No contexto da Rio +20, o IAB realizou a Conferência “Cidade Sustentável – expressão do século XXI”, onde buscou-se uma organização para discutir o processo urbano brasileiro, e também, dar condições de cotejá-lo com experiências estrangeiras. Organizada em dois módulos, um de Projetos e outro de Conferências, teve o intuito de fomentar os debates sobre as maneiras com as quais as metrópoles podem enfrentar os temas que, hoje, envolvem os problemas da sustentabilidade urbana. Fabiana Izaga
In the context of Rio +20, the IAB organized the Conference “Sustainable City – Expression of the 21st Century”, to find a platform for discussing the Brazilian urban process, and also to create an opportunity to compare the city’s experience with foreign experiences. Composed of two modules, Projects and Conferences, the event’s focus was to promote a debate on how metropolises can address today’s issues about urban sustainability. Fabiana Izaga
Buscar a cidade sustentável, nesse contexto, significa defender a plena adequação aos valores ambientais e, também, indispensavelmente, planejar cidades menos predadoras de território, mais compactas; socialmente menos desiguais, mais democráticas na oferta dos bens e serviços públicos. Cidades que amparem a multiplicidade espacial como valor cultural; que garantam a diversidade construída. Sérgio Magalhães
Andrés Borthagaray ∙ Antonio Augusto Veríssimo ∙ Carlos Eduardo Maiolino Claudio Accioly ∙ Fabiana Izaga ∙ Felipe Leal ∙ Francis Bogossian Gisele Raymundo ∙ Inês Magalhâes ∙ Jan Gehl ∙ João Whitaker José Conde Caldas ∙ Juan Carlos Dextre ∙ Leo Heller ∙ Luiz Gustavo Barreto Marcelo Burgos ∙ Marcos Boldarini ∙ Manuel Herce Vallejo ∙ Maria Teresa Serra Marilene Ramos ∙ Nelson Saraiva ∙ Pablo Benetti ∙ Pedro Claudio Cunca B.B. Cunha Rafael Winter Ribeiro ∙ Regina Cunha ∙ Rômulo Orrico Sérgio Magalhães ∙ Solange Carvalho ∙ Vanderley John
CIDADE SUSTENTÁVEL expressão do século XXI
The search for a sustainable city, in this context, implies defending complete conformity to environmental values and also, unequivocally, planning cities that are less territorially predatory, more compact; more equal socially, and more democratic in supplying goods and public services. Cities that support spatial multiplicity as a cultural value; that ensure the diversity that has been created. Sérgio Magalhães
CIDADE SUSTENTÁVEL expressão do século XXI SUSTAINABLE CITY expression of the 21 st century
INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL DEPARTAMENTO DO RIO DE JANEIRO Sérgio Magalhães
Presidente Cêça Guimaraens Fabiana Izaga Norma Taulois Pedro da Luz Moreira
Vice-presidentes
PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Eduardo Paes
Prefeito Pierre Batista
Secretário de Habitação Antonio Augusto Veríssimo
CIDADE SUSTENTÁVEL
Coordenador de Planejamento e Projetos
expressão do século XXI
MINISTÉRIO DAS CIDADES Aguinaldo Ribeiro
Ministro Inês Magalhães
Secretária Nacional de Habitação
Izaga, Fabiana (Org.) Cidade Sustentável, expressão do século XXI: Instituto de Arquitetos do Brasil. Departamento do Rio de Janeiro, 2015. 100p.: il, 22cm
ONU-HABITAT
ISBN 978-85-65231-08-4
Joan Clos
Planejamento urbano 2. Conferência Rio+20 3. Habitação 4. Mobilidade urbana 5. Ambiente
Diretor Executivo Alain Grimard
SUSTAINABLE CITY expression of the 21 st century
Fabiana Izaga, Organizadora
Diretor Nacional
Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro 2015
Conferência Internacional Cidade Sustentável – expressão do século XXI Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento do Rio de Janeiro
Organização Fabiana Izaga
Coordenação Geral Ephim Schluger Fabiana Izaga Sérgio Magalhães
Comitê Curador Larissa Morais Rosa Lima
Textos Sylvia Cardim
Projeto Gráfico e Diagramação ALEXANDRA DE VRIES
Tradução KEITH ROWLAND
Revisão Tradução
Agradecimentos Ana Lúcia dos Santos Álvaro Faria Sônia Miranda
Apoio Ministério das Cidades Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – Secretaria Municipal de Habitação ONU HABITAT
ISBN: 978-85-65231-08-4 Todos os direitos reservados a Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento do Rio de Janeiro iabrj@iabrj.org.br Rua do Pinheiro 10 – Flamengo 22.220-050, Rio de Janeiro, RJ +55 21 2557 – 4480 +55 21 2557 – 4192
SUMÁRIO Apresentação Sérgio Magalhães
8
INTRODUCTION Sérgio Magalhães
THE SUSTAINABLE CITY MEETINGS
10
- Fabiana Izaga
module 1 | PROJECTS
1. Public Transportation
Prefeitura do Rio de Janeiro
Bus Rapid Transit (BRT) para o Rio de Janeiro Carlos Eduardo Maiolino e Luiz Gustavo Barreto
Veículo leve sobre trilhos para o Porto do Rio Gisele Raymundo
16
The Municipal Government of Rio de Janeiro
17 20
LIGHT RAIL IN THE PORT OF RIO - Gisele Raymundo
2. Upgrading Favelas
Programas de urbanização de favelas em perspectiva Pablo Benetti A PERSPECTIVE ON UPGRADING PROGRAMS IN FAVELAS - Pablo Benetti
Favela Cantinho do Céu Marcos Boldarini
Acessibilidade e lixo em projeto de favelas no Rio de Janeiro Solange Carvalho
22 24
FAVELA CANTINHO DO CÉU - Marcos Boldarini
28
ACCESSIBILITY AND GARBAGE IN FAVELAS IN RIO DE JANEIRO - Solange Carvalho
Projeto social, projeto de urbanização fronteiras a serem ultrapassadas Marcelo Burgos SOCIAL PROJECT, FAVELA UPGRADING PROJECT - OVERCOMING BOUNDARIES - Marcelo Burgos
33
VITA Et OTIUM: AN URBANIZATION PLAN FOR THE SANTA CATARINA COASTLINE - Nelson Saraiva
módulo 2 | CONFERÊNCIAS
37
module 2 | CONFERENCE
ABERTURA Opening CONFERÊNCIA DE ABERTURA | Cidades para pessoas Jan Gehl, comentários de Pedro Claudio Cunca B.B. Cunha Opening Conference CITIES FOR PEOPLE - Jan Gehl, comments by Pedro Claudio Cunca B.B. Cunha
Technical study: Sustainable city, Sanitation and Environment - Leo Heller, comments by Francis Bogossian
Mesa-redonda | Questões ambientais das metrópoles Felipe Leal, Marilene Ramos, mediação por Maria Teresa Serra
55
58
Round-table: The Environmental Issues of Metropolises - Felipe Leal, mediation by Maria Teresa Serra
2. HABITAÇÃO
Estudo técnico | Cidade sustentável e habitação Vanderley John, João Whitaker, comentários de José Conde Caldas
Mesa-redonda | Habitação, política e gestão Inês Magalhães e Antonio Augusto Veríssimo, mediação de Claudio Accioly
Entrevista de Inês Magalhães POR LARISSA MORAIS INÊS MAGALHÃES INTERVIEW BY LARISSA MORAIS
64
Technical study: Sustainable city and Housing - Vanderley John, comments by José Conde Caldas
69
Round-table: Housing, policy and administration - Inês Magalhães, mediation by Claudio Accioly
75
3. URBAN MOBILITY
Estudo técnico | Cidade sustentável e mobilidade urbana Rômulo Orrico, comentários de Regina Cunha e Pablo Benetti
3. LandscapE Projects
Rio de Janeiro e paisagem cultural Rafael Winter Ribeiro RIO DE JANEIRO AND ITS CULTURAL LANDSCAPE - Rafael Winter Ribeiro
3. MOBILIDADE URBANA 31
3. Projetos da paisagem Vita eT Otium: plano de urbanização do litoral de Santa Catarina Nelson Saraiva
Estudo técnico | Cidade sustentável, saneamento e ambiente Leo Heller, comentários de Francis Bogossian
2. HOUSING
2. Urbanização de favelas
BUS RAPID TRANSIT (BRT) FOR RIO DE JANEIRO - Carlos Eduardo Maiolino and Luiz Gustavo Barreto
1. AMBIENTE 1. ENVIRONMENT
1. Transporte coletivo
50
JAN GEHL Interview by Rosa Lima
Os encontros Cidade Sustentável Fabiana Izaga
módulo 1 | PROJETOS
Entrevista DE Jan Gehl POR ROSA LIMA
43
46
Technical study: Sustainable cities and urban mobility - Rômulo Orrico, comments by Regina Cunha e Pablo Benetti
Mesa-redonda | Mobilidade urbana e espaço público Andrés Borthagaray, Juan Carlos Dextre, mediação por Fabiana Izaga
Round-table: discussion Urban Mobility and Public Space - Andrés Borthagaray, mediation by Fabiana Izaga
Conferência de encerramento | Direito à mobilidade na cidade contemporânea Manuel Herce Vallejo, comentários de Sérgio Magalhães
CONFERENCE: The Right to Mobility in Contemporary Cities : Manuel Herce Vallejo, comments by Sérgio Magalhães
Entrevista DE Manuel Herce Vallejo POR ROSA LIMA MANUEL HERCE VALLEJO Interviewed by Rosa Lima
78
82
88
91
Apresentação Sérgio Magalhães
O título destes encontros, Cidade Sustentável - Expressão do Século XXI, representará desejo ou destino?
INTRODUCTION Sérgio Magalhães
A complexidade das cidades contemporâneas reflete o protagonismo que o mundo urbano alcançou neste novo século. A Humanidade hoje, de modo majoritário, mora em cidades; no caso brasileiro, a urbanização já alcançou 85% da população. A economia é urbana, assim como a cultura, a ciência, a política. O desenvolvimento é caudatário das cidades.
Sustainable City - Expression of the 21st Century, wish or destiny?
Nas questões ambientais, igualmente: a água, o ar, a energia, as florestas estão necessariamente referenciados às populações urbanas, não apenas por estas constituírem a maioria mas, sobretudo, pelo modo como são consumidos (e rejeitados) tais recursos naturais. Assim, há uma agenda ambiental indispensável no trato da questão urbana que é preciso trilhar de maneira consistente. No âmbito da realização da Rio+20, reunião de cúpula promovida pelas Nações Unidas, comemorativa dos vinte anos da Eco 92, as instituições que promoveram o ciclo Cidade Sustentável - Expressão do Século XXI o fizeram como uma contribuição a essa agenda e a esse caminho. No entanto, há um tema também central de sustentabilidade que este ciclo se propôs ajudar a iluminar. Trata-se da capacidade de nossas cidades exercerem seu papel essencial de lugar da interação social, isto é, da Política – que é a função original e permanente da urbanidade, e que, sob muitos aspectos, se encontra debilitada na cidade contemporânea. Nossas cidades deste século conseguirão manter-se como lugar do múltiplo e do diverso?
8
The complexity of contemporary cities reflects the leading role that urbanization has played in the 21st century. The majority of people in the world today live in cities; in Brazil, this includes 85% of the population. Our economy, culture, science and politics are all urban. Development is the trainbearer of cities. The same applies to environmental issues: water, air, energy and forests are inevitably refer to the urban population, not only because this population makes up the majority, but especially because of the way these natural resources are consumed and discarded.
Buscar a cidade sustentável, nesse contexto, significa defender a plena adequação aos valores ambientais e, também, indispensavelmente, planejar cidades menos predadoras de território, mais compactas; socialmente menos desiguais, mais democráticas na oferta dos bens e serviços públicos. Cidades que amparem a multiplicidade espacial como valor cultural; que garantam a diversidade construída. Tal agenda é desejo compartilhado pelos participantes do ciclo Cidade Sustentável - Expressão do Século XXI, como se pode comprovar pelas contribuições registradas. Se este será o destino de nosso mundo urbano, veremos; depende de nossa capacidade de construirmos nossas utopias.
However, this series has also set out to illustrate the key issue of sustainability. This refers to the capacity of our cities to fulfill their main role as a place of social interaction, that is, of politics. This is the original and permanent role of urbanity, but it has been weakened in the contemporary city. Will our cities of this century be able to sustain themselves as multiple and diverse places? In this context, the search for a sustainable city implies defending complete conformity to environmental values and also, unequivocally, planning cities that are less territorially predatory, more compact; more equal socially, and more democratic in supplying goods and public services. Cities that support spatial multiplicity as a cultural value; that ensure the diversity that has been created. From the sheer number of registered contributions, we affirm that such an agenda is the shared wish of the participants in Sustainable City - Expression of the 21st Century. We will see if this will be the destiny of our urban world; this will depend on our capacity to build our utopias.
So, there is an imperative environmental agenda for addressing urban issues that must be followed in a consistent manner. In the realm of the Rio+20, the UN top conference that celebrated the 20th anniversary of Eco 92, the institutions that organized the cycle ‘Sustainable City - Expression of the 21st Century’ have done so to contribute to this agenda and to the path that we must follow.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
9
Os encontros Cidade Sustentável Fabiana Izaga
Esta publicação reúne uma série de encontros promovidos pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) para discutir projetos e refletir sobre as cidades, o que se tem projetado para elas e sua trajetória de urbanização, buscando definir um campo em que se possa pautar uma agenda para os próximos anos. Esse esforço acontece em momento determinante e singular de desenvolvimento econômico e de oportunidades para o Rio de Janeiro e para o Brasil. As cidades brasileiras abrigam hoje cerca de 85% da população, crescimento que se deu a partir do segundo terço do século XX, momento conturbado politica – democracia, golpe militar de 1964, democracia – e institucionalmente – a lei que institui as regiões metropolitanas é de 1973. Nas décadas finais, o Brasil buscava estabilidade política – a Constituição de 1988 – e dominar a crise econômica que ocasionou pouco investimento em infraestrutura, e escasso planejamento. Somente em 1993 o Brasil viria conquistar a desejada estabilidade econômica através do Plano Real, com o controle sobre a inflação resultando em melhora imediata do poder de compra por parte da população. Em 1992, o Rio de Janeiro sediou a mais importante conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - a Rio 92, que teve sucesso ao consolidar uma agenda global. A Rio+20, em 2012, se coloca como atualização do marco que representou a Rio 92, apresentando-se também como oportunidade de olharmos para o que está por vir, para o mundo que queremos ter em um futuro próximo. No contexto da Rio+20, o IAB realizou a conferência “Cidade Sustentável – Expressão do Século XXI”, em que se buscou uma organização para discutir o processo urbano brasileiro, e também dar condições de cotejá-lo com experiências estrangeiras. Organizada em dois módulos, um de Projetos e outro de Conferências, teve o intuito de fomentar os debates sobre as maneiras pelas quais as metrópoles podem enfrentar os temas que hoje envolvem os problemas da sustentabilidade urbana.
10
THE SUSTAINABLE CITY MEETINGS Fabiana Izaga This publication brings together a series of meetings promoted by the Institute of Architects of Brazil (IAB) to discuss projects and reflect on cities, the things that are being created for cities and their path to urbanization, in an attempt to define a foundation for our agenda for the years to come. This effort is being undertaken at a time that both Brazil and Rio de Janeiro going through a strong and unique period of economic development and new opportunities. Brazilian cities are home to approximately 85% of the population; the most significant growth occurred in the last 30 years of the 20th century, during a period that saw both political – going from democracy to a military coup in 1964, and back to democracy – and institutional upheaval – the law that set up the metropolitan regions dates back to 1973. In the final decades, Brazil has been seeking political stability – the Constitution is from 1988 – to overcome the economic crisis that resulted in few infrastructure investments and inadequate planning. Only in 1993 did Brazil manage to achieve its much desired economic stability through the Real Plan (currency reform), which curbed inflation and immediately improved the population’s purchasing power. In 1992, Rio de Janeiro hosted the most important United Nations conference on the Environment and Development - Rio 92 or Eco 92, which was successful in consolidating a global agenda. Rio+20, in 2012, serves as an update or renewal of the framework that Rio 92 presented, while also providing an opportunity to look ahead at what is still to come, to the kind of world we wish to inhabit in the near future.
O módulo de Projetos ocorreu nos meses de maio a junho, e se apresentou como fórum preparatório da Conferência. Organizado em três blocos – Transporte coletivo - Prefeitura do Rio de Janeiro; Urbanização de Favelas; e Projetos da Paisagem, os projetos de arquitetura e urbanismo expuseram temas decisivos para as nossas cidades. As novas intervenções no transporte público propostas pela Prefeitura do Rio de Janeiro, apresentadas pelos técnicos Carlos Eduardo Maiolino e Luiz Gustavo Barreto, como o bus rapid transit (BRT), e o projeto do veículo leve sob trilhos (VLT), exposto por Gisele Raymundo, suscitaram vivo debate sobre o planejamento urbano e a mobilidade urbana carioca. Por que construir um BRT em áreas pouco consolidadas, como a Transoeste? Estamos no caminho do estabelecimento de uma verdadeira rede de transportes para a cidade, ou estamos – a pretexto da pressa para cumprir um calendário de eventos – realizando antigos projetos com nova roupagem? Foram estas algumas das perguntas motivadas pelas apresentações, das quais se conclui pela necessidade de melhor compreender a cidade atual para que se possa delinear um novo projeto de cidade, no qual a mobilidade urbana se coloque como elemento estruturador, e cuja escala não pode restringir-se ao município do Rio, mas deve considerar toda a cidade metropolitana. A urbanização de favelas foi explanada pelos arquitetos e urbanistas Pablo Benetti, Solange Carvalho e Marcos Boldarini; e pelo sociólogo Marcelo Burgos. O estado da arte da urbanização das favelas foi narrado em perspectiva histórica, o que permitiu a compreensão dos seus avanços – da remoção à urbanização, e da urbanização ao desafio da integração à cidade – ressaltando-se o rebatimento desta nova realidade no aumento do volume de recursos a ela destinados. Antigos e persistentes problemas dessas áreas, como acessibilidade e lixo, ressurgem com enfoque renovado, suscitando novas proposições que buscam aliá-los, como defendeu Solange Carvalho. Permaneceriam, entretanto, sobretudo na visão do sociólogo, os desafios de um projeto social, de modo a estabelecer um diálogo com os moradores, no qual todos se identifiquem efetivamente como cidadãos. Os projetos da paisagem foram apresentados pelo arquiteto Nelson Saraiva, através do Plano de Urbanização do litoral de Santa Catarina; e pelo geógrafo Rafael Winter Ribeiro, que expôs, antes mesmo do veredicto final, as razões pelas quais a Cidade do Rio de Janeiro obteria o título de Patrimônio Mundial da Humanidade. O Plano para o litoral de Santa Catarina lança um olhar sobre uma região que vem se desenvolvendo rapidamente, e que necessita de um instrumento ordenador do território que considere a escala territorial da paisagem que, de outra forma, pode ser perdida. O dossiê de candidatura do
In the context of Rio+20, the IAB organized the Conference “Sustainable City – Expression of the 21st Century”, to find a platform for discussing the Brazilian urban process, and also to create an opportunity to compare the city’s experience with foreign experiences. Composed of two modules, Projects and Conferences, the event’s focus was to promote a debate on how metropolises can address today’s issues about urban sustainability. The Projects module took place in May and June and served as a preparatory forum leading up to the Conference. Organized in three sections – Public Transportation - the Municipal Government of Rio de Janeiro; the Upgrading of Favelas; and Landscaping Projects – the architecture and urban planning projects expressed some key themes for our cities. The new public transportation interventions proposed by the Municipal government of Rio de Janeiro, such as the Bus Rapid Transit (BRT), presented by staff members Carlos Eduardo Maiolino and Luiz Gustavo Barreto, and the Light Rail Vehicle (LRV), presented by Gisele Raymundo, generated a lively discussion on urban planning and mobility in Rio de Janeiro. Why build a BRT in low density areas, such as the Transoeste? Are we on our way to establishing a real transportation network in this city or are we – under the pretext of rushing to meet deadlines for major events – simply dressing outdated projects in a new outfit? These were only some of the questions motivated by the presentations, from which we conclude that there is a need to better understand the current city in order to sketch a new city project, where mobility serves as a structuring element at a scale that cannot be restricted to the municipality of Rio de Janeiro, but must encompass the entire Metropolitan region. The upgrading of favelas was explained by architects and urban planners Pablo Benetti, Solange Carvalho and Marcos Boldarini; and by sociologist Marcelo Burgos. A historical perspective of the state of the art of the favela upgrading projects allowed the participants to understand the progress that is being made – from removal to upgrading, and from upgrading to the challenge of integrating the favela into the city – emphasizing the reverberations of
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
11
Rio de Janeiro a patrimônio cultural, ricamente apresentado por Ribeiro, revela as nuances da imbricação entre natureza e cultura, peculiar à cidade, narrada pelo viés de suas grandes estruturas paisagísticas: Floresta da Tijuca, Baía de Guanabara, e o tecido urbano da cidade. Estes projetos representam, certamente, um novo interesse no tema da paisagem, agora do ponto de vista do ambiente e da cultura. O módulo de Conferências aconteceu nos dias 18 a 22 de junho de 2012, em paralelo à Rio+20, e foi organizado em três eixos temáticos: Mobilidade urbana, Habitação e Ambiente. Em cada um desses eixos temáticos contamos com a apresentação de estudos técnicos que haviam sido encomendados pelo Ministério das Cidades aos pesquisadores Leo Heller (UFMG), Vanderley John (POLI-USP), João Whitaker (LABHAB-USP), Rômulo Orrico (Coppe-UFRJ). O objetivo desses estudos foi apresentar uma análise crítica consubstanciada em pesquisa de campo sobre o quadro atual da moradia, do transporte e do saneamento no Brasil. As mesas-redondas buscaram reunir gestores públicos (Felipe Leal, Prefeitura da Cidade do México; Marilene Ramos, Inea; Inês Magalhães, Ministério das Cidades; Antonio Augusto Veríssimo, Prefeitura do Rio), pesquisadores e profissionais (Maria Teresa Serra, consultora; Andrés Borthagaray, Universidad General Sarmiento, Argentina; Juan Carlos Dextre, Pontifícia Universidad Católica del Peru) para, ao mesmo tempo, aprofundar e ampliar o debate. Para a conferência de abertura, tivemos a satisfação de receber o arquiteto dinamarquês Jan Gehl, professor emérito da Escola de Arquitetura de Copenhague, que resumiu em sua apresentação “Cidades para as Pessoas” o espírito que buscávamos para esses dias de debates. A mensagem simples do renomado arquiteto retratou a persistência dos problemas ligados à busca da vivacidade do espaço urbano, demonstrando suas tendências no presente. Afinal, lembra ele, para se ter cidades sustentáveis não basta termos construções sustentáveis; os edifícios, os carros e a tecnologia são um meio, não um fim para se ter boas cidades nas quais habitar. Na conferência de encerramento, Manuel Herce Vallejo, professor da Universidad Politécnica da Catalunha e arquiteto atuante na preparação da cidade de Barcelona para sediar os Jogos Olímpicos em 1992, nos deixa uma importante reflexão sobre a importância do protagonismo do poder público na definição de um projeto de cidade. Para o Rio de Janeiro, Herce destaca a necessidade de se pensar mais no pedestre, pois, embora se estejam fazendo inúmeras intervenções que visam melhorar o transporte público, os seus locais
12
this new reality through the increased amount of resources that are being allocated to the favelas. Old and persistent problems in these communities, such as accessibility and garbage, emerged with a renewed focus, raising new propositions that seek to bring these issues together, as defended by Solange Carvalho. However, in the view of the sociologist, the challenges of a social project remain, the challenges of establishing a dialogue with the residents in which they can all identify themselves as citizens. Architect Nelson Saraiva spoke on the topic of landscape architecture, presenting his Plan for the urbanization of the Santa Catarina coastline, whereas geographer Rafael Winter Ribeiro spoke, even before the final decision has been made, on the reasons why the City of Rio de Janeiro should be granted the title of Unesco World Heritage site. The Plan for the Santa Catarina coastline focuses on a very fast developing region that is in need of a tool to organize land use, which will encompass the territorial scale of the landscape that may otherwise be lost. Rio de Janeiro’s candidacy for the title of World Heritage site was comprehensively presented by Ribeiro, revealing the nuances of the close knit relationship between nature and culture, which is unique to the city, told from the perspective of the city’s major landscape features: the Tijuca Forest, Guanabara Bay and the city’s urban fabric. The project certainly presents a renewed interest in landscape, now seen from an environmental and cultural perspective. The Conference module took place from June 18 through June 22 of 2012, at the same time as the Rio+20 conference, and was organized around three main themes: Mobility; Housing; and Environment. Each of these themes included a presentation of technical studies commissioned by the Ministry of Cities and carried out by researchers Leo Heller (UFMG), Vanderley John (POLI-USP), João Whitaker (LABHAB-USP) and Rômulo Orrico (Coppe-UFRJ). The purpose of these studies was to present a critical analysis, supported by field research, of the current status of housing, transportation and basic sanitation in Brazil. The round-tables brought together government
de interface com o espaço público, que são as estações, parecem ainda pouco adequados. Esperamos que os resultados aqui publicados contribuam para o debate das cidades no Brasil na busca de um melhor entendimento do que significa um desenvolvimento sustentável, e que estas reflexões consigam estar cada vez mais presentes na agenda política do século XXI.
administrators (Felipe Leal, Municipality of Mexico City; Marilene Ramos, Inea; Inês Magalhães, Ministry of Cities; Antonio Augusto Veríssimo, Municipality of Rio de Janeiro), researchers and staff (Maria Teresa Serra, consultant; Andrés Borthagaray, Universidad General Sarmiento, Argentina; Juan Carlos Dextre, Pontifícia Universidad Católica del Peru) to simultaneously deepen and broaden the debate. At the opening event of the conference we had the great pleasure of welcoming Danish architect Jan Gehl, professor emeritus of the Copenhagen School of Architecture. In his presentation “Cities for People” he summarized the kind of spirit we wished to pursue in our debates. The simple message of this renowned architect described the persistence of the problems associated with the search for a vibrant urban space, demonstrating some current trends. He reminded us that to have sustainable cities, it is not enough to have sustainable buildings; the buildings, cars and technology are a means, not the end to creating good livable cities. In closing the conference, Manuel Herce Vallejo, professor of the Polytechnic University of Catalonia and an architect who was involved in preparing the city of Barcelona to host the 1992 Olympic Games, left us with an important reflection on the importance of the government’s leadership role in defining the city project. Herce underlined that Rio de Janeiro must pay more attention to pedestrian, as the city is undertaking numerous interventions to improve public transportation, yet its stations, the interface between transportation and public spaces, are still quite inadequate. We hope that the results published here will contribute to the debate about cities in Brazil, in searching for a better understanding of what sustainable development means, and that these reflections will be become part of the political agenda in the 21st century.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
13
módulo 1. PROJETOS module 1 • projects
14
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
15
1. TRANSPORTE coletivo
Bus Rapid Transit (BRT) para o Rio de Janeiro >> Carlos Eduardo Maiolino e Luiz Gustavo Barreto
Prefeitura do Rio de Janeiro
A municipalidade do Rio de Janeiro pretende que as obras realizadas para melhorar a infraestrutura de transportes para os Jogos Olímpicos de 2016 sejam um legado permanente para a cidade. Um dos principais projetos desenhados com essa finalidade é o bus rapid transit (BRT), sistema constituído com base na criação de vias exclusivas para a circulação de ônibus articulados, com estações de embarque e desembarque predefinidas, em vez de pontos de ônibus comuns. Até as Olimpíadas, a Prefeitura terá implantado corredores viários para quatro linhas de BRT, totalizando 140 quilômetros. São a Transoeste, entre Santa Cruz e o terminal Alvorada, na Barra da Tijuca; a Transcarioca, da Barra ao Aeroporto Internacional Tom Jobim; a Transolímpica, entre Barra e Deodoro; e a Transbrasil, de Deodoro ao Aeroporto Santos Dumont. A estes projetos, no âmbito da municipalidade, soma-se a implantação de linhas de VLT (veículo leve sobre trilhos, uma espécie de bonde moderno) no Porto do Rio, ligando a área internamente e a seu entorno imediato.
1. Public Transportation The Municipal Government of Rio de Janeiro The Municipality of Rio de Janeiro aims to transform the improvements in transportation infrastructure for the 2016 Olympic Games into a permanent legacy for the city. One of the main projects created for this purpose is the Bus Rapid Transport or BRT, a system of express bus lanes for the exclusive use of articulated buses. Instead of regular bus stops, the BRT will feature predetermined bus stations for boarding and disembarking. By the 2016 Olympics, the city will have implemented four BRT lines with exclusive bus corridors, totaling 140 km. These lines include the Transoeste, between Santa Cruz and the Alvorada terminal, in Barra da Tijuca; the Transcarioca, from Barra to the Tom Jobim International Airport; the Transolímpica, between Barra and Deodoro; and the Transbrasil, from Deodoro to Santos Dumont Airport. In addition to these BRT lines, the city will also implement the LRV lines (light rail vehicle, a modern version of the streetcar) in the port of Rio de Janeiro, providing transportation in the Port area and nearby city center.
Gisele Raymundo, Eduardo Auler, Sérgio Magalhães, Carlos Maiolino, Luiz Gustavo Barreto
16
Carlos Eduardo Maiolino, Subsecretário Municipal de Transportes, lembrou que o governo municipal nunca tinha investido em transporte público de massa. Investimentos no metrô e em ferrovias, por exemplo, sempre foram realizados pelo Governo do Estado. “Transporte público, no âmbito municipal, era sinônimo de pavimentar ruas. Era essa a mentalidade. Enquanto a frota de carros era pequena, essa lógica foi aceita; mas, com os congestionamentos mais evidentes, o quadro mudou.” Para o subsecretário, com os investimentos atuais, mesmo se não houver uma migração dos donos de automóveis para os transportes públicos, ao menos a cidade não vai ficar parada. De acordo com ele, com o sistema de metrô, trens e BRT, 50% da população do Rio irão se deslocar em transporte público de alta qualidade e capacidade. “Esse percentual, a ser alcançado em 2016, é o mesmo de cidades do Primeiro Mundo, como Paris, Nova Iorque e Londres.” Nas palavras de Luiz Gustavo Barreto, Coordenador de Projetos da Secretaria de Transportes, com o BRT os cariocas ganham um transporte coletivo rápido, em corredor de alto desempenho, seguro e confortável. A redução média do tempo de viagens nas regiões em que o sistema será implantado está estimada em 40%.
BUS RAPID TRANSIT (BRT) FOR RIO DE JANEIRO Carlos Eduardo Maiolino and Luiz Gustavo Barreto Municipal Under-secretary of Transportation Carlos Eduardo Maiolino recalled that the municipal government had never before invested in mass public transit. Investments in the subway and trains, for example, have always been carried out by the State Government. “Public transportation in municipal terms used to be synonymous with paving the streets. That was the mentality. When the fleet of cars was still small this made sense, but with growing traffic jams, the picture has changed.” The under-secretary believes that even if the current investments do not result in car owners switching to public transportation, at least the city will keep moving. He stated that with the subway, train and BRT systems, 50% of the population of Rio will be able to use high quality and high capacity public transportation. “This percentage, which will be achieved in 2016, is as high as in first
Linhas de BRT para o Rio de Janeiro
BRT lines for the city of Rio de Janeiro
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
17
“O BRT se insere em regiões de alto crescimento populacional e econômico, como Guaratiba e Recreio, e tem a grande vantagem de se integrar aos outros meios de transporte da cidade. Outro aspecto relevante do projeto é que estamos implantando bicicletários em todas as estações sem exceção, o que facilita a inserção da bicicleta como meio complementar de transporte na cidade”, disse Barreto. Com o BRT, são criados os primeiros eixos transversais de transporte na cidade. Outra vantagem do projeto, apontada por Barreto, é a integração com os demais meios. Os BRT serão integrados aos trens, ao metrô e a eles mesmos, em um sistema inteligente. O projeto é costurado para poupar o tempo do passageiro. O pagamento é feito nas estações, como em um metrô, e o passageiro poderá optar entre linhas com mais ou com menos paradas. Ainda de acordo com Barreto, o fato de as estações ficarem em canteiros centrais facilita muito o acesso dos passageiros. Conforme detalhou, o sistema permitirá uma racionalização das atuais linhas de ônibus, com redução drástica do número desses veículos atualmente em circulação. Dos quatro BRT, o primeiro a ficar pronto é o da Transoeste, com conclusão em junho de 2012. São 56 quilômetros de corredor expresso, com 57 estações e capacidade para transportar hoje 120 mil passageiros por dia entre Santa Cruz e o terminal Alvorada, na Barra. A frota é de 100 ônibus. Na fase seguinte, o corredor viário de 56 quilômetros será estendido até Campo Grande. Pelas estimativas da Secretaria de Transportes, o tempo de viagem entre o Pingo d´Água, em Santa Cruz, até o Jardim Oceânico, na Barra, cai, pelo novo sistema, de 120 minutos para 60 minutos. “Um passageiro que fizer esse trajeto duas vezes ao dia, para ir e voltar do trabalho, vai ganhar duas horas no dia”, estimou. A Transcarioca, da Barra ao Aeroporto Tom Jobim, terá 44 estações distribuídas em 39 quilômetros e frota inicial de 360 ônibus. A estimativa é que transporte 570 mil passageiros por dia. O tempo de viagem cai de 150 para 50 minutos. A Transolímpica, entre Barra e Deodoro, terá 23 quilômetros, sendo 13 em via expressa. As obras tiveram início em setembro de 2012 e a previsão é de que fiquem prontas no fim de 2015. Serão transportados cerca de 100 mil passageiros por dia. Uma viagem que levaria 110 minutos passa a durar 40 minutos.
18
world cities, such as Paris, New York and London.” Luiz Gustavo Barreto, Project Coordinator for the Transportation Department, stated that the BRT will provide the residents of Rio with an express system of fast, safe and comfortable public transportation. In those regions where the system is being implemented, average travel times should be reduced by 40%. “The BRT will be implemented in regions that are experiencing high population and economic growth, such as Guaratiba and Recreio, and it has the great advantage of integrating with the city’s other transportation methods. Another relevant aspect of the project is that we are providing bicycle storage facilities at every station, which will facilitate the use of the bicycle as a complementary means of transportation in the city,” says Barreto.
Já a Transbrasil, de Deodoro ao Aeroporto Santos Dumont, terá 32 quilômetros e cinco terminais. A frota de 760 ônibus articulados transportará 980 mil passageiros ao dia. As obras tiveram início no fim de 2012 e a conclusão está prevista para, o mais tardar, início de 2016. Luiz Gustavo Barreto lembrou ainda que o novo sistema vale para quem usa o bilhete único.
Seção do BRT Transolímpica, 23km de extensão, Prefeitura do Rio de Janeiro, 2011
BRT Transolímpica section, 23km of extension, City of Rio de Janeiro, 2011
With the BRT, we will create the first transversal transportation axis in the city. Barreto points out that another advantage of the project is its integration with other means of public transportation. The BRTs will be integrated with the trains, subways and the other BRT lines, in an intelligent system. The project is designed to save passengers time. Passengers pay at the station, like in a subway, and they have a choice of lines with more or fewer stops. Barreto also states that because the stations are located in the center lane, passengers will have easier access. The system will allow for the rationing of current bus lines, resulting in a drastic reduction of the number of vehicles currently in circulation.
According to estimates by the Secretary of Transportation, this new system will reduce travel time between Pingo d´Água, in Santa Cruz, and Jardim Oceânico, in Barra, from 120 minutes to 60 minutes. “A passenger who makes this trip twice a day, to go to and from work, will gain two hours a day,” he estimated. The Transcarioca, from Barra to the Tom Jobim International Airport, will have 44 stations along 39 km and an initial fleet of 360 buses. The route will transport an estimated number of 570 thousand passengers a day. Travel time will be reduced from 150 minutes to 50 minutes. The Transolímpica route, between Barra and Deodoro, will be 23 km long, including 13 km of express lanes. Construction will begin in September of this year and is expected to be completed at the end of 2015. The route will transport around 100 thousand passengers a day. A trip that now takes 110 minutes should be reduced to 40 minutes. The Transbrasil, from Deodoro to Santos Dumont Airport, will feature 32 km and 5 terminals. A fleet of 760 articulated buses will transport 980 thousand passengers a day. Construction will begin by the end of this year and should be completed in early 2016. Luiz Gustavo Barreto also stated that passengers will be able to use their transfer tickets (bilhete único) on these new lines.
Gisele Raymundo, Eduardo Auler, Carlos Maiolino, Luiz Gustavo Barreto
Of the four BRT lines, the Transoeste will be the first one to be concluded, in June 2102. The system includes 56 km of express corridors, 57 stations and currently has the capacity to transport 120 thousand passengers a day between Santa Cruz and the Alvorada terminal, in Barra. The fleet consists of 100 buses. In the next phase, the 56 km corridor will be extended to Campo Grande.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
19
Veículo leve sobre trilhos para o Porto do Rio >> Gisele Raymundo
A implantação do VLT (veículo leve sobre trilhos, uma espécie de bonde moderno), que ligará a região portuária do Rio de Janeiro internamente e ao Centro da cidade, apresentada por Gisele Raymundo, Gerente de Projetos Urbanos da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto, ainda está em desenvolvimento. O projeto foi elaborado pela CCR e tem previsão para ser licitado nos próximos meses. Seu cronograma de implementação prevê audiência pública para agosto de 2012 e assinatura de contrato até janeiro de 2013. De acordo com Gisele, a proposta vencedora foi escolhida por uma comissão de técnicos de diversas secretarias. A CCR levou dez meses para realizar o estudo técnico, que inclui desde o estudo de demanda até a modelagem econômico-financeira e o aparato jurídico-institucional para a operação. “As premissas foram a necessidade de aumento da mobilidade urbana na área central, integração com a rede multimodal, que a gente acha que é a principal função do VLT, redução do fluxo de veículos no Centro e integração com o projeto Porto Maravilha”, revelou.
LIGHT RAIL IN THE PORT OF RIO Gisele Raymundo The implementation of the LRV (Light Rail Transit, a modern version of the streetcar), that will run between the Port of Rio de Janeiro and downtown, is still in its development stages, according to Gisele Raymundo, Manager of Urban Projects for the Urban Development Company for the Port Area . The project has been developed by the CCR Group (Companhia de Concessões Rodoviárias) and should be put up for tender in the next few months. According to the implementation timeline, there will be a public hearing in August 2012 and the contract should be signed by January of 2013. Raymundo stated that the winning proposal was chosen by a committee composed of staff from various municipal government departments. The CCR took ten months to conduct a technical review that included a needs assessment, the design of an economic and financial model and the institutional and legal structure for its operations. “The assumptions for this project were the need for increased urban mobility in downtown, integration with the multi-modal network, which we think is the main function of the VLT, to reduce the flow of vehicles in the city center, and integration with the Porto Maravilha port redevelopment project,” she said.
Veículo leve sobre trilhos, Porto do Rio de Janeiro, Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro, Prefeitura do Rio de Janeiro, 2012
Light rail transit, Port of Rio de Janeiro, Company for Urban Development of the Port Area, City of Rio, 2012
20
O projeto prevê 30 quilômetros de trilhos para 6 linhas e 46 estações com distância aproximada de 400 metros entre elas. Cada um dos 36 veículos em operação seria composto de 7 módulos de 45 metros de comprimento e capacidade para 450 passageiros. A meta é promover uma reorganização das linhas de ônibus na região em foco. “Em funcionamento pleno, o VLT poderá transportar 320 mil passageiros ao dia. É um sistema eficiente, rápido, seguro, silencioso e de baixa emissão”, enfatizou. Segundo Gisele, o principal desafio tecnológico será evitar a catenária (sistema de alimentação aérea de energia), algo inédito no mundo. Outra característica do projeto é a inserção urbana o mais simples possível: “uma premissa era que não se criassem obstáculos urbanos na cidade”, disse à plateia. Ainda segundo Gisele, em comparação com os ônibus e os automóveis, o VLT apresenta o melhor rendimento energético e oferece menos dano ambiental. O projeto prevê a inserção de áreas verdes no percurso e terminais com informação em tempo real sobre as linhas.
“
A mobilidade urbana é um dos aspectos mais importantes da dinâmica das cidades, e o Rio de Janeiro tem que pensar sobre como se planejar para conseguir organizar seu crescimento juntando os modos de transporte existentes com os novos. Gostaria muito de ver que não somente novos projetos sejam realizados, o que é muito bom, mas que antigos modos de transporte, como os trens, recebam investimentos dignos de sua importância. O legado que ficará para a cidade após os grandes eventos tem que ter compromisso com uma visão de cidade a longo prazo.
The project features 6 lines with a total of 30 kilometers of track and 46 stations at 400 meter intervals; each of the 36 vehicles in operation will consist of 7 carriages, 45 meters long and with the capacity to carry 450 passengers. The goal is to reorganize the bus lines in this region. “Once the system is fully operational, the LRV will be able to transport 320 thousand passengers a day. It is an efficient, fast, safe and quiet system, with low emissions,” she emphasized. Raymundo also stated that the main technical challenge will be to avoid the use of overhead contact lines (aerial power supply), something unique in the world. The project also strives for the most simple urban insertion possible. Raymundo told the audience that the goal is to not create any urban obstacles in the city. Compared to buses and cars, the LRV boasts the highest energy yield and causes less environmental harm. The project also calls for the implementation of green spaces along the track and modern information terminals with real time travel information. “Urban mobility is one of the most important aspects in the dynamic of cities, and Rio de Janeiro must think about how it can plan for organized growth and combine existing and new modes of transportation. I would really like to see not only new projects, which are great, but also a significant reinvestment to value older forms of transportation, like trains. The legacy that will remain in the city after the major events has to match the city’s long term vision.” Eduardo Auler, mediator
”
Eduardo Auler, mediador
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
21
2. Urbanização de Favelas Programas de urbanização de favelas em perspectiva >> Pablo Benetti
O arquiteto Pablo Benetti, Pró-reitor de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enfatizou as vantagens comparativas que a cidade do Rio de Janeiro tem hoje para realizar o programa de urbanização de favelas Morar Carioca, em comparação às condições do período em que teve início o Favela-Bairro, nos anos 1990.
Pablo Benetti
“O Brasil mudou. Éramos uma nação de Terceiro Mundo, hoje somos a quinta potência mundial. Essa não é uma constatação banal, a situação traz uma série de novidades”, resumiu. O Morar Carioca teve início em 2010 e foi inicialmente implementado em 11 comunidades. O orçamento total é de R$ 8 bilhões, com desembolso de R$ 2 bilhões até o fim de 2012.
Architect Pablo Benetti, the Vice-rector of Continuing Education at the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), emphasized Rio de Janeiro’s current comparative advantages for implementing the Morar Carioca favela upgrading program, compared to the beginning of the Favela Bairro project in the 1990s.
O professor lembrou que, durante os oito anos da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 15 milhões de empregos com carteira assinada foram criados, o que permitiu um melhor planejamento financeiro das famílias. A oferta de crédito aumentou e 19 milhões de brasileiros saíram da linha de pobreza. Foram criadas novas escolas técnicas e mais vagas nas universidades públicas e privadas, com custeio governamental. Esse legado, na opinião de Benetti, teve forte impacto na economia e na sociedade. As favelas se expandiram e, ao mesmo tempo, seus moradores hoje têm escolaridade maior e possuem mais recursos. Outra novidade foi a multiplicação de organizações sociais com forte atuação na interlocução entre as favelas e o poder público, tais como o Afro Reggae, a Central Única das Favelas (CUFA) e o Observatório das Favelas, para citar alguns exemplos.
2. Upgrading Favelas A PERSPECTIVE ON UPGRADING PROGRAMS IN FAVELAS
“Brazil has changed. Back then we were a third world country, today we are the fifth largest economy in the world. This is not just a trivial observation, but a change that has engendered a series of new developments,” he summarized. Morar Carioca began in 2010 and by 2012 hab been implemented in 11 communities. The total budget for the program is R$8 billion, with R$2 billion to be spent by the end of this year. The professor also stated that during the eight year-mandate of president Luiz Inácio Lula da Silva, 15 million formal jobs were created, providing families with the means for better financial planning. The availability of loans has increased and 19 million Brazilians said goodbye to life below the poverty line. New vocational schools were built and government funding was used to increase the number of students in public and private universities. Benetti believes that this legacy has had a major impact on the economy and society. The favelas have grown, but at the same time, their residents
22
O professor enfatizou que a própria experiência do Favela-Bairro abriu caminho para um salto de qualidade. Para ele, o projeto do ex-prefeito César Maia representou uma mudança de paradigma. “Com o Favela-Bairro, passou a ser reconhecido o direito do morador, foi instaurada uma nova percepção da problemática urbana”, disse. Outro mérito do programa foi ter ocorrido “ainda no início de nossa aventura democrática, após longo histórico de relação clientelista com o poder”. “As pessoas não estavam acostumadas a serem ouvidas”, acrescentou. Benetti lembrou ainda que o Favela-Bairro ofereceu a cidade para o morador da favela, e o morador da favela à cidade, uma conexão que não existia até então. E disse ainda: “o projeto reconheceu como legítimos diferentes modos de se construir cidades”. A melhor fase, na opinião dele, foi a primeira, em virtude da preocupação de associar obras físicas a programas de redução da pobreza e geração de renda. O zelo pelo meio ambiente também foi maior na etapa inicial. Para Benetti, mutirões de reflorestamento realizados na época contribuíram de modo significativo para a redução de acidentes ambientais. A segunda etapa, já nos anos 2000, ficou basicamente concentrada nas obras. No momento atual, com o Morar Carioca, o arquiteto vê uma “conjuntura social única” para um novo salto de qualidade. Nesse novo contexto, propõe que a favela seja pensada sem romantismo nem preconceitos, sem misericórdia nem idealizações. O norte dos planejadores, recomenda, deve ser a contribuição à cidadania.
Pablo Benetti, Solange Carvalho, Antônio Augusto Veríssimo, Marcelo Burgos, Marcos Boldarini
are increasing their years of education and have more resources. Another new development was the increased number of social organizations that play an active liaison role between the favelas and government, such as Afro Reggae, the Central Única das Favelas (CUFA) and the Observatório das Favelas, to name just a few. The professor underlined that the Favela-Bairro experience itself also paved the way for a jump in the quality of life. Implemented by former mayor César Maia, the project represented an important paradigm shift. “The Favela-Bairro project contributed to the recognition of the rights of favela residents and resulted in a whole new perception of urban issues,” he said. Another good point of the program was that it had taken place “when we were still at the start of our democratic adventure, after a long and very patronizing relationship with government”. “People were not used to being heard,” he added. Benetti also stated that the Favela Bairro project brought the city to the favela residents, and the favela residents to the city, which had until then been a practically non-existent relationship. “The project also acknowledged that there are different legitimate ways of building cities.” Benetti felt that the best phase of the project was the first one, when the physical construction projects were implemented in combination with programs to reduce poverty and generate income. The initial stage also showed a greater concern for the environment. Benetti stated that the reforestation campaigns that were conducted played a major role in reducing the number of environmental accidents. The second phase, initiated after the year 2000, mostly focused on construction projects. Today, the Morar Carioca program offers another “unique social situation” that will generate a huge leap in quality. In this new context the favela must be regarded without any romantic notions or prejudice, not as charity or an idealized community. Benetti recommends that planners let themselves be guided by the contribution they can make to citizenship.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
23
Favela Cantinho do Céu >> Marcos Boldarini
O arquiteto Marcos Boldarini, da empresa Boldarini Arquitetura e Urbanismo, compartilhou sua experiência à frente do bem-sucedido projeto de urbanização da favela Cantinho do Céu, no sul do município de São Paulo. Localizada em uma área de 1,5 milhão de metros quadrados às margens de um dos maiores reservatórios de água da cidade, a represa Billings, a Cantinho do Céu passa por um processo de transformação desde 2008. Uma das preocupações iniciais foi alargar as vias de circulação para facilitar o trânsito de moradores e o acesso às áreas coletivas que logo começariam a ser criadas. Para tornar isso possível, teve início a retirada de parte das habitações, principalmente nas áreas às margens da Billings, onde as condições de segurança eram mais precárias e a degradação ambiental preocupava. Boldarini enfatizou que as remoções começaram a ocorrer após cuidadosa negociação com lideranças locais.
FAVELA CANTINHO DO CÉU Marcos Boldarini Architect Marcos Boldarini, of Boldarini Architecture and Urbanism Planning, shared his experience of the successful upgrading of favela Cantinho do Céu, in the southern part of the city of São Paulo. Located in an area of 1.5 million m2 along the shore of the Billings water reservoir, one of the largest water reservoirs of the city, Cantinho do Céu has undergone a major transformation process since 2008. One of the main initial concerns was to widen the thoroughfares to make it easier for residents to get around and to provide access to the community areas that were going to be developed. To implement these changes, part of the residences were removed, mainly those near the shores of Billings, where safety conditions were more precarious and the area was subject to environmental degradation. Boldarini underlined that the removals only began after careful negotiations with local community leaders.
Urbanização Cantinho do Céu, São Paulo, SP, Marcos Boldarini, 2010
Unrbanization of Cantinho do Séu, São Paulo, SP, Marcos Boldarini, 2010
24
Às margens das águas, foram sendo construídos espaços comunitários de lazer, e o fim de cada rua se tornou um acesso a esses espaços. Nas palavras do arquiteto, esses caminhos se tornaram um espaço ao mesmo tempo de transição e de aproximação com o reservatório. Cada área vem sendo criada sem um modelo fixo, conforme a característica local. Uns ganharam quadras, outros pistas de skate, por exemplo. “Houve a preocupação de compreender cada final de cada rua, cada quadra, como um espaço singular”, contou Boldarini, que em 2010 apresentou o projeto na Bienal de Arquitetura de Veneza. Boldarini detalhou que, nas negociações com a comunidade, foi trabalhado o conceito de “espaço público desejado”. Os profissionais envolvidos no projeto procuraram transmitir a ideia de que as margens da represa deixariam de ser espaço de alguns para se tornarem áreas de uso para todos os moradores, planejadas e construídas conforme suas demandas. Dessa forma, as resistências ao processo foram minimizadas e o nível de engajamento da população aumentou. No processo, houve pagamento de indenização e criação de novas habitações nas proximidades, com estímulo paralelo à geração de renda.
The area along the waterfront was used to build community leisure areas and the end of each street was turned into the access point to these areas. The architect described how the streets became not only a passageway but also brought people closer to the reservoir. Each area was created without a predetermined model and entirely based on local features. Some areas put in a sports field, others a skate board ramp, for example. “We saw each street end, each field, as a unique space,” explained Boldarini, who in 2010 presented this project at the Architecture Biennale in Venice.
Outra característica peculiar da urbanização do Cantinho do Céu foi o desenho do parque de lazer conforme o avanço da obra. Boldarini viu nessa dinâmica um avanço metodológico importante. “Buscamos um modelo que não se faz impositivo”, explicou. Outro aspecto ressaltado foi a constante reavaliação do trabalho.
Boldarini further explained that in the negotiations with the community, the focus was to create “a desirable public space”. The professionals who worked on this project fostered the idea that the shores of the water reservoir would no longer be a space for a few, but a common space for all residents, planned and built to meet the community’s needs. This approach reduced resistance to the process and increased the population’s level of involvement. The process also provided compensation payments to residents who were moved and funding for the construction of new residences nearby, which also helped to generate income.
A imagem usada pelo arquiteto para descrever o processo foi de “uma costura, quase um bordado”, conforme os espaços disponíveis e as demandas apresentadas. Um exemplo: nas interações com a comunidade, pesquisadores ficaram sabendo que muitos jovens nunca tinham ido ao cinema, e sonhavam com isso. Dessa informação, surgiu a ideia de instalar um suporte de telão que permite a projeção de filmes.
Another interesting characteristic of the upgrading of Cantinho do Céu was the design of a leisure park, as the construction work progressed. Boldarini saw this dynamic as a very important methodological development. “We looked for a model that wasn’t imposed,” he explained. Another important aspect was the ongoing review of the work.
Uma das fotos emocionantes apresentadas por Boldarini, no IAB, mostrou justamente uma projeção noturna, em uma noite de chuva, com muitos moradores debaixo de seus guarda-chuvas assistindo a um filme. Outra imagem exibiu um painel de 330 metros pintado por artistas plásticos convidados em uma área da comunidade.
The image used by the architect to describe the process was that of a “needlework, almost a quilt”, molded according to the available areas and needs presented. One example: in their interactions with the community, researchers learned that many young people had never been to a movie theater and dreamed of this opportunity. Based on this information, the idea emerged to install a screen to project movies.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
25
O uso de concreto, em vez de asfalto, também foi apresentado como ponto forte. Boldarini explicou que o concreto é um material mais amigável à circulação de pessoas, enquanto o asfalto remete ao uso de automóveis. A comunidade também ganhou abastecimento de água e energia, além de novo sistema de saneamento. A reorganização do espaço vem permitindo atividades antes inviáveis na comunidade. Por exemplo, a ginástica laboral, com professor de Educação Física, organizada pelos próprios moradores em um dos deques construídos na área de lazer. “Assistimos a uma apropriação do espaço público pela população”, afirmou, orgulhoso.
Fotos: Urbanização da Cantinho do Céu, São Paulo, SP, Marcos Boldarini, 2010
Pictures: Unrbanization of Cantinho do Séu, São Paulo, SP, Marcos Boldarini, 2010
26
One of the touching photos Boldarini presented at the IAB conference showed an evening screening, on a rainy night, with many residents huddling under umbrellas to watch a movie. Another image showed a 330 meters long panel painted by artists who were invited by the community. The use of concrete, instead of asphalt, also brought large benefits. Boldarini explained that concrete is a friendlier material to use in areas where people circulate, as asphalt always reminds people of car traffic. The community also received water and energy supplies and a new sewage system. After the reorganization of the space, the community is now able to conduct activities that were previously impossible. For example, an exercise class, with a Physical Education teacher, organized by the residents on one of the decks in the leisure area. “We see that the population has taken ownership of the public space” Boldarini proudly affirms.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
27
Acessibilidade e lixo em projetos de favelas no Rio de Janeiro >> Solange Carvalho
Apesar dos investimentos realizados nas últimas décadas, no Rio de Janeiro, em projetos de urbanização de favelas, a acessibilidade ainda é um problema sério nessas comunidades, principalmente naquelas localizadas em encostas. De acordo com o diagnóstico da arquiteta Solange Carvalho, da empresa Arquitraço, existe dificuldade tanto na movimentação dentro das favelas como na interligação entre elas e o sistema público de transportes. Especialista em habitação de interesse social, Solange apresentou soluções para melhorar o acesso e a circulação da população nesses espaços. Ela citou o exemplo do morro do Chapéu Mangueira, no Leme, que tem como único acesso a ladeira Ary Barroso – por onde passam pessoas e todos os serviços. Para a arquiteta, deveria haver ali um caminho mais largo, com rampa e escada. Na Rocinha, em São Conrado, também há muito a avançar. Ela recomendou o alargamento de vias e becos já existentes após um mapeamento cuidadoso dos talvegues (cursos d´água) locais. “Esse investimento poderia permitir, conforme o caso, a circulação de carros na favela, o que reduziria a sobrecarga que há hoje na Estrada da Gávea”, defendeu. A arquiteta também falou em favor do uso de novas vias para a passagem não só de pedestres, mas para o escoamento de lixo – hoje um problema sério nas favelas. Em várias delas, o lixo é simplesmente arremessado das casas em pontos de servidão. Para Solange, os elevadores do Pavão/Pavãozinho, em Ipanema, e do Cantagalo, em Copacabana, deveriam ser utilizados também para escoamento do lixo. Trata-se de um problema meramente burocrático, segundo ela. “O equipamento já existe, mas o Metrô não permite que o lixo seja transportado por ele.” Até mesmo o teleférico inaugurado em 2012 no Morro do Alemão, na Zona Norte, podia ter seu uso considerado para esse fim. “O custo é alto, é verdade, mas talvez fosse viável”, afirmou.
ACCESSIBILITY AND GARBAGE IN FAVELAS IN RIO DE JANEIRO Solange Carvalho Despite Rio de Janeiro’s investments in upgrading projects for the favelas over the last few decades, accessibility remains a serious issue in these communities, especially for those that are located on hills. According to a diagnosis by architect Solange Carvalho, of Arquitraço, there is a problem with mobility inside the favelas, as well as a problem with the connection between the favelas and public transportation. An expert in social housing issues, Carvalho presented solutions to improve access and circulation of the population in these spaces. She cited the example of Chapéu Mangueira, in Leme, where the only access for people and goods and services is via the steep Ary Barroso street. The architect believes there should be a broader access way, with a ramp and stairs. Rocinha, in São Conrado, also has a long way to go. Carvalho recommended widening existing streets and alleys, after carefully mapping the local waterways. “This investment would allow car access inside the favela, reducing traffic on the busy Estrada da Gávea,” she defended.
Carvalho affirms that the elevators in Pavão/ Pavãozinho, in Ipanema, and in Cantagalo, in Copacabana, should also be used for garbage removal. She explains that the hold-up is merely bureaucratic. “The equipment already exists, but the subway company does not allow garbage transportation.” Even the cable car at Morro do Alemão inaugurated in 2011, in the northern part of Rio, could be used for that purpose. “The cost would be high, but it could be viable,” she affirmed. Another key issue, from her point of view, is the construction of bicycle storage at the foot of the hills, as it is very difficult to climb the steep roads or stairs with bicycles. And building new public stairways – although the residents of the neighborhoods where the favelas are located are usually against increasing the permeability of the urban fabric. An alternative for improving accessibility of the favelas that is still being discussed is the construction of escalators. “Escalators are being used in various parts of the world. These could be used in Rio as well, although it requires a discussion about aspects such as maintenance,” explains Carvalho. Finally, the architect presented the idea of creating alternative transportation services in the favelas, to replace the motorcycle taxis. In addition to being unsafe, she stated that motorcycle transportation cannot be used by children, elderly and people with mobility restrictions. It would be better to provide transportation with mini-cars, such as those used in Thailand, or golf carts.
The architect also spoke out in favor of using new access roads not only for pedestrians, but also for garbage removal – a serious problem in the favelas today. In some favelas, garbage is simply dumped outside at informal garbage collection points.
Edifício residencial com escadaria pública, Urbanização do Morro da Babilônia, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012.
Housing units with public stairs, Urbanization of Morro da Babilônia, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012.
28
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
29
Outra questão fundamental, do seu ponto de vista, é a construção de bicicletários ao pé dos morros, vista a dificuldade de subir fortes aclives, e escadarias, com as bicicletas. E a criação de novas escadarias públicas – embora os moradores dos bairros em que se localizam os morros cariocas normalmente sejam contrários à ideia de aumento da permeabilidade do tecido urbano.
Projeto social, projeto de urbanização – fronteiras a serem ultrapassadas
Uma alternativa, ainda em debate, para melhorar a acessibilidade nas favelas seria a criação de escadarias rolantes. “As escadas rolantes estão sendo utilizadas em várias partes do mundo. É uma possibilidade existirem também no Rio, embora haja uma discussão necessária sobre aspectos como manutenção”, disse Solange.
O sociólogo Marcelo Burgos, professor da PUC-Rio, avalia que os avanços sociais nas favelas do Rio não foram proporcionais aos ganhos em infraestrutura das últimas décadas. Especialista em Sociologia Urbana, Burgos alertou: é preciso, daqui para a frente, planejar, além das obras físicas, um conjunto de objetivos na área social.
Por fim, a arquiteta apresentou a ideia de criação de serviços alternativos de transportes nas favelas, em substituição ao mototáxi. Ela lembrou que, que além de inseguro, o transporte por motocicletas não pode ser usado, por exemplo, por crianças, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção. Melhor seria se a locomoção fosse realizada por minicarros, como os utilizados na Tailândia, ou por carrinhos de golfe.
“Um legado social institucional deve ser pensado. Inteligente, vivo, direcionado. Isso não pode ser secundário. É preciso ir além da dimensão técnica possibilitada pelo trabalho dos arquitetos”, defendeu.
>> Marcelo Burgos
Corte típico para urbanização de via, Arquitraço, 2012.
Typical section for street urbanization, Arquitraço, 2012.
Na opinião de Burgos, o programa de urbanização de favelas Morar Carioca, conduzido pela Prefeitura desde 2010, deve dialogar com outras áreas de intervenção. Ele defendeu também um acompanhamento social das comunidades beneficiadas, para evitar que, com os anos, o esforço empreendido se perca. Quanto à metodologia para realizar o tipo de trabalho que defende, o sociólogo alertou que não basta perguntar o que a comunidade deseja. “Às vezes as pessoas não sabem o querem”, explicou. Em vez disso, recomendou um diálogo mais igualitário. “Hoje o morador da favela é mais escolarizado. Isso é um facilitador. O momento de intervenção deve valorizar a produção de diagnóstico. Ainda há uma fronteira a ser ultrapassada na relação com as comunidades. Espero que o Morar Carioca consiga, para que se dê um salto qualitativo”, disse. Tal como o pró-reitor de Extensão da UFRJ, Pablo Benetti, que falara pouco antes, Burgos estabeleceu algumas comparações entre o Morar Carioca e o Favela-Bairro, que teve duas fases de investimentos nos anos 1990 e na primeira década dos anos 2000. Para ele, esse tipo de análise abre uma oportunidade de reflexão crítica e lança luz sobre novas abordagens.
SOCIAL PROJECT, FAVELA UPGRADING PROJECT - OVERCOMING BOUNDARIES Marcelo Burgos Sociologist Marcelo Burgos, professor at PUC-Rio University, assesses that the social progress in Rio de Janeiro’s favelas has not been proportionate to the infrastructure developments over the last few decades. An expert in urban sociology, Burgos warned that it is important to not only plan physical constructions, but also the series of social objectives. “We must think about an institutional social legacy. Intelligent, vibrant, focused. This cannot be a secondary issue. We must go beyond the technical dimension of the work conducted by architects,” he argues. According to Burgos, the Morar Carioca favela ugrading program, which the municipal goverment has been implementing since 2010, must communicate with the other intervention areas. He also called for ongoing social monitoring of the benefited communities, to prevent that the efforts undertaken fade over time. The sociologist warned that just asking what the community wants is not an appropriate methodology. “Sometimes people don’t know what they want,” he explained. Instead, he recommended a more equal dialogue. “Favela residents today are better educated. That facilitates things. The intervention should be an appropriate opportunity for producing a diagnosis. We still have to go beyond certain borders with regards to the communities. I hope that the Morar Carioca project is able to achieve this, so we can make a qualitative leap forward,” he said. Just like vice-rector of Continuing Education at UFRJ, Pablo Benetti, who had spoken just before him, Burgos drew some comparisons between Morar Carioca and Favela Bairro, which underwent
30
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
31
O sociólogo sustentou que, apesar de suas generosas aspirações, o Favela-Bairro partia da premissa de que a favela não era parte da cidade. Ao propor a integração entre as comunidades e os bairros em que estavam inseridas, afirmou-se uma situação de exclusão. “No Morar Carioca, com ou sem consciência disso, a ideia é diferente”, comparou. Outra crítica ao Favela-Bairro foi o investimento desproporcional entre comunidades da Zona Sul e as presentes em outras áreas menos nobres da cidade. “Outra ideia implícita no Favela-Bairro era que as cidades deviam ser levadas aos moradores das favelas, para que eles pudessem se tornar cidadãos. Hoje está vencendo o argumento de que a favela é cidade. A ideia de cidade não comporta apenas um modelo único, mas uma multiplicidade de formas urbanas. Houve a assimilação de novas fronteiras”, analisou.
“
Realizei recentemente um levantamento, para um congresso do qual participei, que gostaria de apresentar aqui: os dados mostram um aumento muito expressivo nos investimentos em urbanização de favelas nas últimas décadas, com previsão de expansão contínua até 2020. De 1984 a 1993, com o projeto Mutirão, foram aplicados US$ 172 milhões. Entre 1994 e 2000, na primeira fase do Favela-Bairro, os investimentos foram, em números redondos, de US$ 350 milhões. Na segunda fase do projeto, entre 2001 e 2006, foram mais US$ 300 milhões. Se computarmos o que foi investido de 2007 a 2010, no âmbito do PAC, por estado, prefeitura e governo federal, a soma salta para US$ 900 milhões. No primeiro ciclo do Morar Carioca (2010-2012), novamente somando o que os governos colocaram, a cifra é de US$ 1,1 bilhão. E no segundo ciclo, que se inicia agora, a cifra irá a US$ 1,8 bilhão. Há uma evolução de conceitos, um aprimoramento de tecnologia para essas áreas, mas também há um investimento inimaginável há alguns anos. Esse é um sinalizador de que há espaço político, na atual conjuntura, para que programas desse tipo tenham sucesso.
”
Antônio Augusto Veríssimo, mediador
32
two distinct investment stages, first in the 1990s and then at the beginning of the first decade of the 21st century. In his opinion, this kind of analysis provides an opportunity for critical reflection and shines a light on new approaches.
3. Projetos da Paisagem
The sociologist underlined that, despite its lofty aspirations, the Favela Bairro was based on the premise that the favela was not part of the city. The proposal to integrate the communities and the neighborhoods in which they were located, only reaffirmed their status of exclusion. “With Morar Carioca, whether it is deliberate or not, the idea is different,” he compared. Another criticism of the Favela-Bairro project was the disproportionate difference in investments between communities in the southern part of Rio and those in less affluent parts of the city.
Vita eT Otium: plano de urbanização do litoral de Santa Catarina
“An implicit concept of Favela Bairro was that the city should be brought to the favela residents, so they could become full citizens. Today’s leading argument is that the favela is the city. The idea of a city does not encompass a single model, but a multitude of urban forms. New frontiers have been assimilated,” he analyzed. “I recently conducted an analysis for a conference in which I participated, and I would like to present the results here: the data shows a significant increase in favela upgrading in the last few decades, and expansion should continue until 2020. Between 1984 and 1993, under the Mutirão project, US$172 million were invested. Between 1994 and 2000, in the first phase of Favela-Bairro, investments totaled approximately US$350 million. In the second phase of the project, between 2001 and 2006, another US$300 million were invested. If we add up the investments between 2007 and 2010, under the PAC program, by the state, municipality and the federal government, the sum increases to US$900 million. In the first cycle of Morar Carioca (2010-2012), the total amount invested by all levels of government totals US$1.1 billion. And in the second cycle, which is just starting, the number will reach US$1.8 billion. There has been an evolution of the concepts and improvements in technology for these areas, but we have also seen an incredible amount of investments over the last few years. This indicates that there is the political space in the current climate to make these programs succeed.” Antônio Augusto Veríssimo, mediator
>> Nelson Saraiva
“O litoral de Santa Catarina está jurado de morte em termos de ocupação. Há sobre ele uma especulação tão desenfreada, que resulta em uma conurbação contínua de tecidos urbanos pobres e repetitivos. O que ele tem de particular são os centros históricos ou os discursos paisagísticos fortes, mas em um estado desguarnecido de uma agenda capaz de qualificar esse litoral.” Com esta afirmação, o arquiteto Nelson Saraiva da Silva deu a medida da importância do projeto Vita et Otium (vida e ócio, em latim). Fruto das preocupações levantadas por ele em sua tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), em 2006, o projeto traça diretrizes físico-espaciais para os mais de 500 quilômetros do litoral catarinense – um dos mais belos e recortados do País –, com base nas suas vocações turísticas, de locomoção e moradia. Rafael Winter Ribeiro, Lucia Costa, Nelson Saraiva
3. LandscE Projects VITA ET OTIUM: AN URBANIZATION PLAN FOR THE SANTA CATARINA COASTLINE Nelson Saraiva “The coast of Santa Catarina has been condemned to death, in terms of occupation. Rampant speculation has resulted in a continuous sprawl (conurbation) composed of poor and repetitive urban fabric. The coastline features historic centers and strong landscape elements, but in its current state it lacks an agenda that values this coastline.” With this affirmation, architect Nelson Saraiva da Silva expressed the importance of the project Vita et Otium (life and leisure, in Latin). Fruit of the concerns he raised in his 2006 doctorate thesis at the Faculty of Architecture and Urban Planning at the University of São Paulo (FAU-USP), the project outlines physical and spatial guidelines for the more than 500 kilometers of coastline in Santa Catarina – one of the most beautiful and jagged coastlines in the country – based on the area’s tourism, mobility and housing needs. Nelson Saraiva gave a detailed presentation of Vita et Otium, which was created by a group of 40 architects from the Instituto Silva Paes and developed with funding from the State Government of Santa Catarina in 2010. Speculating about the future trends for the entire length of Santa Catarina coastline, the project proposes a contemporary understanding at several different levels: Atlantic, Continental, regional, state, intermunicipal and local.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
33
Nelson Saraiva fez uma detalhada exposição do projeto Vita et Otium, elaborado por um grupo de 40 arquitetos do Instituto Silva Paes e desenvolvido com recursos do Governo do Estado de Santa Catarina em 2010. Especulando sobre as tendências de futuro de toda a extensão do litoral catarinense, o projeto propõe leituras de seu papel contemporâneo em diversas escalas: atlântica, continental, regional, estadual, intermunicipal e local.
Furthermore, the architect explained that we must not look at the territory on maps, but in a third dimension, to facilitate an understanding of the proposed new scenario, and work with guiding concepts such as connectivity, eco-genesis, conservation units and sustainability. “The idea is to regard the coast as a single organism,” he summarized.
Além disso, conforme explicou o arquiteto, olha o território não em mapas, mas na terceira dimensão, facilitando a compreensão da nova cena proposta, e trabalha com conceitos norteadores, tais como conectividade, ecogênese, unidades de conservação e sustentabilidade. “A proposta é pensar o litoral todo como um só corpo”, resumiu.
The study offers an unparalleled overview of the history of Santa Catarina, as well as professional and technical plan that reassesses the occupation of the coastline and proposes some bold changes. Proposals include moving the BR-101 highway between Palhoça and Biguaçu further inland and creating a green corridor at the site where the highway currently passes through São José; the construction of a floating harbor, near Governador Celso Ramos; and building an international airport in Tijucas. In Florianopolis, the capital of Santa Catarina, proposals include bringing the ocean back to the Mercado Público market, now separated by the Baia Sul landfill, amongst other things.
Em um trabalho inédito de resgate da história catarinense e de planejamento profissional e técnico, o estudo reavalia a ocupação do litoral e propõe alterações audaciosas. Uma das medidas prevê o recuo da BR-101 entre Palhoça e Biguaçu, construindo um bulevar verde no ponto em que hoje passa a rodovia em São José; a construção de um porto náutico flutuante, perto de Governador Celso Ramos; e, ainda, a construção de um aeroporto internacional em Tijucas. Na capital, propõe ainda a reaproximação do mar até o Mercado Público e o aterro da Baía Sul, entre outros. Segundo Nelson Saraiva, entre as estratégias que nortearam o projeto, a principal foi a de procurar diminuir a pressão da ocupação junto à beira do mar e estudar modais de transporte que valorizem mais o interior. Com isso se possibilita, conforme a descrição feita por ele, a celebração da vida marinheira catarinense e sua decantada vocação para o ócio. Por enquanto, o projeto está na fase de divulgar para a população – e para as crianças em particular – as singularidades da paisagem litorânea catarinense. “A população do nosso tempo desconhece sua própria paisagem. As águas que eram caminhos no passado deixaram de ser. Atualmente, os que conseguem enxergar a paisagem da orla são os pássaros, os tripulantes dos navios de contêineres e os milionários em seus iates. As estradas são malposicionadas e nos colocam de costas para o mar. O primeiro objetivo do projeto é colocar as qualidades do litoral em foco”, argumentou o arquiteto. Com isso, será possível resgatar sua beleza e qualificar seu potencial.
34
Proposta global projeto “Vita et Otium”, Litoral de Santa Catarina, SC, Nelson Saraiva, 2010.
Master plan for “Vita et Otium” project, Santa Catarina coast, SC, Nelson Saraiva, 2010.
According to Nelson Saraiva, the project’s main guiding strategy was to reduce the occupational pressure along the seashore and study transportation modes that would favor the interior of the state. He described how this would enable the people of Santa Catarina to celebrate their seafaring lifestyle and enjoy their leisure time by the sea. The project is currently in the stages of making the people – and children in particular – aware of the unique features of the Santa Catarina coastal landscape. “People in this day and age are unfamiliar with this landscape. The waters that provided a connection to the past no longer serve this purpose. The only ones who can actually see the coastline these days are the birds, the crews of container ships and millionaires on their yachts. The roads are poorly placed and actually lead us away from the sea. The first goal of the project is to focus on the qualities of the coast,” stated the architect. By doing that we can recapture its beauty and measure its potential.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
35
Rio de Janeiro e Paisagem Cultural >> Rafael Winter Ribeiro
No momento em que o Rio de Janeiro já dá como certa a conquista do título de Patrimônio Mundial da Humanidade, o geógrafo Rafael Winter Ribeiro, que integrou o comitê técnico para a elaboração do dossiê da candidatura, expôs o projeto carioca. Se aprovado – a decisão por sua aprovação virá em julho de 2012, de uma reunião em São Petersburgo, na Rússia –, o projeto tornará o Rio a primeira paisagem cultural urbana na lista da Unesco.
Segmento centro-norte do projeto “Vita et Otium”, Litoral de Santa Catarina, SC, Nelson Saraiva, 2010.
Center-north part of the “Vita et Otium” project, Santa Catarina coast, SC, Nelson Saraiva, 2010.
O conceito de paisagem cultural – em que natureza e cultura estariam associadas – foi adotado pela Organização em 1992. Atualmente, 911 sítios são considerados patrimônio mundial da Unesco, localizados em 151 países. Desses, 70 são patrimônios culturais, e o restante, patrimônios naturais. O Brasil detém 18 títulos de patrimônio, divididos entre as duas categorias. “Não há espaço para cidades nessa divisão. Paisagem cultural, como ensinamos no colégio, é a que é transformada pela mão do homem. Com a candidatura, o Rio está tentando abrir uma porta para uma nova compreensão do que seja paisagem cultural”, disse Rafael Ribeiro. Até agora nenhuma cidade conseguiu isso. A primeira tentativa nesse sentido foi feita por Buenos Aires, que teve sua candidatura recusada. O projeto “Rio de Janeiro, Paisagens Cariocas entre a Montanha e o Mar” baseia-se na ideia de que a cidade desenvolveu, ao longo dos anos e de forma deliberada, uma interação única e excepcional entre homem, cultura e natureza. Este conjunto harmonioso torna o Rio singular como paisagem cultural urbana. “É a relação da cidade com o mar e a montanha que a torna especial”, explicou o geógrafo. Pela proposta, o sítio que pleiteia o título é composto por três elementos: a Floresta da Tijuca, a entrada da Baía de Guanabara e a cidade, que faz a ligação entre essas duas áreas. O foco, segundo Rafael Winter Ribeiro, não foi o tipo de arquitetura existente, mas a cultura nascida nessa relação do homem com a natureza. “A delimitação foi muito discutida. A escala da candidatura é a do alto do Corcovado”, afirmou.
Segmento centro-sul do projeto “Vita et Otium”, Litoral de Santa Catarina, SC, Nelson Saraiva, 2010.
Center-south part of the “Vita et Otium” project, Santa Catarina coast, SC, Nelson Saraiva, 2010.
36
RIO DE JANEIRO AND ITS CULTURAL LANDSCAPE Rafael Winter Ribeiro Now that it is practically certain that Rio de Janeiro will be designated a World Heritage Site, geographer Rafael Winter Ribeiro, who was a member of the technical committee that prepared the application file, presented the project. If approved – the decision will be made in July of 2012, at a meeting in St. Petersburg, Russia –, Rio de Janeiro will be the first cultural urban landscape on the UNESCO list. The concept of cultural landscape – in which nature and culture are interconnected – was adopted by the Organization in 1992. Currently, 911 sites in 151 countries have been granted a UNESCO world heritage designation. Of all these sites, 70 are cultural heritage sites and the rest are natural heritage sites. Brazil has 18 heritage sites, split between these two categories. “There is no room for cities in this division. As we teach in school, the cultural landscape is that which has been transformed by the hand of humans. As a candidate for this designation, Rio is trying to open the door to a new understanding of a cultural landscape,” said Rafael Ribeiro. So far no city has managed to do so. The first attempt in this direction was made by Buenos Aires, but its application was turned down. Rio de Janeiro’s project ‘Carioca Landscapes between the Mountains and the Sea’ is based on the idea that the city, over the course of many years and with deliberate efforts, has developed a unique and exceptional interaction between humans, culture and nature. It is this harmonious combination that makes Rio’s cultural urban landscape so unique. “It’s the city’s relationship with the sea and the
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
37
A elaboração do dossiê de candidatura do Rio foi coordenada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e contou com a participação de outras entidades, como o Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac) e a Prefeitura. O comitê técnico foi formado em 2008 e composto por uma equipe multidisciplinar que incluiu arquitetos (urbanista e paisagista), geógrafos, historiadores e antropólogos. Encaminhado em 2010, o dossiê já passou por todas as instâncias de análise e conta com parecer favorável do Conselho Internacional de Patrimônios e Sítios (Icomos). De acordo com Rafael, o desafio está só começando. Não se trata apenas de um título honorífico para o Rio, explicou. “Ele nos coloca a tarefa de construir uma gestão integrada dentro de uma área, a partir da ideia de paisagem. Não existe modelo no mundo para isso. Daí o interesse de diversos países na nossa candidatura. A ideia é que isso seja replicado em outros lugares.” No momento, está em gestação um plano gestor previsto para ser implantado a partir de 2013. O comitê se reúne a cada 15 dias para discutir os encaminhamentos. “A dificuldade agora é decidir que narrativas priorizar. A relação entre homem e natureza proposta pela Unesco não é a única. As políticas públicas adotadas virão dessas escolhas”, concluiu Rafael Winter Ribeiro.
mountains that make it special,” the geographer explained. According to the proposal, the site that has been submitted for the heritage designation consists of three elements: the Tijuca Forest, the entrance to Guanabara Bay and the city that connects these two areas. According to Rafael Winter Ribeiro, the focus was not on the existing type of architecture, but on the culture that was born from this relationship between humans and nature. “There has been much discussion about the demarcation; the scope of the application goes to the top of the Corcovado,” he said. The application process for Rio’s candidacy was coordinated by the Institute for National Historic and Artistic Heritage (Iphan) and involved several other organizations, such as the State Institute for Cultural Heritage (Inepac) and the Municipal Government. The Technical Committee was formed in 2008 and composed of a multidisciplinary team that included architects (city planners and landscape architects), geographers, historians and anthropologists. Submitted in 2010, the file has been through all the assessment stages and has received a favorable recommendation from the International Council on Monuments and Sites (ICOMOS).
“
Nos últimos anos temos presenciado um interesse expandido pelo tema da paisagem, que passou a ter grande visibilidade em várias áreas do conhecimento. Por esse motivo, são muitos os conceitos atribuídos ao termo. Isso só aponta para a importância que a ideia traz em termos de transformação do ambiente e da cultura. Entre esses conceitos, o de paisagem cultural é uma ideia que se renova a partir dos anos 1980 e que tem sido muito importante na interdisciplinaridade, principalmente nas disciplinas que trabalham o projeto da paisagem. Da materialização do projeto da paisagem duas dinâmicas são enfocadas de maneira complementar: a ambiental e a cultural. Um conceito importante – o de que a paisagem cultural materializa as visões de mundo e os valores e significados que atribuímos a ela – evoluiu. Hoje se entende que a paisagem não é passiva, não é apenas reflexo, ela atua também. A paisagem não é substantivo, é verbo, tem uma mediação grande, é fator também determinante da cultura. Os dois trabalhos apresentados mostram isso, que a paisagem cultural é ativa, implica conflito, porque a cultura é plural.
”
Lúcia Costa, mediadora
Visuais do sítio, Dossiê de Candidatura do Rio de Janeiro a Patrimônio de Paisagem Cultural, 2009.
Visuals of the site, Rio de Janeiro Cultural Landscape Heritage Candidacy Files, 2009.
38
According to Rafael, the challenge is just beginning. He explained that this is not just about an honorary title for Rio de Janeiro. “We will be responsible for setting up an integrated management system within a certain area, based on the concept of landscape. There is no existing model in the world for this. This explains the interest of some countries in our candidacy. The idea is that this could be replicated elsewhere.” At the moment, a management plan is being developed that should be implemented until the end of 2013. The committee meets every 15 days to discuss the proceedings. “The challenge now is to decide which narratives to prioritize. The relationship between humans and nature, as proposed by Unesco, is not the only one. These choices will influence the public policies that will be adopted,” concluded Rafael Winter Ribeiro. “In recent years we have seen a growing interest in the theme of landscape, which has been gaining great visibility in various knowledge areas. As a result, many different concepts are being attributed to the term. This is only indicative of the importance of this idea in terms of the transformation of the environment and culture. Within these concepts, that of cultural landscape has been renewed in the 1980s and has been very important in many different disciplines, especially in those disciplines that are working on the landscape project. In creating this landscape project there has been a dual focus on environment and culture, which complement one another. An important concept – that of a cultural landscape materializing the visions of the world and the values and meaning we attribute to the landscape – has evolved. Today we see landscape not as passive, not only as a reflection, but it also has an active role. Landscape is not a noun, but a verb, it has a large extension, and is a determining factor in culture. The two projects that have been presented show us exactly that: cultural landscape is active, it implies conflict because culture is plural. Lúcia Costa, mediator
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
39
módulo 2. CONFERÊNCIAS module 2 • conferences
40
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
41
Abertura A abertura do módulo de conferências contou com a presença da secretária nacional de Habitação, Inês Magalhães, do Ministério das Cidades; do secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano no Ministério do Meio Ambiente, Pedro Wilson Guimarães; do vice-presidente da Federação Pan-americana de Associações de Arquitetos, João Suplicy; do diretor regional do programa da Organização das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU Habitat), Alain Grimard; do Presidente da União Internacional dos Arquitetos (UIA), Albert Doubler; do presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), Haroldo Pinheiro; e do presidente do IAB, Sérgio Ferraz Magalhães, na segunda-feira, dia 18 de junho de 2012. Sérgio Magalhães abriu os trabalhos apresentando números que dimensionam o desafio que se coloca: só no Brasil, de uma população aproximada de 190 milhões de pessoas, estima-se que 170 milhões vivam em cidades. “Nesse contexto, não cabe discutir meio ambiente sem colocar a questão da sustentabilidade nas cidades”, disse. Para o arquiteto, nessa frente há interesses convergentes entre empresas, governos e entidades não governamentais. Todos querem construir cidades mais integradas, voltadas para o bem-estar e a felicidade das pessoas, e os arquitetos têm muito a contribuir para esse objetivo. Ele enfatizou a importância da ampliação dos investimentos governamentais em programas habitacionais como o Minha Casa Minha Vida e defendeu uma ampliação ainda maior dos trabalhos. Magalhães disse ainda que é preciso cuidar para que os investimentos tragam uma maior qualificação das cidades.
Albert Doubler, Pedro Wilson Guimarães, Inês Magalhães, Sérgio Magalhães, Alain Grimard, João Suplicy, Haroldo Pinheiro
42
Alain Grimard lembrou que, nos últimos 50 anos, o número de pessoas vivendo em cidades cresceu seis vezes. Como diretor regional do ONU Habitat para América Latina e Caribe, ele trabalha na coordenação de quatro artigos analíticos e propositivos que consideram a questão da sustentabilidade nos centros urbanos. Para Grimard, o desenvolvimento urbano pode ser sustentável, e há que se trabalhar com urgência por isso.
Opening The opening event of the conference module on Monday, June 18, 2012, was attended by the National Housing Secretary of the Ministry of Cities, Inês Magalhães; by the Secretary of Water Resources and Urban Environment of the Ministry of Environment, Pedro Wilson Guimarães; by the vice-president of the Pan-American Federation of Associations of Architects, João Suplicy; by the regional director of the UN program for Human Settlements (UN Habitat), Alain Grimard; by the President of the International Union of Architects (UIA), Albert Doubler; by the president of the Council of Architecture and Urban Planning in Brazil (CAU-BR), Haroldo Pinheiro; and by the president of the IAB, Sérgio Ferraz Magalhães. Sérgio Magalhães began the event by presenting some numbers that reflect the challenge that lies ahead: In Brazil alone, with a population of approximately 190 million, an estimated 170 million people live in cities. “In this context, we cannot discuss the environment without raising the issue of sustainability in cities,” he said. The architect stated that companies, governments and non-governmental organizations share converging interests. Everybody wants to build more integrated cities that foster people’s wellbeing and happiness, and architects have a lot to contribute to this goal. Magalhães also stated that it is important to ensure that investments result in better cities. Alain Grimard reflected that in the last 50 years the number of people living in cities has grown six times. As the regional director for the UN Habitat for Latin American and the Caribbean, he works on coordinating four articles that analyze and propose recommendations on the issue of sustainability in urban centers. Grimard affirmed that urban development can be sustainable and we must urgently address this issue.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
43
João Suplicy enfatizou que fatores econômicos não devem centralizar os debates em torno do tema da sustentabilidade nas cidades. Lembrou que estas são “mecanismos complexos construídos sobre camadas de cultura” e, sendo assim, há que se considerar suas dimensões culturais e humanas, para além das especificidades técnicas. Suplicy defendeu um maior planejamento do espaço habitável e a busca de ganhos para a população que não se restrinjam à conquista de serviços básicos. Pedro Wilson Guimarães abriu sua fala propondo uma homenagem a arquitetos que, por terem assumido posturas de esquerda durante o regime militar brasileiro, foram obrigados a abandonar funções no serviço público. Ele contou que participou da Rio 92 como militante de ONG e desta vez veio à Rio+20 como integrante do governo. Nessa condição, defendeu a ideia da chamada “economia verde”, capaz de gerar desenvolvimento e qualidade de vida. Sobre o Código Florestal que está em discussão no Congresso, o secretário afirmou que “se não é para proteger, devia se chamar código do desmatamento” e disse que hoje é mais importante debater o problema da água do que a questão do petróleo. Por fim, defendeu o planejamento urbano como chave para tornar possível a concretização da ideia de cidade sustentável. “Temos que pensar na Rio+21, 22, 23... Temos que pensar na segurança alimentar, habitacional, etc., na continuidade”. Haroldo Pinheiro enfatizou a relevância da criação, em 2012, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, que ele preside. “O Conselho nasce sob o signo dessa responsabilidade com o ambiente construído e com a recuperação da profissão, em sua importância.” O arquiteto acrescentou que, na semana anterior à conferência, assinou um termo de compromisso do conselho com o Ministério do Meio Ambiente estabelecendo responsabilidades conjuntas dos dois órgãos. O arquiteto Albert Doubler abordou a importância da participação da sociedade civil nos debates envolvendo o tema das cidades e lembrou que, na Grécia antiga, os cidadãos é que zelavam pelo bem das pólis (cidades).
44
João Suplicy emphasized that economic factors shouldn’t take center stage in the discussions about sustainability in cities. He noted that these are “complex mechanisms that have been built on layers of culture” and as such, we must also consider the cultural and human dimensions, going beyond merely the technical specifications. Suplicy argued that better planning of inhabitable spaces and the pursuit of benefits for the population should not be limited to providing basic services. Pedro Wilson Guimarães began his presentation by paying tribute to architects who during Brazil`s military regime were forced to resign from their public service for supporting a left-wing perspective. He talked about his participation in the Rio 92 conference as an NGO activist, and now he is participating in Rio+20 as a member of government. He also defended the idea of the so-called “green economy”, capable of generating development and quality of life.
No fechamento da solenidade, a secretária Inês Magalhães disse estar comprometida com o desafio de construir cidades com justiça socioambiental. “Ao apresentar nossos desafios, temos que estar olhando para os dilemas que os envolvem. Um deles é: como oferecer uma habitação de qualidade para os milhões de brasileiros que vivem hoje em favela”, disse. A secretária lembrou que, desde 2007, o governo vem investindo fortemente em programas de urbanização de comunidades pobres, e agradeceu o apoio do IAB nesse processo.
Architect Albert Doubler addressed the importance of the participation of civil society in discussions about cities. He reflected how in Ancient Greece citizens looked after the wellbeing of the polis (cities). In her closing remarks of the opening ceremony, National Housing Secretary Inês Magalhães expressed her commitment to the challenge of building cities with socio-environmental justice. “Our challenges have to include the dilemmas of those who are affected by these. One of these challenges is can we can offer quality housing to the millions of Brazilians who still live in favelas,” she said. The secretary recalled that since 2007 the government has been investing heavily in upgrading programs in poor communities and she thanked the IAB for its support in this process.
With respect to Forestry Code that is currently being discussed in Congress, the secretary affirmed that “if the code is not going to grant protection, it should be called the Deforestation Code”. He also stated how today it is more important to discuss the issue of water than the issue of oil. In his closing remarks, he defended urban planning as the key to realizing the idea of a sustainable city. “We have to think of Rio + 21, 22, 23 ... We must think about ongoing food security, housing, etc.” Haroldo Pinheiro underscored the relevance of the foundation of the Council of Architecture and Urban Planning in Brazil, six months ago, the President of the Council, Pinheiro stated that the council has been endowed with a responsibility towards the built environment and in restoring the importance of the profession. The architect added that, in the week prior to the conference, he had signed a term of commitment between the council and the Ministry of Environment, establishing joint responsibilities for the two entities.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
45
Conferência de Abertura
No lugar disso, o que Gehl propõe é a redução de vias para carros e o alargamento de calçadas e ciclovias. “Precisamos de cidades mais atraentes, vivas, que proporcionem um convite a estilos de vida mais saudáveis”, afirmou. Novamente, fotografias projetadas ilustraram suas palavras. Ele mostrou ruas com calçadas movimentadas, palco de paqueras e encontros entre amigos, em um forte contraste com as cenas anteriores de caos no trânsito.
Cidades para pessoas >> Jan Gehl
Um dos grandes nomes da arquitetura mundial hoje, com escritório em Copenhague, que planeja e executa projetos para países em quase todos os continentes, Jan Gehl apresentou em sua conferência o tema de seu livro mais recente, o Cidades para as Pessoas. A ideia central, com a qual ele já trabalha há alguns anos, é que o planejamento urbano nas cidades não deve se estruturar para acomodar mais e mais automóveis, como se vê na maior parte das metrópoles. O espaço urbano deve, antes de mais nada, ser aprazível para as pessoas que ali habitam. O arquiteto chamou a atenção para o fato de que, para se ter uma cidade mais sustentável, não basta haver construções sustentáveis. Sua proposta é bem mais abrangente: “Se todos os prédios de uma cidade forem sustentáveis, isso não quer dizer que essa cidade também seja”, disse, enquanto exibia a foto de edifícios altíssimos e modernos em metrópoles do mundo. “Vamos ser ambiciosos e fazer cidades para pessoas que sejam também sustentáveis”, acentuou o dinamarquês. Gehl propõe uma reflexão sobre o papel decisivo do local, na era do global. Para ele, os esforços feitos no âmbito das cidades são fundamentais para gerar também um planeta melhor, do ponto de vista da sustentabilidade. Em sua apresentação, o arquiteto e professor situou o problema historicamente ao lembrar que, nos anos 1960, houve uma invasão dos carros nas grandes cidades europeias, e a preocupação central dos governantes passou a ser acomodá-los. “Os engenheiros de trânsito se tornaram os todo-poderosos”, disse. “Nos últimos 50 anos, a gente foi perdendo a noção de que o trânsito causou uma perda considerável de qualidade de vida e abalou a dignidade dos cidadãos”, acrescentou, enquanto mostrava à plateia imagens de engarrafamentos monumentais e de vias sem espaços para pedestres.
46
Opening Conference: CITIES FOR PEOPLE Jan Gehl Jan Gehl is one of the great names in international architecture today. Based in Copenhagen, he has planned and implemented projects in countries on almost every continent. At the conference, Gehl presented the theme of his most recent book, Cities for people. The central idea is one that he has been working on with for several years; urban planning in cities should not be structured to accommodate a growing number of cars, as we see in most large cities. The urban space must, first and foremost, be pleasant for the people who live there. The architect pointed out that for a city to be more sustainable, it is not enough to have sustainable buildings. His proposal is much broader than that: “even if all the buildings in a city were sustainable, that wouldn’t mean that the city was sustainable,” he said, as he presented a photo of the tallest and most modern buildings in metropolises around the world. “Let’s be ambitious and make cities for people that are also sustainable,” emphasized the Danish architect. Gehl suggested a reflection on the importance of our local community, in the era of a global world. He stated that the efforts in the cities are essential for creating a more sustainable world. In his presentation, the architect and professor remembered the historic context of the issue by describing how in the 1960s, cars began to invade all major European cities and the governments’ main concern became how to accommodate them. “Traffic engineers became very powerful,” he said.
“Há muito mais no caminhar do que caminhar. Caminhar é uma forma de transporte, mas traz muitos outros benefícios. Você pode andar e conversar, andar e observar ou ser observado o caminhar é a própria; vida na cidade! Eu os convido a essa experiência”, disse. Gehl destacou que, quando as pessoas frequentam as vias públicas, estas normalmente ficam mais seguras. E defendeu um transporte público de qualidade, que ofereça conforto e segurança aos seus usuários, e funcione 24 horas por dia. Outra vantagem de sua proposta é o ganho em saúde. Para o arquiteto, as pessoas não têm se movimentado o suficiente, mas uma mudança de estilo de vida pode ajudar a mudar essa realidade. Segundo ele, há pesquisas médicas indicando que uma pessoa magra e sedentária tem a saúde mais frágil do que a de um obeso que se exercita. Na parte final de sua apresentação, o arquiteto exibiu projetos que ajudou a desenhar para implementar essas ideias nas cidades de Copenhague, Melbourne, e Nova Iorque. Agora está contribuindo também para a urbanização de Moscou. Nessas cidades, segundo ele, a qualidade de vida aumenta a cada dia. Como diretriz geral, recomenda uma redução lenta, mas progressiva, do número de vias para carros e dos estacionamentos. Em paralelo, deve haver um alargamento de calçadas e ampliação de praças e áreas verdes, além da construção de ciclovias e bicicletários, de modo a permitir uma integração entre o transporte complementar e o transporte público. “Em Copenhague, não há mais engarrafamentos. Do aeroporto ao Centro, são dez minutos”, contou. Lá, a maior parte das famílias tem, além da bicicleta convencional, bicicletas de carga, nas quais costumam levar seus filhos, compras ou o que for preciso. Tantas pessoas utilizam bicicletas, que às vezes há engarrafamentos de bicicletas – o que considera um ótimo problema. “Foi preciso criar pistas de velocidade para as bicicletas. O hábito de usar esses veículos conquistou de tal forma os moradores, que até mesmo no frio, as pistas ficam cheias”, acrescentou.
“In the last 50 years, we have lost sight of how traffic has caused an enormous loss of quality of life and affected the dignity of citizens,” he added, showing the audience images of enormous traffic jams and clogged roads without any space for pedestrians. Instead, Gehl proposes reducing road space for cars and expanding sidewalks and bike paths. “We need more attractive and vibrant cities that invite people to live a healthier lifestyle,” he said. Again, photographs illustrated his words. He showed streets with busy sidewalks, where people gather to flirt and meet friends, a sharp contrast with the earlier chaotic traffic scenes. “There is a lot more to walking than just walking. Walking is a form of transportation, but it offers many other benefits. You can walk and talk, walk and observe or be observed, walking is life itself in the city! I invite you all to try this experience,” he said. Gehl underlined that when more people access public roads, safety usually increases. He argued in favor of quality public transportation that offers its users comfort and safety, operating 24 hours a day. Another advantage of his proposal is the health benefit. According to the architect, people haven’t been active enough, but a change in lifestyle could help change this reality. He stated that there are medical studies that indicate that a thin sedentary person may be less healthy than an obese person who exercises. In the final part of his presentation, the architect exhibited the projects he helped design to implement these ideas in Copenhagen, Melbourne and New York. He is now also contributing to the urbanization of Moscow. In these cities, the quality of life is increasing day by day. As a general guideline, he recommends a slow but progressive reduction in the number of roads for cars and the number of parking lots. At the same time, there should be a widening of sidewalks and an expansion of squares and green spaces, in addition to building bike paths and bike
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
47
Em Nova Iorque, num curto espaço de tempo foram construídos 400 quilômetros de ciclovias. Localidades turísticas famosas, como a Broadway e a Times Square, foram fechadas para automóveis. A região passou a abrigar cafés onde novaiorquinos e visitantes podem se sentar para apreciar a cidade. Na sessão de perguntas, quando um dos arquitetos presentes na plateia falou da especificidade de o brasileiro adorar automóveis, Gehl disse que ouviu isso em cada cidade que adotou sua proposta, e todas estão mais agradáveis agora. Ele assegurou que os donos dos automóveis também estão felizes com a mudança.
storage facilities, to allow the integration between complementary transportation and public transportation.
In a short period of time, New York built 400 kilometers of bike paths. Famous tourist destinations, such as Broadway and Times Square, were closed for cars. Cafés have sprung up in these areas where New Yorkers and visitor now gather to enjoy the city.
“In Copenhagen, there are no more traffic jams. It takes ten minutes to go from the airport to downtown. Most families not only have a regular bike, but also a cargo bike for transporting their children, groceries or whatever else they need. So many people ride bikes that you sometimes get bike traffic jams – which is a great problem to have. “We had to build high speed bike lanes. Residents have become so used to riding their bikes that even on cold day the bike lanes are packed,” he added.
Capa do livro “Cities for people”, Jan Gehl, 2010
Book cover of “Cities for people”, Jan Gehl, 2010
Capa do livro “Public spaces, public life”, de Jan Gehl & Lars Gemzoe, 1968
Book cover of “Public spaces, public life”, by Jan Gehl & Lars Gemzoe, 1968
“
É uma honra estar nesta casa num momento tão decisivo, em que se discute como as metrópoles podem enfrentar o tema da sustentabilidade. Hoje essa questão aponta para uma revalorização do espaço, do território e sua centralidade. Talvez o século XXI represente um século urbano, mas com a novidade de trazer a responsabilidade estratégica de se lidar com o desenvolvimento sustentável. O professor Jan Gehl, nosso conferencista, amplia a discussão sobre esse tema. São décadas e décadas de experiência, em Copenhagen e muitas outras cidades do mundo, dezenas de livros publicados, difundindo a ideia de que as cidades devem ser feitas, antes de mais nada, para as pessoas. Gehl nos fala da centralidade do espaço público e da busca da escala humana nos projetos urbanos, entre outros aspectos que nos colocam questões éticas, estéticas e políticas e apontam para uma transformação no papel do arquiteto nos dias de hoje.
During the Q& A session, when one of the architects from the audience talked about Brazilians’ fondness for cars, Gehl said he has heard this argument in every city that has adopted his proposal, and all of them are much more pleasant cities today. He confirmed that even the car owners are happy with the change. “It is an honor to be here at such a decisive moment, when we are discussing how metropolises can address the issue of sustainability. Today this question points to a renewed appreciation of space, territory and its centrality. Perhaps the 21st century represents the urban century, but with a strategic responsibility to deal with sustainable development. Professor Jan Gehl, our conference speaker, expands the discussion on this topic. He has many decades of experience, in Copenhagen and in numerous other cities around the world, and he has published dozens of books published that promote the idea that cities should be made, first and foremost, for people. Gehl talks about the centrality of public space and the search for a human scale in urban projects, as well as other aspects that raise ethical, aesthetic and political issues, and that point to a transformation in the role of architects today.” Pedro Claudio Cunca Bocaiúva, commentator
”
Pedro ClAudio Cunca Bocaiúva, comentarista
48
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
49
Jan Gehl | Entrevista por Rosa Lima
“
JAN GEHL O propósito da cidade é fazer as pessoas – e não
os carros – felizes.
”
“The goal of cities is to make people– and not cars – happy.” Jan Gehl
Jan Gehl Depois de arrancar risos, aplausos e encantar a plateia que lotou o auditório do IAB-RJ para ouvir sua conferência sobre “Cidades para Pessoas”, o arquiteto dinamarquês Jan Gehl concedeu a entrevista a seguir. Com a mesma simplicidade, simpatia e bom humor exibidos na palestra, ele falou de coisas aparentemente óbvias, mas que, esquecidas, têm imposto uma qualidade de vida extremamente precária para muitas cidades do nosso tempo. No centro de toda a conversa, estão sempre as pessoas. Os valores humanos, a escala humana. São eles que norteiam todos os seus projetos de arquitetura e urbanismo e que, segundo Gehl, precisam ser resgatados pelos formuladores e gestores públicos nas cidades do século XXI.
50
Interview by Rosa Lima
After generating laughter and applause and delighting the audience that packed the lecture hall of the IAB-RJ to listen to his conference on ‘Cities for People’, Danish architect Jan Gehl granted this interview. Displaying the same simplicity, friendliness and sense of humor as he did in his lecture, Gehl talked about apparently obvious issues that are sometimes forgotten, and that have resulted in an extremely precarious quality of life in many cities today. At the heart of the conversation are always the people; human values, a human scale. These are the notions that guide all his architecture and urban planning projects, and Gehl believes that policy makers and government administrators need to restore these to our 21st century cities.
ROSA LIMA – O crescimento do Rio de Janeiro se deu segundo um modelo rodoviarista com ênfase nos carros particulares. Nesse contexto, como se pode pensar uma cidade para pessoas?
ROSA LIMA– Rio de Janeiro’s growth has been based on a road model with an emphasis on private car use. In this context, how can we think about a city for people?
JAN GEHL – Na minha apresentação, falei de um bom número de cidades que mudaram esse padrão. No meu livro Novos espaços urbanos, falamos de três tipos de cidade: a cidade tradicional, a cidade invadida e a cidade reconquistada. A cidade tradicional era a que todos tínhamos antes de 1960, mais ou menos construída em função da vida das pessoas. Aí veio a invasão dos automóveis e começamos a construir as cidades de maneira que os carros pudessem ser felizes. E então passamos a ter um número crescente de cidades reconquistadas, aquelas em que alguém – pode ser o prefeito, como em Curitiba, ou, como em Bogotá, Estrasburgo ou Copenhague, pode ser um arquiteto ou um grupo político, que se levanta e diz: “ei, servir aos carros não pode ser o propósito da cidade. Precisamos resgatar outros valores da cidade, valores humanos!”. Essas cidades reconquistadas, como as chamamos, são então caracterizadas pela busca de um bom equilíbrio entre três funções: um lugar de encontro para as pessoas, um lugar de mercado de bens e serviços e um lugar de mobilidade, onde se podem conectar diferentes espaços. O que ocorreu com a chegada dos carros foi que a função mobilidade passou a ser preponderante sobre as demais. Depois de um tempo a cidade ganhou uma feição tal que parecia que a razão de sua existência era apenas se mover e não o encontro entre pessoas e as trocas comerciais. O mercado foi empurrado para dentro, mas o encontro foi cancelado, e as pessoas, separadas umas das outras. Essas cidades reconquistadas estão tentando restabelecer esse equilíbrio perdido, tentando assegurar que haja espaço suficiente para as pessoas se encontrarem, para caminharem e ter vida comunitária, para que a vida social tenha condições de existir. E nesse processo descobrimos, através de pesquisa, que o ambiente urbano edificado tem um efeito enorme sobre o que as pessoas podem ou não podem fazer na cidade. Se voltarmos aos anos 1960, quando os modernistas chegaram, ninguém sabia até então que a maneira como construímos as cidades tem influência sobre nosso estilo de vida ou sobre nossas condições de vida. Não existia pesquisa sobre isso. Então, eles achavam que a vida seguiria igual, business as usual, com prédios e um monte de carros entre eles. O que se descobriu, é claro, é que se você constrói cidades assim, você mata a vida. Jane Jacobs foi a primeira a chamar atenção para isso com seu livro Morte e vida de grandes cidades. Hoje faz 51 anos que ela escreveu esse livro revolucionário, e de lá para cá um número crescente de pessoas começou a fazer essa relação do que acontece com a cidade se você preenche todos os seus espaços com automóveis.
JAN GEHL – In my presentation I talked about a good number of cities that have been able to change this pattern. In my book New urban spaces, I talk about three types of cities: the traditional city, the invaded city and the re-conquered city. The traditional city is what we all had prior to 1960. It was built more or less to suit the way people lived. Then came the invasion of the automobile and we started to build cities to make cars happy. And then we began to see a growing number of re-conquered cities, those cities where someone – it could be the mayor, like in Curitiba, or an architect or a political group, like in Bogotá, Strasbourg or Copenhagen – stands up and says “Hey, serving cars should not be the purpose of a city. We need to restore other values for the city, human values!”. These re-conquered cities, as we call them, are characterized by the search for a balance between the following three functions: a meeting place for people, a market place for goods and services and a place of mobility, where different spaces can connect. What happened with the arrival of cars was that the mobility function overshadowed all other functions After a while, the city’s sole reason for existence seemed reduced to mobility and not the meeting of people or commercial exchanges. The market was pushed inward, but the meeting place was eliminated and people became separated from each other. These re-conquered cities are trying to reestablish this lost balance, trying to ensure enough space for people to meet, to walk and live a community life, offering the conditions for the existence of a social life. Through research we have discovered that in this process the urban built environment has an enormous impact on what people can or cannot do in a city. Back in the 1960s, when the modernists arrived on the scene, nobody knew that the way that we build cities would influence our lifestyle or our living conditions. There was no research on this. So they thought that life would continue as usual, business as usual, with buildings and a whole bunch of cars among them. Of course we discovered that if you build cities that way, you kill life. Jane Jacobs was the first person to draw attention to this in her book Life and death of great American cities. It has
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
51
Hoje já sabemos muito sobre isso e sobre o que fazer para evitar que a vida seja extinta. O que as cidades que têm os mesmos problemas que o Rio de Janeiro estão fazendo é repensar esse modelo e buscar um equilíbrio nas funções da cidade, abrindo mais espaços para as pessoas caminharem e se encontrarem. Isso é bom para a saúde e para a vida pública em todas as suas conotações. Poder andar, sentar, olhar, conversar e compartilhar no espaço público é extremamente importante para a vida humana. É uma questão de reajustar o equilíbrio como estão fazendo essas cidades que eu cito no livro: Barcelona, Lyon, Curitiba, Copenhague, Estrasburgo, Melbourne, Portland, Freiburg e Córdoba, que fizeram muitas coisas interessantes. Eu não conhecia, quando escrevi o livro, o exemplo de Bogotá, senão o teria incluído também. É possível mudar esse modelo com políticas públicas quando se pensa que o propósito da cidade é fazer as pessoas – e não os carros – felizes. R.L. – O Rio segue se expandindo horizontalmente com densidade populacional baixa. Quais as consequências disso e o que deve ser feito na busca de uma cidade mais sustentável? J.G. – Toda essa expansão horizontal é um produto da gasolina barata. E gasolina barata é coisa do passado, não voltará mais. Além disso, ficaremos sem ela nos próximos 20 ou 30 anos. Portanto, toda a base dessa expansão está se extinguindo e isso nos coloca um desafio muito sério. A forma de se criarem novos assentamentos hoje é construí-los como contas de um colar ao longo da linha dos trens ou bondes, de maneira que haja cidades passíveis de serem percorridas a pé com estações entre elas. É assim que se faz planejamento urbano moderno nos dias de hoje. Acredito que Melbourne seja um exemplo muito interessante: lá eles dobraram a população de 3 para 6 milhões de habitantes, adensando os subúrbios, ou seja, simplesmente construindo, ao longo da linha do trem, prédios de cinco ou seis andares cercados de bulevares. Eles se deram conta de que teriam que derrubar 20% das casas, mas poderiam deixar 80% intocadas. Dessa forma, as pessoas puderam ter acesso a serviços muito melhores já disponíveis nos bairros, como clínicas, escolas, farmácias e transporte público, em vez de terem de ir para um lugar novo e mais distante onde não havia nada. Essa é uma boa forma de se resgatarem os subúrbios, dando-lhes vida nova a partir do adensamento, não com arranha-céus, mas com prédios baixos de até seis andares. O arquiteto Rob Adams foi o homem milagroso que transformou Melbourne. Ele conseguiu enquadrar seis prefeitos e fez uma coisa fantástica. Atualmente, trabalha no nosso escritório como consultor sênior, nos ajudando no projeto de Nova Iorque e também no de Moscou.
52
been 51 years since she wrote this revolutionary book and since then a growing number of people have made the connection with what happens to a city when you fill all of its spaces with cars. We now know a lot about this and how we can prevent life from going extinct. Cities with the same problems as Rio de Janeiro are rethinking this model and looking for a balance in the city’s functions, creating more spaces for people to walk and meet. This is good for people’s health and for public life in every sense. To be able to walk, sit, look, talk and share in a public space is extremely important for human life. It is a matter of readjusting the balance, as they are doing in the cities that I quote in the book: Barcelona, Lyon, Strasbourg, Copenhagen, Melbourne, Portland, Freiburg and Córdoba. These cities are doing many interesting things. When I wrote the book I wasn’t familiar with the example of Bogotá, otherwise I would have included it as well. When we consider that the purpose of a city is to make people – and not cars – happy, we can change this with public policies. R.L. – Rio continues to expand horizontally with low population density. What are the consequences of this and what must be done in the search for a more sustainable city? J.G. – All this horizontal sprawl is a result of cheap gasoline. And cheap gasoline is a thing of the past, it will never come back. Furthermore, we will probably run out of it in the next 20 or 30 years. Thus, the entire basis for this expansion is becoming extinct and that is posing a very serious challenge. The way we create new settlements today is by building them along a train or streetcar line, like beads on a string. This results in cities interconnected by stations where people can get around on foot. And that is what is happening in urban planning today. I think that Melbourne could be a very interesting example: they doubled their population from 3 to 6 million inhabitants, by increasing the density of the suburbs, or rather, simply building five to six story buildings surrounded by boulevards along the train line. They realized they had to knock down 20% of the houses, but could preserve 80%. This way people were able to have access to much better services that were already available in their neighborhoods, such as clinics, schools, drugstores and public transportation, instead of having to go
R.L. – Como se pode transformar um espaço público visto como “de ninguém” em um lugar “de todos”? J.G. – Se um espaço público é visto como sendo “de ninguém”, se a população dele não se apropria, é porque não é um bom espaço. A partir da minha experiência, minha opinião é que, quando se aplicam os critérios de qualidade para um bom espaço público, as pessoas o usam. Eu conheço diversos exemplos ao redor do mundo de espaços que são ignorados pelas pessoas. Nesse meu novo livro – Cidades para pessoas –, apresentamos 12 critérios de qualidade para um bom espaço público. Todos os bons espaços públicos no mundo preenchem esses requisitos. Esses critérios são apresentados no livro no capítulo sobre “Ferramentas”. É interessante que o critério “aparência” não é o principal deles. Muitos arquitetos acham que isso basta: ser bonito, com boas lâmpadas, materiais e equipamentos. Mas isso não é suficiente para que um espaço público seja bom. Nele é preciso também que as pessoas sejam protegidas do tráfego, do barulho, da violência, das intempéries; que seja um bom lugar para caminhar, para estar, para sentar, para ver e ouvir; deve prover oportunidade para as pessoas se exercitarem, brincarem e usufruírem do tempo, ter uma boa escala humana, e, por fim, deve ser um espaço bem desenhado. Se você se ativer apenas ao critério da aparência, normalmente não funciona. Mas, ao contrário, geralmente funciona se os demais critérios forem respeitados e esse não. Se você puder preencher todos os critérios, aí, é claro, terá o melhor lugar do mundo, cheio de gente. Um ponto importante a se observar é que ele não deve oferecer espaço demais. Nesse caso, menos é mais. É como em uma festa: se tiver pouca gente em um espaço grande, não fica boa. Coloque todo mundo na cozinha, e você terá uma boa festa. Também não a faça em dois andares, não funciona. Na dúvida, deixe uns metros de fora. É melhor ter espaços menores e mais aconchegantes. Nos últimos 50 anos, nós arquitetos ficamos completamente confusos sobre o que seja uma boa escala humana. Sabemos tudo sobre a escala para 60 km por hora, ou para estacionamentos. E também porque construímos esses prédios altos, achamos que eles devem ficar mais distantes uns dos outros. Isso é uma confusão. O olho humano é o mesmo. Por isso também incluímos um outro capítulo no livro sobre os sentidos humanos e o que significa uma boa escala humana. O livro vai sair em português pela Editora Perspectiva e agora estamos negociando a data do lançamento. Eu quero 2012 e eles, 2013. Vamos ver. R.L. – Seu escritório em Copenhague tem uma unidade de pesquisa. Qual o seu objetivo, que ganhos traz para a sua prática e como funciona?
to a new place, further away, without any services. This is a good way to recover suburbs, give them a new lease of life by increasing density, not with skyscrapers, but with low-rise buildings with no more than six floors. Architect Rob Adams was the miracle worker who transformed Melbourne. He was able to get six mayors onboard and perform this amazing feat. He currently works in our office as a senior consultant, helping us with the projects in New York and Moscow. R.L. - How can we transform a public space that is seen as “nobody’s” into a place “for everybody”? J.G. – If a public space is seen as “nobody’s”, if the population has no ownership, it’s because it is not a good space. Based on my experience, when you apply quality criteria to a good public space, people will use it. I know several examples of spaces around the world that are being ignored by people. In my new book – Cities for people –, we present 12 criteria for a good public space. Every good public space in the world meets these criteria. These criteria are presented in the book in the chapter about “Tools”. Interestingly enough “appearance” is not a main criterion. Many architects believe that this is all it takes: an attractive space, with good lighting, materials and equipment. But this is not enough to create a good public space. People also have to feel protected from traffic, from noise, from violence, from the elements; it has to be a good space to walk in, to be in, to sit, to see and listen; it should provide people with the opportunity to exercise, to play and to spend time. It should also have a good scale and finally, it must be a well designed space. If you only go by the criterion of appearance, it usually won’t work. But the other way around, it usually works if all other criteria are met, even if appearance is not. Of course, if you meet all the criteria you will have the best place in the world, always full of people. An important point to note is that the area should not offer too much space. In this case, less is more. It’s like at a party, if you have only a few people in a large space, it won’t work. But put everyone in the kitchen, and you will have a good party. Also don’t create two levels, it does not work. When in doubt, leave out some space. It is better to have smaller spaces that are cozier. In the last 50 years, we architects have been completely confused
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
53
J.G. – O pano de fundo para isso é que eu venho do meio acadêmico. Fui professor universitário em tempo integral durante 40 anos. E só quando eu estava prestes a me aposentar é que abri minha empresa. Isso foi em 2000, quando eu tinha 63 anos. Para mim, era lógico que era preciso fazer pesquisa o tempo todo sobre o que eu estava fazendo. Quando eu estava na universidade, podia confiar muito no meu trabalho por causa da pesquisa; então, quando montei a empresa, entendi que era importante criar no escritório uma unidade de pesquisa que embasasse os projetos. Fomos capazes de fazer isso porque existem excelentes fundações que acreditam que planejamento urbano humanista é muito importante para a humanidade. Elas me deram muito dinheiro quando eu estava na universidade e, quando saí de lá, eles continuaram me apoiando. Este livro Cidades para pessoas foi financiado por elas, assim como outros que estão saindo. Normalmente é difícil conseguir isso com o orçamento do próprio escritório. O tipo de trabalho que fazemos não é muito lucrativo, ele basicamente se paga, porque trabalhamos com base em muitos pequenos projetos ao redor do mundo, que são custosos. Não pegamos grandes contratos, como hospitais ou coisas do gênero, de forma que nosso lucro é restrito. Nos divertimos muito, viajamos muito pelo mundo e fazemos o bem. Achamos que isso nos basta. Mas nossa operação não é capaz de pagar nossas pesquisas. Dependemos das fundações para isso. Elas entendem que nossos conselhos são tão importantes que continuam nos financiando. Nunca fazemos projetos de design. Fazemos consultoria e aconselhamento. Acredito que o mundo está cheio de excelentes arquitetos, designers, paisagistas e projetistas, mas faltam bons programas sobre o que eles devem fazer. É aí que entra nosso trabalho. Em programas estratégicos. Em ideias. E a pesquisa tem papel importante nisso.
54
about what makes a good human scale. We know everything about the scale for 60 km per hour or for parking lots. And because we build these tall buildings, we think they should be further apart from each other. That is the mistake. The human eye is the same. That is why we have also included another chapter in the book about human senses and what a good human scale means. The book will be published in Portuguese by Editora Perspectiva and we are negotiating the release date. I want it to be in 2012 and they want in 2013. We will see.
1. Ambiente Estudo técnico | Cidade Sustentável, Saneamento e Ambiente >> Leo Heller
1. ENVIRONMENT
R.L. - Your office in Copenhagen has a research unit. What is your goal, what benefits does it bring to your work and how does it work? J.G. – I come from an academic background; I was a full-time university professor for 40 years, and only set up my own company when I was about to retire. That was in 2000, when I was 63 years old. For me, it made sense that the work I would be doing required ongoing research. When I was at the university, I could rely on a great deal on my work because of the research. So when I set up my company, I realized that it was important to create a research unit to provide the base for the projects. We were able to do this because there are excellent foundations that believe that humane urban planning is very important for humanity. They gave me a lot of money when I was in university, and after I left, they continued to support me. This book ‘Cities for people’ was funded by them, as well as other books that are about to published. It is usually difficult to do this only with funding from my own company. The kind of work we do is not very lucrative, it just pays for itself because we work on many small projects around the world, which is very expensive. We don’t sign big contracts, like with hospitals or things of that nature, so our profit is limited. We have great fun, travel around the world a lot and do good. We believe that is enough. But our operation is not able to fund our research. For that we rely on foundations. They understand that our advice is so important that they continue to fund us. We never do any design projects. We provide consultation and advice. I believe that the world is full of excellent architects, designers, landscape architects and planners, but there aren’t enough good programs on what they should be doing. And that is where our work comes in. With strategic programs. With ideas. And research plays an important role in this.
Technical study: Sustainable city, Sanitation and Environment Leo Heller
Francis Bogossian, Leo Heller
Um setor com um enorme passivo histórico a ser resgatado, financiamento insuficiente e marcado por uma visão tecnicista, pontual e pouco afeita ao planejamento estratégico. Assim podem ser resumidas as principais características do saneamento básico brasileiro hoje, de acordo com o professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leo Heller. Na tarde de 18 de junho de 2012, ele compartilhou com o público presente ao auditório do IAB-RJ seu estudo intitulado “Crescimento Econômico e Saneamento Básico: impactos, oportunidades e desafios para o Brasil”, encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente e Saneamento.
A sector with an enormous historical liability that must be repaired, insufficient funding and marred by a technical, short-term vision with little strategic planning. That sums up the main characteristics of Brazil’s basic sanitation, according to Leo Heller, professor of the Department of Sanitation and Environmental Engineering of the Federal University of Minas Gerais (UFMG). On the afternoon of June 18 of 2012 he shared with the audience gathered in the IAB-RJ lecture hall the results of his study entitled Economic Growth and Basic Sanitation: impacts, opportunities and challenges for Brazil, commissioned by the Ministry of the Environment and Sanitation. Leo Heller began with a diagnostic overview of the sector, affirming that the so-called conservative modernization process in Brazil wasn’t quite as successful in basic sanitation as it was with public health policies and the eradication of poverty. “When it comes to sanitation, Brazil still has an unacceptable deficit for a country with our level of development,” he stated.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
55
Leo Heller começou por traçar um diagnóstico do setor, afirmando que o chamado processo de modernização conservadora vivido pelo país não alcançou no saneamento básico o mesmo sucesso observado com as políticas de saúde e de combate à pobreza. “No saneamento, ainda temos no Brasil um déficit inaceitável para um país com o nosso nível de desenvolvimento”, afirmou. Segundo o professor, a Lei 11.445/2007, conhecida como Lei do Saneamento Básico, substituiu um vácuo de marcos regulatórios para o setor e representou o “consenso possível”: foi saudada como avanço, mas contém muitas contradições. Hoje existe o Ministério das Cidades, a participação social está garantida pelo Conselho das Cidades, mas essas conquistas, apesar de importantes, não são suficientes para fazer avançar o setor e garantir a universalização dos serviços à população. Na prática, esse déficit se traduz, segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), elaborado pelo governo federal, em uma grande parcela da população desprovida de bons serviços de abastecimento de água e esgoto. O atendimento é adequado para apenas 62% das pessoas, no abastecimento de água; 47%, no esgotamento sanitário; e 59%, no manejo de resíduos sólidos. “O desafio de abranger toda a população com atendimento contínuo e adequado não é pequeno”, argumentou Leo Heller. Além de grande quantitativamente, o déficit ainda é distribuído desigualmente no Brasil. As assimetrias são de toda ordem: regionais (Sul e Sudeste melhores do que as demais regiões; atendimento urbano melhor que rural); intraurbanas, socioeconômicas e até étnicas. Os desafios de gestão também são enormes, de acordo com Heller. Os financiamentos não só são insuficientes, mas ineficientes. “O PAC foi uma injeção de recursos enorme, num setor quase em inanição. Porém, houve muita oscilação no fluxo de dinheiro e pouco cuidado com a gestão”, disse. Para completar o quadro adverso, as intervenções na área são muito pontuais, sem articulação com uma visão de longo prazo. “O setor se ressente muito de uma cultura de planejamento estratégico”, afirmou o professor mineiro. Pelas projeções do Plansab, o Brasil deverá chegar a 2020 com o abastecimento de água universalizado nas áreas urbanas e atendendo a 77% dos domicílios das zonas rurais. A coleta de esgoto, por sua vez, deverá chegar a 91% nas cidades e a 62% no meio rural. A meta
56
According to the professor, Law 11.445/07, also known as the Basic Sanitation Law, filled a vacuum of regulatory frameworks for the sector, representing a “possible consensus”. The law was hailed as a big step forward, but still contains many contradictions. Today there is a Ministry of Cities, and social participation is ensured by the Council of Cities, but these achievements, although important, are not enough for the sector to advance and guarantee universal sanitation services for the population. According to the National Plan for Basic Sanitation (Plansab), developed by the Federal Government, a large part of the population still lacks adequate water and sewage services. Only 62% of the population receives adequate water service; 47% has access to sewage services; and 59%, to solid waste management. “The challenge of providing the entire population with continuous adequate service is not a small one,” argues Leo Heller. In addition to the large numbers involved, the deficit is also distributed unequally across Brazil. There are all types of asymmetry: regional (the south and southeast have better services than the other regions; urban services are better than rural); intra-urban, socio-economic and even ethnic. The administrative challenges are also huge, according to Heller. Funding is not only insufficient, but also ineffective. “PAC provided an enormous injection of resources to a starving sector. However, there were significant fluctuations in the flow of money and little attention was paid to the administration,” he said. To further complete this unfortunate picture, the interventions are usually very brief, without a coordinated long-term vision. “The sector suffers from a lack of a culture of strategic planning,” affirmed the professor from Minas Gerais. According to Plansab’s forecasts, by 2020 Brazil should have universal water supply in all urban areas and in 77% of all households in rural areas. Sewage service should cover 91% of households in the city and 62% in rural regions. The goal for reducing inefficiency is to reduce the so-called
para reduzir a ineficiência é que as chamadas perdas no sistema caiam dos atuais 47% para 32%. Para isso, os investimentos deverão passar dos 0,4% do PIB para 0,45%, e chegar a R$ 420 bilhões. “Em 20 anos teremos um quadro melhor, mas ainda não universalizado”, disse Leo Heller. O recado que ficou para a plateia é que dois aspectos são fundamentais para que o País alcance a universalização na área de saneamento: inserir as políticas públicas em uma visão estratégica de futuro e mudar a lógica do Estado, substituindo as medidas estruturantes ainda hoje predominantes por medidas estruturais. “Planejamento é o ponto central, em primeiro lugar. Em segundo, precisamos superar essa visão imediatista de implantar infraestrutura, de programa de obra, que não enxerga além. Se continuarmos nessa linha, teremos muito desperdício de recurso público e no futuro vamos chorar por não contarmos com um serviço que funcione a contento”, concluiu.
“
Minha preocupação, com relação às metas apresentadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico para 2020 e 2030, é se foi considerada a expansão do tecido das cidades. No caso do Rio de Janeiro, estamos com uma perda de densidade demográfica bastante expressiva, e esse modelo corresponde também às principais cidades brasileiras. Na última década, a região metropolitana do Rio aumentou a ocupação de seu território e perdeu densidade da ordem de 25%. A população cresce pouco, mas a cidade aumenta muito em território. Considerando que nós temos, no caso da Baixada Fluminense, uma cobertura de saneamento muito baixa – os dados oficiais para Nova Iguaçu são de 0,5% –, esta é uma questão de extrema importância, que, se não for revertida, pode comprometer seriamente o cumprimento das metas estabelecidas no plano.
losses in the system from 47% to 32%. To achieve this, investments will be increased from 0.4% of GDP to 0.45%, reaching R$420 billion. “In 20 years we should be in much better shape, but we still won’t have universal services,” said Leo Heller. The main message he shared with the audience is that there are two key aspects in getting Brazil to the point of universal sewage coverage: including public policies in a strategic vision of the future and changing the logic of the State Government by substituting the still predominant structuring measures with structural measures. “Planning is the central point, it comes in first place. Hence, we need to overcome this short-term vision for implementing infrastructure and construction programs that don’t look further into the future. If we continue along these lines, we will waste a lot of government money and in the future we will still be complaining about inadequate services,” he concluded. “I am concerned whether the goals presented in the National Plan for Basic Sanitation for 2020 and 2030 consider the expansion of the urban fabric. In Rio de Janeiro, we are experiencing a significant loss of demographic density and this model also applies to other major cities in Brazil. In the last decade, the metropolitan region of Rio de Janeiro expanded its territory, while losing approximately 25% of its density. The population is growing a little, but the city is greatly expanding its territory. In the case of the Baixada Fluminense we have very low sewage coverage – the official data for Nova Iguaçu say 0.5%, so this is an extremely important issue. If we do not change this it could seriously compromise the goals of the plan.” Francis Bogossian, commentator
”
Francis Bogossian, comentarista
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
57
Mesa-redonda | Questões Ambientais das Metrópoles
A ideia central das políticas públicas em vigor é reverter a dispersão geográfica com baixa densidade e investir nas zonas com grande potencial de regeneração urbana, incentivando a construção nos terrenos ociosos e trabalhando na recuperação dos espaços públicos degradados. “Temos cerca de 20% do solo urbano que podem ser reciclados. Assim como fazemos com o plástico, também podemos dar novos usos ao solo urbano, criando um espaço mais compacto e aprazível para a convivência”, destacou. A estratégia incluiu ações como a construção de novas moradias na área central da cidade, promoção de usos mistos dos edifícios, de plantas baixas ativas e muros verdes, aproveitamento de espaços ociosos como vãos sob viadutos, fechamento de ruas para pedestres, restrição ao estacionamento de carros em áreas públicas, investimento em transporte coletivo com a adoção de BRT e criação de um sistema público de bicicletas, entre outras.
Marilene Ramos, Maria Teresa Serra, Felipe Leal
>> Felipe Leal
“Uma cidade compacta, extrovertida e compartilhada” é o lema que norteia os projetos de desenvolvimento urbano hoje em curso na Cidade do México. O secretário de Urbanismo do Distrito Federal, Felipe Leal, fez uma apresentação das mudanças que vêm transformando a cara da capital mexicana desde que foi criada a Autoridade do Espaço Público, em 2000, com o objetivo de reverter a degradação que havia anos tomava conta de cidade. Quinta cidade do mundo em população – 9 milhões à noite e 13,5 milhões durante o dia, contando os que chegam para trabalhar –, ela ocupa menos de 0,1% do território do país, com 10% dos seus habitantes. Tem uma extensão de 1.500 quilômetros quadrados, dos quais 42% são de área verde. São 2,5 milhões de domicílios existentes na Cidade do México, com uma média de 3,5 pessoas em cada um deles. Segundo Felipe Leal, 80% dos cidadãos da capital utilizam transporte público – metrô, ônibus, bondes, trens e bicicletas, em cerca de 22 milhões de viagens diárias. Paradoxalmente, os automóveis, apesar de transportarem apenas 20% das pessoas que circulam pela cidade, ocupam 80% das ruas. Com os constantes engarrafamentos, o trabalhador médio gasta 3 horas para ir e voltar do trabalho diariamente. “Por isso estamos trabalhando no sentido de encurtar as distâncias para que se possam melhorar as condições urbanas e desfrutar um espaço público de qualidade.
58
Round-table: The Environmental Issues of Metropolises Felipe Leal “A compact, outgoing and shared city” that is the guiding motto for the urban development projects that are taking place in Mexico City today. The Secretary of City Planning for the Federal District, Felipe Leal, gave a presentation about the changes that have been transforming the face of the Mexican capital ever since the Authority for Public Space was created in 2000 to reverse the degradation process that had been plaguing the city for years. The fifth most populated city in the world – 9 million at night and 13.5 million during the day, including those who flock to the city to work–, Mexico City occupies less than 0.1% of the country’s territory and has 10% of the population. The city covers 1,500 square kilometers; 42% of its territory is green space. Mexico City has 2.5 million households, with an average of 3.5 persons per household.
O secretário mostrou diversos exemplos dessas intervenções em prol de espaços mais bem ocupados. Uma das principais avenidas do Centro, o Passeo de la Reforma, teve sua densidade aumentada com a construção, em terrenos baldios, de 17 grandes edifícios, 7 deles de uso misto (escritórios, comércio e residência). “Isso representa uma grande redução de gasto energético e poluição e melhora muito a mobilidade”, frisou Leal. Outro exemplo apresentado foi o da Praça da República, um marco histórico da cidade. Antes um enorme estacionamento, a praça foi fechada para carros e transformada em área de lazer, restaurando-se o monumento central, com um elevador panorâmico, a criação de fontes e iluminação apropriada. Agora vive cheia de gente, conforme se viu na apresentação. “Isso tem um caráter simbólico muito importante para a identidade do cidadão, que se sente retomando a sua cidade.” A principal rua de acesso ao centro foi fechada ao tráfego, recebeu nova iluminação e piso, e, segundo o secretário, a resposta foi imediata: “novos restaurantes e lojas foram surgindo e hoje 120 mil pessoas circulam por ela diariamente, número que chega a 200 mil nos fins de semana”. A Praça Garibaldi, tradicional ponto dos mariachis, também foi restaurada, ganhou um Museu da Tequila e voltou a ser plenamente ocupada. “Depois disso, a delinquência no local foi reduzida em 90%”, disse Felipe Leal.
According to Felipe Leal, 80% of citizens use public transportation – subway, buses, streetcars, trains and bicycles, with approximately 22 million daily trips. Paradoxically, even though cars transport only 20% of people who move through the city, they occupy 80% of the streets. With constant traffic jams, a worker spends an average of three hours each day to go to and from work. “That is why we are trying to reduce distances so we can improve urban conditions and give people quality public space to enjoy.” The central idea of the current public policies is to reverse low density urban sprawl and invest in regions that have a great potential for urban renewal, encouraging construction on empty lots and recovering degraded public areas. “Approximately 20% of our urban land can be recycled. Just as we do with plastic, we can also find new use for our urban land, creating a more compact and pleasant living space,” he emphasized. The strategy includes some of the following actions: building new housing in central parts of the city, promoting the mixed use of buildings, low-rise construction with green walls, the use of vacant spaces, for example under viaducts, closing streets to car traffic and allowing only pedestrian use, parking restrictions in public areas, investments in public transportation by adopting BRTs and creating a public bicycle system. The secretary of city planning showed several examples of these interventions which have resulted in the better use of public spaces. The city increased the density of one of the main downtown avenues, the Passeo de la Reforma, by building 17 large buildings on empty lots; seven of these buildings have mixed use (offices, commerce and housing). “This greatly reduced energy use and pollution, and significantly improved mobility,” highlighted Leal.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
59
O secretário informou ainda que a restrição do espaço para carros, acompanhada do investimento em transporte público, representou a emissão de menos 400 milhões de toneladas de CO2 nos últimos cinco anos – uma redução de 34%, tirando da capital mexicana o título de cidade mais poluída do planeta. E concluiu afirmando que “mais do que criar novos espaços, resgatar os existentes e devolvê-los à população é o que garante uma cidade sustentável, mais extrovertida, acessível, segura e atrativa para todos”.
Teto verde do Palácio Virreinal, Cidade do México, 2012
Green roof of the Virreinal Palace, Mexico City, 2012
Another example was that of the Plaza de la República, a historic landmark in the city. Previously, the square had been a huge parking lot. It was closed to traffic and transformed into a leisure area. The main monument was restored and equipped with a panoramic elevator, fountains were built and appropriate lighting installed. The presentation showed that the square is now always packed with people. “This has a very important symbolic meaning for the identity of citizens, who feel they are regaining ownership of their city.” The main access road to downtown was closed to traffic, equipped with new lighting and resurfaced. According to the secretary, the response was immediate. “New restaurants and shops began to emerge and today 120 thousand people a day use this area, on weekends this increases to 200 thousand people.” Plaza Garibaldi, the traditional gathering place of the Mariachi musicians, was also renovated. A Tequila Museum was built and the area is now fully used again. “After these changes, delinquency in this area dropped by 90%,” said Felipe Leal. The secretary also said that restricting the amount of space for cars, accompanied by investments in public transportation, represented a reduction of 400 million tons of CO2 in the last five years – a 34% reduction, causing Mexico’s capital to lose its position as the most polluted city in the world. He concluded by affirming that “it is not by creating new spaces, but by restoring the existing spaces and returning those to the population that we ensure a sustainable city, a more outgoing, accessible, safe and attractive city for everybody.”
Rua convertida para pedestres, Cidade do México, 2012
Street converted for pedestrians, Mexico City, 2012
60
>> Marilene Ramos
“A única maneira de melhorarmos a qualidade da água de forma sensível e atingirmos a meta de despoluição da Baía de Guanabara para 2016 é por meio do sistema de tratamento de tempo seco. Sem isso não chegaremos lá. Sei que a questão é extremamente polêmica, exige mudança na legislação para ser adotada, porque a Constituição determina o tratamento de esgoto em rede unitária, mas eu defendo o sistema de tempo seco como meio de se buscar atingir tratamento de uma quantidade maior em curto espaço de tempo. Foi o sistema de tempo seco que salvou o sistema lagunar em Araruama e Saquarema. Se formos esperar o sistema de esgoto passar em cada rua e conectar cada casa, isso levará décadas, e aumentará ainda mais o passivo ambiental da baía.” A afirmação enfática foi feita pela presidente do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (INEA), Marilene Ramos, no debate que se seguiu a sua apresentação sobre questões ambientais das metrópoles. Marilene respondia à pergunta de um dos presentes que indagara como o Inea se posicionava sobre o fato de cidades como Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, possuírem, em cerca de 80% do seu sistema de esgoto em rede unitária direcionados para os rios, sem nenhum tratamento. Em situações como essa, em vez de construir as tubulações do saneamento convencional, o governo defende que o esgoto seja bombeado para pequenas estações de tratamento nas localidades. A expressão «tempo seco» refere-se à impossibilidade de usar o sistema em dias de chuva, pelo risco de o esgoto transbordar. Segundo Marilene, a tecnologia, apesar de criticada por muitos sanitaristas, possibilita uma melhora na qualidade da água de lagoas, baías e praias. O projeto foi apresentado ao governo pelo biólogo Mário Moscatelli e é considerado pela Secretaria do Ambiente uma solução emergencial para melhorar a qualidade da água da baía a tempo de se realizarem os jogos. “Esse sistema não pode ser considerado solução final para o tratamento de esgoto, e sim complementar, à espera da instalação futura de uma rede de esgoto”, disse. A fala da presidente do Inea recebeu apoio imediato e irrestrito do presidente do IAB, Sérgio Magalhães, que colocou o espaço do Instituto à disposição para a realização de um amplo debate sobre o tema. “Eu me incluo entre os que consideram que a recuperação da baía é um dos mais importantes pilares para se reestruturar a metrópole.
Marilene Ramos “The only way we can significantly improve the water quality and reach our goal to reduce pollution in Guanabara Bay in time for 2016 is with a dry weather flow sewage treatment system. Without this system we will never get there in time. I know that the issue is extremely controversial. It will require a change in legislation because the Constitution dictates that sewage treatment must be provided by a single network, but I advocate the use a dry weather system to achieve the greatest amount of treatment in the shortest possible time frame. It was this treatment that saved the lagoon system in Saquarema and Araruama. If we wait for the sewage system to be installed in every street and hooked up to every home, it will take decades, and it will even further increase the environmental damage in the bay.” This clear statement was made by the president of the State Environmental Institute of Rio de Janeiro (INEA), Marilene Ramos, during the discussion that followed her presentation about the environmental issues of metropolises. Ramos was answering a question from one of the guests who wanted to know what the position of INEA was on cities such as Nova Iguaçu, in the Baixada Fluminense, that dump 80% of the sewage from their sewage network untreated into the rivers. In situations such as these, instead of installing conventional sewage pipes, the government calls for the sewage to be pumped to small sewage treatments stations in the communities. The term ‘dry weather’ refers to rainy days when the system cannot be used, due to the risk of sewage overflowing. Although criticized by many sanitation engineers, Ramos states that the technology improves the quality of the water in the lagoons, bays and beaches. The project was presented to the government by biologist Mario Moscatelli and is being considered by the State Secretary of Environment as an emergency solution to improve the water in the bay in time for the Games. “This system should not be regarded as
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
61
Você comentou que é preciso haver uma mudança institucional para que isso seja possível. Eu gostaria de sugerir que nós organizássemos um seminário para discutir esse assunto, do qual possamos retirar uma posição que ofereça respaldo a essa tese, e que possa se transformar uma causa em benefício de nossa cidade metropolitana.” Marilene agradeceu e aceitou o oferecimento. Na sua apresentação, ela falou dos desafios ambientais da Região Metropolitana do Rio, que engloba dois maciços – da Tijuca e da Pedra Branca – cercados por ocupação urbana com toda sorte de problemas: ocupação desordenada, perda de cobertura florestal, degradação da água, poluição, lixões, áreas contaminadas, desastres naturais e vulnerabilidade às mudanças climáticas. A qualidade da água dos rios da cidade está totalmente comprometida. A fonte é o esgoto urbano sem tratamento. E essa situação decorre da falta de saneamento. Levantamento do Inea, com base no ICMS Verde, aponta que 33% do esgoto são tratados no estado. Há cinco anos, eram 20%. “Mas é ainda insuficiente para reverter o quadro”, afirmou. A meta estabelecida no pacto pelo saneamento é chegar a 2018 com 80% do esgoto tratados e coletados. O desafio, segundo a engenheira, é grande por causa da baixa capacidade de investimentos no setor. “Mas hoje temos uma grande oportunidade de virar o jogo com o legado das Olimpíadas”, lembrou Marilene. Como conquistas, ela contabilizou o fato de o estado já ter alcançado desmatamento zero, de ter recuperado 5% da cobertura vegetal, de ter fechado o lixão de Gramacho e caminhar a passos largos para cumprir a meta de ter 85% do lixo coletados em aterros sanitários.
Urbanização do Rio Sarapuí – Programa de Aceleração do Crescimento PAC- Rios da Baixada Fluminense, RJ, 2010
Sarapuí River urbanization – Growth Acceleration Program PAC - Rivers of Baixada Fluminense, RJ, 2010
62
the end solution for sewage treatment, but rather as complementary, while we await the future installation of a sewage system,” he explained. This statement by the president of INEA received immediate and unconditional support from the IAB president, Sérgio Magalhães, who offered a space at the institute to host a broad debate on the issue. “I also believe that the recovery of the bay is one of the most important pillars for restructuring the city. You mentioned that it requires an institutional change to make this possible. I would like to suggest that we organize a seminar to discuss this issue, so we can form a position that will support this thesis and we can transform this cause into a benefit for our metropolitan city.” Marilene Ramos thanked the IAB and accepted the offer. In her presentation, she talked about the environmental challenges in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro, which encompasses two mountain massifs – Tijuca and Pedra Branca – surrounded by urban settlements with a variety of problems: disorganized occupation, loss of forest coverage, degradation of the water quality, pollution, garbage dumps, contaminated areas, natural disasters and vulnerability to climate changes. The water quality of the city’s rivers is completely compromised. The source is untreated urban sewage, which is a result of a lack of sanitation services. An assessment by INEA, based on ICMS (State Tax on Circulation of Goods and Services), Verde, showed that only 33% of sewage in the state of Rio de Janeiro is treated. Five years ago, this was 20%. “But it is still insufficient to reverse the situation.” The goal that has been established in the sewage agreement is to collect and treat 80% of all sewage by 2018. According to the engineer, the challenge is huge because investments in this sector are low. “But today we have a great opportunity to turn the tables because of the Olympic legacy,” stated Ramos. Among some of the State’s achievements, Ramos listed reducing deforestation to zero, restoring 5% of the forest coverage and closing the
O controle de inundações e a convivência com desastres ainda representam desafios grandes, mas também já se registram avanços. O Projeto Iguaçu dragou 60 quilômetros de rios, removeu de áreas de risco de inundação e reassentou 2.500 famílias e também criou a APA do Alto Iguaçu. E já está quase finalizado o sistema de alerta contra temporais, com a criação em todo o estado de 64 estações hidrometereológicas e dois radares metereológicos. A poluição do ar é outro problema gravíssimo, mas Marilene falou com orgulho que o Estado do Rio é o único do Brasil a fazer vistoria veicular anual, com reprovação para os carros desregulados. Não é um dado trivial, levando-se em conta que o inventário de emissões de gases poluentes locais aponta que 77% vêm das fontes móveis. Outra boa notícia é a verba do Fundo de Proteção Ambiental: “Hoje temos R$ 360 milhões no fundo, que é todo aplicado em meio ambiente. Com isso temos conseguido alavancar projetos e esperamos cumprir com todos os compromissos para 2016 que nos deixe o legado de um meio ambiente melhor”, disse Marilene Ramos.
“
Gostaria de fazer três ponderações a partir do que ouvimos aqui hoje. A primeira é que o mundo em que estamos vivendo e para o qual caminhamos é um mundo cada vez mais urbanizado. Portanto, o fato de cidades como Copenhague, Rio de Janeiro e Cidade do México poderem compartilhar experiências e aprender umas com as outras é de grande valia. A segunda observação é que esta reunião foi muito feliz em nos permitir passar pelas três grandes escalas das quais depende a sustentabilidade urbana: da macroescala – da infraestrutura, das grandes redes – até a microescala – do nível do desenho –, nos dando a medida dos grandes desafios que temos que enfrentar. Finalmente, acabamos batendo na questão da mudança de paradigmas tecnológicos que poderão requerer novas legislações e novos desenhos institucionais. Fica então o convite para que esse debate prossiga.
”
Gramacho landfill. The city is also well on its way to meet its goal of collecting 85% of all its waste in sanitary landfills. Flood control and disaster management remain huge challenges, but here the city has also made some progress. The Iguaçu Project dredged 60 kilometers of rivers, removed 2500 families from flood-prone areas and resettled them elsewhere, and created the Alto Iguaçu Environmental Protection Area (APA). Furthermore, the city has almost completed its storm alert system, setting up 64 weather stations across the state to measure rainfall and two weather monitoring radars. Air pollution is another serious problem, but Marilene Ramos was proud to share that the state of Rio de Janeiro is the only one in Brazil that conducts annual vehicle emission inspections, failing poorly tuned cars. This is not a trivial statistic, as studies have shown that 77% of local pollution emissions come from mobile sources. Another piece of good news is the funding of the Environmental Protection Fund: “Today, this fund contains R$360 million, which is entirely spent on the environment. As a result we have been able to set up various projects and we expect to meet all our commitments so that 2016 will leave us with the legacy of a better environment,” said Marilene Ramos. “I would like to make three points based on what we have heard today. The first is that the world in which we live today and where we are heading in the future, is an increasingly urbanized world. Therefore, it is very valuable that cities like Copenhagen, Rio de Janeiro and Mexico City can share experiences and learn from each other. Secondly, this meeting has been a wonderful opportunity for us to reflect on the three major scales on which urban sustainability depends: ranging from the macro – the infrastructure, the large networks, to the micro – the level of design, which shows us the major challenges we have to address. Finally, we ended up discussing the issue of changing technological paradigms that may require new legislation and new institutional designs. I would therefore like to invite you to continue this debate.” Maria Teresa Serra, mediator
Maria Teresa Serra, mediadora
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
63
2. Habitação Estudo técnico | Cidade Sustentável e Habitação
A demanda por materiais de construção já é forte e tende a se intensificar. “Mais de 50% dos recursos extraídos da natureza são destinados à construção. Uma vez que não há como miniaturizar nossa matéria-prima, como na indústria eletrônica, o setor continuará sendo um grande demandante”, complementou. Outro problema ambiental envolvido na indústria da construção civil é o alto consumo de água e energia. Segundo John, logo os edifícios irão consumir 10% da água e 40% da energia mundial, e responderão por 25% das emissões de CO2. A geração de resíduos também preocupa. A solução, para ele, não passa pelo uso do chamado green building (construção verde), que vem sendo divulgado como grande solução para tornar as construções mais sustentáveis. “O motivo é que o conceito de green building foi desenvolvido em nações com muitos recursos financeiros e tecnológicos e baixo déficit habitacional. Na prática, não tem aplicabilidade em nações em desenvolvimento, como a nossa, ou em países mais pobres”, disse, categórico. A cor dos materiais utilizados, principalmente em países pobres, tem contribuído para o aquecimento nas grandes cidades. “Quanto mais pobre é a construção, mais escuro é o telhado e mais quente fica a casa; são coisas que não estão na agenda ambiental, mas deveriam estar”, enfatizou.
João Whitaker, José Conde Caldas, Wanderley John
>> Vanderley John
As metas em curso para se acabar com o déficit habitacional, no Brasil e no mundo, têm gerado imenso ganho social. Ao mesmo tempo, desafiam governos, empresas, organizações não governamentais e cientistas a buscarem soluções para minimizar os danos ao meio ambiente. É o que se pode concluir da palestra do engenheiro e professor Vanderley John, do Instituto Politécnico da Universidade de São Paulo (Poli/USP). Segundo ele, até 2030 serão construídas 96 mil casas ao dia, em especial nos países pobres e em desenvolvimento. No Brasil, a meta é de 22 milhões de moradias até 2022. “Para cumprir essas metas, é preciso aumentar a velocidade das construções e a capacidade de provê-las de infraestrutura, o que requer um volume alto de investimento e, inevitavelmente, irá provocar danos ambientais”, afirmou.
64
2. HOUSING Technical study: Sustainable city and Housing Vanderley John The current goals that have been established to eliminate the housing shortage, both in Brazil and around the world, have generated enormous social benefits. At the same time, the issue challenges governments, businesses, nongovernmental organizations and scientists to find solutions to minimize the damages to the environment.
Outro problema, no que se refere a materiais, está no fato de que ainda não há substituto viável para o cimento. “Nosso consumo per capita de cimento é maior do que o de comida, e não se monta uma escala dessa dimensão da noite para o dia”, acrescentou. Embora essa agenda para minimizar problemas ambientais seja global, o professor da USP defende a busca de soluções locais. Para ele, normalmente, quando o País busca pacotes importados, acaba “errando feio”. E lembrou que os compromissos por país, em negociações globais, devem ser diferenciados. “Um americano gasta em média oito vezes mais energia do que um brasileiro, é um consumo maciço. Para reduzir o consumo aqui, só se abrirmos mão da geladeira”, brincou.
That was the conclusion from the lecture presented by engineer and professor Vanderley John, from the Polytechnic Institute of the University of São Paulo (Poli/USP). In his opinion, through to 2030, there will be 96 thousand houses built every day, especially in poor and developing countries. In Brazil, the goal is to build 22 million houses by 2022. “To meet these goals, we need to increase the speed of construction and our capacity to provide these houses with infrastructure, which requires a high volume of investment and, inevitably, will cause environmental damages,” he said. The demand for construction materials is already very high and will only increase. “More than 50% of the resources extracted from nature are destined for the construction industry. As we cannot reduce the size of our resources, like for example in the electronics industry, this sector will continue to represent a huge demand,” he added. Another environmental problem in the civil construction industry is the high level of water and energy consumption. According to John, in the near future, buildings will consume 10% of all water and 40% of all energy in the world, and will be responsible for 25% of CO2 emissions. The generation of waste is another concern. The solution is not the use of so-called green construction, which has been hailed as a major solution for making construction more sustainable. “The concept of green construction has been developed in countries with huge financial and technological resources and a low housing shortage. In reality, this technology is not applicable in developing countries, such as ours, or in poorer countries,” he stated emphatically. The color of the materials used, especially in poor countries, contributes to generating heat in large cities. “The poorer the construction, the darker the roof and the hotter the house. These issues are not included in the environmental agenda, but they should be,” he underscored.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
65
Nossa agenda de contribuição para minorar os problemas ambientais provocados pela indústria da construção civil, na opinião do engenheiro, deveria incluir, por exemplo: melhoria das condições de trabalho no setor; investimentos em educação ambiental para trabalhadores e consumidores; maior fiscalização quanto à qualidade de produtos utilizados; e realização de investimentos em inovação para a sustentabilidade. Vanderley John defendeu também a formulação de estratégias de médio e longo prazo. A tecnologia só tem a contribuir nesse processo. “Muita gente fica falando mal do desenvolvimento, mas a indústria, a tecnologia, praticamente dobrou a expectativa de vida nos últimos 250 anos. Do ponto de vista humano, a tecnologia é um sucesso tremendo”, argumentou, para em seguida registrar que se morre muito mais no interior do Mato Grosso, onde não há estresse mas também não há infraestrutura, do que nas grandes capitais.
Another problem in terms of the materials is the fact that there is no viable replacement yet for cement. “Our per capita consumption of cement is higher than that of food, and you cannot address an issue of this magnitude overnight,” he added. Although the agenda to reduce environmental problems should be global, the USP professor advocates for a search for local solutions. Typically when a country opts for imported solutions, “things go very wrong”. He also recalled that each country’s commitments in global negotiations should be differentiated. “An American spends on average eight times more energy than a Brazilian, which represents an enormous amount of consumption. To cut back on our energy use here, we would have to get rid of our fridge,” he joked. The engineer believes that our plan to contribute to reducing the environmental problems caused by the civil construction industry should include for example: improved working conditions in the sector; investments in environmental education for workers and consumers; more quality control of products used; and investments in innovations for sustainability. Vanderley John also advocated for the development of medium and long-term strategies. Technology can contribute to this process. “A lot of people badmouth development, but industry and technology, have practically doubled people’s lifespan in the last 250 years. From a human perspective, technology is a huge success,” he argues. In fact, the death rate is much higher in the interior of Mato Grosso, where there is no stress, but also not the same infrastructure as in the large capitals.”
>> João Whitaker
O professor João Whitaker, do Laboratório de Habitação da Universidade de São Paulo (LabHab/USP) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, trabalha na formulação de uma nova matriz urbana para o Brasil, sob o paradigma da justiça socioambiental. Whitaker acredita que a sustentabilidade urbana está, antes de mais nada, na promoção de justiça socioambiental, o que implica a construção de uma cidade boa para todos os seus habitantes e não apenas para as classes econômicas mais abonadas. O desafio é enorme, dado o cenário de crescimento econômico significativo, mas ainda com peso da desigualdade social; alto consumo; imensa emissão de carbono; e falta de serviços básicos para uma grande parcela da população. Ele ressaltou que o problema é agravado pelo fato de países do Sul, como o Brasil, nunca terem tido um Estado promotor do bem público. “É preciso crescer, mas ao mesmo tempo resolver nosso passivo ambiental. Sabemos que os processos de industrialização e urbanização trazem forte impacto ambiental. É possível mitigar os danos ao meio ambiente no padrão atual ou deve-se pensar em mudança de padrão? Precisamos nos fazer esta pergunta”, disse. Olhar para nossa dívida social deve ser uma prioridade, na opinião do arquiteto. “Vocês acham que é possível andar de bicicleta aqui?”, perguntou, enquanto projetava fotografias de favelas brasileiras cheias de becos, praticamente intransitáveis. A pergunta retórica era uma alusão à conferência na qual o arquiteto dinamarquês Jan Gehl, no dia anterior, defendera a locomoção a pé ou de bicicleta nas cidades. “Nosso desafio é mais complexo. Em algumas cidades, 40% da população moram em lugares como esses”, acrescentou. E lembrou que, em São Paulo, 35% da população andam de bicicleta porque não têm dinheiro para a condução ou acesso a transporte público eficiente. “A cara da sociedade brasileira ainda é de precariedade urbana, ausência de saneamento, exposição a riscos, ocupação em áreas frágeis e muitos outros problemas. Sustentabilidade ambiental urbana, antes de mais nada, é promoção de justiça socioambiental”, enfatizou.
66
João Whitaker Professor João Whitaker, from the Housing Laboratory of the University of São Paulo (LabHab/USP), and the Presbyterian University Mackenzie, is working on a new urban matrix for Brazil, under the paradigm of social-environmental justice. Whitaker believes that urban sustainability is found, first and foremost, in promoting socialenvironmental justice, which implies building a good city for all its inhabitants and not only for the more economically endowed classes. The challenge is huge, considering the scenario of significant economic growth, but we still see the burden of social inequality; high level of consumption; high carbon emissions; and a lack of basic services for a large portion of the population. He pointed out that the problem is compounded by the fact the southern countries, such as Brazil, have never had a State that promoted the public good. “We have to grow, but at the same time we have to solve our environmental liabilities. We know that industrialization and urbanization processes cause strong environmental impacts. It is possible to mitigate the environmental damages in the current standard or should we consider changing the standard? We need to ask ourselves this question,” he said. The architect believes that our social debt should be our priority. “Do you think you can ride your bike here?”, he asked, while projecting photographs of Brazilian slums full of narrow, practically impassable alleys. The rhetorical question was a reference to previous day’s presentation, when Danish architect Jan Gehl advocated that people get around the city on foot or by bicycle. “Our challenge is more complex. In some cities, 40% of the population lives in places like these,“ he added. He recalled that in São Paulo 35% of the population rides a bike because they don’t have money for or access to public transportation. “Brazilian society still suffers from precarious urban conditions, lack of basic sanitation, exposure to dangerous situations, settlements in fragile
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
67
Outros motivos para o quadro são: a verticalização sem critério, o descontrole da atividade imobiliária e o tamponamento de rios. “A situação demanda transformação da consciência social sobre o que é a cidade sustentável. Precisamos de um novo modelo urbano que atenda o déficit e a precariedade habitacional e responda ao aumento da classe C, pois estamos produzindo uma matriz insustentável”, disse. Ao final de sua apresentação, muito aplaudida, Whitaker defendeu “que se tome a justiça socioambiental como aglutinadora de políticas de infraestrutura dispersas em diferentes níveis de governo, e que esta seja incorporada como um direito, tal como saúde e educação”. Sugeriu ainda uma mudança radical na matriz de transporte; maior regulação da atividade imobiliária, com o estabelecimento de parâmetros e normas para a construção e menor fragmentação de políticas urbanas; efetiva implementação do Estatuto das Cidades; e melhores condições para os trabalhadores da construção civil.
“
Estou aqui com dois bonés, o de urbanista e o de incorporador, presidente de entidade de classe. Queria ressaltar que estávamos construindo, há seis, sete anos, em torno de 120 mil unidades/ano. Com o Minha Casa Minha Vida, saltamos para 1 milhão de unidades e está previsto novo salto para 2 milhões em dois anos. No dia do lançamento do programa, tive a oportunidade de dizer à Presidente Dilma: “a senhora tem uma meta fantástica, mas é absolutamente impossível sair da inércia para construir 2 milhões de casas por ano”. Esse é o tamanho do desafio que o setor de construção civil enfrenta hoje. Existe demanda, existem recursos, mas está faltando mão de obra. Grandes construtoras estão entregando obras com dez meses de atraso porque não tem gente para trabalhar. Também cabe colocar o problema do anacronismo das nossas legislações urbanísticas. O Congresso Nacional trabalhou por 11 anos na elaboração do Estatuto das Cidades – e estive diretamente envolvido nisso. Já faz dez anos que ele foi aprovado, só que não está sendo utilizado. Essa é uma questão que deve ser posta em debate.
”
José Conde Caldas, comentarista
68
areas and many other problems. Urban environmental sustainability, first of all, is the promotion of social-environmental justice,” he emphasized.
Mesa-redonda | Habitação, Política e Gestão
Other reasons for this situation include: uncontrolled vertical growth, unbridled real estate development and clogged up rivers. “The situation demands a transformation of social awareness of what a sustainable city is. We need a new urban model that will address the housing deficit and precarious housing conditions and address the growth of the C-Class (translator’s note: lower middle class), as we are now producing an unsustainable matrix,” he said. At the end of his much applauded presentation, Whitaker stated that “we should use socialenvironmental justice to unify the infrastructure policies that are dispersed over several levels of government, and ensure it becomes entrenched as a basic right, like health and education.” He also suggested a radical change in the transportation network; greater regulation of real estate developments, establishing parameters and norms for construction and less fragmentation of urban policies; the effective implementation of the Statute of Cities; and improved working conditions for workers in the civil construction sector. “I am wearing two hats here, that of real estate developer, president of a professional association. I would like to note that six, seven years ago we were building around 120 thousand units per year. With the Minha Casa Minha Vida program, we have gone up to 1 million units per year and in two years we should see another jump to 2 million units. On the day of the program launch, I had a chance to say to President Roussef: ‘you have an amazing goal, but it is absolutely impossible to go from inertia to building 2 million houses a year.’This is the size of the challenge that the construction industry faces today. There is a demand, there are resources, but there is not enough labor. Major construction companies are delivering projects ten months late because they don’t have enough workers. It is also important to mention our out-of-date urban planning legislation. The National Congress spent 11 years developing the Statute of Cities– and I was directly involved in this. It was approved ten years ago, but it is not being used. That is another issue that should be discussed.“ José Conde Caldas, commentator
Inês Magalhães, Antônio Augusto Veríssimo, Cláudio Acioly
>> Inês Magalhâes
Em um país com 3 milhões de pessoas vivendo em domicílios precários e déficit habitacional de 5,6 milhões de moradias, planejar solução para os problemas habitacionais demanda escala, segundo a Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães. Por esse motivo, acrescentou, exemplos de como certos países pequenos vêm enfrentando seus problemas habitacionais podem ser interessantes, mas normalmente não nos servem. Inês Magalhães observou ainda que, atualmente, existe no Brasil uma espécie de consenso quanto à necessidade de se enfrentar a questão. “Que nem quando se fala em combater a fome. Ninguém é contra, só que cada grupo quer que sua racionalidade comande o processo”, disse, dando pistas da dificuldade de se definir um modelo de atuação.
Round-table: Housing, policy and administration Inês Magalhâes According to the National Secretary of Housing, Inês Magalhães, planning a solution for housing problems in a country where 3 million people live in precarious housing and there is a shortage of 5.6 million houses, requires scale. She added that this is exactly why examples of small countries that are addressing their housing problems may be interesting, but usually don’t work for us.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
69
A secretária concordou em que se faz necessária a busca de soluções compatíveis com a noção de justiça social. E enfatizou que, diferentemente do que houve nos tempos da ditadura militar, quando o Brasil tentou crescer primeiro para distribuir renda, nos últimos governos a opção foi distribuir renda para crescer. “Trata-se de uma opção importante, pelo aspecto social, mas sabemos que impactante, pelo aspecto ambiental”, ressaltou. Nesse contexto, Inês Magalhães assume que cabe ao governo se empenhar para encontrar maneiras de conciliar investimentos em larga escala com responsabilidade social e ambiental. A secretária enfatizou que encontros como o realizado pelo IAB representam uma oportunidade de reflexão extremamente rica. “Esses momentos de reflexão nos ajudam a compor uma tela mais ampla dos objetivos de longo prazo que estamos constituindo”, disse. “Quem está no governo vive uma desgraça e um privilégio. Vive a angústia de ter que lidar com tantos problemas, mas no dia seguinte pode tomar decisões, fazer encaminhamentos para poder implementar uma estratégia de longo prazo”, acrescentou. A secretária lembrou que a urbanização de favelas tem sido uma prioridade para o governo, nos últimos anos, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. “Este está sendo considerado o passivo social e urbano que deve ser privilegiado para a gente construir uma plataforma de desenvolvimento duradouro”, explicou.
Inês Magalhães also noted that there is a current consensus in Brazil that we have to address the issue. “It is like when we talk about fighting hunger, nobody is against it. However, each group wants their own rationale to guide the process,” indicating the challenge of defining an operational model.
The secretary recalled that favela upgrading has been a government priority in the last few years, through the Growth Acceleration Program, or PAC. “This is seen as a social and urban liability that must be prioritized so we can build a platform for lasting development,” she explained.
The secretary agreed that it is necessary to find solutions that are compatible with the notion of social justice. She emphasized that, unlike what happened during the days of the military dictatorship, when Brazil tried to grow first so it could distribute income, it has now opted to distribute income to grow. “This is a very important choice, for social reasons, but also for environmental reasons,“ she underlined.
On another front, the government finances the purchase and renovation of houses through the program Minha Casa Minha Vida, with specific programs targeted at different income levels. The Secretary underscored that one of the program’s strengths is that for the poorest families the value of the housing unit is no longer tied to family income. “People will pay 10% of their income, regardless of the value of the acquired housing unit. Conceptually, this was a great leap forward for the Program Minha Casa Minha Vida, making housing a right of every citizen,” she said.
In this context, Inês Magalhães acknowledges that the government must find ways to reconcile large scale investments with social and environmental responsibilities. The secretary emphasized that meetings such as this one organized by the IAB offer an opportunity for important reflection. “These moments of reflection help us to paint a broader picture of the long term goals we are developing,” she said. “Those who are in government live both in disgrace and in privilege. They suffer the anxiety of dealing with so many problems, but the next day they can take decisions, make referrals to implement a longterm strategy,” she added.
Habitação social, Programa Minha Casa Minha Vida, c. 2012
Social housing, Minha Casa Minha Vida Program, circa 2012
Em outra frente, o governo financia a compra e a reforma de residências por meio do programa Minha Casa Minha Vida, com modalidades para diversas camadas de renda. A secretária ressaltou como ponto forte do programa a recente desvinculação entre o valor da unidade habitacional adquirida e a renda familiar, para as famílias mais pobres. “A pessoa vai pagar 10% da sua renda, independente do valor da unidade adquirida. Do ponto de vista conceitual, foi um grande passo do Programa Minha Casa Minha Vida, no sentido de tomar a moradia como um direito do cidadão”, disse.
To conclude her presentation, Inês Magalhães listed some of the government’s challenges in housing: improve the quality of the architectural solutions, reduce maintenance costs, ensure the sustainability of the projects, invest in the restoration of buildings, and ensure that families who have received assistance from government programs remain in their housing units. The secretary would also like to see the municipal government play a bigger role in implementing the Minha Casa Minha Vida program.
Para finalizar, Inês Magalhães listou alguns desafios com os quais o governo lida, na área habitacional: melhorar a qualidade das soluções arquitetônicas, minimizar custos de manutenção, garantir a sustentabilidade dos empreendimentos, investir na requalificação de edifícios, garantir a fixação de famílias beneficiadas por programas de governo. Especificamente em relação ao Minha Casa Minha Vida, a secretária gostaria de ver maior participação do poder público municipal na implementação do programa.
Habitação social, Salvador, BA, c. 2012
Social housing, Salvador, BA, circa 2012
70
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
71
>> AntOnio Augusto Veríssimo
O arquiteto Antonio Augusto Veríssimo, Coordenador de Planejamento e Projetos da Secretaria Municipal de Habitação (SMH) da Prefeitura do Rio de Janeiro, apresentou na mesa-redonda sobre Habitação o programa Morar Carioca de urbanização de favelas, representando o Secretário de Habitação, Jorge Bittar. Conduzido pela Prefeitura com apoio financeiro dos governos federal e municipal, o Morar Carioca foi lançado em 2010 e visa, segundo Veríssimo, “fomentar um desenvolvimento urbano mais integrado, por meio de soluções inovadoras e sustentáveis, considerando os aspectos econômicos, ambientais, culturais e sociais”. A meta é, até 2020, intervir em todas as comunidades urbanizáveis da cidade. “O programa toma partido do contexto que vive hoje a cidade, em que se coloca de forma efetiva a oportunidade de priorização, na política habitacional, de investimentos que se tornem um legado social e ambiental dos Jogos Olímpicos”, disse Veríssimo. Atualmente, cerca de 1,4 milhão de pessoas vive em favelas, no Rio, o que corresponde a 22% da população. Segundo o coordenador, as favelas urbanizáveis que serão objeto do Morar Carioca somam 256 mil domicílios.
Antonio Augusto Veríssimo The architect Antonio Augusto Veríssimo, Planning and Project Coordinator for the Municipal Housing Secretary (SMH) of the City of Rio de Janeiro made a presentation at the Housing Round-table on the favela upgrading program Morar Carioca. He spoke on behalf of the Secretary of Housing, Jorge Bittar. Launched in 2010, the Morar Carioca program has been developed by the municipal government, with funding from the federal and municipal government to “promote a more integrated urban development, through innovative and sustainable solutions, with regard to the economic, environmental, cultural and social aspects”. The goal is to intervene in every community that meets the program criteria by 2020. “The program takes advantage of the city’s current context to prioritize housing policy investments that will create a social and environmental legacy of the Olympic Games,” said Veríssimo. Currently, approximately 1.4 million people live in favelas in Rio de Janeiro, which corresponds to 22% of the population. According to the coordinator, the favelas that meet the program criteria for Morar Carioca encompass 256 thousand households.
Do total de 625 comunidades, 54 já foram urbanizadas e passarão por manutenção. Essas favelas reúnem 107 mil domicílios aproximadamente. Outras 122 comunidades são consideradas não urbanizáveis, a maior parte por estar à beira de rios ou em outros tipos de área de risco. Os moradores de 13 mil domicílios que lá habitam deverão ser reassentados. Favelas pequenas, com menos de 100 domicílios, somam 7,4 mil domicílios. No Programa estão previstos três ciclos de obras. O primeiro, de 2010 até meados de 2012, atuou em 68 assentamentos utilizando projetos que estavam “em estoque” na Secretaria. O segundo ciclo começa no segundo semestre de 2012 e vai até 2016 – período em que haverá interferências em 218 assentamentos. Quarenta projetos de urbanização foram selecionados para essa fase com a ajuda do IAB-RJ. O terceiro e último ciclo vai de 2015 a 2020. Os investimentos irão somar R$ 7,6 bilhões (R$ 2,1 bilhões na primeira etapa, R$ 2,7 bilhões na segunda e R$ 2,8 bilhões na última). Outros R$ 700 milhões serão investidos em reassentamentos, de modo que a cifra total alcançará R$ 8,5 bilhões. “Com esse fluxo de investimentos, será possível deixar um belo legado para o Rio de Janeiro”, disse Veríssimo que, na sequência da sua palestra, apresentou alguns dos projetos que serão implementados. O arquiteto falou brevemente do projeto da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, onde houve especial preocupação com a sustentabilidade. Citou também o projeto do Morro da Providência, no Centro, que tem a importância histórica de ter sido a primeira favela do Rio. Ali se instalaram vários soldados que voltaram da Guerra de Canudos. Os projetos dos morros Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme, que ganharam um tipo de selo verde, também mereceram destaque. Nessas comunidades serão testadas novas tecnologias e métodos de construção. Trata-se de projeto piloto que atenderá a uma espécie de “mandala da sustentabilidade”. Haverá esforço pela redução do consumo de energia, serão utilizados materiais de baixa emissão e pisos drenantes. Outras novidades serão: a coleta seletiva, a construção de um Centro Cultural, um posto de orientação urbanística, um ecoponto e jardins verticais.
Of a total of 625 communities, 54 have already been upgraded and will be undergoing maintenance. These favelas total approximately 107 thousand households. 122 favelas have been classified as ineligible for upgrading. Most of these are located along rivers or in other hazardous areas. The residents of the 13 thousand households that fall into this category will be relocated. Small favelas, with fewer than 100 housholds, account for 7,400 households. The Program consists of three cycles. The first cycle, from 2010 until mid-2012, operated in 68 communities, using projects that were still ‘in stock’ at the Housing Department. The second cycle begins in the second semester of 2012 and will last until 2016 – throughout this period there will be interventions in 218 communities. Forty upgrading projects have been selected for this phase with the assistance of the IAB-RJ. The third and last cycle runs from 2015 to 2020. The total sum of the investments will be R$7.6 billion (R$2.1 billion in the first cycle, R$2.7 billion in the second cycle and R$2.8 billion in the last cycle). Another R$700 million will be invested in relocations, so the total amount of the entire project comes to R$8.5 billion. “With this kind of investment flow we can leave a beautiful legacy for Rio de Janeiro”, said Veríssimo who during his presentation gave an overview of some of the projects that will be implemented. The architect briefly mentioned the project at Colônia Juliano Moreira, in Jacarepaguá, where there was a special concern regarding sustainability. He also cited the project at Morro da Providência, in downtown Rio, which as the first favela in the city has an important historical significance. This was the community where the soldiers returning from the 19th century war in Canudos settled.
Projeto de urbanização da Favela Chapéu Mangueira, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012
Urbanization project for Favela Chapéu Mangueira, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012
72
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
73
He also highlighted the projects in the hillside communities of Babilônia and Chapéu Mangueira, in Leme, which have received a green seal of approval. New technologies and construction methods will be tested in these communities. This is a pilot project that will serve as a “mandala of sustainability”. There will be a concerted effort to reduce energy consumption and construction will use low-emission materials and floors with a draining capacity. Other new developments include: sorted waste disposal, the construction of a Cultural Center, an urban planning information stand, an eco-booth and vertical gardens.
Projeto de urbanização da Favela Babilônia, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012
Urbanization project for Favela Babilônia, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012
“
Em contexto de busca de uma cidade sustentável, qual é a relação que existe entre habitação e cidade sustentável?”, foi a pergunta que Cláudio Aciolly fez aos presentes no auditório do IAB, antes de abrir a mesa-redonda sobre o tema. Um dos presentes disse considerar que essa relação se estabelece com o acesso a moradia digna e saneamento básico. Outro acrescentou que é preciso assegurar que a cidade seja desfrutada por todos e que ofereça serviços plenos em todas as suas áreas. Um terceiro lembrou a importância do acesso à terra. Diante dos comentários, Aciolly retomou a palavra para observar a dimensão social presente no debate que se seguiria e arrematou: “A habitação é um setor muito importante, entre outros motivos porque se conecta com os direitos sociais, como o direito universal a habitação adequada, mas também com outras partes da economia. É inquestionável sua relevância para a cidade sustentável.
”
Cláudio Accioly, mediador
74
“In the search for a sustainable city, what is the relationship between housing and a sustainable city?” Cláudio Aciolly posed this question to the participants in the IAB lecture hall, before opening the round-table on this topic. One of the participants said that the relationship is established when there is access to dignified housing and basic sanitation. Another person added that we must ensure that the city can be enjoyed by everybody and that full services are available throughout the entire city. A third person also recalled the importance of having access to land. In the light of these comments, Aciolly spoke again to comment on the social aspect that emerged in the debate and concluded: “Housing is a very important sector for various reasons, because it is linked to social rights, like the universal right to adequate housing, but also to other parts of the economy. There is no doubt about its relevance for a sustainable city.” Claudius Accioly, mediator
Inês Magalhães | Entrevista por Larissa Morais
INÊS MAGALHÃES INTERVIEW BY LARISSA MORAIS “The challenges are important for changing the standards.”
“
The National Housing Secretary, Inês Magalhães, defended the housing targets that the federal government has established as a way to stimulate the various organizations involved in the implementation to work on improving quality. The secretary, who participated in the round-table discussion on housing, said that there are great challenges in the area of favela upgrading, which will be receiving R$30 billion in investments over the next four years. These resources will be used to carry out more than 800 upgrading projects in the favelas and Magelhães is striving to ensure that there will not only be basic services, such as water and electricity, but also a more comprehensive improvement in the lives of residents.
Os desafios são importantes para que padrões
sejam alterados.
”
Inês Magalhães A Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães, defendeu as metas que o governo federal vem estabelecendo na área habitacional, como modo de estimular as diferentes instâncias envolvidas na sua implementação a se empenharem por um salto de qualidade. A secretária, que participou da mesa-redonda sobre habitação, disse que na área de urbanização, onde serão investidos R$ 30 bilhões nos próximos quatro anos, o desafio também é grande. Nos mais de 800 projetos de urbanização de favelas que serão desenvolvidos com os recursos, ela se empenha para que haja não apenas a oferta de serviços básicos, como água e luz, mas uma melhoria de vida abrangente para os moradores.
LARISSA MORAIS – We have never invested this much in housing before, but at today’s event there was a concern about our construction industry’s ability to meet these ambitious goals of the Program Minha Casa Minha Vida. What is your view of this issue? Could the need to meet such enormous goals in a short time result in less sustainable solutions than if we had a more staggered schedule? INÊS MAGALHÃES – Our initial goal for the Minha Casa Minha Vida housing project was 200 thousand residences, this was increased to 500 thousand and then to one million. One million residences were contracted between 2009 and 2010. Personally I don’t believe that the world operates in a linear fashion and when you impose targets, there is a tendency for government, business people and universities to create solutions to meet these targets. We have traveled to Mars, but still haven’t
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
75
Larissa Morais – Nunca se investiu tanto em habitação no País, mas despontou hoje no evento a preocupação com a dificuldade de nossa indústria de construção dar conta de metas tão ambiciosas, no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida. Como a senhora vê essa questão? A necessidade de atender objetivos tão significativos em curto espaço de tempo não pode conduzir a soluções menos sustentáveis do que poderíamos alcançar em uma agenda mais escalonada? Inês Magalhães – Inicialmente, no Minha Casa Minha Vida tínhamos colocado uma meta de contratação de 200 mil moradias, que foi para 500 mil e depois para 1 milhão. Entre 2009 e 2010, houve a contratação de 1 milhão de moradias. Particularmente, acho que o mundo não funciona de maneira linear e, portanto, quando você impõe metas a tendência é que o conjunto de governo, empresários e universidades crie soluções para tentar atendê-las. Nós fomos a Marte e não acabamos com a fome... Os desafios são importantes para que padrões sejam alterados. A construção civil tem que se tornar uma indústria de serviços. A modernização da construção civil, seja pelo viés do material, dos sistemas construtivos ou da capacitação de mão de obra, tem que alterar seu modus operandi. Agora, o desafio de se tornar mais sustentável vale para outras áreas também. L.M. – Então a velocidade não está sendo um problema? I.M. – Está havendo algum problema, por exemplo, em relação a mão de obra. Hoje se tem uma utilização intensiva de mão de obra não só pelo programa, mas pelos outros investimentos em infraestrutura no País. Tecnologia não é tanto um problema, pois a construção civil tem baixa produção industrializada. L.M. – O presidente do IAB, Sérgio Magalhães, expôs a ideia de que as cidades podem evitar o crescimento territorial progressivo que estão vivenciando nos últimos anos, e com isso assegurar melhor qualidade de serviços públicos de infraestrutura para quem já habita nos grandes centros. Como a senhora vê essa ideia? I.M. – Acho que a expansão urbana é um componente do processo de crescimento do País. Ela precisa acontecer em todas as cidades? Não. Há cidades com vazios urbanos enormes que poderiam ser utilizados para a construção de habitação de melhor qualidade. Mas essa expansão acontecerá em outras cidades. O problema é a qualidade com que ela acontece e qual é seu mecanismo indutor. Não é adequado que a habitação sozinha seja indutora da expansão urbana. O ideal é haver um maior equilíbrio dos investimentos públicos e privados.
76
eradicated hunger... The challenges are important for changing the standards. Civil construction has to become a service industry. The modernization of civil construction, through changing the materials, the construction systems and training the workforce, has to result in a different modus operandi. Now, the challenge to become more sustainable also applies to other sectors. L.M. – So you don’t think the speed will be a problem? I.M.– There are some problems, for example in terms of labor. There is an intense demand for workers, not only through this program, but also because of other infrastructure investments in the country. Technology is not such a problem, because the civil construction industry has a low level of industrialized production. L.M. – The IAB president, Sérgio Magalhães, expressed the idea that cities could avoid the progressive territorial sprawl that we have experienced over the last few years, and as a result guarantee higher quality public infrastructure services for those who already live in the major urban centers. What do you think of this idea? I.M.– I think that urban sprawl is a component of the growth process of this country. Does it need to happen in every city? No. There are cities with enormous empty urban spaces that could be used to build better quality housing. But the sprawl will happen in other cities. The problem is the quality with which it happens and what propels it. Housing alone should not be the inductor of urban expansion. The ideal is a better balance between government and private sector investments. This means generating jobs, which will result in economic activity, which requires transportation, investments in mobility, etc. That is the equation. Expansion alone is not the problem. L.M. – In your presentation you underlined the cost for the government of building further from the urban centers. I.M. – Often the decision to build in an outlying area does not take into account the so-called non-
Ou seja, que se gere emprego e, em consequência da atividade econômica, tenha-se que fazer transporte, investir em mobilidade etc. Essa é a equação. A expansão em si não é um problema. L.M. – Na sua apresentação, a senhora enfatizou o custo, para o Estado, de se construir em áreas mais distantes dos centros urbanos. I.M. – Muitas vezes, a decisão de construir em uma área mais externa não considera os chamados custos não incidentes. Tudo bem, a terra é mais barata, mas para eu levar um empreendimento para essa área vou ter que expandir minha rede de serviços, de manutenção, contratar mais gente. Isso não é calculado. L.M. – Existem planos de incrementar programas que favoreçam a concessão de crédito diretamente para famílias construírem ou comprarem suas casas? I.M. – Nós temos um programa chamado Carta de Crédito Individual (CCI), que é voltado para construção em terreno próprio e aquisição. O CCI representa 40% dos créditos concedidos no programa Minha Casa Minha Vida. A pessoa pega uma carta de crédito que serve para compra ou construção. L.M. – Quais os planos para incrementar a urbanização de favelas, de modo a reduzir o enorme passivo socioambiental das cidades brasileiras? I.M. – Temos cerca de R$ 17 bilhões em recursos contratados entre 2007 e 2010 em fase de implementação. O Rio de Janeiro tem vários exemplos, como Manguinhos e Providência. São cerca de 800 intervenções no País. Temos para os próximos quatro anos cerca de R$ 30 bilhões previstos para investimentos em urbanização. L.M. – Quais são hoje, considerando-se esses volumes elevados de investimentos, os maiores desafios relacionados à execução desses projetos de urbanização de favelas? I.M. – Que a urbanização seja realmente implementada de maneira a alterar a qualidade de vida dessas famílias, não só do ponto de vista da estrutura, mas também da qualidade do acesso aos serviços públicos e da possibilidade de uma inserção produtiva. A intervenção deve não só prover os serviços como melhorar a qualidade urbana da localidade. Não adianta só pôr água e luz. É importante que o morador possa transitar na sua comunidade, ter o mínimo de mobilidade, acessar todas as áreas.
incidental costs. Of course land is cheaper, but if I build housing in that area, I will have to expand my service network, maintenance, hire more staff. That is not calculated. L.M. – Are there plans to expand the programs that would offer direct credit to families so they can build or buy their houses? I.M. – We have a program called Carta de Crédito Individual for people who want to build on their own piece of land or purchase a home. It represents 40% of all credit provided under the program Minha Casa Minha Vida. People receive a letter of credit they can use to buy or build a house. L.M. – What are the plans for expanding the upgrading of favelas, in order to reduce the huge social-environmental liability of Brazilian cities? I.M. – We contracted approximately R$17billion in resources between 2007 and 2010, in the implementation stage. Rio de Janeiro has various examples, Manguinhos, Providência. There will be 800 interventions throughout the country. We have planned R$30 billion in favela upgrading investments over the next four years. L.M. – Considering these high volumes of investments, what are the biggest challenges in implementing these upgrading projects in the favelas? I.M. – That the upgrading project is implemented in such a way that it actually changes the quality of life of these families, not only in terms of structure, but also the quality of access to public services and an opportunity for productive inclusion. The intervention should not only provide services to improve the urban quality of the location. Just putting in water and electricity is not enough. It is important that residents can move around their community and access all areas.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
77
3. Mobilidade URBANA Estudo técnico | Cidade sustentável e mobilidade urbana
Ele abriu sua apresentação chamando a atenção para o fato de que a mídia começa a dar mais atenção ao tema da mobilidade, mas ainda com um foco que ele não considera o mais adequado. O professor mencionou matérias, publicadas no jornal O Globo em dias anteriores, no escopo da discussão da Rio+20, sobre o financiamento à produção de carros híbridos, menos poluentes. Nelas, os automóveis seriam vistos, segunda suas palavras, como “delinquentes relevantes”. Em matérias sobre engarrafamentos no Rio, ele mostrou que as fotos normalmente mostram ônibus parados – o que pode levar os leitores a crerem que são esses veículos, e não os automóveis, os vilões do trânsito na cidade. Para Orrico, o transporte público deveria ser abordado como direito fundamental do cidadão, e ser posto na agenda política principal – tal como a educação, a habitação e a saúde. “As cidades não vivem sem o transporte. Esse é o setor que permite vida social, profissional e familiar, e é capaz de tornar o espaço público mais democrático”, argumentou. O especialista em mobilidade enfatizou ainda a importância do transporte para o desenvolvimento econômico das cidades. “Quando não há um bom sistema de transporte, tudo fica mais caro”, lembrou Orrico, que acrescentou à gama de benefícios a economia de tempo para o cidadão.
Regina Cunha, Pablo Benetti e Rômulo Orrico
>> Rômulo Orrico
“Curitiba é como mãe: só tem uma”, brincou o professor Rômulo Orrico, da Coppe/UFRJ, referindo-se ao fato de que há várias décadas as mesmas soluções adotadas na capital paranaense, na área de transportes públicos, são apresentadas como referência nos debates sobre transportes. “Vamos para a frente, temos que pensar em outras soluções”, afirmou o engenheiro, que já foi Subsecretário de Transportes do Município do Rio de Janeiro. Nesse esforço de renovação, Orrico levou ao IAB algumas ideias que estão presentes em um trabalho que está realizando, em conjunto com outros pesquisadores, para o Ministério das Cidades, sobre Cidades Sustentáveis.
78
3. URBAN MOBILITY Technical study: Sustainable cities and urban mobility Rômulo Orrico “Curitiba is like your mother, you only have one,” jokes Professor Rômulo Orrico, from Coppe/UFRJ, referring to the fact that for decades, the same public transportation solutions adopted in the capital of the state of Paraná have been presented as a reference in debates on transportation. “Let’s move on, we have to think about other solutions,” said this engineer, who has worked as the Undersecretary of Transportation in the Municipality of Rio de Janeiro.
Um bom planejamento requer um olhar cuidadoso para cada cidade. Na opinião de Orrico, não costuma ser possível copiar as soluções adotadas de uma cidade para outra, de características diferentes. Por outro lado, segundo ele, existe um conjunto de princípios básicos que podem ajudar. Um deles é a mobilidade diferenciada. Normalmente, os mais pobres têm menos acesso ao transporte público, quando deveria ocorrer o contrário. Outro princípio é a priorização do transporte de massa, com desestímulo ao uso do automóvel. Orrico considera que o pedágio urbano, medida que ele admitiu ser desgastante do ponto de vista político, poderia ser interessante para gerar investimentos.
In this renewal effort, Orrico shared with the IAB some of the ideas from his work on Sustainable Cities that he is conducting, together with other researchers, for the Ministry of Cities. He began his presentation by noting that the media is beginning to pay more attention to the topic of mobility, but it is still doing so with a focus that he does not consider the most appropriate. He mentioned stories published in the newspaper O Globo on previous days regarding the Rio+20 discussions, about financing the production of hybrid cars, which are less polluting. In his words, the cars would be seen in these stories as “relevant delinquents”. In stories on traffic jams in Rio, he showed that the photos normally show buses that aren’t moving, which could lead readers to believe that buses, and not automobiles, are the villains of the city’s traffic problems. For Orrico, public transportation should be treated like a fundamental civic right, and be put on the main political agenda, like education, housing and health care. “Cities cannot live without transportation. This is the sector that enables a social, professional and family life, and which can make public space more democratic,” he argued. Orrico also emphasized the importance of transportation for the economic development of cities. “When there is no good transportation system, everything becomes more expensive,” he noted, adding that another benefit is the time that residents save. Proper planning requires a careful look at each city. For Orrico, it is not usually possible to copy the solutions adopted in one city in another, which has different characteristics. On the other hand, he noted, there is a set of basic principles that can help anywhere.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
79
No contexto atual, o professor da Coppe defendeu uma inversão radical de prioridades. “Hoje o usuário de transporte público paga por um engarrafamento que não imputou! A empresa de ônibus precisa de mais carros e repassa o custo para as passagens. É preciso cobrar das pessoas certas”, disse. Ele recomendou, ainda, a utilização do automóvel com mais bom senso. “Está cansado de ficar parado no trânsito? Não sabe como escapar do engarrafamento? Deixe o carro em casa e vá de galinha!”, tornou a brincar, provocando risos na plateia. Orrico recomendou que se esqueça o padrão que vigorou nos anos 1970 e 1980 em relação à opção pelos corredores tronco-alimentados. Nesse tipo de sistema, mesmo as viagens com origem ou destino na região central costumam necessitar de transbordo, diferentemente do que ocorre no sistema de linhas independentes. E elogiando o sistema de BRS implementado no Rio, Orrico afirmou que a Prefeitura sofreu algumas críticas injustas porque as informações sobre sua implantação vazaram antes da hora. Do seu ponto de vista, as críticas vieram antes que o projeto estivesse amadurecido. “Depois, o sistema foi ajustado e está funcionando bem”, avaliou o professor. Para concluir, ele defendeu uma reestruturação das fontes de financiamento para o setor e a utilização de sistemas modernos de tecnologia e implementação de projetos. Afirmou ainda que o excesso de espalhamento de linhas aumenta os custos de transporte, assim como o excesso de concentração. É interessante, segundo o especialista, que haja uma linha definidora do sistema principal que interligue polos de desenvolvimento da cidade e bairros contíguos. Falou também em favor de uma sobreposição parcial de linhas, para gerar alguma concorrência e, com isso, melhor atendimento ao usuário.
Acesso aos transportes públicos, Rio de Janeiro, RJ, 2012
Access do public transportation, Rio de Janeiro, RJ, 2012
80
One of them is differentiated mobility. Normally, the poorest people have the least access to public transport, when the opposite should be true. Another principle is giving priority to mass transport, as a way to discourage the use of cars. He believes that urban tolls, a measure he admits is unpopular from a political standpoint, could be useful to generate investment.
O tripé de necessidades básicas de um povo, formado por habitação, saúde e educação, não se completa sem a mobilidade. E a mobilidade se faz com um sistema de transporte público eficiente e acessível a todos. “No Rio, do jeito que estava não era possível continuar. Agora o momento é diferente. A cidade saiu da estagnação e vive uma fase de transformações, com a implementação de uma série de projetos importantes na área de transportes”, defendeu Regina Cunha.
Within the current context, the professor from Coppe defended a radical inversion of priorities. “Today, users of public transport pay for traffic jams that they did not cause! The bus company needs more buses and passes on the cost to the fares. The right people need to be charged,” he said. He also recommended using cars more sensibly. “Are you tired of being stuck in traffic? Don’t know how to escape the traffic jams? Leave your car at home and take a chicken!” he joked, causing laughter in the audience.
Implementar mudanças não é fácil. Segundo Regina, uma parcela da população resiste a projetos que beneficiem o usuário do transporte público, em detrimento dos automóveis. “O que as pessoas que estão acostumadas a usar automóvel querem, no fundo, é continuar usando seus carros como meio de transporte. Querem metrô para os outros, o BRT para os outros”, analisou. “O espaço é finito e não há como continuar abrindo quatro, cinco faixas de rolamento para carros. O aumento de faixas para automóveis não vai nos levar a lugar algum”, acrescentou.
Orrico recommended that we forget the standard system in effect in the 1970s and 1980s, which used trunk and feeder corridors. In this type of system, even trips that begin or end in the central region require transfers, unlike what happens in independent line systems.
A assessora da Secretaria Municipal de Trasportes disse ainda que a criação de novas vias para BRT e BRS, além das já inauguradas, terá impacto importante na redução dos engarrafamentos na cidade. Outro benefício de ambos os sistemas será a redução do tempo de deslocamento. Ela enfatizou também a importância da implementação do sistema de Bilhete Único, que permite ao usuário de transporte público intermunicipal pegar várias conduções pagando preço reduzido.
Orrico praised the BRTs implemented in Rio and said that the Municipal Government was the target of some unfair criticism because news of its implementation was leaked early. He believes that the criticism came before the project had sufficiently matured. “Afterwards, the system was adjusted and is operating well,” he evaluated. In conclusion, he defended a restructuring of the financing sources in this sector and the use of modern technology and systems and product implementation. He also affirmed that the excessive spreading of lines increased transportation costs, as did excessive concentration. According to this specialist, it is a good idea to have a line that defines the main system that links development centers in the city and surrounding neighborhoods. He also spoke in favor of partial overlapping of lines, to generate competition, and thus better service for users.
Regina Cunha, comentarista
“
The three aspects of housing, health and education, the basic needs of the population, are not complete without mobility, and mobility comes from an efficient public transportation system that is accessible to all. “In Rio, things couldn’t go on the way they were. Now it’s different. The city has moved away from stagnation and is undergoing a transformation phase, implementing a series of important projects in the transportation area,” said Regina Cunha. Implementing change isn’t easy. According to Cunha, part of the population resists projects that benefit public transportation, to the detriment of cars. “At the end of the day people who are accustomed to using cars want to continue using their cars as a means of transportation. They want the subway for other people, the BRT for other people,” she analyzed. “Space is finite, and it isn’t possible to keep creating roadways with four or five lanes for cars. Increasing the number of lanes for cars isn’t going to get us anywhere,” she added. Cunha, who is the advisor to the Municipal Transportation Office, also said that the creation of new routes for BRTs and BRSs, in addition to those already operational, will have an important impact on reducing traffic jams in the city. Another benefit to both systems will be a reduction in travel time. She also emphasized the importance of implementing the Single Ticket system, which allows users of inter-municipal public transportation to take several modes of transportation or transfers at a reduced price. Regina Cunha, commentator
A partir de uma mobilidade urbana ampla, é possível começar a pensar em uma cidade mais democrática. Neste momento da Rio+20, infelizmente ainda predomina em muitas cidades o modelo que privilegia o uso de automóveis. Este é um modelo falido e tem sido duramente criticado em muitos países.
”
“Broad-based urban mobility is the first step towards conceiving a more democratic city. Unfortunately, at this time of the Rio+20, the model that favors automobile use still predominates in many cities. This model is bankrupt and has been severely criticized in many countries.” Pablo Benetti, commentator
Pablo Benetti, comentarista
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
81
Mesa-redonda | Mobilidade Urbana e Espaço Público
Ele mostrou imagens do livro Conquistar a rua!, lançado recentemente pelo Instituto e que reúne experiências de 11 metrópoles latino-americanas, como Lima, Bogotá, Curitiba, Santiago, Buenos Aires e Rio de Janeiro. O livro apresenta uma análise dos diferentes sistemas de mobilidade do continente, em seus contextos institucionais e sociais. “Cerca de 25% a 30% dos espaços das cidades são ruas, e a relação com o espaço público que se estabelece ali é muito importante”, justificou. O arquiteto enfatizou que a América Latina é um continente fortemente urbanizado, mas também altamente desigual. “Felizmente, os anos de crescimento econômico produziram certa diminuição da pobreza, da indigência, mas ainda há grandes discrepâncias regionais.” Borthagaray prosseguiu, explicando que cada tipo de rua reflete uma maneira de entender e construir, de desenvolver e produzir a cidade. As ruas das cidades latino-americanas têm seu momento fundacional nas colônias espanholas e portuguesas, e daí sobreviveram como ruas de pedestres nos centros de muitas cidades. A elas se incorporou a ideia da rua como passeio, com outra perspectiva e velocidade, nas obras que deram monumentalidade republicana às cidades. Mas, apesar de tudo, narra Borthagaray, essas evoluções mantiveram a integração entre habitação, comércio e trabalho dentro de um marco de certa densidade.
Juan Carlos Dextre, Fabiana Izaga, Andrés Borthagaray
>> Andrés Borthagaray
O professor Andrés Borthagaray, da Universidade General Sarmiento, apresentou algumas ações do Instituto Cidade em Movimento – instituição sem fins lucrativos que reúne pesquisas sobre mobilidade urbana realizadas por profissionais de vários países.
Round-table: discussion Urban Mobility and Public Space Andrés Borthagaray
Andrés é diretor do Instituto na América Latina e falou da importância do compartilhamento de experiências entre as diferentes nações como modo de compartir acertos e alertar para erros. “O economista Paul Krugman costuma dizer que não se pode subestimar o poder destrutivo de uma ideia. Nos investimentos urbanos também é assim”, alertou, em tom de brincadeira.
Professor Andrés Borthagaray, from Universidade General Sarmiento, presented some actions by the Instituto Cidade em Movimento, a non-profit institution that promotes studies on urban mobility conducted by professionals from several countries.
O objetivo do Instituto, cuja sede principal fica em Paris, é acompanhar as mutações da mobilidade urbana no mundo e contribuir para o desenvolvimento de uma cultura da mobilidade que combina o conhecimento e o prazer do movimento na cidade. Muitos dos projetos desenvolvidos ali são implementados a partir do contato com instituições públicas e privadas, e os próprios cidadãos.
82
Borthagaray is the director of the institute in Latin America and spoke of the importance of sharing experiences among different nations as the model for sharing things that work and drawing attention to those that don’t. “The economist Paul Krugman always says that you can’t underestimate the destructive power of an idea. The same is true for urban investments,” he alerted, jokingly.
A capacidade integradora dessas ruas ficou exposta com a introdução da ruptura feita pelo transporte automotor. Esse desenvolvimento se expressou através de uma progressiva especialização funcional, com a hegemonia da apropriação dos espaços públicos pelo carro em detrimento dos pedestres. Na América Latina as batalhas em distintas cidades, por parte da população e dos profissionais em favor de uma melhor qualidade do espaço do pedestre, apareceram tardiamente, destacou. Na última parte do século XX e princípios do XXI, segundo Andrés, observam-se dois tipos de intervenções nas ruas. Uma na cidade informal, que, ao invés de ser ignorada, passou a ser vista como parte do tecido da cidade como um todo. Alguns exemplos desse tipo de intervenção são: Pátio Bonito, em Bogotá; alguns bairros informais em Santiago; e no Rio de Janeiro, através das ações do Favela-Bairro.
The objective of the institute, whose main headquarters is located in Paris, is to accompany changes in urban mobility in the world and to contribute to the development of a culture of mobility that combines knowledge with the pleasure of movement in the city. Many of the projects developed there are implemented based on contact with public and private institutions and the citizens themselves. He showed images from the book “Conquistar a rua!” (Take back the street!), recently released by the institute, describing the experiences of 11 Latin American metropolises, including Lima, Bogotá, Curitiba, Santiago, Buenos Aires and Rio de Janeiro. The book presents an analysis of the different mobility systems on the continent, in their institutional and social contexts. “Between 25% and 30% of the space in a city is occupied by streets, and the relationship with the public space established there is very important,” he justified. The architect emphasized that Latin America is a highly urbanized continent, but also very unequal. “Fortunately, the years of economic growth have produced a certain reduction in poverty, in misery, but there are still major regional discrepancies.” Borthagaray went on to explain that each type of street reflects a way of understanding and building, of developing and producing the city. The streets in Latin American cities were based on the foundations laid out in the Spanish and Portuguese colonies, which have survived to the present day as pedestrian streets in the centers of many cities. The idea of the street as a promenade, with another perspective and rhythm was incorporated into the cities in the works that gave them a monumental republican character to the cities in. But, in spite of all this, Borthagaray tells us that these developments maintained the integration between housing, commerce and work within a framework of a certain density. The integrative capacity of these streets was exposed with the introduction of the rupture caused by motorized transport. This development expressed itself through a progressive functional
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
83
Em paralelo, outro tipo de rua latino-americana apareceu, em um primeiro momento como novidade capaz de superar problemas, mas, hoje, se impondo no mesmo viés da ideia da rua estritamente funcional. Trata-se das ruas destinadas à passagem do BRT (bus rapid transit). Para Andrés Borthagaray, embora o BRT seja uma grande solução, gera uma oferta estandardizada, e simplifica ilusoriamente situações complexas, como se se quisesse vestir com o mesmo tamanho de roupa diferentes corpos urbanos. Por fim, Borthagaray mostrou um projeto de sinalização de itinerários instalado em ônibus de Buenos Aires, cidade que reúne aproximadamente um terço da população argentina (de 40 milhões de habitantes). Foi feito, segundo o arquiteto, com o auxílio de brasileiros e ainda é um piloto. “Esse tipo de sinalização desafia designers e arquitetos”, acrescentou. Também está nos planos dos profissionais envolvidos no projeto trabalhar em outras formas de sinalização, como, por exemplo, para telefones celulares. A ideia é encontrar formas de melhorar a mobilidade na cidade. “Melhorar a mobilidade não depende de grandes orçamentos. Algumas coisas podem ser feitas com custo baixo, como esse projeto de Buenos Aires.” Acrescentou que implementar boas ideias é uma questão de cidadania. Para isso, recomendou transparência e controle de investimentos. “No transporte tem muito jeitinho”, disse.
specialization, with the hegemony of appropriation of public spaces by cars to the detriment of pedestrians. In Latin America, the struggles in different cities by part of the population and professionals in favor of better quality space for pedestrians appeared later, he emphasized. According to Borthagaray, we may observe two kinds of street interventions at the end of the 20th century and at the beginning of the 21st century. One is found in the informal city, which instead of being ignored, began to be seen as part of the urban fabric of the city as a whole. Some examples of this type of intervention include: Pátio Bonito, in Bogotá; some informal neighborhoods in Santiago; and Rio de Janeiro’s Favela-Bairro projects. Simultaneously, another type of Latin American street emerged, first as a new development capable of solving problems, but now relegated to the concept of a strictly functional street. These streets are the designated BRT (Bus Rapid Transit) corridors. Although the BRT is a great solution, Andrés Borthagaray feels that it generates a standardized solution, deceptively simplifying complex situations, as if trying to fit different urban bodies into a one-size-fits-all. Finally, Borthagaray presented a project for route information signage installed on buses in Buenos Aires, a city that is home to approximately onethird of the population of Argentina (which has 40 million inhabitants). According to the architect, the project was designed with the help of Brazilians and is still in the pilot phase. “This type of route information signage challenges designers and architects,” he added. The staff involved in the project are also planning to develop other forms of providing transit information, for example for mobile phones. The idea is to find ways to improve mobility in the city. “Improving mobility does not require a huge budget. Some things can be done at a low cost, like this project in Buenos Aires.” He added that implementing good ideas is a question of civic engagement. For this, he recommended transparency and control over investments. “There is a lot that can be done in the area of transportation,” he said.
84
>> Juan Carlos Dextre
Professor da Pontifícia Universidade Católica do Peru e presidente da fundação Transitemos, que pesquisa soluções para um transporte mais eficiente no país, Juan Carlos Dextre usou sua apresentação para desconstruir algumas ideias sobre a educação no trânsito. Para ele, se ao menos uma parte dos recursos utilizados para ensinar crianças e jovens a se portar bem no trânsito fosse investida em infraestrutura, haveria uma queda mais significativa no número de mortes e acidentes. “Há muitos anos, escuto que é preciso educar as crianças para que mudem a situação do trânsito quando se tornarem adultas. Já deu tempo para elas crescerem e nada se modificou, porque existe uma desconexão entre o que elas aprendem e a realidade. Se gastássemos 5% a 10% do investimento em educação em melhora de infraestrutura, com instalação de sinais de trânsito, por exemplo, teríamos resultados mais eficientes”, afirmou. Na mesa-redonda sobre “Mobilidade, Espaço Público e Ruas”, Dextre falou sobre conquistas e problemas do sistema de transporte de Lima. A cidade, segundo ele, convive com duas realidades bem distintas. Uma parte tem um sistema bem organizado, mas para outra ainda falta o básico. “As pessoas atravessam em qualquer lugar”, disse, enquanto exibia imagens de ruas sem sinalização. “Setenta e oito por cento dos que morrem em acidentes de trânsito no Peru são pedestres, contra percentuais de 40% no Chile e 15%, na Espanha. O especialista em transportes criticou a qualidade de gastos realizados nos últimos anos. Disse que, muitas vezes, governos têm optado por construir passarelas em vez de sinais de trânsito que custariam quatro vezes menos. Isso indica, segundo ele, que os carros vêm tendo prioridade em relação aos pedestres. Dextre apresentou o depoimento impactante de uma senhora de 78 anos que precisa pegar um mototáxi de ida e outro de volta toda vez que precisa atravessar a rua onde vive para ir à agência bancária que fica do outro lado. “Ela simplesmente não consegue. Disse que já tem idade para morrer, mas preferia morrer na sua cama, não na rua”, contou.
Juan Carlos Dextre Professor at Pontifícia Universidade Católica do Peru and president of the Transitemos foundation, which studies solutions for more efficient transportation in the country, Juan Carlos Dextre used his presentation to deconstruct some ideas about traffic education. For him, if at least part of the resources used to teach children and young people how to behave in traffic were used for infrastructure, there would be a more significant drop in the number of deaths and accidents. “For many years, I have heard that it is necessary to educate children so that they will change the traffic situation when they become adults. Enough time has passed for them to grow up and nothing has changed because there is a disconnect between what they learn and reality. If we were to take 5% or 10% of this investment in education and spend it on improving infrastructure, installing traffic signs, for example, we would have more effective results,” he said. At the Round-table discussion on ‘Mobility, Public Space and Streets,’ Dextre spoke about achievements and problems with the public transportation system of Lima. According to him, the city presents two very different realities. One part has a very well organized system, but basic needs are lacking in the other. “People cross the street at any point,” he said, as he showed pictures of streets without signs. “Seventyeight per cent of deaths in traffic accidents in Peru are pedestrians, compared to 40% in Chile and 15% in Spain. He criticized the quality of spending in recent years, saying that governments have often opted to build footbridges instead of traffic lights that would cost four times less. According to him, this indicates that cars are given priority over pedestrians.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
85
Em relação ao sistema de Lima, Dextre disse que muitas pessoas defendem a eliminação de veículos de transporte pequenos, como vans e mototáxis, mas ele considera que isso não seria benéfico. “Há uma vasta região de baixa densidade e baixa renda cuja população não tem como ser atendida por veículos maiores. Os veículos de menor porte são importantes para fazer a conexão dessas áreas com o sistema principal de transportes e garantir mobilidade à população”, argumentou. O palestrante mostrou imagens do sistema de BRT de Lima, que atualmente cobre boa parte da cidade e tem sido bem aceito pela população, após resistência inicial em algumas áreas. Exibiu também imagens de algumas das principais vias da cidade, como a Jirón de la Unión, a primeira rua de Lima, no Centro histórico; a avenida Saens Peña, que vai do Centro à área portuária; a Arequipa, que conecta o centro aos balneários; e a via expressa do Paseo de la Republica, ligando o Centro ao Sul da cidade. O professor recomendou cuidado na implementação do BRT em bairros históricos. Para ele, um modo de conciliar a presença desse sistema e a boa convivência com o pedestre é a determinação de velocidade mais baixa do que a usual. “É o sistema que tem que se adaptar ao espaço, não o contrário”, afirmou.
Rua sem rotas para pedestres, Lima, Peru, 2012
Street without pedestrian crossing, Lima, Peru, 2012
Dextre presented a moving statement from a 78-year-old lady who needs to take a motor-taxi to go back and forth every time she needs to cross the street where she lives to go to her bank branch, located on the other side of the street. “She simply can’t do it otherwise. She said she is old enough to die, but she would rather die in her bed and not on the street,” he said. In relation to the system in Lima, Dextre said that many people are in favor of the elimination of small transport vehicles, like vans and motor-taxis, but he does not believe this would be beneficial. “There is a vast region of low density and low income population that cannot be served by larger vehicles. Smaller vehicles are important to connect these areas with the larger transportation system and guarantee mobility to the population,” he argued. He showed images of the BRT system in Lima, which currently covers a large part of the city and has been well accepted by the population, after initial resistance in some areas. He also showed images of some of the main thoroughfares in the city, such as Jirón de la Unión, the first street in Lima, in the historical Center; Avenida Saes Pena, which goes from the Center to the Port area; Arequipa, which connects the center to the beaches, and the express route of Paseo de la Republica, which links the Center to the Southern area of the city. He recommended care in the implementation of the BRT in historical neighborhoods. For him, one way to conciliate the presence of this system and proper respect for pedestrians is to operate at a lower speed than is usual. “It is the system that has to adapt to the space and not the other way around,” he affirmed.
Defendeu ainda a qualidade de espaços para pedestres e ciclistas e o investimento em transporte público, com multimodais integrados de forma inteligente. Para ele, um sistema de trânsito deve ser planejado não somente por engenheiros, mas também por arquitetos e sociólogos. A contribuição da população também tem se mostrado fundamental, na experiência peruana.
“
Começamos este ciclo de conferências com o Jan Gehl, falando muito da experiência da Europa, e acho importante concluirmos olhando para uma realidade vizinha, a latino-americana. A mobilidade urbana constitui, seguramente, um dos eixos para a Cidade Sustentável – tema cujo debate nos parece indispensável que continuemos a promover e que esteja incluído nos documentos da Rio+20. Em uma cidade como o Rio de Janeiro, que hoje se empenha na reestruturação de seu sistema de transporte coletivo, nos parece extremamente adequado que possamos conhecer as questões enfrentadas, e os projetos, os erros e os acertos de outras cidades com realidades socioeconômicas mais próximas. Os investimentos vultosos que a Prefeitura do Rio vem fazendo têm contribuído decisivamente para constituir um outro patamar para a mobilidade metropolitana, embora inseridos nos limites municipais, onde os espaços públicos e do pedestre deveriam ganhar maior atenção.
“We began this cycle of conferences with Jan Gehl, who spoke at length about the European experience, and I think it is important for us to conclude by looking at a neighboring case, the Latin American experience. Urban mobility is surely one of the axes for a Sustainable city – a topic on which we believe more debate is essential, and one that must be included in the documents of the Rio+20. In a city like Rio de Janeiro, which today is working to restructure its public transportation system, it seems to me to be extremely appropriate for us to learn about the questions faced, and the projects, errors and successes of other cities with similar socio-economic situations. The enormous investments that the Municipal Government of Rio has been making have decisively contributed to establishing another level for metropolitan mobility, although they are placed within the municipal limits, where public spaces and pedestrian spaces deserve more attention.” Fabiana Izaga, mediator
”
Fabiana Izaga, mediadora
Dextre also defended the quality of spaces set aside for pedestrians and cyclists riders and investment in public transport, with multi-modals integrated in an intelligent manner. In his opinion, a traffic system should be planned not only by engineers, but also by architects and sociologists. In the Peruvian experience, the contribution of the population is also essential.
86
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
87
Conferência DE ENCERRAMENTO | Direito à mobilidade URBANA na cidade contemporânea >> Manuel Herce Vallejo
Se a palestra de Jan Gehl, na abertura do ciclo “Cidade Sustentável”, deixou para os presentes uma mensagem de otimismo, de que é possível reverter a prioridade dada aos carros nas cidades, a de Manuel Herce Vallejo, que encerrou a semana, deu a medida da dificuldade que essa mudança representa. “As mudanças de atitude não são fáceis. Muitos enchem a boca para falar de sustentabilidade, de transporte de massas, de pistas para bicicletas, mas não pensam em alterar sua própria mobilidade cotidiana de carro”, disse. Apesar de parecer pessimista, ele ressalvou que queria, antes de tudo, lançar um desafio para os profissionais responsáveis, como acreditava serem os que ali estavam. Um dos grandes especialistas em mobilidade urbana – com larga experiência internacional, inclusive no Rio –, o professor catalão falou, de mobilidade no marco de construção do espaço público, lembrando que sustentabilidade implica equidade social e com a natureza e que, portanto, “diz respeito ao direito de todos os cidadãos a serem tratados com igualdade no que tange à capacidade de mover-se na cidade”. Segundo Manuel Herce, apesar de mais de metade dos habitantes das grandes cidades se deslocar a pé, nas suas atividades cotidianas, esse dado não é levado em consideração na planificação do transporte. Essa falta de atenção a tudo que não seja carro cria uma espiral crescente: quanto mais motorização, mais demanda de pistas, o que, por sua vez, provoca mais uso de carros, que demandam mais espaço. “Só políticas muito duras de restrição aos carros conseguem quebrar essa espiral, incrementando as viagens em transporte coletivo, ou a pé ou em outros meios não motorizados”, afirmou. A tarefa, Herce reconhece, não é nada simples, e exige que se pense o transporte público como uma cadeia integrada. “Precisamos partir da existência de muitos e diferentes sistemas, cada um com a sua própria cobertura e eficácia no espaço. Portanto, não dá para planificá-los como coisas separadas”, defendeu. Até mesmo o carro precisa ser contemplado nessa cadeia, de acordo com ele, como alimentador do sistema de transporte coletivo nas periferias pouco densas ou mesmo como meio de transporte para passeios de fins de semana.
88
CONFERENCE: URBAN The Right to Mobility in Contemporary Cities Manuel Herce Vallejo If the presentation by Jan Gehl, who opened the ‘Sustainable City Cycle’, left those present with a message of optimism, that it is possible to rethink the priority given to cars in cities, the presentation given by Manuel Herce Vallejo, who closed the week, showed how difficult this change really is. “Changes in attitude are not easy. Many people talk a lot about sustainability, about mass transportation, about bike paths, but they do not think about changing their own daily car use,” he said. In spite of seeming pessimistic, he noted that, above all, he wanted to present a challenge to the professionals who are responsible for this area, and who attended the event. One of the most important specialists in urban mobility, with broad international experience, including in Rio, this Catalan professor spoke of mobility within the framework of construction of public spaces, remembering that sustainability implies social and environmental fairness and that, therefore, “it refers to the right of all citizens to be treated with equality in regards to the capacity to move around in the city.” According to Manuel Herce, in spite of the fact that more than half of the inhabitants of large cities get around on foot in their daily activities, this fact is not taken into consideration in transportation planning. This lack of attention to everything except cars creates a growing spiral: the more motorized vehicles there are, the more demand there is for road surface, which in turn leads to more car use, which requires more space. “Only very strict policies to restrict cars can break this
O grande problema do transporte público de superfície é, na visão de Manuel Herce, sua indisciplina, que não possibilita que se confie nele em termos de regularidade nem de ordem pública. Os corredores de BRT têm-se apresentado como solução nas cidades latino-americanas, seguindo o exemplo de Bogotá. Mas o especialista catalão ressalvou que sua eficácia depende muito das estações, que precisam ser desenhadas com cuidado, de forma a facilitar o acesso dos passageiros e o intercâmbio de meios. “Muitas estações são elevadas, servidas por passarelas ou obrigam os passageiros a enfrentar o trânsito para chegarem até elas.” A ideia central é que as estações não arrasem o espaço do pedestre; ao contrário, que sirvam de oportunidade para se gerar praças e espaços de encontro, como foi feito em Nantes, França, nas estações de intercâmbio entre bondes e ônibus. O respeito ao pedestre também foi destacado em uma imagem de rua de Barcelona, onde carros, motos, bicicletas e pedestres convivem em harmonia. “Tem que haver espaço para todos”, frisou. Herce também criticou a ênfase recente na bicicleta, apresentada como panaceia para os males do trânsito. “Temos que ser sérios e aceitar que na mobilidade cotidiana o papel da bicicleta é limitado, e que a sua maior eficácia é alimentar o transporte coletivo.”
spiral, increasing the number of trips on public transportation, on foot, or other non-motorized means,” he said. Herce recognizes that this task will not be easy and requires that we think about public transportation as an integrated chain. “We need to begin with the existence of many different systems, each with its own coverage and effectiveness in space. Therefore, it won’t work to plan them separately,” he argues. Even cars must be included in this chain, according to him, as feeders to the public transportation system in the outlying regions that are not dense or even as a means of transport for weekend trips. In Herce’s opinion, the main problem with public transport on the surface is its lack of discipline, which means that it cannot be relied on in terms of regularity or public order. The BRT corridors have been presented as a solution in Latin American cities, following the example of Bogotá. But the Catalan specialist noted that their effectiveness depends a lot on the stations that need to be carefully designed to facilitate passenger access and transfer between different means of transport. “Many stations are elevated, served by footbridges or oblige passengers to face traffic to reach them.” The main idea is for the stations not to take away the pedestrians’ space, but to the contrary, to serve as an opportunity to build squares and meeting spaces, as was done in Nantes, France, in the transfer stations between trolleys and buses. Respect for pedestrians was also emphasized in an image from a street in Barcelona, where cars, motorcycles, bicycles and pedestrians live in harmony. “There has to be room for everyone,” he emphasized.
Rua com desenho para uso compartilhado, Barcelona, Espanha, 2012
Street designed for shared use, Barcelona, Spain, 2012.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
89
Manuel Herce encerrou sua palestra lembrando que para se garantir a sustentabilidade é preciso alterar a maneira de enfocar a mobilidade, começando por abrir mão da lógica absurda dos tradicionais enfoques de demanda. “A conclusão é clara: o trânsito ocupa todo o espaço que recebe e se adapta a ele. Quando se limita o espaço oferecido, regula-se a quantidade de trânsito. É possível se pensar uma outra engenharia se o espaço público determina o desenho.”
“
Estamos vivendo paradoxalmente um período de euforia e de construção de uma alternativa que talvez não seja a que defendemos. Manuel Herce falou da dispersão urbana como sinônimo de exclusão social. E é o que nós estamos continuando a construir. O Rio de Janeiro ainda cresce de forma horizontal e perde densidade vertiginosamente. O Governo do Estado, na avaliação que faz do Arco Metropolitano, estima que nos próximos oito anos o território ocupado pela cidade aumentará 700 quilômetros quadrados. Isto é, a densidade, que nos últimos 50 anos caiu de 16 mil pessoas por km, para menos de 10 mil no ano 2000 – inferior à observada no século XIX –, continua caindo e deverá chegar a 2020 com 4.500 pessoas por km2. Ou seja, em 60 anos a cidade aumentará seis vezes em território com um aumento de população que não chega a 2,5 vezes. Isso significa perda de qualidade nos serviços públicos, talvez até perda dos próprios serviços. E, entre todos os condicionantes da cidade contemporânea, talvez o da mobilidade seja o mais expressivo nessa construção – positiva, se conseguirmos modificar essa tendência, ou negativa, se ela continuar do modo como está proposta. Esta é uma guerra a ganhar. É uma guerra justa porque interessa ao conjunto da população.
”
SÉRGIO MAGALHÃES, comentarista
Herce also criticized the recent emphasis on bicycles, presented as a panacea for traffic problems. “We have to be serious and accept that, in daily mobility, the role of bicycles is limited, and their greatest effectiveness is to feed public transportation.”
MANUEL HERCE VALLEJO Interviewed by Rosa Lima
Manuel Herce ended his presentation by remembering that to guarantee sustainability, it is necessary to alter how we view mobility, beginning by giving up the absurd logic of the traditional focuses of demand. “The conclusion is clear: traffic will occupy all the space it is allowed and will adapt to it. When we limit the space offered, the amount of traffic is regulated. It is possible to think about another kind of engineering if the public space determines the design.” “We are paradoxically living a moment of euphoria and of construction of an alternative that may not be what we defend. Manuel Herce spoke of urban dispersion as a synonym of social exclusion, and yet this is what we are continuing to build. Rio de Janeiro is still growing horizontally and losing density at an astounding rate. In its assessment of the Metropolitan Area, the State government estimates that in the next eight years, the land area occupied by the city will increase by 700 square kilometers. In other words, in the past 50 years density fell from 16 thousand people per square kilometer to less than 10 thousand in 2000, less than it was in the 19th century. It will keep falling and is expected in 2020 to reach 4,500 people per square kilometer. In other words, in 60 years, the city will have increased the territory it covers by almost six times, while its population only increased 2.5 times. This means a loss of quality in public services, maybe even the loss of the services themselves. Among all the requirements of a contemporary city, perhaps mobility is the most expressive in this construction: it will be positive, if we are able to modify this trend, or negative, if it continues as proposed. This is a war to be won. It is a just war because it is in the best interest of the population.” Sérgio Magalhães, commentator
90
Manuel Herce Vallejo | Entrevista Por Rosa Lima
“Sustainable mobility is achieved project by project.” Currently one of the most respected specialists in urban mobility, Spaniard Manuel Herce Vallejo, professor of Urbanism at the Polytechnic University of Catalonia, is a harsh critic of the carbased model that is predominant in Rio de Janeiro. “The consequences are people who are more and more dependent on cars, long and tiring trips, people who are always stuck in traffic jams, even in buses,” he said in this interview, given after his presentation which ended the conference cycle of Sustainable City, an expression of the 21st century. For Herce, public transportation must be thought of in an integrated manner, with stations that facilitate this connection.
“
Sustainable mobility is achieved project by project.
”
Manuel Herce Vallejo Um dos mais respeitados especialistas em mobilidade urbana da atualidade, o espanhol Manuel Herce Vallejo, professor de Urbanismo da Universidade Politécnica da Catalunha, é um crítico contundente do modelo rodoviarista predominante no Rio de Janeiro. “As consequências disso são pessoas cada vez mais dependentes de carros, de viagens longas e demoradas, pessoas que vivem presas em engarrafamentos, mesmo de ônibus”, disse ele nesta entrevista, concedida ao término da palestra que encerrou o ciclo de conferências “Cidade Sustentável, expressão do século XXI”. Para Herce, o transporte coletivo precisa ser pensado de maneira integrada, com estações que facilitem essa conexão.
ROSA LIMA - Based on your experience in getting Barcelona ready for the Olympic Games, what are the main lessons that Rio should learn so that the legacy of this experience is positive for the entire city? MANUEL HERCE VALLEJO - The main difference between the preparations in Rio and those in Barcelona for the Olympic Games is that, in Barcelona, all the designs were done by the Municipal Government. Here it seems that the Municipal Government passed this on to groups of construction companies who are planning and executing the projects. This has led to a decline in the quality of the projects and loss of control over the projects’ effects on the city. In Barcelona, the Municipal Government set up a double organization: the Municipal Institute of Urbanistic Promotion, which is responsible for all works that were not directly Olympic, and the Municipal Olympic Committee, with a delegate
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
91
ROSA LIMA - Com sua experiência de preparar Barcelona para receber os Jogos Olímpicos, quais são as principais lições que, a seu ver, o Rio deve aprender para que o legado dessa experiência seja positivo para toda a cidade? MANUEL HERCE VALLEJO - A principal diferença entre a preparação do Rio e a de Barcelona para os Jogos Olímpicos é que lá os projetos foram todos feitos pela Prefeitura Municipal. Aqui parece que a Prefeitura tem passado isso para grupos empreiteiros pensarem e executarem. Com isso, perde-se a qualidade da obra, perde-se o controle dos efeitos sobre a cidade. Lá, a Prefeitura montou uma dupla organização: o Instituto Municipal de Promoção Urbanística, responsável por todas as obras que não eram diretamente olímpicas, e o Comitê Olímpico Municipal, com um delegado do Prefeito para cuidar de todas as obras olímpicas propriamente ditas, como os estádios. Então, todas, sem exceção, foram projetos públicos. Depois de prontas, sim, foram feitas concessões e passadas a operação para empreiteiros construírem ou gerirem. R.L. - O crescimento do Rio de Janeiro se deu sob um modelo rodoviarista, tendo como referência os carros particulares. Quais as consequências disso e o que pode ser feito para garantir o direito à mobilidade de toda a população? M.H.V. - O Rio embarcou em um modelo rodoviarista absurdo. As consequências disso são pessoas cada vez mais dependentes de carros, viagens longas e demoradas, pessoas que não caminham, que vivem presas em engarrafamentos. Não se pode falar de modelo urbanístico e modelo de mobilidade de forma separada. Uma cidade espalhada está presa ao carro, enquanto uma cidade concentrada convida a caminhar. Esse modelo rodoviarista do Rio não saiu ainda da cabeça nem do poder público nem da própria população. Tenho muitos amigos que acham absurdo derrubar a Perimetral e que julgam maravilhoso a cidade se espalhar ainda mais em direção à Barra, pois pensam que o futuro está lá. O ideário dominante é o de uma classe social que tem carro e pensa em função dele. E impõe sua maneira de pensar sobre os demais. R.L. - E o que se pode fazer para mudar esse quadro? Qual seria, a seu ver, o primeiro passo? M.H.V. - Adensar a cidade central, ao estilo da previsão do Porto Maravilha. E discutir seriamente os projetos.
92
from the Municipal Government to take care of all Olympic works per se, like the stadiums. So all of them, without exception, were public works. After they were ready, then yes, concessions were granted for companies to build or manage these constructions. R.L. - Growth in Rio de Janeiro took place under a road-based model, with private cars as a reference. What are the consequences of this and what can be done to ensure the right to mobility of the entire population? M.H.V. - Rio embarked on an absurd car-based model. The consequences of this are people who are more and more dependent on cars, long and tiring trips, people who don’t walk and are always stuck in traffic jams. You can’t talk about an urban planning model and mobility model separately. A sprawling city is a prisoner to cars, while a concentrated city is an invitation to walk. This car-based model of Rio was not created by anyone in the government, nor the population. I have a lot of friends who think it is ridiculous to knock down the Perimetral elevated highway and they think it is marvelous for the city to spread out even more towards Barra; they think the future is there. The predominant idea is that of a social class that has cars and thinks in terms of those cars, imposing their way of thinking on others. R.L. - And what can be done to change this? What would be your first step? M.H.V. - Make the center part of the city denser, as planned under the Porto Maravilha project, and seriously discuss these projects. In this city, nobody discussed the Olympic project. The press dove right in and everybody just followed, thought it was wonderful and that was that. Nobody questioned whether the Olympic Village should be in Barra or not, whether this went against making the center denser. And everything is based on the idea that it is possible to stretch out the city, whenever new spaces are served by new BRTs. These projects were also not discussed.
Nesta cidade ninguém discutiu o projeto olímpico. A imprensa embarcou nele e todo mundo foi atrás, achou uma maravilha e pronto. Ninguém questionou se a Vila Olímpica deveria ficar na Barra ou não, se isso era contraditório com o adensamento de centro. E tudo fica na ideia de que é possível esticar a cidade, sempre que os novos espaços sejam servidos por novos BRT. Projetos que tampouco foram discutidos. R.L. - Por quê? O senhor não acredita que os BRT sejam importantes para desafogar o trânsito e interligar pontos distantes da cidade, como está sendo apregoado? M.H.V. - No mundo todo a aposta pelo transporte coletivo foi acompanhada de restrições ao uso dos veículos privados. Tem sentido construir um BRT no meio de seis pistas de carros, com estações no espaço central, sem nenhum cuidado especial com o acesso das pessoas? Acredito que, do jeito que está sendo feito, é mais uma manifestação ideológica supostamente de apoio ao transporte coletivo do que um apoio verdadeiro. Para ser um projeto de transporte coletivo sério, é preciso ser cuidadoso com estações bem feitas, com acesso fácil para os passageiros. R.L. - Qual é, segundo o senhor, a principal melhoria a ser implantada no desenho desses BRT? M.H.V. - As estações, cuidar que sejam de fácil acesso e não por passarelas. Que tenham passeios claros até a porta, com bicicletários e conexão com ônibus de alimentação. A geometria das pistas tem que se adequar aos requerimentos da estação. Olhem os conflitos sociais que ocorreram em Bogotá ou Lima até conseguirem essas soluções. R.L. - O projeto de construção do metrô para a Barra tem sido objeto de muita polêmica. Como o senhor avalia esse projeto? M.H.V. - Eu sou a favor do metrô. Para mim, quanto mais metrô, melhor. Mas um metrô feito em uma só linha que dá a volta por toda a cidade não é um metrô eficaz. No mundo todo, o metrô é feito em rede. Aqui se diz que o metrô tem quatro linhas, mas não é verdade. Se for importante levar o metrô até a Barra, que eu acho que é, então isso tem que ser feito de outra maneira que não seja ficar se alongando eternamente a linha de Botafogo, Copacabana etc. Mas acredito que depois da extensão dessa linha vai se começar a pensar em rede.
R.L. - Why? Don’t you believe that the BRTs are important to relieve traffic and link distant points in the city, as is being claimed? M.H.V. - Throughout the entire world, when people bet on public transportation, this bet was accompanied by restrictions on the use of private vehicles. Does it make sense to build a BRT in the middle of six car lanes, with stations in the center, without any special concern for people’s access? I believe that the way it’s being done is just another ideological manifestation supposedly in support of public transportation, rather than real support. To be a serious public transportation project, the stations have to be carefully planned, with easy access for passengers. R.L. - What do you think is the principal improvement to be implemented in the design of these BRTs? M.H.V. - The stations, it is important to make sure they can be easily reached, and not by footbridges. There should be clear paths to the doors, with places to park bicycles and connections to feeder buses. The geometry of the lanes has to be adapted to the requirements of the station. Look at the conflicts they had in Bogotá or Lima until they were able to achieve these solutions. R.L. - The plan to extend the subway to Barra has been the subject of a good deal of controversy. How do you see this project? M.H.V. - I am in favor of the subway. For me, the more subway you have, the better. But a subway based on only one line that crosses the whole city is not an effective subway. Throughout the world, subways are designed in networks. Here people say that the subway has four lines, but it’s not true. If it is important to extend the subway to Barra, and I think it is, then it has to be done in another way besides endlessly extending the line from Botafogo, Copacabana, etc. But I believe that after this extension, people will begin to think about a network. R.L. - The residents of the Northern Zone and Baixada Fluminense account for 80% of the
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
93
R.L. - Os moradores da Zona Norte e da Baixada Fluminense representam 80% da população do Grande Rio, um contingente muito maior do que o de moradores da Barra, mas para eles não há projeto de metrô. M.H.V. - Esses são, sem dúvida, os mais desassistidos, os moradores dos subúrbios e da periferia. Esse fato é uma razão a mais para se pensar em uma rede futura. R.L. - Melhorar o serviço dos trens e transformá-los em metrôs de superfície, com boas estações, não seria uma boa alternativa? M.H.V. - Deveria ser. R.L. - Na sua palestra, o senhor exibiu imagens do canal do Mangue no início do século passado, então um local muito aprazível, ladeado por altas palmeiras, e hoje completamente degradado. A seu ver, o projeto do Porto Maravilha não contempla a recuperação daquela área de maneira adequada? M.H.V. - Quando a Prefeitura expôs o Plano Porto Maravilha, achei que finalmente alguém tinha tido coragem para derrubar o viaduto da Perimetral. Mas a minha satisfação se frustrou quando comprovei que essa derrubada terminava na Francisco Bicalho. Não se aproveitava o embalo olímpico para recuperar o antigo e lindíssimo canal do Mangue, com tantos significados na história da cidade. Tão desprezado, que está afogado pelo trânsito, recebe todo tipo de esgotos, e mesmo alguém está projetando escondê-lo debaixo de um BRT e outros têm projetado ampliar os acessos a esse viaduto no entorno da estação rodoviária. Porém, se se derruba o viaduto da Perimetral, as alças que entram na Francisco Bicalho perderão importância, e podem ser encurtadas para deixar de ser uma barreira à continuidade da Avenida Pedro II, que conecta o Porto à Quinta da Boa Vista. Quando da elaboração do edital do Concurso Porto Olímpico para situar lá a vila olímpica dos árbitros, fiz para o IAB e a Prefeitura um trabalho mostrando a possibilidade de substituir esse único eixo viário de acesso ao Centro pela Francisco Bicalho por uma rede de ruas paralelas a ele. E fizemos uma simulação do trânsito com dados de intensidades fornecidos pela CET-Rio. Tudo dava certo e tudo permitia tirar os carros do trecho central da avenida, deixando-a para, ônibus e pedestres. A sugestão foi para o espaço, não serviu para nada, todos olharam para outra parte. Mas, dentro da contínua revisão das propostas olímpicas que parece estar acontecendo, acho que o tema é demasiado importante para nem ser falado. Isso é falar de mobilidade e cidade sustentável.
94
population of the metropolitan area of Rio, a contingent much larger than the residents of Barra, but there is no subway project for them. M.H.V. - They are, without a doubt, the least well served, the residents of the suburbs and outlying areas. This is one more reason to think about a future network. R.L. - Wouldn’t improving the train service and transforming it into surface subways, with good stations be a good alternative?
R.L. - O senhor acredita que o Rio de Janeiro terá algum legado que possa se comparar ao de Barcelona? M.H.V. - Certamente não haverá um legado que possa ser comparado com o de Barcelona, Seul ou Londres. Tenho a impressão de que no Rio vai haver apenas uma Olimpíada – muito divertida, espero. Dela ficarão estádios e equipamentos. Mas o modelo urbanístico da cidade não mudará. R.L. - Que coisas podem ser acrescentadas ainda para fazer da Olimpíada do Rio um exemplo de sustentabilidade do ponto de vista de mobilidade?
through Francisco Bicalho Avenue with a network of parallel streets, and we did a traffic simulation using traffic intensity data provided by CET-Rio. Everything worked and it would be possible to take the cars out of the central section of the avenue, leaving it for buses and pedestrians. - The suggestion disappeared into thin air, nothing became of it, and everyone looked for something else. But within the ongoing review of Olympic proposals that seems to be taking place, I think this topic is too important to not be brought up. This is what it means to speak of mobility and sustainable cities.
M.H.V. - It should be. R.L. - In your presentation, you showed images of the Mangue Canal at the start of the last century, back then a very pleasant place, surrounded by high palm trees, and today, completely degraded. In your opinion, doesn’t the Porto Maravilha project adequately include the recovery of that area? M.H.V. - When the Municipal Government presented the Porto Maravilha Plan, I thought that someone finally had the courage to knock down the Perimetral elevated highway. But my satisfaction was short-lived when I realized that it would only be knocked down as far as Francisco Bicalho Avenue. They did not take advantage of the energy brought by the Olympics to recover the old Mangue canal, such a meaningful place in the city’s history. It is so scorned that it is choked with traffic, has all types of sewage dumped into it, and there is even someone planning to hide it underneath a BRT, while others have planned to increase the access roads to this elevated highway in the area surrounding the bus station. However, if they knocked down the elevated highway, the side roads that go into Francisco Bicalho would lose importance, and could be shortened so they would no longer be a barrier to the continuation of Avenida Pedro II, which connects the Port to Quinta da Boa Vista. - When the invitation bid was prepared for the Olympic Port to locate the Olympic Referees’ Villa there, I prepared a study for the IAB and for the Municipal Government showing the possibility of replacing this single access road to the Center
M.H.V. - Acho que duas: a atenção às estações de transporte coletivo, pensadas para facilitar a intermodalidade e os acessos amáveis, e uma reflexão séria sobre o espaço do pedestre: alargamento de calçadas, redução do tamanho das pistas de carros, urbanização superficial que incorpore critérios de sustentabilidade e não só de luxo etc. É barato, e estaria no nível de uma cidade que tem acolhido o evento mundial da sustentabilidade.
R.L. - Do you believe that Rio de Janeiro will have a legacy that will be comparable to that of Barcelona? M.H.V. - Certainly there will not be a legacy that can be compared to that of Barcelona, Seoul or London. I have the feeling that in Rio there will only be a very enjoyable Olympics, I hope. Stadiums and equipment will remain. But the city’s urban model will not change. R.L. - What can still be added to make the Rio Olympics an example of sustainability from the standpoint of mobility? M.H.V. - I think there are two things: attention to public transport systems, thought out to facilitate inter-modality and user friendly access, and serious reflection on space for pedestrians: widening of sidewalks, a reduction in the size of car lanes, surface upgrading that incorporates sustainability criteria and not just luxury, etc. This is inexpensive and would be appropriate for a city that has agreed to host the world’s event on sustainability.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
95
PROGRAMAçÃO 18 de junho | segunda-feirA 9:00 - 10:00
Recepção e Credenciamento
10:00 - 10:50
Cerimônia de Abertura Inês Magalhães Secretária Nacional de Habitação, Ministério das Cidades
19 de junho | terça-feira 14:00 - 14:30
Recepção e Credenciamento
14:30 - 15:50
Apresentação de Estudo “Cidade Sustentável e Habitação” Vanderley John Prof. da Universidade de São Paulo/POLI-USP
Francisco Gaetani Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente
João Whitaker Prof. da Universidade de São Paulo/LABHAB
Joan Clos Diretor Executivo da ONU Habitat
José Conde Caldas | comentários do Presidente da Associação de Dirigentes de Empresas Imobiliárias do Rio de Janeiro (Ademi-RJ)
Albert Doubler Presidente da União Internacional dos Arquitetos Jorge R. Monti Presidente da Federação Pan-Americana de Associações de Arquitetos
16:00 - 17:40
Inês Magalhães Secretária Nacional de Habitação, Ministério das Cidades
Haroldo Pinheiro Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR)
AntOnio Augusto Veríssimo Coordenador de Planejamento e Projetos, Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura do Rio de Janeiro - PCRJ
SÉrgio Ferraz Magalhães Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) 10:50 - 13:00
Conferência de Abertura “Cidades para as Pessoas“
Claudio Accioly | comentários e mediação Coordenador do Setor de Política Habitacional do Programa de Assentamentos Humanos da Organização das Nações Unidas ONU Habitat
Jan Gehl, conferencista Prof. Emérito da Escola de Arquitetura de Copenhague, Dinamarca
14:30 - 15:50
Pedro Claudio Cunca B. B. Cunha | apresentação, comentários e mediação do Prof. e Coordenador do Núcleo Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade do BRICS - Policy Center PUC-Rio
20 de junho | quarta-feira
Apresentação de Estudo “Cidade Sustentável, Saneamento e Meio Ambiente”
Debates organizados pela Cúpula dos Povos
Leo Heller Prof. da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Francis Bogossian | comentários do Presidente do Clube de Engenharia, Rio de Janeiro 16:00 - 17:40
Mesa-redonda sobre Habitação
Fórum sobre “Acessibilidade e Sustentabilidade” 18:30 - 21:30
21 de junho | quinta-feira
Mesa-redonda sobre “Questões Ambientais das Metrópoles”
Debates organizados pela Cúpula dos Povos
Felipe Leal Secretário de Urbanismo, México DF Maria Teresa Serra Consultora do Banco Mundial - BID
Organização CAU-RJ
Fórum sobre “Carta da Paisagem” 18:30 - 21:30
Organização CAU-BR com a participação da ABAP e do Prourb /FAU-UFRJ
Marilene Ramos | comentários do Presidente do Instituto Estadual do Ambiente (INEA)
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
97
22 de junho | sexta-feira 10:30 - 11:00
Recepção e Credenciamento
11:00 - 12:30
Conferência sobre “Cidades Sustentáveis: a importância da forma das cidades” Marcial Echenique | conferencista Prof. da Universidade de Cambridge, Reino Unido Ephim Shluger | comentários e mediação Consultor do Banco Mundial - BID
14:30 - 15:50
Apresentação de Estudo “Cidade Sustentável e Mobilidade Urbana” Rômulo Orrico Prof. da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe - UFRJ) Alexandre Sansão | comentários Secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro
16:00 - 17:40
Mesa-redonda sobre Mobilidade Urbana, Espaço Público e as Ruas Andrés Borthagaray Prof. da Universidad General Sarmiento, Argentina Juan Carlos Dextre Prof. da Pontifícia Universidad Católica del Peru, Lima Fabiana Izaga | comentários e mediação Prof. da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU - UFRJ)
18:00 - 19:30
Conferência sobre “Direito à Mobilidade na Cidade Contemporânea“ Manuel Herce Vallejo | conferencista Universidade Politécnica da Catalunha (UPC), Espanha SÉrgio Ferraz Magalhães | apresentação, comentários e mediação Arquiteto, professor do Prourb / FAU - UFRJ Encerramento
98