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UMLIVRODANÇAPARADIVAGAR

Este livrodança é um material híbrido. Apresenta textos, fotos, desenhos e links para vídeos de improvisações. Todos os materiais estão interconectados de forma orgânica, mas os leitorespectadores podem escolher como, em qual tempo e o que desejam acessar.

Longe de querer prescrever um modelo para a leituraudiência dos vídeos, desenhos, movimentos e textos presentes neste livrodança, convido todos a acessar o material de forma livre, elegendo e escolhendo partes dos vídeos apresentados, navegando pelos textos e imagens sem necessariamente seguir uma ordem.

É preciso esclarecer em relação aos vídeos: os trabalhos de movimentação improvisada foram pensados como estudos de corporificação dos textos, como ensaios para movimentá-los – e não como videodanças. Alguns textos (quando transformados em escores) geraram um movimento improvisado de quase uma hora ou mais, uma composição lenta, que foi nascendo no ato de improvisação. Assim, a plataforma destes vídeos é realmente o livrodança. Explicitar esse tempo de escuta do corpo, um tempo mais silencioso, pouco espetacular e eu diria até pouco cotidiano – se considerarmos a vida acelerada que nos permeia – era primordial neste trabalho que é um elogio ao lento, ao silencioso e ao devagar.

Também, as danças improvisadas a partir e com os textos geraram fotos e desenhos, uma notação sensível capaz de rememorar alguns princípios da experiência que podem ser desdobrados em futuras improvisações.

A ideia inicial deste livrodança surgiu a partir de um laboratório ministrado pela artista e filósofa Ana Mira, que realizei pouco antes da pandemia de Covid-19, no centro em movimento de Lisboa1. Neste laboratório, uma das propostas foi a criação de escores a partir de textos filosóficos: fizemos leituras em voz alta, grifamos e marcamos textos, para posteriormente criarmos escores que dançaríamos e improvisaríamos. Por isso, achei importante aqui, neste livrodança, apresentar uma entrevista com Ana Mira, artista que tem dedicado muitos anos de pesquisa sobre as relações entre pensamento, filosofia e dança.

Finalmente, exponho que este livrodança insere-se numa linhagem de trabalhos corporais que eu, desde 2015, vinha desenvolvendo, com livros2. Entre danças e performances, arrastei, carreguei e amarrei muitos livros, mergulhei em pilhas de livros e realizei um context specific para bibliotecas e ambientes acadêmicos. Este livrodança foi, então, um exercício de transformar o livro em um meio-obra e não somente em tema, imagem, objeto cênico ou discurso presente nas ações.

1 O centro em movimento (c.e.m) é uma espécie de não-escola, localizada em Lisboa. Desde 1990, se dedica a múltiplas áreas de investigação artística, atravessadas pelos estudos do corpo, do movimento e do comum.

2 No apêndice do livro anterior a este, apresento a linhagem destes trabalhos realizados com objetos-livros. Arslan, L.M. CORPO (sentido); corporeidade e estesia nos processos de ensino-aprendizagem. Uberlândia: Regência e Arte Editora, 2020.

QUANDOVESTIMOSOPENSAMENTO?

QUANDODANÇAMOS-PENSAMOS?

Percebi que os textos lidos com o corpo consciente podiam ser complexificados e incorporados. A experiência de realizar danças a partir de pensamentos e reflexões filosóficas me convidou a identificar certas anestesias geradas por certos hábitos de aproximação de alguns discursos/textos, os quais vinha me dedicando a estudar e a aprender-ensinar.3

Entre as ocupações que escolhi para a minha vida, a docência e a pesquisa, deparo-me com leituras que convidam à mobilidade – dos mínimos aos grandes gestos – na vida. Quando estudo, almejo que meus pensamentos, de algum modo, se transmutem em mais vida. Assim, desejei navegar pelas danças que nascem das palavras, imaginei a ação de ler como uma coreografia para fazer as palavras reverberarem na vida.

Estranhar-se no ato de ler, dançar os textos por via de escores abertos foi uma estratégia para ler através do coração (como anuncia o trabalho da artista Mette Edvardsen). Mergulhar no exercício de reconhecer as vibrações dos discursos e experimentar acolher as leituras que excitam e fazem acordar o corpo, reler com os ouvidos, ler com cochiladas, pela voz do outro, girando, arrastando e saltando. Discursos geram danças e danças também

3 Existem vários artistas e festivais que têm levantado questões próximas, dentre os quais destaco a plataforma curatorial "Atos de Fala", que desde 2011 tem realizado ações voltadas para a relação entre o texto e a performance. Concebida por Felipe Ribeiro e Cristina Becker, vídeos e catálogos podem ser acessados no site: https://www.atosdefala.com.br/ geram discursos e pensamentos que acordam e transbordam na vida cotidiana. Dançamos-pensamos.

Através do corpo em movimento ou do corpo em pausa (consciente), podemos compreender os sentidos da leitura somática, provar as palavras assumindo seus limites e suas capacidades para transformar. Qual o alcance das reverberações causadas por uma leitura? Como prolongar o que se lê no mundo? Como um discurso é incorporado?

Tais perguntas relacionam-se com as ideias anunciadas no campo de estudos da somaestética, criado pelo filósofo Richard Shusterman, o qual resgata, através da filosofia e até mesmo das teorias da cognição, como a aprendizagem e o pensamento reflexivo nascem do corpo integral.

O título Danças para vestir o pensamento4 me pareceu uma ótima alegoria para a relação intrínseca entre pensamento e dança. Da forma como aprendi e como venho praticando dança, não consigo mais separar pensamento - dança.

4 Esse nome foi sugerido durante uma aula com a professora Camila Soares de Barros, na qual ela estava apresentando o processo do seu trabalho heterológica, realizado em coautoria com Thiago Righi. O livro digital com a documentação deste trabalho pode ser acessado no site https://www.camilasoares.com.br/heterologica

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