Revista
PRO BONO Direito e Acesso à Justiça
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Miguel Reale Jr.: “Advogado não é luxo” Acesso à Justiça e Direitos Humanos, Flavia Piovesan Pro Bono nos EUA Pro Bono ainda é uma escolha?
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EXPEDIENTE
SUMÁRIO
Editorial
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Artigo
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Acesso ao Direito e à Justiça Entrevista Distribuição Gratuita
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Advogado não é Luxo
Tiragem - 2.000 exemplares
Artigo Editor Chefe
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Acesso à Justiça, Direitos Humanos e Advocacia Pro Bono
João Paulo Charleaux Raissa Gradim
Entrevista
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Pro Bono nos EUA: Longe do Assistencialismo
Corpo Editorial Raissa Gradim
Artigo
Silvia Daskal
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Pro Bono ainda é uma escolha?
Marcos Fuchs Nadia Barros
Artigo
Camila Moura (estagiária)
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Advocacia Pro Bono: Enfrentando o Desafio da Falta de Acesso à Justiça
Diagramação/Editoração
Artigo
Ei Viu! Design e Comunicação
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Advocacia Pro Bono no Brasil: Breve Histórico
Impressão
Resenha
Gráfica Neoband
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“Para uma Revolução Democrática da Justiça” Depoimentos
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Amicus Pro Bono* Pessoa Jurídica O Instituto Pro Bono é uma organização sem fins lucrativos, qualificada como OSCIP (Organi-
Amicus Pro Bono Platinum
zação da Sociedade Civil de Interesse Público), fundada em 2001 que tem por missão contribuir para a ampliação do acesso à Justiça por meio do estímulo à prática da advocacia pro bono, da assessoria jurídica gratuita, da difusão do conhecimento jurídico e da conscientização dos profissionais do direito acerca da função
Amicus Pro Bono Aurum
social da advocacia.
A Fundação Ford é uma organização privada, sem fins lucrativos, criada em 1936 nos Estados
Amicus Pro Bono Argentum
Unidos para ser uma fonte de apoio a pessoas e instituições inovadoras em todo o mundo, comprometidas com a consolidação da democracia, a redução da pobreza e da injustiça social e com o desenvolvimento humano.
* O Amicus Pro Bono é um programa de contribuição mensal que permite às empresas e indivíduos contribuir mensalmente, garantindo a continuidade e a independência dos trabalhos desenvolvidos pelo Instituto Pro Bono. Saiba mais no site: http://www.probono.org.br/faca-parte/amicus-pro-bono
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EDITORIAL
Em 2011, com apoio da Fundação Ford, o Instituto Pro Bono iniciou um projeto que visava a melhoria do acesso à Justiça no Brasil. Havia a percepção de que vários atores trabalhavam o tema da advocacia de interesse público, porém não havia um diálogo colaborativo entre eles nem uma troca de experiências em ações positivas. núcleos de atendimento jurídico, que têm contribuído para O objetivo principal do projeto foi estabelecer uma relação
suprir essa demanda crescente. Essa angústia por um acesso
de qualidade que gerasse conhecimento e valor compartilha-
à Justiça mais digno encontra respaldo por parte de todos
do para todas as partes interessadas, contribuindo para que
Defensores Públicos, Procuradores da República, Promotores
boas práticas aliadas a bons resultados pudessem ser fomen-
e Advogados que participaram das discussões.
tados e melhor aproveitados, viabilizando o acesso à Justiça mais igualitário no Brasil.
Para contemplar esses debates promovidos pelo IPB entre dezembro de 2011 e setembro de 2012, estamos publicando
Para alcançar o objetivo proposto, realizamos diversos encon-
agora opiniões e entrevistas sobre o tema da advocacia de
tros, um seminário em São Paulo e mesas de debates nas ci-
interesse público. Os textos mostram dados alarmantes, críti-
dades de Belém do Pará, Porto Alegre e Vitória.
cas ao atual modelo de gestão do acesso à Justiça no Brasil, e algumas possibilidades de reduzir essa desigualdade.
Trouxemos para discussão pessoas que lidam em seu cotidiano com o tema proposto. Percebemos problemas similares
Reunimos nessa edição, textos de Flavia Piovesan, Raissa Gra-
nesses encontros: falta de defensores públicos para atendi-
dim, Oscar Vilhena Vieira, Frederico Almeida, João Paulo Al-
mento da demanda, qualidade do atendimento dos advoga-
tenfelder e a contribuição através de entrevistas de Miguel
dos dativos conveniados, Poder Judiciário sobrecarregado e
Reale Jr e Esther Lardent, fundadora e diretora executiva do
com pouca estrutura e desconhecimento da população so-
Pro Bono Institute em Washington -DC.
bre seus direitos. Agradecemos a todos que colaboraram com essa edição, e em Da mesma forma foi perceptível que algumas iniciativas têm
especial à Fundação Ford, nas pessoas de Denise Dora e da
funcionado, merecendo destaque o engajamento das Uni-
atual oficial de programas de direitos humanos, Letícia Osório.
versidades e dos estudantes de Direito em Belém, São Paulo e Porto Alegre, as clínicas legais, mutirões de cidadania e
Desejamos a todos uma boa leitura!
Marcos Fuchs Diretor Executivo do Instituto Pro Bono
Flavia Regina de Souza Oliveira Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Pro Bono
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ARTIGO
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esde a antiguidade, a questão do acesso à justiça para os pobres está presente. No Código de Hamurabi podemos encontrar as primeiras garantias que regulamentavam e impediam a opressão do fraco pelo forte, incentivando-o a procurar a instância judicial quando se sentisse oprimido. A problemática do acesso à justiça envolve diversas questões: políticas, econômicas, sociais e até mesmo morais. Há ainda a diferença entre o acesso à justiça - com j minúsculo-, como algo relativo ao acesso à proteção jurisdicional, ao mero direito de petição; e o acesso à Justiça – com j maiúsculo - na conotação de justo, como valor, como fundamento ético, como virtude. E mais, assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita não são sinônimas. A assistência judiciária é o patrocínio judicial da pretensão, o acesso formal ao Judiciário. A assistência jurídica é mais ampla e engloba a assistência judiciária, pois além da prestação de serviços jurídicos processuais abrange serviços consultivos e de orientação. Por fim, a justiça gratuita deve ser entendida como a gratuidade total das custas e despesas processuais. Nesse artigo o foco será o acesso à justiça e à assistência judiciária, pois o intuito não é adentrar nas questões filosóficas do tema e sim apresentar alguns números e dados concretos acerca da questão em nosso País. A Constituição Federal Brasileira de 1988 prevê assistência jurídica gratuita via poder público a todos aqueles que não podem arcar com os custos de um processo, mas na prática isso está longe de ser uma realidade. São várias as possíveis causas para que não esteja sendo possível universalizar o direito ao acesso à justiça em nosso País. Podemos destacar a falta de informação, a burocracia, o aumento da demanda, o modelo adotado para a prestação do serviço de assistência jurídica, dentre outros. No Brasil, a Defensoria Pública é a instituição incumbida da orientação jurídica e da defesa, em todos os graus, dos necessitados. No entanto, é possível que esta função seja realizada através da atuação de advogados particulares por meio de
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convênios firmados com a Defensoria. Desta forma, o modelo escolhido em nosso país para a prestação da assistência jurídica combina o chamado pela doutrina de sistema judicare e o sistema de advogado público. No primeiro sistema – judicare - a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei e os advogados particulares são pagos pelo Estado. O sistema de advogado público tem objetivo diverso do sistema judicare, reflete a vanguarda de uma “guerra contra a pobreza”, pois esses advogados seriam encarregados de promover os interesses dos pobres enquanto classe, empenhando grandes esforços para conscientizar as pessoas carentes de seus direitos e tornando-as desejosas de utilizar advogados para obtê-los. A Constituição Federal de 1988 alterou a noção de assistência judiciária para “assistência jurídica integral”, impondo a um órgão específico, autônomo, criado constitucionalmente, a função de orientação jurídica e defesa dos necessitados. Desta forma, tal como concebida pela Constituição Federal, a Defensoria Pública, enquanto instituição, tem a missão de promover o acesso à justiça e lutar pela efetividade dos direitos de grande parcela da população brasileira: os necessitados. A realidade é que mesmo assim grande parte da população brasileira continua a ter as portas do Poder Judiciário fechadas para seus interesses. Apresentamos a seguir alguns dados que contribuem para a visualização do cenário do acesso à justiça no País.
Defensorias Públicas Estaduais no País Atualmente todas as 27 unidades da Federação possuem uma Defensoria Pública Estadual, sendo a mais nova delas a de Santa Catarina, criada em 2012, após determinação do Supremo Tribunal Federal- STF. No entanto, quando olhamos mais de perto fica evidente o quanto o país está distante do ideal. São, atualmente, 5.294 defensores públicos estaduais, com disparidades gigantescas
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Estima-se uma população de beneficiários em potencial de pouco mais de 89 milhões de pessoas em todo país, obtendo uma média de um defensor público estadual para cada 16,8 mil brasileiros.
RR 38
AM 43
AP 110
CE 285
MA 76
PA 302
RN 40
PI 99
PB 306 PE 275
TO 97
AC 49 RO 43
AL 68 BA 196
MT 140
SE 100
DF 209 GO 75 MG 600 ES 163
MS 160 SP 500 PR 10 SC 0 RS 321
RJ 989
ESTADOS
QUANTIDADE DE DEFENSORES PÚBLICOS
RJ MG SP RS PB PA CE PE DF BA ES MS MT AP SE PI TO MA GO AL AC AM RO RN RR PR SC
989 600 500 321 306 302 285 275 209 196 163 160 140 110 100 99 97 76 75 68 49 43 43 40 38 10 0
Fonte: Migalhas
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“O acesso à justiça pode (...) ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.” Mauro Cappelletti e Bryant Garth de Estado para Estado. Enquanto o Rio de Janeiro tem 989 defensores, Paraná tem apenas 10 e Santa Catarina nenhum, pois ainda está em fase de implementação. Mas para saber se é possível a população ser efetivamente atendida, devemos considerar a quantidade de defensores em relação ao número potenciais usuários de seus serviços, ou seja, habitantes maiores de 10 anos com renda familiar de até 3 salários mínimos. Com base em dados do Censo de 2010, estima-se uma população de beneficiários em potencial de pouco mais de 89 milhões de pessoas em todo país, obtendo uma média de um defensor público estadual para cada 16,8 mil brasileiros. Quando avaliamos as médias por Estado os números são ainda piores. Além do mais, esta é uma análise simplificada, pois outros elementos também impactam e influenciam de forma decisiva a prestação de assistência jurídica aos necessitados, tais como: localização, qualidade do atendimento, dentre outros. A assistência judiciária sofreu grandes avanços, evoluiu junto com o direito pátrio e sua importância atravessou os séculos, sendo garantida nas mais diversas cartas constitucionais, fossem em tempos de ditadura, ou não. Contudo, não pode ser reconhecida como recurso único de acesso à justiça. E é nesse contexto que se pode destacar a prática pro bono. O Estado contemporâneo deve ser pressionado a reformular suas instituições jurídico-políticas e assim atender aos novos direitos, bem como às demandas dos novos sujeitos de direitos. Se o Estado assim não o fizer, corre o risco de não resolver a velha problemática - de não garantir a justiciabilidade de igual forma e a todos -, violando o direito humano de acesso à justiça. E, ao negar a efetivação de direito humano reconhecido, nos planos nacionais e internacionais, estará negando ao próprio Estado Democrático de Direito.
Raissa Gradim, advogada e coordenadora institucional do Instituto Pro Bono.
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Pro bono publico (ou apenas pro bono) é uma expressão latina, que significa “para o bem do povo”. O trabalho pro bono caracteriza-se como uma atividade gratuita e voluntária. O que diferencia o voluntariado da atividade pro bono, entretanto, é que esta é exercida com caráter e competências profissionais, mantendo, ainda assim, o fato de ser uma atividade não remunerada. Muito utilizado na área jurídica, o termo pro bono refere-se aos serviços jurídicos prestados gratuitamente para aqueles que são incapazes de arcar com os custos da contratação de um advogado.
O Estado de São Paulo como exemplo É o Estado mais populoso do País com 41,2 milhões de habitantes. Mais de 60% dos domicílios paulistas têm renda per capita de até R$ 914,00. Tem a terceira mais baixa proporção de defensor por habitante do país, ficando atrás apenas do Alagoas e Maranhão. São 500 defensores públicos em todo o Estado e 29,5 milhões de potenciais usuários, com uma proporção de 59 mil paulistas carentes para cada defensor. A Defensoria paulista está presente apenas em 23 dos 645 municípios que
compõem o Estado e depende de advogados de fora de seus quadros para atuar no restante do território, principalmente aqueles advindos do convênio firmado com a Ordem dos Advogados de São Paulo – OAB/SP. Em 2012, mais de 1,2 milhão de pessoas receberam assistência jurídica gratuita no Estado de São Paulo. Uma média de 100 mil/mês, 25 mil/semana ou 3 mil/dia. Em 2011, dos R$ 520 milhões gastos com acesso à justiça, advogados dativos da OAB/SP receberam mais de R$ 278 milhões.
Fonte: Instituto Pro Bono
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ENTREVISTA
Advogado não é Luxo
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iguel Reale Júnior, filho de um dos mais importantes juristas do nosso país, o professor Miguel Reale; tem currículo extenso e pouco comum: advogado, acadêmico, professor, político e escritor. É doutor e livre-docente pela Universidade de São Paulo e professor titular de Direito Penal desde 1988. Foi Ministro da Justiça na segunda gestão do Governo Fernando Henrique, Secretário de Segurança Pública de São Paulo durante o governo Montoro, Secretário da administração Covas, Presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos desde sua criação até 2001 e Presidente do PSDB. Homem de vida pública intensa, Reale Júnior é um jurista de aguçado senso crítico, destemido de confrontos e combates, os quais trava com coragem e nobreza, lutando diuturnamente por um Brasil ético com regras justas, destinadas a promover a igualdade social. Reale Jr., um dos fundadores e grande entusiasta do Instituto Pro Bono, nessa entrevista fala sobre o acesso à justiça no país, sobre o papel do advogado perante os conflitos da população mais carente e como esses profissionais podem fazer a diferença na vida dessas pessoas. Como o Sr. avalia o acesso à Justiça em nosso país? Nós temos no Brasil uma deficiência muito grave que é a ausência de assistência jurídica. Não apenas assistência judiciária, ou seja, aqueles que se encontram como partes num processo- seja cível, seja penal-, mas assistência jurídica no sentido de orientação prévia, que evitaria em grande parte a ida ao Poder Judiciário. Há uma imensa carência no atendimento e apoio àqueles que desconhecem seus próprios direitos. Há quem diga que ter um advogado é um luxo em nosso país, que não é um direito tão essencial como saúde, educação e moradia, por exemplo. O Sr. concorda com essa afirmação ou vê o acesso à Justiça como um direito humano essencial? Não conheço ninguém que diga que advogado é luxo. Esta afirmação é absolutamente absurda. O exercício dos direitos é
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sentido no cotidiano, no dia a dia, por todas as pessoas, das mais simples àquelas que têm um maior número de compromissos comerciais e financeiros. O advogado é essencial à administração da justiça, a própria Constituição Federal diz isso, porque ele não apenas é um representante da parte em juízo, mas também é um orientador, um consultor. O advogado, ao dar uma orientação ou revisar um contrato, evita problemas de ordem civil, tributária, comercial, etc. Qualquer pessoa que faça um contrato de locação precisa ter a assistência de um advogado para não se comprometer assumindo obrigações que não lhe competem na contratação de um aluguel, por exemplo. Portanto, o advogado é sempre essencial não só para conhecer seus direitos, mas para preservar os direitos do cotidiano, do dia a dia e das relações sociais. O Sr. poderia nos relatar algum caso que ilustre o impacto do acesso à Justiça - ou da falta dele - na vida das pessoas, principalmente das mais carentes? Não tem um caso só. Isso é normal, ocorre todos os dias e a toda hora! A ausência do advogado leva as pessoas a assumirem compromissos em que são vítimas de abusos da outra parte, admitem cumprimento de deveres que não lhes pertencem seja na compra de um veículo, no aluguel de uma casa, num empréstimo bancário ou numa separação de fato ou de direito. A ausência de uma orientação jurídica pode fazer com que o marido assuma uma responsabilidade de pagar pensão alimentícia acima do que seria o correto. Ou uma mulher, também sem orientação, pode não ter atendido efetivamente os alimentos necessários à manutenção da sua casa, junto aos seus filhos. Ainda há casos que requerem ações judiciais para exigir o que lhes é de direito, como para o acesso a medicamentos e tratamentos médicos. O Sr. relacionaria a dificuldade do acesso à Justiça pelos mais pobres com a falta de uma democracia sólida, participativa e efetiva? Existe relação entre estes dois assuntos?
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A democracia se tornaria mais sólida se houvesse assistência jurídica e judiciária mais satisfatória. Se houvesse mais advogados trabalhando em prol do acesso à Justiça pelos mais pobres. Não adianta ter declarações de direitos e consagrações desses direitos por diversas leis, se não há conhecimento e informação, nem condições para cobrar a efetividade desses direitos. As pessoas desconhecem seus direitos e quando sabem, muitas vezes, não têm meios nem informações para que possam exercer a pretensão de obtenção desses direitos. O Sr. foi ministro da Justiça, esteve no posto mais alto do Executivo dentro da área da Justiça. Como isso influenciou seu ponto de vista sobre o tema? Reduzir essas assimetrias é mais difícil do que parece? Não foi ser Ministro da Justiça que me sensibilizou. Antes mesmo de tomar posse no Ministério já existia uma atividade pessoal ligada à advocacia pro bono. Fui Ministro por dois meses, portanto não teve nenhum efeito sobre as convicções de ordem filosóficas jurídicas que eu tinha. É possível traçar um panorama de como o acesso à Justiça evoluiu ou não evoluiu na história do Brasil. Como estamos hoje em relação a esse assunto se compararmos com o passado? É muito difícil ter uma efetiva compreensão. O que importa dizer é que a Constituição Federal de 1988 cria e dá um grande destaque às Defensorias Públicas. Apesar dos atrasos e demoras, felizmente hoje todos os Estados brasileiros possuem Defensorias Públicas instaladas. Algumas ainda em formação incipiente, como é o caso de Santa Catarina. E muitas em situação deficitária, como ocorre em São Paulo. Houve em São Paulo um longo processo de resistência à criação da Defensoria, que acabou sendo criada apenas no governo do PSDB em 2006. E mesmo assim com muitas dificuldades que persistem até hoje. Eu creio que nós temos poucos defensores, apenas 500 para todo o Estado. Como consequência, o acesso à justiça acaba sendo complementado por via de convênios com a Ordem dos Advogados, por meio da atuação de advogados dativos, mas que são chamados para prestar apenas assessoria judiciária e não assessoria jurídica, que é muito importante. Nós temos também o importante trabalho de escritórios de voluntariado, como o da Faculdade de Direito São Francisco, do CA “XI de Agosto”, da Pontifícia Universidade Católica, do CA “22 de Agosto”,dentre outros. Mas mesmo assim é uma grande falha ainda a existência de poucos Defensores Públicos para o número de demandas existentes. E como seria um futuro ideal na questão do acesso à Justiça? Creio que a abertura de mais concursos públicos para contratação de Defensores Públicos, em primeiro lugar. E a liberação da prática da advocacia pro bono, para que advogados privados possam atuar de forma ativa para a mudança do cenário brasilei-
“Não é uma questão ética. O advogado que tem consciência do seu dever de atender alguém necessitado vai ser punido por falta de ética? Isso é um absurdo!” Miguel Reale Jr ro. A advocacia pro bono já vem realizando um papel muito importante de assessoria jurídica às entidades sem fins lucrativos do terceiro setor, mas é preciso mais. Não é uma questão ética. O advogado que tem consciência do seu dever de atender alguém necessitado vai ser punido por falta de ética? Isso é um absurdo! É simplesmente um problema de mercado, não é um problema ético. Ademais, não há concorrência, nem com os Defensores, nem com os advogados dativos que são conveniados com a OAB. São atividades complementares. Os advogados pro bono preenchem a necessidade dessas entidades de cunho assistencial que precisam de advogados para tratar de questões comerciais, tributárias ou trabalhistas, as quais não são atendidas nem pela Defensoria nem pelos dativos. Vejo como extremamente importante o trabalho realizado pelos nossos advogados voluntários registrados no IPB. Mas é essencial que a prática seja liberada também para o atendimento de pessoas físicas.
Por João Paulo Charleaux e Camila Moura
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omo compreender o acesso à justiça sob a perspectiva dos direitos humanos? Qual é o impacto do acesso à justiça na realização de direitos? Em que medida a advocacia pro bono é capaz de fortalecer o acesso à justiça em um contexto de profunda exclusão social? Proteger a dignidade e prevenir o sofrimento humano, a fim de que toda e qualquer pessoa seja tratada com igual consideração e profundo respeito, traduz a essência da luta por direitos humanos. Para Luigi Ferrajoli, os direitos humanos simbolizam a lei do mais fraco contra a lei do mais forte, na expressão de um contrapoder em face dos absolutismos, advenham do Estado, do setor privado ou mesmo da esfera doméstica. O “victim centric approach” é a fonte de inspiração que move a arquitetura protetiva dos direitos humanos -toda ela destinada a conferir a melhor e mais eficaz proteção
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às vítimas reais e potenciais de violação de direitos. Tendo em vista a historicidade dos direitos humanos e considerando a fixação de parâmetros protetivos mínimos afetos à dignidade humana, com destaque à Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Convenção Americana de Direitos Humanos, o acesso à justiça contempla três dimensões: a) o direito ao livre acesso à justiça (direito à proteção judicial); b) a garantia da independência judicial (direito de toda pessoa ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial); e c) o direito à prestação jurisdicional efetiva, na hipótese de
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violação a direitos (direito a remédios efetivos) Estas três dimensões devem ser conjugadas, mantendo uma relação de interdependência, condicionalidade e indissociabilidade. No Estado Democrático de Direito há o monopólio da função jurisdicional pelo Poder Judiciário, que, enquanto poder desarmado, tem a última palavra. Isto é, o direito à prestação jurisdicional efetiva requer a garantia da independência judicial, celebrando a prevalência do primado do direito, em detrimento do direito da força. Enfocar o direito ao acesso à justiça no Brasil demanda o desafio de enfrentar um cenário de marcada exclusão social. Para a Organização Mundial de Saúde: “A pobreza é a maior causa mortis do mundo. A pobreza dissemina sua influência destrutiva desde os primeiros estágios da vida humana, do momento da concepção ao momento da mor-
te”. Na esfera regional, a América Latina destaca-se como a região mais desigual do planeta. É no marco desta região que o Brasil ainda se distingue por ser a 6ª maior economia mundial com a 84ª posição no índice de desenvolvimento humano (IDH), que mensura a efetiva qualidade de vida da população, tendo por critério a expectativa de vida, a escolaridade, a renda per capita e a desigualdade de renda. Sob esta perspectiva, não está em foco a riqueza da economia do país, mas o modo pelo qual sua população exerce os direitos mais básicos. No caso brasileiro, a acentuada desigualdade social é o maior fator a justificar a frustrante 84ª posição do país no IDH – bem distante dos vizinhos Chile (44ª), Argentina (45ª) e Uruguai (48ª). Neste cenário extremamente excludente emergencial é avançar na concretização do acesso à justiça, porque pres-
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“O acesso à justiça é um direito humano em si mesmo, mas é também um direito de empoderamento, impactando o modo pelo qual os demais direitos são protegidos, como os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à saúde, à educação, ao trabalho, à seguridade social, ao meio ambiente, dentre outros.”
suposto para a realização de demais direitos e instrumento de distribuição de justiça e de efetiva proteção de direitos. Neste sentido, destacam-se 6 propostas: a) ampliar e democratizar o acesso ao poder Judiciário (no Brasil pesquisas apontam que apenas 30% da população tem acesso à justiça); b) reduzir a distância entre a população e o Poder Judiciário (o incipiente grau de provocação do poder Judiciário para demandas envolvendo a tutela dos direitos humanos no Brasil reflete um “estranhamento recíproco” entre a população e o Judiciário, tendo em vista que ambos apontam o distanciamento como um dos maiores obstáculos para a prestação jurisdicional); c) otimizar a litigância como uma estratégia jurídica-política de proteção dos direitos humanos (há que se ampliar a litigância orientada por casos emblemáticos de elevado impacto social, capaz de fomentar transformações sociais na esfera das políticas públicas e da reforma legislativa, com o intenso envolvimento dos movimentos sociais); d) democratizar os órgãos do poder Judiciário e fortalecer o controle social quanto à composição de seus órgãos de cúpula (relatório da ONU sobre independência judicial no Brasil registra forte preocupação com a composição do poder Judiciário brasileiro, formado, fundamentalmente, por pessoas brancas e do sexo masculino); e) sistematizar dados estatísticos visando aprimorar a prestação jurisdicional (demanda-se maior racionalização e planejamento do aparato jurisdicional, sendo essencial a elaboração de indicadores para avaliar o funcionamento da justiça e a eficácia da prestação jurisdicional); e f ) encorajar a aplicação dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos (há que se fomentar programas de capacitação de operadores do direito quanto à importância da implementação dos parâmetros protetivos internacionais afetos aos direitos humanos). O acesso à justiça é um direito humano em si mesmo,
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mas é também um direito de empoderamento, impactando o modo pelo qual os demais direitos são protegidos, como os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à saúde, à educação, ao trabalho, à seguridade social, ao meio ambiente, dentre outros. Ao ampliar e fortalecer o acesso à justiça por parte das populações mais vulneráveis, a advocacia pro bono presta uma extraordinária contribuição, tanto no resgate da função social da advocacia, como na efetiva proteção de direitos. Seu vértice maior tem sido a luta pelo direito a uma justiça mais acessível, independente, efetiva e democrática, sob a força emancipatória dos direitos humanos a debelar um contexto de extrema exclusão. Afinal, como lembra Habermas, os direitos humanos sempre surgiram da resistência contra o despotismo, a opressão e a humilhação, constituindo uma “utopia realista” na busca de uma sociedade justa.
Flavia Piovesan, professora doutora em Direitos Humanos e Direito Constitucional da PUC/SP e Procuradora do Estado de São Paulo.
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os Estados Unidos da América é comum advogados dedicarem parte de seu tempo à prática pro bono na defesa de interesses de pessoas e de grupos vulneráveis carentes de recursos. Estima-se que no ano as horas de trabalho pro bono ultrapassem a cifra de 5 milhões. A prática pro bono não é vista como caridade assistencialista, está arraigada na própria cultura profissional da advocacia norte-americana e assume um caráter de responsabilidade social no direito. Esther Lardent, filha de poloneses que se mudaram para os Estados Unidos na época da Segunda Guerra Mundial, é uma fervorosa ativista dos direitos civis. Durante seus anos de graduação na Universidade de Chicago trabalhou no escritório da faculdade e se tornou advogada de interesse público, trabalhando nas áreas de direito civil, pena de morte e para a população de baixa renda. Atuou como consultora jurídica e política da Fundação Ford na área de advocacia de interesse público. Entre os anos de 1977 e 1985, foi diretora fundadora de projeto de advogados voluntários da Ordem dos Advogados de Boston, um dos primeiros Estados a organizar programas de advocacia pro bono. Lá, trabalhou em uma pequena organização que representava os pobres em disputas de habitação, nas questões de deficientes e situações de violência doméstica. Em 1996, fundou o Pro Bono Institute. Iniciava-se uma nova forma de pensar, organizar e apoiar o trabalho pro bono dentro dos escritórios de advocacia norte americanos. Nessa entrevista, Esther Lardent nos conta como essa mudança na mentalidade contribuiu para a garantia de assistência jurídica aos desfavorecidos e outras instituições ou grupos incapazes nos Estados Unidos e revela a expansão do engajamento cívico de escritórios de advocacia e departamentos jurídicos corporativos, alcançando cada vez mais uma escala global.
Como e por que você se envolveu com a prática pro bono? Eu ingressei na Faculdade de Direito para me tornar advogada
na área de interesse público, mas logo percebi que a necessidade de serviços jurídicos excedia a minha capacidade individual de ajudar. Decidi então que usar meu tempo para envolver outras pessoas levaria a um número maior de beneficiados. Estou envolvida com a prática pro bono há muito tempo, inclusive administrando um projeto pro bono local, que busca cooperação nacional para iniciar e melhorar programas pro bono, recrutando ativamente advogados voluntários para cuidar de causas envolvendo a pena de morte.
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Quando foi a criação do Pro Bono Institute nos EUA? Como foi o começo? Foram enfrentadas dificuldades e obstáculos, quais? O Pro Bono Institute - PBI foi fundado em 1996 com o objetivo de estimular escritórios de advocacia, e eventualmente departamentos jurídicos, a praticarem pro bono, bem como atrair fontes de recursos para a prática. As dificuldades e os obstáculos evoluíram com o passar do tempo. Um dos maiores deles foi institucionalizar pro bono em grandes escritórios, isto é, integrar a prática aos objetivos, valores e cultura dos escritórios. Nós e vários de nossos apoiadores iniciais queríamos que os escritórios vissem pro bono como essencial para a atividade do escritório, e não como uma obrigação. Isso significou, e ainda significa, ter a adesão desde a alta direção do escritório até os associados. A próxima fase, que está começando a deslanchar agora, foi envolver os departamentos jurídicos na prática pro bono. Muitos estão em empresas que têm boa relação com escritórios de advocacia e organizações da sociedade civil, e não tiveram a mesma cultura pro bono que os escritórios. Na medida em que essas organizações aprendem a aprimorar seus relacionamentos, transformando-os em parcerias de qualidade, o movimento de Responsabilidade Social Empresarial- RSE se expande para incluir pro bono. Mais recentemente, estivemos trabalhando com escritórios para lidar com questões inesperadas como a recessão e o seu impacto nos escritórios de advocacia. O impacto foi dobrado nos escritórios que enfrentaram suas próprias turbulências organizacionais e financeiras, enquanto a procura por serviços jurídicos gratuitos aumentou, pois as pessoas tiveram problemas relacionados à recessão. Felizmente, os escritórios mantiveram seus programas pro bono com apenas uma pequena diminui-
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ção do trabalho nos últimos dois anos. E, ainda assim, demonstram desempenho superior ao de quando iniciamos a colher dados há mais de uma década atrás. Além disso, com a internacionalização cada vez maior dos escritórios, percebemos que eles têm tido mais interesse pelo trabalho pro bono global, e isso vem de seus próprios desafios. A cultura pro bono varia muito entre países, dependendo de seu histórico cultural e legal, desde países com nenhuma ou quase nenhuma tradição pro bono até aqueles que estão evoluindo, mas talvez limitados por barreiras legais ou poucos recursos e oportunidades. Qual a melhor definição de pro bono para você? Para o PBI, a definição de pro bono é melhor descrita no Law Firm Pro Bono Challenge®, que está detalhada na nossa publicação “What Counts?”. Basicamente, nós vemos pro bono como a prestação gratuita de serviços jurídicos para pessoas ou grupos com poucos recursos, ou grupos desfavorecidos ou para o interesse público. É uma definição que tem evoluído ao longo do tempo e continuará a evoluir conforme os advogados levam pro bono para novos estágios. Às vezes até mesmo escritórios e departamentos jurídicos com programas pro bono bem estabelecidos nos consultam para questionar se determinados projetos estão de acordo com a nossa definição, que se tornou conhecida como a regra para pro bono em grandes escritórios de advocacia. Qual impacto a prática pro bono teve no acesso à Justiça dos norte-americanos? Você poderia destacar os principais pontos? Embora ainda não haja uma avaliação abrangente sobre o impacto dos serviços pro bono, os escritórios de advocacia signatários do Law Firm Pro Bono Challenge® contribuem com quase 5
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milhões de horas de trabalho pro bono anualmente. A atuação pro bono também tem aumentado, o que proporcionou uma melhor compreensão assim como um aumento do financiamento público para advogados nos EUA. Por que você acha que a prática pro bono é tão aceita e estabelecida na cultura norte-americana? A tradição pro bono nos EUA se deve em parte à “lacuna da justiça”. Muitas pessoas que precisam de assistência jurídica não têm acesso a ela. Ademais, pro bono enquanto um valor fundamental, tem sido parte essencial das nossas regras éticas. Eu acho que os norte-americanos já têm incorporado o apreço pela justiça e pela proteção da justiça. Este é um dos princípios norteadores no qual o país foi fundado. A importância da justiça consta nos documentos de fundação do país e em inúmeros outros lugares. Também somos um país que acredita em ajudar aqueles que precisam. Há diversos exemplos, mas vendo a grande quantidade de ajuda de todos os tipos, jurídica ou de outra forma, que ocorreu após os ataques terroristas de 11 de Setembro ou do furacão Katrina, fica demonstrado o nosso comprometimento nesse sentido. Finalmente, apesar do estereótipo negativo com relação aos advogados, nós realmente acreditamos que a maioria dos que seguem a profissão tem o intuito de ajudar os outros, e isso se reflete no trabalho que fazem. O trabalho pro bono dá a oportunidade às pessoas que têm a sorte de se tornarem advogados de moldar, defender e melhorar o nosso sistema judiciário para o bem das pessoas a que servem. Como você vê a prática pro bono nos EUA atualmente? A recessão econômica mudou de alguma forma o trabalho pro bono nos escritórios? Como eu mencionei, nós vimos um leve declínio nos trabalhos pro bono dos escritórios de advocacia, mas nada muito assustador. O fato de os escritórios terem sido capazes de manter níveis recordes de horas pro bono enquanto lidavam com menos recursos e um aumento da demanda foi encorajador. Nós esperamos que com a ampla institucionalização do pro bono, não seja permitido que a prática enfraqueça, caso as condições não melhorem imediatamente. Os ajustes estão sendo feitos e a maior parte dos escritórios está focada em ser mais esperta, mais eficiente, usando parcerias para fazer mais com menos. Nós não estamos fora de perigo, mas nossos escritórios aprenderam como não entrar em pânico e como monitorar seus programas pro bono para garantir que permaneçam saudáveis e viáveis. Como você avalia a disseminação da prática pro bono ao redor do mundo e especialmente na América Latina? O PBI e o Latham & Watkins LLP estão se preparando para lançar a terceira versão de sua pesquisa global sobre pro bono. A última
“Para nós é perturbador ouvir que algumas pessoas podem pensar que pro bono é baseado apenas nos fins comerciais e usar este argumento para negar ajuda aos necessitados.”
versão cobre mais de 70 países em 6 continentes, ultrapassando e muito os 11 países pesquisados na primeira edição divulgada em 2005. Atualmente, o pro bono global é difícil de medir. Sabemos que os escritórios de advocacia e departamentos jurídicos norte-americanos e alguns britânicos estão se expandindo e procurando uma maior presença estrangeira, mas as culturas variam tanto de país para país que é difícil medir o progresso. Também o tipo de trabalho varia desde a assistência jurídica individual até o trabalho com governos para proteger direitos civis e fortalecer o Estado de Direito. Nos EUA, os escritórios têm suas próprias métricas, todavia elas estão longe de serem perfeitas, e por isso estamos trabalhando com a Deloitte Financial Advisory Services e com a Merck & Co. Inc. para desenvolver melhores formas de avaliar pro bono. Talvez com o tempo, conseguiremos monitorar pro bono em uma escala global. Uma das primeiras tarefas do Instituto Pro Bono foi superar a resistência da OAB acerca da prática pro bono. Após muita conversa, uma Resolução Pro Bono foi editada pela OAB/SP permitindo que advogados oferecessem assistência jurídica gratuita para associações sem fins lucrativos do terceiro setor. No entanto, o atendimento pro bono a indivíduos ainda é proibido. Você está familiarizada com essa situação brasileira? Qual sua opinião sobre essa questão local? Nós defendemos a possibilidade de advogados oferecerem pro bono onde quer que haja necessidade, o que eu acho seguro dizer que é em toda parte. A maioria dos países tem uma abordagem oposta à do Brasil, ao entender que oferecer serviços aos necessitados é uma questão ética e um dos maiores princípios éticos da profissão legal. Nós aplaudimos os esforços do Instituto Pro Bono para permitir que associações sem fins lucrativos tenham assistência pro bono e esperamos que isso levará ao fim da atual proibição de ajudar os indivíduos. No Brasil, alguns têm a concepção errada de que a prática pro bono pelos grandes escritórios de advocacia seria marketing e estratégia de captação de cliente. Este poderia ser um novo mito relacionado à prática pro bono? Cada vez mais nos EUA vemos os benefícios comerciais para
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os escritórios de advocacia advindos da prática pro bono, mas não é por isso que eles o fazem. Eles fazem trabalho pro bono porque querem fazer o bem, e frequentemente seus parceiros e grandes clientes querem fazer o mesmo. Acreditamos que o entendimento comum nos EUA é de que pro bono é sobre melhorar o sistema jurídico e aumentar o acesso à justiça, e nós esperamos que pro bono seja praticado pelos escritórios norte-americanos independentemente do impacto comercial. Se há qualquer indicação disso, eu acho que nós a percebemos quando os escritórios mantiveram seus programas pro bono mesmo com as perdas financeiras da recessão. Para nós é perturbador ouvir que algumas pessoas podem pensar que pro bono é baseado apenas nos fins comerciais e usar este argumento para negar ajuda aos necessitados. O que você recomendaria para uma mudança na prática de pro bono no Brasil? Os escritórios, advogados, departamentos jurídicos, juízes, promotores e estudantes de direito deveriam se engajar? Nós acolhemos e encorajamos o engajamento de todas as partes envolvidas (stakeholders) em todos os níveis. Escritórios de advocacia, departamentos jurídicos, tribunais, faculdades de direito, associações sem fins lucrativos, associações de assistência jurídica e qualquer outra parte relacionada deve estar envolvida na prática pro bono. Parte do sucesso que temos visto, até mesmo durante a recessão, foi baseado no aumento da participação de grupos que anteriormente tinham pequeno envolvimento. Nos EUA, nossas cortes e juízes se tornaram nossos mais novos aliados na luta pelo acesso à justiça. No último verão, trabalhamos para que a Conferência dos Chefes de Justiça (Conference of Chief Justices- CCJ) e a Conferência dos Administradores Estaduais de Tribunais de Justiça (Conference of State Court Administrators- COSCA) aprovassem
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“Nós defendemos a possibilidade de advogados oferecerem pro bono onde quer que haja necessidade, o que eu acho seguro dizer que é em toda parte.” uma resolução encorajando os Estados a remover as restrições nas jurisdições nas quais os advogados de departamentos jurídicos (in-house) poderiam trabalhar, mas não praticar pro bono. Essa resolução tem desde então possibilitado diversas ações dos Estados para reconsiderar suas regras práticas, resultando em várias alterações que ou relaxaram ou removeram completamente as restrições relativas aos advogados in-house. No início deste ano, trabalhamos com o departamento jurídico da Verizon Communications Inc. para remover as restrições da Virgínia, proporcionando um novo grupo de advogados que agora podem oferecer serviços jurídicos gratuitos no Estado. Esses são apenas alguns exemplos de como partes envolvidas não tradicionais têm sido capazes de impactar positivamente na promoção do acesso à justiça. Quando se tem uma rede de contatos completa de todas as partes envolvidas para promover pro bono, faz toda a diferença. A rede de contatos desenvolve parcerias, que por sua vez evoluem para projetos pro bono revolucionários. Acreditamos que pro bono é um trabalho de equipe cujo objetivo é garantir o acesso de todos à justiça.
Por Joan Cavalieri, Advogada.
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Pro Bono ainda é uma escolha? tersecção com sua área de atuação e que, portanto, podem ser parte do problema ou da solução (dependendo da forma em que se posicionem). Os advogados têm a possibilidade de contribuir para que o acesso à Justiça seja estendido à camada da população que dele necessita. Esta ação está na essência da atividade profissional dos advogados.
CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB
“Em todas as nações livres, os advogados se constituem na categoria de cidadãos que mais poder e autoridade exercem perante a sua sociedade.”
Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. Art. 3º O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos.
Ruy Barbosa Responsabilidade Social e Pro Bono
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prática pro bono é ao mesmo tempo um privilégio e um comprometimento. Privilégio porque traz inúmeros benefícios - tanto para aquele que faz quanto para aquele que recebe - e permite contribuir positivamente para a comunidade. Comprometimento, pois em um Estado Democrático de Direito a atuação do advogado é indispensável à administração da Justiça, o qual presta serviço público e exerce função social. Não se espera que advogados, escritórios de direito e departamentos jurídicos de empresas resolvam todos os problemas da sociedade, principalmente aqueles concernentes ao acesso à Justiça, nem que arquem com os custos que isso traria. O que se pretende é que reconheçam que o tema tem in-
Durante muito tempo, a responsabilidade foi vista como algo totalmente apartado da função social das empresas, que deveriam dedicar-se apenas à maximização dos lucros, gerando emprego e pagando impostos. Assim, acreditavam estar cumprindo sua contribuição à sociedade. Sua atuação social possuía caráter filantrópico, e era aplicada como caridade. Entendia-se que o Estado era o único responsável pelas ações sociais. Com o passar dos anos o conceito e a concepção de responsabilidade social empresarial mudaram. Temas como qualidade de vida, valorização do ser humano e respeito ao meio ambiente ficaram mais evidentes, e as ações sociais, tanto por parte das empresas como dos indivíduos, ganharam força e respeito. As empresas fazem parte da sociedade e recebem dela uma
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“licença social” para operar. Desta forma, o desafio que se coloca hoje para os dirigentes das organizações é de olhar para este novo contexto e definir estratégias para adaptação e evolução do seu negócio. Já que não existem negócios de sucesso em sociedades fracassadas, as empresas devem ser parte da mudança. As organizações cada vez mais estão sendo analisadas com relação à sua gestão responsável – que passou a ser critério de escolha do consumidor, condição importante para a concessão de crédito, dentre outros. Isso consolida uma demanda da sociedade: de que as organizações tenham uma visão mais abrangente, harmonizando prosperidade econômica, qualidade ambiental e desenvolvimento social. Todo modelo de negócio – sem exceção – tem impacto e é impactado pelos aspectos econômico, social e ambiental. Não importa o setor ou o tamanho da organização. As grandes empresas já têm tratado destes temas. Os escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas, por serem impactados e estarem na cadeia de valor das grandes empresas, também devem refletir sobre qual seria a melhor forma de se adaptar para evoluir e garantir a perenidade do seu negócio no médio e longo prazo. Existem duas formas de olhar para este tema. Um escritório de advocacia estará praticando a Responsabilidade Social se conseguir atuar em duas áreas distintas. Primeiro de forma interna, quando seus processos de seleção, contratação, remuneração, capacitação, governança, promoção e valorização do seu capital humano estiverem estruturados para gerar impactos positivos para todos os envolvidos. Afinal o capital humano é a maior interface interna de um escritório quanto a Responsabilidade Social do seu modelo de negócio. A segunda forma é externa e está relacionada a adotar uma causa social ou ambiental que está presente na sociedade e contribuir efetivamente para a garantia do direito, equilíbrio e equidade. Muitos são os temas a serem abordados quando dessa reflexão. Principalmente num País onde os direitos humanos são constitucionalmente garantidos, mas o acesso à Justiça con-
“As grandes empresas, clientes das bancas de advocacia de alto nível, esperam que os escritórios possuam políticas estruturadas e consistentes relacionadas às atividades pro bono e, não apenas, auxílios esporádicos e filantrópicos.” Josie Jardim, advogada, Diretora Jurídica para a América Latina da GE.
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“Apesar de normalmente pro bono vir da filantropia, devemos separar os dois de alguma maneira; os escritórios de advocacia que não estão muito maduros nessa prática normalmente pensam o pro bono como uma atividade de caridade voluntária que um sócio ou outro pode fazer.” Ana Beatriz Kesselring, advogada sócia do escritório Sales & Kesselring Advogados.
tinua a ser um privilégio de poucos. Assim, a prática da advocacia pro bono relacionada a uma determinada causa social é sem dúvida a forma externa mais relevante de atuação. Ela pode ser exercida principalmente junto às organizações da sociedade civil. Lembramos que cada dia mais, a sociedade tem se posicionado em relação a temas desafiadores, como as mudanças climáticas, as desigualdades sociais e os direitos humanos. Nesse contexto, as organizações têm sido chamadas a assumir uma gestão com responsabilidades cada vez mais estendidas. Desta forma, perguntamos: seria a prática pro bono ainda uma escolha? Em nossa reflexão, esta escolha impacta diretamente em um elemento chamado vantagem competitiva, pois aproximar o advogado das práticas para o acesso ao direito e equidade é fortalecê-lo nas suas atribuições mais nobres e práticas do exercício de sua profissão. Aproximá-lo da dura realidade de nossa sociedade também o fortalece. Mas acima de tudo, fortalece a sociedade em que o advogado, o escritório e o cliente estão diretamente envolvidos. E esta sociedade está cada vez mais atenta para identificar quem contribui para o seu fortalecimento.
Raissa Gradim, advogada e Coordenadora Institucional do Instituto Pro Bono. João Paulo Altenfelder, sócio da SEI Consultoria e professor convidado da Fundação Instituto de Administração – FIA, GVPEC da FGV e GIFE nos temas relacionados a Sustentabilidade Empresarial, Responsabilidade Social Corporativa e Gestão para Terceiro Setor.
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Advocacia Pro Bono: Enfrentando o Desafio da Falta de Acesso à Justiça
crédito: Elisângela Leite/Imagens do Povo
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prática da advocacia pro bono no Brasil se ancora em uma longa tradição de advocacia voluntária, originária do ideário liberal que conformou a profissão entre nós. A atuação voluntária de advogados nas chamadas ações de liberdade, que buscaram no Judiciário a libertação de escravos; a atuação de prestigiados advogados na defesa de presos políticos em nossos dois regimes de exceção do século XX; e a rotineira defesa de pessoas carentes por grandes nomes da advocacia brasileira, em todos os tempos, são sempre exemplos lembrados por aqueles que, ainda nos dias de hoje, defendem esse tipo de atuação. Porém, a introdução da concepção de advocacia pro bono no Brasil, no final da década de 1990, busca em outra tradição liberal — a norte-americana — a fundamentação para a renovação daquela tradição da advocacia brasileira de defesa gratuita de pessoas carentes. É prática comum, nos Estados Unidos, que advogados e escritórios de advocacia dispensem parte de seu tempo à ação voluntária de defesa e representação de interesses de pessoas e grupos carentes de recursos. Essa característica da cultura profissional da advocacia nos Estados Unidos tem
suas bases lançadas já na formação dos futuros advogados, que além do treinamento para as práticas mais diretamente relacionadas com o mundo dos negócios privados, são desde cedo estimulados à prática da advocacia pro bono em questões de interesse público, especialmente por meio das clínicas jurídicas das escolas de direito. Nesses termos, a concepção meramente assistencialista assume o caráter de uma cultura de responsabilidade social da advocacia. Contudo, a introdução da advocacia pro bono no Brasil, ainda que apenas renovasse uma longa tradição de advocacia voluntária já existente em nossa cultura profissional, enfrentou — e ainda enfrenta — uma série de dificuldades. A primeira delas tem a ver com os rígidos controles exercidos pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sobre a prática profissional, e que, preocupados em evitar o aviltamento da profissão e garantir patamares mínimos de dignidade profissional em um contexto de concorrência praticamente livre entre colegas, proíbem que o advogado preste serviços de forma gratuita. Há, por trás dessa posição da OAB, uma legítima preocupação com os riscos da concorrência desleal entre pares e da prática indesejada da captação de clientela. Nesse
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aspecto, no entanto, a OAB deve se sensibilizar para a importância de se ampliar e se diversificar os mecanismos de ampliação do acesso à justiça no Brasil, e estabelecer juntamente com as partes interessadas uma regulamentação capaz de prevenir os riscos indesejados e de orientar uma boa prática pro bono. Ainda assim, a atual regulamentação da prática pela OAB/ SP permite o assessoramento gratuito apenas a entidades do terceiro setor carentes de recursos financeiros para a contratação de serviços especializados de advocacia. Essa restrição gera potenciais positivos, mas tem também suas limitações. O principal potencial é o de que, a partir dessa regulação, organizações não governamentais ainda em desenvolvimento encontraram no movimento da advocacia pro bono um necessário e qualificado reforço jurídico às suas atividades, podendo assim confrontar uma das principais dificuldades enfrentadas no sentido da sobrevivência e da profissionalização no terceiro setor: a superação das barreiras formais e burocráticas para a constituição de pessoas jurídicas capacitadas a prestarem serviços relevantes à sociedade e a buscarem recursos financeiros para isso. Outro potencial decorrente da atual regulamentação da OAB/SP sobre a prática pro bono tem a ver com o desenvolvimento de uma expertise jurídica do terceiro setor. O atendimento jurídico gratuito nesta área do Direito tem canalizado, com sucesso, o conhecimento acumulado por advogados e escritórios em suas áreas originais de atuação, e gerado importantes recursos de apoio jurídico ao terceiro setor. Dessa forma, a atuação de assessoria jurídica ao terceiro setor tem impacto e difusão em escala certamente muito maior do que teria a advocacia pro bono voltada exclusivamente a indivíduos, pessoas físicas carentes de recursos financeiros. Resta aí, porém, um grande desafio a ser superado, e que vai muito além de se permitir ou não a advocacia pro bono como prestação de serviços a pessoas físicas. Esse dilema não é só um dilema da OAB ou da advocacia pro bono, mas da própria dinâmica de restrições e ampliação do acesso à justiça, em todo o mundo. As ondas do acesso à Justiça (assim nomeadas pelo clássico estudo comparativo de Mauro Cappelletti e Bryant Garth no chamado Projeto de Florença) se caracterizaram por sucessivas inovações na forma e no alcance das ações estatais e privadas voltadas para que se possibilitasse o maior acesso possível das pessoas aos mecanismos oficiais e alternativos de resolução pacífica de conflitos. Assim, partindo do assistencialismo liberal do Estado e da advocacia privada, voltado para indivíduos carentes em situação de extrema necessidade, vários países desenvolveram sistemas de acesso à justiça sofisticados e diversificados, que incluem formas estatais e não governamentais de oferta de serviços legais, como assessoria gratuita
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“(...) a OAB deve se sensibilizar para a importância de se ampliar e se diversificar os mecanismos de ampliação do acesso à justiça no Brasil, e estabelecer juntamente com as partes interessadas uma regulamentação capaz de prevenir os riscos indesejados e de orientar uma boa prática pro bono.”
a organizações sociais e pequenas empresas, escritórios privados financiados por fundações e pelo poder público, mediação, conciliação e arbitragem extrajudicial, além de diferentes tipos de defensorias públicas. Há, porém, uma variedade de arranjos entre esses modelos, feitos de maneiras diferentes em cada país — e, por isso mesmo, alcançando resultados diversos. Mesmo nos Estados Unidos, onde a prática pro bono é bastante difundida, a ausência de serviços estatais como a nossa defensoria pública, a fragilidade do sistema de proteção social e a carência de recursos agravada pela recente crise financeira, têm colocado a advocacia pro bono em uma situação bastante delicada. Escritórios privados e organizações sociais dedicadas à advocacia voluntária lutam para manter a sua atuação, ao mesmo tempo em que enfrentam as demandas crescentes, no que se refere ao acesso à Justiça, de uma sociedade ameaçada pelo desemprego e por conflitos étnicos e sociais mais ou menos explosivos. Por isso, é preciso mostrar à sociedade e ao Estado brasileiros que o esperado fortalecimento das defensorias públicas e todas as ações de informalização e agilização da justiça — caminhos já aceitos como necessários para enfrentamento do problema — não podem excluir a diversificação de serviços legais e a inovação de metodologias de resolução de conflitos, a fim de garantir aos cidadãos o seu direito fundamental de acesso à Justiça. * versão atualizada de artigo publicado no site Última Instância.
Frederico de Almeida, professor da Universidade São Judas Tadeu e coordenador de Graduação da DIREITO GV.
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Advocacia Pro Bono no Brasil: Breve Histórico
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primeiro registro da preocupação do Estado com a garantia do acesso à justiça no Brasil surge no Brasil Colonial. As Ordenações Filipinas, compilação jurídica sancionada por Filipe I em 1565 e impressa em 1603 no reinado de Filipe II, quando passou a ser devidamente observada, foi base do direito português, sendo vigente no Brasil até a entrada em vigor do Código Civil de 1916. Naquela época já havia a determinação expressa de que aquele que não possuísse condições materiais estaria isento das despesas do processo e, também, de que teria assegurada a designação de um advogado para atuar na causa sem qualquer custo. A prevalência dessa ideia foi reforçada pela criação do cargo “Advogado dos Pobres” no Brasil Império, assegurando que réus penais miseráveis tivessem seu direito de defesa exercido. O cargo era custeado pelo Poder Público e foi extinto em 1884. O direito (também considerado um princípio) de acesso à justiça é fundamental, de acordo com o qual é imperioso o acesso ao Judiciário e à prestação jurisdicional, e também à Justiça, aqui entendida como a não violação ou ameaça dos direitos. Para que seja efetivo é necessário não só um sistema judiciário estruturado, mas também a atuação dos agentes do direito, como os advogados, ou seja, aqueles que irão levar a demanda para apreciação e defender o direito do cidadão. A importância de garantir tal direito vem dos tempos do Brasil Colonial, quando o Estado trouxe para si essa responsabilidade. Mas, não obstante a atividade estatal, a sociedade civil, por meio de alguns indivíduos, deu início a movimentos para auxiliar o Estado. Durante o Brasil Império os abolicionistas foram os que deram início à prática da advocacia voluntária, solidária naquela época, não havia o conceito pro bono, inserido no Brasil por influência das bancas de escritórios norte-ameri-
canos na década de 90. Luiz Gama, nascido em 1830, filho de um fidalgo português e de uma escrava liberta, deu início à oferta de serviços desse caráter no Brasil. Vendido ilegalmente como escravo pelo próprio pai e alfabetizado por um amigo em uma fazenda era, também, advogado instruído. Foi ouvinte do curso de direito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), passando a advogar para diversos escra-
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vos em causas abolicionistas. Luiz Gama anunciava seus serviços em jornais, oferecia-se sem qualquer custo para defender causas de libertação dos escravos, e conseguiu libertar mais de 500 escravos, há quem fale em 1000. Ali nascia a oferta de advocacia solidária, voluntária, pro bono. Luiz Gama morreu em 1882, mas não estava sozinho: outros juristas renomados, como Ruy Barbosa, lutaram e trabalharam pela causa. Ruy Barbosa, um dos mais respeitados juristas e um dos intelectuais mais brilhantes do Brasil, que acompanhou a redação do Código Civil de 1916, praticou a advocacia pro bono em causas abolicionistas desde 1888. Um de seus mais conhecidos atos foi a queima de arquivos do governo, quando em 1889, após a abolição da escravatura, o Estado foi obrigado a indenizar os donos de escravos em diversas ações ajuizadas. Tal ordem teve por objetivo impedir que os donos dos escravos libertos não tivessem provas para instruir os processos, mas foi também muito criticado, uma
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vez que destruiu registros históricos importantíssimos da escravidão no Brasil. Ruy Barbosa é símbolo da luta contra restrição de liberdades civis e direitos fundamentais e em um de seus casos mais emblemáticos, atuou pro bono quando marinheiros se revoltaram contra a Marinha Brasileira, em razão de castigos físicos a eles impostos em evento conhecido como a Revolta das Chibatas. O Ministro da Marinha, então, manteve diversos marinheiros presos, e Ruy Barbosa fez um habeas corpus oral ao então presidente Marechal Hermes da Fonseca, para a liberdade imediata dos marinheiros, obtendo êxito. Foram diversos os juristas envolvidos em causas sociais e que ofereciam seus serviços jurídicos de forma gratuita a fim de ver – e fazer – garantido o direito de acesso à justiça. A ideia da função social da advocacia imperava. Prova disso é que o primeiro Estatuto da OAB, logo após sua criação, em 1930, expressava no artigo primeiro o dever do advoga-
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“A Ordem dos Advogados do Brasil quando de sua criação determinou a prestação de serviços gratuitos por advogados aos menos favorecidos. Hoje, no entanto, apesar de em seu atual Estatuto dispor que o advogado é indispensável à administração da justiça e que tem função social, proíbe e pune os profissionais que cedem seus serviços com o intuito de ver um país melhor e mais justo.”
do em defender os mais pobres. Diferentemente de hoje, àquela época, o entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil era de que caberia aos advogados particulares prover a assistência jurídica, afinal o advogado é elemento indispensável para o acesso à justiça. O direito de acesso à justiça tornou-se, então, constitucional, quando foi incluído na Carta Constitucional de 1934, que dispôs expressamente que o Estado deveria fornecer assistência jurídica a todos. Em 1936, atuando de forma pro bono, o advogado Sobral Pinto, um dos mais célebres advogados brasileiros e defensor dos direitos humanos, defendeu os líderes comunistas Luiz Carlos Prestes e Harry Berger (neste caso, curiosamente usou a Lei de Proteção dos Animais para evitar a tortura), a fim de livrá-los das condições desumanas que passavam na prisão. Nos anos 50, foram criadas algumas estruturas de assistência jurídica nos estados do Brasil, em razão de uma lei federal que determinava ao Estado prover assistência jurídica gratuita àqueles que não poderiam pagá-la sem o prejuízo de seu próprio sustento. Foi quando em São Paulo uma estrutura foi criada, em 1954, em parceria com a Procuradoria do Estado. Santa Catarina foi o único estado do Brasil que ficou sem a criação de uma estrutura voltada para a assistência judiciária. Concomitantemente, o MST e os Sindicatos também criaram seus próprios núcleos jurídicos. Durante o regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, pôde-se vislumbrar uma experiência de mobilização de interesse público. Após a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI5) em 1968 advogados passaram a defender gratuitamente os presos políticos. Em 1973, foi fundada a Comissão de Justiça e Paz de São
Paulo sob os auspícios de Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, sendo composta por jovens advogados de matiz católica progressista, como José Carlos Dias, José Gregori, Dalmo Dallari e Fábio Konder Comparato. José Carlos Dias se notabilizou neste período pela defesa de centenas de presos políticos no âmbito da Justiça Militar. O acesso à justiça foi posteriormente consolidado na nossa atual Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, LXXIV, o qual prevê que o Estado proverá assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem insuficiência de recursos, no artigo 5º, XXXV, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça a direito, isto é, não podem ser criados obstáculos para o acesso à justiça. E, também, na determinação da criação das Defensorias Públicas por cada Ente Federativo e o advogado considerado essencial para a administração da justiça (art. 133). Após a determinação Constitucional, apesar da demora e do número insuficiente de servidores, foram criadas as Defensorias Públicas em todos os Estados do País. São Paulo levou dezesseis anos para estabelecê-la, o que finalmente aconteceu em 2005. E Santa Catarina foi o último a cumprir com a sua obrigação de estabelecer uma Defensoria Pública, apenas no final do ano passado. Lembrando que de acordo com a legislação brasileira, uma pessoa é considerada pobre para que tenha direito a serviços de assistência jurídica gratuita se a família aferir por mês uma renda inferior a três salários mínimos. A Ordem dos Advogados do Brasil quando de sua criação determinou a prestação de serviços gratuitos por advogados aos menos favorecidos. Hoje, no entanto, apesar de em seu atual Estatuto dispor que o advogado é indispensável à administração da justiça e que tem função social, proíbe e pune os profissionais que cedem seus serviços com o intuito de ver um país melhor e mais justo. No ano de 2002, foi editada a Resolução Pro Bono da OAB Seccional de São Paulo, que mudou um pouco o rumo dessa história, passando a autorizar a prática pro bono para entidades sem fins lucrativos do terceiro setor comprovadamente carentes. O Estado de Alagoas em 2008 editou resolução semelhante. E assim é até hoje: a prática pro bono é regulamentada apenas nos Estados de São Paulo e Alagoas e prevê como beneficiários tão somente ONGs carentes, ficando absolutamente excluída a possibilidade do atendimento jurídico gratuito de pessoas físicas.
Oscar V ilhena V ieira, professor pós-doutor de Direito Constitucional da Direito GV e Diretor da Direito GV.
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RESENHA
“Sem Direitos de Cidadania Efetivos a Democracia é uma Ditadura Mal Disfarçada”
O
livro Para uma revolução democrática da justiça, publicado no Brasil pela Editora Cortez, discute a reinvenção das bases teóricas, práticas e políticas do direito e teve como base uma palestra sobre a democratização do acesso à justiça, realizada em Brasília há cinco anos. Segundo o autor, embora herdeiros de auspiciosas promessas da modernidade, como igualdade, liberdade e fraternidade, enfrentamos indicadores gritantes de desigualdade, exclusão social e degradação ecológica. Por essa razão, lutamos por um direito e uma justiça mais democráticos. No entanto, essa luta deveria ser permeada por uma nova atitude, o novo senso comum jurídico, o qual adotaria como premissas: uma crítica ao monopólio estatal e científico do direito, sua repolitização e a ampliação de sua compreensão enquanto princípio e instrumento universal da transformação social politicamente legitimada. Trata-se de um deslocamento do olhar da classe jurídica para a prática de grupos socialmente oprimidos, que em sua luta recorrem a formas de direito como um instrumento de oposição a problemas como a exclusão e a discriminação. Para Boaventura de Sousa Santos, a questão do direito enquanto algo emancipatório só pode ser respondida no âmbito de uma revolução democrática da justiça. Exercendo há muito uma função crucial na regulação das sociedades, seria este o momento de o Direito questionar sua contribuição para uma sociedade mais justa. O Direito deveria atingir o chamado campo contra-hegemônico, tornando-se instrumento reivindicatório dos cidadãos mais
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“É a procura daqueles cidadãos que têm consciência dos seus direitos, mas que se sentem totalmente impotentes para os reivindicar quando são violados. Não é a filantropia, nem a caridade das organizações não governamentais que procuram; apenas reivindicam os seus direitos. Ficam totalmente desalentados sempre que entram no sistema judicial, sempre que contatam com as autoridades, que os esmagam pela sua linguagem esotérica, pela sua presença arrogante, pela sua maneira cerimonial de vestir, pelos seus edifícios esmagadores, pelas suas labirínticas secretarias etc. Esses cidadãos intimidados e impotentes são detentores de uma procura invisibilizada.”
conscientes de seus direitos, que percebem o direito e os tribunais como instrumento para reivindicar suas “justas aspirações a serem incluídos no contrato social”. Admitindo que seja possível, a revolução democrática da justiça se dará, na concepção que propõe, de modo que “o acesso irá mudar a justiça a que se tem acesso”. Um sistema de transformação recíproca, jurídico-política não significará somente uma alteração na celeridade, mas também uma ampliação da responsabilidade social, da qualidade da justiça então praticada. Entre os instrumentos de promoção do acesso à Justiça analisados na obra está a chamada advocacia popular, pautada pelo vínculo de compromisso além do profissional, que leva o advogado a assumir o caso como causa e projeto próprio, buscando uma formação politica aliada às lutas populares como consequência de sua aproximação concreta com a injustiça. Situando-se em prol desse campo contra-hegemônico, o advogado irá atender uma agenda de ação social ampla e variada, que, para o autor, pode se dar para além dos limites do direito oficial moderno, articulando mobilização jurídica e política, e recorrendo a diversas escalas de legalidade em inclusivas alianças translocais e transnacionais. Desse modo, com propostas extremamente desafiadoras e uma densidade teórica cativante, Boaventura de Sousa Santos propõe esse novo senso comum jurídico, em que o direito se proclama e efetiva enquanto importante veículo da transformação social politicamente legitimada que o Instituto Pro Bono tanto almeja.
“(...) trata-se de um circuito de aprendizagem recíproca em que a mobilização do direito atua a serviço da transformação social e a mobilização social transforma os pressupostos de atuação da prática jurídica.”
Nadia Barros, mestranda em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades na FFLCH/USP e caloura da Faculdade de Direito
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Depoimentos
O
trabalho pro bono impacta positivamente a vida de pessoas, grupos comunitários, organizações sem fins lucrativos, enfim, a comunidade como um todo, oferecendo soluções para problemas e ajudando aqueles em necessidade. No entanto, pro bono traz benefícios também para aqueles que se comprometem com a sua prática: estudantes de Direito, advogados, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas. Os benefícios da prática pro bono são tanto pessoais quanto profissionais. Aqueles que se dedicam ao trabalho pro bono desfrutam de um verdadeiro sentimento de satisfação, bem como têm oportunidades de networking e perspectivas de desenvolvimento da carreira. E mais importante ainda: pro bono contribui para que o princípio fundamental de acesso à justiça para todos seja observado. O profissional do direito, desde a sua formação, tem na advocacia pro bono a oportunidade para uma excelente experiência à prática jurídica. E para o advogado experiente, atuar na promoção da cidadania como exercício de sua rotina profissional é motivo, também, de contentamento pessoal. Além do mais, pro bono possibilita que o advogado lide com assuntos e pessoas absolutamente incomuns ao seu cotidiano, permitindo que o profissional desenvolva habilidades que não seriam estimuladas no seu ambiente de trabalho comum. Nos casos de escritórios de direito e empresas, a escolha pelo voluntariado tem como uma de suas funções principais reforçar o vínculo do colaborador com a empresa, unindo-os na visão comum dos valores e da cultura empresarial.
“O trabalho voluntário é fundamental na for-
mação de um bom advogado. Para ser um bom opera-
Pesquisa revela alguns benefícios que programas pro bono podem trazer para as empresas e seus empregados. 1- Funcionários que fazem pro bono aumentam sua visibilidade e sua capacidade de comunicação. Gestores melhoram suas habilidades de liderança e apresentação de competências e a empresa melhora a construção da marca, as relações com a comunidade, o desenvolvimento e a retenção de funcionários. 2- 3 principais razões que levam os funcionários a participar da prática pro bono são: servir a comunidade; satisfação pessoal; e ajudar a apoiar a imagem da empresa e reputação na comunidade. 3- É importante que as empresas tenham programas pro bono para: melhorar a saúde e o bem-estar da comunidade; melhorar a imagem da empresa e reputação na comunidade; criar novas relações comunitárias; e melhorar a imagem da empresa e reputação entre os funcionários. 4- Outros benefícios apontados: obter mais funcionários envolvidos na comunidade é uma forma de construir cultura e valores dentro da empresa; pro bono beneficia os empregados, a empresa e a comunidade; o objetivo do pro bono é apoiar e incentivar o negócio e o envolvimento pessoal na comunidade para benefício mútuo, e pro bono é uma ferramenta de desenvolvimento profissional eficaz e barata.
dor do Direito, urge conhecer a realidade em todos os estratos sociais, buscar contato pessoal com pessoas e
Fonte: LBG Associates
conhecer suas rotinas. Ser socialmente responsável e conhecedor da realidade sócio política do país é condição sine qua non para o exercício da Advocacia. Carlos Miguel Aidar, sócio do Aidar SBZ Advogados, ex-presidente da Seccional da OAB de São Paulo.
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Sempre tive uma ideia do termo “acesso à justiça” muito pragmática, como imagino ser a de muitos colegas. O Brasil, pensava eu, tem muitos mecanismos que permitem o acesso à justiça por parte de todos, como a Lei 1.060, os Juizados Especiais e a forma simples de se ingressar com uma ação na Justiça do TraA Grandeza da Defesa
balho. Contamos ainda com a Defensoria Pública, o convênio com a OAB e Faculdades, enfim, só não tem
Construtiva! Assim percebo a defesa pública.
acesso quem não quer.
Em experiência realizada na Defensoria Pública do
Ocorre que percebi o engano de avaliação que cometi.
Rio Grande do Sul como advogado voluntário, pude
Por meio de trabalhos voluntários junto a comunida-
mergulhar na sofrível realidade de pessoas desti-
des carentes (seja nos mutirões organizados pelo IPB,
tuídas de tudo. São órfãos em todos os aspectos
seja por outras associações) percebi que estamos mui-
sociais, com família e Estado ausentes, denotando
to longe de um real acesso à Justiça pela população
carência de instrução, econômica, direitos de perso-
que realmente dela necessita. Acesso à Justiça, aprendi,
nalidade, e tantos mais.
envolve primeiro a educação da população e desenvol-
É construtiva, pois busca ao amadurecimento deste
vimento de um sentimento de cidadania nas pessoas.
Estado Democrático e Social de Direito; visão mais
Como podemos falar em “Justiça” e “acesso” se antes de
ampla do que a hermética praticada pelos órgãos
tudo a pessoa não tem nem ideia de seus direitos mais
repressores e julgadores, por vezes. O Direito só será
básicos de cidadão?
justo quando for de todos. E esse me parece ser o
Temos, ainda, o desconhecimento da maioria de como
caminho, tanto da defesa pública quanto da atua-
funciona o Poder Judiciário, bem como de que sua
ção pro bono.
função primordial é proteger seus direitos e não servir Luciano Lessa, 37 anos, Advogado
apenas como um órgão estatal cuja função é apenas condenar pobres. Não há procura à Justiça, pois há desconhecimento e medo dela pela maioria da população. Ou seja, não adianta em nada medidas que aparentemente tornam o acesso à justiça mais simples – como advogados a disposição, isenção de custas, aparelhamento de órgãos etc – se as trevas da ignorância não forem afastadas. Só assim começaremos a realmente falar em Justiça e seu acesso. Marcelo Palma Marafon, 34 anos, Advogado
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Trabalho como voluntário numa ONG em
Achei que só quando estivesse formada eu poderia
SP e realizamos alguns esclarecimentos, encaminha-
realizar pro bono de uma forma mais direta e efeti-
mentos e orientações sobre questões jurídicas e de
va, mas me enganei!
cidadania em geral. Muitos são os casos que poderia citar, com grande
Tivemos um caso no escritório que estava
emoção em alguns, para mostrar que um simples es-
pendente há um bom tempo, de um morador de uma
clarecimento e orientação de um profissional do Di-
cidade do interior de Minas Gerais que o município in-
reito pode, sem dúvida alguma, trazer esperança e luz
devidamente bloqueou todo o dinheiro que ele tinha
à vida de pessoas que sofrem pela falta de amparo,
na conta. Meu chefe me entregou esse caso para que
fraternidade e responsabilidade social.
eu tomasse todas as providências judiciais cabíveis
Ao longo dos últimos anos foram casos de benefícios
para o presente caso, resumidamente após várias di-
do INSS para crianças com necessidades especiais
ligências, despachos e petições conseguimos desblo-
que estavam abandonadas, apoio para que ex-deten-
quear o valor e ele teve seu salário de volta.
tos buscassem quitar suas sentenças e seguir em fren-
Quando lhe dei a notícia pessoalmente retirando a
te para reconstruir uma vida em família, documentos
guia no fórum, consegui sentir a sua alegria naquele
a pessoas que já nem acreditavam mais ter direitos e
momento, a justiça que parecia tão inatingível havia
tinham medo de sair de casa. Enfim, são momentos
ido ao encontro daquele homem. Dois dias após fui
em que sentimos o real valor de nossa profissão, de
surpreendida com algo que tornaria aquele processo
nossa responsabilidade para com o próximo.
e os acontecimentos anteriores ainda mais inesquecí-
Abraços.
veis. Ele todo feliz e tímido veio direto da roça me dar
Paulo H. Batimarchi, 32 anos, Advogado
um presente, então quando abro é um pacote, que ele mesmo embrulhou, com um queijo e uma goiabada. Foi emocionante! A alegria dele me fez valer a semana toda! É nessa hora que ganho ânimo para terminar a faculdade e exercer a advocacia. É nessa hora que o Direito vale a pena! Pro Bono ultrapassa o conceito do dever do advogado na sociedade conseguindo atingir o conceito de acesso à justiça para todos. Jhéssika Fernanda, 23 anos, Estudante da Faculdade de Direito São Bernardo do Campo.
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Na época da faculdade, fazia estágio não re-
munerado na Defensoria Pública de Teresópolis - RJ, e lá lidava com problemas bem semelhantes aos que me são trazidos nos mutirões, o que só me faz crer que o tempo passa, mas o governo infelizmente não conseguiu dar aos cidadãos o acalanto aos seus problemas. Certa vez apareceu o caso onde a senhora que não foi atendida pela Defensoria, pois alegavam que ela não
Meu nome é Karina, sou estudante de Direito,
tinha direito. Segundo a Justiça Federal, ela poderia de
3º semestre, na Faculdade de Direito da Universidade
próprio punho fazer sua petição. Então, numa letra de
Presbiteriana Mackenzie e participo de alguns projetos,
forma mal escrita, ela fez sua petição, em termos “do
como o Mackvoluntário da Faculdade de Direito e o
povo”. Reuni os documentos e assim, ela foi ao Juizado
NAJ (Nucleo de Acesso à Justiça) do nosso Centro Aca-
Especial fazer seu pedido. Não tive mais notícias desta
dêmico.
senhora, mas ela disse que se algo desse errado voltaria
Com projetos como o pro bono é que podemos exercer
para entrar na Justiça comigo.
a cidadania, auxiliando as pessoas a buscarem a Justiça.
O atendimento individual pode se tornar constrange-
Nada é mais gratificante do que ver um sorriso no ros-
dor, ao passo que negar acesso ajuda a pessoa que in-
to das pessoas após a conversa, após a orientação, um
dubitavelmente precise fique parecendo ato egoísta e
‘muito obrigado’, um ‘agora está mais claro’... Isso é sim
até antipático do profissional.
uma gratificação enorme, um sentimento de quem
Assim, eu entendo que os mutirões Pro Bono, onde se
cumpriu com a sua missão aqui na Terra.
esteja claro que a pretensão dos voluntários ali pre-
Como no Brasil é complicado o cumprimento ao prin-
sentes é de somente esclarecer, prestar informações e
cípio do acesso à justiça, nada mais certo que pessoas
direcionar o cidadão ao local correto de atendimento
interessadas se unam para ajudar as outras, para tentar
gratuito seja a melhor opção.
fornecer esse acesso, eximindo a imagem que as pesso-
Atualmente, além dos mutirões do Instituto Pro Bono,
as têm dos juristas e da Justiça no Brasil.
ministro palestra em instituições de ensino que tratam
Somente com muita vontade, com muito apoio, com
de crianças com necessidades especiais com o tema
muita força de vontade, os grupos, as ONG’s interessadas,
“Interdição de Incapazes - aspectos jurídicos, sociais,
os projetos vão para frente! E eu estou pronta para ir em
previdenciários e burocráticos”, trazendo aos pais de
frente, praticando advocacia pro bono, isto é, para o bem.
pessoas incapazes uma luz ao final do túnel em diver-
Nem com a força mais potente, nem com todo o di-
sas questões, já que o maior temor destes é o que será
nheiro do mundo farão com que eu mude de ideia,
feito de seus filhos no futuro.
pois a vida das outras pessoas que está em jogo, e nada
Cristiane Bellem, Advogada
é maior que este bem, nada é maior que um sorriso no rosto, nada é maior do que a vontade de vencer e a vontade de ir atrás do que é seu de direito. Contem comigo, estou dentro e sempre estarei! Karina Arce de Almeida Camargo, 20 anos, Estudante da Faculdade de Direito Mackenzie e Conciliadora no Juizado Especial Cível – Anexo Mackenzie - ME/EPP
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Os serviços prestados pelo Instituto Pro
Bono são de grande valia para a sociedade. Um Instituto voltado às necessidades, na área jurídica, a uma parte da população paulista. Prestam assistência jurídica, com o apoio de projetos sociais tirando dúvidas da população carente que precisam e não puderam, por algum motivo, buscar auxilio no Judiciário. Com o apoio de advogados formados e capacitados e um grupo de estudantes voluntários, que querem abraçar esta causa, todo ano vão ao encontro dessa minoria. É por uma causa justa, que o Instituto Pro Bono tem
se esforçado cada vez mais para ver seus objetivos
na Igreja Batista de Cajamar- SP e percebi que, mesmo
alcançados.
com todo o empenho de algumas instituições, o des-
Participei do Mutirão Pro Bono que para mim, funcio-
conhecimento da sociedade dos direitos humanos,
nou como uma grande ferramenta de aprendizagem
trabalhistas e principalmente sociais é muito grande.
em Direito.
Por mais que existam pessoas dispostas a ajudar, falta
Costumo divulgar esse trabalho entre os meus co-
credibilidade às pessoas, falta a vontade de combater
legas, um trabalho feito com muito amor e respon-
seus próprios medos.
sabilidade.
A impossibilidade da advocacia pro bono no Brasil
Parabéns IPB por essa grande façanha.
contribui e muito para a distância entre um cidadão
Maria Aparecida Alves de Souza Oliveira
Realizei recentemente algumas palestras
consciente e a ignorância pura. As filas gigantescas nas defensorias agravam essa situação. Presenciei inúmeros casos de pessoas que desistem, pelas inúmeras dificuldades de buscar seus direitos. Isso é inaceitável... Não acreditar na justiça e negar seus ideais e seus direitos, precisamos urgentemente mudar essa imagem. Acreditar no próximo e na justiça. Acreditar que a violência existe e que a impunidade não resistirá, que a justiça emana a voz das pessoas em sua essência mais pura. E que somos irmãos muito além do aspecto religioso, pois vivemos em um mundo igualitário, democrático e solidário. Rodrigo Marinho, 30 anos, Advogado
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O acesso à Justiça melhorou muito nos úl-
timos anos, mas há muito ainda a ser feito. O principal desafio é aumentar os quadros da defensoria pública e colocá-la na prática mais próxima das pessoas que necessitam do serviço. Uma das ideias seria, por exemplo, a presença da defensoria nos distritos policias para atuação imediata em caso de prisão em flagrante. Houve casos que gostaria de ter levado adiante, como quando um adolescente foi preso por tráfico de drogas sem que existisse qualquer comprovação de existência da droga; e o caso de outro que foi acusado de furto e recebeu da polícia uma bala na nuca, o que denota execução sumária. Em ambas as situações gostaria de ter atuado diretamente, denunciando a violação de direito praticadas contra os jovens. Infelizmente, em razão da resolução pro bono da OAB/ SP, há pouco a fazer, uma vez que é vedada atuação direta, mesmo em casos paradigmáticos. Dessa forma, o caminho é fomentar a prática pro bono nos escritórios de advocacia, de um lado, e trabalhar politicamente pelo fortalecimento da defensoria pública, de outro. Luiz Cintra, Advogado
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É com empenho e satisfação que apresentamos o resultado deste trabalho aos nossos parceiros, colaboradores, advogados e instituições que atuam em prol da questão social no Brasil. Através da leitura dos artigos, entrevistas e depoimentos publicados nesta revista, esperamos chamar sua atenção para o nosso trabalho e com isso colaborar para o fortalecimento da sociedade civil organizada e do acesso à Justiça. O Instituto Pro Bono trabalha para tornar legítima a prática da advocacia gratuita e voluntária para pessoas físicas, num país onde milhões de pessoas dependem de assistência jurídica para exercer integralmente os seus direitos e cidadania.
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