade que existe para as almas que precisam de correção antes de ir para o paraíso.
As pessoas podem estar sentadas na sua casa, em Londres, Paris, Nova York ou Rio de Janeiro, e todos estarem interagindo de uma forma significativa, em uma Realidade Virtual.
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Verdade, Realidades Naturais e Virtual
O Zôhar revela-nos que o nosso mundo é chamado de o mundo de mentiras (almah dishikrah), em confronto com o mundo verdadeiro, “o Mundo Vindouro”, em que todos seremos capazes de ver a verdadeira realidade, que agora não é visível.
6. A Realidade Virtual A realidade virtual pode ser vista em jogos de vídeo de entretenimento, ou em simulações de qualquer tipo, tais como simulações de voo para a indústria da aviação; videoconferências para fins comerciais; protótipos para projetos de design industrial; operações a distância na medicina, etc. Sua tecnologia é tão poderosa que dá ao usuário a sensação de estar imerso no mundo virtual. Esse tipo de imersão é uma característica muito importante da eficácia dos sistemas de realidade virtual, uma vez que é central para o paradigma em que o usuário se torna parte do mundo simulado, ao invés de o mundo simulado ser uma característica do mundo dos próprios usuários. A fim de deixar que os usuários/operadores tenham a sensação de estarem imersos no ambiente virtual, dois
dispositivos importantes são necessários: capacete de exibição e luva de dados. O Capacete de Exibição (HMD- Head Mounted Device) [Figura 3] corta e isola as sensações visuais e de audio do ambiente circundante, e as substitui por imagens tridimensionais geradas por computador. Funciona assim: imagine que você esteja na sala de jantar em sua casa. Quando você coloca um Capacete HMD conectado a um computador, pode sentir que foi teletransportado para a superfície de Marte, com as duas luas, Phobos e Demos, e numerosas estrelas brilhando no horizonte distante. O que está na sua frente já não é a mesa de jantar, mas o pé do gigantesco Monte Olimpo: um vulcão maior do que qualquer montanha da Terra. Quando você dá um passo para a frente, seu ponto de vista (3D) avança neste espaço virtual. Você não se encontra mais na sala de jantar, mas está dentro do ciberespaço de Marte que você conhecia da ficção científica. Tudo é tão real que não se pode negar que se esteja explorando aquele planeta. Tudo isso é consequência das imagens 3D geradas por computador (IGC) produzidas por um computador sofisticado.
A tecnologia de Realidade Virtual, utilizada por pilotos de bombardeiros da Guerra do Golfo, está ajudando pessoas quase cegas a ver. 148 Diálogos entre Culturas Judaica e Contemporânea 5774
Verdade, Realidades Naturais e Virtual
Figura 3
Além disso, o sistema de monitoração dos movimentos da cabeça indica a posição exata e a orientação da cabeça, enquanto o computador usa esse conjunto de dados para atualizar a exibição na tela. Com um capacete de Realidade Virtual, um astronauta pode ver um cenário 3D de um planeta em exploração e ter a sensação de estar lá. Esta técnica de realidade virtual é conhecida como telepresença e pode ser utilizada para familiarizar os astronautas com a condição de um planeta em particular. Alternadamente, através de um display 3D diferente, um homem será capaz de ver a imagem virtual 3D de um
ônibus espacial, que ele pode estudar (por exemplo, para verificar possíveis falhas) antes de ser construído. Através do capacete virtual, podemos entender como existem diferentes realidades e o que vemos é apenas uma parte das realidades disponíveis, pois podemos mudar de canal e ver ou viver realidades diferentes não vinculadas à estrutura do espaço-tempo. Além do capacete, um operador pode usar uma luva especialmente projetada [Figura 4] que o torna capaz de controlar um braço robótico localizado num lugar distante. Este tipo de técnica de realidade
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Verdade, Realidades Naturais e Virtual
Figura 4
virtual é conhecida como TeleRobótica e pode ser aplicada a tarefas simples, como controlar um braço telerobótico na Lua e coletar amostras de rocha por intermédio de um operador na Terra. Há uma profecia de que na Era Messiânica, quando a Verdadeira Realidade será definitivamente revelada, as espadas serão transformadas em arados [Figura 5], ou seja, armas de guerra (para fazer o mal) serão transformadas em ferramentas de agricultura (para fazer o bem). Isso já está acontecendo hoje, quando a tecnologia de Realidade Virtual, utilizada por pilotos de bombardeiros da Guerra do Golfo, está ajudando pessoas quase cegas a ver. “Os pilotos usavam capacetes que exibiam diante de seus olhos uma imagem virtual
de seu alvo. Apenas focando os olhos na imagem alvo e em seguida pressionando um botão, um míssil era lançado sobre o alvo terrestre. O ‘arado’ derivado desta tecnologia é um equipamento chamado Low Vision Enhancement System (Sistema de Aprimoramento para Visão Baixa). São óculos especiais que usam uma matriz de espelhos e lentes para que possibilitem a visão de imagens exibidas em minúsculos tubos de raios catódicos. As imagens são transmitidas por mini câmeras de TV montadas na parte frontal dos óculos. As imagens são totalmente ajustáveis e dão visão a pacientes com visão tão pobre como 20/80”. 9 Na Medicina há exemplos muito úteis de Realidade Virtual ajudando a revelar a Verdadeira Realidade, tais como planejamento para cirurgias auxiliadas por computador, telecirurgias, imagens tridimensionais, planejamento cirúrgico e simulação de cirurgias. O Institut de Recherche en Informatique de Toulouse (IRIT)10 publicou uma pesquisa sobre os sistemas de telecirurgias, em que a realidade virtual tem se mostrado um meio eficaz de exibição de informações
Figura 5
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Verdade, Realidades Naturais e Virtual
Figura 6
para o operador humano. Ela permite a criação de ambientes tridimensionais e interativos, que podem ser explorados e controlados de uma forma intuitiva. A Realidade Virtual se torna muito útil quando é usada em sistema distribuídos [Figura 6], porque ela aumenta seu poder de ação. A ideia por trás da Realidade Virtual distribuída é muito simples: um mundo simulado não é executado em um sistema de computador, mas em vários. Os computadores estão conectados em uma rede (possivelmente a Internet global ou a ‘Nuvem’) e as pessoas que usam esses computadores são capazes de interagir em tempo real, compartilhando o mesmo mundo virtual. Em
teoria, as pessoas podem estar sentadas na sua casa, em Londres, Paris, Nova York ou Rio de Janeiro, e todos estarem interagindo de uma forma significativa, em uma Realidade Virtual. O usuário pode entrar num sistema (ou realidade) de qualquer lugar do mundo, tornando-se um cliente de um servidor que pode estar noutro extremo do planeta. As barreiras da distância e espaço são quebradas, mostrando a verdadeira falta de limites da realidade. Com o avanço da Tecnologia de Telecomunicações, bem como com a enorme redução de custos, é possível, hoje, entrar no espaço da realidade virtual, mesmo com um dispositivo pequeno como um celular.
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Finalmente, é muito interessante perceber como um dos criadores da realidade virtual escreve frases que demonstram perfeitamente a convergência para a Torá. “Outro debate que tem surgido é sobre o que acontece depois que você morrer, em termos do modelo? A resposta simples é que você existe como uma transformada integral de Fourier de sua vida”.11. Isto significa que a realidade virtual pode ser vivida, mesmo quando o jogador não está mais lá (ou morto), rompendo os limites do tempo e mostrando realmente a imortalidade da alma. No Judaísmo, podemos ver isso através de várias fontes: Está escrito, no Zôhar, que “Quando um tsadic (justo) parte, ele pode ser encontrado em todos os mundos mais do que durante a sua vida...” 12 Na Torá está escrito que o patriarca Jacó não morreu. Ela nos conta o que parecia ter acontecido, ou seja, que morreu, foi embalsamado e enterrado... mas, de fato, ele ainda está fisicamente vivo! Em outra parte, o mesmo é dito em relação a Moisés,13 ao rei David,14 ao rabino Yehuda HaNassi,15 ao rabino Elazar ben Shimon. 16 Além disso, afirmase que os lábios físicos de cada sábio da Torá (mesmo aqueles que morreram há mais de 2.000 anos), na verdade se movem e falam, no túmulo, quando alguém estuda e repete seus ensinamentos em voz alta!17 Também há uma lista de outras nove pessoas que não provaram o “gosto da morte”, mas entraram, vivas, no céu.18 O que significa tudo isso? Certamente, a maioria achará que estes relatos não
Figura 7
devem serem levados a sério. Afinal, temos ouvido falar de vida após a morte no céu, e mesmo em reencarnações... mas como pessoas já falecidas podem viver em seu corpo material, físico? De acordo com um ponto de vista da realidade virtual, “durante sua vida você cria eventos, interage com outros Sistemas de Monitoração, e gera sistemas que seguem para o futuro sem a sua presença, e uma vez que o sistema para de viajar para a frente, através do tempo, sua vida pode ser olhada em termos dos eventos ou interações que criou. Como em uma transformada integral de Fourier, são independentes do tempo, e pode ser definida somente como frequências (ou interações). Assim, quando o último ciclo ficar completo, os padrões que você criou no tecido do espaço-tempo ficam como a sua essência, a sua contribuição.”19 É como uma estrutura de cristal, cuja complexidade e beleza será baseada no que você fez com o seu tempo. O que é muito bom, sobre
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Verdade, Realidades Naturais e Virtual
isto, é que ele não fica congelado; tópicos que você começou poderão continuar e mudar. Por exemplo: quando a vida de seus filhos prosseguir, ou assuntos que você iniciou continuarem a ser utilizados. Mas uma vez que o pecado de Adão e, posteriormente, do Bezerro de Ouro trouxeram a morte para o mundo, esse corpo é puro demais para ser visto. Na verdade, o que percebemos hoje é como nosso corpo humano está apenas “cobrindo” o VERDADEIRO e invisível (aos nossos olhos) corpo físico, que é eterno. Para ser produtiva, a realidade virtual necessita de ações, reais, físicas: mover, tocar, segurar, etc.. No entanto, ela precisa de ferramentas que ajudem o usuário a interagir com a realidade, como um capacete e uma luva [Figura 7], um sensor que captura imagens na Lua e as transmite para um astronauta na Terra, um braço robótico que opera um paciente, etc. Este é um princípio importante e central do Judaísmo: o principal é a ação! Alguém que leu centenas de livros sobre o preceito de colocar tefilin, visitou várias lojas na internet para pesquisar diferentes pares de tefilin, mas não os colocou fisicamente, não cumpriu o preceito. Por outro lado, alguém que não sabe nada sobre o tefilin, mas é abordado por
jovens estudantes de yeshivá, em um ponto de ônibus, e o coloca antes de perceber o que está fazendo, cumpriu uma mitsvá e teve uma grande influência na realidade! É possível identificar uma das razões pelas quais as almas percorrem todo um caminho, desde o paraíso até este mundo complicado. É só aqui que as almas podem agir, cumprindo os mandamentos, como está escrito no Pirkei Avot:20 “uma hora de arrependimento e boas ações neste mundo é melhor que toda a vida do mundo vindouro (paraíso, Gan Éden)”. Por outro lado, lá os filmes são muito mais bonitos.
7. Não Realidade: Contrariamente à opinião dos filósofos, que negam a Providência Divina do Criador sobre toda e cada uma de Suas criações, o Criador da realidade não está descansando desde a Criação. Filósofos, por meio de uma falsa analogia, comparam os feitos do D’us, o Criador do céu e da terra, aos feitos do homem, e os dispositivos que produzem. Da mesma forma que a realidade natural, a realidade virtual precisa de uma renovação criadora constante, e não pode ser deixada sem supervisão. A força ativadora do Criador, que inicialmente
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traz todos os seres criados à existência, deve continuamente estar presente na coisa criada, para dar-lhe vida e existência continuada. A Realidade Virtual precisa da constante supervisão de seu criador, constantemente fazendo cópias de seus arquivos, renovando, a cada instante, a realidade para que ela permaneça no ar.
8. Considerações finais: Primeiro de tudo, é claro que a realidade virtual não contradiz a opinião da Torá, de múltiplas realidades coexistindo mas integradas nUma Verdadeira Realidade. Segundo, a realidade primordial em nosso mundo é a realidade natural. É o ambiente principal, onde podemos realizar o nosso objetivo no mundo inferior: ações físicas sobre a realidade a fim de construir uma morada para D’us. Em terceiro lugar, a realidade virtual simula a realidade natural e ela não existe de forma independente. Seu objetivo principal é atingido com as mesmas ações físicas sobre a realidade natural. Este foco na ação está em consonância com um dos principais princípios da Torá e do Judaísmo. Finalmente, um dos produtos secundários da realidade virtual está ajudando a revelar a Verdadeira Realidade por trás de tudo, que é expressa de muitas maneiras. A Verdadeira realidade não é limitada pelo espaço e pelo tempo. A realidade virtual pode ser encontrada em qualquer lugar do mundo, e experimentada por qualquer um noutra parte do mundo, rompendo os limites do espaço na realidade. A realidade
virtual pode ser experimentada, mesmo quando o jogador não está mais lá (ou morto), rompendo os limites do tempo, e mostrando a verdadeira imortalidade da alma. Da mesma forma, o criador de qualquer realidade virtual fica oculto das páginas de suas criações. A Verdadeira realidade é a realidade que envolve e está dentro de tudo. Foi experimentada por Adão, quando vivia no Gan Éden, antes do pecado da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Da mesma forma, mas em um nível muito mais elevado, vamos experimentá-la na Era Messiânica, rapidamente em nossos tempos. Então as profecias serão cumpridas e “a terra se encherá com o conhecimento de D’us como a água cobre o fundo do mar”21, e “naquele dia D’us dia será Um e seu Nome será Um” 22
Notas 1. Virtual Reality Systems (Siggraph Series) by John Vince, Publisher: Addison-Wesley Pub Co (June 1995). 2. Yanky Tauber, The Week In Review, Vol. VII, No 36, Shavuot 5756, May 24 1996, Vaad Hanochos Hatmimim, Brooklyn, NY 11213-3409. 3. Rabbi Schneur Zalman of Liadi, Likutei Amarim (Lessons In Tanya), vol. II, chap. 35 (Brooklyn, NY: Kehot, 1996), 469. 4. 2001, by Jeanette Oren Kuvin. 5. Rabbi Schneur Zalman of Liadi, Likutei Amarim (Lessons In Tanya), vol. II, chap. 36 (Brooklyn, NY: Kehot, 1996). 6. Midrash Tanchuma, Nasso 7:1.
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7. Bereshit Rabah, end of Parasha 3, and Bamidbar Rabah, Chapter 13, v.6. 8. Isto é empiricamente evidente a partir do princípio de kri, [o texto bíblico como é lido], e ktiv, [o texto bíblico como é escrito, não sendo sempre os dois idênticos.] O kri reflete a compreensão [do texto] como nos foi revelado. O ktiv transcende a concepção e compreensão. Ou seja, uma determinada palavra em sua forma escrita não tem “vestimento” compreensível, embora, quando lida em voz alta tem tal “vestimento” , [ou seja, é diretamente compreendido. Um exemplo disso é o versículo: “Saibam que o S-enhor é D’us, Ele nos fez [velo anachnu] Seu povo e as ovelhas que pastorea.” A forma ktiv da palavra “velo” termina com um “alef ”, enquanto a forma kri da palavra termina com um “vav”. De acordo com a última forma o versículo é facilmente compreensível: “Saibam que o Eterno é D’us, Ele nos fez,” velo anachnu ‘- e nós somos Seus....” Na forma ktiv, no entanto, o versículo diz: “Ele nos fez e não nós ....” Embora isso tenha significado em um nível mais sublime, o sentido simples do ktiv deste versículo parece extremamente difícil de compreender. O mesmo se aplica às letras grandes [que são ocasionalmente encontrados] no Tanach. Elas derivam de um mundo sublime - [da Sefirá de Binah] - e de lá irradia abertamente, e não através de uma vestimenta, como as outras letras. 9. Desenvolvido pelo Professor Robert Massof, da Escola de Medicina da Universidade John Hopkins em colaboração com o Departamento de Assuntos Veterinários, in Dr. Arnie Gotfryd, Living, em The Age of Moshiach, 2000, Mendelsohn Press, p. 134. ref to. Shimon Silman’s article, Swords into Plowshares, 1 Adar I, 5757. p.31
10. Volume 6, Issue 2, pp. 57-62, Springer-Verlag London Limited, 2002, A Virtual Reality Tool for Teleoperation Research, N. Rodriguez, J.-P. Jessel, P. Torguet. 11. Michael A. Colicos. 12. Tanya, Volume V, p. 173. 13. Sotá 13b. 14. Tratado Rosh HaShaná 25b. Até nossos dias, quando os judeus fazem o ritual de santificar a lua no início de cada mês, eles dizem “o rei Davi de Israel vive e existe”. 15. Tratado Ketuvot 104a nos diz que depois que o Rabino Yehuda haNassí morreu e foi sepultado, na verdade ele voltava para casa a cada Shabat e fazia Kidush para sua família (o que implica, de acordo com a Lei da Torá, que estava “fisicamente” vivo)! 16. Tratado Baba Metsia 84b. O Rabino Shimon ben Elezar morreu, mas sua esposa estava com medo de enterrá-lo e porque ele tinha muitos inimigos, ela colocou seu corpo no sótão. O Talmud nos diz que as pessoas, não sabendo que ele estava morto, continuaram a visitar sua casa para fazer perguntas sobre assuntos da legislação e ele realmente gritava do sótão as respostas, por muitos anos até que ela finalmente teve que enterrá-lo. 17. Tratado Yevamot 96b. 18. Midrash Yalkut Shimoni (Yechezkel 367) lista nove pessoas que não provaram o “gosto da morte”, mas foram, vivas, para o céu. Um deles é o Profeta Eliyahu (2 Reis, 2:11) (que ainda visita cada circuncisão judaica!), e outro será Mashiach. 19. Michael Colicos. 20. 4:7. 21. Isaías 11:9. ICI 22. Zacarias 14:9.
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ISBN 978-85-68033-00-5
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9 788568 033005