HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL E RENASCENÇA - 2020.1

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Apresentação

O Curso de História da Filosofia Medieval e Renascença oferecido pelo CMCF procura apresentar o desenvolvimento do pensamento Ocidental através de uma breve introdução à produção filosófica e teológica que nortearam o mundo naquele momento histórico e forneceu as condições para a construção da sociedade e suas instituições na Europa e que influenciaram a política, a religião, os costumes, a literatura, a formação dos Estados e que ainda norteiam através de valores morais e religiosos os costumes atuais e a própria sociedade ocidental. O Curso começa com os pensadores medievais logo no início do Cristianismo para compreendermos sua importância filosófica e teológica e destacando Santo Agostinho como grande personalidade da Patrística. Na Escolástica veremos as contribuições teológicas e o pensamento de São Tomás de Aquino. A Filosofia da Renascença vem abrir as portas para a mudança de referência no pensamento filosófico abrindo-se para a Ciência e suas ramificações. Tem grande importância para as Artes, a Política, a Religião. E após a Renascença inaugura-se um novo momento, a Filosofia Moderna que trará contribuições importantíssimas para a reorganização das Ciências Humanas e Exatas e da própria política. O Curso de História da Filosofia Medieval e Renascença é um convite à leitura, discussão e busca de conhecimento através de textos, videos, exposições e discusses, onde o importante é a participação dos estudantes.

“Dois excessos: excluir a razão, admitir apenas a razão.” Blaise Pascal

Marcelo Wollenhaupt Menna Barreto

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Sumário

Filosofia Medieval………………………………………………………………..04 Patrística…………………………………………………………………………..04 Período Patrístico………………………………………………………………..04 Gnosticismo………………………………………………………………………09 Santo Agostinho…………………………………………………………………10 Escolástica……………………………………………………………………….17 São Tomás de Aquino………………………………………………………….21 A Filosofia do Renascimento…………………………………………………25 Nicolau Maquiavel………………………………………………………………29 A Filosofia Barroca……………………………………………………………..37 Movimentos Filosóficos……………………………………………………….38 Referências ....................……………………………………………………….40

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Filosofia Medieval

Patrística

Mil anos. Foi esse o período aproximado que denominamos como idade medieval, da queda do império romano no século V até o século XV e o início do renascimento foram desenvolvidas duas correntes filosóficas distintas: A filosofia patrística e a filosofia escolástica, ambas possuíam concepções religiosas, porém com diferentes abordagens. Filosofia Patrística (século I ao VII): a filosofia desenvolvida nessa época teve como objetivo consolidar o papel da igreja e propagar os ideais do cristianismo. Baseadas nas Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João, a escola patrística advogou a favor da igreja e propagou diversos conceitos cristãos como o pecado original, a criação do mundo por Deus, ressurreição de juízo final. Apesar das contribuições ideológicas e em alguns aspectos científicos, especialmente na geometria, aritmética, música, astronomia entre outras, a filosofia patrística e escolástica se diferencia das demais correntes de pensamento pelo fato de não aceitar verdades que poderiam, porventura, contrariar dogmas religiosos e os demais pressupostos cristãos. Pelo seu caráter em alguns aspectos manipulador, a filosofia medieval não costuma receber muita atenção de indivíduos engajados na busca científica da existência humana e do próprio universo.

Período Patrístico O período denominado “Patrístico” representa um momento significativo para o desenvolvimento do pensamento cristão. A patrística foi sem duvida, um marco decisivo na evolução da doutrina cristã. O termo “Patrística”, vem da palavra latina pater, “pai”, referente ao pensamento dos pais da igreja. Os ramos teológicos dos pais da igreja de 100 a 310 formam o primeiro período patrístico. De 310 a 451 temos o segundo período, finalizando com a terceira fase que se inicia no Concilio de Calcedônia em 451 até o segundo Concilio de Nicéia em 787.

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Esse fenômeno ganhou força na historia da teologia cristã após o ano 310 devido à cessação da perseguição ao cristianismo logo em 311. Finalizada a perseguição, as discussões teológicas poderiam ser feitas em publico, com o apoio do Estado. Isso possibilitava um avanço nas teologias cristãs, os teólogos após 311 poderiam se dedicar sem se preocupar com a perseguição, não havia mais acossamento do Estado e sim o apoio. Ademais, o universo plural da teologia cristã ganharia mais consistência no mundo intelectual da igreja, com essa junção entre Igreja e Estado a oportunidade do fazer teológico para, até mesmo, justificar as atrocidades do império frontispício aos pagãos ganharia auxilio religioso, mesmo por que, “tudo era em nome de Deus”. É imprescindível a apresentação dos nomes dos teólogos da patrística para melhor familiaridade com o próprio assunto. Os Pais Apostólicos (continuadores diretos dos Apóstolos,c. 80-150): Clemente Romano (Papa São Clemente I), Papias de Hierápolis, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Pastor de Hermas. Segunda metade do século II: Aristides de Atenas, Justino, Atenágoras de Atenas, Ireneu de Lyon (Irineu de Lião), Teófilo de Antioquia. Século III: Orígenes de Alexandria, Tertuliano de Cartago, Clemente de Alexandria, Cipriano de Cartago (São Cipriano), Hipólito de Roma, Minúcio Félix. Pais Nicenos: Eusébio de Cesareia Atanásio de Alexandria, Cirilo de Jerusalém, Efraím da Síria. Pais Pós Nicenos: João Crisóstomo, Hilário de Poitiers, Ambrósio de Milão, Jerónimo de Strídon, Agostinho de Hipona, Nemésio de Emesa, Evágrio do Ponto, Arnóbio, Lactâncio, Calcídio, Mário Victorino, Macróbio. Os Pais Capadócios: Basílio de Cesareia (Basílio Magno), Gregório de Nazianzo, Gregório de Nissa. Século V: Marciano Capela, Cirilo de Alexandria, Teodoro de Mopsuestia, Papa Leão I, (o Grande). Século VI: Papa Gregório I (o Grande), Boécio. Século VII: Máximo o Confessor, Isidoro de Sevilha. Século VIII: João Damasceno (João de Damasco). Depois do século VIII (só no Oriente) Fócio Simeão, Gregório Palamás e Marco de Efeso. Estes são os nomes que praticamente foram responsáveis em grande parte pela definição das doutrinas cristãs como os conhecemos hoje. Não temos como fugir desta discussão devido a influência das escolas filosóficas gregas nos pais da Igreja. Aliás, a Patrística ganha força devido sua confluência filosófica nas questões relacionadas à Bíblia e as teologias subjacentes. Sugestão de video: https://youtu.be/wfJJ-xSsVdY

Fílon de Alexandria (10 a.C - 50 d.C) Fílon foi um dos mais renomados filósofos do judaísmo helênico, interpretou a bíblia utilizando elementos da filosofia de Platão, para ele o Demiurgo de Platão é o Deus criador dos hebreus. Estuda os textos bíblicos exegeticamente e vê neles muito mais do que os significados textuais. Busca nas palavras a autenticidade da mensagem divina. Através dessa interpretação ele vê na Bíblia a doutrina da existência de Deus. As palavras são somente um instrumento para se tentar conhecer Deus que por princípio não pode ser expresso por palavras. Através da exegese Fílon revela um significado nas palavras bíblicas que vão além do significado imediato e literal. Este modo de interpretação vai ser muito utilizado pela Patrística. Ele tenta conciliar a filosofia grega e o judaísmo, mas nem os gregos nem os judeus aceitaram muito bem a sua obra, que somente foi reconhecida e aprovada pelos primeiros cristãos. Fílon estava convencido de que a fé judaica e a filosofia grega coincidiam em diversos pontos, em especial na busca da verdade. Para ele existe um Deus único, incorpóreo e que não tem princípio. Deus criou o Logos, que é a atividade intelectiva de Deus, e ao Logos devemos a criação do mundo. O Logos é o que está entre Deus e os homens, é o intermediário da relação entre os dois. O Logos é o ser mais antigo, o primeiro a ser criado por Deus e é também a sua imagem. Deus transcende a tudo o que é conhecido pelo homem, ele vai além dos limites da experiência material. O homem tem por fim voltar a se unir a Deus que é perfeito e do qual nós não temos a capacidade de compreensão. Para se unir a Deus o homem tem que se libertar da sua ligação com o corpo. O homem é constituído por corpo, intelecto e espírito originário de Deus. A inteligência humana pode ser corrompida, e quando é corrompida ela se torna terrena, mas se ela se ligar ao espírito divino ela vai descobrir a verdadeira vida. Segundo Fílon o homem pode levar sua vida de três formas, a primeira é ligada ao corpo como extensão física, essa é a forma mais básica e inferior. A segunda é a dimensão da razão, que é a nossa alma ligada ao intelecto, o homem nessa dimensão utiliza a razão para direcionar sua vida. E a última e superior forma é a ligada ao divino, nessa dimensão a alma e o intelecto tornamse eternos à medida que estão ligados ao espírito divino. Sentenças: - Para a criatura o melhor momento para encontrar seu criador é quando ela se torna nula. 5


- Devemos viver para Deus e não para nós mesmos. O pensamento grego é rico. Desde o século I a filosofia helênica em que se situava os estóicos, os epicuristas, os neopitagóricos, os céticos e os neoplatônicos, dominavam a visão de mundo antigo, distribuída pela cultura greco-romana. Alguns teólogos usavam a filosofia para melhor expressar suas idéias religiosas face ao mundo “pagão”, é obvio que alguns não aceitavam de maneira alguma esse dialogo, a ponto de dizer como Tertuliano: “Que relação tem entre Jerusalém e Atenas?”. Essa crítica severa de Tertuliano no século III, fazia parte de uma pequena camada de teólogos que defendiam que o cristianismo deveria manter sua identidade característica, evitando influencias de filósofos gregos que nada conhecia da Igreja da época. O debate foi tenso, podemos dizer que a argumentação mais espessa em defesa do dialogo entre filosofia e teologia foi dada por Agostinho de Hipona (354 – 430). Como mencionamos no tópico anterior, a oficialização do cristianismo como religião do Estado romano possibilitou uma abertura para uma avaliação positiva da cultura clássica. Roma agora era a serva do evangelho, e a teoria desse evangelho precisaria ser convincente para melhor exposição do próprio evangelho. Quem primeiro iniciou esse dialogo foi Justino Mártir (100 – 165), como aponta Paul Tillich em sua obra; Historia do Pensamento Cristão: “Ao falar do cristianismo, dizia: Esta é a única filosofia certa e adequada que encontrei (...) quando Justino dizia que o cristianismo era uma filosofia, precisamos entender o que entendia por filosofia. Nessa época o termo filosofia se referia ao movimento de caráter espiritual oposto a magia e a superstição. Era, pois, natural que Justino se referisse ao cristianismo como a única filosofia certa e adequada, por que não era mágico nem supersticioso”. Na concepção de Justino essa filosofia, que ele chama cristã, era universal, e continha a verdade sobre o significado da existência. Essa verdade foi manifestada no “Logos” que era o fundamento do cristianismo. Sendo assim, Justino expunha sua Téo-cristologia a partir do “Logos”, não representando Cristo como um completo forasteiro, mas como o cumprimento do melhor do pensamento grego. No século III surge o desafio do neoplatonismo que serviu como influencia para o primeiro sistema teológico elaborado por Orígenes de Alexandria. O que seria neoplatonismo? Em síntese, foi uma corrente filosófica que visava uma revisão do platonismo, foi apresentada por Amonio Saccas e Plotino. Podemos dizer que foi basicamente Platão o grande formador das bases da teologia cristã. Mesmo que o neoplatonismo repense algumas questões filosóficas de Platão, ainda sim toda sua epistemologia é platônica. Por exemplo, Tillich examina cinco elementos fundamentais nessa linha: o primeiro é o conceito de transcendência. As idéias eram para Platão as essências das coisas. Salta-se daí para o mundo idealizado tão apreciado pela religião protestante, por exemplo. Se as idéias e, com elas, a abstração, representam o real, as coisas terrenas perdem seu valor. O segundo elemento destacado por Tillich é, pois, “a desvalorização da existência”. Até hoje a igreja cristã enfrenta problemas relacionados com a compreensão do corpo humano e de seus desejos. O terceiro elemento é a doutrina da “queda da alma da eterna participação no mundo essencial ou espiritual, sua degradação terrena num corpo físico, que procura se livrar da escravidão desse corpo, para finalmente se elevar acima do mundo material”. O quarto elemento é a ideia da providência divina. Tillich nos alerta de que essa ideia recebida ainda hoje pelos cristãos como se tivesse nascida com sua religião, pertencia, na verdade, ao mundo grego antigo e se expressara com clareza nos últimos escritos de Platão. O quinto elemento presente na teologia cristã vem de Aristóteles: “o divino é forma sem matéria, perfeito em si mesmo”. Segundo Tillich, Aristóteles “entendia que Deus, a forma suprema ou ato puro (actus Purus), como o chamava, move todas as coisas ao ser amado por todas as coisas” e que “a realidade toda deseja se unir à forma suprema, para se livrar das formas inferiores em que vive, na escravidão da matéria”. Esse Deus aristotélico entrou na igreja cristã e exerceu enorme influência principalmente na formulação da teologia medieval. Este último elemento examinaremos com mais pormenores no próximo tópico, onde estaremos apresentando o pensamento da escolástica. A aliança entre teologia e filosofia, como podemos observar, foi feita, porém a filosofia tornou-se religiosa e teológica. O problema que nem Epicuro, Zenão, Platão, Aristóteles e etc, foram cristãos. Os teólogos da patrística converteram esses filósofos na evolução da teologia cristã. Submeteram suas filosofias ao julgamento heterônomo das autoridades eclesiásticas e suas reflexões sempre foram

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policiadas por concílios, sínodos, bispo, autoridades eclesiásticas e pelo Papa. Isso também irá acontecer com os teólogos escolásticos no inicio do século XI. Com tudo isso a uma positividade nessa aliança, a interação criativa da teologia, liturgia e espiritualidades cristãs com a tradição cultural do mundo antigo, sem divida, como aponta Mcgrath “um dos exemplos mais interessantes e férteis de hibridismo cultual da história intelectual da humanidade”. Filósofo cristão e cristão filósofo, como foi acertadamente definido, Justino (nascido em Flávia Neápolis na Samaria, no início do século II) pertence àquela plêiade de pensadores que em cada período da história da Igreja têm tentado uma síntese da provisória sabedoria humana e das inalteráveis afirmações da revelação cristã. “Não temos algum mandamento em Cristo que nos obrigue a crer nas tradições humanas, mas somente naquelas que os bem-aventurados profetas promulgaram, e que Cristo mesmo ensinou, e eu tenho cuidado, de referir todas as coisas às escrituras e pedir a elas os meus argumentos e minhas demonstrações.” (Justino Mártir, em diálogo com Trifão)“Capítulo XIV. Um apelo de advertência aos gregos. Sugestão de video: https://www.youtube.com/watch?v=EQ3-lB87sR4&t=11s

Portanto, é necessário, gregos, que você contemple as coisas que devem ser, e considere o julgamento que é predito por todos, não somente pelos piedosos, mas também por aqueles que são irreligiosos, que vocês não cometam sem investigação se para o erro de vossos pais, nem suponha que, se eles próprios estiveram em erro e vos transmitiram a vossa causa, que aquilo que vos ensinaram é verdadeiro; mas olhando para o perigo de um erro tão terrível, investigue e investigue cuidadosamente as coisas que são, como você diz, mencionadas até pelos seus próprios professores. Pois mesmo a contragosto, eles eram por sua conta forçados a dizer muitas coisas pela consideração divina pela humanidade, especialmente aqueles que estavam no Egito, e lucraram com a piedade de Moisés e seus antepassados. Capítulo XV. Testemunho de Orfeu ao monoteísmo. Em todo caso, devemos lembrar-lhe o que Orfeu, que era, como se poderia dizer, seu primeiro professor de politeísmo, ultimamente dirigido a seu filho Musæus, e aos outros auditores legítimos, concernentes ao único Deus.” E ele falou assim:

"Eu falo com aqueles que legalmente podem ouvir: Todos os outros, profanos, agora fecham as portas, E, ó musaus! ouça-me a mim Quem é a arte da luz da lua trazendo: As palavras que eu pronuncio agora são verdadeiras; E se você pensou em meus pensamentos anteriores, Não os deixe roubar a vida abençoada, Mas, em vez disso, volta as profundezas do teu próprio coração Até o lugar onde a luz e o conhecimento habitam. Pegue a palavra divina para guiar seus passos, E andando bem no caminho certo, Olhe para o rei único e universal Um, auto-gerado e único, De quem todas as coisas e nós mesmos somos saltados. Todas as coisas estão abertas para o Seu olhar penetrante Enquanto ele mesmo ainda é invisível. Presente em todas as Suas obras, embora ainda invisível,

Ele dá aos mortais o mal do bem, Enviando guerras arrepiantes e tristes lacrimosos; E além do grande rei não há nenhum. As nuvens para sempre se estabelecem ao redor do seu trono, E olhos mortais em meros olhos mortais São fracos, para ver Jove reinar sobre todos. Ele se senta estabelecido nos céus de bronze Sobre o seu trono de ouro; sob seus pés Ele pisa a terra e estende a mão direita Para todas as extremidades do oceano e ao redor Trema as cadeias montanhosas e os riachos As profundezas também do mar azul e verde. " E novamente, em algum outro lugar ele diz: "Há um Zeus sozinho, um sol, um inferno, Um baco; e em todas as coisas menos um só Deus; Nem de todos estes tão diversos, deixe-me falar ". E quando ele jura ele diz: "Agora eu te conjuro pelo mais alto céu, A obra do grande Deus, o único sábio; E eu te conjuro pela voz do Pai. 7


Que primeiro estabeleceu

Ele

proferiu

quando

Ele

O mundo inteiro por seu conselho ".

O que ele quer dizer com "eu te conjuro pela voz do Pai, que primeiro ele pronunciou?" É a Palavra de Deus que ele aqui nomeia "a voz", pela qual o céu, a terra] e toda a criação foram feitos, como as profecias divinas dos homens santos nos ensinam; e estes ele mesmo também prestou alguma atenção no Egito, e entendeu que toda a criação foi feita pela Palavra de Deus; e, portanto, depois que ele diz: "Eu te conjuro pela voz do Pai, a qual primeiro Ele proferiu", ele adiciona isto além disso, "quando pelo Seu conselho Ele estabeleceu o mundo inteiro". Aqui ele chama a palavra "voz", por causa do medidor poético. E isso é assim, é manifesto a partir do fato, que um pouco mais adiante, onde o medidor o permite, ele o chama de "Palavra". Pois ele disse: "Pegue a Palavra divina para guiar seus passos.” ( São Justino, mártir. Discurso do Mártir de Justino aos Gregos) Orígenes (184-253) foi aluno de Amônio Saccas e colega de Plotino em Roma. Deu organização e vida à escola catequética de Alexandria, assimiliando os elementos da Paidéia (educação grega) na formação do cristão, segundo o programa proposto por Clemente. Prezava as artes liberais (as 7 ciências básicas da antiguidade: o trivium, que se referia à linguagem, e o quadrivium, que se referia ao conhecimento matemático da natureza) e via nelas uma maneira de o homem se elevar até à filosofia propriamente dita. O modelo axiomático-dedutivo da geometria lhe serviu como parâmetro para construir o conteúdo sistemático da doutrina da fé cristã. No "Perì Archôn" (Dos princípios), Orígenes sistematizou a teologia pela primeira vez, partindo dos princípios da realidade, do conhecimento e da fé, e tirando-lhes as consequências. Orígenes foi também um grande hermeneuta dos escritos sagrados dos cristãos, retomando o método alegórico de interpretação, já iniciado por Filo de Alexandria. Orígenes defendeu a integração entre a investigação da razão e a obediência da fé, diante do racionalismo dos pagãos (como Celso) ou diante do fideísmo dos cristãos (Tertuliano, por exemplo). No "Contra Celso" Orígenes traz à fala a identidade do cristianismo: o cristianismo propõe a excelência da caridade, ali onde o grego põe a excelência da justiça; a redenção como obra da graça sobrenatural na história, ali onde o grego põe a inserção racional na ordem natural do universo; a encarnação de Deus, sua imanência no mundo terreno e seu amor pelos homens, ali onde o grego põe um Deus transcendente, supraceleste, impessoal e indiferente, amado por todos como fim supremo, mas incapaz ele mesmo de amar; a fé de que a redenção alcança a carne humana e a matéria cósmica, de que essas são, na sua origem, obras da ação criadora de Deus e que serão, no fim, redimidas juntamente com o espírito, ali onde o grego recorre ao espiritualismo que reduz e condena a matéria ao não-ser e à função de origem do mal. Orígenes postulou a liberdade e não a necessidade como o sentido de todas as coisas no universo e na história. Sugestão de video: https://www.youtube.com/watch?v=RgjVjwo-cgA&t=15s

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Na concepção de Orígenes a criação é um ato livre de Deus. A criação procede não da necessidade e sim da liberdade de Deus. Todos os entes criados são contingentes: são, quando poderiam não ser. “O ser, portanto, não lhes é algo de próprio, mas uma dádiva de Deus” (De Princ. II 9, 2). O motivo da criação de Deus é sua própria bondade. Junto com a contingência, vem também a temporalidade. Todos os seres criados são mutáveis.

Os Padres latinos anteriores a Agostinho foram pouco atraídos, quando não decisivamente hostis, à filosofia grega. Minúcio Félix (?-260), particularmente, condenava a sabedoria grega, acusando-a de ser tão grandiloqüente e pomposa quanto vã, abstrata e superficial. Para ele apenas a doutrina cristã pode ser considerada sabedoria do coração, autêntica e profunda.

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Para Tertuliano (155-220), Atenas e Jerusalém nada têm em comum: fé em Cristo e Sabedoria humana se contradizem (daqui sua célebre afirmação: credo quia absurdum). Na verdade, a alma é naturaliter christiana e é a cultura filosófica que a afasta da verdade. Tertuliano assumiu, talvez de Sêneca, uma concepção corpórea da realidade e do próprio Deus. “O sangue dos mártires é a semente dos cristãos" “A verdade não enrubesce.” “Mas sois ímpios a tal ponto que procurais a divindade onde não está, que a procurais naqueles que não a possuem. Sugestão de videos: https://youtu.be/WqRamV4iCR4 e https://youtu.be/Ik0ldvwQWvw

Gnosticismo O termo gnose deriva do termo grego "gnosis" que significa "conhecimento". É um fenômeno de conhecimento espiritual vivenciado pelos gnósticos (cristãos primitivos sectários do gnosticismo). Para os gnósticos, gnose é um conhecimento que faz parte da essência humana. É um conhecimento intuitivo, diferente do conhecimento científico ou racional. Gnose é o caminho que pode guiar à iluminação mística através do conhecimento pessoal que conduz à salvação. A existência de um Deus transcendente não é questionada pelos gnósticos, pelo contrário, veem no conhecimento divino um caminho para atingir um conhecimento mais profundo da realidade do mundo.O gnosticismo está relacionado com ensinamentos esotéricos da cultura grega e helenística, que expõe aos seus iniciados um caminho de salvação que tem como base o conhecimento de certas verdades ocultas a respeito de Deus, do homem e do mundo.O gnosticismo cristão designa um conjunto de crenças de natureza filosófica e religiosa cujo princípio básico assenta na ideia de que há em cada homem uma essência imortal que transcende o próprio homem. Assim, o homem é visto como um ser divino que caiu na terra de forma desastrosa, e que só pode se libertar dessa condição através de uma verdadeira Revelação. Os traços essenciais da doutrina gnose: a) O objeto específico do 2conhecimento gnóstico é Deus e as coisas últimas relativas à salvação do homem. Quem éramos e o que nos tornamos; Onde estávamos e onde fomos lançados; Aonde desejamos ir e de onde fomos resgatados; O que é o nascimento e o que é o renascimento. b) Na experiência do gnóstico, a tristeza e a angústia emergem como dados fundamentais, porque revelam um impacto com o negativo e a conseqüente tomada de consciência de uma cisão radical entre o bem e o mal, revelando ademais nossa verdadeira identidade, que consiste na pertença ao bem originário: se o homem sofre o mal, isso significa que ele pertence ao bem. Portanto, o homem provém de outro mundo e a ele deve retornar. Esse mundo é o nosso “exílio” e o outro mundo é a nossa “pátria”. Um dos mais significativos documentos gnósticos afirma: “quem conheceu o mundo, encontrou um cadáver. E o mundo não é digno de quem encontrou um cadáver.” O gnóstico deve tomar consciência de si e, conhecendo-se a si mesmo através de si mesmo, podrá netão retornar à pátria originária. Papel essencial nesse “retorno “ é desempenhado pelo Salvador (Cristo), que é um dos “éons” divinos.

c) 123-

Os gnósticos dividem o homem em três categorias: Pneumáticos: Nos primeiros, predomina o Espirito (peuma); destinados à salvação. Psíquicos; nos segundos, a alma (psychè); tem a possibilidade de salvação. Hílicos: nos terceiros, a matéria (hylé), destinados à morte.

d) Este mundo, que é mal, não foi feito por Deus, mas sim por um demiurgo mau. Plotino nos diz que: os gnósticos sustentam que o demiurgo desse mundo é mau e que o cosmo é mau. Explica-se assim, o fato de que o Deus do Antigo Testamento, criador deste mundo, fosse identificado com esse “demiurgo mau”, e que se contrapunha ao Deus benigno do Evangelho, que, ao contrario, enviou o Cristo salvador. 9


Cristo é uma entidade divina que veio à terra revestida de um corpo apenas aparente. A interpretação alegórica dos textos sacros permitiria aos gnósticos dobrá-los às suas exigências. e) O sistema gnóstico complica-se particularmente quando tenta explicar a derivação de toda a realidade inteligível da unidade primordial por meio de uma série de “éons” (entidades eternas), que emanam em duplas (segundo alguns, Cristo seria o último éon), bem como a própria derivação do homem. A propósito disso, o pensamento gnóstico revela-se ainda mais complicado pela presença de narrativas mitológicas e fantásticas de vários gêneros e diversas gêneses. f) A doutrina gnóstica se apresenta como doutrina secreta, revelada por Cristo a poucos discípulos, dirigindo-se especialmente às camadas cultas e refinadas e, portanto, tem caráter aristocrático, em antítese com o autêntico espírito evangélico. Sugestão de video: https://youtu.be/nz8g3pmEXXM

Santo Ambrósio(?-397) Frases: “Um dia, tais coisas foram para nós, também, tema de ridículo. Nós somos de vossa geração e natureza: os homens se tornam, não nascem cristãos!” “Ninguém cura a si próprio ferindo outro”. “Aquele que luta tem o que esperar. Onde há luta, há coroa.” “Aquilo que o amor faz, o medo jamais poderá realizar.” “O sábio, para falar, antes medita o que dizer, ou a quem dizer, em que lugar e tempo.” “A natureza criou o direito de comunidade; foi a usurpação que produziu o direito de propriedade.”

Santo Agostinho( 354-430)

Foi o maior filósofo da época Patrística, ele defendia a igreja contra os seus adversários pagãos. A vida de Agostinho pode ser dividida em duas partes: Antes da conversão e depois da conversão. De acordo com Jerônimo, seu contemporâneo, Agostinho "restabeleceu a antiga fé". Em seus primeiros anos, Agostinho foi muito influenciado pelo maniqueísmo e, logo depois, pelo neoplatonismo de Plotino. Depois de se converter ao cristianismo e aceitar o batismo (387), Agostinho desenvolveu uma abordagem original à filosofia e teologia, acomodando uma variedade de métodos e perspectivas de uma maneira até então desconhecida. Acreditando que a graça era indispensável para a liberdade humana, ajudou a formular a doutrina do pecado original deu contribuições seminais ao desenvolvimento da doutrina da guerra justa. Quando o Império Romano do Ocidente começou a ruir, Agostinho desenvolveu o conceito de "Igreja Católica" como uma "Cidade de Deus" espiritual (na obra homônima) distinta da cidade terrena e material de mesmo nome. "A Cidade de Deus" estava também intimamente ligada ao segmento da Igreja que aderiu ao conceito da Trindade como postulado pelo Concílio de Niceia e pelo Concílio de Constantinopla. Sugestões de videos: https://youtu.be/-OAysaR5seE e https://youtu.be/0cCj3jlsAyw

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Na Igreja Católica e na Comunhão Anglicana, Agostinho é venerado como um santo, um proeminente Doutor da Igreja e o patrono dos agostinianos. Sua festa é celebrada no dia de sua morte, 28 de agosto. Muitos protestantes, especialmente os calvinistas, consideram Agostinho como um dos "pais teológicos" da Reforma Protestante por causa de suas doutrinas sobre a salvação e graça divina. Agostinho defendia a ideia de que a Fé e a Razão não sobrevivem sem uma à outra, pois até esse momento o mundo era dividido entre a razão (Filosofia) e a Fé (Igreja). Ele defendia que você não pode ter Fé sem Compreender algo, e não pode Compreender algo sem ter Fé. Agostinho também acreditava na inexistência de um mal, onde só o bem existe. Uma vez que, o mal é constituído pela falta do bem, um exemplo prático seria da luz e da escuridão, na verdade a escuridão não existe, existe é a falta de luz que traz a escuridão. Com essa afirmação podemos compreender que uma pessoa não é maligna por possuir algum mal, mas sim por não possuir o bem. A amizade é um dos elementos mais importantes para descobrir a presença de Deus, entre nós. “O ser amigo nos funde na amizade do ser; os amigos são uma só alma.” “Não existe verdadeira amizade senão entre aqueles que Deus une pela caridade.” “A amizade é uma experiência do absoluto de Deus.” “Podemos e devemos descobrir Deus no espelho da amizade.” “A suspeita é o veneno da amizade.” “Podemos chamar o outro de amigo quando confiamos a ele nossas ideias” “A castidade desabrocha na amizade.”

O problema do Mal em Santo Agostinho Uma das questões que mais intriga o homem é sobre o problema do mal, pois este vai exatamente contra aquilo que o homem mais deseja: a felicidade. Afinal, se o homem, em sua dimensão teleológica, busca a felicidade, por que o mal existe? Santo Agostinho particularmente se inquietava com estas questões. Ele “não tinha idéia clara e nítida da causa do mal”. É interessante lembrar que ele, antes de ser cristão, foi um maniqueísta e o maniqueísmo defendia que havia dois princípios opostos: um deus bom e outro mal e que, portanto o mal era uma substância. Somente depois, Agostinho vai encontrar uma solução para o problema do mal. Em suas obras O Livre Arbítrio e Confissões Agostinho tenta provar de forma filosófica que Deus não é o criador do mal. Pois, para ele, tornava-se inconcebível o fato de que um ser tão bom pudesse ter criado o mal. Desta forma, o mal é a privação do bem, e não uma entidade em si mesma, já que não é positivo, assim como a cegueira é a privação de luz. O mal também se assemelha às sombras escuras de uma pintura, que não são atrativas, mas que, consideradas como um todo contribuem para a beleza. Portanto, o mal consiste em: Privação e Falta de Percepção. Essa atitude para com o mal surgiu na tentativa de explicar como o mal pode existir em um mundo governado por um Deus todo-bom e todo-poderoso. A concepção que Agostinho tem do mal, está baseada na teoria platônica, assim o mal não é um ser, mas sim a ausência de um outro ser, o bem. O mal é aquilo que “sobraria” quando não existe mais a presença do bem. Deus seria a completa personificação deste bem, portanto não poderia ter criado o mal.

DEUS É O BEM Para Agostinho Deus é o Bem, neste tópico ele aborda um pouco do corruptível e incorruptível que será distinguido no final deste trabalho, pois tanto o que é corruptível e o que é incorruptível estão relacionados ao problema do mal devido as suas substâncias (existência) ou não-substância (não-existência). “Assim me esforçava por encontrar as outras verdades, do mesmo modo que já tinha descoberto ser melhor o incorruptível que o corruptível. Por conseguinte, confessava que Vós, quem quer que fôsseis, não estáveis sujeito à corrupção. Jamais alma alguma pôde ou poderá conceber alguma coisa melhor do que Vós — sumo e ótimo Bem.” (Agostinho, 1980, p. 143) • O conhecer tende à verdade e a verdade se identifica com Deus; a consequência é que a maior parte das demonstrações agostinianas da existência de Deus são demonstrações da existência da verdade. Como é possível que nós formemos conceitos imutáveis, se tudo está em devir? Não é talvez porque existem verdades imutáveis que determinam o conhecer, e são para nós critério de julgamento? Agostinho, todavia, 11


não aceita in Toto a gnosiologia platônica, mas recusa sua teoria da reminiscência, substituindo-a com a da iluminação: Deus, como na criação nos torna participantes do ser, também nos torna participantes da verdade sendo ele próprio a fonte da verdade. • A essa prova de existência de Deus como Verdade se acrescentam outras, sem dúvida retomadas pela bagagem da teologia clássica: a que da perfeição do mundo remonta ao seu Artífice divino; a baseada sobre o consensus gentium (acordo do povo); a ex gradibus, ou seja, que remonta dos diversos graus de bem presentes no mundo ao Bem em si. • Dessas provas deriva uma concepção de Deus entendido como Ser, Verdade, Bem em forma absolutamente eminente, que se pode exprimir tanto nas formas da teologia negativa, quanto na atribuição a ele de tudo o que existe de positivo no criado, sem os limites do negativo. • A concepção filosófica de Deus deve ser integrada com o problema teológico por excelência do cristianismo, ou seja, o Dogma da Trindade. Agostinho afirmou a identidade substancial das Três Pessoas. Isso significa que Deus, em sentido absoluto, é tanto o Pai como o Filho e como o Espírito Santo, e que eles são inseparáveis no ser e operam inseparavelmente. Todavia, essas Três Pessoas são distintas, não do ponto de vista da substância, mas do da relação, pelo que o Pai tem o Filho, mas não é o Filho, e o Filho tem o Pai, mas não é o Pai, e o mesmo vale para o Espírito Santo. “Era este o ser incorruptível, indeteriorável, imutável, que antepunha ao que é corruptível sujeito à deterioração e à mudança.” (Agostinho, 1980, p. 140) Um fato ocorrido na vida de Santo Agostinho ilustra bem a respeito dos mistérios de Deus. A história diz que “certo dia, Santo Agostinho, após longo período de trabalho e muito compenetrado na sua angústia, adormeceu no claustro. Teve um sonho revelador: caminhava sobre uma praia deserta, a contemplar o mar e o céu. De repente, avistou um menino que com uma vasilha de madeira indo até a água do mar, enchia a vasilha e voltava, despejando a água num pequenino buraco na areia. Santo Agostinho, perplexo e curioso perguntou ao menino: O que você está fazendo? O menino calmamente olhou para Santo Agostinho e respondeu: Vou colocar toda água do mar neste buraco! Santo Agostinho sorriu e retrucou: Isso é impossível menino, observe quanta água existe no oceano e você quer colocá-la toda neste pequeno buraco! Mais uma vez o menino olhou para Santo Agostinho e de forma firme e corajosa disse: Em verdade vos digo. É mais fácil colocar toda água do oceano neste pequeno buraco do que a inteligência humana compreender os mistérios de Deus!” E num átimo Santo Agostinho acordou. Assustado e desorientado. Acabara de ter uma mensagem divina que acalmaria sua alma conturbada.

A SOLUÇÃO DO PROBLEMA DO MAL NA INTERPRETAÇÃO DE AGOSTINHO Ao grande problema do mal, conseguiu Agostinho apresentar uma explicação que se tornou ponto de referência durante séculos e ainda hoje conserva a sua validade. Se tudo provém de Deus, que é o Bem, de onde provém o mal? Depois de ter sido vítima da explicação dualista maniqueísta, que demonstrava o bem como um ser equivalente ao mal. Ele encontra em Plotino a chave para resolver a questão: o mal não é um ser, mas deficiência e privação de ser. Assim ele aprofunda ainda mais a questão e examina o problema do mal em três níveis: O Mal Metafísico-ontológico; o Mal Moral; e o Mal Físico.

MAL METAFÍSICO-ONTOLÓGICO O mal metafísico-ontológico está relacionado à hierarquização da criação dos seres por Deus, pois do ponto de vista metafísico-ontológico, não existe mal no cosmos, mas apenas graus inferiores de seres em relação a Deus, graus esses que dependem da finitude do ser criado e dos diferentes níveis dessa finitude. Mas mesmo aquilo que, numa consideração superficial, parece “defeito” e, portanto, poderia parecer mal; na realidade, na ótica do universo, visto em seu conjunto, desaparece. As coisas, as mais ínfimas, revelam-se momentos articulados de um grande conjunto harmônico. Demonstrando que os graus de criação das coisas, a ordem hierárquica e conseqüentemente o mal metafísico-ontológico não é o verdadeiro mal, mas apenas uma diferença gradual nos seres criados, diferença que os faz serem harmônicos no cosmos. A ordem hierárquica dos seres é considerada um mal devido a possibilidade do homem, pela sua vontade, escolher as criaturas em detrimento do Ser Supremo, o criador; mas ainda assim este não é o mal em si, pois Deus como criador de todas as coisas (substâncias) não pode ter criado o mal. Mas chama-se 12


mal metafísico-ontológico por ser o cumprimento do mal em si, do verdadeiro mal; o mal moral, que será abordado logo abaixo.

MAL MORAL Antes de abordar o mal moral, deve-se saber que para Agostinho o livre-arbítrio não tem o mesmo sentido nos dias atuais, pois ele acreditava na predestinação. Ocorre que o livre-arbítrio é algo dado aos seres humanos por Deus, ou seja, é predeterminado, porém o mau uso desse livre-arbítrio não está na vontade de Deus, mas na vontade do homem. Existe uma linha tênue que separa o livre-arbítrio da vontade, pois o livre-arbítrio implica predestinação por Deus, liberdade posta no homem para cumprir sua própria vontade, e vontade está relacionada à ação moral do homem diante de sua liberdade predestinada. Desta forma, o mal moral consiste no mau uso do livre-arbítrio dado por Deus, todo ser enquanto ser é bom, pois todo ele foi criado por Deus; o mal moral reside na própria vontade do homem que pelo fato de ter o livre-arbítrio escolhe desordenadamente algum bem. Assim o mal não vem de Deus, mas do próprio homem em sua desordenada vontade. O mal moral é o pecado e depende da nossa má vontade. E a má vontade não tem “causa eficiente” (criadora, formadora), e sim muito mais, “causa deficiente”. Por sua natureza, a vontade deveria tender para o Bem supremo. Pois o livre-arbítrio foi posto no homem para esse fim (telos). Mas, como existem muitos bens criados e finitos, a vontade pode vir a tender a eles e, subvertendo a ordem hierárquica (mal metafísico-ontológico), preferir a criatura a Deus, optando por bens inferiores, em vez dos bens superiores. Sendo assim, o mal deriva do fato de que não há um único bem, mas muitos bens, consistindo precisamente o pecado na escolha incorreta entre esses bens. O mal moral, portanto, é “aversio a Deo” e “conversio ad creaturam”. O fato de se ter recebido de Deus uma vontade livre é para nós, grande bem. O mal é o mau uso desse grande bem.

MAL FÍSICO Como explana Reale e Antiseri, “O mal físico, como as doenças, os sofrimentos e a morte, tem significado bem preciso para quem reflete na fé: é a consequência do pecado original, ou seja, é consequência do mal moral. A corrupção do corpo que pesa sobre a alma não é a causa, mas a pena do primeiro pecado.” (pp. 455 e 456) O mal físico, da mesma forma que o mal metafísico-ontológico, não é o mal em si, mas apenas a consequência do mal moral. Pode-se dizer que o mal metafísico-ontológico é o que insinua a má vontade do homem para cometer assim o mal moral e que o mal físico é a conseqüência do cumprimento dessa insinuação. Porém ambos, o mal metafísico e o mal físico não são o mal em si, o mal moral o é. Apesar de ter-se dito várias vezes em um mal em si, é apenas no sentido de diferenciar os três tipos de mal, pois o mal não pode ser em si, por não ser substância, essa questão será abordada mais a frente.

O MAL É UM SER PARA OS MANIQUEÍSTAS O propósito de abordar o maniqueísmo é que Agostinho foi durante um tempo de sua vida um maniqueu, justamente para tentar resolver sua angústia em relação a existência do mal. Mas se insurgiu veementemente contra seus antigos colegas maniqueus, por declararem que o mal era um ser, doutrina negada por Agostinho. Assim o maniqueísmo é uma filosofia religiosa sincrética e dualística que divide o mundo entre Bem, ou Deus, e Mal, ou o Diabo. A matéria é intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom. Com a popularização do termo, maniqueísta passou a ser um adjetivo para toda doutrina fundada nos dois princípios opostos do Bem e do Mal. Para os maniqueístas, havia duas divindades supremas a presidir o universo: O princípio do Bem, (A Luz); o princípio do Mal (As Trevas). Como consequência moral, afirmavam ter o homem duas almas, cada uma presidida por um desses dois princípios. Logo, o mal é metafísico e ontológico. “A pessoa não é livre nem responsável pelo mal que faz. Este lhe é imposto.” (OLIVEIRA, 2008, p. 15) Desta forma, o mal maniqueísta era uma divindade (ser), mas para Agostinho não poderia ser, pois o único ser é Deus e as coisas criadas por ele que são boas, sendo Deus é o próprio Bem.

DISTINÇÃO DO MAL METAFÍSICO – MANIQUEÍSTA E AGOSTINIANO Se para os maniqueístas a pessoa não era livre nem responsável pelo mal que fazia, mas isso era uma ação de uma das suas duas almas, pode-se concluir que o mal não era responsabilidade humana e que desta forma não existia um mal moral (que para Agostinho é o verdadeiro mal), assim o mal era tido como uma influência da divindade má e portanto era um mal metafísico-ontológico, metafísico por ser uma divindade e ontológico por existir (ser) enquanto tal. Lembre-se que Agostinho explana o mal metafísico13


ontológico em outro sentido, metafísico enquanto Deus (Bem) e ontológico em relação aos seres criados por Deus e que isso apesar de parecer mal não era o próprio mal, mas a própria harmonia do cosmos. Desta forma para os maniqueístas existia um ser mal. Por isso eles criam em duas almas, uma boa e uma má e Agostinho em uma alma boa, mas para Agostinho o mal metafísico não podia ser, ou seja, era um não-ser, não era a existência de uma entidade criadora má, pois o único criador é Deus e Deus é o Bem. Mas, então, qual será a causa do mal? Após estabelecer estas dimensões do mal é importante ver qual é sua causa, já que, se Deus fez tudo bom, e Ele é o próprio Bem, não poderia haver razão para o mal existir. Deixemos que o próprio Santo Agostinho nos diga: “Procurei o que era a maldade e não encontrei uma substância, mas sim uma perversão da vontade desviada da substância suprema […]” (Agostinho, 1980, p. 156) “O pecado, está no abuso da liberdade, mas esta é um bem.” (Agostinho, 1980) A má vontade é, por conseguinte, a causa eficiente de toda obra má, porém nada é causa eficiente da má vontade. Pois quando a vontade, abandonando o superior, se converte às coisas inferiores, torna-se má, não por ser mal o objeto a que se converte, mas por ser má a própria conversão. Portanto, não é causa da vontade má o ser inferior, ela é que é a sua própria causa, por haver apetecido mal e desordenadamente o ser inferior Mas de novo refletia: “Quem me criou? Não foi o meu Deus, que é bom, e é também a mesma bondade? Donde me veio, então, o querer eu o mal e não querer o bem? Seria para que houvesse motivo de eu justamente ser castigado? Quem colocou em mim e quem semeou em mim este viveiro de amarguras, sendo eu inteira criação do meu Deus tão amoroso? Se foi o demônio quem me criou, donde é que veio ele? E se, por uma decisão de sua vontade perversa, se transformou de anjo bom em demônio, qual é a origem daquela vontade má com que se mudou em diabo, tendo sido criado anjo perfeito por um Criador tão bom?”(Agostinho, 1980, pp. 142 e 143) Agostinho nesta reflexão demonstra que se o próprio demônio (ser mal dos maniqueístas) também tem uma parcela na criação da sua alma, como então, partindo do pressuposto que Deus criou todas as coisas boas, o demônio se transformou de anjo bom em um ser mal? Ele responde em seu próprio questionamento: “por uma decisão de sua vontade perversa” o que nos faz entender que o mal é moral pelo mau uso da liberdade ou livre-arbítrio, e não uma substância má como causa eficiente de si mesma.

AGOSTINHO – O MAL NÃO É UM SER Agostinho demonstra que Deus, sendo o Bem, é uma substância; e que o mal, sendo a corrupção, não pode de modo algum afetar esta substância por ser ela incorruptível, pois nem pela vontade é ela afetada porque todo o desejo de Deus é bom, não estando sujeito ao mal. Ocorre que, diante da sua incorruptibilidade, não pode Deus desejar o corruptível. Portanto, logo que vi que o incorruptível se deve preferir ao corruptível, imediatamente Vós deveria ter buscado, e, em seguida, deveria indagar donde vem o mal, isto é, a corrupção, a qual de modo algum pode afetar a vossa substância. É absolutamente certo que de modo nenhum pode a corrupção alterar o nosso Deus, por meio de qualquer vontade, de qualquer necessidade ou de qualquer acontecimento imprevisto, porque Ele é o próprio Deus, porque tudo o que deseja é bom e Ele próprio é o mesmo Bem. Ora, estar sujeito à corrupção não é um bem. (Agostinho, 1980, p. 143) Diante da corrupção do mal, é abordado por Agostinho, que nada pode existir se não estiver vinculado, conectado a Deus (Bem), pois se as coisas fossem inteiramente privadas do bem, simplesmente deixariam de existir, ou seja, o mal seria possível, não como existência, mas como a própria não-existência por falta de substância, que neste caso é Deus. Examinei todas as outras coisas que estão abaixo de Vós e vi que nem existem absolutamente, nem totalmente deixam de existir. Por um lado existem, pois provêm de Vós; por outro não existem, pois não são aquilo que Vós sois. Ora, só existe verdadeiramente o que permanece imutável. Por isso, “para mim é bom prender-me a Deus”, porque, se não permanecer n’Ele, também não poderei continuar em mim. Se, porém, fossem privadas de todo o bem, deixariam inteiramente de existir. (Agostinho, 1980, p. 153) Desta forma o mal não é substância alguma, pois não está conectado a Deus, que a tudo faz permanecer como substância, assim o mal “é” um não-ser.

A liberdade para Santo Agostinho Santo Agostinho distingue, pois, o conceito de liberdade do conceito de livre-arbítrio. A liberdade "liberta", no sentido de que o ser humano se vê afastado do pecado, vivendo na graça divina, em oposição à escravidão, que consiste no atendimento das paixões. Já o livre-arbítrio é liberdade por excelência, porque é do seu exercício que o ser humano pode escolher em seguir uma vida reta ou pecaminosa. 14


O ser humano tem uma vida reta ou pecaminosa segundo a sua vontade livre. Não se trata, pois, de uma necessidade natural, isto é, da impossibilidade de pecar ou não pecar. Por isso, só faria sentido falar em livre-arbítrio quando coubesse única e exclusivamente ao ser humano decidir, a cada momento, que caminho tomar. Seria totalmente aleatório e imprevisível saber se o ser humano vai ou não-pecar. E se o livre-arbítrio é um dom de Deus, nem Ele pode interferir nessa escolha. O máximo que pode fazer é esperar que o ser humano O busque. Por outro lado, a onisciência divina significa que Ele sabe de tudo que ocorreu no passado, neste exato instante e no futuro. Disso surge o problema: para que Deus saiba o futuro, Ele necessariamente sabe se o ser humano vai ou não-pecar a cada momento. A presciência implica a predestinação. Neste caso, Deus escolhe primeiro os seus eleitos e depois lhes dá os meios para corresponderem a essa eleição. Santo Agostinho amplia a idéia de causa para justificar a existência do livre-arbítrio. Afirma que não existe apenas a causa eficiente dos gregos - relação de causalidade. Existem, ainda, outras causas, como a causa fortuita e a causa voluntária. A vontade divina, dos anjos e demônios, e a dos seres humanos, seriam causas voluntárias. Para ele, a vontade é a causa da ação humana e Deus conhece todas as causas, isto é, conhece previamente a vontade humana. (Agostinho, 1990, p. 202) Assim, Deus é capaz de prever a vontade humana, porque prever não significa forçar o ser humano a ter uma determinada vontade em detrimento de outra. A saída para esse dilema está quando Santo Agostinho afirma que a onisciência de Deus significa que Deus não pode se enganar. Logo, Deus é capaz de saber se o ser humano realmente pecou ou-não, porque Ele sabe aquilo que depende da vontade do ser humano. Santo Agostinho usa a justiça como uma consequência do pecado, o que justifica a responsabilização do ser humano pelos abusos que cometeu no exercício de seu livre-arbítrio. Esta responsabilização consiste em suportar as consequ bências que desse abuso seguem, em face da lei eterna. A justiça, no sentido de dar a cada um o que é seu, tem uma faceta divina, e ser justo é uma das qualidades de Deus. Ele pune quem não segue os seus preceitos. Caso não fosse assim, de nada adiantaria fazer um bom uso do livrearbítrio e a lei eterna, que prescreve ser melhor a retidão em detrimento do pecado, ficaria invertida, porque a recompensa dos maus seria a própria ausência de punição. No entanto. Santo Agostinho questiona a justiça divina em A Cidade de Deus, pois na queda do Império romano do Ocidente, houve quem atribuísse essa queda ao Cristianismo. Como o Império romano havia adotado o cristianismo como religião oficial, muitos dos males por que passaram, não deveriam ter acontecido!

O PROBLEMA MENTE-CORPO O mundo físico e o espiritual Santo Agostinho, particularmente em suas primeiras obras, enfatiza o contraste entre o espiritual e o físico. Ele tenta persuadir o leitor a se conscientizar que é no âmbito espiritual que se encontra o que se procura no âmbito físico. Isto é, o mundo físico está sujeito ao tempo; já o âmbito espiritual é caracterizado pela eternidade. Em tal âmbito atemporal, não há o risco de perdermos o que ou quem amamos. Segundo Santo Agostinho, esse âmbito espiritual, no qual Deus é a fonte, é a única garantia de alivio duradouro da ansiedade provocada pela natureza transitória do âmbito físico. Segundo os ensinamentos de Santo Agostinho, os conceitos de físico e espiritual são centrais para a resolução do problema do mal. Ele ensina que o mundo físico não é mau e não deveria ser considerado como tal e que o problema que aflige nossa condição como seres humanos não é que estamos presos em um mundo físico, mas que percebemos apenas o material e não estamos cientes que tal mundo representa apenas uma pequena parte de toda a realidade. Há, portanto, um problema de percepção e vontade. Esse é o erro que Agostinho atribuiu ao pecado original, cometido por Adão. Para Santo Agostinho, os seres humanos têm a tendência de focar apenas no mundo físico, considerando-o o âmbito em que todas as questões morais devem ser resolvidas. Segundo o filósofo, o mundo físico não é por si só um âmbito de perigo moral, mas pode vir a ser se o homem não perceber que representa apenas parte de algo muito maior. O mundo físico se torna um âmbito de perigo moral quando nossas vontades são voltadas para as coisas transitórias. De acordo com Santo Agostinho, tais vontades necessariamente levam à ansiedade. Santo Agostinho ensinava que as pessoas deveriam buscar o âmbito espiritual: deveriam se ligar a Deus – o que as realinharia ao relacionamento moral com o mundo físico. Ele ensinava que o homem deveria apreciar as benesses do mundo físico, mas direcionar sua atenção ao mundo espiritual. 15


A alma

Santo Agostinho acreditava que o ser humano é composto por um corpo e uma alma. Por ser uma entidade espiritual, a alma é superior ao corpo. Portanto, cabe à alma reinar sobre o corpo. Ao lidar com a questão da alma, Santo Agostinho tenta demonstrar que a alma humana, e não Deus, é responsável pela existência do mal moral no mundo. Santo Agostinho acreditava que estar vivo significa ter uma alma, e que a morte é o processo que leva à ausência da alma. Portanto, não apenas os seres humanos possuem uma alma, mas as plantas e os animais também. Agostinho acreditava que há categorias de corpos e almas e que uma compreensão correta a respeito da alma é necessária para compreender nossa posição moral no mundo. Santo Agostinho apresenta a hierarquia das coisas. Primeiro, há as coisas que meramente existem. Segundo, há as coisas que existem e vivem. Terceiro, há as coisas que existem, vivem e possuem compreensão. A visão de Santo Agostinho se assemelha à de Platão e Aristóteles. Esses filósofos discutem os diferentes níveis de alma em termos de graus de complexidade de suas capacidades. Por exemplo, há almas que têm a capacidade apenas de se alimentar e se reproduzir. Há almas que também são capazes de sentir e de se locomover. Finalmente, há almas que são capazes de pensar racionalmente. A diferença entre a Filosofia Clássica grega e a visão de Santo Agostinho é que nem todos os filósofos clássicos gregos concordavam que a alma continuava a existir após a decomposição do corpo. Santo Agostinho tinha interesse em demonstrar que a alma pode encontrar felicidade ao se desligar de uma relação demasiadamente ligada ao mundo físico. A alma, para Santo Agostinho, “tiene uma naturaleza propria” (Ep., 166, 2, 4), ou seja, é uma criatura, portanto, é mutável por ser criatura (De Trin., IV, 1, 3) e não eterna por ser mutável (De Trin., IV, 18, 24). Não obstante, mesmo não sendo eterna, é imortal (De Trin., II, 9, 15). Sua substância é espiritual, e por isso é invisível (De Trin., II, 8, 14). Apesar da mutabilidade da alma, a sua queda, ou uma sua imperfeição – qualquer que seja – não a fez nem fará perder sua condição incorpórea; o que significa dizer que, para Santo Agostinho, sempre a alma será superior ao corpo, pois nem com as modificações deste ela perderá sua natureza (De lib. arb., III, 5, 16; 9, 28). O espírito, ou como Santo Agostinho mesmo escreveu, a inteligência, é incorpórea, isto é, não faz parte daquilo que acreditava serem os quatro elementos formadores do mundo corpóreo: água, ar, fogo e terra. Acrescente-se a isto ser “a inteligência humana, [a] essência da alma racional, [e] com certeza incorpórea” (De civ. Dei, VIII, 5). Nisto, suas comprovações se angariaram, quase sempre, na demonstração de que as atividades anímicas são irredutíveis à extensão (REINARES, 2004). Importa considerar que, no pensamento agostiniano, a alma possuía uma faculdade que tinha como papel ser o seu “ventre”, a saber: a memória. Por extensão, os sentimentos seriam os seus alimentos (Conf., X, 14, 21). A partir daí, Santo Agostinho afirmou que o homem possuía duas memórias, uma sensitiva, conservadora do objeto perdido, e uma intelectual, portadora da idéia (SANTOS; PINA, 1999). Logo, segundo a filosofia agostiniana, é na memória que o homem se encontra, memória na qual estão contidos céu e terra conforme os tenha armazenado pela percepção, não caindo no esquecimento (Conf., X, 8, 14). A exemplo do pensamento clássico, em que o homem era constituído de duas partes, alma e corpo, Santo Agostinho, ao compará-las, atribuiu à primeira importância maior, tendo em vista estar presente no corpo inteiro: A alma manda ao corpo, e este imediatamente lhe obedece; a alma dá uma ordem a si mesma, e resiste! Ordena a alma à mão que se mova, e é tão grande a facilidade, que o mandado mal se distingue da execução. E alma é alma, e a mão é o corpo! A alma ordena que a alma queira; e, sendo a mesma alma, não obedece (Conf., VIII, 9, 21). Destarte, pela ação vivificante e norteadora do corpo [“... este corpo é animado por uma alma racional” (De Trin., III, 2, 8)], a alma deve estar presente no todo corpóreo: En efecto, se extiende por todo el cuerpo que anima, pero no por difusión local, sino por atención vital; está entera en todas las partículas del cuerpo, no es menor en las menores ni mayor en las mayores; en ciertas partes está más atenta y en otras lo está menos, pero en todas y cada una de ellas está entera (Ep., 166, 2, 4). Nesta sua definição de homem (spiritus, anima, corpus), demonstrou seu interesse pela definição dada pelos filósofos da Antigüidade Clássica [“Y nos interesa mucho saber que el hombre fue definido por los antiguos sabios...” (De ord., II, 11, 31)], o que o levou a confirmá-la, isto é: o homem é um animal mortal de natureza intelectual, homo est animal rationale mortale. Ao se investigarem as inúmeras 16


obras (se não todas) em que Santo Agostinho se preocupou em definir o que é o homem, fica evidente que, apesar de haver uma diferença entre seus primeiros escritos-diálogos – de sabor predominantemente platônico – e seus tratados da maturidade – cujo teor e inspiração centram-se, sobretudo, nos textos sagrados do cristianismo –, nunca deixou escapar na sua obra aquela sentença aristotélica do homem como animal racional e mortal (FRAILE, 1966. ARTEAGA NATIVIDAD, 1993). Não obstante, atribuiu-lhe uma faculdade nova, especifica de seu pensamento, a saber: o homem possui o livre arbítrio (De civ. Dei, XXII, 1, 2). Mesmo que a alma, por natureza, não seja independente de seu Criador, poderia até contrariá-lo (pelo dito pecado), mas, sob certa pena a pagar (De nat. Boni, 35). Importa considerar que, para Santo Agostinho, uma das diferenças entre alma e corpo é que a primeira é esteticamente definida como mais simples que o segundo, portanto, melhor. Isso não significa dizer que a alma não seja um elemento de natureza de características múltiplas, ou - como definiu - mutável; o que fundamenta a diferença entre o homem/criatura e o Criador, conceituado como simples, isto é, imutável (De Trin., VI, 6, 8). A alma, que no seu tratado sobre A Trindade apresentou como denominadora do próprio homem, [“... denominando o conjunto pela parte mais nobre, ou seja, a alma, abrangendo o corpo e a alma o homem todo” (VII, 4, 7)], possuía três características expressivas: a racionalidade, imagem de Deus e a imortalidade. Uma expressiva particularidade da alma apontada por Santo Agostinho foi a sua racionalidade, que separava o homem das coisas existentes, sobretudo dos outros animais. Em face disso, a posse da alma racional era privilégio humano. E, certamente, uma grande coisa é o homem, pois feito à imagem e semelhança de Deus! Não é grande coisa enquanto encarnado num corpo mortal, mas sim enquanto é superior aos animais pela excelência da alma racional (De doc. christ., I, 22, 20). Frases: “Não é o suplício que faz o mártir, mas a causa.” “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.” “Ninguém faz bem o que faz contra a vontade, mesmo que seja bom o que faz.” “Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos”. “O dom da fala foi concedido aos homens não para que eles enganassem uns aos outros, mas sim para que expressassem seus pensamentos uns aos outros.” “Com o coração se pede. Com o coração se procura. Com o coração se bate e é com o coração que a porta se abre.” Sugestão e vídeo: https://youtu.be/z3fc89xo6tA

A Escolástica

As Artes Liberais

Nesse período (séc. IX ao séc. XV): ocorreu uma retomada de muitos princípios filosóficos gregos. A grande preocupação da igreja era aliar a razão e a ciência aos ideais da igreja católica. Nesse contexto, surgiu a teologia que foi uma ciência que buscava explicar racionalmente a existência de Deus, da alma, do céu e inferno e as relações entre homem, razão e fé. O pensamento denominado de “escolástica” acontece no período medieval. Enquanto que o período Patrístico concentrou-se em torno do mundo mediterrâneo tendo como centros de poder Roma e Constantinopla, a escolástica expandiu por “toda” Europa tendo como centros de debates: Inglaterra, Itália, França, Alemanha, Suíça e Espanha. 17


È preciso ter conhecimento que definir períodos históricos é extremante complexo. Definir datas e marcar períodos definitivos pode ser algo difícil, até por que o movimento denominado de “escolástica” pendura até o século XVII na Europa ocidental, por isso teremos cuidado em definir com exatidão quando inicia e termina tal acontecimento, porém podemos encontrar nos séculos, datas, o auge desse período citando seus principais prenunciadores como Anselmo de Cantuária (1033 – 1109), Tomás de Aquino (1225-74) e Duns Scotus (1265 – 1308). Mas o período da escolástica acontece na Idade Medieval que provavelmente se inicia no ano 600 e, para alguns historiados se encerra no século XVI, para outros como Jacques Le Goff especialista em Idade Média, declara seu fim no século XVIII. Conquanto podemos considerar que a Idade Média que protagonizou a escolástica tendo na situação do mundo por volta do ano 1000 uma diversidade da Europa. Antes disso, alguns acontecimentos fizeram com que a Europa se pintasse ou repintasse por políticas, economias, e sociabilidades diferentes daqueles que figuravam o século IV. Com o desmoronamento do Império Romano por volta do século V, grande mudanças ocorreram entre o Oriente Médio e o mundo ocidental europeu. O Império Romano do Oriente transformou-se no Império Bizantino, numa fusão entre as culturas romana, grega e oriental. Os árabes unificaram-se política e religiosamente através do islamismo maometano, e iniciaram sua expansão pelo Oriente Médio a partir do século VII, enquanto os povos germânicos da Europa Ocidental prevaleciam no cristianismo. Nessa derrocada do Império Romano, provocou sem nenhuma dúvida, uma enorme desorganização política e econômica no mundo ocidental que possibilitou a ascensão de outras culturas como a Islâmica, quanto o cristianismo ortodoxo dos bizantinos. Alguns historiados apontam do século V ao X uma “Alta Idade Media” e do século X ao XIV uma “Baixa Idade Media”, mas isso é somente para melhor compreensão do leitor, as vezes dividir os acontecimentos por períodos torna-se pedagógico. O mundo por volta do ano 1000 pode-se ser distinguido por quatro grandes focos de civilização: a Europa ocidental e central, o Império bizantino, o mundo mulçumano, e finalmente, a Índia, a China e o Japão. A Europa Ocidental, principalmente em regiões como França, a Alemanha, os Países Baixos e o norte da Itália tinha um cristianismo centralizado na cidade de Roma e seu bispo conhecido como o “Papa”, motivo também de grande disputa papais a ponto de haver um cisma entre aqueles que baseava o papa de Roma e outro, na cidade de Avignon, e em 1054 o cristianismo do Oriente de separou-se do cristianismo ocidental, Igreja Católica Romana rompe com a Igreja Ortodoxa Grega. No período medieval as realidades políticas, econômicas, sociais e religiosas são completamente diferentes do período denominado de Antigo. Houve, na Idade Média uma descentralização política e um enfraquecimento do poder dos reis. O Estado fragmentou-se em uma serie de pequenas soberanias locais. Com a economia feudal os proprietários feudais exerciam em seus domínios todas as funções de governo. Não podemos esquecer que a sociedade medieval foi formada por três classes sociais: os nobres, que combatiam, os sacerdotes (clero) que mandavam e enchiam sua barrigas da melhor comida, e por fim os camponeses (servos) que eram os trabalhadores. A igreja influía poderosamente nessa sociedade, principalmente após a conversão dos povos bárbaros ao cristianismo. Fazendo uma analise econômica da história ocidental o historiador Leo Hoberman em sua clássica obra “História da riqueza do homem” no primeiro capitulo; Sacerdotes, Guerreiros e Trabalhadores nos apresenta uma excelente leitura das influências e posses que a Igreja tinha e ortogava na idade média: “A Igreja foi a maior proprietária de terras no período feudal (...) A medida que a Igreja crescia enormemente em riqueza, sua economia apresentava tendências a superar sua importância espiritual (...) O clero e a nobreza constituíam as classes governantes. Controlavam a terra e o poder que delas provinha. A igreja prestava ajuda espiritual, enquanto a nobreza, proteção militar. Em troca exigiam pagamento das classes trabalhadoras, sob a forma de cultivo de terras” Como podemos observar a Igreja foi uma das maiores instituições do feudalismo, com estreitas relações com o poder político do senhor feudal e do Rei. Com sua justificativa e ideologia de construção de um mundo sob seu poderio, teocêntrico tendo Deus a partir dela mesmo (a Igreja) a ordem era posta, sujeitando os trabalhadores em sua função e obediência. Não se espantem a escolástica surge nesse período. Tratando da educação medieval, o ensino era ministrado nos conventos, mosteiros e catedrais, No século XI, surgiram as Universidades, nas quais existiam quatro cursos: Artes, Medicina, Direito e Teologia. Sendo que o idioma predominante na literatura medieval era o latim. Nesse período a teologia concentrouse na grande catedral e nas universidades de Paris e de outros locais, tendo como base, em grande parte, os escritos em latim de Agostinho de Hipona e Ambrosio. Entretanto com tais mudanças, tanto na economia, política, social, religiosa e cultural os teólogos cristãos ocidentais tem uma nova preocupação; “em estabelecer a teologia cristã sobre um alicerce totalmente confiável sobre o piso da razão”, era necessário nesse novo cenário uma sistematização e expansão da teologia cristã e a demonstração da inerente 18


racionalidade dessa teologia. Como a exploração do papel da razão nesse novo fazer teológico surge o que denominamos escolasticismo. Sugestão de video: https://youtu.be/bRhDIF4DLBU

Anselmo de Cantuária

Como todos os escolásticos, Anselmo afirmava que toda a verdade estava, direta ou indiretamente, presente nas Santas Escrituras e na sua interpretação pelos pais da Igreja. Seu fazer teológico achava-se na harmonia entre fé e razão, na articulação da fé com a filosofia. Anselmo dizia que primeiro vem a crença e depois a integibilidade dessa crença, sua clássica frase “Credo ut intelligam” (creio para entender) passou a ser usada pela maioria dos escolásticos. Contribuiu de maneira significativa no debate sobre a existência de Deus, e a interpretação racional da morte de Cristo na cruz. Suas principais obras foram: Monologion (Solilóquio), Proslogion (Colóquio) De Viritate (A verdade), De libertate arbitrii (O livre-arbitrio) e Cur Deus Homo (Por que Deus se fez homem). Proslogion e Cur Deus Homo, talvez seja as duas principais obras que melhor apresenta a teologia Anselminiana. A obra Proslogion, escrita por volta de 1079 é de uma beleza literária admirável. Nessa obra Anselmo se propõem a formular um argumento que levaria a crença na existência de Deus como bem supremo (argumento antológico). Em Cur Deus Homo, procura estabelecer uma demonstração racional da necessidade de Deus em se tornar homem, assim como uma analise dos benefícios resultantes a humanidade, em conseqüência da encarnação e da obediência do filho de Deus. Pedro Abelardo (1079-1142) O filósofo salientava o papel da disputa, uma vez que quem a vence é capaz de mostrar ao adversário as falhas de suas próprias proposições. Pela técnica da redução ao absurdo, Abelardo buscava retirar as contradições lógicas das hipóteses adversas que desse modo se evidenciavam falsas. Sua redução ao absurdo intentava em persuadir e unir a sutileza da dialética com a eficácia da retórica, podendo assim destruir a ilusão sofistica pela própria hipótese dos mesmos, pois “ninguém pode ser refutado senão a partir do que concede, nem convencido senão pelo que admite” (1969b, p.139). Como a autoridade dos sofistas, acreditava Heloisa de Argenteuil e Pedro Abelardo, deviam ao fato de que “quase todos os homens são psíquicos e poucos são espirituais”, os sofistas deviam ser Abelardo atingidos por raciocínios e meios humanos, e por isso a dialética é tão louvável quanto uma “espada bem amolada semelhante aquela de que se serve o tirano para destruir e o príncipe para proteger” (1978, p.50). A importância filosófica de Abelardo destaca-se também no seguinte ponto: a melhor e mais verdadeira autoridade está acima de um mero assentimento, pois ela deve ser uma autoridade justificada. Tal assentimento marca uma pedagogia própria do contexto medieval, tendo sido posteriormente retomada e aprofundada por São Tomás de Aquino. Os ouvintes eram colocados diante de questões com seus prós e contras, e, “baseando-se no princípio da verdade, mediante uma discussão dialética de argumentos aparentemente contraditórios, ou seja, perante um mesmo problema, confrontavam-se soluções opostas, para posteriormente discuti-las e resolvê-las, refutando opiniões adversas”. Sugestão de video: https://youtu.be/_xxZ9RCIRxk e https://youtu.be/xVqRQ2FR-no

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Mosteiro de São Bento, Subiaco, Itália – construção séc. Vl

Apesar de ter muitos significados para o termo “Escolástico”, no primeiro momento o termo vem do latim, depois “Schole” que palavra grega, que significa o lugar onde se aprende. Segundo Earle E. Cairns “o termo escolástico foi aplicado aos professores na corte ou na escola palaciana de Carlos Magno e também aos eruditos medievais que se serviram da filosofia no estudo da religião”. Para Tillich o termo vem de “escola” e significa “filosofia da escola”, trata-se da explicação metodológica da doutrina cristã. Em resumo, o escolasticismo pode ser definido como um movimento medieval, surgido provavelmente 1250 a 1500, que enfatizou a sistematização e a justificação da teologia cristã por meio da razão. Por exemplo: os dados da revelação deveriam ser organizados sistematicamente através do uso da lógica dedutiva de Aristóteles e harmonizados com a filosofia de Aristóteles (Tomas de Aquino). É pedagógico a divisão do período Patrístico para alguns teólogos e historiadores do cristianismo, apresentá-la por fazes traz melhor compreensibilidade: A primeira fase ira do século IX ao fim do século XII, caracterizada pela confiança na perfeita harmonia entre fé e razão. A segunda fase ira do século XIII ao princípio do século XIV, caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo destaques nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considerase que a harmonização entre fé e razão pôde ser parcialmente obtida. E a terceira e ultima fase ira do século XIV até o século XVI, decadência da escolástica, caracterizada pela afirmação das diferenças fundamentais entre fé e razão. A descoberta de Aristóteles no século XIII causou admiração para alguns e insatisfação para outros. Os chamados franciscanos de tradição agostiniana, não aceitavam a cosmologia aristotélica preferindo a visão de mundo platonista. Até, por que, as obras de Aristóteles apresentavam um novo olhar sobre a realidade, e por isso, por algum tempo os escritos metafísicos de Aristóteles foram proibidos, mas esta foi apenas uma medida temporária para ganhar uma pausa para tomar fôlego. A nova perspectiva aristoteliana foi realizada por dominicanos que recusavam a antiga cosmologia platônica adotada nas obras de Agostinho de Hipona. Podemos considerar que; enquanto o pensamento Agostiniano-platonista apresentava ser suficientemente místico, o tomista-aristotelico puxava o sujeito pra baixo (realidade, racionalidade). È indispensável destacar alguns nomes mais influentes da escolástica, em seguida estaremos apresentado uma síntese das teologias dos que considero as principais mentes do pensamento escolástico. Os nomes de Anselmo de Cantuária (1033 – 1093), Abelardo de Paris (1079 – 1142), Bernardo de Claraval (1090 – 1153), Joaquim de Fiori (1132 – 1202), Boaventura (1221 – 1274), Tomas de Aquino (1225 – 1274), Duns Scotus (1265 – 1308) e Guilherme de Ockham (1280 ou 1288 – 1347) formam os principais pensadores escolásticos, entretanto os nomes de Anselmo de Cantuária, Abelardo de Paris, Tomas de Aquino, Duns Scotus e Guilherme de Ockham se destacam e por isso merecem uma atenção especial.

Tomás de Aquino 20


Segundo a filosofia de Tomás de Aquino (1225-1274), o homem não vive por acaso, a vida humana tem um propósito que é a felicidade, porém o homem precisa conhecer os meios adequados para a sua posse. A felicidade para ele parte do princípio de que as riquezas materiais seriam a falsa noção da felicidade, pois a riqueza não tem consciência existencial em si mesma, e a razão de ser está fora dela mesma. O estado da felicidade parte do estado de espírito em que o homem se encontra. O indivíduo tem que conhecer seu eu interior antes de partir em busca dos meios adequados para a posse da mesma. Contudo, deve-se considerar que o estado da felicidade não é eterno, e uma vez encontrada, nada impede de se perdê-la, para assim então iniciar-se uma nova busca até o fim da vida humana. Em todo momento o homem busca a felicidade, e muitos ligam a felicidade à posse de bem materiais, mas para Tomás de Aquino a ideia de felicidade vai muito além disso. Ela é o guia necessário para a vida (alma) do homem. Na vida corriqueira, com o stress do dia a dia, o homem acaba abrindo mãos dos pequenos detalhes que possivelmente trariam a felicidade, em busca da materialização para supri-la. Sugestão de víeo: https://youtu.be/wPNx0D925Dk

Epistemologia Aquino acreditava "que para o conhecimento de qualquer verdade, o homem precisa da ajuda divina; que o intelecto pode ser movido por Deus a agir". Porém, ele acreditava também que os seres humanos tinham a capacidade natural de conhecer muitas coisas sem nenhuma revelação divina especial, apesar de revelacões ocorrerem de quando em quando "especialmente em relação àquelas [verdades] pertinentes à fé". Mas esta é a luz dada ao homem por Deus na proporção da natureza humana: "Agora todas as formas concedidas às coisas criadas por Deus tem poder para determinadas ações, que podem realizar na medida de sua própria dotação; e além disto, são impotentes, exceto por meio de uma forma adicionada, como água que só esquenta quando aquecida pelo fogo. E assim a compreensão humana tem uma forma, viz. luz inteligível, que, por si só, é suficiente para conhecer certas coisas inteligíveis, viz. as que se pode aprender através dos sentidos" Ética A ética de Tomás de Aquino se baseia no conceito dos "princípios primeiros da ação". Na "Suma", ele escreveu: “

“Virtude denota uma certa perfeição de um poder. Agora a perfeição de algo é considerada principalmente em relação à sua finalidade. Mas a finalidade do poder é ato. Por isso diz-se que um poder é perfeito na medida que é determinante para seu ato.”

— Suma Teológica, Tomás de Aquino De acordo com ele, "...todos os atos da virtude são prescritos pela lei natural: como a razão de cada um naturalmente dita que ele aja virtuosamente. Mas se falarmos de atos virtuosos considerados em si mesmos, ou seja, em suas próprias espécies, segue que nem todos os atos virtuosos são prescritos pela lei natural: pois muitas coisas são realizadas virtuosamente, mas cuja natureza não se inclinava para inicialmente; mas que, pelo inquérito da razão, foram percebidas pelos homens como condutivas ao bem estar". A conclusão é que é necessário determinar se estamos falando de atos virtuosos sob o aspecto das virtudes ou como um ato per se, em sua própria espécie. Tomás definiu as quatro virtudes cardinais como sendo prudência, temperança, justiça e coragem (ou "fortaleza"). Segundo ele, elas são naturais, reveladas na natureza e inerentes a todos. Há, porém, três virtudes teológicas: fé, esperança e caridade. Estas, por outro lado, são algo sobrenaturais e distintas das demais em seu objeto: Deus. Segundo o próprio Aquino: “

Agora o objeto das virtudes teológicas é o próprio Deus, que é a última finalidade de tudo e acima do conhecimento da nossa razão. Por outro lado, o objeto das virtudes morais e intelectuais é algo compreensível à razão humana. Por isso, as virtudes teológicas são especificamente distintas das virtudes morais e intelectuais— Suma Teológica, Tomás de Aquino.

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Avançando o raciocínio, Tomás distingue quatro tipos de lei que governam os atos humanos: eterna, natural, humana e divina. "Lei eterna" é o decreto divino que governa toda criação, a "lei que é a Razão Suprema e não pode ser compreendida senão como algo imutável e eterno". "Lei natural" é a "participação" humana na "lei eterna" descoberta pela razão e baseada nos "princípios primeiros": "...este é o primeiro preceito da lei, que o bem deve ser feito e promovido e o mal, evitado. Todos os demais preceitos da lei natural se baseiam neste...". Se a lei natural contém vários preceitos ou apenas este, o próprio Aquino esclarece: "todas as inclinações de quaisquer partes da natureza humana, como por exemplo as partes concupiscentes e irascíveis, na medida em que são governadas pela razão, pertencem à lei natural e se reduzem ao primeiro preceito, como afirmando acima: pois os preceitos da lei natural são muitos em si próprios, mas são todos baseados numa fundação comum". O desejo de viver e procriar são considerados por Tomás entre os valores básicos (naturais) do homem, sobre os quais todos os demais valores humanos estão baseados. De acordo com Tomás, todas as tendências humanas estão aparelhadas o "bem" real humano. E no caso destes dois desejos, a natureza humana em questão é o matrimônio, o presente completo de uma pessoa a outra que assegura uma família às crianças e um futuro à humanidade. Para os cristãos, Tomás definia que o amor era "desejar o 'bem' de outro". Sobre a "lei humana", Aquino conclui "...que, assim como no caso da razão especulativa, na qual tiramos conclusões em várias ciências a partir de princípios não demonstráveis e naturalmente conhecidos, conclusões estas não comunicadas a nós pela natureza, mas adquiridas pelos esforços da razão, é assim também com os preceitos da lei natural, pois a partir de princípios gerais e indemonstráveis, a razão humana precisa avançar para uma determinação mais precisa de certos assuntos. Estas determinações particulares, criadas pela razão humana, são chamadas de leis humanas desde que as outras condições essenciais da lei sejam observadas...", ou seja, a "lei humana" é a lei positiva, a lei natural aplicada pelos governos às sociedades. Leis naturais e humanas não são adequadas sozinhas. A necessidade humana de que seu comportamento seja dirigido fez necessária a existência da "lei divina", que é a lei especificamente revelada nas Escrituras. Segundo Aquino, "O apóstolo diz: «Pois mudado que seja o sacerdócio, é necessário que se faça também mudança da Lei.»(Hebreus 7:12) Mas o sacerdócio tem duas facetas, como afirmado na própria passagem, viz., os sacerdócio levita e o sacerdócio de Cristo. Portanto, a lei divina tem também duas facetas, a Antiga Lei e a Nova Lei". Aquino se refere aos animais como estúpidos e que a ordem natural declarou que eles foram criados para uso humano. Ele negava que os homens tinham qualquer dever de caridade para com os animais por não serem eles "pessoas". Se não fosse assim, seria ilegal utilizá-los como fonte de alimento. Porém, este racional não dava aos homens permissão para serem cruéis com eles, pois "hábitos cruéis podem transbordar para o nosso tratamento dos seres humanos". Ainda tratando de ética e justiça, Aquino deu grandes contribuições para o pensamento econômico medieval. Ele tratou do conceito de preço justo, normalmente o preço de mercado ou o regulamentado e suficiente para cobrir o custo de produção do vendedor. Ele argumentava que era imoral para os vendedores aumentarem os preços simplesmente por que os compradores estavam em algum momento precisando demais do produto. Sugestão de video: https://youtu.be/WKC0LjVZ9Do

Sobre a existência de Deus Ele acreditava também que se poderia demonstrar a existência de Deus. De forma breve na "Suma Teológica" e mais extensivamente na "Suma contra os Gentios", Aquino considera em detalhes seus cinco argumentos para a existência de Deus, amplamente conhecidos como "quinque viae" ("cinco vias"): •

Movimento: algumas coisas indubitavelmente mudam sem serem capazes de provocar seu próprio movimento. Como, segundo o racional de Tomás, não pode haver uma cadeia infinita de causas para um movimento, decorre que deve existir um "Primeiro Movimentador", não movido por nada anterior e este seria o que todos entendem como sendo "Deus". Causa: como no caso do movimento, nada é causa de si próprio e uma cadeia causal infinita seria impossível, deve haver uma "Primeira Causa", conhecida por "Deus". Aquino neste caso baseia-se nas assertivas de Aristóteles sobre os princípios do ser. O conceito de Deus como prima causa ("causa primeira") deriva do conceito aristotélico do "movedor imovível". 22


Existência do necessário e do desnecessário: nossa experiência inclui coisas que certamente existem, mas que são, aparentemente, desnecessárias. Porém, não é possível que tudo seja desnecessário, pois então, quando nada houver [que seja necessário], nada existiria. Portanto, somos compelidos a supor que existe algo que existe "necessariamente", cuja necessidade deriva de si próprio; na realidade, ele próprio seria a necessidade para que tudo o mais existisse. Este seria Deus. Gradação: se podemos perceber uma gradação nas coisas no sentido de que algumas são mais quentes, boas etc., deve haver um superlativo que é a coisa mais verdadeira e nobre e, portanto, a que "existe mais completamente". Esta, então, seria Deus. Tendências ordenadas da natureza: uma direção para as ações em direção a uma finalidade se percebe em todos os corpos governados pela lei natural. As coisas sem consciência tendem a ser guiadas pelos que a tem. A isto chamamos "Deus".

Sugestão de video: https://youtu.be/bJ0lGs57FFc e https://youtu.be/5fEutTDlBcY

Sobre a natureza de Deus, Aquino acreditava que a melhor abordagem, geralmente chamada de via negativa em latim, é considerar o que Deus "não é". Seguindo assim, ele propôs cinco expressões sobre as qualidades divinas: • Deus é simples, sem composição de partes - como "corpo" e "alma" ou "matéria" e "forma". • Deus é perfeito, nada Lhe-falta. Ou seja, Deus é diferente dos demais seres por Sua completa realização. Tomás definiu Deus como "Ipse Actus Essendi subsistens" ("subsistente ato de ser"). • Deus é infinito. Ou seja, Deus não finito no sentido que os seres criados são física, intelectual e emocionalmente limitados. Esta infinidade deve ser diferenciada da simples infinidade de tamanho ou número. • Deus é imutável, não passível de mudanças de caráter ou essência. • Deus é uno, sem diversificação em si próprio. A unidade de Deus é tal que Sua essência é idêntica à Sua existência. Nas palavras de Tomás, "em si mesma, a proposição 'Deus existe' é necessariamente verdadeira, pois, nela, sujeito e predicado são o mesmo". Quando recebeu sua extrema unção, as últimas palavras de Aquino foram: “Eu te recebo, Resgate pela minha alma. Pelo teu amor estudei e me mantive vigilante, trabalhei, preguei e ensinei...” Uma pequena observação sobre a biografia de Aquino, é que, seu apelido era “boi quieto”, ele era bastante corpulento. Aquino fora dos momentos de debates acadêmicos e das conversações atinentes a assuntos sérios, era calado, reservado. Além disto não apreciava perder tempo com conversas inúteis. Por isto um de seus colegas o chamou de “o boi mudo”. Conta-se que um de seus professores disse: “Um dia o mugido desse boi será ouvido em todo mundo”. Tomas de Aquino é considerado um dos principais teólogos da escolástica, talvez o maior gênio da escolástica. Foi um trabalhador incansável e um espírito metódico, que se empenhou em ordenar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média, sobretudo o que recebeu através de seu mestre Alberto Magno. Como resultado, produziu extensa obra, que apresenta mais de sessenta títulos. As mais importantes são os Comentários Sobre as sentenças, provavelmente redigidos entre 1253 e 1256, em Paris; Os Princípios e o Ente e Essência, da mesma época, a Súmula Contra os Gentios e as Questões Sobre a Alma, compostas, ao que tudo indica, entre 1259 e 1264. Questões diversas, começadas em 1263, e finalmente a Suma Teológica, sua obra mais celebre, apesar de não ter sida concluída. Tomás de Aquino, não acreditava em um mundo das ideias e sob influência do naturalismo aristotélico defenderá a existência de um mundo real, material. Esse mundo seria a criação divina – esta é uma das questões que surge ao seu tempo, a criação. Ele aponta a apreensão do divino através da verdade da razão que não pode ser negada pela verdade revelada da fé, ambas precisam ser idênticas, do contrário a fé ou a razão não foram adequadamente empreendidas. A teologia e a filosofia não se opõem. Fé e razão estão unidas em um único sentido: a perfeição, ou seja, o conhecimento de Deus. Para Tomás de Aquino a verdade e o conhecimento também são alcançados através de um mestre interior, porém, não há a intervenção de uma luz divina para que se dê o conhecimento, ele já existe como potencialidade no interior do ser e cabe a este descobrí-lo através do aprendizado, do estudo, da educação religiosa, da pedagogia.

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Duns Scotus (1266-1308) Em seus poucos anos em Cambridge, Oxford e Paris, Scotus viveu com brilhantismo e maestria, considerado como o filosofo das sutilezas. Sem dúvida, Scotus foi responsável por uma serie de avanços de considerável importância para a teologia cristã. Em sua genialidade teológica e filosófica escreveu uma pluralidade de obras, porém suas principais são: Opus Oxioniense (Obra de Oxford), Quaestiones de Metaphysica (Questões de Metafísica) e De Primo Princípio (Do Primeiro Princípio). Scotus é filho do século XIII, no qual como vimos, viveram tomas de Aquino e Boaventura. É atravessado por duas trajetórias filosófico-teológicas bem definidas: agostiniano-boaventuriana e aristotélico-tomista. E uma única matriz polêmica a provocá-las e animá-las: o ingresso das obras de Aristóteles na universidade de Paris. Nesse contexto, Scotus assume uma postura crítica face aos pressupostos e às principais posições defendidas por ambas as escolas, revelando-se como um pensador original. Destaca-se pelo seu estilo rigoroso em bem discernir, o que lhe possibilitou dissipar inúmeras confusões e esmerar-se na especulação acerca das questões filosóficas e dos mistérios da fé. O Doutor das sutilezas se caracteriza, ainda, por um raciocínio deveras singular capaz de, num cerrado diálogo com seus interlocutores, desconstruir seus argumentos e forjar conceitos e linguagem novos cada vez mais precisos e inclusivos. Com Scotus, talvez o pensamento cristão tenha atingido o mais alto vértice da especulação. Scotus enfatizou a liberdade de Deus. Dizia que as coisas são de modo que são não por que a razão exige, mas por que Deus livremente escolhe. A ênfase de Scotus na liberdade de Deus significa que o papel da razão e da filosofia é necessariamente limitado. È interessante destacar que Scotus ficou famoso como o primeiro advogado da doutrina da imaculada concepção de Maria. Diferente de Aquino que sustentava que Maria tinha a condição de pecadora, Scotus alegava que Cristo, em virtude de sua obra perfeita de redenção, fora capaz de manter Maria livre da mancha do pecado original. Tamanha foi a influência dessa ideia da Immacula (Livre de pecado) de Maria que foi definida como dogma em 1854 pelo Papa Pio IX em sua bula “Inefabilis Deus”. Guilherme de Ockham (1285-1347) Ockham foi o mais influente teólogo dos séculos XIV e XV. Foi conhecido pela “Navalha de Ockham” ou Lei de Economia. Este é o principio de simplicidade, diziaque a explicação mais simples é a melhor ou é fútil multiplicar hipóteses quando algumas vontades bastam. Os assuntos de suas obras rodeavam entre teologia, filosofia e política. Suas principais obras foram: Dialogus, Paris 1478; Quodlibeta septem, Paris 1487; Summa logicae, Paris 1488. Ockham em seus estudos leva o pensamento de Duns Scotus às últimas consequências, acentua a separação entre a filosofia e a teologia, entre a razão e a fé, no momento em que se anunciam as primeiras descobertas da ciência moderna. Pra Ockham, demonstrar uma proposição é mostrar sua evidência ou deduzi-la rigorosamente de outra evidente. A essa exigente concepção de prova, acrescenta-se o senso muito vivo do concreto, que faz do ockhamismo um empirismo radical. Na opinião de Ockham, o conhecimento abstrato refere-se às relações entre as ideias, sem nada garantir sobre sua conformidade com o real. Quanto ao conhecimento intuitivo, este dá a evidência imediata, assegurando a verdade e a realidade das proposições. Só a intuição prova a existência das coisas, ponto de partida do conhecimento experimental, que, generalizando o particular, chega ao universal, à lei. É a experiência que permite conhecer as causas das coisas. Não se trata, portanto, de conhecer o universal, mas a evidência do particular. O universal não tem realidade e a inteligência deve ser capaz de apreender o particular. Para Ockham não existem conceitos abstratos ou universais, mas apenas os termos ou nomes cujo sentido seria o de designar indivíduos revelados exclusivamente pela experiência. Provada a impossibilidade de racionalizar a fé, a teologia passa a proceder exclusivamente da crença, e a filosofia, da razão. 24


Assim Ockham abre a modernidade, com a teologia de um lado e a filosofia do outro, ambas separadas, fé e razão não podem andar mais juntas. Sugestão de video: https://youtu.be/i8YESo3eLfE

Frases: “A fé não pode apresentar argumentos que possam ser demonstrados. A verdade manifesta por Deus não pertence ao mundo racional.” “É inútil fazer com mais o que pode ser feito com menos.”

O termo scholasticus se referia àqueles que ensinavam as sete artes liberais do trivium e do quadrivium:

Lógica, Retórica e Gramática

Música, Geometria, Aritmética e Astronomia

Algum tempo depois, passou-se a se chamar escolástico o professor ou mestre de teologia ou filosofia que se dedicava ao ensino nas escolas, os mesmos que mais tarde passaram a ensinar também nas universidades.

A FILOSOFIA DO RENASCIMENTO

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A Filosofia do Renascimento foi o período da História da Filosofia na Europa que está situado entre a Idade Média e o Iluminismo. Ele inclui o século XV; alguns estudiosos estendem o seu começo a década de 1350 e o seu término ao final do século XVI ou ao começo do século XVII, sobrepondo a Reforma e a Idade Moderna. Entre os elementos distintivos da filosofia do renascimento cultural estão o renascimento da educação e civilização clássica e um retorno parcial à autoridade de Platão sobre Aristóteles (que dominou a filosofia medieval). O período foi marcado por transformações em muitas áreas da vida animal que assinalam o final da idade média e o inicio da idade moderna. Apesar dessas transformações serem bem evidentes na cultura, sociedade econômica, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais habitualmente empregado para descrever seus efeitos nas artes, na filosofia e na ciência. Sugestão de video: https://youtu.be/u-kVjVOo9B8 e https://youtu.be/YxEuEVUzlCI

Marsílio Ficino Marsílio Ficino (Figline Valdarno, 19 de outubro de 1433 – Careggi, Florença, 1 de outubro de 1499), filósofo italiano, é o maior representante do Humanismo florentino. Juntamente com Giovanni Pico della Mirandola, está na origem dos grandes sistemas de pensamento renascentistas e da filosofia do século XVII. Traduziu obras de Platão e difundiu suas ideias. Marsílio Ficino teve a fortuna de ser filho do médico dos poderosos Médicis de Florença. Assim, desde a sua juventude tornou-se amigo e manteve estreita relação intelectual com Cosme de Médici, o Velho, um dos homens mais ricos da Europa àquela época e grande entusiasta da cultura grega. Cosme escolheu Ficino para estudar e difundir a tradição platônica em Florença. Para tanto, doou-lhe uma "villa" em Careggi, na parte norte de Florença, para ali sediar a academia platônica, ou antes, neoplatônica florentina, inspirada na antiga Academia de Platão. Além disso, Cosme confiou-lhe também a missão de traduzir o Corpus Hermeticum - os escritos atribuídos ao legendário Hermes Trismegisto - bem como as Eneadas de Plotino, entre outros textos de filósofos neoplatônicos. Após a morte de Cosme, seu filho Pedro e depois o neto, Lourenço, o Magnífico, continuaram a apoiá-lo. A parte mais substancial da obra filosófica de Marsílio Ficino foi completada entre 1458 e 1493. Sua Theologia platonica ou De immortalitate animarum, dedicada a Lourenço de Médicis, é considerada a síntese do seu pensamento hermético e filosófico. Trata-se de um tratado sistemático sobre a imortalidade da alma, no qual procura conciliar o platonismo e o cristianismo. Seu pensamento propõe uma visão do Homem com forte afinidade cósmica e mágica, no centro de uma machina mundi animada e altamente espiritualizada, porque imbuída do spiritus mundi. A função principal do pensamento humano seria a de atingir - através de uma iluminação racional (ratio), intelectual (mens) e imaginativa (spiritus e fantasia) - a autocosciência da própria imortalidade e a divinização do Homem, graças àqueles signa e symbola - signos cósmicos e astrais comparáveis a hieróglifos universais, originários do mundo celeste. Existiria, segundo Ficino, uma antiga e consistente tradição teológica - desde Hermes Trimegisto até Platão, passando por Zoroastro, Orfeu, Pitágoras e outros - que se propõe a subrair a alma do engano dos sentidos e da fantasia, para conduzí-la à mente que percebe a verdade e a ordem de todas as coisas que existem em Deus ou que emanam de Deus. Assim estabelecia vínculos dessa antiga tradição com o Cristianismo, exprimindo o universalismo religioso da Renascença. Segundo Ficino, o agir humano em todas as suas manifestações - artísticas, técnicas, filosóficas ou religiosas - exprime, no fundo, a presença divina de uma mens infinita na Natureza, dentro de uma visão cíclica da história, marcada pelo mito do retorno platônico. Sua ideia animadora é a exaltação do homem como microcosmo, síntese do universo, um conceito antigo, neoplatônico, mas que teve no Humanismo do Renascimento valor e significado particulares. Outra ideia que o inspirava é a da continuidade do desenvolvimento religioso, desde os antigos sábios e filósofos - Zoroastro, Orfeu, Pitágoras, Platão - até o cristianismo, ideia que expressa o universalismo religioso da Renascença. A atividade principal de Marsílio Ficino foi traduzir. Traduziu elegantemente, para o latim, Platão (1477) e Plotino (1485), além de outros neoplatônicos. Expôs o seu pensamento em uma grande obra (Theologia 26


platonica de immortalitate animorum - 1491), em que procura concordar o platonismo, do qual era entusiasta, com o cristianismo, em que acreditava seriamente. Entretanto não foi um metafísico, mas um eclético e suas finalidades eram morais. Frases "O Homem é o mais desgraçado dos animais: além da imbecillitas corporis, comum a todos os viventes, tem também a inquietudo animi, isto é, a certeza de dever morrer." "E assim, portanto, há uma idade que temos que chamar de ouro... e que o nosso século seja assim, áureo, ninguém duvidará disso se tomar em consideração os admiráveis engenhos que nele se achou." Sobre a razão: "Conhece-te a ti mesmo, ó linhagem divina vestida com trajes mortais. Despe-te, eu te peço, separa o quanto podes, e podes o quanto te esforces; separa, digo, a alma do corpo, a razão dos afetos do sentido. Verás logo, cessadas as brutalidades terrenas, um puro ouro, e, afastadas as nuvens, verás um luminoso ar; e então, acredita-me, respeitarás a ti mesma como um raio eterno do divino sol." (Lettere, ep. 110, 1-9) Sobre o amor: "Quando dizemos amor, entendam desejo de beleza." (Sopra lo Amore, I iv) Sobre a alma: Anima copula mundi. (A alma racional como termo médio entre o divino e o terreno) Sugestão de vídeo: https://youtu.be/nJ51sSo9_JU

Giovanni Pico della Mirandola Giovanni Pico della Mirandola (Mirandola, 24 de fevereiro de 1463 — Florença, 17 de novembro de 1494) foi um erudito, filósofo neoplatônico e humanista do Renascimento italiano. Na Oratio, Giovanni justifica a importância da busca humana pelo conhecimento numa perspectiva neoplatônica. Ele afirma que Deus, tendo criado todas as criaturas, foi tomado pelo desejo de gerar uma outra criatura, um ser consciente que pudesse apreciar a criação, mas não havia nenhum lugar disponível na cadeia dos seres, desde os vermes até os anjos. Então Deus criou o homem, que ao contrário dos outros seres, não tinha um lugar específico nessa cadeia. Em lugar disso, o homem era capaz de aprender sobre si mesmo e sobre a natureza, além de poder emular qualquer outra criatura existente. Desta forma, segundo Giovanni, quando o homem filosofa, ele ascende a uma condição angélica e comunga com a Divindade, entretanto, quando ele falha em utilizar o seu intelecto, pode descer à categoria dos vegetais mais primitivos. Giovanni, deste modo, afirma que os filósofos estão entre as criaturas mais dignificadas da criação. A ideia que o homem pode ascender na cadeia dos seres pelo exercício de suas capacidades intelectuais foi uma profunda garantia de dignidade da existência humana na vida terrestre. A raiz da dignidade reside na sua afirmação que somente os seres humanos podem mudar a si mesmos pelo seu livre-arbítrio. Ele observou na história humana que filosofias e instituições estão sempre evoluindo, fazendo da capacidade de auto-transformação do homem a única constante. Em conjunto com sua crença que toda a criação constitui um reflexo simbólico da Divindade, a filosofia de Giovanni teve uma profunda influência de Raimundo Lúlio. Nas artes, ajudou a elevar o status de escritores, poetas, pintores e escultores, como Leonardo da Vinci e Michelangelo, de um papel de meros artesãos medievais a um ideal renascentista de artistas considerados gênios que persiste até os dias atuais. Sugestão de video: https://youtu.be/ltSAnQKVkIU e https://youtu.be/tm0I14y51NA

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Nicolau Copérnico Nicolau Copérnico (Toruń, 19 de fevereiro de 1473 — Frauenburgo, 24 de maio de 1543) foi um astrônomo e matemático polonês que desenvolveu a teoria heliocêntrica do Sistema Solar. Foi também cónego da Igreja Católica, governador e administrador, jurista, astrônomo e médico. Sua teoria do Heliocentrismo, que colocou o Sol como o centro do Sistema Solar, contrariando a então vigente Teoria Geocêntrica (que considerava a Terra como o centro), é considerada como uma das mais importantes hipóteses científicas de todos os tempos, tendo constituído o ponto de partida da astronomia. A teoria do modelo heliocêntrico, a maior teoria de Copérnico, foi publicada em seu livro, De revolutionibus orbium coelestium ("Da revolução de esferas celestes"), durante o ano de sua morte, 1543. Apesar disso, ele já havia desenvolvido sua teoria algumas décadas antes. O livro marcou o começo de uma mudança de um universo geocêntrico, ou antropocêntrico, com a Terra em seu centro. Copérnico acreditava que a Terra era apenas mais um planeta que concluía uma órbita em torno de um sol fixo todo ano e que girava em torno de seu eixo todo dia. Ele chegou a essa correta explicação do conhecimento de outros planetas e explicou a origem dos equinócios corretamente, através da vagarosa mudança da posição do eixo rotacional da Terra. Ele também deu uma clara explicação da causa das estações: O eixo de rotação da terra não é perpendicular ao plano de sua órbita. Em sua teoria, Copérnico descrevia mais círculos, os quais tinham os mesmos centros, do que a teoria de Ptolomeu (modelo geocêntrico). Apesar de Copérnico colocar o Sol como centro das esferas celestiais, ele não fez do Sol o centro do universo, mas perto dele. Do ponto de vista experimental, o sistema de Copérnico não era melhor do que o de Ptolomeu. E Copérnico sabia disso, e não apresentou nenhuma prova observacional em seu manuscrito, fundamentando-se em argumentos sobre qual seria o sistema mais completo e elegante. Da sua publicação, até aproximadamente 1700, poucos astrônomos foram convencidos pelo sistema de Copérnico, apesar da grande circulação de seu livro (aproximadamente 500 cópias da primeira e segunda edições, o que é uma quantidade grande para os padrões científicos da época). Entretanto, muitos astrônomos aceitaram partes de sua teoria, e seu modelo influenciou muitos cientistas renomados que viriam a fazer parte da história, como Galileu e Kepler, que conseguiram assimilar a teoria de Copérnico e melhorála. As observações de Galileu das fases de Vênus produziram a primeira evidência observacional da teoria de Copérnico. Além disso, as observações de Galileu das luas de Júpiter provaram que o sistema solar contém corpos que não orbitavam a Terra. O sistema de Copérnico pode ser resumido em algumas proposições, assim como foi o próprio Copérnico a listá-las em uma síntese de sua obra mestra, que foi encontrada e publicada em 1878. As principais partes da teoria de Copérnico são: • Os movimentos dos astros são uniformes, eternos, circulares ou uma composição de vários círculos (epiciclos). • O centro do universo é perto do Sol. • Perto do Sol, em ordem, estão Mercúrio, Vênus, Terra, Lua, Marte, Júpiter, Saturno, e as estrelas fixas. • A Terra tem três movimentos: rotação diária, volta anual, e inclinação anual de seu eixo. • O movimento retrógrado dos planetas é explicado pelo movimento da Terra. • A distância da Terra ao Sol é pequena se comparada à distância às estrelas. Se essas proposições eram revolucionárias ou conservadoras era um tópico muito discutido durante o vigésimo século. Thomas Kuhn argumentou que Copérnico apenas transferiu algumas propriedades, antes atribuídas a Terra, para as funções astronômicas do Sol. Outros historiadores, por outro lado, argumentaram a Kuhn, que ele subestimou quão revolucionárias eram as teorias de Copérnico, e enfatizaram a dificuldade que Copérnico deveria ter em modificar a teoria astronômica da época, utilizando apenas uma geometria simples, sendo que ele não tinha nenhuma evidência experimental. Sugestão de vídeo: https://youtu.be/zwWzt0jyflc e https://youtu.be/8cW7lhl_0Eg Sobre Giordano Bruno: https://youtu.be/WR25rVawof4

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Thomas More, Thomas Morus ou Tomás Moro (Londres, 7 de fevereiro de 1478 — Londres, 6 de julho de 1535) foi filósofo, homem de estado, diplomata, escritor, advogado e homem de leis, ocupou vários cargos públicos, e em especial, de 1529 a 1532, o cargo de "Lord Chancellor" (Chanceler do Reino - o primeiro leigo em vários séculos) de Henrique VIII da Inglaterra. É geralmente considerado como um dos grandes humanistas do Renascimento. Sua principal obra literária é Utopia (em grego, utopos = "em lugar nenhum") . Neste livro criou uma ilha-reino imaginária que alguns autores modernos viram como uma proposta idealizada de Estado e outros como sátira da Europa do século XVI. Um dos aspectos desta obra de More é que ela recorreu à alegoria (como no Diálogo do conforto, ostensivamente uma conversa entre tio e sobrinho) ou está altamente estilizada, ou ambos, o que lhe abre um largo campo interpretativo. Como intelectual, ele foi inicialmente um humanista no sentido consensual do termo. Latinista, escreveu uma "História de Ricardo III" em texto bilíngüe latim-inglês, em que Shakespeare, mais tarde se basearia para escrever a peça de igual nome. Foi um grande amigo de Erasmo de Roterdã que lhe dedicou o seu "In Praise of Folly" (a palavra "folly" equivale à "moria" em grego). Era um leitor das obras de Santo Agostinho e traduziu para o vernáculo "A Vida de Pico della Mirandolla", obras que exerceram sobre ele grande influência. Escolheu John Colet, sacerdote, como diretor espiritual, que lhe estabeleceu um plano intenso de práticas pietistas. De Morus teria dito Erasmo: "É um homem que vive com esmero a verdadeira piedade, sem a menor ponta de superstição. Tem horas fixas em que dirige a Deus suas orações, não com frases feitas, mas nascidas do mais profundo do coração. Quando conversa com os amigos sobre a vida futura, vê-se que fala com sinceridade e com as melhores esperanças. E assim é More também na Corte. Isto, para os que pensam que só há cristãos nos mosteiros." Sugestão de video: https://youtu.be/6ymcRZSskEE e https://youtu.be/JwCKP3RhRm4

Nicolau Maquiavel Nicolau

Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo, historiador, poeta, diplomata e músico de origem florentina do Renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna,[1] pelo fato de ter escrito sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Desde as primeiras críticas, feitas postumamente pelo cardeal inglês Reginald Pole,[2] as opiniões, muitas vezes contraditórias, acumularam-se, de forma que o adjetivo maquiavélico, criado a partir do seu nome, significa esperteza, astúcia, aleivosia, maldade. Maquiavel viveu a juventude sob o esplendor político da República Florentina durante o governo de Lourenço de Médici e entrou para a política aos 29 anos de idade no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria. Nesse cargo, Maquiavel observou o comportamento de grandes nomes da época e a partir dessa experiência retirou alguns postulados para sua obra. Depois de servir em Florença durante catorze anos foi afastado e escreveu suas principais obras. Conseguiu também algumas missões de pequena importância, mas jamais voltou ao seu antigo posto como desejava. Como renascentista, Maquiavel utilizou-se de autores e conceitos da Antiguidade Clássica de maneira nova. Um dos principais autores foi Tito Lívio, além de outros lidos através de traduções latinas, e entre os conceitos apropriados por ele encontram-se o de virtù e o de fortuna.

O Príncipe O "Príncipe" é provavelmente o livro mais conhecido de Maquiavel e foi completamente escrito em 1513, apesar de publicado postumamente, em 1532. Teve origem com a união de Juliano de Médici e do papa Leão X, com a qual Maquiavel viu a possibilidade de um príncipe finalmente unificar a Itália e defendêla contra os estrangeiros, apesar de dedicar a obra a Lourenço II de Médici, mais jovem, de forma a estimulá29


lo a realizar esta empreitada. Outra versão sobre a origem do livro, diz que ele o teria escrito em uma tentativa de obter favores dos Médici, contudo ambas as versões não são excludentes. Está dividido em 26 capítulos. No início ele apresenta os tipos de principado existentes e expõe as características de cada um deles. A partir daí, defende a necessidade do príncipe de basear suas forças em exércitos próprios, não em mercenários e, após tratar do governo propriamente dito e dos motivos por trás da fraqueza dos Estados italianos, conclui a obra fazendo uma exortação a que um novo príncipe conquiste e liberte a Itália.Em uma carta ao amigo Francesco Vettori, datada de 10 de dezembro de 1513, Maquiavel comenta sobre o escrito: “

E como Dante diz que não se faz ciência sem registrar o que se aprende, eu tenho anotado tudo nas conversas que me parece essencial, e compus um pequeno livro chamado "De Principatus", onde investigo profundamente o quanto posso cogitar desse assunto, debatendo o que é um principado, que tipos de principado existem, como são conquistados, mantidos, e como se perdem

Em sua obra O Príncipe, defendeu a centralização do poder político e não propriamente o absolutismo. Suas considerações e recomendações aos governantes sobre a melhor maneira de administrar o governo caracterizam a obra como uma teoria do Estado moderno. Ele é, de fato, considerado o "pai da moderna teoria política". Maquiavel defende a idéia de que um estado forte depende de um governante eficaz, e para que ele seja bom, ele deve ter boas habilidades políticas. Para ele, são características relevantes de um bom príncipe, ser bondoso, caridoso, religioso e ter moral. Contudo, Maquiavel argumentava não ser necessário possui-las de fato, o governante devia apenas manter as aparências, pois o governo precisa do apoio e opinião pública; em momentos de crise a população deve ficar contra o governo. Maquiavel se preocupava em manter o Estado, por isso deixa conselhos para o soberano sobre como o fazer. Deste modo, ele apresenta propostas de como dominar nações. Sugestão de video: https://youtu.be/psCco-P28E4

No caso de dominação sobre uma cultura diferente, ele apresenta três meios para tal feito.

Dominação militar < Colonização < Mudança da capital A dominação militar é vista como o meio menos eficiente, pois assim a nação estrangeira enxergaria o príncipe como um inimigo e não o apoiaria. A colonização tem maior eficácia, porém não é suficiente. Desta maneira, haveria uma mescla entre a cultura da nação dominada e da nação dominadora, beneficiando ambas as partes. Já a transferência da capital seria o meio mais eficaz. Se o príncipe reside na nação que está dominando, ele passa a levar melhorias para o lugar e a ganhar maior aceitação do povo. No caso de dominação de um país de grande extensão, ele propõe duas alternativas: Centralizar burocraticamente < Descentralizar aristocraticamente Maquiavel afirmava que a segunda proposta era mais eficaz, pois ao descentralizar o poder, ele conferiria autoridade a algumas famílias aristocráticas para governar determinadas regiões do país. Dessa forma, ele teria pessoas de sua confiança fiscalizando todo o território e o poder ainda estaria concentrado em suas mãos. Já a primeira alternativa não seria uma boa solução, pois ele apenas criaria instituições burocráticas, mas o poder ainda estaria centralizado em si. Maquiavel ainda propõe explicações para dominar uma sociedade acostumada com suas próprias leis: Destruição < Transferência de capital < Tolerância conservadora Em primeira instância, o príncipe deveria permitir as leis da nação dominada e tolerar as diferenças. Dessa maneira, a tolerância conservadora é vista como a melhor opção. A segunda alternativa também é considerada aceitável em caso de a primeira não demonstrar êxito, já que ao transferir a capital ele passa a levar mais melhorias para o local e a ganhar aceitação do povo. Caso a população não aceite dominação e se revolte, a única alternativa restante seria a destruição daquele povo. Uma leitura apressada ou enviesada de Maquiavel poderia levar-nos a entendê-lo como um defensor da falta de ética na política, em que "os fins justificam os meios". Para entender sua teoria é necessário colocálo no contexto da Itália renascentista, em que se lutava contra os particularismos locais. Durante o século XVI, a península Itálica estava dividida em diversos pequenos Estados, entre repúblicas, monarquias, ducados, além dos Estados Papais. As disputas de poder entre esses territórios era constante, a ponto de os governantes contratarem os serviços do condotieri (mercenários) com o intuito de obter conquistas territoriais. Foi muito difundida no século XVI e encontram-se aproximadamente 400 peças que citam Maquiavel, todas vinculando seu nome à maldade, a ardilosidade e a falta de escrúpulos. William Shakespeare, por 30


exemplo, o coloca em uma fala de Ricardo, Duque de Gloucester na sua peça sobre Henrique VI (Henry VI, Part 1, Henry VI, Part 2, Henry VI, Part 3) Conselheiro do povo Uma segunda interpretação diz que ao escrever "O Príncipe", Maquiavel tentava alertar o povo sobre os perigos da tirania, tendo entre seus adeptos, Baruch de Espinoza e Jean-Jacques Rousseau. Este último escreveu "(…) é o que Maquiavel fez ver com evidência. Fingindo dar lições aos reis, deu-as, e grandes, aos povos."Foi defendida recentemente por estudiosos da obra dele como Garret Mattingly. Há os que afirmam ser "O Príncipe" uma sátira dos costumes dos governantes ou que o autor não acreditaria no que escreveu, baseando esta afirmação na preferência que teria Maquiavel pela república como forma de governo. Contudo o autor também faz críticas à república. Sugestão de video: https://youtu.be/UUIFgKU7ZPE

Pensamento Maquiavel não foi um pensador sistemático. Ele utiliza o empirismo para escrever através de um método indutivo e pensa em seus escritos como conselhos práticos, sendo além disso antiutópico e realista. A teoria não se separa da prática em Maquiavel. Os conceitos desenvolvidos por ele rompem com a tradição medieval teológica e também com a prática, comum durante o Renascimento, de propor estados imaginários perfeitos, os quais os príncipes deveriam ter sempre em mente. A partir da observação da política de seu tempo e da comparação desta com a da Antiguidade vai formular o seu pensamento por acreditar na imutabilidade da natureza humana. Virtù e fortuna Os conceitos de virtù e fortuna são empregados várias vezes por Maquiavel em suas obras. Para ele, a virtù seria a capacidade de adaptação aos acontecimentos políticos que levaria à permanência no poder. A virtù seria como uma barragem que deteria os desígnios do destino. Mas segundo o autor, em geral, os seres humanos tendem a manter a mesma conduta quando esta frutifica e assim acabam perdendo o poder quando a situação muda. A ideia de fortuna em Maquiavel vem da deusa romana da sorte e representa as coisas inevitáveis que acontecem aos seres humanos. Não se pode saber a quem ela vai fazer bens ou males e ela pode tanto levar alguém ao poder como tirá-lo de lá, embora não se manifeste apenas na política. Como sua vontade é desconhecida, não se pode afirmar que ela nunca lhe favorecerá. Ética A ética em Maquiavel se contrapõe à ética cristã herdada por ele da Idade Média. Para a ética cristã, as atitudes dos governantes e os Estados em si estavam subordinados a uma lei superior e a vida humana destinava-se à salvação da alma. Com Maquiavel a finalidade das ações dos governantes passa a ser a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade, não o próprio, de forma que uma atitude não pode ser chamada de boa ou má a não ser sob uma perspectiva histórica. Reside aí um ponto de crítica ao pensamento maquiavélico, pois com essa justificativa, o Estado pode praticar todo tipo de violência, seja aos seus cidadãos, seja a outros Estados. Ao mesmo tempo, o julgamento posterior de uma atitude que parecia boa, pode mostrá-la má. Natureza humana “

Mesmo as leis mais bem ordenadas são impotentes diante dos costumes (…)

Para ele, a natureza humana seria essencialmente má e os seres humanos querem obter os máximos ganhos a partir do menor esforço, apenas fazendo o bem quando forçados a isso. A natureza humana também não se alteraria ao longo da história fazendo com que seus contemporâneos agissem da mesma maneira que os antigos romanos e que a história dessa e de outras civilizações servissem de exemplo. Falta-lhe um senso das mudanças históricas. 31


Como consequência, acha inútil imaginar estados utópicos, visto que nunca antes postos em prática e prefere pensar no real. Sem querer com isso dizer que os seres humanos ajam sempre de forma má, pois isso causaria o fim da sociedade, baseada em um acordo entre os cidadãos. Ele quer dizer que o governante não pode esperar o melhor dos homens ou que estes ajam segundo o que se espera deles. O fim justifica os meios ou os fins justificam os meios é uma frase atribuída a Maquiavel. Significa que os governantes devem estar acima da ética dominante para manter ou aumentar seu poder. Popularmente, a frase é também usada como justificativa do emprego de expedientes desonestos ou violentos para a obtenção de determinado fim, supostamente legítimo. Em sua obra, O Príncipe, Nicolau Maquiavel cria um verdadeiro "Manual de Política", sendo interpretado de várias formas, principalmente de maneira injusta e pejorativa. O autor e sua obra passaram a ser vistos como perniciosos, sendo então forjada a expressão "os fins justificam os meios", que não é encontrada em sua obra. Esta expressão significa que não importa qual foi o caminho tomado, desde que o resultado seja vitorioso. Embora a expressão não seja encontrada no texto original, tornou-se uma interpretação popular ou de senso comum, do pensamento maquiavélico, que é uma expressão preconceituosa para se referir ao pensamento maquiaveliano, que é o pensamento de Maquiavel. De fato, Maquiavel nunca disse que os fins justificam os meios. O que ele afirma, em O Príncipe, é que o governante deve agir segundo a ética sempre que possível, a partir do conceito de razão de Estado. necessário para a manutenção do poder. A regra, portanto, é a conquista e a manutenção do poder. A afirmação seria também oposta à doutrina cristã, que diz exatamente o contrário: "Não se pode justificar uma ação má com boa intenção. O fim não justifica os meios. “Como é perigoso libertar um povo que prefere a escravidão.” “Todos veem o que você parece ser. Mas poucos sabem o que você realmente é.” “Mas a mbição do homem é tão grande que para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela.” “Os homens ofendem mais aos que amam do que aos que temem.” “É melhor ser temido do que amado.” Michel Eyquem de Montaigne (Castelo de Montaigne, 28 de fevereiro de 1533 — Castelo de Montaigne, 13 de setembro de 1592) foi um jurista, político, filósofo, escritor, cético e humanista francês, considerado como o inventor do ensaio pessoal. Nas suas obras analisou as instituições, as opiniões e os costumes, debruçando-se sobre os dogmas da sua época e tomando a generalidade da humanidade como objeto de estudo. Ele criticou a educação livresca e mnemônica, propondo um ensino voltado para a experiência e para a ação. Acreditava que a educação livresca exigiria muito tempo e esforço, o que afastaria os jovens dos assuntos mais urgentes da vida. Para ele, a educação deveria formar indivíduos aptos ao julgamento, ao discernimento moral e à vida prática.

Montaigne não tem um sistema. Não é um moralista, nem um doutrinador. Mas não sendo moralista, não tendo um sistema de conduta, uma moral com princípios rígidos, é um pensador ético. Procura indagar o que está certo ou errado na conduta humana. Propõe-se mais estudar pelos seus ensaios certos assuntos do que dar respostas. No fundo, Montaigne está naquele grupo de pensadores que estão a perguntar em vez de responder, e é na sua incerteza em dar respostas, que surge um certo cepticismo em Montaigne. Como não está interessado em dar respostas apriorístico tem uma certa reserva em relação a misticismos e crenças. É de notar um certo alheamento em relação ao Cristianismo e às lutas de religião que se viviam em França na época. Embora não deixe de refletir em assuntos como a destruição das Novas Índias pelos espanhóis. Ou seja, as suas reflexões visam os clássicos e a sua própria contemporaneidade. Tanto fala de um episódio de Cipião como fala de algum acontecimento do seu século como fala de um qualquer seu episódio doméstico. O facto de ter introduzido uma outra forma de pensar através de ensaios, fez com que o próprio pensamento humano encontrasse uma forma mais legítima de abordar o real. A verdade absoluta deixa de estar ao alcance do homem, sendo doravante, possível tão-somente uma verdade por aproximações. 32


A filosofia de Montaigne influenciou em grande medida uma das crises principais da história da filosofia moderna: a questão da consistência do homem e suas ações. Sua obra Ensaios desafia a crença no Eu sólido e substancial para enfatizar a inconsistência natural do homem, e assim traz uma mudança da valorização da profundeza do homem para sua superficialidade. A relação entre o indivíduo e seu comportamento Assim como Montaigne considera que mundo inteiro está em constante movimento, o homem carece de constância fixa, pois “a própria constância não é outra coisa além de um movimento mais lânguido”. Devido à falta de continuidade e coerência do homem, seu comportamento torna-se imprevisível e portanto difícil de examinar. Em várias ocasiões de Ensaios, Montaigne relata situações diferentes nos quais os comportamentos de diferentes pessoas variam drasticamente e irracionalmente, salientando a inutilidade de procurar uma ligação uniforme dos mesmos. A alegação da fluidez do Eu é especialmente clara no capítulo “Sobre a inconstância de nossas ações”, em que Montagne asserta que as ações de uma pessoa dependem das circunstâncias presentes no momento da ação mais do que da sua personalidade e do seu raciocínio. Por conseguinte, é normal observar a mesma pessoa agir de maneiras completamente diferentes de dia para dia. Pode haver tanta diferença dentro de uma pessoa só quanto entre duas pessoas diferentes. A inconstância do homem deve-se a sua natureza e faz com que nada dele seja sólido; assim como a comportamento muda dependendo das circunstâncias, também mudam seus opiniões e costumes. “Flutuamos entre diversas opiniões: nada queremos livremente, nada absolutamente, nada constantemente.” Até o próprio julgamento de uma pessoa é fluido segundo Montaigne. O nosso desejo do momento faz parte das circunstâncias que determinam as nossas ações, o que traz espontaneidade e falta de controle: “Somos levados como uma marionete de madeira pelos músculos de outro. Não vamos, somos levados: como as coisas que flutuam, ora suavemente, ora com violência, dependendo se a água está revolta ou serena.” A falta de controle implica incerteza e incapacidade de previsão do comportamento do homem, não só na observação de outras pessoas, mas também em relação a si mesmo; além de não poder determinar as ações dos outros, o homem nem pode determinar suas próprias ações, só tentar guiá-las. Logo, não pode considerar-se que a ação de uma pessoa necessariamente refleta sua personalidade. O que uma pessoa faz em uma determinada situação corresponde ao estado em que a pessoa está, não ao que a pessoa é, pois são as circunstâncias da situação que determinam a ação. Montaigne transforma o conceito ser a uma pluralidade de estados e comportamentos diferentes. No entanto, vale a pena salientar que Montaigne mostra certas contradições em relação à explicação do comportamento do homem ao longo de Ensaios: embora o capítulo “Sobre a inconstância das nossas ações” claramente expressa a incapacidade do homem de governar suas ações, o capítulo “Sobre a crueldade” menciona a facilidade de uma pessoa de “caráter naturalmente fácil e suave” fazer “coisa muito bonita e digna” em contraste a uma pessoa de caráter oposto. Além disso, o capítulo enfatiza a virtude de quem consegue controlar seu “furioso apetite de vingança” e atuar de maneira virtuosa mesmo que seu caráter seja o oposto, o que implica uma capacidade de dirigir seu comportamento bem maior à mencionada no capítulo “Sobre a inconstância das nossas ações”. “Pode-se ter saudades dos tempos bons mas não se deve fugir ao presente.” “Abandonar a vida por um sonho é estimá-la exatamente por quanto ela vale.” “Proibir algo é despertar o desejo.” “O lucro do nosso estudo é tornarmo-nos melhores e mais sábios.” “O silêncio, tal como a modéstia, ajuda muito numa conversação.” “Ninguém está livre de dizer tolices; o imperdoável é dizê-las solenemente. ” “Aquele que castiga quando está irritado, não corrige, vinga-se.” Sugestão de video: https://youtu.be/wBnm5TAcLF4

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Étienne

de

La

Boétie (Sarlat-la-Canéda, 1

de novembro de 1530 — Germignan, 18 de agosto de 1563) foi um humanista e filósofo francês, contemporâneo e amigo de Michel de Montaigne Razões da servidão voluntária La Boétie enumera três razões que levam o homem à servidão voluntária: 1. A primeira é ter nascido na servidão: O autor afirma que, embora a natureza tenha uma grande força sobre nós, muito mais forte do que ela é o costume. Portanto, “os homens são o que a educação faz de cada um”. Em outras palavras, o autor descreve: “Assim é: os homens nascem sob o jugo, são criados na servidão, sem olharem para lá dela, limitam-se a viver como nasceram, nunca pensam ter outro direito nem outro bem senão o que encontraram ao nascer, aceitam como natural o estado que acharam à nascença”. 2. A segunda razão é tornar-se “covarde e efeminado” sob a tirania ou mistificar a figura do líder: La Boétie diz que “com a perda da liberdade, perde-se imediatamente a valentia [...]. Perdem também a energia em todo o resto, têm o coração abatido e mole e não são capazes de grandes ações. Os tiranos o sabem e, à vista deste vício, fazem tudo para piorá-lo”. Por isso, seduzem os povos através de jogos, de maneira que, “assim ludibriados [...], divertiam-se com o vão prazer que lhes passava diante dos olhos e habituavam-se a servir com simplicidade igual [...] à das crianças [...]”. Além disso, o povo, por não ter acesso ao soberano, cria um “mistério” em torno da sua figura que o faz respeitálo sem nunca tê-lo visto. Por isso, o autor acha estranho os súditos se encherem de respeito e de veneração pelos tiranos, como se estivessem sob “o efeito de um encanto ou magia”, pois na verdade, “era o próprio povo que forjava as mentiras em que posteriormente acreditava”. 3. A última, e talvez a mais importante razão, é a própria estrutura do poder, na qual “o tirano submete uns por intermédio dos outros”: “Parece à primeira vista incrível, mas é a verdade. São sempre quatro ou cinco os que estão no segredo do tirano, são esses quatro ou cinco que sujeitam o povo à servidão. Sempre foi a uma escassa meia dúzia que o tirano deu ouvidos, foram sempre esses os que lograram aproximar-se dele ou ser por ele convocados, para serem cúmplices das suas crueldades, companheiros dos seus prazeres, alcoviteiros, suas lascívias e com ele beneficiários das rapinas. Tal é a influência deles sobre o caudilho que o povo tem de sofrer não só a maldade dele como também a deles. Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro, para que eles ocultem as suas avarezas e crueldades, para serem seus executores no momento combinado e praticarem tais malefícios que só à sombra deles podem sobreviver e não cair sob a alçada da lei e da justiça. E abaixo de todos estes vêm outros. Quem queira perder tempo a desenredar esta complexa meada descobrirá abaixo dos tais seis mil mais cem mil ou cem milhões agarrados à corda do tirano [...]”. Maneiras de sair da servidão voluntária Para La Boétie, no entanto, essa pirâmide de poder pode ser quebrada no momento em que o povo quiser se livrar dela.Para ele, é espantoso ver um número infinito de pessoas submetidas a um só, como se estivessem encantadas pelo nome deste, uma vez que não deviam temer o poder do tirano, nem mesmo confiar nas qualidades dele, pois os trata desumana e cruelmente. Para o autor, nem é preciso combater o tirano, nem se defender dele, pois “ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo. Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma. Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio. São, pois, os povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em que deixassem de servir. É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios ”. Principais aspectos do livro Os principais pontos que se pode destacar no “Discurso sobre a Servidão Voluntária” são: 1. O poder que um só homem exerce sobre os outros é ilegítimo; 2. A preferência pela república em detrimento da monarquia; 3. As crenças religiosas são frequentemente usadas pelas monarquias para manter o povo sob sujeição e jugo; 34


4. Etienne de La Boétie afirma no Discurso a liberdade e a igualdade de todos os homens na dimensão política; 5. Evidencia a força da opinião pública; 6. Repele todas as formas de demagogia; 7. Incursionando pioneiramente pelo que mais tarde ficará conhecido como psicologia de massas, informa da irracionalidade da servidão, desde o título provocativo da obra, indicada como uma espécie de vício, de doença coletiva.”. Amizade na Politica No Discurso Sobre servidão voluntária, La Boétie apresenta as razões pelas quais os homens servem voluntariamente a um soberano – em detrimento de sua liberdade – e como é possível se libertar dessa servidão. Contudo essa obra não apresenta somente essas características. O filósofo também lança seu olhar sobre a estrutura em que se apoia um tirano para realizar essa empresa e faz certa descrição e qualificação dela. Um dos pontos que trata o autor é a respeito da questão dos relacionamentos afetivos que envolvem o tirano e aqueles que estão próximos, logo, que fazem parte da estrutura organizacional da manutenção do poder. O vínculo humano e a tirania. La Boetie começa a análise sobre a questão dos relacionamentos na estrutura tirânica citando um trio de pessoas integras e bem quistas pelo tirano e que tiveram a oportunidade de conviver próximo a ele – Sêneca, Burro e Trázeas . Segundo autor, esses três homens de bem experimentaram de perto a pouca confiança que se pode colocar no tirano, todos eles tiveram uma morte cruel. A partir desses exemplos é possível perceber que para o filósofo um tirano não mantém nenhuma relação afetiva seja de amor ou amizade. “

“Que amizade afinal, pode esperar-se daquele cujo coração é tão duro que odeia o próprio reino que em tudo lhe obedece? Que, por não conseguir fazer-se amar, se empobrece e destrói seu império?”

Mesmo os vínculos familiares, para La Boetie, não são forte o suficiente a ponto de superar a estrutura de relação de poder na tirania. Ele dá o exemplo de Agripina, mãe de Nero, para apoiar sua proposição. Além da correlação afetiva peculiar que a conexão mãe-filho possui a matriarca ainda ajudou seu filho a alcançar o poder fazendo de tudo quanto lhe estava ao alcance para agradá-lo. Ainda assim, seu filho tiroulhe a vida, ou seja,o poder para o tirano é superior ao amor filial. O filósofo também apresenta Cláudio e Messalina, como exemplo da falta de sensibilidade nas relações tirânicas. Este imperador que mesmo apaixonado, entregou aos carrascos sua amada. Esse exemplos levam o autor a proferir que “ a simplicidade é uma crueldade de todos os Tiranos” . Isso porque eles não pensam duas vezes antes de lançar mão da sentença de morte para manter seus poderes. Esta é também a causa da morte de muito dos tiranos por seus favoritos, quando estes descobrem a natureza da soberania. E leva La Boetie a atestar que: “ “ A verdade é que o tirano nunca é amado e nem ama.” Sugestão de vídeo: https://youtu.be/3wZVfo_L_iI e

” A amizade como contra-poder Depois de argumentar o porquê do tirano não manter relações afetivas, La Boetie expressa àquilo que ele entende por amizade. Assim o autor pode fazer a diferenciação sobre o que é uma relação de amizade da relação que o tirano tem com seus subordinados e pessoas próximas. Ele inicia sua reflexão dando uma definição da amizade: “

“A amizade é uma palavra sagrada, é uma coisa santa e só pode existir entre pessoas de bem, só se mantém quando há estima mútua; conserva-se não tanto pelos benefícios quanto por uma vida de bondade.”

Por essa definição, é possível notar as razões pelas quais o tirano não pode manter esse tipo de relação com as pessoas que estão próximas. Visto que, segundo o autor, a amizade só se mantém quando há estima mútua, assim a tirania não poderá sustentar a relação, já que ela somente visa o próprio poder – conforme os exemplos citados acima. Além disso, o filósofo diz que não se conserva tanto pelos benefícios, 35


que é o oposto se opõe a tirania já que ela se conserva unicamente pelos benefícios. Por isso parece simples ao poderoso matar até aqueles mais íntimos, desde que isso seja benéfico para a sua conservação. Outro motivo elencando pelo filósofo ele profere quando escreve o motivo pelo qual um amigo pode confiar em outro amigo. Segundo La Boetie, a confiança na amizade só é possível quando as partes: conhecem a integridade o outro; pela forma como ocorre a correspondência entre elas; possuem um bom caráter; tem fé; e são constantes . Isso se opõe radicalmente ao tipo de trato na tirania em que o tirano: Não pode deixar-se conhecer integralmente; não corresponde de maneira igual a que foi tratado; não possui um bom caráter; não confia em ninguém; e é inconstante. Etienne de La Boetie continua escrevendo que não se pode haver amizade onde existe, crueldade, deslealdade e injustiça. A amizade não cabe aos maus porque eles só estão reunidos para conspirar e não para fraternizar. Mesmo que não fosse assim, segue o autor, seria difícil achar um tirano de amor firme, porque na tirania é constituída numa hierarquia em que no nível maior só existe uma posição. Desta maneira quem exerce a função ditatorial não possui nenhum igual é senhor de todos e a amizade precisa de certa equidade. Tanto que o pensador francês escreve que há maior confiança entre os ladrões, no dividir dos bens que roubam . Justamente porque são todos pares e se não há amor entre eles a pelo menos o temor e a desconfiança, fazendo com que a união do bando seja necessária para que eles sejam mais fortes . Enquanto a única lei do autocrata é a sua vontade. Amizade na tirania Assim La Boétie afirma que aqueles que estão ao redor do tirano não gozam de sua amizade – já que não há possibilidade de fraternidade na tirania – e sim estão próximos de olho em suas riquezas. Estes ficam deslumbrados com a suntuosidade e com tanto esplendor que possui o soberano a ponto de colocarem em perigo a própria vida. O filósofo cita a história do Sátiro que deslumbrado pelo lume aceso de Prometeu se queimou a chegar perto. Usa desse exemplo como analogia aquilo que acontece aos tantos que estão próximos ao autocrata. destaca em seu livro Discurso sobre a servidão voluntária o segredo da tirania que se fixa em uma estrutura que estabelece um encadeamento de relações entre camadas sociais. Ele também apresenta as principais causas da servidão, entre elas está o costume. Este, conforme descreve La Boétie, diz respeito àqueles que nascem sob o jugo da servidão, eles “servem sem esforço e fazem de boa mente o que seus antepassados tinham feito por obrigação [...] aceitam como natural o estado que acharam à nascença” . Assim, o costume resultaria para os homens em um engano sobre a sua natureza, que é a liberdade, o que faz com que eles aceitem sua condição já que nunca lhes foi mostrado como é a liberdade. Essa condição servil se mantém, então, por um esquema tirano que envolve toda a sociedade. Nesse contexto, o poder do tirano não é apenas coercitivo, mas envolve relações de concessão entre o tirano e uma camada dominante. Para o autor há uma cadeia escondida no poder do rei, “

São sempre quatro ou cinco os que estão no segredo do tirano, são esses quatro ou cinco que sujeitam o povo à servidão. [...] Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro, para que eles ocultem as suas avarezas e crueldades, para serem seus executores no momento combinado e praticarem tais malefícios que só à sombra deles podem sobreviver e não cair sob a alçada da lei e da justiça. E abaixo de todos estes vêm outros.

Pode-se perceber que uma mesma estrutura tirânica se reproduz em cada nível e, dessa forma, o tirano submete uns por meio de outros, nessa estrutura cada um esconde a sua relação, entretanto, todos estão ligados em uma “corda” que distribui favores, ganhos e lucros e que apaga a liberdade. Ou seja, a tirania aparece como vantajosa a muitos a tal ponto que chega a ser preferível à liberdade. Sugestão de vídeo: https://youtu.be/ozfL6uyoIm4

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A FILOSOFIA BARROCA

“Loth e suas filhas que fogem Sodome”Reni Guido (Le Guide) - óleo sobre tela - 1616

O Barroco foi um período estilístico e filosófico da História da sociedade ocidental, ocorrido durante os séculos XVI e XVII, na Europa, e XVII e XVIII, na América. Era inspirado no fervor religioso e na passionalidade. O termo 'Barroco' advém da palavra portuguesa homónima que significa "pérola imperfeita", ou por extensão jóia falsa. A palavra foi rapidamente introduzida nas línguas francesa e italiana. Alguns historiadores costumam apontar como o início da época barroca os anos finais do século XVI, que com a arte religiosa da Contra-Reforma teria gerado os primeiros frutos do que viria a ser a arte barroca, plenamente desenvolvida apenas durante a primeira metade do século posterior. Como marco inicial aponta-se a primeira igreja da recém-fundada Companhia de Jesus em Roma, a Igreja de Jesus, 1568, com sua fachada de Giacomo della Porta (ca.1541 - 1604). Por outro lado, alguns teóricos fazem avançar o estilo barroco até meados do século XVIII, com sua derivação rococó ou rocaille, cuja graciosidade requintada de formas sinuosas e assimétricas pode ser vista como um processo natural de desenvolvimento do século anterior. O período barroco faz parte do período moderno, que é um período de transição, ou seja, existe uma coexistência de ideias que estão mudando á todo momento. O que aconteceu no período barroco foi, na verdade, uma reorganização, pois como estavam ao caminho do mundo contemporâneo, que era o novo, o desconhecido, as ideias não estavam muito bem formadas. O resultado disso foi a presença de duas formas de pensamento diferentes coexistindo ao mesmo tempo: o idealismo e o materialismo. Essas duas formas de pensamento sempre atravessaram toda a história da filosofia, porém quase nunca apareceram de forma concomitante como aparecem no período barroco. Isso faz com que as características dualistas do período se fortaleçam. Enquanto o idealismo pregava a subjetividade como fundamento do conhecimento, afirmando nossas emoções e pensamentos e tendo como argumento principal o fato de que a matéria só existe a partir do momento que é concebida pelo pensamento humano, o materialismo pregava a objetividade, colocando a matéria como ponto principal, tendo como argumento o fato de que os fenômenos e a consciência existem como resultado de interações entre minúsculas partículas. O Barroco foi o estilo de arte que predominou durante todo o século 17 e parte do século 18. O estilo é bastante dramático e coincide com a Contra Reforma da Igreja Católica. Na tentativa de aproximar os fiéis da Igreja, propunha uma arte que trouxesse uma devoção cada vez maior. A pintura é o maior destaque do período, com um grande realismo e tons escuros para enfatizar essa dramaticidade. A Arte profana também se desenvolve bastante, especialmente nos retratos, uma vez que a Europa protestante não utilizava as imagens de santos. A moda, ou a forma como nos vestimos, está totalmente ligada à cultura e ao tempo histórico. O conceito de moda só aparece efetivamente no século 15 com a expressão da individualidade e o surgimento da burguesia. Antes disso, a história do vestuário está baseada em uma visão conservadora do mundo e no respeito às tradições. Durante séculos, os vestuários grego, egípcio e romano permaneceram imutáveis. Após o Renascimento, as mudanças são mais comuns, chegando ao século 20, em que cada década exprimia uma moda totalmente diferente da anterior. No Barroco, percebe-se a ostentação e corpos 37


cobertos com muitas roupas, pois o corpo ainda era um tabu. Neste texto, busca-se compreender a forma como as pessoas se vestiam no século 17 e como isso se refletia nas questões sociais, econômicas e religiosas Sugestão e vídeo: https://youtu.be/Wbb9P6dG5eg https://youtu.be/YcrWTd7DMRQ

Sobre A Divina Comédia, de Dante Alighieri: https://youtu.be/LT_-oLF-kIU

MOVIMENTOS FILOSÓFICOS Hermetismo ou hermeticismo é o estudo e prática da filosofia oculta e da magia associados a escritos atribuídos a Hermes Trismegisto, "Hermes Três-Vezes-Grande", uma deidade sincrética que combina aspectos do deus grego Hermes e do deus egípcio Thoth. Os escritos herméticos são uma coleção de 18 obras Gregas, e as principais são o Corpus Hermeticum e a Tábua de Esmeralda, as quais são tradicionalmente atribuídas a Hermes Trismegisto ("Hermes três vezes grande"). Estes escritos contêm os aspectos teórico e filosófico do Hermetismo em seu aspecto teosófico. O bizantino é marcado por uma outra coleção de obras herméticas, que também são relacionadas ao Hermes Trismegisto, e contêm uma tradição hermética popular a qual é composta essencialmente por escritos relacionados a astrologia, magia e Alquimia. Esta versão popular encontra sustentação ou base nos diálogos Herméticos, apesar dele se distanciar da magia. A prática da magia entretanto não está distante das praticas realizadas no antigo Egito, a qual em uma última análise é a fonte de todos os diálogos herméticos, pois o hermetismo lá floresceu, e portanto estabelece uma conexão entre as duas tradições Herméticas: filosófica e magia. O livro Caibalion foi escrito no final do século XIX por três iniciados que registraram as Sete Leis do Hermetismo. Não é um livro oriundo da era pré-cristã como se supõe. O hermetismo consiste, de forma sincrética, no estudo e prática da evolução e expansão da consciência humana até à Consciência divina, penetrando assim nos mais profundos mistérios da Criação, o que ficou conhecido como iniciação, iluminação ou senda no Oriente Os escritos mais importantes atribuídos a Hermes são a Tábua de Esmeralda e os textos do Corpus Hermeticum. Estas crenças tiveram influência na sabedoria oculta europeia, desde a Renascença, quando foram reavivadas por figuras como Giordano Bruno e Marsilio Ficino. A magia hermética passou por um renascimento no século XIX na Europa Ocidental, onde foi praticada por nomes como os envolvidos na Ordem Hermética do Amanhecer Dourado e Eliphas Levi. No século XX foi estudada por Aleister Crowley, entre outros. Sempre existiram muitas organizações que se intitularam de Sociedade, ou de Ordem Hermética, e também na atualidade. Muitas trazem ensinamentos autênticos, embora algumas atribuam o nome "hermética" a conceitos de grupos ou meras fantasias. Ordens herméticas que ficaram consagradas ao longo dos séculos foram a Ordem dos Cavaleiros Templários, a Maçonaria e a Ordem Rosacruz. Sugestão de video: https://youtu.be/QozeVgask_g

Humanismo é a filosofia moral que coloca os humanos como os principais numa escala de importância, no centro do mundo. É uma perspectiva comum a uma grande variedade de posturas éticas que atribuem a maior importância à dignidade, aspirações e capacidades humanas, particularmente a racionalidade. Embora a palavra possa ter diversos sentidos, o significado filosófico essencial destaca-se por contraposição ao apelo ao sobrenatural ou a uma autoridade superior. Desde o século XIX, o humanismo tem sido erroneamente associado ao anticlericalismo, onde na verdade se associa ao antropocentrismo renascentista e o laicismo dos filósofos iluministas. O termo 38


abrange diversos tipos de pensadores não teístas, o humanismo secular e uma das posturas de vida humanista. A primeira organização humanista no Brasil é a Organização Humanista Internacional, fundada sob posturas iluministas, se tornando os herdeiros do iluminismo histórico no país e sendo os responsáveis por desenvolver tal herança, tanto para essa quanto para as gerações seguintes. Os humanistas, como o nome indica, são mais empiristas e menos espirituais; são geralmente associados a cientistas e académicos, embora a filosofia não se limite a esses grupos. Têm preocupação com a ética e afirmam a dignidade do ser humano, recusando explicações transcendentais e preferindo o racionalismo. Geralmente são humanistas os deístas, panteístas, agnósticos, ignósticos ou ainda ateus. •

Humanismo cristão:o humanismo cristão, também chamado de religiosismo, é uma corrente em que a liberdade e o individualismo humanos são partes intrínsecas (naturais), ou pelo menos compatíveis com, a doutrina e a prática cristãs. É uma união filosófica de princípios cristãos e humanistas. Humanismo renascentista: o humanismo renascentista propõe o antropocentrismo. O antropocentrismo era a ideia de "o homem ser o centro do pensamento filosófico", ao contrário do teocentrismo, a ideia de "Deus no centro do pensamento filosófico". O antropocentrismo surgiu a partir do renascimento cultural. Humanismo positivista: o humanismo positivista comtiano afirma o ser humano e rejeita a teologia e a metafísica. A forma mais profunda e coerente do humanismo comtiano é sua vertente religiosa, ou seja, a Religião da Humanidade, que propõe a substituição moral, filosófica, política e epistemológica das entidades supranaturais (os deuses ou as entidades abstratas da metafísica) pela concepção de Humanidade. Além disso, afirma a historicidade do ser humano e a necessidade de uma percepção totalizante do homem, ou seja, que o perceba como afetivo, racional e prático ao mesmo tempo. Humanismo logosófico: o humanismo logosófico propõe, ao ser humano, a realização de um processo de evolução que o leve a superar suas qualidades até alcançar a excelência de sua condição humana. González Pecotche afirma que o humanismo logosófico "parte do próprio ser sensível e pensante, que busca consumar, dentro de si, o processo evolutivo que toda a humanidade deve seguir. Sua realização nesse sentido haverá, depois, de fazer, dele, um exemplo real daquilo que cada integrante da grande família humana pode alcançar". Humanismo marxista: o humanismo marxista é a linha interpretativa de textos de Karl Marx, geralmente oposta ao materialismo dialético de Friedrich Engels e de outras linhas de interpretação que entendem o marxismo como ciência da economia e da história. É baseado nos manuscritos da adolescência de Marx, nos quais ele critica o idealismo hegeliano que apresenta a história da Humanidade como realização do espírito. Para Marx, o Homem é antes de tudo parte da Natureza mas, diferentemente de Feuerbach, considera que o ser humano possui uma característica que lhe é particular, a consciência - que se manifesta como saber. Segundo Salvatore Puledda, em Interpretaciones del Humanismo, "através de sua atividade consciente o ser humano se objetiva no mundo natural, aproximando-o sempre mais de si, fazendo-o cada vez mais parecido com ele: o que antes era simples natureza, agora se transforma em um produto humano. Portanto, se o homem é um ser natural, a natureza é, por sua vez, natureza humanizada, ou seja, transformada conscientemente pelo homem." Humanismo universalista: o humanismo universalista do Movimento Humanista possui como um dos principais valores o de ser internacionalista, aspira uma nação humana universal, porém não quer um mundo uniforme, mas sim um mundo múltiplo, múltiplo em etnias, línguas e costumes; múltiplos nas crenças, no ateísmo e na religiosidade; o humanismo universalista não quer dirigentes nem chefes, nem ninguém que se sinta representante de nada. Outro valor de suma importância pertencente ao humanismo universalista é a não-violência ativa como meio de atuação no mundo. O fundador desta vertente humanista (Mario Rodrigues Luis Cobos) diz: "Nada acima do ser humano e nenhum humano abaixo de outro". Humanistas notórios: Giannozzo Manetti, Marsílio Ficino, Erasmo de Roterdão, Guilherme de Ockham, Carlos Bernardo González Pecotche, Francesco Petrarca, François Rabelais, Giovanni Pico della Mirandola, Thomas More, Andrea Alciato, Auguste Comte.

Sugestão de video: https://youtu.be/lHEFg2PcgyI

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O secularismo é o princípio da separação entre instituições governamentais e instituições religiosas. Em certo sentido, o secularismo pode afirmar o direito de ser livre do jugo do ensinamento religioso, bem como o direito à liberdade da imposição governamental de uma religião sobre o povo dentro de um estado que é neutro em matéria de crença. Em outro sentido, refere-se à visão de que as atividades humanas e as decisões, especialmente as políticas, devem ser imparciais em relação à influência religiosa. Alguns estudiosos argumentam que a própria ideia do secularismo tende a mudar. O secularismo desenha suas raízes intelectuais em filósofos gregos e romanos, como Marco Aurélio e Epicuro, polímatas medievais muçulmanos, como Averróis, pensadores iluministas, como Denis Diderot, Voltaire, Bento de Espinoza, John Locke, James Madison, Thomas Jefferson e Thomas Paine e livres-pensadores modernos, agnósticos e ateus, como Bertrand Russell e Robert Ingersoll. Os propósitos e argumentos em apoio ao secularismo variam amplamente. No laicismo europeu, temse argumentado que o secularismo é um movimento em direção à modernização, longe de valores religiosos tradicionais (também conhecido como "secularização"). Este tipo de secularismo, em nível social ou filosófico, tem frequentemente ocorrido, mantendo-se uma igreja oficial do Estado ou apoiando oficialmente uma religião. Nos Estados Unidos, alguns argumentam que o Estado secular tem servido, em uma maior medida, para proteger a religião da interferência governamental, enquanto o secularismo em um nível social é menos prevalente. Diferentes países, bem como diferentes movimentos políticos, apoiam o secularismo por razões variadas. Segundo o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, atualmente é feita a distinção entre secularismo e secularidade. Secularismo, segundo ele, é mais radical. Implica restringir a religião ao espaço privado exclusivamente. Já a secularidade supõe a permissão das expressões religiosas no espaço público como afirmação da própria liberdade de todos os cidadãos. Sugestão de video: https://youtu.be/yz73ODnhuYg

FONTES https://www.portaleducacao.com.br http://moysesteologia.blogspot.com http://www.ppe.uem.br TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. Trad. Jaci Maraschin – 4º Ed. São Paulo, ASTE, 2007 REALE-ANTISSERI, Giovanni, Dario. HISTÓRIA DA FILOSOFIA. São Paulo, Ed. Paulus, 2004, VV.2,3.

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