AGENDA ESTRATÉGICA PARA A ECONOMIA DA MÚSICA E DO AUDIOVISUAL NA INTERNET Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes 2021
AGENDA ESTRATÉGICA PARA A ECONOMIA DA MÚSICA E DO AUDIOVISUAL NA INTERNET Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes 2021
FICHA TÉCNICA
COORDENAÇÃO EDITORIAL Nichollas de Miranda Alem, Presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes Ivan Borges Sales, Vice-presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes COORDENAÇÃO DE PESQUISA Juca Ferreira Guilherme Varella PESQUISADOR DO SETOR AUDIOVISUAL João Brant PESQUISADORA DO SETOR DA MÚSICA Daniela Ribas ASSISTENTE DE PESQUISA Rosana Pereira REVISÃO TÉCNICA Nichollas de Miranda Alem Ivan Borges Sales Guilherme Varella DESIGN GRÁFICO E ILUSTRAÇÕES Paula Monroy
Esta obra foi financiada a partir de recursos de Emenda Parlamentar do Deputado Paulo Teixeira, fruto do Termo de Fomento n.º 903410/2020, firmado junto ao Ministério do Turismo. O documento estará disponível para acesso gratuito e download no site institucional do Instituto de Direito, Economia Criativa: http://institutodea.com
INSTITUTO DE DIREITO, ECONOMIA CRIATIVA E ARTES. Agenda Regulatória para a Música e Audiovisual no meio Digital. São Paulo: IDEA, 2021. 4
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SUMÁRIO
67 III. MÚSICA NA INTERNET 68 Quem são os agentes? 72 Como funciona o setor? 79 Qual a dimensão desse mercado? 86 Agenda regulatória 86 a) Maior transparência nos acordos entre DSPs e distribuição dos royalties no streaming 93 b) Estímulo ao desenvolvimento de soluções institucionais, técnicas e tecnológicas para identificação de obra e titulares 96 c) Transparência e gestão de dados pessoais e programação algorítmica das DSPs 99 d) Institucionalização de ambiente de discussão, formulação, debate, validação e avaliação de Políticas Públicas especializadas 103 e) Outros temas de interesse mapeados
8 APRESENTAÇÃO 11 I. INTRODUÇÃO 17 II. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO DIREITO AUTORAL 27 III. AUDIOVISUAL NA INTERNET 28 Quem são os agentes? 32 Como funciona o setor? 37 Qual a dimensão desse mercado? 39 Agenda regulatória 39 a) Instituir o Marco Regulatório do Vídeo Sob Demanda 46 b) A propriedade intelectual e o poder dirigente 49 c) Repensar os critérios de primeira janela 51 d) O pagamento da remuneração pela comunicação pública de obras 53 e) Criação de uma film commission nacional 55 f) Políticas afirmativas e de desenvolvimento regional 60 g) Outros temas de interesse mapeados 6
107 IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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APRESENTAÇÃO
O Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes é
apresentar de modo compreensível os pontos mais relevantes, fazendo uso de elementos figurativos e exemplificativos, em respeito à toda complexidade que os temas exigem. Para tanto, organizamos o documento em três partes. Em primeiro lugar, traremos alguns conceitos básicos sobre os direitos autorais e conexos, assunto que toca diretamente as questões que estamos debatendo. Em segundo e terceiro lugares, apresentaremos as agendas estratégicas dos mercados do audiovisual e da música na internet, respectivamente, cada qual dividida em quatro partes: (1) “quem são os agentes?”; (2) “Como funciona o setor?”; (3) “Qual o tamanho do setor?”; e (4) a agenda em si. Tentamos incluir no conteúdo da agenda alguns temas transversais ao debate que foram citados nas entrevistas e tornaram-se recorrente nos estudos bibliográficos, mas que não tratam direta e especificamente dos segmentos que são objeto do nosso estudo. Assim, é com muito prazer que o Instituto de Direito Economia Criativa e Artes publica a presente publicação, com a pretensão de contribuir para o debate e construção de uma agenda para a economia da música e do audiovisual na internet, setores estratégicos para a promoção do desenvolvimento cultural no país. Para encerrar, retomamos as palavras do grande Ariano Suassuna: queremos um Brasil de primeira, com nossas características próprias, sem renunciar às nossas peculiaridades de povo.
uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos voltada à produção de pesquisa acadêmica e democratização do acesso ao conhecimento nas áreas de convergência entre direito, economia, cultura e inovação tecnológica. Ao longo de seus cinco anos de fundação, o Instituto promoveu diversos cursos, palestras, eventos e publicações sobre temas variados. Esta publicação é fruto do Termo de Fomento n.º 903410/2020, firmado entre o Instituto e o Ministério do Turismo, a partir de recursos de Emenda Parlamentar do Deputado Federal Paulo Teixeira. A contratação tem como objeto a produção de uma pesquisa para oferecimento de uma “Agenda Estratégica para a Economia da Música e do Audiovisual”, no caso, especificamente para os meios digitais. Esta pesquisa teve como objetivo geral identificar os principais desafios à promoção e desenvolvimento dos setores da música e audiovisual brasileiros no meio digital, oferecendo uma agenda política e regulatória à sociedade, mercado e Poder Público. Desse modo, serve como ponto de partida para o enfrentamento de temas sensíveis, mas relevantes à economia da cultura nacional. Os trabalhos foram conduzidos a partir de três fontes de pesquisa principais: (1) livros e documentos teóricos a respeito do mercado e da economia da música e do audiovisual; (2) consulta a relatórios e documentos com indicadores e dados relevantes sobre o tema; e (3) entrevistas com representantes de empresas, associações da sociedade civil, gestores de políticas públicas, advogados, dentre outros profissionais envolvidos diretamente com os respectivos assuntos. Esta publicação é uma síntese dos resultados destas pesquisas, apresentada de forma resumida e direta para o leitor. O foco do documento não é apresentar o detalhamento teórico ou os indicadores sobre cada assunto, mas pautar o ponto central do debate e oferecer alguns encaminhamentos para a construção de uma agenda estratégica. A proposta desta publicação é sobretudo
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Nichollas de Miranda Alem Ivan Borges Sales Presidente e Vice-Presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes 9
I. INTRODUÇÃO
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I. INTRODUÇÃO
UMA AGENDA ESTRATÉGICA PARA A MÚSICA E O AUDIOVISUAL NA INTERNET Música e audiovisual são dois dos setores mais impactados, para o bem e para o mal, pela expansão da Internet. A consolidação do suporte virtual das músicas, filmes e vídeos trouxe o desafio de unir o potencial de difusão dos conteúdos na rede com a necessidade de novos arranjos econômicos e serviços que possibilitem amplo acesso ao público e geração de receitas aos autores e produtores. Esta “arquitetura” econômica do digital requer mais que a simples observação da dinâmica viva do mercado: requer sobretudo que se possam corrigir eventuais distorções e proteger o interesse público, os direitos dos autores e dos produtores e o equilíbrio entre as dimensões econômica e cultural, de modo a garantir o acesso aos conteúdos culturais. É necessário evitar que se repliquem no ambiente digital os mesmos problemas do mundo analógico: a perpetuação dos intermediários que se apropriam e concentram o maior aporte da cadeia produtiva em detrimento dos criadores e de todos que são essenciais para o desenvolvimento desses dois setores; os modelos de negócio viciados (com pouca transparência e sem garantia de respeito aos direitos autorais dos artistas); e o histórico e famigerado “jabá”, agora amplificado pela indução por algoritmos. Considerando isso, a pesquisa, sintetizada nessa publicação, debruçou-se sobre o modelo de disponibilização virtual do imenso e diverso acervo musical e audiovisual brasileiro. Analisar esse modelo significa abordá-lo no próprio contexto de configuração econômica da Internet: um espaço extremamente concentrado, com poucos e gigantescos grupos empresariais que dominam supranacionalmente as plataformas operadoras dos fluxos comerciais. Impulsionadora da análise, a constatação evidente é a enorme defasagem entre o poder econômico – e, por consequência, de negociação - dessas grandes plataformas e o conjunto imenso de músicos, cineastas e produtores desejosos de veicular seus conteúdos. E não se trata de um problema unicamente brasileiro. O problema tem escala global, exigindo uma regulação doméstica atenta à dinâmica transnacional do mercado e às experiências dos países que têm
A ideia de desenvolver uma pesquisa sobre as econo-
mias digitais da música e do audiovisual foi motivada pelo fato de o ambiente digital ter reorganizado profundamente a sua produção e consumo, sem que houvesse as necessárias bases para garantir a sustentabilidade da criação, tampouco instrumentos para a proteção e promoção da diversidade cultural. Apesar de serem dois setores culturalmente estratégicos, e poderosos no conjunto das economias criativas e culturais, ainda lhes falta uma regulação nacional e global eficiente para a Internet. A importância cultural da música e do audiovisual, em todos os seus formatos artísticos e comerciais, a relevância social e o potencial econômico que representam demandam que o Estado atue de forma mais assertiva e inteligente sobre a circulação dos bens e serviços culturais no, hoje predominante, meio virtual. Para tanto, é preciso o diagnóstico correto, a compreensão dos gargalos, distorções, dos atores, e a identificação dos espaços que reclamam ações regulatórias e políticas públicas. Trata-se da elaboração de uma agenda estratégica, com a qual este projeto tenta contribuir.
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I. INTRODUÇÃO
sobretudo relacionada aos direitos fonomecânicos e de empresas de tecnologia que prestam serviços de identificação de obras e titulares. Este poderia ser um passo que aumentaria a eficiência de arrecadação e distribuição em um ecossistema tão complexo. Uma complexidade que perpassa, inclusive, questões relacionadas à inteligência artificial e à proteção de dados. Além disso (e por tudo isso), fica mais evidente a necessidade de um espaço qualificado de debate, estudo e proposição de políticas públicas e regulatórias para o campo da economia da música. É uma demanda antiga do setor da música: uma instituição nos termos de uma agência, voltada de forma especializada e exclusiva à música, a exemplo do que ocorre com o audiovisual. Dada a imponência do desafio de atuar no mercado musical digital, uma instância de financiamento, regulação e indução retorna ao debate como um expediente estratégico. Assim se apresenta, portanto, essa “Agenda estratégica para a economia da música e do audiovisual na Internet”. Os principais resultados das pesquisas realizadas, mais densas e extensas, são apresentados nessa publicação de forma sintética e objetiva. O propósito é ampliar o acesso público aos desafios inevitáveis para o desenvolvimento desses dois setores tão cruciais. No limite, a publicação resume caminhos para políticas públicas de cultura orientadas para a democratização dos conteúdos na rede e para a potencialização equilibrada deste tão pujante mercado digital da música e do audiovisual brasileiros.
encarado o desafio da regulação e da proposição de políticas públicas. A pesquisa, desenvolvida por João Brant (audiovisual) e Daniela Ribas (música), traça um diagnóstico e enfrenta o quadro, propondo e analisando soluções regulatórias e ações governamentais que conciliem pleno impulso ao desenvolvimento econômico dos setores na rede com o imperativo do interesse público de acesso às obras e de proteção dos artistas e de todos os que participam do processo produtivo. Essa agenda, em discussão, deve sempre procurar alternativas inovadoras, criativas, operacionalmente fluidas, juridicamente seguras e que respeitem, especialmente, a diversidade, os direitos e a liberdade de expressão culturais na rede. No campo do audiovisual, o tema mais urgente é a regulação do Vídeo sob Demanda (Video on Demand VOD). Diferentemente de quase todas as outras janelas do audiovisual brasileiro, amparadas pela Ancine, o VOD ainda não foi disciplinado, dificultando medidas para garantir condições de produção e circulação para obras brasileiras, em especial, as obras brasileiras independentes. Medidas que contribuam para o balizamento de contratos de direitos autorais entre criadores e plataformas, assim como ações que consigam diversificar a exibição e ampliar o potencial do conteúdo para além da primeira janela passam a ser essenciais. A agenda também passa pela otimização da gestão coletiva dos direitos autorais e por uma Film Comission Nacional, que articule parcerias entre produções nacionais e internacionais e atraia filmagens para o Brasil. Além disso, é imprescindível pensar a equalização de condições raciais, de gênero e regionais, sobretudo no contexto do VOD, considerando uma lógica efetiva de ações afirmativas e horizontalização territorial. Na música, avançar na transparência dos acordos entre plataformas e criadores (bem da verdade, atualmente representados por entidades) é elemento central na agenda estratégica do digital. Isso inevitavelmente gera condições para uma distribuição mais justa dos royalties. Assim como na música, aparece mais uma vez a necessidade da otimização da gestão coletiva, 14
Boa leitura.
Juca Ferreira Guilherme Varella
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II. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO DIREITO AUTORAL
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II. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO DIREITO AUTORAL
e disposição da obra. Isso significa que qualquer pessoa que tiver interesse em fazer algum uso dessa obra deve pedir a respectiva autorização para o titular. Assim, se uma plataforma de streaming deseja transmitir um filme, por exemplo, ela deve obter esta autorização com a produtora titular dessa obra. Cada uso deve ser autorizado de forma específica pelo titular. Como os direitos patrimoniais de autor podem ser livremente negociados pelo seu titular, são eles que garantem a circulação econômica das obras audiovisuais e musicais na internet. O titular desses direitos pode autorizar o uso e aproveitamento da obra por meio do licenciamento, ou então, transferir esse mesmo conjunto de direitos para um “novo proprietário”, por meio de uma cessão. Nessas operações, as Partes devem decidir alguns aspectos importantes do contrato como os limites e condições do território, prazo, mídias, modalidades de aproveitamento, tiragens e finalidades de aproveitamento. Os direitos conexos, também chamados de direitos vizinhos, têm, por sua vez, um modelo de proteção muito semelhante aos direitos autorais. Porém, estes protegem a atuação criativa e/ou técnica de certos profissionais que, de alguma forma, agregam valor à obra. Assim, recebem proteção por direitos conexos as interpretações de atores e intérpretes musicais, bem como as gravações musicais feitas por produtores fonográficos. Tal como ocorre com os direitos autorais, o uso das interpretações e fonogramas também deve ser autorizado por seus titulares. Desse modo, para que possamos assistir um filme ou ouvir uma música em casa em um serviço de streaming ou download, há uma grande cadeia de circulação de direitos autorais e conexos. Em uma série, por exemplo, os roteiristas, diretores, atores e outros profissionais criativos cedem suas participações para uma produtora audiovisual, que por sua vez, licencia seus direitos para uma distribuidora, que sublicencia para a plataforma de streaming - ou ainda, em alguns casos, cede os direitos sobre a obra diretamente para essa plataforma, como veremos mais adiante.
Uma parte central das discussões envolvendo a agenda
regulatória do audiovisual e da música no meio digital está diretamente ligada aos direitos de propriedade intelectual que protegem os ativos desse setor. Por esse motivo, é importante apresentarmos alguns conceitos básicos sobre o tema dos direitos autorais e conexos. No Brasil, os direitos autorais protegem a relação do autor com a obra literária, artística ou científica por ele criada, conforme dispõe a Constituição Federal e a Lei n.º 9.610/98. Esses direitos são classificados em duas espécies: os direitos patrimoniais e os direitos morais de autor. De um lado, os direitos morais de autor protegem aspectos da personalidade do criador presentes na obra. Esse é o caso do “direito ao crédito”, por exemplo, que garante o direito de ter seu nome ou pseudônimo indicado como sendo o criador daquela obra. Esta categoria de direitos é inalienável e irrenunciável. Isso significa que o autor não pode “abrir mão” ou negociar a sua transferência a outras pessoas mesmo que queira, por expressa proibição legal. Os direitos patrimoniais de autor, por sua vez, garantem ao titular o direito exclusivo de utilização, exploração 18
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II. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO DIREITO AUTORAL
LEI N.º 9.610/98 - LEI DE DIREITOS AUTORAIS:
LEI N.º 9.610/98 - LEI DE DIREITOS AUTORAIS:
Art. 24. São direitos morais do autor:
Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
I - a reprodução parcial ou integral;
III - o de conservar a obra inédita;
II - a edição;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
IV - a tradução para qualquer idioma;
VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: [...]
Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.
IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero; X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. Art. 31. As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais.
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II. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO DIREITO AUTORAL
10 PERGUNTAS E RESPOSTAS PARA ENTENDER MAIS DE DIREITOS AUTORAIS E CONEXOS NA INTERNET
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POSSO USAR UMA OBRA SEM AUTORIZAÇÃO SE FOR SEM FINS LUCRATIVOS?
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SE UMA OBRA ESTÁ CIRCULANDO NA INTERNET, POSSO USAR SEM AUTORIZAÇÃO?
Não. O fato de uma obra ser amplamente reproduzida na internet, em si, não significa que ela perdeu os direitos autorais. Ainda vale a regra geral de prévia autorização do titular.
HÁ UMA TABELA DE PAGAMENTO PELOS DIREITOS AUTORAIS NA LEI?
Não. As partes possuem plena liberdade para decidir sobre os valores de licenciamento ou cessão de direitos. Existem práticas de mercado que dão parâmetros, mas não são obrigatórias de adoção.
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Os Direitos Autorais são muitas vezes traduzidos para o inglês como copyright, mas não significam exatamente a mesma coisa. As normas de Copyright são originárias de países com tradição anglo-saxã como Inglaterra e Estados Unidos e, normalmente, possuem um foco regulatório na circulação da obra. Os nossos Direitos Autorais são inspirados no modelo da Europa Continental, que costumam ter um foco de proteção na relação do autor com o seu trabalho. Esses sistemas possuem suas próprias características e peculiaridades.
Não. De acordo com o artigo 18, da Lei n.º 9.610/98, a proteção independe de registro. No Brasil, ela surge com o próprio nascimento da obra e sua exteriorização. O famoso registro na Biblioteca Nacional é uma das possíveis provas de autoria e ajuda a identificar quando a obra foi criada.
Não. A Lei não faz essa diferenciação, ou seja, vale a regra geral de que o titular dos direitos tem a decisão exclusiva sobre como serão feitos os usos sobre a obra. Há casos de exceção na legislação, que permitem o uso livre, previstos especialmente nos artigos 46 e seguintes da Lei, mas não trazem a previsão específica do “uso sem fins lucrativos”.
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DIREITO AUTORAL É A MESMA COISA QUE COPYRIGHT?
PRECISO REGISTRAR MINHA CRIAÇÃO PARA TER A PROTEÇÃO DA LEI?
O QUE É CREATIVE COMMONS?
O Creative Commons é uma iniciativa internacional que busca padronizar licenças abertas ao redor do mundo. Assim, autores e titulares podem autorizar o uso de suas obras de forma automática e simplificada, através de um sistema de licenças facilmente reconhecíveis pelos usuários.
POR QUE AS PLATAFORMAS DE STREAMING NÃO TÊM TODAS AS MÚSICAS E TODOS OS FILMES E SÉRIES EM SEUS CATÁLOGOS? E POR QUE ALGUMAS OBRAS ENTRAM E SAEM DE CATÁLOGOS?
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Há alguns motivos para isso, inclusive limitações tecnológicas. Porém, uma das principais razões é justamente a sistemática dos direitos autorais. Como as obras devem ser licenciadas, os titulares devem fazer acordos com as plataformas conforme os respectivos interesses econômicos. Isso significa que uma produtora pode autorizar um filme exclusivamente para que a empresa A o aproveite por 2 anos, por exemplo, e, quando esse prazo terminar, o serviço de streaming deve tirá-lo do catálogo.
QUANTO RECEBEM OS ARTISTAS PELAS EXECUÇÕES DE MÚSICAS OU OBRAS AUDIOVISUAIS COM SUAS PARTICIPAÇÕES DAS PLATAFORMAS DE STREAMING?
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No campo do audiovisual, essas informações acabam sendo sigilosas pois partem de acordos específicos entre os artistas e as produtoras. Já na música, o valor dos repasses depende de cada plataforma e de acordos feitos com intermediários que atuam no setor. Falaremos mais disso no tópico próprio da agenda.
COMO FUNCIONAM OS TERMOS DE USO DAS PLATAFORMAS DE STREAMING?
Cada empresa pode estabelecer suas próprias regras de acesso e uso de seus conteúdos. Assim, quando um usuário (consumidor) aceita os Termos de Uso dessas plataformas, ele está firmando um contrato e se comprometendo a seguir aquelas regras. O YouTube, por exemplo, disponibiliza trilhas gratuitas para que seus usuários possam utilizar em canais na plataforma, o que não significa que o uso possa ser feito fora desse contexto.
A LEI DE DIREITOS AUTORAIS BRASILEIRA POSSUI PREVISÕES ESPECÍFICAS SOBRE A INTERNET?
Não. Quando a lei foi sancionada, em 1998, o assunto da internet ainda não era tão central como é hoje, não influenciando diretamente o debate legislativo. De fato, muitos doutrinadores entendem que o cenário social, cultural e econômico mudou muito, o que justificaria uma revisão de diversas disposições da norma.
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II. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO DIREITO AUTORAL
GUIA RÁPIDO SOBRE DIREITOS AUTORAIS
> dicas
1 deve ser original e expressa pelo autor 2 não precisa de registro 3 não precisa ser “arte” 4 ideia não é protegida
cria
AUTOR
OBRA
é a pessoa física que cria a obra
é a criação protegida pelo direito
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DIREITOS MORAIS
* protege aspectos da personalidade do autor * exemplo: créditos * autor não pode “vender” ou “abrir mão”
DIREITOS PATRIMONIAIS DE AUTOR
há duas categorias de proteção
> dica
a pessoa jurídica (PJ) pode ser titular de direitos autorais
2
* protege o direitos exclusivo de usar, usufruir e dispor
* podem ser negociados
* por isso, todo uso da obra deve ser autorizado pelo autor
DIREITOS CONEXOS
* interpretes e produtores fonográficos possuem
proteção sobres suas interpretações e fonogramas [gravações musicais], a proteção é semelhante aos direitos autorais mas ocorre pelos direitos conexos
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
QUEM SÃO OS AGENTES DO SETOR AUDIOVISUAL? ...E COMO ELES SE RELACIONAM NA INTERNET
ROTEIRISTAS: São os autores dos argumentos, escaletas e roteiros, os textos que darão origem à obra audiovisual.
A
PRODUTORA AUDIOVISUAL: São as empresas que efetivamente produzem a obra audiovisual, comprando os direitos sobre os roteiros, contratando equipe, alugando os locais de filmagem, fazendo as filmagens e assim por diante. As leis brasileiras possuem uma classificação e tratamento diferenciado para produtoras brasileiras e independentes.
T
EQUIPE TÉCNICA: É a equipe prestadora de serviços técnicos para a obra acontecer, como técnicos de iluminação e maquinaria, técnicos de som, assistentes de set, assistente de câmera, produtores executivos etc.
EQUIPE CRIATIVA: É a equipe que presta serviços de natureza criativa, de modo que suas contribuições são protegidas por normas de propriedade intelectual. São os diretores, editores e montadores de vídeo, compositores da trilha sonora, produtores de objeto e cenografistas, maquiadores etc.
P
PLATAFORMAS DE VÍDEO SOB DEMANDA TRANSACIONAL (TRANSACTIONAL VIDEO ON DEMAND - TVOD): Neste tipo de plataforma, o usuário paga apenas por aquele conteúdo que deseja assistir. O usuário pode “comprar” ou “alugar” apenas as obras de seu interesse, conforme as condições do serviço. É o caso do iTunes, Amazon’s video store e Google Play.
PLATAFORMAS DE VÍDEO SOB DEMANDA COM PUBLICIDADE (ADVERTISING VIDEO ON DEMAND - AVOD): São plataformas que oferecem o acesso gratuito a seu conteúdo, porém, há inserção de publicidade e propaganda entre a programação para monetização da atividade. É o caso do YouTube.
ASSOCIAÇÕES SETORIAIS: As associações são entidades representativas de cada grupo de agentes neste segmento. Estas costumam ser bastante atuantes em seus respectivos campos, seja na implementação de projetos e iniciativas privadas, seja na articulação com o poder público.
ELENCO: São os atores e atrizes que participarão da obra, tanto os principais, como secundários e figurantes.
EQUIPE ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA: É a equipe de apoio que ajuda nos aspectos administrativos, burocráticos e financeiros da obra, tais como contadores, advogados, gestores administrativos, gerentes de recursos humanos etc.
PODER PÚBLICO: Além de atuar regulamentando esta cadeia produtiva, o Estado também atua diretamente no financiamento e fomento à produção. Atualmente, o principal instrumento público é o Fundo Setorial do Audiovisual, gerido pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Alguns entes federativos também criaram suas próprias empresas estatais para atuar no segmento, como a RioFilme e SPCine.
DISTRIBUIDORAS: São as empresas que levam as obras até as empresas que farão a exibição para o público final (cinemas, canais de TV, tiragens em DVD, plataformas de streaming). Elas licenciam os conteúdos das produtoras para essas “janelas” de exploração. Atualmente, existem distribuidoras especializadas em distribuição para mídias digitais.
CRIADORES E PRODUTORES DE CONTEÚDO INDEPENDENTE: Assim, aqui não estamos tratando do conceito jurídico de produtor independente conforme regulamento da ANCINE. Estes produtores são muito associados às figuras dos “YouTubers”. São pessoas e empresas que normalmente produzem de forma mais ou menos informal e caseira, aproveitando especialmente os canais de AVoD como o YouTube.
EXIBIDORAS, CANAIS E OUTRAS MÍDIAS: O cinema, a “TV Paga”, a TV aberta, os meios de transporte e as mídias físicas (como DVDs) são as “janelas clássicas” da exploração de uma obra audiovisual. Normalmente, uma obra é lançada primeiro em uma mídia e depois segue para as demais.
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PLATAFORMAS DE VÍDEO SOB DEMANDA DE ASSINATURA (SUBSCRIPTION VIDEO ON DEMAND - SVOD): São as plataformas que oferecem acesso ao conteúdo a partir de um sistema de assinatura. O usuário paga uma mensalidade e pode ver quanto conteúdo quiser, normalmente, sem limitações. Esse é o caso do Netflix, Disney+, Prime Video, PlutoTv, entre outras.
SINDICATOS: Os sindicatos também atuam como articuladores com os diversos agentes do setor público e privado, além de buscar a implementação de determinadas regras de trabalho no setor. Por exemplo, durante a pandemia do COVID-19, os sindicatos buscaram estabelecer códigos de segurança para filmagens. 29
III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
MERCADO AUDIOVISUAL NA INTERNET
TV PAGA
TV ABERTA
VÍDEO DOMESTICO [DVD]
licencia
CINEMA
faz o roteiro que serve de base à obra
licencia a obra
PRODUTORA
colocam as obras no mercado
contrata
quem organiza e realiza a obra audiovisual
EQUIPE TÉCNICA
EQUIPE CRIATIVA
ELENCO
licencia
DISTRIBUIDORAS
VÍDEO SOB DEMANDA lançam direto
cede os direitos
ROTERISTA
pode fazer a obra sob encomenda e ceder diretamente
LOCAÇÕES YOUTUBERS
e outros produtores independentes
CONTADOR
SERVIÇOS EM GERAL
influenciam + articulam
ADVOGADOS
influenciam + articulam
SEGURO
ASSOCIAÇÕES SETORIAIS
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PODER PÚBLICO
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SINDICATOS
III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
COMO FUNCIONA O SETOR?
para atender a uma encomenda dessa mesma plataforma; nesse caso, em especial, tratamos da produção audiovisual sob encomenda. Seja qual for o caminho, uma obra audiovisual geralmente começa com um projeto de um criador. A partir dessa primeira idealização, há uma etapa de pré-desenvolvimento, na qual roteiristas produzem o argumento ou uma bíblia, documentos que trazem as primeiras diretrizes de como será o filme, a série, a minissérie etc. É muito comum que esse trabalho inicial possa ser financiado pela própria produtora ou pela plataforma de streaming, uma vez que o argumento ou bíblia irão dar mais concretude ao projeto e facilitará a decisão sobre o interesse no investimento. Depois disso é iniciada a etapa de desenvolvimento, com a escrita do roteiro em si. Em algumas situações, não há propriamente uma etapa de desenvolvimento em si porque os roteiristas já chegam com seus roteiros prontos para apresentar à produtora ou porque a depender da natureza da produção, notadamente a documental, a elaboração de roteiro prescinde de uma pesquisa mais complexa já realizada no contexto da produção propriamente dita. A produtora, por sua vez, vai buscar formas de financiamento da obra, por exemplo, através da associação com outras produtoras para coprodução, uso de leis de incentivo, aportes do Fundo Setorial do Audiovisual, venda para agentes privados, adiantamentos de recursos por distribuidoras, dentre outros caminhos. Com a captação dos recursos, a produtora vai contratar o diretor, o elenco e todos os demais profissionais que participarão da realização dessa obra. Durante esse processo, a produtora deve tomar alguns cuidados regulatórios estabelecidos pela ANCINE. Se a obra foi financiada diretamente pela plataforma de VoD, a produtora irá entregar o produto encomendado para esta explorá-lo em seu catálogo. Se a obra foi financiada por outras vias, provavelmente, a produtora irá contratar uma distribuidora, que será responsável por levar a obra às diversas janelas e, em determinado momento, para uma empresa de VoD - como falamos acima.
O setor audiovisual costuma se organizar a partir dos
diversos segmentos onde uma obra audiovisual pode ser explorada: cinema, TV paga, TV aberta, vídeo doméstico (mídias físicas como o VHS e DVD) e vídeo por demanda. Estas mídias costumam ser chamadas de “janelas” porque, tradicionalmente, uma obra começava sendo exibida nos cinemas e, depois de certo período de tempo, estava livre para ser explorada em outro meio. Gradativamente, alguns agentes como canais de televisão por assinatura e plataformas de streaming passaram a demandar conteúdos originais, ou seja, especialmente produzidos para serem exibidos nestas janelas. Isso fez com que o setor se organizasse para atender a essa nova configuração. Logo, um conteúdo pode chegar em um serviço de VoD por três caminhos. Primeiro, a obra pode já ter circulado em outras mídias e, depois dessas janelas, vai para a plataforma de streaming. Segundo, uma obra pode ter sido produzida com recursos próprios do produtor e a sua primeira venda se dá para uma janela de exibição do tipo VoD. Ou então, a obra audiovisual pode ter sido produzida especialmente
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
Segundo a Análise de Impacto Regulatório para o Vídeo sob Demanda (VoD), publicada pela ANCINE, “há cinco atividades essenciais identificáveis que fazem o fluxo de valor no VoD: produção, agregação, organização de catálogo, provimento e distribuição. [...] A produção dos conteúdos audiovisuais é a atividade de mais simples visualização, uma vez que envolve o processo de formação do valor primário dos conteúdos e entrega obras delimitadas, classificadas como protótipos por muitos analistas. [...] A atividade de agregação abrange um conjunto de serviços relacionados com a intermediação de direitos sobre os conteúdos. Sua função principal é maximizar a exploração da obra na janela de VoD, em especial da produção independente. [...] A organização de catálogo é a atividade que abrange desde a composição até a gestão dinâmica dos catálogos. Envolve o planejamento e modelagem do agregado de conteúdos a serem ofertados, pode passar pelo comissionamento, seleção e licenciamento das obras e responde pela gestão do calendário de lançamentos e do próprio portfólio. [...] O provimento diz respeito à oferta do serviço de VoD ao usuário. Congrega, assim, funções que se entrelaçam na geração de valor: primeiro, a oferta do serviço e do catálogo em si e a transação comercial com todas as funcionalidades propiciadas por televisores, computadores e internet; segundo, a constituição do canal particular do usuário, com a utilização dos dados fornecidos pelo comportamento do próprio espectador e das comunidades de audiência, crivados pelos destaques e eventuais negócios do provedor. [...] A atividade de distribuição, sob competência regulatória da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), engloba todos os serviços de infraestrutura que garantem a conexão dos usuários às redes de comunicação eletrônica com capacidade e sob os protocolos adequados ao transporte não linear de conteúdos audiovisuais.”1 Do ponto de vista dos consumidores, o acesso às obras audiovisuais no modelo de Vídeo Sob Demanda irá depender da modalidade praticada pela empresa (SVod, TVod e AVod), como mencionamos no tópico 34
anterior desta publicação. Ou seja, o consumidor pode acessar uma obra por meio da assinatura, normalmente, mensal; por meio de pagamentos específicos para cada obra (licenças temporárias ou download); ou gratuitamente, mas associado a propagandas periódicas. Evidentemente, trata-se de um segmento em constante transformação, de modo que os modelos de negócio e as tecnologias são constantemente revistas. Por exemplo, hoje já existem plataformas intermediárias que permitem a pequenas empresas hospedar seus conteúdos e criar seus próprios serviços de streaming. Desse modo, permite-se que novos agentes possam concorrer no mercado sem empregar altos investimentos na solução tecnológica dos acessos e pagamentos dos usuários. Também é importante lembrar que o setor audiovisual no meio digital tem uma forte tendência transmídia, ou seja, de conexão, interatividade e interlocução com outras formas de expressão que não a obra audiovisual em si. Desse modo, o consumo de um conteúdo audiovisual pode estar atrelado a histórias em quadrinhos, podcasts, jogos eletrônicos, cursos, gadgets, materiais educativos e assim por diante. Um dos serviços relevantes nesta área é o Catch-up TV, no qual programadoras de televisão oferecem seu conteúdo audiovisual originalmente transmitido em plataformas próprias de VoD. Nesse mesmo sentido está o AVoD, o qual parece ser cada vez mais explorado pelos tradicionais canais de televisão em sinal aberto. Isso porque, com o passar do modelo de televisão analógica para a digital, o processo de disponibilização de “sinal aberto” através de aplicativos dedicados ou sites dos canais de televisão concessionados sob a remuneração de publicidade (ora dirigida, ora simplesmente reprisada do sinal normal) tem se tornado cada vez mais comum. Vejam-se por exemplo as experiências de abertura de sinal, devidamente acompanhada pelas respectivas publicidades, de canais como Globo, Record, Bandeirantes etc. Devemos destacar ainda que os serviços de AVoD mais típicos, nascidos na própria rede, permitiram uma real democratização do acesso ao setor audiovisual,
1. AGÊNCIA NACIONAL DE CINEMA. Vídeo sob Demanda – Análise de Impacto Regulatório. Brasília: ANCINE, 2019.
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
QUAL A DIMENSÃO DESSE MERCADO?
multiplicando o número de agentes que trabalham com a produção de conteúdo audiovisual na internet. Basta observar quantos canais de YouTube de brasileiros surgiram nos últimos dez anos. Esta produção não é necessariamente formal ou organizada como o setor das produtoras. Muitos donos de canais produzem com equipamentos caseiros e sem grandes recursos financeiros, mas conseguem fazer grande sucesso com o seu público e rentabilizar o seu trabalho. Por fim, vale lembrar que nem toda produção audiovisual no meio digital é voltada ao entretenimento. Há um amplo mercado voltado a vídeos institucionais, publicitários, religiosos, educacionais, de auto-ajuda, políticos e demais propósitos diversos. Muitas produtoras, roteiristas e demais atores deste segmento se especializaram para atendimento a esse tipo de demanda. Evidentemente, tratamos de uma apresentação bastante resumida de como o setor funciona de modo geral. Nos tópicos seguintes sobre a agenda estratégica iremos verticalizar as questões específicas que foram objeto da pesquisa e mapeamento dos desafios setoriais.
O setor de vídeo por demanda tem crescido, mas a au-
2. https://oca.ANCINE. gov.br/sites/default/files/ repositorio/pdf/3001.pdf
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sência de dados públicos das operadoras de streaming dificulta o monitoramento. Em setembro de 2019, a Netflix assumiu já ter mais de 10 milhões de assinantes no país. Informações não oficiais dão conta que a plataforma já teria 25 milhões de assinantes no país em 2021. Os maiores prestadores de streaming por assinatura no Brasil são Netflix, Amazon Prime, Globoplay, Disney Plus, HBO GO, Telecine e Claro Video. Além disso, a Apple TV e a NOW funcionam como as maiores operadoras de streaming por transações avulsas. Em levantamento realizado pela ANCINE em 2018, existiam no Brasil 51 serviços de Vídeo Sob Demanda.2 Dados do Ibope mostram que a audiência do streaming é maior que da TV a cabo e, tomado de forma agregada, maior que todos os canais de TV aberta à exceção da Globo. De fato, a mudança no modelo de negócios, com a venda de canais avulsos na internet, e a oferta da internet 5G, prevista para julho de 2022 nas capitais brasileiras, deve acentuar a transferência da base de assinantes da TV por assinatura tradicional para
III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
AGENDA REGULATÓRIA
serviços de streaming, em diferentes modalidades e combinações. O crescimento do streaming e a aceleração da transformação de hábitos culturais gerada pela pandemia da COVID-19 também põe em questão a sobrevivência das salas de cinema como um mercado relevante em médio prazo. Pesquisas com consumidores apontam uma tendência de diminuição de frequência às salas de cinema. Como as salas de cinema são a primeira e mais lucrativa janela para os produtores e como há uma fragmentação no mercado de streaming, analistas fazem apostas diferentes sobre o futuro das salas. De um lado, aposta-se que a saída da pandemia gerará demanda crescente por entretenimento fora de casa; de outro, aposta-se que as plataformas ligadas a estúdios farão a opção por janelas mais curtas e de oferta direta pelo serviço de Premium VOD para alcançar o público que já se habituou a não sair de casa para consumir produtos audiovisuais. De fato, conforme a Análise de Impacto Regulatório para o Vídeo sob Demanda, realizada pela ANCINE, as despesas dos usuários com VoD ultrapassaram o cinema a partir de 2018 no mundo.3 Aliás, constata-se que os conteúdos audiovisuais já representam o maior volume de transmissão de dados na internet. Estima-se que só o Netflix seja o maior consumidor de banda-larga do mundo (cerca de 15%) do total.⁴ Neste sentido: Dentre os serviços de Vídeo Sob Demanda, o SVoD parece ser aquele de maior crescimento e expressão econômica. Por fim, vale observar que o crescimento do mercado de streaming se dá no contexto econômico de forte crescimento do mercado audiovisual como um todo. Apenas para fins de ilustração, o PIB do audiovisual corresponde, segundo dados atualizados até o ano de 2018, ao montante de R$ 26,7 bilhões no país.5
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3. Cf. ANCINE. Op. Cit. 4. Cf. TECMUNDO. Netflix é a maior consumidora de internet banda larga do mundo. Matéria publicada em 12/10/2018. Disponível em: https://www.tecmundo. com.br/minha-serie/164692netflix-e-a-maiorconsumidora-de-internetbanda-larga-do-mundo.htm. 5. Fonte: ANCINE. 1. Banco Central do Brasil - em R$ correntes; 2. Ministério do Trabalho e Previdência Social; 3. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - Dólar comercial para compra: taxa média anual. 4. Apenas os registros de Pessoas Jurídicas, disponível em <https://oca.ANCINE.gov. br/mercado-audiovisualbrasileiro> acessado em 24/07/2021.
A) INSTITUIR O MARCO REGULATÓRIO DO VÍDEO SOB DEMANDA
Com exceção do Vídeo sob Demanda, todas as demais janelas possuem algum grau de regulação e política pública voltadas, especialmente, à garantia de acesso da população às obras brasileiras. A Lei n.º 12.485/11, por exemplo, que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado (“SeAC” ou “TV Paga”), conseguiu aumentar significativamente a presença de conteúdo nacional na programação e dinamizar a produção brasileira. Desse modo, há uma preocupação em dar um tratamento isonômico entre as janelas, assegurando a presença de obras audiovisuais brasileiras nas plataformas de VoD. Um levantamento feito pela ANCINE em 2017 mapeou 52 diferentes tipos de serviços de VOD no Brasil, entre gratuitos, por assinatura, transacionais e vinculados a serviços de TV Paga. O mercado cresce numa velocidade surpreendente, com características similares no que toca a fruição de conteúdo por usuários de internet, porém sem qualquer regulamentação prevista no Brasil. 39
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Desde 2013, a ANCINE e entidades do setor debatem a regulação do VOD no Brasil. Porém, somente em março de 2015, a ANCINE publicou em sua agenda regulatória para o biênio 2015/16 a ação de “regular a atividade, com revisão dos critérios para a cobrança da CONDECINE nacionais e do conteúdo brasileiro nesses segmentos de mercado, trazendo temas importantes como a cobrança de Condecine sobre serviços de VOD”.
lecomunicações e o Marco Civil da Internet, ressalvadas as questões relacionadas à neutralidade de rede que o afeta diretamente. Segundo o entendimento do CSC, o VOD é “(a) um serviço de comunicação de conteúdos audiovisuais; (b) organizado em catálogo; (c) ofertado ao público em geral ou a assinantes; (d) de maneira não linear; (e) por meio de redes de comunicação eletrônica, dedicadas ou não; f) com finalidade comercial, sendo remunerado diretamente pelo usuário (por meio de compras avulsas ou assinatura) e/ou por venda de espaço publicitário, e (g) implica responsabilidade editorial do provedor, referente à seleção, organização e exposição dos conteúdos nos catálogos”. O documento ressalta o perfil abrangente e diversificado deste segmento e aponta a importância de “considerar a conveniência de instituir obrigações específicas de acordo com cada perfil e porte econômico” das empresas, que, ainda segundo o CSC, devem disponibilizar informações ao órgão regulador. O Conselho também apontou para a necessidade de cotas, de investimento dos provedores em produção ou licenciamento de conteúdos nacionais e garantia de proeminência ou destaque visual de obras brasileiras. Por fim, há a sugestão de que seja revisto o modelo tributário de arrecadação da CONDECINE, observando aspectos dos resultados econômicos de cada prestador de serviço. O documento do CSC encontrou ressonância na Notícia Regulatória publicada pela ANCINE no final de 2016, que apontou quatro pilares para a regulamentação do VOD: busca da ampliação da diversidade na oferta de conteúdos audiovisuais; segurança jurídica; isonomia entre os agentes econômicos; e desenvolvimento dos serviços e da economia audiovisual do país. A Notícia Regulatória diferenciou “Serviços de Vídeo sob Demanda” de “Plataformas de Compartilhamento de Conteúdos Audiovisuais”, aplicando sobre elas diferentes entendimentos do que deveria ser regulado. No primeiro grupo estariam serviços como os oferecidos pela Netflix e Now e no segundo plataformas como o Youtube (excluindo os conteúdos de catálogo). Ainda de acordo com a Nota Regulatória, para os primeiros poderiam recair obrigações
O que é a CONDECINE? A Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE) é um tributo incidente apenas sobre as atividades audiovisuais. Sua receita é aplicada integralmente no próprio setor - sem considerar as transferências motivadas pela Desvinculação de Receitas da União (DRU). Hoje a CONDECINE é paga por três motivos: exploração comercial de obras audiovisuais em cada um dos segmentos de mercado (salas de exibição, vídeo doméstico, TV por assinatura, TV aberta e outros mercados) (CONDECINE Títulos); pela prestação de serviços de telecomunicações que utilizem conteúdos audiovisuais (CONDECINE Teles); e pela remessa ao exterior de importâncias relativas a rendimentos decorrentes da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas, ou por sua aquisição ou importação (CONDECINE Remessa). Uma das grandes discussões envolvendo o marco legal do VoD no Brasil é justamente a incidência de uma CONDECINE para esse segmento - hoje não tributado na modalidade.
Em dezembro de 2015, o Conselho Superior de Cinema (CSC) publicou o documento “Desafios para a Regulamentação do Vídeo Sob Demanda”, que consolidava sua visão sobre um marco regulatório do serviço de vídeo sob demanda. Embora o cenário tenha apresentado já diversas mudanças nos últimos 6 anos, vale a pena detalhar alguns de seus aspectos que abordaram de maneira direta os principais desafios da regulamentação do VOD que seguem em pauta até os dias de hoje. Um primeiro aspecto é a definição das características do VOD, diferenciando-o de serviços de provimento de internet, regulados pela Lei Geral de Te40
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
visual sob demanda, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE e dá outras providências”. Ainda em 2017, a mudança na direção do Ministério da Cultura e da ANCINE alterou o rumo do debate regulatório sobre o VOD e, no Conselho Superior de Cinema, passou a prevalecer a visão de liberdade econômica. As discussões feitas à época privilegiavam o desenho do modelo de cobrança da CONDECINE e medidas leves de promoção do conteúdo brasileiro. Enquanto o debate regulatório sobre o VOD seguiu na agência, órgãos ministeriais e no Congresso Nacional, ainda em 2018, uma operação no mercado atropelou a regulamentação da Lei do SeAC. Após a fusão da gigante de telecom AT&T, que controla a operação da SKY no Brasil, com a também gigante Time Warner, distribuidora e produtora de conteúdo, houve um primeiro movimento dos órgãos reguladores brasileiros no sentido de frear a operação no Brasil, uma vez que a junção das empresas fere diretamente a restrição à propriedade cruzada prevista na Lei do SeAC. No Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) a fusão foi aprovada, mas com restrições. As empresas deveriam permanecer separadas no Brasil, a Time Warner deveria oferecer seus canais a todas as demais operadoras e a SKY deveria transmitir conteúdos de outras empacotadoras e programadoras. O primeiro movimento da Anatel foi no sentido de coibir a operação. Por meio de uma medida cautelar ainda em 2017, a agência paralisou a operação de compra no Brasil. Na época, a ANCINE divulgou comunicado na mesma linha, apontando que a fusão fere a limitação de propriedade estabelecida pela Lei do SeAC. A partir do ano de 2019, o posicionamento de todos os órgãos reguladores mudou radicalmente. Apesar de potencialmente violar as regras previstas na Lei do SeAC, Anatel e ANCINE aprovaram a fusão das empresas, convergindo com o movimento de demanda de flexibilização do SeAC que ganhou força no Congresso Nacional, principalmente com a apresentação do Projeto de Lei 3.832 de 2019. O PL citado propõe eliminar as restrições à
como o carregamento de canais e conteúdos brasileiros e independentes, o que não seria uma obrigatoriedade para os demais. Após a Consulta Pública, que recebeu 58 comentários de 27 agentes privados, a ANCINE consolidou, ainda em maio de 2017, um Relatório sobre o processo. De maneira geral, o Relatório mantinha a essência do debate construído até então no âmbito do Conselho Superior de Cinema, recomendando a regulamentação por meio de lei, mantendo em separado a regulação sobre a radiodifusão, do SeAC, e atribuindo regras distintas entre as “Plataformas de Compartilhamento de Conteúdos Audiovisuais” e os Serviços de Vídeo sob Demanda. Esses deveriam, como já vinha sendo debatido, ser incorporados às exigências de compartilhamento e visibilidade de conteúdo brasileiro e independente, investimento na produção e licenciamento, além da contribuição ao setor por meio de uma CONDECINE específica, baseada no porte econômico de cada grupo ou empresa. Sempre houve divergência dos agentes envolvidos em relação à regulação do VoD. Por um lado, produtores independentes e canais de TV brasileiros demonstram preocupação quanto à sobrevivência dos conteúdos nacionais e independentes, trazendo a regulação de países europeus como exemplos que devem ser seguidos. Já operadores de TV por assinatura e de telefonia temem que a regulação atrapalhe o desenvolvimento do mercado. Os agentes econômicos que oferecem diretamente o serviço são contra qualquer tipo de regulação. De qualquer forma, até meados de 2017 os debates institucionais caminhavam na direção de regular o provimento de conteúdo no sentido de munir a agência reguladora de informações, incorporar esses agentes ao modelo tributário de acordo com o perfil e aplicar cotas, mecanismos de visibilidade e obrigações de investimentos similares às que hoje vigoram na Lei do SeAC. Essas dimensões aparecem no Projeto de Lei n.º 8.889/2017 que dispõe “sobre a provisão de conteúdo audiovisual por demanda (CAvD) e dá outras providências” e também no Projeto de Lei do Senado n° 57, de 2018 com conteúdo bastante similar que “dispõe sobre a comunicação audio42
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concentração da propriedade entre prestadoras de serviços de telecomunicações. A ANCINE publicou, em setembro de 2019, a Análise de Impacto Regulatório para o mercado de vídeo sob demanda. O entendimento da ANCINE, a partir deste novo documento, difere em alguns aspectos do posicionamento expresso pela agência em 2016. No documento, a ANCINE defende uma regulação e tributação baseada na assimetria tributária e de mercado das prestadoras de serviço. Há consenso no que toca a assimetria regulatória entre os serviços de acesso condicionado, fortemente regulados pela Lei do SeAC e os serviços de vídeo por demanda, totalmente desregulado, mas as posições dos diferentes setores são bem divergentes e uma saída negociada está longe do horizonte. De um lado, a produção nacional e independente luta pela valorização da cultura nacional e pela pluralidade de conteúdos no audiovisual, dependentes tanto das cotas nos canais e, futuramente, nos catálogos, quanto do financiamento via CONDECINE-Teles e, se aprovada, a CONDECINE-VOD. Plataformas e outros operadores de serviço de vídeo por demanda, por sua vez, são contrários a uma regulamentação do VoD, enquanto operadoras de telefonia travam batalhas para desregulamentar a Lei do SeAC, que também tem o apoio dos conglomerados estrangeiros de conteúdo. Até a pacificada cota de tela do cinema tem sido, na atualidade, alvo da desregulamentação, muito embora em posicionamento recente do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário (RE) 627432 e no RE 1070522, com repercussão geral (Temas 704 e 1013), tenha reafirmado a constitucionalidade tanto da cota quanto do modo de sua previsão, através de Medida Provisória regulada por Decreto. Do ponto de vista legislativo, a Comissão de Cultura aprovou um projeto de lei apresentado pelo deputado Paulo Teixeira, com relatório da deputada Benedita da Silva, que passou à Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Nos termos em que foi aprovado nesta Comissão, o projeto prevê, entre outros pontos: 44
O investimento obrigatório de pelo menos 10% do faturamento bruto do ano anterior em conteúdos brasileiros, sendo pelo menos metade desse valor para produção brasileira independente e pelo menos 10% investido em produtoras vocacionadas para a produção de conteúdo identitário. Obrigação de destaque e proeminência para conteúdo brasileiro. CONDECINE com alíquota progressiva, chegando a até 4% no caso de empresas com faturamento maior que R$ 300 milhões. Possibilidade de descontar 50% da CONDECINE devida para investimento em obras brasileiras e brasileiras independentes.
No momento do fechamento desta publicação, o projeto encontrava-se em tramitação na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Vale destacar que, a despeito de eventuais posicionamentos políticos ou decorrentes de gestões governamentais pontuais, a necessidade de regulação específica e, assim se espera, por via de Lei é fundamental para evitar a exploração do mercado por eventuais players em prejuízo do desenvolvimento nacional do setor. Com efeito é de se esperar que iniciativas de preservação de uma atuação equilibrada dos players não bloqueiem ou condicionem a entrada de produtoras nacionais em prol de conteúdo originado de países estrangeiros. Felizmente a natureza mais democrática do VOD certamente há de permitir que a capacidade de regulação jurídica mantenha o mínimo de regulamentação esperada para o desenvolvimento do conteúdo nacional sem prejuízo do investimento privado. AGENDA:
Retomar o andamento do projeto de lei e instituir o marco legal do Vídeo sob Demanda no Brasil. 45
III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
B) A PROPRIEDADE INTELECTUAL
que esta presta para a obra audiovisual ser realizada. Uma destas rubricas costuma ser chamada de “Taxa de Administração”, justificada pela gestão administrativa, financeira e jurídica do projeto, sendo calculada com base em 3% a 10% do orçamento de produção. Este modelo de financiamento deve ser discutido considerando o estado atual das políticas de audiovisual no Brasil. Com as sucessivas paralisações da Agência Nacional de Cinema (ANCINE) e a retenção dos aportes do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), os caminhos de custeio de projetos nacionais reduziram-se imensamente. Essa situação coloca uma pressão econômico-financeira nas produtoras, que precisam continuar a venda e a realização de projetos para pagar suas operações. Logo, sem muitas alternativas de financiamento, as produtoras iniciam as tratativas com plataformas de streaming em posição econômica desigual. Em outras palavras, ou aceitam as condições ofertadas, ou não há filme, série etc. Essa desigualdade de poderio econômico é refletida nos contratos que, muitas vezes, tutelam apenas os interesses desses agentes financiadores. A produtora não apenas assume o risco da produção, como acaba aceitando uma série de garantias exigidas pelas plataformas, como a devolução integral do orçamento investido em determinadas situações e multas por descumprimento de prazos e metas de entrega. Um ponto que merece ser destacado é o fato de que a produtora, como uma encomendada do projeto audiovisual, também se responsabiliza em nome próprio com todo o processo de contratação dos fornecedores. Em outras palavras, ao ser mera encomendante, a plataforma se imuniza de efeitos deletérios decorrentes de cenários econômicos ou contingências produtivas que podem gerar a quebra de contratos. Além disso, para viabilizar a operação (a transferência da propriedade intelectual para a plataforma), a produtora também deve obter a cessão de direitos total e irrestrita de todos os participantes da obra audiovisual. Isso significa que os criadores e roteiristas que idealizaram e desenvolveram o projeto também estarão obrigados a ceder suas contribuições, sem uma garantia de
As produtoras audiovisuais brasileiras podem buscar o financiamento de seus projetos de diversas formas: leis de incentivo fiscal, editais públicos, adiantamentos feitos por distribuidoras, financiamentos públicos ou privados, dentre outros modelos. Um dos possíveis caminhos é justamente a “venda do projeto” para uma plataforma de streaming. Normalmente, esse processo ocorre da seguinte forma. A produtora possui um ou mais projetos de filmes, séries, mini-séries ou outras obras dessa natureza; e leva esse catálogo para uma apresentação junto à plataforma de streaming (momento conhecido no setor como “pitching”). Caso haja interesse, a produtora e a plataforma começam as tratativas sobre os diversos aspectos relevantes da produção: orçamento, elenco e principais talentos, formato da obra, prazo para realização e assim por diante. Um dos pontos mais delicados dessas negociações é a titularidade sobre os direitos patrimoniais de autor sobre a obra. Como as plataformas de streaming costumam custear o orçamento da produção, estas adotam um modelo chamado de “buyout” e/ou “work-for-hire”, que nada mais é do que a compra ou trabalho sob encomenda. Essa modelagem na realidade gera uma inversão no que se refere à titularidade da propriedade intelectual da produção. Ou seja, a produtora, ainda que original detentora dos elementos criativos, vende antecipadamente tais elementos à plataforma. A partir daí, a plataforma, como nova titular, contrata a produção audiovisual sob encomenda perante a mesma produtora com liberdade para explorar essa entrega em quaisquer modalidades e sem quaisquer limitações - inclusive, poderá fazer adaptações e continuações sem necessariamente contar com a participação da produtora brasileira. Como o modelo de contratação é o da produção por encomenda, a remuneração da produtora normalmente é feita através de uma ou mais rubricas dentro do orçamento de produção, ou seja, através dos serviços 46
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
C) REPENSAR OS CRITÉRIOS DE PRIMEIRA JANELA
que participarão de novos projetos envolvendo a obra e, em muitos casos, sem receber novas receitas a partir de novas explorações de seu trabalho. Tem-se notícia de que as associações setoriais de agentes brasileiros estão debatendo possíveis caminhos de resistência e ampliação das condições contratuais nestas negociações. Porém, entende-se que o Poder Público pode ter um papel importante na instituição de diretrizes ou patamares mínimos que permitam aos agentes nacionais maior poder de negociação, em especial, através da retenção da titularidade dos direitos sobre as criações e do poder dirigente sobre as obras audiovisuais.
O setor do audiovisual se organiza economicamente a partir de uma lógica de “janelas”, que se referem a cada mídia ou meio de comunicação nas quais uma obra audiovisual pode ser explorada. São exemplos de janelas as salas de cinema, a TV aberta, a TV fechada, o Vídeo sob Demanda, os meios de transporte e assim por diante. A cada janela que a obra é exibida, há uma tendência de “perda de valor de mercado”. Afinal, se um filme já passou pelo cinema, pela TV Paga, pelo streaming, por exemplo, há uma tendência de menor audiência e interesse quando for para um canal de TV aberta. As políticas de financiamento e fomento da ANCINE se baseiam nessa lógica de janela para dar diretrizes de como deve ser distribuída a obra. A título ilustrativo, um edital de financiamento do Fundo Setorial do Audiovisual pode exigir que os filmes contemplados sejam exibidos, necessariamente, em uma primeira janela no cinema. Ocorre que, hoje, tais políticas não reconhecem a possibilidade de se trabalhar a internet como primeira janela de obras incentivadas. Isso cria o risco de isolar as políticas de fomento dos processos mais atuais e dinâmicos do setor, que não necessariamente consideram as salas de cinema como ponto de partida. Basta refletir que uma plataforma de streaming pode querer o ineditismo sobre o lançamento daquele conteúdo, de modo que a obrigatoriedade de uma janela anterior faz com que este material perca valor no mercado. Além disso, a imposição de uma primeira janela específica, por vezes, desconsidera vocações específicas de determinadas obras, gêneros e formatos, que poderiam fazer mais sucesso em outras janelas. Vale lembrar que o crescimento do streaming e a aceleração da transformação de hábitos culturais gerada pela pandemia põe em questão a própria sobrevivência das salas de cinema como um mercado relevante em médio prazo. Pesquisas com consumidores apontam uma tendência de diminuição de frequência
AGENDA:
Retomar o funcionamento dos instrumentos públicos de financiamento, diversificando os modelos de negócio dos agentes nacionais, e debater caminhos de retenção dos ativos de propriedade intelectual e do poder dirigente sobre as obras audiovisuais brasileiras com atores nacionais.
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
D) O PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO PELA COMUNICAÇÃO
às salas de cinema. Como as salas de cinema são a janela mais lucrativa para os produtores e há uma fragmentação no mercado de streaming, analistas fazem apostas diferentes sobre o futuro das salas. De um lado, aposta-se que a saída da pandemia gerará demanda crescente por entretenimento fora de casa; de outro, aposta-se que as plataformas ligadas a estúdios apostarão em janelas mais curtas e de oferta direta pelo serviço de Premium VoD para alcançar o público que já se habituou a não sair de casa para consumir produtos audiovisuais. É importante esclarecer que um dos grandes desafios do mercado audiovisual brasileiro é a escassez de janelas de exibição e programação de obras. Como já mencionado, a sala de cinema é a janela que pode viabilizar a maior rentabilidade para o produtor, mas o baixo número de salas por habitante (especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste), o peso dos mega lançamentos e a falta de empenho do governo em publicar e fiscalizar a cota de tela cria dificuldades para as produções brasileiras. Além disso, o tempo que os filmes ficam em cartaz diminuiu consideravelmente nos últimos anos. No último período, a pandemia acentuou as dificuldades de público nas salas de cinema. Hoje, a questão da obrigatoriedade de exibição em certa janela específica para obras financiadas com recursos públicos é objeto de regulamentação infralegal. Em outras palavras, a revisão desse modelo se dá no âmbito regulatório da Agência Nacional de Cinema.
PÚBLICA DE OBRAS
Os direitos autorais garantem ao seu titular o direito exclusivo de exploração das suas obras. Isso significa que se alguém quiser usar uma criação de outra pessoa, deverá obter a respectiva e prévia autorização - conforme tratam os artigos 22, 28 e 29 da Lei n.º 9.610/98. Uma das formas de utilização prevista em Lei é a comunicação ao público, que é o “ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e que não consista na distribuição de exemplares” (artigo 5º, inciso V, da mesma Lei). Seguindo a regra geral mencionada acima, a Lei de Direitos Autorais diz que: “sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas” (artigo 68). As execuções públicas, por sua vez, são “a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica” (§ 2º). Já os locais de frequência coletiva são todos aqueles nos quais se representem, executem ou transmitam as obras, como cinemas, bares, lojas, dentre outros (§ 3º). Desse modo, a título de exemplo: caso alguém queira tocar uma música em um evento, deve antes obter as autorizações. Contudo, sabe-se que seria muito difícil para cada autor e demais titulares das músicas e gravações conseguir fiscalizar todos os lugares ao mesmo tempo. Por isso, estes organizam-se por meio de associações civis sem fins lucrativos, que, por sua vez, se unem em torno o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). Esse modelo de organização é referendado inclusive na própria Lei 9.610/98 (artigos 68 e seguintes, e 97 e seguintes). Contudo, diferente do setor da música, que já é bastante conhecido e organi-
AGENDA:
Articular a revisão dos critérios de primeira janela para políticas públicas e incluir a possibilidade de licenciamento para Vídeo sob demanda e demais janelas semelhantes, conforme o caso.
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
E) CRIAÇÃO DE UMA FILM COMISSION NACIONAL
zado há muitos anos, o setor do audiovisual ainda não está formalmente estruturado para criar um sistema de arrecadação. Em 2018, o Ministério da Cultura havia habilitado três entidades para atuar na gestão coletiva de direitos autorais no campo do audiovisual: a Interartis Brasil, que representa os intérpretes de televisão, vídeo ou cinema; a Diretores Brasileiros de Cinema e do Audiovisual (DBCA); e a Gestão de Direitos de Autores Roteiristas (GEDAR). Porém, logo no ano seguinte, a Secretaria Especial de Cultura, atendendo às pressões de outros segmentos como o de exibição, suspendeu a decisão. Nesse sentido, tais entidades ainda não podem exercer efetivamente a cobrança. Na prática, a regularização da gestão coletiva dos direitos autorais permitiria que artistas, diretores e roteiristas fossem remunerados por cada execução pública de obras audiovisuais. Isso possibilitaria uma receita adicional por suas participações nos filmes, séries etc., além do cachê e licenciamentos de direitos. Contudo, como a cobrança seria feita especialmente sobre cinemas, canais de televisão, plataformas de streaming e outros agentes responsáveis pela execução pública de obras (comunicação ao público), impõe-se um desafio político-econômico de equalização de interesses e direitos.
A filmagem e realização de uma obra audiovisual podem trazer alguns impactos interessantes para a localidade que receber a produção: o território pode se tornar atração turística, há geração de emprego e renda local, constata-se um aumento na arrecadação tributária, entre outras possíveis externalidades positivas. Por tais motivos, muitos governos no mundo buscam desenvolver políticas de atração de produções internacionais. Normalmente, tais políticas são conduzidas por um órgão ou escritório de natureza pública denominado “film comission”. A film comission pode atuar na atração de produções internacionais de diversas formas: facilitar a importação de equipamentos e liberação de vistos; centralizar e administrar procedimentos de alvarás de filmagens em locações públicas; participar de eventos internacionais para divulgar as vantagens de se filmar no país; e manejar políticas de incentivo à atração como, por exemplo, o cash rebate, que oferece abatimentos tributários ou reembolsos dos recursos da produtora feitos no local. Algumas film comission articulam, inclusive, a formação de coproduções com produtoras locais. Atualmente, o Brasil não possui uma política federal institucionalizada e estruturada para atração de produções internacionais. Pelo contrário, nota-se uma burocracia que impõe dificuldades à entrada de equipamentos e materiais cenográficos, além de um sistema tributário que gera casos de bitributação e inibe a participação das produtoras brasileiras no processo. Isso também faz com que não haja um sentido planejador e estratégico de articulação entre as film comissions já estabelecidas por outros entes da federação (Bento, Amazonas, Bahia, Balneário Camboriú, Garibaldi, Minas, Ribeirão Preto, Rio, Santos e São Paulo). A criação de uma film comission pode ocorrer por diversas modelagens jurídicas, inclusive dentro ou fora de alguma estrutura já pré-existente, como a ANCINE. Além disso, a agenda regulatória dependerá do tipo de competências e políticas que serão atribuídas à
AGENDA:
Retomar o debate sobre a habilitação de entidades para gestão coletiva de direitos autorais no campo do audiovisual. Os artigos 68 e seguintes, bem como 97 e seguintes, podem ser objeto de aprimoramento legislativo, de modo a reforçar a viabilidade jurídica da cobrança, se for o caso.
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
F) POLÍTICAS AFIRMATIVAS E DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL
film comission. Por exemplo, caso seja instituído o cash rebate com algum tributo de competência federal, há necessidade de reformulação de normas tributárias.
O Brasil ainda possui um sério problema de desigualdades na produção, tanto em critérios raciais quanto de gênero e região. Embora haja um conjunto de produções relevantes realizadas por negros, por mulheres e em todo o país, a quantidade é proporcionalmente pequena (especialmente no caso de produtores negros) e fruto de esforço individual contra barreiras estruturais arraigadas. O Brasil ultrapassou as diversas ondas de produção audiovisual sem que se tenha consolidado no país um campo audiovisual negro. Embora haja um conjunto de produções relevantes realizadas por negros, ela se demonstra quantitativamente pequena e a essas barreiras se somam outras, como as de gênero. É verdade que o cenário vem se transformando aos poucos. A título exemplificativo, num esforço de reunir produções realizadas por negros e negras, a plataforma Afroflix reuniu cerca de 300 obras, a grande maioria curtas metragens e pequenos vídeos. Jovens realizadores/as têm aumentado a quantidade de obras produzidas e inicia-se um processo de maior sensibilização dos agentes públicos e privados para a importância de ampliar a produção e circulação do audiovisual negro. Entretanto, a desigualdade se expressa de forma evidente nos números sobre a produção cinematográfica no país. A ausência de diversidade de gênero e raça entre os produtores é sintoma de um conjunto de questões estruturais e da ausência de políticas afirmativas significativas nas políticas públicas. Pesquisa do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa - grupo de pesquisa dedicado ao estudo das ações afirmativas, do IESP-UERJ) mostra que, das obras de longa metragem produzidas/lançadas entre 2004 e 2014, 80% têm como realizadores homens brancos, 14% são mulheres brancas, 2% são homens negros e 0% são mulheres negras. Na análise da ANCINE sobre filmes lançados em 2016, constatou-se que 71% dos profissionais das fun-
AGENDA:
Criação de uma film comission nacional para atração de produções internacionais, articulação de coproduções brasileiras e divulgação da produção nacional no exterior.
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
ções de direção, roteiro, produção executiva e atores/ atrizes são brancas, e 8% são pretas ou pardas. Em relação à desigualdade de gênero, dados da ANCINE sobre os lançamentos entre 2014 e 2017 mostram forte prevalência de homens nas funções de direção, roteiro e direção de fotografia, com um cenário um pouco mais equilibrado em produção executiva e prevalência de mulheres em direção de arte. Já em relação a empregos formais em produtoras e concluintes em cursos de audiovisual há ligeira prevalência de mulheres, o que evidencia que não há problema de disponibilidade de mão-de-obra qualificada. Os dados mostram estabilidade no cenário de desigualdade, o que reforça a necessidade de ações afirmativas para corrigi-las. Também à frente das câmeras o problema é evidente. O cinema brasileiro tem histórico de representação muito fundado em estereótipos e em uma perspectiva racista. O mesmo GEMAA produziu estudo sobre Gênero e raça nos filmes nacionais de maior público (1995-2014), buscando avaliar o conteúdo dos filmes mais vistos a cada ano. As conclusões principais apontam uma “severa sobrerrepresentação de homens e de brancos nos blockbusters brasileiros”. Mais do que isso, o papel conferido a negros e negras segue sendo associado a marcas da desigualdade. O quadro na televisão não é diferente, embora tenha havido recentemente importantes marcos de maior protagonismo. Levantamento do GEMAA sobre as telenovelas exibidas entre 1985 e 2014 mostra que houve apenas 8,8% atores ou atrizes não brancos. Embora o quadro de representação venha melhorando, o crescimento é muito lento. O quadro dos últimos cinco anos do levantamento é de 12%, ainda bastante tímido. Em suma, vive-se um momento de evidência do quadro de desigualdade, potência de realizadores negros e negras para transformá-lo, mas ausência de condições objetivas e suporte para que esta transformação se efetive.
quatro estratégias para fortalecer a presença do audiovisual negro no Brasil: fortalecimento da produção, apoio à organização dos produtores, apoio a atividades de formação e suporte, ampliação da visibilidade da produção no tocante a distribuição e programação e maior presença em mostras, festivais e eventos de divulgação pública no Brasil e no exterior. Abaixo são detalhadas cada uma dessas estratégias propostas. É preciso garantir que este conjunto de medidas esteja articulado e viabilize um desenvolvimento orgânico do setor. O planejamento específico dos financiadores deve se preocupar em compreender como organizar essas linhas para que elas respondam às necessidades imediatas em cada período e possam ajudar a alavancar a produção, circulação e acesso às obras audiovisuais produzidas por negros. Ressalte-se que aqui o foco é em propostas que destravem os gargalos de produção e realização audiovisual por negros e negras. Embora a temática negra seja também bastante relevante, este não é necessariamente o foco das propostas apresentadas. Essas duas abordagens não são de forma alguma excludentes, mas o quanto o investimento deve priorizar obras de temática negra é questão que fica em aberto para avaliação posterior. Em primeiro lugar, a ampliação de produção de longas-metragens e séries de televisão realizada por produtores negros e negras deve ser objetivo central política audiovisual brasileira. Isso se justifica por um cenário em que, ao mesmo tempo, não há volume relevante de produção deste tipo de obra, mas ao mesmo tempo já há um grande número de curtas-metragens realizados, o que demonstra potência presente, mas não realizada. A ênfase em longas-metragens e séries de televisão se justifica por serem estes os formatos de obras mais relevantes do ponto de vista cultural e econômico. Além disso, a realização deste tipo de obra representa um processo de formação e profissionalização dos realizadores. É fundamental também que os editais levem em conta estratégias de produção executiva e difusão, incluindo planos de negócio e estratégias de distribuição, circulação e visibilidade, para que as obras
Frente a este cenário em relação ao mercado e aos sistemas públicos de fomento, é possível delinear 56
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
tenham efetivamente o maior alcance possível. Esta estratégia deve também se preocupar em impedir uma competição desigual entre realizadores já consagrados e novos realizadores. Em segundo lugar, um aspecto central a ser levado em conta na estratégia é como viabilizar o fortalecimento de produtoras dirigidas por negros e negras. Tanto pela realidade do mercado, com longo ciclo de realização econômica dos produtos audiovisuais, quanto pelos critérios de acesso a fundos públicos, não é possível projetar um fortalecimento do campo a longo prazo sem algumas produtoras fortes. Embora possa se pensar neste fortalecimento como uma consequência natural do fortalecimento da produção, deve-se avaliar proposta específica nesta direção. O efeito positivo seria um fortalecimento consistente do setor e a possibilidade de grandes produtoras incubarem iniciativas de produtoras menos capacitadas e com menos possibilidade de pontuação nos editais públicos. Fato é que os dados explorados na seção mostram que as desigualdades são estruturais e não têm tido trajetória significativa de melhora. Esse cenário indica que se requerem ações afirmativas para que possa haver alterações significativas no quadro atual. É preciso levar em conta também que o fato de o audiovisual no seu formato tradicional ser uma atividade que demanda a formação de caixa significativo somado ao custo de transação de se relacionar com o Estado em políticas públicas de alta complexidade gera uma concentração da atividade em empresas e profissionais de perfil de elite. O mesmo cenário se repete em desigualdades regionais na produção de conteúdo audiovisual. A clara concentração de renda em algumas regiões do país, resulta em semelhante concentração de produtoras. Com notórias exceções em polos de excelência audiovisual localizados fora do eixo Rio/São Paulo, é necessária uma diversificação. Algumas iniciativas no âmbito do FSA, notadamente a elaboração de editais voltados a arranjos estaduais e regionais, podem contribuir muito na distribuição de produções. Outro ponto que merece 58
ser destacado nesse sentido é que com o avanço das plataformas como consumidoras da produção por encomenda, nada impede que, sem um planejamento adequado e centralizado, sejam iniciadas novas e desafiadoras guerras fiscais com o fito de atrair as produções e o capital investidor para determinadas regiões do país.
AGENDA:
Adoção de políticas públicas de afirmativas para o setor do audiovisual tanto no plano criativo quanto empresarial, agregada com a verificação de distribuição regional de produções no contexto do VoD, notadamente no que se refere à horizontalização regional.
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
G) OUTROS TEMAS DE INTERESSE MAPEADOS
Lei. Também os conceitos de ‘independente’ e ‘poder dirigente’ estão sob questionamento e podem impactar o cenário do fomento. Os radiodifusores querem que os canais ligados a eles possam ser considerados ‘independentes’, o que permitiria que eles recebessem recursos do Fundo Setorial do Audiovisual. Já o questionamento ao conceito de ‘poder dirigente’ viabilizaria o controle efetivo sobre o uso e a veiculação das obras por parte de distribuidores internacionais. Todas essas flexibilizações impõem desafios no processo de promoção do conteúdo brasileiro independente. Além disso, as cotas previstas na lei vencem em 2023.
Além dos tópicos apresentados anteriormente, há alguns assuntos e temas que não tratam exclusivamente do campo do Vídeo sob Demanda, mas que são importantes e relevantes para o desenvolvimento do setor audiovisual brasileiro como um todo. DESALINHAMENTO COM A AUDIÊNCIA: O fortalecimento de uma indústria audiovisual brasileira depende da consolidação da relevância das obras brasileiras junto ao público do país. Para isso ocorrer, é preciso que haja muitas obras circulando, de forma a induzir a cultura de assistir filmes e séries brasileiras nos cinemas e nas plataformas de streaming. Além disso, uma maior quantidade de obras em circulação amplia a chance de se atender aos diferentes gostos da audiência e criar conexão com a audiência. Isso perpassa, inclusive, a diversificação dos gêneros audiovisuais financiados por políticas públicas. Na comparação com a indústria da música, o baixo custo de produção e a abertura de espaços para veiculação de músicas brasileiras nas rádios ajudou a gerar um impulso análogo ao que deve ser buscado no audiovisual. O fechamento de espaços no mercado audiovisual cria empecilhos para esse processo.
EFEITOS DA PARALISAÇÃO DA ANCINE: A paralisação da agência desde 2018, além de ser em si grave, tem impacto direto nos objetivos das políticas públicas. A interrupção gera enfraquecimento das produtoras, perda de talentos artísticos e técnicos para outras atividades, e perda de terreno nas negociações com exibidores, canais e plataformas. A ausência de produtos brasileiros nas ‘prateleiras’ é uma consequência inevitável, com agravamento nos próximos anos, em função do longo tempo dos ciclos de produção. Além disso, há risco de a interrupção gerar diminuição permanente dos recursos repassados pelo Ministério da Economia e ampliar justificativas para ações jurídicas das empresas de telecomunicações contra o recolhimento da CONDECINE. FISCALIZAÇÃO E PRESTAÇÃO DE CONTAS: A pressão do Tribunal de Contas da União sobre a agência em relação aos processos de prestação de conta, com tomadas de conta especial e rejeições frequentes, impacta na própria política pública e nos agentes econômicos do setor. A insegurança jurídica e a imprevisibilidade afetam todos os que recebem recursos públicos, não apenas os diretamente fiscalizados. O processo corre o risco de criar uma perda de sentido da ANCINE e um ambiente de criminalização de centenas de produtores e talentos que afeta inclusive a capacidade desses produtores se relacionarem com empresas privadas.
AMEAÇAS À LEI Nº 12.485 E À SUA REGULAMENTAÇÃO: A lei que criou o Serviço de Acesso Condicionado passa por questionamentos em relação à sua atualidade que põem em risco avanços obtidos com sua aprovação. Um dos temas centrais é a obrigação de aplicar os parâmetros da lei à venda de canais lineares por meio de internet. Anatel e ANCINE aprovaram entendimento de que os canais avulsos podem ser negociados sem respeitar as cotas. As agências também aprovaram a fusão da AT&T com a Time-Warner, em operação que conflita com o artigo 5º da 60
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
DEPENDÊNCIA: Há riscos de as políticas públicas de fomento gerarem dependência em relação ao poder público. É preciso avaliar quais caminhos podem fortalecer as produtoras e distribuidoras brasileiras e ampliar a participação do capital privado nas obras brasileiras. É preciso ainda avaliar se o modelo de investimento retornável do Fundo Setorial do Audiovisual não vem inibindo parcerias do capital privado, seja por não estimular a inserção de recursos privados seja por estabelecer uma alta alíquota de retorno para o próprio FSA. Ademais, há um debate sobre a validade de separação das funções de regulamentação e fomento, hoje concentradas na ANCINE.
ALVARÁS DE MENOR: Hoje, o Estatuto da Criança e do Adolescente não deixa claro quando o alvará judicial é obrigatório para a participação de menores como elenco, ou ainda, para o uso de suas imagens em obras audiovisuais. Assim, mesmo produções de natureza documental ou sem fins lucrativos, que poderiam representar exceções à necessidade do alvará, acabam se sentindo inseguras sobre como se organizar pela falta de previsão legal. MECANISMOS DE APOIO E FOMENTO À PRODUÇÃO DE ANIMAÇÕES: As animações estão entre as maiores bilheterias do cinema e são um ativo importante para o setor no mundo. Diferente da obra feita com pessoas, a animação possui uma ampla capacidade de cruzar barreiras culturais. Porém, esta produção possui desafios próprios e não encontra uma política setorizada.
DESATUALIZAÇÃO DOS MECANISMOS DE RENÚNCIA FISCAL: Parte dos mecanismos de incentivos previstos na Lei do Audiovisual, como os artigos 1º, 1º-A e 3º tem perdido relevância por uma combinação de fatores, que vão desde os tetos de valor por obra até a ausência de empresas com lucro real disponíveis a colocar peso nas políticas de patrocínio por renúncia fiscal. A falta de atualização desses mecanismos diminui as possibilidades de financiamento das obras.
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ENFRAQUECIMENTO DAS POLÍTICAS INTERNACIONAIS: A descontinuidade de políticas internacionais como as de promoção feita pela Apex, os acordos Ibermedia e o apoio a festivais enfraqueceu a presença do Brasil no exterior. Há uma oportunidade de articulação entre os BRICS, de forma a buscar novas relações de parceria e ampliação do mercado de produção brasileira.
MARCO LEGAL PARA O SEGMENTO DE JOGOS ELETRÔNICOS: Os jogos eletrônicos são muitas vezes equiparados a obras audiovisuais, mas possuem uma lógica distinta de produção, circulação e consumo. Apesar de serem um segmento econômico bastante relevante, inclusive, maior que o próprio setor audiovisual tradicional segundo algumas estimativas, não possui uma política estruturada no Brasil, nem regulatória, nem de fomento. Uma das medidas pleiteadas pelo setor é a criação de um CNAE próprio, que permita um mapeamento mais adequado dos agentes e o desenvolvimento de políticas setoriais.
INCENTIVO À ARTICULAÇÃO ENTRE AGENTES NACIONAIS: O incentivo entre agentes nacionais, tais como produtores e distribuidoras, bem como com outros segmentos correlatos, tais como os games e a música, pode ajudar no posicionamento e fortalecimento de mercado da produção nacional
USO DO NOME E IMAGEM DE PESSOAS EM OBRAS AUDIOVISUAIS: O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4815, autorizou a publicação e exploração de obras biográficas. Porém, não chegou a discorrer em detalhes sobre o regime jurídico das obras audiovisuais de natureza documental 63
III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
ou ficcional, mas baseadas na vida de alguém. Desse modo, o setor ainda tem uma enorme insegurança jurídica sobre a possibilidade ou não de uso da imagem e nome de pessoas em filmes, séries etc. SIMPLIFICAÇÃO TRIBUTÁRIA DA CONDECINE: Conforme mencionamos anteriormente, a CONDECINE é recolhida em três modalidades distintas, com três fatos geradores, sistemáticas e alíquotas diferentes. O setor audiovisual discute a possibilidade de criação de uma contribuição única e uniforme. REGISTROS AUDIOVISUAIS DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL COLETIVO BRASILEIRO: A Lei n.º 13.123/15 regulamentou o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. O patrimônio histórico-cultural coletivo brasileiro, no entanto, não tem uma proteção específica em sentido semelhante que impeça, por exemplo, a sua apropriação indevida por não nacionais.
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III. AUDIOVISUAL NA INTERNET
IV. MÚSICA NA INTERNET
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IV. MÚSICA NA INTERNET
QUEM SÃO OS AGENTES DO CAMPO DA MÚSICA? ...E COMO ELES SE RELACIONAM NA INTERNET
SELOS: No Brasil, o termo “selo” ou “selo musical” é utilizado de forma não muito uniforme, podendo indicar empresas que atuam como gravadoras, editoras, administradoras de fonogramas e até agentes musicais da carreira dos artistas.
ARTISTAS: Os artistas no campo da música normalmente são divididos entre compositores e intérpretes, com base no tipo de proteção jurídica que eles terão no Direito brasileiro (Direito Autoral e Direitos Conexos).
ESTÚDIOS: Muitos artistas gravam suas músicas de forma independente e em estúdios locais. Esses estúdios funcionam de forma mais ou menos formalizada, prestando serviços de locação do espaço para ensaio e para gravações.
DISTRIBUIDORAS DIGITAIS: São empresas que atuam na inserção dos fonogramas nas plataformas digitais, bem como no recolhimento, gestão e repasse das retribuições pagas por estes serviços aos titulares de direitos autorais e conexos.
PRODUTOR FONOGRÁFICO: É o responsável pela gravação, mixagem e masterização dos fonogramas. O produtor fonográfico é o titular originário dos direitos conexos sobre essas gravações, ou seja, é ele que pode explorar e aproveitar economicamente este ativo.
ASSOCIAÇÕES DE GESTÃO COLETIVA DE DIREITOS E O ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO (ECAD): O ECAD é uma associação privada sem fins lucrativos que tem como objetivo atuar no recolhimento e distribuição das retribuições de direitos autorais e conexos pagos por aqueles que fazem a comunicação pública de obras musicais e fonogramas. O ECAD é formado por diversas associações, que por sua vez são integradas por diversos agentes do campo da música.
GRAVADORAS: São empresas focadas na exploração do segmento de gravação e exploração de fonogramas. Muitas vezes, estas fecham acordos de exclusividade com artistas para assegurar o retorno de seus investimentos na carreira e produção das gravações.
DIGITAL SERVICE PROVIDERS (DSPS) OU PLATAFORMAS DIGITAIS: São as empresas que exploram as obras musicais e fonogramas nos meios digitais. Basicamente, há dois modelos de negócio: o fornecimento via download (como iTunes e Amazon) e a transmissão via streaming (como Spotify, Apple Music, Deezer e Tidal). As redes sociais como Instagram, Facebook e Tik Tok também utilizam músicas de forma lateral. Os DSPs de venda direta representaram apenas 7,2% das receitas da indústria em 2019 e as receitas apresentaram queda de 15,3% em relação a 20186.
EDITORAS: As editoras são empresas especializadas na administração dos direitos autorais dos artistas, negociando a utilização das obras musicais no mercado e fazendo o devido recolhimento e repasse a cada titular.
6. Cf. INTERNATIONAL FEDERATION OF THE PHONOGRAPHIC INDUSTRY. Global Music Report: The Industry in 2019. IFPI, 2019. Disponível em:<https:// www.ifpi.org/wp-content/ uploads/2020/07/Global_ Music_Report-the_Industry_ in_2019-en.pdf>. 68
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IV. MÚSICA NA INTERNET
AGENTES DA MÚSICA NA INTERNET CADEIA DE DIREITOS
COMPOSITOR (AUTOR)
tem os direitos administrados pela
titular dos direitos autorais sobre a música
INTÉRPRETE (AUTOR)
titular dos direitos conexos sobre a interpretação
gravações
EDITORA
licenciam
administra e negocia os direitos autorais
PRODUTOR FONOGRÁFICO E GRAVADORAS
licenciam
DISTRIBUIDORAS E AGREGADORAS DIGITAIS
licenciam
faz os recolhimentos e repasses nas plataformas
titular dos direitos conexos sobre as gravações musicais (fonogramas)
autorizam a gestão coletiva dos direitos de execução pública
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licenciam
PÚBLICO
ECAD
como há um entendimento de que há execução pública, o ECAD faz recolhimentos
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autoriza a execução pública
PLATAFORMAS DE STREAMING (DSPs)
IV. MÚSICA NA INTERNET
COMO FUNCIONA O SETOR?
cado fonográfico, mas em novas bases tecnológicas e produtivas. Graças às mudanças no patamar tecnológico (que baratearam os custos de gravação), produtores fonográficos independentes, conhecidos como indies, dessas corporações passaram a se dedicar à atividade de gravação musical. O lançamento de novos produtos no mercado deixou de ser monopólio das chamadas majors, inaugurando uma fase de descentralização na produção musical, em que a relação entre majors e indies foi caracterizada mais pela complementaridade e interdependência (com divisão desigual do trabalho) do que pela oposição. A rigor, a taxonomia dos players do mercado da música é ponto muito complexo, devido à difusão da capacidade de produção e gestão de conteúdo associada à evolução tecnológica. Assim, ao lado das já citadas Majors, que são as gravadoras e editoras de grande porte, podemos citar as pequenas empresas e produtores fonográficos independentes (“Do it Yourself” - DIY), que lançam seus respectivos trabalhos sem estrutura comercial instalada. Vale o destaque para o fato de que essa classificação não se refere a gêneros musicais, mas às empresas pelas quais os artistas lançam e/ ou distribuem os fonogramas no mercado. A possibilidade de gravação digital e a distribuição dos fonogramas pela internet, na virada do século XX para o século XXI, fez com que essa indústria passasse por novo processo de reestruturação produtiva. Nesse cenário de desenvolvimento tecnológico e de rearticulação da economia da música, têm relevância o desenvolvimento dos smartfones, das redes 3G e 4G para telefonia celular e de softwares (chamados de players) de escuta musical sob demanda via internet. Essa modalidade de distribuição musical sob demanda via internet é chamada de streaming. No contexto do streaming, as formas de transmissão definem os tipos de serviços prestados e os tipos de “lojas” que vendem o serviço de música na internet. Há três principais tipos de Digital Service Providers (DSPs):
A economia da música passou por inúmeras transfor-
mações ao longo dos séculos. Até o século XIX a única maneira de se consumir música era através de apresentações ao vivo, e a única forma material de ter contato com a música era através da compra de partituras - as editoras eram as empresas que faziam o comércio desse suporte físico. Com o desenvolvimento tecnológico da era industrial, aparecem no mercado o fonógrafo e outros equipamentos capazes de gravar e reproduzir uma apresentação musical ao vivo. Desde então, as transformações tecnológicas passaram a ser o fio condutor dessa centenária indústria - a indústria fonográfica -, cujo funcionamento era centrado em empresas denominadas gravadoras. Na década de 1940, as principais gravadoras passaram a ser conhecidas como majors por sua capacidade de concentração de capitais e monopólio dos meios de produção. Essas mesmas empresas, especialmente Universal, Sony e Warner, mantêm-se até hoje no mer-
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IV. MÚSICA NA INTERNET
DSP
EXEMPLOS
Lojas de venda direta de fonogramas (download)
iTunes, Amazon
Plataformas de aluguel de fonogramas (streaming on-demand)
Spotify, Apple Music, Deezer, Tidal
Redes Sociais (uso lateral de música)
Instagram, Facebook, Tik Tok
Fonte: Daniela Ribas
Os DSPs licenciam fonogramas de titulares de direitos (ou seus mandatários) para disponibilizá-los on-demand para assinantes do serviço. Há as modalidades paga e a gratuita (paga por publicidade), que geram formas distintas de remuneração para os titulares de direitos que licenciaram seus catálogos para os DSPs. As músicas licenciadas estão disponíveis em cada um dos principais serviços de streaming, e o usuário tem acesso, muitas vezes, a um catálogo muito similar de músicas independentemente do serviço utilizado - o que não acontece no streaming de vídeo (cada uma das plataformas tem seu conteúdo original além dos filmes licenciados). A disponibilidade praticamente indistinta de conteúdo de um ou outro DSP gera um cenário um pouco diferente do que aquele visto no contexto do streaming audiovisual. Isso faz com que, no mercado do streaming musical, o foco pela captação do usuário se divida, por exemplo, entre a qualidade, a utilização de algoritmos mais ou menos precisos de indicação de preferência, o preço, a usabilidade da plataforma e a compatibilidade dos serviços. Outro aspecto a ser ressaltado é que, diferente do que se verifica no streaming audiovisual, há uma postura substitutiva entre a preferência por um DSP, ou seja, o usuário assina o DSP “X” ou o DSP “Y”, ao contrário do caso dos audiovisuais em que a assinatura pode ser cumulativa de mais de uma plataforma dada a 74
7. Disponível em: https:// www.midiaresearch.com/ reports/recorded-musicmarket-2020-pandemic-eragrowth 8. https://winformusic.org/
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variação de catálogos e o interesse do usuário em consumir conteúdo de catálogos distintos. No que se refere à setorização, também é possível promover um recorte com foco na compatibilidade, principalmente para plataformas mais ligadas a ecossistemas tecnológicos. Exemplos são Apple e Google, que possuem cada qual uma plataforma específica de conteúdos musicais mais afeita ao seu respectivo ecossistema. Nesse sentido o Spotify e outros DSPs atuam transversalmente disponibilizando acesso através de aplicativos funcionais em diversos dos ecossistemas. A qualidade da amostra de música, ou seja, a maior taxa de fidelidade do conteúdo é outro elemento que segmenta o mercado. Nesse sentido há plataformas que apostam em conteúdos que, embora compartilhem um catálogo mais ou menos comum, possuem altas taxas de Hz, ou seja, de fidelidade e qualidade sonora. É o caso, por exemplo, do TIDAL. Como já mencionado, a acessibilidade das novas tecnologias permitiu que surgisse um rico e pulsante cenário de artistas independentes e produtores, gravadoras, editoras e selos. O relatório MIDiA Research 2020 indicou que o número de artistas lançando música de forma independente cresceu 1/3 em 20207, um crescimento quatro vezes mais rápido do que as receitas gerais do mercado. Além disso, artistas independentes lançaram 8,5 vezes mais música em 2020 do que grandes gravadoras. Isso trouxe um aumento de receitas para artistas diretos (DIY). Por outro lado, a democratização do acesso aos meios de produção e distribuição geraram uma situação paradoxal, em que as receitas passaram a ser compartilhadas por um número cada vez maior de artistas e faixas. A produção de artistas e músicas está superando as receitas e o público. Assim, quanto mais bem-sucedidos forem os artistas diretos (DIY), menor será o valor médio da receita de streaming por artista e compositor. Com efeito, o mercado independente é mais numeroso e diverso em termos de quantidade de empresas, modelos de negócio e artistas. Dentre as organizações que representam os artistas independentes mundial-
IV. MÚSICA NA INTERNET
mente estão: a Worldwide Independent Network (WIN)8, representante de selos e produtores fonográficos independentes, que não tem a tarefa de licenciamento musical; e a Merlin9, agência comercial de direitos de selos e agregadores independentes em ambiente digital, que licencia música em acordos globais para seus membros. No Brasil existe a Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), que representa os interesses de selos e produtores fonográficos independentes, e trabalha para a capacitação e o desenvolvimento do setor e em sua representação política. É uma organização representativa, que não licencia música para DSPs. Feitos esses apontamentos, devemos indicar que o funcionamento do mercado digital da música está diretamente relacionado à exploração dos direitos patrimoniais de autor sobre as obras musicais (composições) e os direitos conexos sobre os fonogramas (gravações) e sobre as interpretações artísticas. Isso ocorre porque tais direitos garantem aos seus respectivos titulares a exclusividade sobre o seu aproveitamento. Logo, quaisquer formas de utilização, publicação, transmissão e outras modalidades de uso devem ser previamente autorizadas. Assim, dentro do contexto da circulação, a música e a gravação estão diretamente associadas a uma rede razoavelmente complexa de contratos que garante a transmissão do direito para o elo seguinte da cadeia. A cadeia de fornecimento de conteúdo musical se estabelece, portanto, com base em licenciamentos, tipo específico de negócio jurídico sobre um dado conteúdo que garante ao licenciado o direito de exploração em um ou mais contextos. Essa lógica vale para a generalidade das formas de utilização do conteúdo musical, desde reprodução para rádio, sincronização com obras audiovisuais (neles inclusive os jogos eletrônicos, sites de internet e outros conteúdos) e até a compra de mídias físicas. Desse modo, a mesma ideia deve ser aplicada com as devidas adequações ao mercado do streaming. Isso significa que, se uma plataforma digital desejar colocar músicas e gravações em seu catálogo, ela 76
também precisará licenciar este conteúdo. Em regra, não são os artistas que cuidam pessoalmente de todas as etapas de licenciamento para que uma música chegue em um catálogo de uma dessas empresas. O mercado se organizou por meio de intermediários que fazem a gestão desses ativos em troca de uma participação nas receitas (selos, gravadoras, editoras, distribuidoras digitais). Mesmo em casos mais simples onde há alguma independência dos artistas, é possível identificar uma cadeia ainda que mínima de licenciamentos até chegar ao consumidor final via plataforma. Surge, aqui, uma das principais questões sobre o setor: as retribuições pelo licenciamento às plataformas de streaming. Neste meio de execução, os valores de remuneração dos artistas e outros atores não são previamente fixados e seguem negociações de mercado entre os agentes licenciadores das plataformas. Há vários direitos e tipos de utilização de música envolvidos na teia de relacionamentos e licenciamentos entre os diversos agentes licenciadores e as plataformas: distribuição, disponibilização ao público, reprodução, armazenamento em bases de dados, etc. Por fim, outro ponto relevante diz respeito à execução pública das obras musicais e fonogramas. Como mencionado no tópico sobre o audiovisual, quando uma obra protegida é executada em locais de frequência coletiva, também é necessária uma autorização dos titulares. Porém, seria muito difícil para os agentes do setor da música fiscalizar todos os territórios do mundo. Assim, a Lei de Direitos Autorais acatou a organização de uma entidade privada que atua fazendo a cobrança de retribuições financeiras pelo uso das obras musicais e cronogramas: o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (“ECAD”). Os valores arrecadados pelo Escritório Central de Arrecadação, quando há execução pública de obras musicais e fonogramas, são distribuídos pelas sete sociedades de gestão coletiva de acordo com percentuais regulamentados e definidos em seu regulamento, que por sua vez repassam aos demais atores da cadeia – nos seguintes termos:
9. https://merlinnetwork.org/
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IV. MÚSICA NA INTERNET
QUAL A DIMENSÃO DESSE MERCADO? 10% ECAD (taxa administrativa)* 5%: Associação do titular (taxa administrativa) * 85%: Titulares de Direitos (Autorais e Conexos), sendo dois terços para a parte autoral e um terço para a parte dos direitos conexos; e, dessa última parte, 41,7% para o intérprete, 16,6% para o músico acompanhante e 41,7% para o produtor fonográfico *
(*) essas porcentagem se aplicam apenas para
execução publica e não distribuição do streaming
No Brasil, há decisões judiciais que reconheceram que se trata de execução uma música/fonograma ser ouvida em plataformas de streaming. Isso significa que estes serviços deveriam obter duas autorizações, uma com os titulares dos fonogramas para a inserção no catálogo (cujos valores de remuneração são flutuantes) e outra com o ECAD pela execução pública (cujo valor de remuneração está na tabela de arrecadação da entidade). Essa situação só reafirma o cenário de incerteza regulatória relacionada à agenda econômica e comercial da música no ambiente digital, conformando um processo de potencial imbróglio judicial que pode ser danoso para o setor, sobretudo para os artistas.
10. INTERNATIONAL FEDERATION OF THE PHONOGRAPHIC INDUSTRY. Global Music Report: The Industry in 2021. IFPI, 2021. Disponível em: < https:// www.ifpi.org/wp-content/ uploads/2020/03/GMR2021_ STATE_OF_THE_INDUSTRY. pdf>. 11. Idem.
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Ao longo dos anos, o percentual em receitas gera-
das pelo streaming vem crescendo dentre todos os suportes da indústria fonográfica. Números da IFPI (International Federation of the Phonographic Industry)10, que representa os interesses das grandes gravadoras incluindo as três majors (Universal, Sony, Warner) mostram a evolução da origem das receitas ao longo dos anos. A participação do streaming nas receitas envolvendo o mercado de gravações passou de 0,1% em 2005 para 13,4% em 2020. Em 2019, pela primeira vez na história da indústria, o streaming passou a representar mais da metade de toda a receita de música, com crescimento de 22,9% em relação a 2018 se considerados todos os tipos de assinatura, e 24,1% considerando apenas as assinaturas pagas11. Isso significa que o streaming se tornou o motor da indústria fonográfica atual, sendo capaz de recuperar as perdas históricas observadas desde o fim dos anos 1990. Em 2020 as receitas globais com música gravada totalizaram US$ 21,6 bilhões, um aumento de 7,4% em
IV. MÚSICA NA INTERNET
relação a 2019 e o sexto ano consecutivo de crescimento, impulsionado pelo aumento de assinaturas pagas no streaming. As assinaturas pagas tiveram alta de 18,5% em relação a 2019 e chegaram a 443 milhões de assinantes ao redor do mundo. A taxa é menor do que os 24,1% apontados no relatório anterior, mas ainda assim é alta e sem dúvida comanda o crescimento dessa indústria. Já a taxa de crescimento do streaming em 2020 considerando todos os tipos de assinatura foi de 19,9%. Em termos de receitas, o streaming foi responsável em 2020 por 62,1% de todas as receitas geradas pela indústria fonográfica mundial (ou US$13,4 bilhões, dois a mais que no ano anterior). O crescimento do streaming mais do que compensou o declínio de receitas dos outros formatos.12 As receitas de direitos de execução pública diminuíram 10,1% em 2020. A pandemia de COVID-19 impactou fortemente as receitas nessa área, interrompendo mais de uma década de crescimento contínuo neste setor. As receitas de sincronização também caíram em função da pandemia (- 9,4% em 2020), em virtude de atrasos nas produções devido às restrições de contato social, após um crescimento em 2019 de 4,4%. A participação na receita global total em 2020 foi de 2,0%, ligeiramente inferior aos 2,4% registrados em 2019. Já em relação aos mercados regionais, o relatório IFPI 2021 indica que todas as regiões do mundo demonstraram crescimento em 2020, mas a região com a maior taxa de crescimento foi a América Latina (15,9%), também puxada pelo crescimento do mercaddigital. Em 2019 o crescimento da região havia sido 18,9% e em 2018, 17,3%. As receitas na América Latina aumentaram 15,9% em 2020, o que elevou a participação da região no mercado global de música gravada para 3,6% (em 2019 era de 3,3%). Esse enorme crescimento foi conduzido pelas receitas de streaming, que cresceram 30,2% em 2020 (mais do que a taxa anterior de 24,6%), e contabilizaram 84,1% das receitas totais da região. Em 2019 as receitas de streaming correspondiam a 74,6% das receitas totais da região.13 80
12. Ibidem. 13. Ibidem.
14. Ibidem. 15. Ibidem.
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Em termos de receitas, o Brasil ocupava em 2019 a 10ª posição, atrás dos EUA (1ª), Japão (2ª), Reino Unido (3ª), Alemanha (4ª), França (5ª), Coreia do Sul (6ª), China (7ª), Canadá (8ª) e Austrália (9ª posição) (Fonte: IFPI 2020). Todas as posições se mantiveram estáveis de 2018 para 2019, mas em 2020 o Brasil perdeu a 10ª posição para a Holanda.14 O Brasil, embora tenha perdido a 10ª posição no ranking global de receitas, foi novamente o maior mercado de música gravada da América Latina, e a receita no país aumentou 24,5% em 2020 (em 2019 as receitas haviam aumentado 13,1%). O crescimento brasileiro foi impulsionado por um aumento nas receitas de streaming de 37,1% e por um forte aumento nas assinaturas pagas (28,3%, bem maior que a média global de 18,5%).15 O último relatório do capítulo Brasil da IFPI (Pro-Música Brasil), que traz algumas informações mais detalhadas sobre o país, refere-se ao ano de 2018. Nesse ano, considerando o total do mercado de música gravada no Brasil houve crescimento de 15,4% em relação a 2017, bem acima da média mundial de crescimento em 2018 (9,7%). O valor total do mercado brasileiro em 2018 (levando em conta formatos digitais, físico, execução pública e sincronização, os mesmos formatos do relatório IFPI) atingiu US$ 298,8 milhões. Este crescimento é atribuído à área digital, que em 2018 representou US$ 216,2 milhões, ou 72,4% do mercado total, com um aumento em relação a 2017 de 38%. O segmento digital representou em 2018 impressionantes 98% do total do faturamento combinado físico digital, com crescimento de 46% na comparação com 2017. O streaming on-demand foi em 2018, pelo segundo ano consecutivo, a principal fonte de recursos para o mercado fonográfico brasileiro. Foi também a maior modalidade de distribuição musical no país, gerando US$ 207,8 milhões para o setor. Do total do streaming em 2018 no Brasil, US$ 151,6 milhões vieram das subscrições pagas por assinantes mensais (crescimento de 53%) e US$ 18,8 milhões da publicidade nas plataformas de streaming de áudio operando no mercado brasileiro (crescimento de 25%).
IV. MÚSICA NA INTERNET
Já os vídeos musicais em streaming com interatividade e remunerados apenas por publicidade geraram US$ 37,3 milhões em 2018 (32%). Os números apresentados até o momento referem-se às gravadoras majors (Universal, Sony, Warner) e outras gravadoras de médio e grande porte associadas às entidades representativas de classe (IFPI em nível mundial e Pro-Música no Brasil). Os relatórios da IFPI e Pro-Música no Brasil têm em comum uma metodologia que contabiliza todas as receitas geradas por artistas lançados por tais empresas e também os artistas lançados de maneira independente, mas que utilizam serviços de distribuição de empresas sob o guarda-chuva das majors. Ou seja, as receitas são atribuídas às empresas que distribuem os fonogramas. Como já citado anteriormente, tais valores desconsideram a parcela relevante de selos e gravadoras independentes, em companhia das entidades organizadas para a representação dessa parcela do mercado, já citada anteriormente. Relatório da empresa MIDIA Research, publicado em 2021, traz considerações importantes sobre o mercado independente:
As receitas combinadas de selos independentes e artistas diretos (DIY) foram de US $ 8 bilhões. As receitas específicas de artistas diretos DIY cresceram 34,1% atingindo US $ 1,2 bilhão, quebrando a barreira do bilhão pela primeira vez na história;
16. https://www. midiaresearch.com/reports/ recorded-music-market2020-pandemic-era-growth
A participação dos independentes no mercado foi em 2018 de 39,9% em nível global e 38% no Brasil, aportando U$ 114 milhões na economia nacional. Se considerada apenas a modalidade streaming - foco principal da análise - a participação dos independentes foi de 41,6% em nível global e 42% no Brasil, movimentando U$ 69 milhões na economia brasileira. Em relação à participação dos independentes nos respectivos mercados domésticos, os campeões são Coreia do Sul (com participação de 83% dos independentes), Japão (63%), e o Brasil está empatado com os EUA na 3ª posição, com 38% cada. De todos os mercados domésticos, a Espanha tem a menor participação independente no mercado, com 15%. Considerando que em 2019 o mercado de streaming cresceu 22,9% em relação a 2018 (se considerados todos os tipos de assinatura), a participação dos independentes no mercado pode ser ainda mais expressiva em termos de receitas, mesmo que os percentuais se mantenham estáveis. A receita digital global cresceu de maneira acentuada em 2019, impulsionada pelo aumento das assinaturas de streaming de vídeo e música e pelo fortaleci-
No segundo trimestre de 2020 as receitas globais caíram 3% com relação ao ano anterior, mas no quarto trimestre subiram 15%, sugerindo um forte 2021 se esse impulso for mantido; Dentre as majors, a Sony teve o maior crescimento de streaming, 19,6%, enquanto os artistas diretos (também chamados de “Do it Yourself” ou DIY) aumentaram a receita de streaming em 43,9%; As principais gravadoras viram a participação coletiva de mercado cair de 66,5% em 2019 para 65,5% em 2020. Do total de receitas geradas em 2020 (U$23,1 bilhões), 65,5% é proveniente das majors, 29,4% de selos independentes e 5,1% de artistas diretos;
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Dentre as receitas específicas do formato streaming, os selos independentes cresceram mais fortemente (23,2%), mas houve uma forte variação no desempenho entre os independentes, com independentes maiores e estabelecidos crescendo abaixo da taxa de mercado e muitos (mas não todos) independentes menores crescendo acima da taxa de mercado. Além disso, os artistas diretos (DIY) cresceram mais rápido que todos, com um aumento de 43,9% em 2020.16
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IV. MÚSICA NA INTERNET
mento dos acordos de licenciamento com plataformas digitais. O digital representou, em 2019, 21% do total de arrecadações de todos os repertórios, e ultrapassou o crescimento em outras fontes de receita, aumentando 27,5% em 2019 (num total de 2 bilhões de Euros) e 187% nos últimos cinco anos. O digital permaneceu resiliente em 2020, em contraste com a queda das execuções ao vivo em virtude da pandemia de Covid-19. Entretanto, a remuneração dos usos digitais das obras dos criadores permanece baixa. A ABMI traz um dado interessante sobre o mercado independente brasileiro. A pesquisa da entidade classificou as 200 músicas mais executadas diariamente pelo Spotify no Brasil entre de majors e non-majors (estas últimas tidas como independentes). O resultado apontou que durante o ano de 2019, 53,52% das faixas do Top 200 do Spotify Brasil eram de gravadoras non-majors/ independentes.17 Em termos de arrecadação, a música foi em nível global o maior e mais forte setor em 2019, com 8.962 bilhões de Euros arrecadados ao redor do mundo e crescimento de 8,4% em relação a 2018. Isso representou um aumento de 24,7% nos últimos cinco anos - uma tendência que certamente será revertida quando se atualizarem os números de 2020, devido à Covid-19. As receitas de música digital (22,8% do total de arrecadações) aumentaram 27,2% em 2019 e cresceram fortemente ao longo de cinco anos, impulsionadas pelo aumento de assinaturas de música e novos negócios com plataformas em todo o mundo. Novos e renovados acordos de licenciamento por sociedades, com YouTube, Facebook, TikTok, Amazon, Twitch e outros, ajudaram a impulsionar o crescimento digital. Brasil e México são os mercados mais influentes para a arrecadação de todos os repertórios na América Latina, o primeiro impulsionado fortemente por streaming e transmissão audiovisual, o segundo pelo rápido crescimento da música digital. No mercado geral, considerando gravadoras e independentes, o Brasil é um dos países que mais arrecada no ambiente digital. Pelo levantamento da Con84
18. INTERNATIONAL CONFEDERATION OF SOCIETIES OF AUTHORS AND COMPOSERS. Annual Report 2021. CISAC, 2021. Disponível em: <https://www. cisac.org/>. 19. ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇAO E DISTRIBUIÇÃO. Segmento de Serviços Digitais cresce 41,2% em 2020. Confira outros destaques do Ecad no último ano. Matéria publicada em 12 de fevereiro de 2021. Disponível em: <https://www3.ecad.org. br/em-pauta/Paginas/ segmento-servicos-digitais41-2-2020-outros-destaques. aspx>. 17. ABMI. Análise de Mercado da Música Independente no Brasil. Relatório 2019 - 2020. Disponível em: https:// abmi.com.br/wp-content/ uploads/2021/01/relatorioabmi-2020-v3.pdf.
20. ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇAO E DISTRIBUIÇÃO. Resultados do Ecad em 2020 mostram força da indústria da música. Matéria publicada em 10 de fevereiro de 2021. Disponível em: <https://www3.ecad. org.br/em-pauta/Paginas/ resultados-202-forca-damusica.aspx>.
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federação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores 18, o Brasil é o 10º colocado no ranking de arrecadação, tendo arrecadado 185 milhões de Euros em 2019 (queda de 4,5% em relação ao ano anterior). A participação do Brasil no mercado global é de 2,1%. Passando para os dados referentes à execução pública, em 2020, o segmento de Serviços Digitais do ECAD somou R$ 184,5 milhões. O valor representa um aumento de 41,2% em relação à 2019, quando foram arrecadados R$ 130,7 milhões. Este crescimento pode ser explicado pelos acordos celebrados pelo ECAD com plataformas de streaming19. Outro aspecto importante foi a expressiva liberação de créditos retidos, que são valores que ficam protegidos devido a inconsistências ou falta de informações cadastrais. Esse esforço conjunto do Ecad e das associações permitiu a liberação de mais de R$ 170 milhões, o que contribuiu para o alcance da marca de R$ 947 milhões distribuídos em 2020.20 Nesse sentido, o cenário da música gravada no Brasil, e sua execução pública, é de enorme crescimento no que se refere às receitas oriundas das plataformas de streaming. No entanto, o ambiente regulatório não caminhou na mesma velocidade que as receitas geradas pela indústria.
IV. MÚSICA NA INTERNET
AGENDA REGULATÓRIA
aming utilizado é o “pro-rata”. Pro-rata é sinônimo de rateio: tudo o que é arrecadado é dividido entre todas as músicas que foram reproduzidas. O modelo pro-rata também é chamado de pool de serviços: de maneira simplificada, é como colocar todos os pagamentos numa “piscina”, contabilizar todas as faixas reproduzidas em outra “piscina”, e dividir uma “piscina” pela outra, e então chega-se ao valor por play (ou “per-play”) daquele mês. As faixas reproduzidas vão receber royalties proporcionalmente à sua participação dentre todas as faixas reproduzidas naquele mês. O cálculo é refeito a cada mês de acordo com tudo o que foi pago e reproduzido, e por isso esse valor não é fixo. Nessa conta, assinaturas pagas (premium) e assinaturas gratuitas (“freemium” ou pagas por publicidade) contribuem com valores diferentes, sendo o per-play de uma conta gratuita mais baixo do que o de uma conta paga. Outras variáveis entram aqui, como por exemplo o valor da assinatura em cada país que compõe o rol de territórios em que o serviço é oferecido (o valor da mensalidade no Brasil é mais barato do que na Europa ou EUA); quantos países entram para o cálculo; a quantidade de planos familiares que compõem o total de assinaturas (que proporcionalmente são mais baratos do que uma assinatura individual); etc. Do outro lado da divisão - o lado das reproduções ou “plays” - cada reprodução de mais de 30 segundos conta como um play, entrando para a “piscina” de todos os plays computados pela plataforma naquele mês. As faixas mais reproduzidas (ou com maior participação) naquele mês em específico são as que mais vão receber royalties no mês em questão. Para a divisão, o “market share” ou a proporção da participação de cada faixa nesse total é importante. “Participação” é uma palavra essencial para entender este modelo, já que é ela que é usada como denominador para a distribuição dos pagamentos. Por definição, este modelo favorece as faixas e artistas que já contam com grande participação no consumo global, ajudando a direcionar as receitas de streaming para as grandes gravadoras responsáveis por suas carreiras. A questão se agrava quando se
A) MAIOR TRANSPARÊNCIA NOS ACORDOS ENTRE DSPS E DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES NO STREAMING
Grande parte do mercado - especialmente o segmento independente - queixa-se dos baixos pagamentos de royalties gerados pelo ecossistema digital. Ao redor do mundo, começaram a aparecer algumas iniciativas para dar visibilidade à situação. Por exemplo, há movimentos de artistas que exigem o pagamento de pelo menos um centavo por play.²¹ Os baixos pagamentos de royalties gerados por streaming se impõem a todos os artistas, mas a questão se torna mais dramática para os independentes, que por não terem escala no consumo de sua música são mais vulneráveis às assimetrias do mercado, sobretudo durante a aguda fase de pandemia e restrição de shows. Esta situação é agravada pela falta de informações qualificadas sobre o funcionamento desse ecossistema digital. Esse é um ponto especialmente sensível no mercado musical e é mencionado pela maioria dos executivos e profissionais sêniores como um grande entrave para o desenvolvimento desse mercado de proporções globais em que o Brasil é reverenciado como grande celeiro de talentos. O sistema de pagamento das plataformas de stre86
21. Cf. UNION OF MUSICIANS AND ALLIED WORKERS. Disponível em: < https:// www.unionofmusicians. org/>. Acesso em 27/03/2021.
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IV. MÚSICA NA INTERNET
bancos de dados. No momento, os DSPs não querem arcar com tais custos, que acabam sendo repassados aos próprios titulares por meio de serviços de intermediários que cobram percentuais elevados (e não regulados) para fazer a identificação de faixas e a distribuição de valores aos titulares. E por não ser algo regulado, é impossível que tais fluxos sejam rastreados e auditados. Além disso, interessa aos DSPs que a cobrança permaneça sendo feita por meio de cartão de crédito, assim não há a interferência de órgãos reguladores ou fiscalizadores em cada território nacional. Para entender os 70% restantes de tudo o que é distribuído, é necessário dizer que os DSPs não pagam titulares individualmente - pois o custo operacional de fazer transferências individuais seria imenso. Por isso eles são feitos por meio de agentes intermediários, entidades representativas de catálogos artísticos firmam contratos com cada DSP para receber os royalties e distribui-los aos titulares dos diversos direitos envolvidos. Os acordos firmados entre DSPs e as gravadoras detentoras de grandes catálogos artísticos (as majors) determinaram que 58% do total corresponde aos direitos dos produtores fonográficos estabelecidos por meio de contratos firmados entre, de um lado, gravadoras, e de outro, intérpretes e músicos. Este percentual é distribuído a produtores fonográficos por meio de agregadores digitais - e os produtores devem fazer os repasses acordados aos demais titulares.
pensa que o sistema de recomendação algorítmica leva em conta não apenas os hábitos individuais de escuta dos usuários, mas também a popularidade dos artistas dentro da plataforma, recomendando as faixas mais populares dentro de certo perfil individualizado. Portanto, o sistema de recomendações não está separado do modelo de negócio. Assim, para se saber o valor monetário de um play é necessário refazer a conta mês a mês em cada um dos DSPs, levando em conta muitas variáveis. Para ser calculada a participação de determinada faixa no total de plays é necessário saber em cada um dos DSPs qual foi o pool total de faixas naquele mês, quantos plays cada faixa obteve de cada uma das modalidades de assinatura em cada país em que a faixa foi ouvida, se o play foi resultado de uma busca ativa pela faixa/artista ou se foi resultado de uma recomendação algorítmica, e assim por diante. Em cada um dos DSPs o cálculo é refeito mês a mês de acordo com essas variáveis principais, e por esse motivo não é possível calcular de maneira antecipada o valor de um play em todos os DSPs. O valor sempre será retroativo e diferente em cada um dos DSPs em que a faixa foi ouvida. Uma vez feito o desconto dos impostos e taxas administrativas de cartão de crédito, a plataforma retém seu percentual de 30% sobre o total líquido e distribui os 70% restantes de acordo com os diversos licenciamentos, titulares e percentuais estabelecidos em negociações coletivas e contratos privados entre as partes. Portanto, os DSPs ficam, em tese, com 30% do total arrecadado. Mas os problemas relacionados principalmente à inadequada identificação de faixas e titulares de direitos em todo o ambiente digital geram valores que não conseguem ser distribuídos, e acabam permanecendo com os DSPs - o que na prática faz com que o percentual dos DSPs seja maior do que 30%. Este é um problema muito sério e de difícil resolução até mesmo em nível mundial, pois demanda não apenas regulamentações e possibilidades de auditorias, mas principalmente investimentos em soluções tecnológicas robustas de padronização e interoperabilidade de 88
OUTROS PAGAMENTOS: O CASO DA EXECUÇÃO PÚBLICA Como mencionado anteriormente no tópico sobre o funcionamento do mercado, as plataformas de streaming também fazem o recolhimento no Brasil pela execução pública da músicas e fonogramas. Assim, o ECAD faz acordos individuais para assegurar o pagamento e, recebidos os valores de retribuição, realiza os devidos repasses aos titulares. Isso não se confunde com a cadeia de pagamentos de royalties mencionadas neste tópico, que se justifica pela inserção das obras em catálogo. 89
IV. MÚSICA NA INTERNET
DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE VALORES NO DSPS NO BRASIL O quadro a seguir aponta como é feita essa distribuição de pagamentos, considerando também as remunerações pela execução pública, capitaneadas pelo ECAD
licenciamento, negociações, identificação, distribuição
licenciamentos e acordos
DSP
DIREITOS CONEXOS
30% mais retidos por problemas de identificação até serem reclamados em no máximo 3 anos
58% Há 3 possibilidades diferentes de distribuição de royalties dependendo do modelo de negócio do artista: distribuição por major; ou distribuição por representado; ou distribuição por não representado Merlin
ENTIDADES DE NEGOCIAÇÃO MAJORS x%
Não fazem repasses e comissão é condicionada a contratos privados com DSPs
AGREGADOR y= (58 - x)%
ENTIDADE DE NEGOCIAÇÃO MERLIN x%
Independentes (selos ou PJs) representados por Trade Association como a ABMI no Brasil ou Impala na Europa; e agregadores. Não fazem repasses e comissão é condicionada a contratos privados com DSPs e com representados
AGREGADOR y= (58 - x)%
Taxas de serviço dependem de contratos privados com produtores
Taxas de serviço dependem de contratos privados com produtores
$ z= [(58 - x) - y]%
$ z= [(58 - x) - y]%
Produtor fonográfico MAJOR
ARTISTA INTÉRPRETE w%
MÚSICO EXECUTANTES 0%
Valores Valores condicionados ao condicionados ao contrato privado contrato privado de gravação de gravação
Produtor fonográfico INDIE Selos ou DIY
ARTISTA INTÉRPRETE w%
Valores condicionados ao contrato privado de gravação
AGREGADOR x%
No representado por Merlin. Taxas de serviço dependem de contratos privados com produtores
identificação, fatura, repasse
HUB EDITORAS
HUB PRODUTORES FONOGRÁFICOS
DIREITOS FONOMECÂNICOS 9%
BACKOFFICE x%
Prestadora de serviços tercerizada pela entidade de negociação. Faz identificação de obras e titulares, fatura junto ao DSP e repassa à entidade de negociação. Valores regidos por contratos privados
UBEM, ABRAMUS dig., SOCINPRO, ONERPM y% Entidades de negociação representantes de catálogos, repassan valores e editoras representadas
licenciamentos para identificação do catalogo
PRODUTOR FONOGRÁFICO y= (58 - x)%
Valores condicionados ao contrato privado de gravação
DIREITOS DE EXECUÇÃO PÚBLICA 3%
ECAD 10%
+
SOCIEDADES 5% Entidade de negociação, identificação e ditribuição de royalties aos titulares
85% Autorais
0% Conexos
EDITORAS AUTORES 75% 25%
PRODUTOR FONOGRÁFICO 0%
Valores condicionados ao contrato privado de edição com autores
INTÉRPRETE 0% MÚSICOS EXECUTANTES 0%
Que pagam mensalidade
z = [100 - (x + y)]%
Selos ou DIY não representados por Merlin
ARTISTA INTÉRPRETE z%
HUB GESTÃO COLETIVA
EDITORAS REPRESENTADAS
EDITORAS geralmente 25% de z
MÚSICOS EXECUTANTES w%
Valores condicionados ao contrato privado com autores
Valores condicionados ao contrato privado de gravação
AUTORES geralmente 75% de z
MÚSICOS EXECUTANTES k%
Valores condicionados ao contrato privado de gravação
Direitos Concomitantes
Produtores centralizam seus pagamentos neste hub, e acordos retiram a possibilidade de músicos exercerem seu direito de disponibilização da obra ao público
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licenciamentos e negociações
DSP
Autoria: Daniela Ribas 91
IV. MÚSICA NA INTERNET
Como o sistema não é auditável externamente em função de sua complexidade e dos contratos privados e sigilosos estabelecidos entre as partes, aqui existe um problema grave de transparência e equidade que impacta diretamente não apenas os demais repasses neste hub, mas em todo o ecossistema digital sensível ao lobby das majors. E diante de tantas variáveis não é possível determinar o percentual que cada produtor fonográfico ou artista/músico recebe dos 58%. O modelo de negócio de cada artista/banda e o contrato que estabelecem com parceiros de negócio como selos/ gravadoras e agregadores digitais, além das boas práticas no mercado, determinam todas estas variáveis. Na prática, isso pode significar que intérpretes que participaram de uma gravação não necessariamente recebam quaisquer valores dessas execuções e repasses – justamente por não terem acordo com os produtores fonográficos que permitam uma participação nos royalties. A adoção de modelos mais transparentes da distribuição de percentuais não apenas permitiria uma perspectiva macro sobre o cenário da distribuição e das eventuais concentrações no mercado, como também a possibilidade de execução de políticas públicas voltadas à equalização e desenvolvimento do setor. Esse processo teria a função adicional de promover o empoderamento de parcelas menos representativas e hipossuficientes do mercado.
B) ESTÍMULO AO DESENVOLVIMENTO DE SOLUÇÕES INSTITUCIONAIS, TÉCNICAS E TECNOLÓGICAS PARA IDENTIFICAÇÃO DE OBRA E TITULARES
22. Cf. MECHANICAL LICENSING COLLECTIVE. Disponível em: <https:// themlc.com/>. Ver também GOOGLE. O que é a Mechanical Licensing Collective (MLC)? Disponível: < https://support. google.com/youtube/ answer/10192537?hl=pt-BR.>.
AGENDA:
Prever um sistema de governança no ecossistema digital do streaming, em busca de maior transparência nos acordos com DSPs, para garantir a distribuição justa e proporcional dos royalties no streaming. Com uma reflexão aprofundada sobre o modelo brasileiro de representação de titulares nas sociedades de gestão coletiva, levando em conta tanto os interesses específicos de cada um dos titulares como também o poder de negociação das associações de gestão coletiva junto aos DSPs.
Autoria: Daniela Ribas 92
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Como indicado no item anterior, uma das razões para a inauditibilidade dos percentuais de distribuição de direitos é a ausência de sistemas e processos de identificação de titulares evitando-se assim o modelo de pool majoritariamente adotado pelas DSPs. Esse sistema acaba por fazer uma tábula rasa dos valores arrecadados de assinaturas ou de publicidade associada, causando impactos como o represamento de valores em mãos dos DSPs. Alguns exemplos internacionais podem ser vistos como iniciativas precursoras e com potencial de êxito. Nos Estados Unidos, por meio da Lei de Modernização da Música (MMA, na sigla em inglês), o país criou uma entidade para a centralização das informações de identificação de obras e titulares, o MLC (Mechanical Licensing Collective). É uma entidade governamental sem fins lucrativos que começou a atuar em janeiro de 2021, cujo objetivo é fazer a representação de todos os editores daquele país para o repasse dos DSPs relativos aos direitos fonomecânicos.²² Portanto, os autores dos EUA não dependem de um sistema criado pelos editores para o recebimento dos direitos fonomecânicos, ainda que editores sejam remunerados pelo trabalho de licenciamento dos catálogos representados. Na prática, o MLC faz com que autores tenham condições de honrar os contratos com seus editores, sem, contudo, dependerem de sistemas desenvolvidos por estes ou, ainda, de negociações diretas (e confidenciais) que editores fazem com DSPs em nome dos autores. Dito de outra forma: com o MLC, autores americanos remuneram seus editores sem ficar a reboque de negociações confidenciais feitas por seus editores em seu nome junto aos DSPs. O MLC também atua para minimizar os problemas de créditos retidos decorrentes da não identificação de obras e titulares. Com o MLC, é possível um processo de revisão e análise dos dados de execução
do streaming para encontrar e pagar os proprietários de direitos autorais. Na América Latina, exceto o Brasil, essa representação de editores é feita pela LatinAutor, organização sem fins lucrativos estabelecida no Uruguai como uma federação de sociedades de gestão coletiva da América Latina.23 O Brasil não faz parte do sistema latino-americano, ligado às entidades de gestão coletiva, devido ao fato de os editores majors terem se organizado por meio da União Brasileira de Editoras da Música (UBEM), que monopoliza a relação com os DSPs mesmo sem representar todos os editores cadastrados nas entidades de gestão coletiva. Na prática, a UBEM acaba “saltando” o sistema brasileiro das entidades de gestão coletiva, que no restante da América Latina se organiza em torno da LatinAutor para o recebimento dos fonomecânicos. Desse modo, é necessário um reforço para atualizar o atual sistema de identificação de obras e titulares face às novas tecnologias, no intuito de diminuir os enormes problemas de falta de identificação de streams, e também no intuito de dar opções aos titulares na escolha do melhor serviço para a identificação de suas obras. Por outro lado, há ponto de vista diverso que afirma que empresas prestadoras de serviços tecnológicos de identificação de obras se dedicam à mesma atividade e concorrem com as associações de gestão coletiva profissionais que são reguladas nacional e internacionalmente, passando ao largo de regulamentações necessárias ao sistema, mas que são impostas apenas a tais entidades. O estímulo a esse mercado de startups de tecnologia pode ser encarado como uma oportunidade ou como uma ameaça, dependendo do ponto de vista adotado. Tal dilema só pode ser superado com o aprofundamento da compreensão sobre todos os pontos relativos à questão. Outro desafio seria definir o entendimento sobre o pagamento de direitos conexos. No Brasil, tem prevalecido o entendimento de exclusividade de produtores fonográficos no licenciamento e na distribuição de direitos conexos - e que se baseia apenas no direito de 94
distribuição. As práticas cristalizadas pelas décadas de comércio de mídias físicas têm prevalecido sobre os novos usos e entendimentos impostos pelo ambiente digital, fazendo com que no Brasil os direitos de distribuição prevaleçam sobre os direitos de comunicação ao público. Ambos esses aspectos estão ainda muito longe de serem regulados sendo necessário primeiro constituir um ambiente institucional que estimule o surgimento não monopolista de empresas de base tecnológica para a atuação como identificadoras de músicas e titulares. Em um segundo momento, é urgente a delimitação jurídica sobre a prevalência, dentro do ambiente do streaming pela distribuição de direitos de execução em benefício dos artistas e interpretes substituindo a prevalência aos agentes da cadeia de distribuição, historicamente beneficiados.
23. Cf. MUSIC BUSINESS WORLDWIDE. Licensing Agency Impel Expands Into Latin America Via Deal With Latinautor. Matéria publicada em 30 de março de 2020. Disponível em: <https://www. musicbusinessworldwide. com/licensing-agency-impelexpands-into-latin-americavia-deal-with-latinautor/.>
AGENDA:
Adoção de estrutura institucional para a formulação de acordos para pagamento de direitos conexos a intérpretes e músicos, considerando ainda a diminuição dos créditos retidos em função de problemas de identificação de obras e titulares. Tal atividade deve estar associada com a regulamentação da gestão coletiva sobre os direitos fonomecânicos e de empresas de tecnologia que prestam serviços de identificação de obras e titulares, buscando modelos atualizados e estratégicos frente às complexas demandas do ambiente digital.
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IV. MÚSICA NA INTERNET
C) TRANSPARÊNCIA E GESTÃO DE DADOS PESSOAIS E PROGRAMAÇÃO ALGORÍTMICA DAS DSPS
Um ponto altamente estratégico e que quase nunca é discutido quando o assunto é a regulação da economia (e política) da música em ambiente digital é qual o direito dos DSPs de coletarem informações privadas e subjetivas de seus assinantes (como práticas de escuta, escolhas, hábitos, tipo de dispositivo, locomoção, etc.) e usarem tais informações como moeda de troca em outros negócios.24 Os dados, ou o Big Data, são os verdadeiros insumos da nova economia, e os algoritmos conseguem transformá-los em ativos econômicos às custas da vida privada e da subjetividade dos usuários.25 A utilização dos dados não diz respeito apenas ao problema de violação da privacidade (como no caso Cambridge Analytica e Facebook26), mas envolve outras relevantes discussões, como o direito de não ser julgado ou categorizado para determinados fins ou com base em determinados critérios.27 Diversas aplicações da AI (artificial intelligence) crescem no mundo todo, e esse é o centro do negócio do streaming - que é baseado nos sistemas de recomendações feitas por algoritmos de machine learning. De modo simplista, algoritmos são ferramentas capazes de aprender a partir da utilização de grande volume de dados (input), fornecendo, em troca, algum tipo de resposta otimizada (output), como, por exemplo, rankings, avaliações ou diagnósticos, de acordo com o procedimento pré-programado.28 Conforme sistemas de inteligência artificial vêm sendo aplicados, também se descobrem os riscos de violações a direitos. Questões relacionadas à accountability dos algoritmos já ensejam debates relevantes no mundo, especialmente EUA e Europa, sem que um marco legal brasileiro sequer esteja em vias de ser publicado. Caso não haja um marco legal único para tal tecnologia, o tema poderá acabar sendo regulado e regulamentado por diferentes instrumentos normativos setoriais e ainda sofrer reflexos de normas internacio96
24. Ver por exemplo: RAVACHE, Guilherme. Jabá 2.0: como os artistas pagam para aparecer na sua playlist do Spotify.. Matéria publicada em 6 de abril de 2021. Disponível em: <https://www.uol.com.br/ splash/colunas/guilhermeravache/2021/04/06/ jaba-20-como-os-artistaspagam-para-aparecer-nasua-playlist-do-spotify.htm>. Acesso em 06/04/2020. 25. BRUNO, Fernanda. A economia psíquica dos algoritmos: quando o laboratório é o mundo. Publicado em 12 de junho de 2018. Disponível em: <https://www.nexojornal. com.br/ensaio/2018/Aeconomia-ps%C3%ADquicados-algoritmos-quando-olaborat%C3%B3rio-%C3%A9o-mundo.>. Acesso em 06/04/2020. 26. ALVES, Paulo. Facebook e Cambridge Analytica: sete fatos que você precisa saber. Publicado em 24 de março de 2018. Disponível em: <https://www.techtudo. com.br/noticias/2018/03/ facebook-e-cambridgeanalytica-sete-fatos-quevoce-precisa-saber.ghtml.>. Acesso em 06/04/2020.
27. FRAZÃO, Ana. Datadriven economy e seus impactos sobre os direitos de personalidade. Publicado em 17 de julho de 2018. Disponível em: <https://www. jota.info/opiniao-e-analise/ colunas/constituicaoempresa-e-mercado/ data-driven-economye-seus-impactos-sobreos-direitos-depersonalidade-17072018>. Acesso em 25/03/2021. 28. FEIGELSON, Bruno ; BRAGA, Carolina. Como regular as aplicações de inteligência artificial? Publicado em 7 de julho de 2028. Disponível em: <https://www.jota. info/opiniao-e-analise/ colunas/regulacaoe-novas-tecnologias/ como-regular-asaplicacoes-de-inteligenciaartificial-07062018>. Acesso em 25/03/2021.
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nais. Nesse sentido, é necessário planejar o desenvolvimento da aplicação dessa nova tecnologia em território nacional, sob o risco de certo “colonialismo” digital e evasão de divisas. Estes são alguns exemplos que apontam para a necessidade de haver uma agenda regulatória estratégica, com base em inteligência de mercado. As questões que envolvem o mercado da música em ambiente digital são complexas e exigem uma preocupação operacional e tática de curto e médio prazos, que se dediquem às regulações necessárias para subordinar o mercado às regras justas de seu funcionamento. É necessária a preocupação estratégica de longo prazo que busque criar novas oportunidades e que olhe para o presente pensando nas demandas futuras desse mercado em nível global. Uma agenda própria e arranjos regulatórios inteligentes farão com que as ações possam ir além do nível operacional e tático de “correções de falhas” de mercado. Chegariam ao nível estratégico, adotando iniciativas governamentais que lançam as bases institucionais para que novos investimentos privados e públicos possam decolar, fazendo com que tal sistema seja capaz de criar recompensas que envolvam não apenas ganhos privados, mas também benefícios públicos para o tipo de investimento desejado. Para isso, é necessário um arcabouço jurídico apto a valorizar e estimular a missão, capaz de dar o suporte adequado aos arranjos institucionais que viabilizem a inovação como política pública. De qualquer modo, é imperativo que se reconheça a utilidade e possibilidade de regulamentação de instrumentos legislativos já vigentes como a Lei Geral de Proteção de Dados, Lei nº 13.709/2018. Tal diploma normativo, embora centre foco no aspecto da privacidade e dos dados pessoais, pode permitir a verificação através dos meios regulatórios pontuais do uso indevido ou dirigido à aquisição de posição concorrencial lesiva. A fiscalização é absolutamente necessária ao bom funcionamento do sistema de streaming de música o qual é cada vez mais complexo e dinâmico. Contudo, ela não pode impor regras que atrapalhem todos os
IV. MÚSICA NA INTERNET
D) INSTITUCIONALIZAÇÃO DE AMBIENTE DE DISCUSSÃO,
agentes, tampouco ser burocratizada ou distante da dinâmica real do consumo e do exercício de direitos no meio digital. No mais, é preciso encontrar um ponto ótimo entre a regulação excessiva e a falta de regulamentação, cabendo às instâncias competentes fugir destes dois extremos igualmente prejudiciais à cadeia de arrecadação e distribuição de royalties no ambiente digital.
FORMULAÇÃO, DEBATE, VALIDAÇÃO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ESPECIALIZADAS
O Programa de Economia da Música (PEM), lançado em maio de 2016 pelo então Ministério da Cultura, foi a primeira tentativa governamental de identificar os gargalos produtivos do setor e propor soluções levando em conta o ambiente de negócios da música o qual foi interrompido depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em maio daquele ano. Ainda que realizasse um diagnóstico com dados precários (pois não há uma metodologia única e há poucas séries históricas para a realização de comparações na área), o PEM foi um primeiro passo fundamental para uma ação mais consistente na área. Até então, o setor só contava com o Plano Setorial da Música de 2011. O Plano consistia no registro de reuniões da Câmara Setorial da Música da Funarte entre 2005 e 2010. Além disso, compilava pontos a serem levados em conta numa política governamental, ainda que à época já pudessem ser vistas como desatualizadas. O Plano Nacional de Cultura (PNC - Lei 12.383/2010), instrumento responsável pela orientação das políticas públicas de cultura no País, possui apenas metas genéricas sobre o setor da música. A única meta do PNC que se relaciona diretamente às questões aqui levantadas é a meta 38, que visa criar uma instituição pública federal (Instituto Brasileiro de Direitos Autorais) de promoção e regulação de direitos autorais, para regular, mediar, promover e registrar os direitos autorais. Do Programa de Economia da Música vale destacar os quatro sistemas de intervenção propostos como estratégia de ação governamental para a área:
AGENDA:
Regulação das questões relacionadas à Inteligência Artificial, Machine Learning e Big Data que envolvem o ecossistema digital da música e o acesso das DSPs aos dados pessoais dos usuários a fim de impedir abusos consumeristas e do ponto de vista concorrencial.
SISTEMA DE FINANCIAMENTO: Esse sistema é caracterizado como o conjunto de mecanismos e arranjos de apoio financeiro a empreendimentos e iniciativas culturais que estimulem a estruturação, sustentabilidade e inovação das diferentes etapas dos ciclos econômicos da música 98
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brasileira. Assim, abarca uma carteira de projetos ampla, que vai desde do aperfeiçoamento dos mecanismos de financiamento hoje existentes, passando pela relação parlamentar e o acesso ao crédito. SISTEMA DE FORMAÇÃO: recursos e processos voltados ao reconhecimento e ao desenvolvimento individual e coletivo de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionados às competências técnicas e gerenciais do campo cultural. SISTEMA DE PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO (PDI): conjunto articulado e sistematizado de conhecimentos tradicionais e técnico-científicos, aplicado à solução de problemas, ativação de oportunidades e compreensão de cenários e dinâmicas, que contribua para a geração de benefícios econômicos. SISTEMA DE REGULAÇÃO – A PROPOSTA É O APERFEIÇOAMENTO E A CRIAÇÃO DE MARCOS LEGAIS EM QUATRO CAMPOS DA LEGISLAÇÃO: trabalhista, previdenciário, tributário e autoral, alinhando assim a legislação do país à nova realidade imposta pela internet e a música digital, e na tentativa de diversificar e ampliar o acesso de mais artistas ao mercado e a públicos distintos.30
30. Cf. GHEZZI, Daniela Ribas; VIDIGAL, Gustavo P. “Programa de Economia da Música: histórico e perspectivas”. In: Políticas Culturais em Revista. v. 9, n. 2, Salvador-BA, 2016, p. 459-485. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/ index.php/pculturais/article/ view/17637/14242. Acesso em 28/03/2021.
Os três primeiros sistemas referem-se à formulação de políticas e o último refere-se à regulação do setor. No sistema PDI havia referência ao desenvolvimento de solução digital para match de licenciamento de obras musicais, mas não entra em detalhes sobre como isso seria implementado. Já no sistema de Regulação estavam previstos projetos de aperfeiçoamento da legislação de direito autoral com foco na regulação de direitos econômicos em ambiente digital e de contratos; e solução digital para ampliação e transparência dos processos de cobrança, arrecadação e distribuição de direitos autorais. Além dessas referências, não há detalhes sobre como implantar 100
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ou desenvolver tais projetos, ou ainda sobre como construir uma agenda regulatória atualizada. Nesse sentido, o PEM avança, pois identifica necessidade de desenvolver ambiente de negócios e formatos de agência regulatória, mas é imaturo quanto às novas demandas da economia da música em ambiente digital. Algumas das entrevistas realizadas para o estudo que deu origem a esta publicação mencionaram uma demanda antiga do setor: a criação de uma agência regulatória ou autarquia destinada exclusivamente ao setor musical, aos moldes da ANCINE para o setor do Audiovisual. A ideia circula no meio musical desde pelo menos 2009 e foi ganhando força com os anos, chegando a contar com estudos governamentais para se pensar no melhor desenho jurídico institucional para a entidade. O debate recai sobre a necessidade de regulação do funcionamento da música em território brasileiro, mas que agrega aspectos de financiadora e indutora. Passa também pelo atributo de essa agência antever oportunidades no cenário global e preparar o terreno para o país assumir um protagonismo político e programático à altura de sua forte presença artística. O projeto não foi adiante justamente pela enorme dificuldade, em muitos níveis diferentes, de criação de uma estrutura governamental destinada à música. Se havia dificuldades monumentais quando as políticas culturais disputavam um pequeno espaço na agenda política do país, as dificuldades hoje certamente seriam muito maiores tendo em vista o desmonte institucional que tem ocorrido na área da cultura no País. Assim, é essencial, qualquer seja o modelo, a adoção de políticas públicas em estrutura institucional dedicada ou, ao menos, segmentada para a formulação, debate, validação e avaliação do setor. Essa pauta da agenda passa pela necessidade de adoção de paradigmas modernos de política pública com a consideração das peculiaridades dos agentes, segmentos e prognósticos técnicos e tecnológicos. A essa perspectiva se acrescenta a necessidade de adoção e gestão de meios de financiamento para agentes do setor a fim de equilibrar o mercado, sem, contudo, gerar o efeito colateral de dependência de recursos públicos.
IV. MÚSICA NA INTERNET
E) OUTROS TEMAS DE INTERESSE MAPEADOS
AGENDA:
Reinstituir um espaço qualificado de debate, estudo e proposição de políticas públicas para o campo da economia da música, tendo, inclusive, como pauta, o estudo de impacto regulatório sobre os melhores caminhos e estratégias para regulamentar o setor – considerando também a experiência internacional. Promover políticas públicas para economia da música no digital a através da criação de uma Agência Nacional da Música ou de uma segmentação de entidade já existente para formulação, debate, validação e avaliação voltada ao setor. Adoção de um novo paradigma de política pública que proponha a governança no ambiente digital, com a coordenação e a cooperação dos agentes, a mediação de interesses, a proposição de diretrizes e a resolução de conflitos. Reconhecimento das diversas forma de organização da sociedade civil na música, para além da necessária valorização das entidades de gestão coletiva. Indução de processos autônomos de organização dos artistas e agentes. Criação de novas linhas financiamento à música digital, de forma simplificada e desburocratizada. Desenvolvimento de políticas compensatórias de fomento aos “pequenos” para melhorar sua competitividade em relação aos “grandes”, articulando a música ao vivo ao ambiente digital no intuito de exportar a música brasileira diversa/de nicho e de internacionalizar os catálogos.
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Além das agendas indicadas acima, outros pontos relevantes foram identificados durante os trabalhos de pesquisa: USO DE PEQUENOS TRECHOS PARA SAMPLES: Uma pauta histórica no que se refere à segurança jurídica no contexto da produção musical se localiza na incerteza sobre o uso de pequenos trechos e materiais extraídos de conteúdos autorais, dentro da perspectiva da limitação do Direito Autoral. Em tese, a legislação brasileira (Lei n.º 9.610/98) permite o uso de pequenos trechos para certas situações, mas a previsão não é suficientemente clara para explicar se a prática de samples e até referências rápidas a outras musicas seriam consideradas violação de direitos autorais. Assim, seria desejável obter maior clareza para casos contemporâneos de uso de pequenos trechos de obras musicais e fonogramas. OUTRAS MODALIDADES DE GESTÃO COLETIVA DE DIREITOS AUTORAIS: Embora a Lei de Direitos Autorais preveja expressamente a atuação do ECAD para a arrecadação dos Direitos Autorais de músicos e compositores, ela deixa aberta a possibilidade de que esses mesmos compositores realizem a arrecadação por força própria. Desde há pelo menos cinco anos, algumas empresas estrangeiras a fim de atuarem no mercado brasileiro e que já atuavam na gestão privada de catálogos musicais para determinados segmentos de mercado, passaram a interpretar que a disposição legal acima permitiria que o artista, ao praticar pessoalmente a cobrança, pudesse também nomear um terceiro para que promovesse tais cobranças de modo direto. Surge assim, no Brasil, empresas (com fins lucrativos) com a finalidade de atuar na gestão coletiva de direitos, em “regime de concorrência” com o ECAD. Tais empresas, muito relevantes no mercado internacional, notadamente o europeu, prestam serviços junto a outras empresas de 103
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grande circulação de clientes, tais como shoppings, hipermercados, aeroportos e lojas oferecendo um catálogo musical de música ambiente, desenvolvido e elaborado para cada segmento de mercado. Esse catálogo estaria previamente licenciado com os artistas os quais receberiam em conta de cada execução, sendo que a remuneração das referidas empresas seria feita a partir da gestão do catálogo, da curadoria musical e da facilitação no repasse sem os riscos relativos ao recolhimento centralizado por escritório arrecadador. Essas empresas, tal como os DSPs, atuam com a disponibilização de acesso a uma plataforma online onde estão hospedados os catálogos assinados por cada qual dos seus clientes. Ou seja, na prática tais empresas atuam verdadeiramente no mercado de streaming, sendo acessadas remotamente pela assinatura mensal adaptada ao uso. Por essa mesma razão, a tentativa de operação dentro do Brasil tem feito com que algumas empresas desse seguimento sejam acusadas de subtrair a disposição legal que impõe ao ECAD a posição de arrecadador central pelas execuções públicas. Assim se trava hoje um embate inclusive no âmbito judicial para interpretar a disposição da Lei de Direitos Autorais no que se refere à natureza dessa atividade, se de recolhimento de Direitos Autorais em execução pública ou se de gestão privada/pessoal de Direito Autoral.
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V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esperamos que com a presente publicação os agentes
dos dois setores estudados sintam-se contemplados com, senão todas, as mais relevantes discussões da atualidade. A necessidade de uma leitura estratégica dos desafios do Audiovisual e da Música no contexto da internet é notória e carece de profissionais bem informados e dispostos a desenvolver cada qual dos pontos apresentados neste material, bem como, aquele que possam surgir com o tempo. A sociedade organizada e o Poder Público - em especial, o Poder Legislativo, pela representação e pelo dever normativo que lhe cabe - devem se articular no sentido de construir um instrumental técnico e jurídico para a compreensão de um ambiente de incerteza e constante inovação típico da cada vez mais ágil evolução em rede. Sejam as clássicas formas de expressão artísticas, sejam as nem tão novas, todas, devem estar preparadas para os desafios que virão. Todo esse esforço deve caber no objetivo da promoção do desenvolvimento do país, sem prejuízo da distribuição de riqueza e a promoção de uma vida digna para todos aqueles que produzem a cultura no Brasil. 108
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