Ano 5 - Número 04 - 2013
Economia Solidária: Bases para a sua construção A principal estratégia da Ecosol é a solidariedade entre homens e mulheres Paul Singer
A experiência do Projeto Brasil Local - Economia Feminista Helena Bonumá
Rede de Cooperação Solidária como estratégia de expansão da liberdade pública e privada Euclides Mance
Revis
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ISSN 2178-8561
Editorial A
Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN - AACC/RN Rua Doutor Múcio Galvão, 449, Lagoa Seca Natal - RN - Cep: 59022-530 Telefone: 84.3211.6131/6415 E-mail: aaccrn@aaccrn.org.br Esta publicação foi realizada com apoio da Secretaria Nacional de Economia Solidária e Ministério do Trabalho e Emprego, através Projeto Brasil Local Nordeste I, coordenado pela Associação de Apoio às Comunidades do Campo - RN. Seu conteúdo não expressa necessariamente, a opinião das respectivas organizações. Ministério do Trabalho e Emprego Secretaria Nacional de Economia Solidária
Conselho Editorial
Marialda Moura da Silva Lidiane Freire de Jesus Janaina Henrique dos Santos Régia Cristian de Medeiros
Textos
Bethânia Lima Janaina Henrique dos Santos Juscilene Barbosa Lidiane Freire de Jesus Marialda Moura da Silva Maria Iranilza dos Santos Azevedo Maria Aparecida Ramos (colaboradora)
Revisão de textos
Bethânia Lima Janaina Henrique dos Santos Lidiane Freire de Jesus Luciara Andrade Marialda Moura da Silva
Fotografias
Ivi Aliana Carlos Dantas Jacinta Maria Aguiar Juscilene Barbosa Lidiane Freire de Jesus Marialda Moura da Silva Marina Zaneti Mance Walmira Penha
Projeto gráfico, diagramação e capa Waldelino Duarte
Impressão
Offset Gráfica
Tiragem
3000 exemplares
pós dois anos e meio sem a Revista Camponesa, estamos de volta. Nessa edição, o debate e as práticas em torno da temática “Economia Solidária: Bases para a sua construção”. Para aprofundamento do debate, temos o Prof. Paul Singer, Secretário Nacional da Economia Solidária que aborda diferentes aspectos relacionados ao fortalecimento da economia solidária no Brasil; contamos também com a importante contribuição de Helena Bonumá, coordenadora da Guayi, uma Organização Não Governamental do Rio Grande do Sul e que hoje coordena a articulação da Rede de Economia Solidária e Feminista no Brasil, no debate sobre economia solidária e economia feminista. Uma reflexão que se fortalece com questões fundamentais, levantadas pelo Prof. Euclides Mance da Universidade de Brasília que aprofunda aspectos importantes sobre a organização da economia solidária no contexto de Redes. Lidiane Freire da AACC/RN e Ivi Aliana Dantas do Centro Feminista 08 de Março, faz um balanço do Projeto Brasil Local, apresentando seus principais resultados. Juscilene Barbosa da Associação do Loreto no Maranhão, amplia o debate sobre Etnodesenvolvimento e seus fundamentos conceituais e históricos. Joaquim Apolinar Diniz, Agrônomo, faz uma abordagem sobre os diferentes ações de economia solidária desenvolvidas no Rio Grande do Norte com a participação da AACC/RN. Para finalizar a temática Marcos Leonez, membro da equipe do Projeto Economia Solidária RN e Marialda Moura da Silva Coordenadora Geral da AACC/RN apresentam o processo de organização do Banco Comunitário de Desenvolvimento Sustentável de São Miguel do Gostoso. Também foram entrevistadas algumas pessoas que participaram do Projeto Brasil Local Nordeste I através do Conselho Gestor, Fórum de Economia Solidária e da equipe do Projeto. Finalizamos a Revista, contando mais uma vez com o dom poético de Chico Morais de Parelhas com o “Sonho de Muitos”. Afinal, todos que elaboramos essa Revista, sonhamos com um mundo melhor para se viver e temos a economia solidária como um caminho para a construção desse mundo. Uma ótima leitura!!
s a i c í t No
endo acontec á r a t s e , de 2013 ial das e agosto a Marcha Mund a Ação d 1 3 e 5 d rio para do de 2 acional reparató articipação No perío ncontro Intern p o t n e oE ap om no Brasil O evento será m 2015 e aguarda ntes, mulheres a . s m ip e e r ic t a e ar ch é que Mulh l da Mar aioria de suas p s em Marcha at a n io c a intern do a m uiremo íses, sen ina. Seg de 50 pa da América Lat e es!! do Brasil mos livr ja e s s toda em Natal a Conferência Nos dias 22 e 23 de agosto será realizada entável Solidário, preparatória Estadual do Desenvolvimento Rural Sust de debate de fundamental para a Conferência Nacional. Um espaços públicas territoriais no Brasil. importância para o avanços das políticas O Conselho Nacional de Economia Solidária convoca empreendimentos da economia solidária, instituições de fomento e o poder público para participação na III Confe rência Nacional de Economia Solidária (CONAES) que será realiza da em Brasília, no período de 26 a 29 de novembro de 2014.
Nesta edição Entrevistas 04
A principal estratégia da Ecosol é a solidariedade entre homens e mulheres Paul Singer
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A experiência do Projeto Brasil Local - Economia Feminista
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Rede de Cooperação Solidária como estratégia de expansão da liberdade pública e privada
Helena Bonumá
Euclides Mance
Reportagem 15
Olhares para o Brasil Local Nordeste I Bethânia Lima
Artigos 17
A ação de ADLS como estratégia de fortalecimento da economia solidária e políticas públicas - Projeto Brasil Local Nordeste I Ivi Aliana Dantas Lidiane Freire de Jesus
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Etnodesenvolvimento: histórias, lutas e conquistas no Brasil Juscilene Barbosa
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Os aprendizados das experiências com Economia Solidária
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A experiência do Banco Comunitário de Desenvolvimento Solidário de São Miguel do Gostoso/RN
Joaquim Apolinar Nóbrega Diniz
Marialda Moura da Silva Marcos Antônio Leonez
Seção 27 Para aprofundar Livros/Cartilha
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A principal estratégia da Ecosol é a solidariedade entre homens e mulheres Paul Singer Por Marialda Moura da Silva
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esta entrevista o estudioso Paul Singer analisa os principais pontos para o fortalecimento da Economia Solidária, nos quais destaca: a importância do entendimento pelas instituições de fomento, gestões públicas e dos empreendimentos solidários, em relação ao princípio da propriedade coletiva dos meios de produção na autogestão; a contribuição dos meios legais como a Lei Geral da economia solidária e dos Fundos de Economia Solidária no enfrentamento das dificuldades da Ecosol; a superação dos desafios sofridos pelos EES, e a prática da solidariedade ente homens e mulheres como as estratégias de fortalecimento da Ecosol; o papel crucial dos ADS para o desenvolvimento local; a participação das mulheres pelo contexto da economia feminista na economia solidária, e a experiência imprescindíveis das organizações em Rede, no fortalecimento da comercialização, na realização de assessoria técnica e na articulação das políticas de apoio à economia solidária.
Paul Singer, nascido em 24/3/32, em Viena (Áustria), no Brasil desde 1940 Eletrotécnico, militante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo de 1952 a 56. Atualmente é Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego desde junho de 2003. Formado em Economia pela Universidade de São Paulo em 1959. Tornou-se doutor pelo Departamento de Sociologia da USP em 1966 e livre docente em Demografia pelo Departamento de Estatística da Faculdade de Higiene e Saúde Pública em 1968. Aposentado compulsoriamente pelo governo à base do AI-5, foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Planejamento. Trabalhou no CEBRAP de 1969 a 1989, fazendo pesquisas e escrevendo livros e artigos sobre Economia Política, Economia do Trabalho,
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Reprodução Humana, problemas urbanos, economia da saúde e outros temas. Lecionou na PUC/SP entre 1979 e 1983 e em 1980, com a anistia, retornou à USP, onde se tornou professor adjunto (1981) e titular (1984), lecionando na FEA até ser (mais uma vez) aposentado compulsoriamente em 2002, por ter atingido a idade limite de 70 anos. Tem vários artigos e livros sobre o tema da Economia solidária. REVISTA CAMPONESA: Considerando que há três forças que constroem a economia solidária no Brasil, quais sejam: as instituições de fomento, os gestores públicos e os empreendimentos econômicos solidários e que é denominada de diferentes formas, economia solidária, economia popular, socioeconomia solidá-
ria, economia popular e solidária, como o senhor define a economia solidária? Paul Singer Eu denomino a economia solidária exatamente de economia solidária, nada menos e nada mais. Não concordo que as instituições de fomento, os gestores públicos e os empreendimentos econômicos solidários concebam a economia solidária sob diferentes aspectos. Cada uma destas “forças” tem uma missão específica dentro do grande movimento da economia solidária, mas isso não implica que os homens e mulheres que militam nestas forças concebam a economia solidária exclusivamente do ângulo de sua missão. Não ignoro que há diferentes formas de conceber a economia solidária e que algumas delas se ex-
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primem mediante denominações como socioeconomia solidária, economia popular solidária ou simplesmente “economia solidária”. Acho estas divergências normais, contanto que nenhuma delas conteste os princípios em que a economia solidária se baseia: propriedade coletiva dos meios de produção, autogestão com iguais direitos de participação de cada sócio ou sócia, repartição da renda de acordo com critérios de justiça distributiva acordados pelos sócios. REVISTA CAMPONESA: A auto-organização de trabalhadores e trabalhadoras em grupos e espaços coletivos por meio de cooperativas e associações e atualmente no Fórum Brasileiro de Economia Solidária organiza uma Campanha Nacional para criação da Lei Geral da Economia Solidário e no Rio Grande do Norte há uma Campanha em prol da criação do Fundo Estadual de Fomento a Economia Solidária. Na sua opinião, em que aspecto a criação dessa lei contribui para a superação de dificuldades e desafios enfrentados pela economia solidária? Como o senhor avalia a realização dessas campanhas no contexto organizacional da economia solidária? Como a criação de um Fundo Nacional ou Estadual de Economia Solidária contribui para o desenvolvimento dos empreendimentos econômicos solidários no Brasil? Paul Singer A Lei Geral ou Orgânica ou outra denominação que venha a ter vai facilitar o reconhecimento legal da existência e dos direitos dos empreendimentos de economia solidária, de suas redes, instituições de fomento etc.. O seu papel será análogo à que a Lei do Cooperativismo desempenha para as cooperativas. O decreto que legalizou o Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Solidário já deu um importante passo nesta direção ao definir critérios que permitem reconhecer a aptidão de um empreendimento de poder praticar com legitimidade o comércio justo e solidário em nosso país.
O papel da Lei Geral da economia solidária deverá estender estes efeitos a todos os âmbitos de ação além do comércio. Os Fundos de Economia Solidária facilitarão a obtenção de recursos públicos – federais, estaduais e municipais – para investir no desenvolvimento da economia solidária. Até o momento, apenas a Lei que criou a SENAES cumpre esta função ao possibilitar à Secretaria o acesso ao orçamento do governo federal. REVISTA CAMPONESA: A literatura que trata da economia solidária a coloca como uma prática que articula diferentes aspectos da organização, desde um empreendimento econômico solidário, a produção coletiva, a autogestão, a comercialização e consumo solidário. Por outro lado, os EES buscam resultados concretos e capazes de impactar positivamente em suas vidas. Na sua análise, quais as principais estratégias para o fortalecimento da economia solidária e como essa ação pode se desenvolver de forma articulada? Paul Singer: As estratégias que podem fortalecer a economia solidária são as que permitem enfrentar os principais desafios com que os EES lidam: o acesso a capitais, o acesso a mercados e o acesso ao conhecimento. E de fato tais estratégias têm sido desenvolvidas nos últimos anos. Quanto ao acesso a capitais, as finanças solidárias estão sendo desenvolvidas por toda parte na forma de bancos comunitários, fundos rotativos solidários e cooperativas de crédito solidárias. O volume de financiamento concedido por bancos, fundos e cooperativas provavelmente ainda não satisfaz todas
as necessidades; para tanto, estas entidades terão de crescer o que vai depender dos avanços dos próprios EES e das comunidades que autogerem os bancos, os fundos e as cooperativas. Pode parecer paradoxal, mas o único jeito de superar os desafios é avançar e assim acumular forças, que no caso das finanças solidárias significa aumentar a renda das EES e das comunidades para que possam poupar mais. O acesso a mercados e a conhecimentos passa pela mesma lógica: os acessos só podem ser conquistados à medida que os recursos disponíveis aos empreendimentos e às comunidades puderem ser expandidos. No caso do acesso a mercados a criação do sistema brasileiro de comércio justo e solidário provavelmente contribuirá significativamente para que este desafio possa ser superado. Quanto ao acesso aos conhecimentos a estratégia tem sido oferecer formação aos trabalhadores dos EES e aos agentes de desenvolvimento local que assessoram comunidades empenhadas na promoção de seu desenvolvimento através dos Centros de Formação em Economia Solidária e da prestação de assessoria técnica. Além destas, a principal estratégia para fortalecer a economia solidária, a meu ver, é difundir a prática da solidariedade entre homens e mulheres das classes trabalhadoras do Brasil.
Ser solidário é ajudar e ser ajudado pelos que partilham o mesmo solo e, muitas vezes por isso mesmo, a mesma sina. O que se faz mediante inúmeras modalidades de formação que o movimento de economia solidária vem desenvolvendo, mas mais importante ainda, a prática consistente de pessoas e de coletivos da solidariedade não só entre si, mas em relação a todos que dela carecem. REVISTA CAMPONESA: A experiência do projeto piloto envolvendo comunidade quilombolas, contribuiu para a criação do Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e Econo-
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mia Solidária (PPDLES) e posteriormente o Projeto Brasil Local, sendo que este foi estruturado por meio de diferentes metodologias. Primeiro foi coordenado pela Universidade de Brasília (UnB), em parceria com diversos órgãos governamentais, e posteriormente o Brasil Local firmou convenio com dez instituições em diferentes regiões no Brasil. A AACC/RN coordenou o projeto Brasil Local Nordeste I que em sua essência coloca-se como uma proposta de implantação da ação de Promoção do Desenvolvimento Local e da Economia Solidária por meio da atuação de Agentes de Desenvolvimento Solidário. Os Editais públicos realizados pela SENAES em 2012 mantêm a figura do agente de desenvolvimento solidário no contexto da organização e articulação da economia solidária. Porque a SENAES fez opção por essa continuidade? Como o senhor analisa a figura do ADS para o desenvolvimento da política de economia solidária?
ficuldades que o desenvolvimento local encontrar em seu caminho.
Paul Singer: O agente de desenvolvimento ADS constitui o elo estratégico entre a SENAES e o processo de desenvolvimento local, cujo protagonista principal tem de ser a própria comunidade.
Paul Singer: De fato, também acredito que a proporção de 37% apenas de mulheres subestima a participação feminina muito provavelmente porque nosso mapeamento das cooperativas de agricultura familiar ignorou a participação das mulheres na produção. A razão é a malfadada divisão sexual do trabalho que atribui apenas aos homens o ganho resultante do trabalho produtivo, ao passo que às mulheres caberia apenas o chamado trabalho reprodutivo – o cuidado dos filhos e das necessidades de consumo dos membros da família. O fato bem conhecido é que a mulher participa do trabalho agrícola cuidando de hortas e da criação de pequenos animais, além de ajudar na colheita e em todos os demais trabalhos de responsabilidade dos homens. O valor do trabalho feminino no lar, tanto no campo quanto na cidade, não deve ser medido pela renda monetária que ele proporciona, pois ele é vital ao bem estar e à sobrevivência da família. Acredito que o Projeto “Brasil Local – Economia Feminista”, e a rede de economia feminista que dele resulta, é de fato um avanço das mulheres na economia
O motor do endo-desenvolvimento solidário tem de ser a mobilização de todos os que compõem a população economicamente ativa da comunidade, responsáveis pela elaboração dos planos de desenvolvimento e sua realização por meio da criação de uma nova economia solidária em lugar das atividades dispersas que são características do subdesenvolvimento. Mas este processo geralmente precisa do apoio dos poderes públicos federal, estadual e municipal. O ADS tem os recursos e o encargo de conquistar este apoio ao desenvolvimento da comunidade além de contribuir para a superação das eventuais di-
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REVISTA CAMPONESA: No Sistema de Informações da Economia Solidária (2007/09), as mulheres constituem 37% da economia solidária e os homens 63%. No entanto, esses dados parecem não refletir a realidade, cuja participação das mulheres tem sido hegemônica, seja nos espaços de comercialização, conferências, seja no próprio movimento. No Projeto “Brasil Local -Economia Feminista”, foram realizados diagnósticos e acompanhamento a grupos de mulheres e fomentada a criação de uma rede de economia feminista no Brasil, visando o fortalecimento de iniciativas das experiências com mulheres. O Senhor considera esse processo como um avanço da organização das mulheres na economia solidária? Como a SENAES pretende fortalecer a participação das mulheres na política de economia solidária?
solidária. Além deste avanço, as mulheres têm uma participação frequentemente hegemônica em todas as atividades da economia solidária em nosso país. Acabo de voltar de uma importante Conferência Internacional sobre potencialidades e limites da economia social e solidária em Genebra (Suiça) patrocinada pela Organização Internacional do Trabalho OIT e pelo Instituto de Pesquisa do Desenvolvimento Social da ONU. A ampla maioria de mulheres entre os participantes é um sinal de que a predominância das mulheres na economia solidária acontece no mundo inteiro e não somente em nosso país. REVISTA CAMPONESA: Em 2012 a SENAES/MTE realizou chamadas públicas referentes tanto a realização de processos de Certificação como também no tocante a organização dos empreendimentos econômicos solidários em Rede. Nesse contexto, há também a organização de Bancos Comunitários que tem adquirido força no Brasil. Como o senhor avalia as experiências de Rede produtivas solidárias existentes? É possível o desenvolvimento de uma ação articulada entre essas diferentes políticas? Paul Singer: Sou de opinião de que as redes produtivas solidárias são imprescindíveis porque, entre outras razões, os EES ainda sofrem de fragilidades, como vimos acima. As redes promovem o trabalho conjunto dos EES que as compõem, o que os fortalece graças aos ganhos de escala assim obtidos. A dificuldade na comercialização pode ser melhor superada se diversos EES associados tratam de vender seus produtos em conjunto, partilhando o custo da comercialização e, deste modo, aliviando o peso deste custo para cada EES. O mesmo se aplica ao eventual custo do acesso a assessoria técnica, que também pode ser partilhado pelos EES que participam da rede. A existência de redes possivelmente facilita também a articulação das políticas de apoio à economia solidária dada a facilidade de coordená-las entre EES organizados em rede.
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A experiência do Projeto Brasil Local Economia Feminista Helena Bonumá Por Marialda Moura da Silva
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ão podemos pensar uma economia alternativa, sem incorporar a questão da divisão sexual do trabalho. A discussão realizada por Helena Bonumá traz à tona o debate da valorização do trabalho realizado pela mulher, enfatizando o lugar deste debate na economia solidária feminista. Outro importante aspecto apontado é a reflexão em torno da divisão sexual do trabalho, especialmente em relação ao papel da economia solidária para o reconhecimento do trabalho reprodutivo e produtivo realizado pelas mulheres. A organização de mulheres em grupos produtivos, e as atuais inciativas de superação da desigualdade econômica entre homens e mulheres, através das ações da SENAES, em 2006, e as propostas da Economia Solidária e feminista, em 2009. A autora trata ainda do desenvolvimento organizacional do Projeto Brasil Local feminista.
Helena Bonumá, é Socióloga, Coordenadora técnica e integra o Núcleo feminista Lua Nova da Guayí e atualmente Coordena o Projeto “Rede de Economia Solidária e Feminista: Tecendo Redes, Sustentabilidade e Solidariedade para o Bem Viver” em parceria com a SENAES/ MTE. REVISTA CAMPONESA: Diversas autoras feministas têm desenvolvido questões importantes relacionadas ao trabalho doméstico e do cuidado, atividades hegemonicamente realizada pelas mulheres, sendo que esse trabalho não tem visibilidade e não é reconhecido. Na sua visão, o movimento de economia solidária tem assumido esse debate? Helena Bonumá: Está começando a assumir. O feminismo tem cumprido o importante papel de desvendar a magnitude do trabalho realizado pelas mulheres na dimensão reprodutiva da vida, nos cuidados, todos necessários para
criar filhos e manter famílias, no cotidiano do trabalho doméstico, apontando para o problema de sua invisibilidade e desvalorização. A economia feminista tem questionado este ocultamento buscando trazer à tona a relação da economia feminista com a sustentabilidade da vida humana e o bem-estar das pessoas. Assim, a reprodução humana adquire centralidade para a economia, aparecendo com clareza seu entrelaçamento essencial e inseparável com a esfera produtiva. Se, pela divisão sexual do trabalho, ela tem sido historicamente responsabilidade das mulheres, está na ordem do dia seu assumimento pela sociedade e pelo Estado (e, dentro de casa, pelos homens) e a economia solidária tem tudo a ver com isto. Não podemos pensar uma economia alternativa, a serviço da vida, sem incorporar estas questões. A SENAES deu um passo importante neste sentido quando incorporou no Brasil Local a modalidade “Economia Solidária e Economia Feminista” possibilitando a socialização deste debate. Mas
é um processo que está começando no movimento da economia solidária e ainda encontramos preconceito em relação ao feminismo, e temos muito o que andar, junto/as. REVISTA CAMPONESA: O tema da divisão sexual do trabalho tem sido recorrente nos estudos e ações feministas. Como a economia feminista aborda esse tema com as mulheres trabalhadoras rurais? Helena Bonumá: As mulheres trabalhadoras rurais têm uma longa trajetória de lutas pelo seu reconhecimento como trabalhadoras e como cidadãs, e isto já se expressa em conquistas concretas que vem da luta para melhorar a vida. Mas ainda há muito o quê conquistar. O trabalho no campo, no quintal, na horta, a floricultura, o cuidado com os animais acabam sendo quase que considerados como “extensão” do trabalho doméstico. Então, não é apenas o trabalho doméstico e de cuidados que é invisibilizado
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e desvalorizado, mas o trabalho produtivo das mulheres na atividade agrícola também. A economia feminista, na medida em que busca “desnaturalizar” a divisão sexual do trabalho e desvendar a desigualdade de poder entre homens e mulheres decorrente dela, contribui efetivamente para o resgate das mulheres como sujeito da história e para a visibilidade e valorização de seu trabalho. Isto gera reconhecimento, autoestima, esperança e subsidia processos de organização e de luta. REVISTA CAMPONESA: Nos anos 90, em consequência do desenvolvimento de políticas neoliberais, o desemprego, a precariedade do trabalho, as desigualdades salariais fez surgir à busca de alternativas. Nesse contexto, a economia solidária toma força e são criadas diversas associações, cooperativas e grupos organizados. Como as mulheres participaram desse processo e como estão, no momento atual, frente à problemática da desigualdade de gênero? Helena Bonumá: Segundo o SIES – Sistema de Informações da Economia Solidária (2007/09), as mulheres constituem 37% da economia solidária e os
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homens 63%. No entanto, o que vemos nos espaços de comercialização, nas feiras, nas atividades do movimento, nas Conferências, é o contrário disto. Entendemos que as mulheres são uma base importante da economia solidária como forma de resistência e de construção de alternativa para gerar trabalho, renda e cidadania, mas ainda não estão visíveis desta forma para as pesquisas e para as políticas públicas. A experiência do nosso projeto nos mostra as dificuldades da situação da maioria destas iniciativas de mulheres, um verdadeiro esforço de sobrevivência que, com criatividade e coragem para enfrentar as carências e dificuldades de um processo de produção e de comercialização em muitos aspectos improvisado e precário. Neste quadro, pesa bastante a falta de políticas públicas mais estruturadas e permanentes que possam apoiar efetivamente o desenvolvimento destas iniciativas, potencializando suas capacidades. Por outro lado, aparece a importância deste trabalho para a sustentação das próprias mulheres e de suas famílias, tanto no sentido financeiro, como também de inclusão social e simbólica, de pertencimento, de engajamento em um processo coletivo que contribui para resignificar a vida, trazendo novas perspectivas. REVISTA CAMPONESA: Como ação de fortalecimento da economia solidária, em 2006 foi criado pela SENAES/ MTE o projeto Brasil Local, por meio da ação de agentes de desenvolvimento solidário. Em 2009 foi incluída na proposta do Brasil Local a modalidade Economia solidária e economia feminista. Como a senhora avalia essa mudança no programa? Podemos considerar como um indicativo de transformação para a vida das mulheres, no contexto da luta feminista o Brasil? Helena Bonumá: A SENAES e seus dirigentes devem ficar na história da política pública brasileira pela lucidez e ousadia em propiciar o encontro, neste âmbito, da economia solidária com a economia feminista. Isto não é pouca coisa.
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Estamos falando de uma compreensão do trabalho, de um conceito de economia, de uma visão de sociedade, de uma perspectiva de futuro, e muito mais... Com sua iniciativa, a SENAES assume o desafio de contribuir com esta reflexão e com a construção de indicadores e de relações efetivas com as mulheres da economia solidária para encararmos, em conjunto, a construção de instrumentos, ações e políticas que contribuam para a superação da condição de subordinação e de desigualdade que ainda caracteriza a situação de um grande contingente de mulheres em nosso país acumulando assim para o desenvolvimento de uma economia a serviço da vida. E isto começa pela sua valorização como mulheres, como trabalhadoras, como protagonistas da história, capazes de, pela sua transformação, contribuírem para a transformação da sociedade. REVISTA CAMPONESA: O projeto Brasil Local feminista é uma ação que envolve agentes de desenvolvimento local feminista e realiza acompanhamento à auto-organização das mulheres no Brasil. Fale-nos sobre esse projeto, quais os fundamentos para o seu desenvolvimento e que metodologia foi utilizada nesse processo? Quais aprendizados, avanços e dificuldades surgiram no processo de organização e articulação do Brasil Local feminista? Helena Bonumá: A Guayí assumiu com muita responsabilidade o Projeto Brasil Local Economia Solidária e Economia Feminista e procurou se colocar à altura do desafio proposto partindo do acúmulo da economia solidária e da luta – prática e teórica – do movimento feminista, do qual nós reivindicamos. Realizamos mapeamento, diagnóstico, atividades de formação e discussão da política pública com 300 empreendimentos produtivos de mulheres em nove estados (RS,
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PR, SP, RJ, DF, PA, CE, PB, RN) abrangendo as 5 regiões do país numa mostra significativa da diversidade do trabalho das mulheres na economia solidária, além de parcerias diversas com entidades, instituições públicas, fóruns e movimentos sociais. Realizamos esta caminhada com a ação das Agentes de Desenvolvimento - companheiras vindas da economia solidária e/ou do movimento de mulheres com as quais construímos afinidades importantes para a realização desta missão. O diferencial de nosso projeto foi o foco na ação das mulheres na economia solidária bem como o debate da economia feminista, a partir da visibilidade do trabalho das mulheres na esfera reprodutiva, no trabalho doméstico e nos cuidados necessários para a preservação da
vida, a necessidade de sua valorização social e pública, bem como sua relação com o trabalho produtivo. O resultado do Projeto aponta para a necessidade de avançarmos na articulação de possibilidades concretas para garantir a continuidade, a qualificação e a viabilidade econômica das iniciativas produtivas das mulheres. A economia solidária tem crescido como alternativa econômica, como movimento social e como política pública, mas ainda temos muito o que andar.
necessário o fortalecimento de nossos empreendimentos para o empoderamento e a conquista da autonomia econômica das mulheres. Com este objetivo, o Projeto Economia Solidária e Economia Feminista segue em frente com a proposta da REDE DE ECONOMIA SOLIDÁRIA E FEMINISTA, uma rede nacional articulada em núcleos estaduais integrando os empreendimentos participantes do projeto em cada estado para avançar em estratégias e ações para sua sustentabilidade.
As mulheres são uma base importante da economia solidária, mas economicamente ainda continuam sendo os segmentos mais vulneráveis. Precisamos avançar em nossas práticas organizativas e autogestionárias, tanto na produção quanto na participação nos espaços de discussão política, nas decisões sobre as políticas públicas, nos fóruns de economia solidária e instâncias dos diversos movimentos sociais. É
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Rede de Cooperação Solidária como estratégia de expansão da liberdade pública e privada
Euclides Mance Por Marialda Moura da Silva e Lidiane Freire
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experiência de organização em Rede dentro da Economia Solidária encontra-se em expansão. É sobre esse tema que Euclides Mance se debruça na sua fala, trazendo as definições sobre Redes de Cooperação Solidária no cenário brasileiro e internacional; sua forma de organização e funcionamento; o desenvolvimento dos fluxos econômicos nos empreendimentos solidários; as perspectivas da economia solidária dentro das Redes como um exercício da liberdade, desenvolvendo a noção de Bem Viver; faz uma análise da importância das políticas públicas para o fortalecimento da Ecosol, além de destacar a economia solidária e os seus desafios frente as imposições do sistema capitalista
Euclides Mance é filósofo e diretor executivo do Solidarius Brasil, a empresa de economia solidaria que mantém o portal solidarius.net. e tem vários livros publicados no Brasil e no exterior sobre redes de economia solidária. No primeiro mandato do governo Lula colaborou com o Programa Fome Zero, na área de políticas estruturantes. Atuou como consultor da Unesco e da FAO em projetos de Desenvolvimento Sustentável nos anos de 2004 a 2006. CAMPONESA: O que são Redes de Cooperação Solidária e de que modo essas experiências se constituem no Brasil? Como se organizam? Euclides Mance: No final dos anos oitenta o conceito de economia solidária vai sendo elaborado a partir de diferentes realidades. Práticas de economia solidária sempre existiram na historia
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da humanidade e podemos dizer que economia solidária é tão antiga quanto a própria humanidade. Mas o conceito e o uso da expressão economia solidária para caracterizar essas diferentes práticas econômicas fundadas na solidariedade é algo bem recente. Então, nos anos 80 surgem reflexões sobre práticas já existentes com relação ao comércio justo, finanças solidárias, consumo crítico, movimentos de agricultura orgânica, empresas de autogestão, cooperativas, empreendimentos associativos, práticas com moedas sociais e muitas outras. Na verdade, o termo economia solidária apareceu também neste mesmo período em políticas públicas na Colômbia para o setor cooperativista e associativo e em outros lugares para caracterizar atividades econômicas de enfrentamento ao desemprego. Então, o termo vai se propagando. Agora, essas diferentes práticas, quando ficam isoladas, não
têm condições de construir alternativas sistêmicas [...]. Se os insumos vêm de empresas capitalistas, a economia solidária continua contribuindo para realimentar o capitalismo, mesmo usando moedas sociais para fazer intercâmbios em seu interior na última etapa de circulação dos produtos. Também no caso de empresas de economia solidária, mesmo sendo totalmente autogestionadas, tendem a continuar realimentando o capitalismo se não derem a devida atenção aos fluxos de valores que são realimentados por elas com suas práticas de consumo, de gastos, de compras [...]. CAMPONESA: Mas como se dá essa relação entre fluxos econômicos de empreendimentos solidários e a realimentação da concentração de riqueza no capitalismo? Euclides Mance: Se o empreendimento
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solidário, com seus fluxos econômicos, permanece isolado de outros empreendimentos de economia solidária, mas continua conectado a empreendimentos capitalistas, seus valores econômicos vão alimentar a concentração capitalista e não a distribuição dos valores no setor da economia solidária [...].Desse modo, conectada a empresas capitalistas, seja comprando insumos, usando serviços financeiros ou vendendo produtos, a economia solidária contribui para a acumulação capitalista. E o consumidor continua pagando preços injustos. Então, o que acontece, se esses empreendimentos solidários, se essas iniciativas, ficam isolados eles não transformam a realidade e acabam contribuindo para reprodução do sistema capitalista. CAMPONESA: Então, enquanto os empreendimentos solidários não se conectarem em redes eles tendem a realimentar o capitalismo? Euclides Mance: É preciso entender os fluxos de matérias, de produtos (bens e serviços) e de matérias-primas. É preciso entender os fluxos de valores econômicos movimentados e como é que circulam no sistema com um todo. É preciso entender o fluxo de representações de valores, tais como moedas e créditos, e como elas são usadas para mediar fluxos de concentração de valor econômico ou podem ser usadas em estratégias sustentáveis de distribuição de valor. Quando fazemos essa análise de fluxos econômicos, fica claro o seguinte: ou reorganizamos esses fluxos econômicos para que eles realimentem o setor da economia solidária, reorganizando as cadeias produtivas de fornecedores e clientes, para que elas realimentem o processo de desenvolvimento orgânico do setor da economia solidária, ou então, não há como a economia solidaria se tornar uma alternativa sistêmica ao capitalismo. Como é que fazemos pra reorganizar esses fluxos econômicos, fluxos de produtos, de matérias primas, fluxos de valores econômicos, fluxos de representação de valor? Isso se faz organizando redes colaborativas solidárias, conectando Empreendimentos Econômicos Solidários e consumidores
realizando ações de finanças solidárias e desenvolvimento tecnológico criando laços de retroalimentação dentro dessas cadeias de consumo-compra-produção e, com isso, consolidamos os fluxos de produção-comércio-consumo-financiamento-desenvolvimento tecnológico. Então, são processos que chamei, lá no final dos anos 90, de Colaboração Solidária; não é só atividade econômica, é também cultural, é também política [...] é uma economia de libertação. CAMPONESA: Qual é o horizonte dessa economia solidária organizada em redes colaborativas como economia de libertação? Euclides Mance: A economia solidária, como economia de libertação, contribui para expandir as liberdades públicas e privadas. E, para expandir as liberdades, ela necessita considerar as condições concretas do seu exercício, que podem ser resumidas em quatro: a dimensão material, o exercício de poder, a educação e informação e a ética. Tudo tem que ser visto em conjunto para realizar o bem-viver. [...] trata-se de romper conexões que nos fazem cúmplices da exploração de outras pessoas e da destruição dos ecossistemas [...]
se existe exploração do trabalho existe negação do bem-viver. Se existe degradação do planeta, tem-se a negação do bem viver. Se existe discriminação da mulher, religiosa, sexual, pelo clube de futebol que a pessoa torce, já se está negando o bem-viver das pessoas. A integração dessas diferentes dimensões econômicas, políticas, culturais do processo de libertação é possível com uma estratégia que eu chamo de revolução das redes. A Revolução das Redes conecta o econômico, o político e o cultural de forma colaborativa. [...] Do ponto de vista da economia solidá-
ria, essas redes colaborativas podem se organizar como redes de cooperação econômica, mas se fazem só isso, elas se tornam limitadas, porquê a questão não é só cooperar economicamente. O que se pretende é construir outra sociedade; então elas tem que cooperar também do ponto de vista da educação e das outras dimensões da realização do bem-viver das pessoas. É necessária a autogestão, participar de processos de desenvolvimento territorial, com envolvimento da comunidade [...]
Então, é bem mais que cooperar economicamente. A Economia somente é um dos elementos do exercício da liberdade. CAMPONESA: Então, como se estruturam esses processos? Euclides Mance: Partimos do consumo. [...] O que se busca é produzir e oferecer bens e serviços que atendam às necessidades das pessoas, gerando meios econômicos para assegurar o consumo para o bem-viver de todos [...]. Depois, num segundo momento, mapeiam-se os processos produtivos, de financiamento, de comercialização que existem no território. [...] Há muitas formas de consumo não-monetário. Temos que mapear os diferentes fluxos para entendermos como podemos ativar circuitos que são poderosos na geração de bens e serviços, que muitas vezes não vão ao mercado, que são produzidos e circulam fora do mercado. [...] Na Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE são considerados os rendimentos não-monetários referentes à alimentação, vestuário, higiene e cuidados pessoais, transporte, educação, recreação, etc. [...] A terceira etapa é conectar consumo e produção; é fazer a conexão entre consumo e atendimento sob demanda. Então, se temos uma demanda de pequena quantidade, vamos produzir pequena quantidade. Você não tem que produzir em escala para acessar mercados pelo mundo afora. Se a demanda é pequena, então é preciso encontrar uma solução de eco-
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nomia solidária para produzir aquele volume e garantir o bem-viver da pessoa que vai consumir o produto, o bem-viver de quem trabalha comercializando e produzindo, criando um circuito econômico local que seja sustentável. [...] A quarta etapa do processo, de fato, é você reorganizar as cadeias produtivas como um todo fazendo diagnóstico dos fluxos nessas cadeias e reorganizando esses fluxos de modo que se possa expandir a sustentabilidade dessas cadeias. [...] Então a opção poderá ser o comércio de tais produtos pelo fato de que serão igualmente gerados postos de trabalho locais no setor do comércio, haverá maiores excedentes para o fundo de desenvolvimento da rede local e menor escape de valor econômico da rede em seu conjunto [...]. CAMPONESA: Então, com a organização de redes colaborativas evita-se a evasão dos fluxos de valor e com isso os recursos gastos no consumo fortalecem os circuitos produtivos da rede? Euclides Mance: Isso mesmo. Para que os fluxos de valores não escapem do circuito solidário que distribui renda e não sejam acumulados pelo circuito capitalista que concentra a renda que nele circula, todos os produtos finais, serviços e matérias-primas que essas cadeias necessitam, devem ser servidos pela própria economia solidária; toda necessidade de logística, de comercialização, necessita ser atendida dentro da economia solidária. Atualmente é impossível substituir tudo, pois não temos oferta. Mas, trata-se de avançar nesse sentido. [...] Com essa remontagem progressiva das cadeias produtivas, vão sendo fortalecidos e consolidados os circuitos econômicos solidários. Então, basicamente, esse é o modo para operacionalizar. Tem uma coisa super importante nessas redes que é a organização de fundos de economia solidária. Toda rede de economia solidária tem que ter um fundo que integra o capital de giro dos empreendimentos e os excedentes que eles geram com um sistema interno de créditos resgatáveis a qualquer momento pelos empreendimentos. [...]. A gestão desse
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fundo tem que ser tão cuidadosa quanto à do capital de giro dos empreendimentos. CAMPONESA: A organização de redes colaborativas de economia solidária avançou no Brasil nos últimos anos? Euclides Mance: Sim, temos várias redes estruturadas. Avançou-se muito na última década. Temos basicamente dois tipos de redes: as redes setoriais, por exemplo, a Rede Abelha que trabalha com o mel, a Justa Trama, com cadeia produtiva do algodão orgânico, a Rede ECOVIDA com produtos orgânicos e sistema participativo de garantia, a Rede Xique Xique, a rede de Bancos Comunitários e várias outras redes que são referências importantes, bastante consolidadas, com toda uma trajetória de aprendizados a partir de suas próprias práticas que têm muito a nos ensinar. [...]
Estamos trabalhando Rede aqui no sentido de sua complexidade, rede de sistemas abertos, redes nas quais emergem singularidades, nas quais estruturas são dissolvidas, são dissipadas, e novas estruturas emergem permitindo expandir liberdades públicas e privadas. Então fluxos econômicos dentro de uma rede estão necessariamente conectados com o ambiente, sejam fluxos materiais dos ecossistemas, fluxos culturais da sociedade em que a rede está organizada, etc. [...] na medida em que a gente tem uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, temos condições de projetar a remontagem dessas cadeias produtivas e a conexão delas entre si. E aí o que acontece? Vamos buscar atender todas as demandas existentes no circuito da economia solidaria. Não se trata de atender somente no território em que estamos, mas sim, no circuito da
economia solidária, local e global, a começar pelo território onde estamos. Assim, para atender a todas as necessidades, pessoais ou dos empreendimentos e organizações, vamos buscar ofertas no setor da economia solidária, vamos tratar de consumir bens e serviços da economia solidária, a começar pelos produtos do território em que estamos. [...] Assim, quando projetamos a reorganização dos fluxos de bens e serviços, ficamos muito atentos, igualmente, na reorganização dos fluxos de valor para fortalecer o circuito de economia solidária. Há redes estruturadas assim. [...] CAMPONESA: Diante da perspectiva de que ações em Rede de Cooperação Solidária são estratégias para avançar em uma nova formação social, em sua opinião quais os principais desafios da organização e articulação dessas experiências? Euclides Mance: Temos que entender que a superação do capitalismo, a superação das suas estruturas precisa compor ao mesmo tempo a dimensão cultural, política e econômica. [...] O problema é que ainda há uma falta de compreensão da própria dimensão econômica da economia solidária. Há uma ênfase de que a economia solidária é um movimento social. [...]. O que identifica a economia solidária, frente a todos os demais atores conhecidos como movimentos sociais, é o fato de que ela produz meios econômicos. [...] A economia solidária pode se caracterizar como um movimento social que reivindica políticas públicas, reivindica recursos do Estado. Mas, se for desconsiderada a dimensão verdadeiramente econômica da economia solidária, se não forem reorganizadas as cadeias produtivas, se não forem feitos investimentos solidários em conjunto, não forem compartilhadas as tecnologias desenvolvidas, se os atores da economia solidária não organizarem processos logísticos, se não fizerem finanças solidárias de maneira colaborativa e solidária, a economia solidária não vai superar o capitalismo [...]. Então, são fundamentais essas três dimensões no processo organizativo. A economia solidária é, antes de tudo, ati-
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vidade econômica. É produzindo meios e valores econômicos que a economia solidária torna-se capaz de atender às suas próprias necessidades de expansão. Por isso um importante desafio é difundir a prática do consumo solidário. Conforme o mapeamento de 2007, que alcançou pouco mais da metade dos municípios do Brasil, temos 22 mil iniciativas de economia solidária mapeadas no país. São um milhão e setecentos mil trabalhadores e trabalhadoras. [...] A questão é entender o potencial de consumo de milhões e milhões de famílias que, de alguma maneira, estão integradas na economia solidária, no movimento sindical, no movimento popular, em comunidades eclesiais, no campo que luta pela transformação da sociedade, mas que, com seu consumo, continuam reproduzindo a mesma concentração de riqueza que elas combatem em seus discursos. [...] CAMPONESA: O que é o Bem Viver? E como se consolida na construção das práticas da Economia Solidária no Brasil? Euclides Mance: O bem-viver, como conceito filosófico, surgiu dentro da filosofia da libertação. Quando se trata da libertação e não apenas da liberdade, afirma-se que é necessário assegurar a todas as pessoas as condições econômicas, ecológicas, políticas, educativas, informativas e éticas para realizar as suas liberdades, tanto públicas quanto privadas [...]. Ao analisar as condições para realizar as liberdades podemos agrupá-las em quatro eixos. O primeiro é a condição material que é tanto ecológica quanto econômica [...]. Uma segunda condição é a condição política, tanto do exercício do poder em nossa vida privada, do dia a dia, quanto do seu exercício na esfera da vida pública, da sociedade. No primeiro caso, temos a micro-política do cotidiano [...]. Não podem ser discriminadas nenhuma mulher, nenhum negro, nenhum índio ou qualquer pessoa em particular, por qualquer coisa que seja relacionada a características físicas ou raciais ou ao exercício ético da sua autonomia privada. No segundo caso, tem-se a esfera pública, de participar na
decisão do que se refere à auto-regulação pública da sociedade [...], ter a possibilidade de participar nos conselhos, dos referenduns e plebiscitos e de todos os demais mecanismos de participação popular, que devem ser assegurados para se exercer o direito de decidir sobre a política pública. A terceira condição é da informação e educação, pois se tenho as condições materiais e as condições políticas de decidir, mas não tenho as informações relevantes e suficientes; se só me deram acesso a uma parte da informação e não me deram a outra parte dela, acabo por decidir em favor de algo, mas talvez decidisse por outra coisa se tivesse a informação relevante e suficiente para formar o meu juízo. [...] Então é fundamental que tenhamos acesso a amplos conjuntos de informações que possam ser pesquisadas em sua relevância para os nossos diferentes propósitos, que tenhamos a abertura à interculturalidade [...]. E, por fim, a quarta condição também fundamental, é a condição ética. A liberdade somente é eticamente exercida quando promove a liberdade dos outros. [...]. Então, o bemviver é uma categoria filosófica muito importante para criticar toda forma de dominação e toda forma de libertação. [...].
a economia solidária deve reelaborar e explicitar cotidianamente visões de mundo dialogicamente formuladas, conectadas a um projeto de mudança estrutural de sociedade. [...] é fundamental entender isso: o capitalismo concentra valor e a economia solidária distribui valor. [...] é necessário ir reorganizando as cadeias produtivas, substituindo provedores não-solidários e não-ecológicos por provedores solidários e ecológicos, não apenas pelo motivo dos fluxos econômicos, mas igualmente em razão dos fluxos de poder. [...] No local onde as pessoas trabalham elas tem que ter o poder de decidir juntamente com os demais trabalhadores. As pessoas têm o direito de participar nas decisões sobre as coisas que consomem, sobre o preço dos produtos que compram [...]. A economia solidária, quando fala em outro projeto de sociedade visa empoderar as pessoas no sentido de que todo mundo deve ser respeitado em sua dignidade como pessoa, que o bem-viver de cada uma delas tem que ser desejado e promovido, considerando-se as quatro condições da liberdade já citadas anteriormente, especialmente a condição ética. [...]. Trata-se de propagar relações de solidariedade entre todas as pessoas em todas as dimensões da vida.
CAMPONESA: A articulação e organização entre experiências de produção, comercialização e consumo solidário desencadeiam um processo educativo, com resgate cultural, e foco nas dimensões sociais, políticas e econômicas. Em que impacta na organização da sociedade?
CAMPONESA: Diante de processos participativos de avaliação das políticas públicas em economia solidária no Brasil vem sendo percebido que a estratégia de articulação entre EES em Redes pode ser uma alternativa viável para o fortalecimento social e econômico dessas experiências. Com isso como você percebe a criação de Redes a partir do fomento das políticas públicas em economia solidária (a exemplos das chamadas 2012 da SENAES/MTE)?
Euclides Mance: A economia solidária, em sentido geral, tem um projeto de sociedade. Mas, dependendo do modo como se compreende a economia solidária, os traços desse projeto variam. Muita gente está na economia solidária pensando em como ampliar a sua renda. E esse comportamento é legítimo, pois se a pessoa se encontra na exclusão, na pobreza, tem que se preocupar em como melhorar o consumo dos filhos, de toda a família e de si mesmo, ter uma casa, serviços de saúde e educação. Mas, além de atender às demandas imediatas
Euclides Mance: É preciso entender que há muitos e diferentes tipos de redes. [...] Do ponto de vista da sociedade todos nós participamos de muitas redes, redes familiares, redes de amigos, redes econômicas, entre tantas outras. [...] a lógica das redes colaborativas de economia solidária, que são redes integradas com o objetivo de diversificar a oferta de
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meios econômicos para o atendimento das necessidades diagnosticadas, reorganizar os fluxos de valor no interior do próprio setor da economia solidária, para promover a sua expansão autosustentada a partir das necessidades de consumo das famílias, governos e empreendimentos a serem atendidas com fluxos do próprio setor solidário e para organizar sistemas de crédito solidários sob o paradigma da abundância e não para unir-se em busca de disputar mercados não se sabe onde - se no bairro ou no outro lado do mundo - sob o mesmo paradigma da escassez em que a entrega do produto somente é feita mediante o recebimento de dinheiro ou de créditos lastreado em propriedades. Corre-se o risco de defenderem a remontagem de cadeias produtivas para ampliar a capacidade dessas cooperativas em gerarem resultados para si mesmas e para fazerem maiores investimentos para a redução de custos de aquisição, comercialização, logística, etc.[...]. Porque tem muita gente que entende a economia solidária a partir da forma de organizar um empreendimento. “Se nós estamos aqui no empreendimento autogestionado e supra-familiar, cooperamos e somos solidários entre nós, então somos economia solidária” [...]. Vejo com grande alegria que estão avançando as discussões sobre redes colaborativas no setor da economia solidária. Mas tenho a preocupação de que não seja apenas para criar redes ao estilo de redes capitalistas, porque se for para criar redes ao estilo capitalistas, colaborativas no modo capitalista de ser colaborativo, então estamos perdendo uma oportunidade histórica que é de fato fazer avançar
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uma verdadeira revolução econômica. Por que as redes solidárias são isso, uma revolução econômica para expandir o bem-viver de todo mundo, não só de quem está dentro do empreendimento, que já tem assegurada a possibilidade de satisfação de suas demandas. Temos que desenvolver uma estratégia que inclua: expandir as redes por territórios mais amplos, alcançando suas diferentes populações com atenção especial aos mais empobrecidos; diversificar o conjunto da produção para o atendimento dos diferentes segmentos de consumo; produzir os bens e serviços que ainda não sejam oferecidos na economia solidária; gerar soluções de comercialização e de logística para alcançar maiores regiões; criar e consolidar novos empreendimentos com os próprios recursos da economia solidária, levando em conta a importância da auto-organização econômica das populações em suas entidades de economia solidária, do modo como elas queiram se organizar, porém respeitando os princípios e valores éticos da economia solidária [...]. Isto é, se de fato forem construídas redes de economia solidária, compreendendo-se a economia solidária como economia de libertação, será um avanço importantíssimo [...] A organização solidária de seu consumo gera riqueza. A organização de suas atividades de compras gera riquezas. A organização de suas atividades de comercialização, produção e serviços, gera riquezas. Ou compreendemos que a economia solidária, como economia de libertação, organiza estratégias econômicas colaborativas que asseguram a sua própria autossustentação pelo compartilhamento das
riquezas que ela gera incluindo as populações empobrecidas dos territórios em fluxos de consumo, comércio, produção e serviços ou então continuará sendo reproduzido o discurso que fala de economia solidária, mas a pensa com as chaves da lógica capitalista [...]. A promoção do bem-viver de todos e a autosustentabilidade da economia solidária devem estar no centro de qualquer rede colaborativa de economia solidária indicando a capacidade que ela tem de se sustentar, integrar progressivamente as populações - particularmente as mais empobrecidas - e de se auto-expandir em proveito do bem-viver de todos. Isso implica em considerar tudo o que conversamos anteriormente sobre fluxos econômicos, Fundos Solidários e a economia solidária como economia de libertação.
Se for com essa perspectiva avalio que a organização de redes solidárias com o apoio de recursos públicos poderia significar um grande avanço para o fortalecimento da economia solidária no Brasil e, igualmente, para o desenvolvimento sustentável de nosso país. Acessar a entrevista completa no link: http://www.fbes.org.br/index.php? option=com_docman&task=doc_ download&gid=1787&Itemid= 99999999.
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Olhares para o Brasil Local Nordeste I Por Bethânia Lima
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om o objetivo de promover o desenvolvimento local através do fortalecimento dos empreendimentos de economia solidária nos estados do Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará e Maranhão, a Associação de Apoio às Comunidades do Campo desenvolveu o projeto Brasil Local Nordeste I – Projeto realizado com apoio da SENAES-MTE desde 2009.
Mais de 50 municípios foram contemplados pelo projeto e conseguiram promover e consolidar mudanças que dizem respeito às políticas relacionadas à Economia Solidária. Desde o fortalecimento dos fóruns e espaços que discutem essa economia, ao acompanhamento aos grupos produtivos e ainda o apoio às atividades de formação. Esse projeto contou com um vasto leque de metas a ser alcançado, assim como também contou com uma grande e diversificada equipe para operacionalizar e sistematizar as ações pensadas e enca-
deadas para o sucesso do projeto. “Foram 54 agentes para acompanhar 163 empreendimentos econômicos solidários, 04 Articuladoras Estaduais, 02 auxiliares administrativas e 01 coordenação regional. Juntos, enfrentamos o desafio de realizar oficinas para identificar problemas e soluções vivenciados pelos EES, sistematizar essas informações, acompanhar a organização e gestão dos EES, além de articular políticas públicas territoriais para o seu fortalecimento” explica a coordenadora do projeto Marialda Moura da Silva. De for-
ma que, a dimensão e as possibilidades de desempenhar o trabalho no campo da Economia Solidária foi o tempo todo muito articulado entre essa equipe. O projeto foi concebido a partir da atuação da AACC/RN com a experiência acumulada do Núcleo Estadual de Assistência Técnica à Economia Solidária (NEATES) e o acúmulo através da participação no Fórum Estadual de Economia Solidária do RN, explica Marialda, também coordenadora da instituição, que há mais de 27 anos trabalha em prol da agricultura familiar sustentável
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junto às famílias do semiárido no RN. As contribuições junto à Rede Xique Xique - rede que comercializa e desenvolve várias atividades junto aos grupos produtivos em vários territórios do estado, e que tem como princípios vários valores que fortalecem a Economia solidária e a agroecologia - também foram decisivas para consolidar a AACC/RN e o seu trabalho em Economia Solidária e assessoria, junto ao Brasil Local. Tão importante quanto a referência da AACC/RN foi o forte trabalho de parceria desenvolvido para que esse amplo projeto ganhasse “corpo”. “Se faz necessário pensar a Economia Solidária como uma estratégia na construção de um desenvolvimento realmente sustentável que passa pelo consumo responsável, cuidado com o meio ambiente e com as pessoas”, ressalta Marialda. A Economia Solidária se coloca como uma alternativa real de organização da produção e da comercialização tendo como princípio fundamental a autogestão e a solidariedade entre indivíduos. As dinâmicas das parcerias e as conquistas solidárias... Para o trabalho do Brasil Local chegar aos estados foi realizada uma parceria no Ceará, com o Instituto Florestan Fernandes; no Piauí, com a Cooperativa de produção e Serviços de Técnicos Agrícolas (Cootapi); no Maranhão, a Associação Agroecológica Tijupá completou a cadeia de parcerias que ajudou a conceber a estruturação do projeto e operacionalizar as ações, resgata Marialda. Todas as instituições parceiras possuem um histórico com trabalho de apoio aos agricultores familiares e alternativas de convivência com o semiárido, respeitando e considerando ainda as perspectivas da agroecologia, de gênero e da comercialização solidária. Para Maria Luiza Mendes, do Grupo de Mulheres Negras Maria Firmina, o Brasil Local foi muito positivo, porque aconteceu com a parceria e em harmonia com o Fórum Local do Maranhão. Era uma decisão do Fórum de Economia Solidária do Maranhão, acompanhar “de perto” o desenrolar do projeto, pois o entendimento sempre foi o de que “as
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políticas públicas, que são reivindicações nossas precisam estar em sintonia conosco e se essas políticas não servirem para fortalecer o movimento de economia solidaria, não nos interessam”, diz convicta Maria Luiza. Segundo Maria Luiza, no estado o avanço devido ao projeto foi grande, pois não houve apenas uma aproximação e sim uma integração entre o Brasil Local e o Fórum, e isso ajudou a ampliar e interiorizar o fórum estadual, além de ajudar a criar novos fóruns locais. Para ela, integrante de um empreendimento autogestionário constituído por mulheres, pode-se dizer que a expectativa é que o movimento da economia solidária de fortaleça ganhe corpo e seja reconhecido pela sociedade, por outros movimentos e pela academia. “Ganhamos experiência a partir das participações em eventos, cursos de formação, coordenações e, principalmente, com o nosso empreendimento”, conclui Maria Luiza. A atuação dos Agentes de Desenvolvimento Solidário. O fato dos Agentes de Desenvolvimento Solidário estar sempre envolvidos e participando dos fóruns foi um dos pontos que enalteceu e agilizou o funcionamento do projeto. “Como os agentes estavam muitas vezes envolvidos com os empreendimentos, e estes ligados a rede, então os informes e os andamentos eram bons”, lembra Izabel Forte, do estado do Ceará. A Rede Cearense de Socioeconomia Solidária também foi contemplada e soube contemplar o Brasil Local, ao ser um espaço de circulação de informações e encaminhamentos para a funcionalidade do projeto, a Rede Cearense acabou exercendo um importante papel para a troca de experiências e ainda o controle social das ações. “É preciso ainda melhorar em alguns pontos para o fortalecimento do movimento, mas foi uma boa aproximação entre o Brasil Local e a Rede”, conclui Izabel. O fortalecimento da ação do agente também foi relevante em outros aspectos, como enfatiza Lidiane Freire ao se referir a atuação de um dos agentes, os resultados e ganhos no seu de-
senvolvimento “Tivemos um agente, de origem quilombola, da comunidade Capoeiras, município de Macaíba. Jovem, tímido, e teve muita dificuldade em iniciar os trabalhos nos grupos da comunidade. Tradicionalmente há lideranças e hierarquias na comunidade, e por ser jovem teve o desafio de se fazer ouvir e convencer os grupos sobre a importância da ação e do fomento a economia solidária na comunidade. Também apresentava dificuldade com a escrita, em sistematizar os processos e experiência vividas, além de ter vergonha de se expor, de fazer falas e apresentar algo no coletivo. Com os processos de formação e acompanhamento no Brasil Local conseguiu superar boa parte desses limites, melhorou a escrita, compreendeu a dinâmica de sua comunidade, fortaleceu politicamente suas opiniões, e hoje relata que fazer parte do Brasil Local e ser agente de desenvolvimento solidário, foi de muita importância para sua vida”. Isso confirma a economia solidária como um espaço de mobilização social e de articulação de pessoas em prol de objetivos comuns. Nesse aspecto, a articulação d economia solidária com as diferentes temáticas, desenvolvimento local sustentável, agroecologia, economia feminista e sua viabilidade através de metodologias participativa, se apresentam como elementos que tem motivado a busca por outro mundo melhor e mais justo, a luta pela igualdade social, especialmente no que se refere a igualdade entre mulheres e homens na sociedade, a credibilidade nas pessoas, o respeito a natureza e todos os atributos que ela nos proporciona. A confiança na responsabilidade de cada pessoa no trato com a natureza e zelo pela coletividade. A busca cotidiana pelo conhecimento e reconhecimento dos sujeitos locais e a troca de experiências indica que outro mundo possível de se viver.
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A ação de ADLS como estratégia de fortalecimento da economia solidária e políticas públicas - Projeto Brasil Local Nordeste I Ivi Aliana Dantas1 Lidiane Freire de Jesus2
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o Brasil, com base em experiências de grupos de mulheres, mistos, quilombolas, ribeirinhos, dentre outros que buscam promover o desenvolvimento social, político e econômico a partir da realidade e potencialidade local, seja na agricultura, na pesca, no artesanato ou agroindústria da agricultura familiar. Seja no meio rural ou urbano, por todos os cantos e atividades, percebe-se a economia solidária ou sinais de sua construção. Reconhecida como modelo de economia que nasce da necessidade eminente de transformação da vida de mulheres e de homens, que diante de sua prática buscam na organização coletiva e autogestionária de trabalho a alternativa para superar as consequências do modelo econômico neoliberal como pobreza, o desemprego e a desigualdade social.
No Nordeste brasileiro é possível perceber, a partir dos dados disponibilizados no mapeamento dos empreendimentos econômicos solidários, apoiado pela SENAES/MTE no ano de 2007, a diversidade de experiências coletivas que em seu cotidiano envolvem-se nos princípios políticos sociais da economia solidária no ambiente da produção, comercialização, consumo e serviços, sejam em redes de produção/comercialização,
seja os grupos individualmente. O sistema registra 9.498 empreendimentos econômicos solidário identificados. Neste cenário é elencado e demandado políticas públicas que venham atender as necessidades das experiências coletivas como o acesso ao crédito, assistência técnica, apoio a produção, comercialização, formação, etc. Dentre as ações de políticas públicas destacamos o Projeto Brasil Local - Desenvolvi-
mento Local e Economia Solidária NE1, executado pela Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN, nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. O projeto desencadeou um processo de avaliação que aponta alguns elementos relevantes que podem contribuir para ações sistemáticas e de continuidade para política nacional de economia solidária.
Ivi Aliana Dantas. Engenheira Agrônoma. Foi contratada como consultora para realizar a avaliação do projeto Brasil Local Nordeste I, trabalha com assessoria a organização de mulheres no Centro Feminista 08 de Março.
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Lidiane Freire de Jesus. Especialista em Economia Solidária. Participou do Projeto Brasil Local NE-1, como articuladora Estadual do Rio Grande do Norte.
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A missão desta ação foi “promover o desenvolvimento local através do fomento, e/ou fortalecimento de empreendimentos de economia solidária por meio de Agentes de Desenvolvimento Solidário, envolvendo 47 municípios da região Nordeste 1 (RN, CE,PI e MA)”, com equipe de 1 coordenação geral NE1, 4 articuladores estaduais, além de 54 agentes de desenvolvimento local - ADL, apoiando e acompanhando a experiência de 162 empreendimentos econômicos solidários. Mediante metas estabelecidas que solidificaram a ação, tais como o fortalecimento ou criação de espaços locais de discussão da economia solidária (GT’s Locais);
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projeto conseguiu atender 2.319 mulheres, 1.148 homens e 719 jovens organizados através de 71 associações, 05 cooperativas, 78 grupos informais, 01 banco comunitário, conforme apresenta o Banco de dados organizados pela AACC/RN, no início do projeto. Os EES estão organizados através de experiências de apicultura, artesanato, beneficiamento (coco babaçu, mandioca, castanha, mel, peixe, frutas), produção agrícola diversificada (hortifrutigranjeiros, criação de pequenos animais), panificação (massas, doces, salgados), corte e costura, turismo comunitário e reciclagem.
bilitou reduzir em diferentes aspectos o isolamento em que uma parcela significativa de empreendimentos econômicos solidários se encontram. O agente traz consigo a responsabilidade de mobilizar, de articular parcerias, de auxiliar no acesso a políticas públicas e de sensibilizar os atores locais, tais como sociedade civil organizada e gestores públicos, para a economia solidária, envolvendo diretamente os empreendimentos apoiados na dinâmica social do município. Observa-se a ausência de políticas municipais em economia solidária no âmbito de atuação do projeto Brasil Local NE1, dificultando a evolução e manutenção dos empreendimentos existentes, condição esta que revelou-se em obstáculo ainda maior a ser superado também pelos ADL´s na execução de suas ações e alcances de suas metas.
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realização de diagnósticos e planejamentos estratégicos com os empreendimentos; formação permanente da equipe, é relevante destacar que o processo desenvolvido no âmbito de sua execução não aconteceu de forma isolada, fechada em seus objetivos e metas a serem alcançadas. O Projeto Brasil Local-NE1 percorreu o caminho do diálogo e construção participativa envolvendo fóruns locais e estaduais no seu processo de organização. O eixo balizador do projeto e suas ações é o desenvolvimento local, dialogando assim com a prática da economia solidária como alternativa de um desenvolvimento que estabelece relações hori-
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oram capacitados 54 agentes de desenvolvimento solidário, 06 profissionais que se responsabilizaram com a articulação da economia solidária em cada Estado, 01 coordenação regional, e 02 profissionais dedicadas às atividades administrativo-financeiras do projeto.
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oram fortalecidas e apoiadas a organização de feiras de economia solidária e espaços de comercialização solidária que contribuíram para o fortalecimento dos empreendimentos econômicos solidários, bem como a gestão e auto-organização dos grupos.
Parte das principais ações desenvolvidas no âmbito do projeto se deu com uma metodologia própria, desenvolvida e sistematizada em uma cartilha publicada e amplamente divulgada pela AACC/RN com orientações referentes as etapas para realização de diagnóstico participativo e planejamento estratégico, junto aos empreendimentos beneficiados. Do mesmo modo, foi elaborado e entregue ao Agente de Desenvolvimento Solidário, um caderno composto de orientações sobre os principais temas abordados pela economia solidária no Brasil, e de técnicas de construção participativa dos planos de economia solidária, subsidiando o seu trabalho. Estes instrumentos se evidenciaram como um dos resultados destacados pelos ADS, refletindo na consolidação de uma metodologia de trabalho, norteadora de processos formativos
zontais no ambiente do trabalho e demais dimensões da vida. Diante dessa perspectiva os empreendimentos solidários estão na luta para realizar mudanças estruturais e se apropriar dos meios para as transformações necessárias em suas vidas, não se tratando, portanto, apenas de alternativa para o emprego, mas efetivamente, consolidando-se como um amplo processo de cooperação em torno do desenvolvimento local enquanto um caminho verdadeiro na construção de uma sociedade baseada na solidariedade. A presença de Agentes de Desenvolvimento Local, atuando como mobilizadores da economia solidária possi-
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oram realizadas diferentes ações de articulação institucional tanto nos Estados como nos municípios de atuação do projeto que envolveu os fóruns estaduais de economia solidária, as ações de formação do Centro de Formação de Formadores/as em Economia Solidária (CFES), a participação nos colegiados territoriais e espaços de articulação local.
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Processo de Planejamento Monitoramento, Avaliação e Sistematização (PMAS) contribuiu para identificar possíveis problemas no uso da metodologia utilizada e também foi uma ferramenta de monitoramento das ações do Projeto.
sistemáticos, ampliando uma ação para servirá de orientação para além dos objetivos Projeto Brasil Local Nordeste I. Por fim, pensar o contexto de inserção da experiência desenvolvida pelo projeto Brasil Local NE1 dentro de um programa de política pública, torna-se imprescindível perceber e reconhecer a capacidade de interlocução desta ação com as diferentes ações locais e territoriais no âmbito das políticas públicas e de organizações da sociedade civil. Dessa forma, é necessário abordar a economia solidária enquanto estratégia de desenvolvimento local, que prima por melhores relações e qualidade de vida, fomentando a necessidade da organização política, econômica e social dos empreendimentos econômicos solidários.
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Etnodesenvolvimento: histórias, lutas e conquistas no Brasil
Juscilene Barbosa1
A
emergência da temática e do debate do etnodesenvolvimento se inscreve na conjuntura que vai sendo desenhada nos últimos anos da década de 1980 e se aprofunda nos anos de 1990. Essas décadas se tornam palco das deliberações que estruturam as bases de uma política econômica e social para o ajuste de todas as nações à nova ordem mundial neoliberal, baseada numa “receita” de crescimento econômico, no domínio dos mercados monetários e financeiros, no crescente processo de industrialização e do progresso tecnológico.
A padronização desse modelo de desenvolvimento é imposta aos países ditos periféricos como possibilidade de modernização e de crescimento. Para Coraggio (2000), na América Latina, esse modelo de desenvolvimento trouxe resultados negativos que colocam em crise as economias locais, submetem ou destroem práticas e culturas tradicionais, por meio da exploração dos recursos naturais e da mão de obra local. Ao introduzir técnicas sofisticadas do capital que tem provocado a substituição do trabalho humano e a degradação das condições e expectativas de vida. No modelo de desenvolvimento capitalista, marcado por grandes projetos, não cabem os povos tradicionais e é na contramão desse modelo e na subversão dessa ordem que a discussão do etnodesenvolvimento ganha força e vai se concretizando em lutas específicas e
conjuntas das comunidades tradicionais como estratégia de outro modelo de desenvolvimento com enfoque na riqueza da diversidade e multiplicidade de povos e comunidades tradicionais. Nesse sentido, o etnodesenvolvimento exige, como bem lembra Stavenhagen (1985), o esforço de construir coletivamente uma proposta que parta do chão dos próprios grupos étnicos no interior de sociedades mais amplas, nas suas duas acepções, ou seja, tanto no desenvolvimento econômico de um grupo étnico, quanto no desenvolvimento de sua etnicidade. Partindo das necessidades das comunidades, na distribuição e de partilha dos bens produzidos, coloca a valorização e ampliação dos saberes endógenos na busca de solução dos problemas locais, numa ação de participação mais plena e de autonomia frente a modelos exógenos.
Nesse aspecto, tem presente em suas práticas de produção da vida uma relação de respeito e interdependência com os recursos naturais, portanto de preservação e conservação do meio ambiente num plano de auto-sustentação da comunidade. É um projeto comunitário, de múltiplas dimensões: educativo, político, simbólico, cultural, se contrapondo totalmente ao modelo capitalista, que por sua vez, se nutre de diferentes manobras políticas para seu fortalecimento em detrimento da exploração e acúmulo de riquezas. A PEC 2152 é uma prova dessas manobras e uma afronta às populações tradicionais, pois coloca os interesses dos povos indígenas à mercê da vontade e dos interesses econômicos da bancada ruralista e de seus aliados no parlamento. As luta dos povos indígenas contra a PEC 215 é também a luta de
Juscilene Barbosa é Pedagoga, estudante de Ciências Sociais. No período de 2009 a 2012 foi Articuladora Estadual do Projeto Brasil Local no Maranhão. Atualmente é coordenadora da Cooperativa de Trabalho e Comercialização Solidária Tecendo Sonhos –COOTECSOL no Maranhão.
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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que retira o poder da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e do Executivo de promover a demarcação das reservas indígenas no país e a transfere para o Legislativo, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
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todas as populações tradicionais pela vida e por um projeto próprio que hoje se traduz na proposta do etnodesenvolvimento. Nesse contexto, a Economia Solidária é apontada como um dos eixos estruturantes do etnodesenvolvimento. Encontra suas raízes nas práticas produtivas e reprodutivas da vida das comunidades e povos tradicionais. Na solidariedade, na partilha, na produção, autogestão da comunidade e dos bens e riquezas de seus territórios, por meio da posse coletiva da terra e dos meios de produção. As diferentes formas de partilha e de organização do trabalho, dos trabalhadores e trabalhadoras que as populações tradicionais mantém vivas, indicam que a prática da Economia solidária não é algo novo ou dado, mas enraizado nos fazeres cotidianos desses povos. Essas comunidades e populações não estão dispostas a colocar suas terras e sua cultura como elementos de transação comercial, visto que têm suas práticas mediadas pela solidariedade e não pelo lucro e vantagens ou crescimento econômico. Colocam o bem viver, acima das práticas comerciais. Nesse sentido, praticam e dão um sentido comunitário à Economia Solidária. Se os povos tradicionais têm participado de forma intensa nas plenárias e conferências e outros eventos macros de Economia Solidária e apontado à importância desta é porque a proposta da Economia Solidária se coaduna com a do etnodesenvolvimento. Essa participação demonstra uma relação orgânica que tem se construído e ampliado cada vez mais. Há representação dos povos e comunidades tradicionais em diferentes instâncias que discutem, formulam e implementam ações, projetos e políticas de Economia Solidária, a exemplo do Conselho Nacional de Economia Solidária. Com propostas de projetos e políticas com foco específico nas comunidades tradicionais e com objetivos de fortalecer suas práticas, sua etnicidade e sua autonomia. Há, no entanto, uma contradição nesses processos quando se pensa na autonomia como um dos valores da
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Economia Solidária. Muitos projetos voltados para o etnodesenvolvimento, mesmo sendo apontados como avanços, ainda apresentam e encontram muitos limites de ordem política, econômica, cultural e muitas vezes o processo de formulação ocorre à revelia do chão das comunidades a que se destinam e chegam às mesmas como pacotes prontos e como, “receitas” acertadas, que mesmo com toda “a boa vontade” negam o direito pleno de autodeterminação desses povos e de sua participação plena na construção das propostas que lhes dizem respeito.
O jornalista Quêner Chaves dos Santos, militante político e que assessorou o Etnodesenvolvimento do Projeto Brasil Local, lembra em artigo recente, que o etnodesenvolvimento e a Economia Solidária têm uma relação cíclica, há um fortalecimento recíproco. Se as políticas de Economia Solidária do governo federal têm programas específicos para as comunidades quilombolas, os povos tradicionais com suas práticas solidárias fortalecem a economia solidária. Lembra Quêner, o fato do movimento de economia solidária assumir, durante a I Conferência Nacional de Economia Solidária em 2006, o fortalecimento das lutas dessas comunidades, especialmente no que concerne à titulação de suas ter-
ras. Para esses povos a regularização fundiária é um dos pressupostos estruturantes do etnodesenvolvimento e quando a Economia Solidária assume junto essa luta, a relação orgânica se fortalece, se renova e se revigora. No âmbito das políticas públicas, foi criado em 2005, o Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária, hoje intitulado Brasil Local, como um programa específico da SENAES através do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi construído como uma política de fortalecimento dos povos e comunidades tradicionais, por meio de uma metodologia construída para o seu desenvolvimento. Em sua primeira versão, o projeto Brasil Local foi pensado para as comunidades quilombolas, chamado de Programa Brasil Quilombola (PBQ) e considerado pela SENAES como projeto-piloto de desenvolvimento. Com questões específicas direcionadas as comunidades quilombolas e contribuiu para a instituição da Agenda Social Quilombola. Essa agenda reúne questões consideradas centrais e estruturantes para o etnodesenvolvimento das comunidades tradicionais, a exemplo da regularização fundiária, infraestrutura e qualidade de vida dessas comunidades. Ainda em 2005, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), cria o Projeto de Etnodesenvolvimento Econômico Solidário das Comunidades Quilombolas, por meio da atuação dos agentes quilombolas, como dinamizadores das ações do programa. Entre essas, a identificação e um trabalho de fortalecimento dos empreendimentos econômicos solidários de 216 comunidades quilombolas em 23 estados brasileiros. Uma ação da atuação desses agentes que merece destaque foi o projeto que resultou na implantação do primeiro banco quilombola do Brasil, o Banco Quilombola de Alcântara, no Maranhão. Criado de um projeto coletivo, com uma moeda social própria, o Guará. O Banco Quilombola de Alcântara
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representa essas potencialidades que são possíveis de serem ativadas quando o desenvolvimento é pensado de forma endógena, construído nas dimensões da etnicidade de cada povo. Mesmo com as dificuldades que esse banco pode apresentar a experiência rica e bela de construir um banco comunitário com uma missão de impulsionar a construção do etnodesenvolvimento, de fortalecer a etnicidade da comunidade, com um conselho gestor comunitário e territorial, algo valioso que precisa ficar registrado. Essa história contribui para a contrahegemonia ao capital financeiro especulativo. O Banco Quilombola de Alcântara representa outros possíveis. Numa nova versão, já em 2006, a SENAES amplia essas ações e cria o Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária - PPDLES. A ideia continuou alicerçada nos mesmo pilares da versão anterior, só que de forma mais ampliada, atingindo vários segmentos: comunidades urbanas, rurais, tradicionais, tendo por dinamizadores os Agentes de Desenvolvimento Solidário que pertenciam às próprias comunidades/empreendimentos que seriam assessorados, animados e fortalecidos nas suas atividades autogestionárias. Em 2007 o projeto foi ampliado, porém sofreu problemas com descontinuidades. Em 2008 o Projeto PPDLES passou a ser denominado - Brasil Local: Desenvolvimento e Economia Solidária, executado pela Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos – COPPETEC em parceria com o Núcleo de Solidariedade Técnica - SOLTEC/ UFRJ e com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas - CONAQ. Teve como objetivo “Contribuir para o etnodesenvolvimento através do fomento à Economia Solidária e o fortalecimento da organização nacional e das organizações locais dos quilombolas, junto com os agentes de desenvolvimento local, por meio de
processos de formação dialógicos, da pesquisação, formação de redes e de cadeias produtivas.” Em sua missão, o projeto buscou trabalhar o etnodesenvolvimento nas comunidades quilombolas voltado para atividades produtivas realizadas nos territórios étnicos, respeitando a diversidade cultural e étnica dessas comunidades. Esse respeito estava inscrito na própria metodologia do projeto, que ao adotar a “pesquisa-ação” possibilitou à própria comunidade ser pesquisadora de si mesma, produzindo um conhecimento novo, advindo de sua experiência, do seu olhar diferenciado sobre essa experiência, e desse conhecimento novas perspectivas de ação, uma leitura endógena de promoção dos saberes e práticas tradicionais, garantindo o empoderamento dessas comunidades. Veja, esse foi um resgate muito, mais muito rápido, limitado e sucinto de um percurso histórico muito rico, cheios de avanços, mas também de descontinuidades. Mesmo esse rápido olhar sobre esses processos indica que houve muito avanço no debate do etnodesenvolvimento. Então isso se configura como uma importante contribuição do Brasil Local para a organização das comunidades quilombolas, para a formação de agentes, dinamizadores locais dos processos organizativos de autonomia e de participação. Em 2009 o Etnodesenvolvimento passou a ser uma linha específica na po-
lítica pública de Economia Solidária, inclusive com recursos diretamente a ele direcionado, contribuindo assim para maior visibilidade da proposta e ampliação de suas ações. Foram diferentes aprendizados, avanços e dificuldades existentes no processo. Quero pontuar aqui, no campo do Etnodesenvolvimento, a experiência específica do Maranhão. Neste Estado, no território Quilombola de Alcântara, houve uma intersecção de ações, que mesmo reconhecendo os limites, foi bem interessante, pois tanto aconteceram ações do Projeto Brasil Local de Desenvolvimento da Economia Solidária executado pela AACC/RN no Maranhão, quanto do Etnodesenvolvimento. Mesmo com muitas limitações e com problemas de diferentes ordens – substituição de agentes, dificuldades financeiras, as distâncias geográficas, entre outras - considero um avanço as ações que foram realizadas de forma conjunta. De uma forma geral houve muitos aprendizados e mesmo os agentes que não trabalhavam diretamente com o Projeto Etnodesenvolvimento aprenderam muitas dinâmicas, novos conceitos e seus significados políticos para uma atuação mais qualificada junto aos empreendimentos econômicos solidários de comunidades quilombolas dos seus municípios. Foi o caso do município de Santa Rita. Ali, a agente do Brasil Local AACC/RN trabalhava na perspectiva de fortalecer os processos autogestionários de dois empreendimentos de comunidades quilombolas (Comunidade do Sítio do Meio e Pedreiras) e suas ações se subsidiaram nos documentos, nas reflexões e nos subsídios teóricos do Etnodesenvolvimento. Isso foi interessante para que a agente entendesse e contribuísse com o debate comunitário das questões e dos desafios posto hoje para os povos tradicionais, de compreensão do que está entranhado quando se discute o Etnodesenvolvimento e sua relação com a Economia Solidária.
BIBLIOGRAFIA CORAGGIO, José Luis. Desenvolvimento Humano e educação. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2000 SANTOS, Quêner Chaves dos. Economia Solidária e o Etnodesenvolvimento: construindo uma política pública. S/data. STAVENHAGEN, R. Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no pensamento desenvolvimentista. Anuário Antropológico, 84, p. 11-44, 1985.
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Os aprendizados das experiências com Economia Solidária Joaquim Apolinar Nóbrega Diniz1
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sse texto visa lançar um olhar sobre as principais ações da AACC/RN no campo da Economia Solidária nos últimos anos, procurando destacar os avanços e limites das experiências, as contribuições efetivas aos empreendimentos solidários, as parcerias estabelecidas e os aprendizados gerados.
As primeiras ações da Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN - AACC/RN estiveram voltadas à assistência técnica a agricultores familiares em comunidades rurais e projetos de assentamento de Reforma Agrária nos municípios de Touros e Serra do Mel, no Rio Grande do Norte. A intervenção foi orientada por uma assessoria técnica e social que visava atender não só aos desafios da produção agrícola e organização, mas igualmente às limitações encontradas nas etapas do beneficiamento e da comercialização. Com o programa LUMIAR, a AACC/RN passou a prestar assessoria direta às famílias no Mato Grande e na região Oeste, sendo essa ação operacionalizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e que permitia a contratação de equipes multidisciplinares para assessoria a assentamentos federais. O programa Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária – ATES substituiu o anterior, de 2004 a 2007 a AACC/RN participou como equipe de articulação, ocasião em que pôde acompanhar 16 entidades de
Assistência Técnica e Extensão Rural ATER em assentamentos em todo o Rio Grande do Norte. Nos diversos Estados e no âmbito nacional se articulou o movimento em torno do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES, que estabeleceu um diálogo com a Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES, criada para coordenar as políticas públicas para esse segmento. Desse diálogo surgiram programas de fomento, assessoria e formação voltados à estruturação dos empreendimentos solidários. O FBES e a SENAES realizaram em 2006 a I Conferência Nacional de Economia Solidária, naquele momento foi destacada a necessidade de formação e assistência técnica e tecnológica como ações estratégicas para o fortalecimento dos empreendimentos solidários.
NEATES – Núcleo Estadual de Assistência Técnica em Economia Solidária Em 2008, a SENAES lançou o projeto Núcleo Estadual de Assistência Téc-
nica em Economia Solidária – NEATES, visando a formação de núcleos de assistência técnica descentralizada e o estímulo à criação de redes de cooperação de empreendimentos. No Rio Grande do Norte, o NEATES teve uma operacionalização mediada pela Rede de Comercialização Solidária Xique-xique e a AACC/RN, iniciando as atividades em 2009 em 4 territórios junto a 4 cooperativas, 12 associações, 5 feiras locais e 8 grupos informais. As principais atividades foram a elaboração de planos de ação e estudos de viabilidade econômica; formação em Economia Solidária e Gestão Associativa; assessoria ao planejamento, gestão e avaliação dos empreendimentos; e, realização de planos de comunicação e marketing, consultorias jurídicas e boas práticas em processamento de alimentos. Dentre os resultados gerados pelo projeto estão a construção participativa da metodologia para elaboração dos planos de ação e planos de negócios; melhoria dos processos de planeja-
Joaquim Apolinar Nóbrega Diniz, é Engenheiro Agrônomo, atualmente Professor Substituto do Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Sócio da AACC/RN e membro do Conselho Fiscal.
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mento e gestão das atividades produtivas com capacitação das coordenações dos empreendimentos; fortalecimento dos núcleos da Rede Xique-xique; elaboração de 30 planos de comunicação e marketing com desenvolvimento de marcas para produtos; maior participação dos empreendimentos no Fórum Potiguar de Economia Solidária, no Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário e em eventos.
Brasil Local O BRASIL LOCAL foi um programa também gerido pela SENAES que teve por objetivo promover o desenvolvimento local através do fomento a empreendimentos por meio de agentes. O programa teve uma primeira experiência e foi relançado em 2010, com uma ação articulada por um conjunto de Estados e em temáticas como Economia Feminista e Etnodesenvolvimento. A AACC/RN estabeleceu uma parceria para realizar a ação nos Estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, com o Instituto Florestan Fernandes, a Cooperativa de Produção e Serviços Técnicos Agrícolas do Piauí –
Encontro Estadual Brasil Local - Ceará
As atividades foram mobilizadas por 54 agentes junto a 162 empreendimentos solidários, em 47 municípios. Os avanços percebidos com a ação foram a sistematização de metodologia para elaboração de Planos de Economia Solidária; a melhoria da gestão dos processos produtivos dos empreendimentos com a elaboração dos planos; a articulação dos empreendimentos em grupos de trabalho, redes e fóruns nos municípios; o maior acesso aos programas públicos de comercialização; e, a apropriação das demandas dos empreendimentos pelos fóruns estaduais.
CFES – Centros de Formação e Apoio à Assessoria Técnica em Economia Solidária
ADLS - Loura - Maranhão
COOTAPI e a Associação do Loreto. Os fóruns estaduais de Economia Solidária foram parceiros determinantes, tendo participado do Comitê Gestor e se constituíram em espaço de controle social do projeto, sendo o Fórum Potiguar de Economia Solidária – FPES um interlocutor no RN.
Em 2012, a SENAES estruturou um programa voltado à formação, os Centros de Formação e Apoio à Assessoria Técnica em Economia Solidária CFES. Dentre seus objetivos estão o desenvolvimento de processos metodológicos de assessoria técnica à organização da produção, comercialização e finanças solidárias, o planejamento territorial de redes e cadeias produtivas e a formação de educadores. O CFES propôs como objetivo estratégico articular uma Rede de Formadores e Formadoras em Economia Solidária para dar suporte aos processos em curso. A proposta de construção de uma Rede origina-se no Seminário
Nacional de Formação em Economia Solidária em 2008. As atividades de formação aconteceram no âmbito nacional, na região Nordeste, no Estado e em oficinas locais, ocorreram também reuniões para articulação dos formadores no espaço do Fórum Potiguar de Economia solidária. As capacitações contribuíram para a qualificação de educadores em temas como Desenvolvimento e Economia Solidária, Comercialização e Finanças Solidárias, Políticas Públicas e Marco Regulatório. As atividades no Rio Grande do Norte foram planejadas e realizadas com o FPES, onde se organiza o Grupo de Trabalho de Formação formado por representantes dos núcleos dos territórios.
Balaio de Economia Solidária Uma outra ação ocorreu no RN através do projeto BALAIO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, através de uma parceria entre as 9 organizações da REDE PARDAL, a Rede Xique-xique, o Centro Feminista 8 de Março e a AVSF – Agrônomos e Veterinários Sem Fronteiras, com o apoio da União Europeia. O projeto teve suas atividades entre 2010 e 2012, junto a 50 empreendimentos solidários dos territórios do Sertão do Apodi, Açu/Mossoró e Mato Grande. As atividades foram voltadas à prestação de assessoria e investimento aos empreendimentos, elaboração de planos de Economia Solidária, formação de mulheres em Economia Feminista e elaboração de um
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Plano de Articulação Política. Pemba, Cristino Castro - Piauí
Os principais resultados foram relacionados ao fortalecimento dos empreendimentos nos processos produtivos e capacidades gerenciais; formação de mulheres e realização do Seminário Internacional sobre Economia Solidária e Economia Feminista; e, realização da campanha pela criação do Fundo Estadual de Fomento à Economia Solidária.
Banco Solidário do Gostoso Os bancos comunitários são experiências no campo das finanças solidárias que podem implementar fundos rotativos, grupos de troca, linhas de crédito e emissão de moeda social como instrumentos de dinamização das economias locais. Uma parceria entre a SENAES e a Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial - ITES, ligado à Universidade Federal da Bahia, tem como propósito o estímulo à criação de bancos comunitários em Estados da região Nordeste. A proposta foi apresentada ao Fórum de Participação Popular nas Políticas Públicas de São Miguel do Gostoso – FOPP, em setembro de 2011, na agrovila Paraíso. Em reunião posterior o FOPP aprovou a implantação de um banco comunitário no município. O processo de construção do banco ocorreu através de oficinas nas reuniões mensais do FOPP, onde se aprofundou sobre os objetivos do mesmo, a operacionalização, linhas de crédito, conselho gestor, área de atuação, além das definições do nome, valores e símbolos da moeda. Em 21 de dezembro de 2012 foi criado o Banco Solidário do Gostoso na comunidade rural da Tabua, contando com o comitê gestor formado pelo SINTRAF, STTR, Rede Xique-xique, COOAFES, FOPP, Associação de Santa Fé, Associação de Arizona, Associação de Mulheres, Jovens e Produtores de Tábua – AMJP, AACC/RN e TECHNE. O Banco Solidário do Gostoso lançou a moeda social “Gostoso”, já aceita em estabelecimentos da sede do município, e iniciou seu funcionamen-
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to com linhas de crédito para consumo, produção, serviços e uma modalidade para jovens.
Experiências, Parcerias e Aprendizados O acompanhamento às experiências de agricultores e agricultoras familiares e outras categorias, a participação em redes e fóruns de organizações e a execução de programas e políticas públicas são as principais fontes de aprendizado da atuação da AACC/RN. As condições das famílias de comunidades rurais e assentamentos demonstram que além das atividades produtivas agrícolas encontramos também atividades não-agrícolas com sua importância relativa. O desafio de promover uma produção sustentável demanda aprimorar também o beneficiamento e a comercialização, o que aproxima a articulação entre os princípios da Agroecologia, Convivência com o Semiárido e Economia Solidária. A sustentabilidade dos processos produtivos demanda superar as desigualdades de gênero e geração, com ações específicas com mulheres e jovens e fortalecimento das capacidades das organizações. Em grande parte, as experiências de Agroecologia e Economia Solidária estão sendo gestadas por mulheres, assessorar essas experiências demanda apoiar ações afirmativas na
perspectiva da autonomia. As redes e fóruns são espaços estratégicos de construção democrática e influência sobre as políticas públicas. Os programas públicos de Economia Solidária são ações que têm contribuído para facilitar o acesso de assessoria técnica, fomento e formação a empreendimentos e instituições de apoio com resultados concretos. Por outro lado, os programas têm apresentado um alcance limitado frente às demandas e o número de empreendimentos, e principalmente uma recorrente descontinuidade. A participação em todas as experiências relatadas alimentaram um importante aprendizado para a AACC/RN nos últimos anos. No caso do Banco Solidário do Gostoso aprendemos e estamos aprendendo todos juntos, a partir da iniciativa de mulheres e homens, grupos, associações, sindicatos, do FOPP de São Miguel do Gostoso e das parceiras. O banco definiu como visão de futuro: “Atender a todo município de São Miguel do Gostoso, com responsabilidade, união, compromisso e amor, para construir um banco sustentável, reconhecido e atuante.” A construção de um mundo novo pode facilitar a satisfação das necessidades materiais sob a perspectiva da solidariedade e do amor. E passo a passo, o planeta começa a ficar um pouco mais sustentável.
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A experiência do Banco Comunitário de Desenvolvimento Solidário de São Miguel do Gostoso/RN Marialda Moura da Silva e Marcos Antônio Leonez1
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om a criação do Banco Palmas no Conjunto Palmeiras em Fortaleza-CE, se inaugura no Brasil, uma experiência que vem sendo multiplicada em diferentes regiões do Brasil e já soma mais de 100 Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs) em desenvolvimento no país. assessoramento e implementação (oficinas, contratação de design e confecção das cédulas, materiais de divulgação, equipamentos de informática e de escritório, cofre, pequeno investimento para estrutura física do banco, contratação de um agente de crédito, etc.) aonde quase da totalidade dos recursos necessários vem por meio de convênios, firmados entre as instituições e o governo federal, através da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES/ MTE.
Para o fortalecimento dessas experiências os Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs), tem recebido apoio de diferentes organizações, sejam universidades, através de suas incubadoras, ou mesmo organizações não governamentais. Considerando as ONGs, as mesmas que atuam com assessoria a mobilização, organização e gestão dos BCDs, as universidades na área de pesquisa, capacitação,
É importante ressaltar que os Bancos Oficiais, em especial a Caixa Econômica Federal, também tem apoiado essas iniciativas, realizando parcerias para que os Bancos Comunitários atuem como correspondentes bancários nas próprias comunidades onde estão instaladas as experiências. Enquanto instância governamental, a SENAES/MTE tem sido uma parceria importante nesse processo, apoiando a criação dos bancos e viabilizando por meio de projetos institucionais as ações de capacitação e assessoria ao seu funcionamento. Conforme documento base do 3º Encontro da Rede Brasileira de Bancos Co-
munitários de Desenvolvimento, os Bancos Comunitários nasceram voltados para o desenvolvimento integrado da comunidade com foco prioritário no atendimento dos mais pobres, para criar uma alternativa ao sistema bancário vigente e para fortalecer a organização comunitária. Nessa perspectiva, os bancos comunitários no Brasil tem se inserido nas dinâmicas territoriais, Redes, Fóruns e Encontros que fortalecem o debate e as iniciativas de Finanças Solidárias, onde o mesmo se insere. No Rio Grande do Norte, a primeira iniciativa de organização de um Banco Comunitário, nasceu no dia 21 de dezembro de 2012 com a criação do Banco Comunitário de Desenvolvimento Sustentável de São Miguel do Gostoso. Sendo que para isso, no mês de junho de 2011, a Associação de Apoio às Comunidades do Campo do RN, fez o primeiro contato com a Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial, incubadora essa da Universidade Federal do Estado da Bahia. Na
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Marialda Moura da Silva é Assistente Social, Mestre em Ciências Sociais, coordenou o projeto NEATES, o Projeto Brasil Local Nordeste I, integra o Centro de formação de educadores/as (CFES). Atualmente é Coordenadora Geral da AACC/RN.
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Marcos Antônio Leonez Bezerra é Engenheiro Agrônomo, compôs a assessoria técnica do Projeto NEATES (Núcleo Estadual de Assistência Técnica em Economia Solidária), Balaio da Economia Solidária (parceria da AACC/RN/Rede Pardal com apoio da União Europeia), técnico responsável pelo acompanhamento à criação e gestão do Banco Comunitário Solidário de São Miguel do Gostoso pela AACC/RN. Foi Articulador Estadual do projeto Brasil Local no Rio Grande do Norte (de junho a setembro de 2012) Atualmente participa do Projeto Economia Solidária RN (SETHAS/COPES).
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oportunidade foram obtidas informações sobre o projeto Rede Nordeste de Bancos Comunitários de Desenvolvimento, projeto esse desenvolvido pela ITES. Esse projeto tinha o objetivo de fomentar o processo de consolidação dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs) da Região Nordeste, através do apoio e acompanhamento a 26 bancos já existentes, além de fomentar e apoiar a criação de 6 novos bancos comunitários na região. No mesmo ano, sendo que em setembro, foi feito um convite à incubadora para fazer uma apresentação do projeto na sede da AACC/RN. Após esse momento foi definido o apoio e acompanhamento da AACC/RN no processo de implementação de um BCD no Rio Grande do Norte, inclusive indicando a cidade onde se iniciaria a discussão e implementação do projeto, além de designar um profissional da instituição para acompanhar e apoiar. Desse processo, a AACC/RN participou e apresentou a proposta no Fórum de Participação Popular nas Políticas Públicas de São Miguel do Gostoso – FOPP, a fim de articular uma apresentação do Projeto Rede Nordeste de Bancos Comunitários de Desenvolvimento. O FOPP realizou uma reunião no dia 16 de setembro de 2011, na comunidade rural de Paraíso a 13 km da sede do município. Foram necessárias duas reuniões do Fórum para decisão e encaminhamento dos passos seguintes, onde nos dias 08 e 09 de dezembro de 2011 estaria sendo realizada a 1ª oficina de criação do Banco Comunitário. É importante ressaltar que todo o processo de implantação do BC teve o apoio do Projeto “Rede Nordeste de Bancos Comunitários de Desenvolvimento”. Em São Miguel do Gostoso, a Associação de Mulheres e Jovens Produtoras/es (AMJP) da Comunidade de Tabua, é a entidade gestora do Banco Comunitário. Adotaram como Moeda Social “O Gostoso” que se apresenta em notas de 0,50; 1,0; 2,0; 5,0; 10,0 Gostosos. Para José Priciano Barbosa de Araújo, um dos agentes de crédito do Banco Comunitário de São Miguel do Gostoso, o principal motivo para criação do banco comunitário foi o de “melhorar a qualidade de vida da população dos nativos de São Miguel do Gostoso”. Ele reforça que esse processo se iniciou no ano de 2011 com a visita da ITES/UFBA e a realização de uma apresentação em reunião do Fórum Popu-
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lar de Políticas Públicas de São Miguel do Gostoso, que definiu pela sua criação, dada a importância para o município. Após essa definição foram realizadas oficinas para construção do banco, sendo inicialmente de economia solidária e de finanças solidárias, tanto na comunidade Tabua, bem como fora do Estado, nos lugares onde já se desenvolve a experiência. Também foram realizadas reuniões na comunidade e intercâmbios. Priciano destaca que nesse processo, foi importante compreender a diferença entre um banco comunitário e um banco convencional, especialmente pelo processo participativo que o distingue e pela autonomia que é dada a comunidade local, pois é ela quem cria o banco, não é, por exemplo, a prefeitura que o cria, apesar de que ela é importante como parceira. A comunidade de São Miguel do Gostoso tem sido bem participativa e tem apoiado, a contento, o seu desenvolvimento. Desde sua criação, tem se ampliado as adesões de comerciantes que passaram a aceitar a moeda social “Gostoso”. Na comunidade de Tabua, todos os estabelecimentos comerciais aderiram à proposta, no momento em que foi realizada essa reportagem, se contabilizava 27 espaços comerciais que aderiram à proposta na sede do município, sendo identificadas entre estes, supermercados, padarias, farmácias e restaurantes. Outras iniciativas para o Banco se fortalecer tem sido a realização de bingos e sorteios. O Banco Comunitário, já está fortalecendo a comunidade com a liberação de créditos, sendo todos para produção e consumo. Até o momento, o maior crédito acessado foi de 300 Gostosos. Nesse processo, observamos alguns desafios que foram enfrentados ao longo da trajetória de construção do Banco Solidário do Gostoso, mas mesmo com as dificuldades apresentadas, existiram pessoas e entidades que acreditaram que era possível superar e viabilizar todo o processo de fundação do primeiro Banco Comunitário do estado do Rio Grande do Norte, isso no município de São Miguel do Gostoso. Um dos desafios enfrentados, inicialmente, foi a pouca participação de pessoas nas primeiras oficinas realizadas, em média 25 pessoas. Entretanto, a organização e o comprometimento da entidade gestora, das entidades de apoio e fomento parceiras do projeto, como também da ITES/UFBA em uma parceria realizada diretamente com
a AACC/RN, essa dificuldade foi superada, dando andamento a todo o processo de formação e fundação do Banco. É importante ressaltar que sem essa organização e comprometimento, dificilmente seria possível superar outros desafios que surgiram ao longo do tempo, dentre os quais: A falta de recursos para formação do lastro do Banco, número reduzido e pouco envolvimento de entidades de apoio e fomento no processo de inicial de construção, desconfiança no trabalho realizado, pois se tratava de algo novo, recursos limitados para mobilização, no que diz respeito à alimentação e transporte. Atualmente, o Banco Comunitário de São Miguel do Gostoso funciona diariamente no período de terça a sexta-feira nos dois turnos e contam com a contribuição de 03 agentes de crédito que se reversam no expediente e são realizadas reuniões mensais do Conselho Gestor, instância onde são tomadas as decisões relativas ao Banco e que é composto pela AMJP; a Associação de Santa Fé; Associação de Mulheres de Novo Horizonte, Associação da Comunidade Arizona , Rede Xique-xique, SINTRAF; STTR; a COOAFES, o FOPP, AACC/RN e TECHNE. Além do Conselho Gestor tem o Comitê de Avaliação de Crédito – CAC, formado pelos 02 Agentes de Crédito, 01 participante da comunidade de Tabua e 01 participante do Conselho Gestor. Para deliberar sobre questões relacionadas à organização e gestão do Banco Solidário do Gostoso, nome fantasia do Banco Comunitário de Desenvolvimento Sustentável de São Miguel do Gostoso, o Conselho Gestor do Banco se reúne uma vez ao mês e o Comitê de Avaliação de Crédito tem reunião semanal ou quando há demandas, a fim de avaliar e aprovar as propostas de solicitação de crédito enviadas ao Banco. Tem aumentado o número de visitas ao Banco Comunitário de São Miguel do Gostoso, estimulando o desejo de criação de novas experiências. Nesse sentido, o Banco Comunitário, bem como a AACC/RN, tem refletido sobre essa questão, onde em conjunto está planejando a realização de um Encontro Estadual de Finanças Solidárias, ainda este ano, a ser realizado no município de São Miguel do Gostoso para que esse debate possa fluir e estimular novas experiências no Estado.
Para aprofundar Livros/Cartilha
A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA Autora: Rosangela Nair de Carvalho Barbosa
ECONOMIA SOLIDÁRIA: Caderno do Agente do Brasil Local e empreendedores solidários
UMA OUTRA ECONOMIA É POSSÍVEL
A ECONOMIA SOLIDÁRIA EM CONSTRUÇÃO Os agentes de Desenvolvimento Solidário e a mobilização social Uma Sistematização de Experiências do Brasil Local Organizadores: Ademar de Andrade Bertucci e Vanda Maria de Almeida Fernandes Editora: Cáritas Brasileira Assunto: Organização Comunitária, Desenvolvimento Local, Relações de Trabalho, Brasil Local. A publicação reúne a sistematização de experiências e práticas por empreendimentos e organizações do movimento de economia solidária durante o percurso do Brasil Local. Na diversidade das experiências sistematizadas 05 (cinco) foram acompanhadas pelo Projeto Brasil Local Nordeste I – coordenado pela AACC/RN.
Organizadores: André Ricardo de Souza Gabriela Cavalcanti Cunha Regina Yoneko Dakuzaku Editora: Contexto Assunto: Economia É possível pensar numa economia mais humanizada e solidária, numa época caracterizada exatamente pelo desemprego, pela desumanização dos mercados e pela exclusão social? Este livro prova que sim. Os textos aqui reunidos mostram que, mesmo em um mundo cada vez mais globalizado, há saídas e alternativas à lógica perversa que rege o trabalho no capitalismo. Os autores relatam uma série de experiências bem-sucedidas, que revelam, na prática, ser realmente possível uma outra economia, baseada na solidariedade e na generosidade humana. O livro faz ainda uma justa homenagem ao economista Paul Singer, um dos maiores estimuladores da chamada economia solidária no Brasil.
A ECONOMIA SOLIDÁRIA NA AMÉRICA LATINA: realidades nacionais e políticas públicas. Organizadores: Sidney Lianza Flávio Chedid Henriques Pró-Reitoria de Extensão UFRJ -RJ Assunto: economia solidária, america latina Este livro é fruto de um seminário organizado por três instituições: o Núcleo de Solidariedade Técnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (SOLTEC/UFRJ), a Rede de Investigadores Latinoamericanos de Economia Social e Solidária (RILESS) e a Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (SENAES/MTE). O Seminário “Economia Solidária na América Latina: Realidades Nacionais e Políticas Públicas” ocorreu entre os dias 26 e 28 de outubro de 2011 na cidade do Rio de Janeiro, no Centro de Tecnologia da UFRJ, e teve como principal objetivo traçar um painel das políticas públicas de economia solidária na América Latina.
AACC/RN - SENAES/MTE Assunto: Economia Solidária, desenvolvimento local solidário, etnodesenvolvimento, economia feminista, agroecologia Esta cartilha é fruto de uma parceria firmada entre a Associação de Apoio às Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte – AACC/RN e a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, do Ministério do Trabalho e Emprego, para a execução do Projeto BRASIL LOCAL e está organizada em duas partes, a primeira reúne informações conceituais sobre Economia Solidária – fundamentos e princípios - e temas correlacionados, como desenvolvimento local solidário, etnodesenvolvimento, economia feminista e empreendimentos de economia solidária - EES. A segunda parte apresenta uma síntese da metodologia que foi utilizada no acompanhamento dos EES, especialmente na construção de diagnósticos participativos e dos planos de Economia Solidária – PES para o desenvolvimento dos empreendimentos.
Editora: Cortez Assunto: Economia Solidária, Políticas Públicas As transformações que vêm atingindo o modo de produção capitalista, com a construção de um novo padrão produtivo, tecnológico e organizacional que intensifica a exploração do trabalho, vêm provocando grandes impactos no assalariamento, gerando desemprego, excluindo trabalhadores do mercado formal e ampliando o trabalho autônomo, parcial, terceirizado e temporário. Esse contexto, de redefinições das relações de trabalho na sociedade brasileira atual, impõe ao Estado um conjunto de iniciativas e o desenvolvimento de novas políticas públicas, associadas ao enfrentamento da informalidade, no campo de empreendedorismo, entre as quais as cooperativas de Economia Solidária. A partir desse quadro, Rosângela Nair de Carvalho Barbosa enfrenta, com competência, o desafio de analisar o sentido social da economia solidária como política pública no Brasil, seja como estratégia emergencial de baixa resolutividade, seja como possibilidade de sua constituição como sujeito socioeconômico capaz de enfrentar o empobrecimento dos trabalhadores.
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Sonho de Muitos O meu sonho é tecido Com as mãos de muita gente É um sonho coletivo
Solidário Eu faço muita coisa Usando meu saber Brinquedo de criança Docinhos pra comer Eu vendo lá na feira Para sobreviver. Eu faço artesanato Eu planto o de comer Eu troco com o vizinho O que não sei fazer E quando está sobrando Eu levo pra vender. Não sou nem agiota Nem grande empresário Não sou desempregado Nem sou um mercenário Eu vivo com os outros De um jeito solidário. Chico Morais Natal, 5/6/2005
E tem força de semente Nasce, cresce e frutifica Faz um mundo diferente O meu sonho de amor Quer que todos vivam em paz Quer comida em cada mesa Igualdade e muito mais! O meu sonho é um projeto: Coisa que a gente faz. É bem simples meu projeto Coisa, assim, de coração, Pulsa dentro do meu peito E ressoa em cada irmão Porque sonho contagia Se sonhado em união. Chico Morais Natal, agosto de 2010.