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i P r贸digo revista
www.iprodigo.com | outubro 2011 | n. 01
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do
Pa i P r贸digo
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O Pai Pródigo
por Josaías Júnior
m geral, quando falamos de pródigo, associamos rapidamente a palavra à ideia daquele que retorna para casa. Os juristas, por outro lado, nos lembram do sentido original da palavra – aquele que gasta de maneira irresponsável ou, num sentido mais positivo, generosamente. Tim Keller ouviu algumas reclamações ao divulgar seu livro, O Deus Pródigo. Dizia-se que era uma blasfêmia falar que o Senhor age de maneira irresponsável. Porém, não foi isso que o pastor presbiteriano quis dizer. Keller observou que, na parábola do Filho Pródigo, aquele que mais abriu mão de seus bens não foi o filho que saiu de casa, mas o pai. Aos olhos humanos, pode-se até dizer que o pai agiu de maneira irresponsável – ele recebe sua criança perdida com uma grande festa, nada cobra da fortuna que o menino desperdiçou, não pensa em sua reputação ou no preço do bezerro cevado e dos outros alimentos servidos na comemoração. Da mesma forma, Deus, por amor aos pecadores, aos rebeldes e mentirosos, entregou seu único Filho. Nosso Pai permitiu que aquele a quem ele amava, o ser mais doce, belo, puro, amoroso, glorioso, sábio e amável, fosse trocado por pessoas amargas, irresponsáveis, mentirosas, tolas, hipócritas, imorais e fofoqueiras. Deus não poupou nem seu Filho, pois perdoar envolve perder – por amor. Nosso Deus é semelhante ao pai pródigo da parábola. Como nos ensina Paulo, o Criador não poupou seu próprio Filho por amor a filhos perdidos e ainda nos promete muito mais (Romanos 8.32). O nome disso é Graça: generosidade para rebeldes que saíram de casa. Nossa revista fala das implicações dessa graça divina e chama cada leitor a meditar sobre essa maravilhosa disposição do Salvador. Minha oração é que você esteja entre aqueles que estavam mortos e reviveram, estavam perdidos, mas foram encontrados (Lucas 15.32). O pai pródigo nos chama para seu grande banquete. Como recusar? Josaías Jr. é mestre em comunicação social pela Universidade de Brasília e editor-chefe da revista iPródigo
Capa: Detalhe de O Filho Pródigo, de Julius Schnorr von Carolsfeld, 1860.
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o progresso do peregrino
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Sumário edição n. 01 | outubro 2011 | A Parábol a do Pai Pródigo
Ele recebe pecadores
Encontrados para Sua alegria
Por que o filho pôde voltar
Ódio e assassinato
Perdido na casa de seu próprio pai
Checklist
Seria Deus bipolar?
Pregando o Evangelho para “irmãos mais velhos”
A vida até parece uma festa
O abuso da graça
Graça e consumação
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YAGO MARTINS IvONeTe SIlvA PORTO AlexANdRe MeNdeS WIlSON PORTe JR. ROSTheR GUIMARãeS AlleN PORTO fIlIPe NIel JUAN de PAUlA
eMIlIO GAROfAlO NeTO
ISAíAS lObãO dIlSIleI MONTeIRO
REVISTA IPRÓDIGO é uma publicação do site IPRÓDIGO | iprodigo.com CRIADO POR Gustavo Vilela, Rafael Bello, Josaías Júnior, Filipe Schulz e Daniel Torres EDITOR-CHEFE E DIAGRAMAÇÃO Josaías Júnior REVISÃO Filipe Schulz e Carla Ventura Agradecemos aos nossos voluntários, articulistas, anunciantes, à Editora Fiel e a todos que doaram tempo e recursos ao nosso projeto. Agradecemos também aos nossos irmãos da Congregação Presbiteriana Semear pelo apoio e pela orientação. Tiragem: 2000 exemplares.
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ELE recebe pecadores POR YAGO MARTINS
“E Chegavam-se a ele todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores, e come com eles” (Lc 15.1,2).
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uando lemos a Bíblia e passamos, por vezes rapidamente, por esses dois versos do livro de Lucas, corremos o risco de não darmos a esse texto a atenção que ele merece. Reconheço que, à primeira vista, ele pode parecer desinteressante. Porém, é de uma profundidade incalculável. Era um sábado (14.1). Jesus foi contra os costumes dos Judeus e curou um homem no dia do descanso (v. 3,4). Os fariseus ficaram mudos (v. 6) e o Mestre repreendeu-os com parábolas (v. 7-24). Naquele momento, uma multidão ia com Cristo (v. 25) e todos os publicanos e pecadores chegavam-se a Ele para ouvir seu ensino (15.1). O texto diz que os fariseus e escribas, que já estavam desgostosos, começaram a murmurar contra Cristo, acusando-o de receber pecadores e de comer com eles – o que Jesus estava realmente fazendo. Existe uma realidade incrível nesta 4
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breve denúncia contra Cristo. Sabendo que essa acusação era verdadeira, só podemos exultar diante de tão gloriosa declaração: Jesus recebe pecadores. Se você, amigo leitor, não é servo de Cristo, não busca viver uma vida completamente voltada para Ele e não tem professado-o, com palavras e ações, como Senhor de sua existência, essa é a melhor notícia que você poderia receber em toda sua vida: Jesus recebe pecadores. Você pode ser aceito por Deus através da obra de Cristo naquela Cruz. Chore aos pés do Senhor em oração e clame para que Ele te receba como filho. Ele mesmo declara: “Todo... o que vem a mim, de maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo 6.37). Ainda que você, caro irmão, seja cristão e já viva submisso ao Grande Rei, essa verdade ainda precisa estar ressoando por toda sua mentalidade. Nunca esqueça: Jesus recebe pecadores. Quando você, em
Detalhe de O Retorno do Filho Pródigo, de Rembrandt van Rijin, 1636
momentos de fraqueza, embriagar-se com o veneno do pecado e for contra os mandamentos de nosso Legislador, não esqueça que Ele te recebe. Ouça a doce voz de Cristo, dizendo: “Não te deixarei, nem te desampararei” (Hb 13.5). Busque o Senhor nos momentos de fraqueza e de pecaminosidade. Ele estará contigo todos os dias, até a consumação dos séculos (Mt 28.20). Caso você já tenha, em algum momento, entregado sua vida a Cristo e hoje vive com se nunca o tivesse feito, se você está desviado dos passos de Jesus, saiba que ainda há uma esperança para você: Jesus recebe pecadores. Não importa se você quebrou todas as promessas que fez para Deus, Ele continua dizendo: “Vinde a mim!” (Mt 11.28). Ouça a voz do Grande Pastor, te convocando de volta para o aprisco. Jesus está disposto a receberte, mas “buscai ao SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” (Is 55.6), pois amanhã pode ser tarde demais. Algo mais pode ser dito sobre esse curto texto do livro de Lucas. Os judeus não acusaram Jesus apenas de receber pecadores, mas também de alimentar-se com eles. Para a época, comer junto de alguém era um ato imenso de amizade e relacionamento. Tão glorioso quanto o fato de Jesus receber pecadores é nosso Cristo ser amigo de pecadores (Lc 7.23). Amigo não-cristão, eu imploro, torne-se amigo de Jesus. Vivendo como hoje vive, você é um inimigo de Deus (Rm 5.10) e a Ira dEle está sobre você (Jo 3.36)! Arrependase de seus maus caminhos e abrace o manancial de glória que é saber que Cristo é amigo de pecadores. Busque,
pela fé, achegar-se a Deus e Ele estará disposto a relacionar-se com você. Você, irmão em Cristo, alegrese na verdade de que Jesus é amigo de pecadores. Ele mesmo nos presenteou com tão graciosas palavras: “Já vos não chamarei servos... mas tenhovos chamado amigos” (Jo 15.15). Dedique-se à oração e à leitura bíblica. Busque relacionar-se com Cristo. Ele é um amigo amoroso, por graça, de pecadores como nós. “Não há maior prova de amor de que dar a própria vida por seus amigos” (Jo 15.13). E, finalmente, você que é desviado dos passos de Cristo; que já tentou seguir ao Pai, mas desviou-se do caminho – eu clamo: seja amigo de Jesus! Ainda que sua amizade com Deus esteja por um fio, ainda que exista a possibilidade de esta amizade nunca ter existido, não desista de relacionar-se com o Salvador. Se você já esteve verdadeiramente no aprisco de Deus, Ele te trará novamente à casa do Pai (Lc 15.4,5). Quão gloriosas são estas verdades! Cristo recebe e se relaciona com pecadores. Foi para explicar essas verdades que Jesus usou as parábolas da Ovelha Perdida, da Drácma Perdida e do Filho Pródigo; parábolas que serão tratadas nesta revista e que falam sobre Deus resgatando o que estava perdido. Aprender sobre parábolas que ensinam verdades relacionadas com o Filho de Deus salvando homens como nós é o maior ensino que poderíamos desejar. Continue lendo com cuidado, essa pode ser a voz do Pastor te chamando de volta para casa. Yago Martins é Diretor-fundador do Cante as Escrituras. Visite: www.canteasescrituras.com
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Encontrados para Sua alegria POR ivonete silva porto
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igreja estava lotada. O pastor, que tinha um microfone potente nas mãos, gritava sem parar: “Você é muito precioso para Deus, ele quer realizar os seus sonhos, por isso ele lhe trouxe aqui nessa noite!”. As pessoas choravam e algumas afirmavam que Deus havia falado com elas. Esse tipo de pregação, muito comum nas igrejas evangélicas atuais, me preocupa e entristece. Mensagens assim revelam que estamos perdendo o zelo pela glória de Deus. Estamos tão focados em realizar nossos sonhos, em nos sentirmos especiais, que esquecemos o propósito da vida de todo ser humano: a glória de Deus. Nesse sentido, as narrativas de Lucas 15 têm muito a nos ensinar. São três histórias: na primeira, um homem possui 100 ovelhas e, quando percebe que falta uma, deixa as 99 no deserto e vai atrás da que estava perdida. Ao encontrá-la, reúne amigos e vizinhos para se alegrarem com ele. 6
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Na segunda, uma mulher possui 10 moedas e quando perde uma, acende uma luz e procura até encontrá-la. Quando encontra, reúne amigos e vizinhos para se alegrarem com ela. Na última, o pai possui dois filhos. O mais novo deles pede sua parte na herança, sai de casa e gasta tudo. Quando começa a passar fome, decide retornar à casa de seu pai, que o espera de braços abertos e oferece a ele roupas limpas e uma festa. O filho mais velho, vendo a situação, fica chateado, pois sempre foi fiel ao pai. Amorosamente, o pai o convida a se alegrar também com o retorno do irmão. As três histórias têm pontos em comum: As narrativas possuem Deus como o personagem principal: Por várias vezes, ouvi pregações nessas parábolas e, na maioria delas, o personagem principal destacado é sempre o filho, a ovelha ou a moeda. Os próprios títulos das parábola, como
aparecem em Bíblias, nos fazem ir por esse caminho. Porém, o personagem principal em cada uma é aquele que representa Deus: o homem, a mulher e o pai. É o homem quem vai em busca da ovelha perdida até encontrála; é a mulher que acende uma luz e procura a moeda até achá-la e é o pai quem espera, perdoa e dá de volta ao filho dignidade. Deus é o personagem principal aqui e em toda narrativa bíblica. A inciativa de salvar o homem é sempre dele, por isso ele deve ser glorificado. As narrativas apresentam o Evangelho: Não podemos nos esquecer de que, antes de proferir essas histórias, os publicanos se aproximaram de Jesus para ouvir, e os escribas e fariseus criticavam Jesus por se juntar aos que eram considerados pecadores. A intenção de Jesus era apresentar o Evangelho aos perdidos, e nessa categoria se enquadravam tantos os publicanos quanto os fariseus e escribas. Os publicanos não conheciam a Deus e coletavam impostos de maneira abusiva, por isso sofriam repúdio dos judeus. Os fariseus e os escribas conheciam a lei de Deus e pareciam devotos, mas suas atitudes demonstravam o contrário. A maravilhosa história da salvação é demonstrada em cada uma dessas parábolas de forma belíssima, destacando: (1) Que o homem está perdido; (2) A iniciativa divina em salvar o homem1; (3) A alegria da salvação. As narrativas possuem a alegria como tema unificador: Creio que o último ponto destacado é o tema unificador das três parábolas. O
pastor e a mulher reúnem os amigos e vizinhos para se alegrarem com o que foi achado. E o pai faz uma festa e convida o filho mais velho, que havia ficado triste com o perdão do irmão, a se alegrar porque o perdido reviveu e foi achado. Merece destaque ainda a menção do júbilo nos céus e diante dos anjos nas parábolas da mulher e do pastor. O autor John Piper, em seu livro “Alegrem-se os povos”, nos chama a atenção para a centralidade de Deus na pregação do Evangelho. Segundo o autor, o propósito principal de Deus é glorificar-se e alegrar-se em si mesmo para sempre. Por isso ele nos criou, nos chamou, ofereceu seu filho, perdoa nossos pecados, envia o Espírito e nos sustenta para sua glória, para sua alegria. O fato de percebermos que fomos encontrados para a alegria de Deus é um tapa em nosso egoísmo e em pregações como a citada acima. Diante do evangelho da alegria, nossos sonhos e a maneira como nos sentimos ficam pequenos, porque as boas novas nos levam a nos satisfazermos em Deus. Essa alegria divina nos preenche e impulsiona o nosso coração, embora ainda cheio de pecados, a glorificar a Deus em tudo que fazemos. As narrativas apresentam o evangelho e exigem uma resposta, e esta é a única que podemos dar: Alegria, satisfação e glória somente a Deus. Embora as parábolas não destaquem, isso se dá pela morte e ressurreição de Jesus. Em outros textos bíblicos, como Efésios 2, Romanos 3-6, o perdão que é oferecido ao filho pródigo, só é possível em Cristo Jesus. 1
Ivonete Silva Porto é Mestranda em Teologia Filosófica pelo Centro de Pós-graduação Andrew Jumper.
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Por que o filho pôde F
oi num contexto de murmuração por parte de fariseus e escribas que Jesus contou uma série de três parábolas mostrando a alegria do Pai no arrependimento de pecadores (Lc 15.1, 2). A terceira parábola é o ponto alto do ensino direcionado aos seus críticos sempre presentes. Tradicionalmente conhecida como a parábola do “Filho Pródigo” (Lc 15.1132), seus versículos desenvolvem o que muitos já chamaram na história da Igreja de “o Evangelho dentro do Evangelho”. Sem dúvida alguma, trata-se de uma parábola amplamente conhecida e frequentemente contada. No entanto, estudar uma história como essa traz seus desafios. Normalmente, impomos à leitura do texto o seu final. Já sabemos que o filho pródigo retorna ao lar e que o filho mais velho se mostra amargurado. Enquanto lemos, aguardamos ansiosamente o momento em que o Pai corre, abraça e beija o caçula. Ficamos até mesmo indignados com a reação do filho mais velho e somos consolados com a mesma 8
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demonstração de graça do Pai. Então, qual o ponto?
O pedido do filho mais novo O pedido do caçula é rápido e sem detalhes. O texto não entra nos pormenores da partilha dos bens nem retrata a reação do Pai. Porém, dá para imaginar o que o pedido do filho mais novo deve ter causado. Assim como hoje, a herança era algo recebido no momento da morte de alguém. O pedido não era um adiantamento de mesada, mas uma ruptura total com a família. O filho estava considerando seu Pai como morto. Em nome de sua cobiça, o filho mais novo abriu mão de seu relacionamento familiar. Fisgado! A cobiça tomou conta de sua vontade e cegou seu entendimento. O desejo por aquilo que o aguardava na “terra distante” ofuscou sua razão. Ele não enxergava mais nada. Não viu a tristeza do Pai, muito menos os riscos de viver longe de sua família. O que ele via era apenas o desejo de satisfação imediata dos
Foto de Scott Liddell. Retirado de sxc.hu
voltar
por Alexandre “Sacha” Mendes
prazeres da carne. Em apenas três versículos (Lc 15.11-13), Jesus narra a manifestação externa da cegueira interna. Kris Lundgaard explica esse processo mostrando que “a carne tem uma visão muito peculiar. Ela vê um mundo livre da tirania do governo de Deus. Ela imagina a liberdade de levar a efeito todos os seus planos sem a interferência da lei, preceito ou mandamento. E ela propõe aquela visão à sua imaginação, ajudando você a enxergar as suculentas possibilidades”.1 Depois de receber sua parte da herança, o filho mais novo passou poucos dias em casa (Lc 15.13). Provavelmente, ele vislumbrou um mundo sem restrições. Com dinheiro no bolso e sem a intervenção da família, estaria finalmente livre para dar vazão a todos os seus desejos. Isso é engano. E o maior problema do engano é que ele engana. Pode parecer óbvio, mas nem todos enxergam esse perigo. Também é algo Lundgaard, Kris. O mal que habita em mim. São Paulo: Cultura Cristã, 90. 1
simples, mas extremamente profundo. O problema do engano é que engana, e isso significa que quem é enganado não sabe disso. O enganado pode até ter alguma noção do seu pecado, mas nutre a falsa esperança que, no seu caso, será diferente. Sua imaginação trabalha tão forte que até as conseqüências do pecado são ofuscadas. O filho mais novo não via o que estava pedindo, apenas o que estava sentindo. Seu pedido tinha como objetivo dar vazão aos seus sentimentos em detrimento do conhecimento. Mas, na verdade, ele pedia sua própria destruição.
A punição merecida do filho mais novo Imagine a reação dos fariseus nesse ponto. Como homens conhecedores da Lei, eles deviam ter facilmente lembrado de passagens como Deuteronômio 21.18-21: “Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedece à voz de seu pai e à de sua mãe, e, ainda castigado, não lhes dá ouvidos, pegarão nele seu pai iprodigo.com 9
e sua mãe e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta, e lhe dirão: ‘Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz: é dissoluto e beberrão.’ Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra; assim eliminarás o mal do meio de ti: todo o Israel ouvirá e temerá”. Ou ainda, Deuteronômio 27.16: “Maldito aquele que desprezar a seu pai ou a sua mãe. E todo o povo dirá: Amém”. Mas não é isso que acontece. O filho mais novo não é apedrejado, mas segue o seu caminho em busca de seus prazeres. A história não está no fim, mas alguns fariseus provavelmente seguravam suas pedras pensando: “Não pegamos o filho mais novo agora, mas o pegaremos num outro momento”.
O filho mais novo é tratado O filho enganado seguiu seus sonhos. Ele correu para realizar tudo aquilo que planejou. Mais uma vez, não temos muitos detalhes de como ele usou seu dinheiro. O texto bíblico nos informa que ele gastou tudo vivendo dissolutamente (RA) ou irresponsavelmente (NVI). Ou seja, o dinheiro foi gasto de forma que não deveria ter sido. O filho mais novo viveu buscando gratificação imediata, sem enxergar que o pecado viria cobrar a conta – e ela seria alta demais. O dinheiro se foi e as circunstâncias mudaram. “Sobreveio àquele país uma grande fome” (Lc 15.14). Note, o problema não era que o dinheiro havia acabado. O problema era que o dinheiro havia acabado 10
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num contexto de grande fome naquele país. Além das conseqüências de sua irresponsabilidade com o dinheiro, o filho mais novo passa a enfrentar novas circunstâncias que foram soberanamente administradas por Deus: a fome. Sua dor é intensificada, conduzindo-o num processo de amorosa disciplina. O pródigo começa a passar necessidade e é levado a uma situação de grande humilhação. Judeu nenhum gostaria de estar em sua pele. Comer debaixo da esperança de sobrar algo dos porcos era o fim da linha para qualquer um.
A recepção imerecida do filho mais novo A história do filho mais novo é parte de uma história maior. Deus é Deus de graça, que Se alegra no arrependimento de pecadores. O filho mais novo foi conduzido em amor para a completa restauração. A parábola descreve o processo de arrependimento com elementos de reconhecimento e confissão de pecado, mudança de mente, disposição em arcar com as conseqüências e mudança de comportamento (Lc 15.17-20). O filho agora enxerga como tudo realmente é. Prazeres são passageiros e o pecado dói. Ele retorna ao lar. Mas e sua punição? Os fariseus seguravam pedras em seus corações, prontos para encontrar alívio ao ouvir Jesus relatando o apedrejamento do filho rebelde. Que a justiça seja feita! Porém, não é isso que Jesus conta! O filho mais novo encontrou seu Pai de braços abertos,
pronto para reintregrá-lo na família (Lc 15.20-24)! Mas como? E a Lei? Deuteronômio 21.22-23: “Se alguém houver pecado, passível da pena de morte, e tenha sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não permanecerá no madeiro durante a noite, mas certamente o enterrarás no mesmo dia: porquanto o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus...”
você lê esse pequeno artigo, sua imaginação pode estar brincando com o pecado já por um bom tempo, neutralizando suas defesas para fisgá-lo na próxima oportunidade para dar vazão à cobiça. Lentamente, sua mente encontra entretenimento nas fantasias do pecado. Você está fisgado! Cada vez mais cego para as conseqüências de longo prazo e iludido pelo prazer de curto prazo.
A história do Pródigo conta com um Pai de graça e um Filho de amor que se fez maldito num madeiro, sofrendo a pena de morte que estava sobre o rebelde. O preço foi pago O filho mais novo foi recepcionado porque o Filho que contava a história se fez maldito por ele. A história do Pródigo conta com um Pai de graça e um Filho de amor que se fez maldito num madeiro, sofrendo a pena de morte que estava sobre o rebelde. O filho mais novo teve sua dívida cancelada porque o Filho de Deus, narrador da história, tomou o seu lugar. Gálatas 2.20: “...vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”. Agora, e você? Como o filho mais novo, o engano também pode lhe enganar. Talvez, enquanto
Nesse ponto, você é como o Pródigo. Pode até mesmo professar que Cristo Jesus é Senhor, mas pelas obras nega a Sua existência (Tt 1.16). Cuidado, falsas crenças enganam e destroem. Em Lucas 15.11-32, encontramos graça e esperança para restauração. A restauração é possível porque temos um Pai de graça e contamos com o Filho de amor. Volte para a casa do Pai pois o Filho já pagou o preço! Acredite, deixe o engano e viva na casa do Pai!
Alexandre “Sacha” Mendes serve como pastor na Igreja Batista Maranata - em São José dos Campos (SP)
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por Wilson Porte Jr.
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Filho Pródigo é a parábola mais conhecida da Bíblia. Todavia, embora conhecida, poucos têm atentado para a triste semelhança entre o irmão do filho pródigo e os cristãos de nossos dias. O ódio entre os cristãos, infelizmente, tornou-se algo comum. Pessoas que não controlam suas línguas na hora de resolverem um problema com seus irmãos na fé. Pessoas que lançam palavras torpes (como um torpedo) para destruírem aqueles a quem deveriam suportar e, em espírito de mansidão, corrigir, amar e perdoar. E, quando confrontados, dizem: “Ah, eu sou assim mesmo... sempre fui... minha família é espanhola (italiana, portuguesa, japonesa, russa, gaúcha, nordestina, etc.)”. Quando, na verdade, essas são apenas desculpas que mantêm vivo o pecado em nossos corações. Aqui está um resumo da parábola mais amada da Bíblia: “um 12
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homem tem dois filhos. O mais novo pede sua parte da herança e vai embora de casa. Gasta-a de forma irresponsável e pecaminosa. Quando o dinheiro acaba, arruma um emprego para cuidar de porcos. Neste momento, cai em si e se lembra de seu pai. Arrependido, decide voltar e se sujeitar a todas as humilhações resultantes de sua atitude. Todavia, ao reencontrar-se com seu pai, é tratado com amor e, rapidamente, é restaurado em meio à grande festa. Em meio à festa, o filho mais velho nega participar da alegria de todos. Sente ciúmes da graça do pai dispensada sobre seu irmão mais novo. Nesse momento, percebe-se grande indignação e ira em seu coração. Embora o filho mais novo tenha estado morto e agora estava vivo, para o filho mais velho, era preferível que seu irmão continuasse morto e perdido para sempre”. Vejamos como o ódio e o assassinato estão presentes na história.
“Ora, o filho mais velho estivera no campo; e, quando voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos criados e perguntou-lhe que era aquilo. E ele informou: Veio teu irmão, e teu pai mandou matar o novilho cevado, porque o recuperou com saúde. Ele se indignou e não queria entrar; saindo, porém, o pai, procurava conciliá-lo. Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos; vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado. Então, lhe respondeu o pai: Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu. Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado”. (Lc 15.25-32 ARA) O filho mais velho estava tão perdido quanto seu irmão mais novo. Ele desejaria fazer tudo o que seu irmão fez, mas, religiosamente, sempre “obedeceu” a vontade do pai. Todavia, quando o filho mais novo, cheirando à lavagem de porco, volta da indigência para casa e é recebido com tanta graça e perdão, ele se irrita por nunca ter sido tratado da mesma forma. Em suas próprias palavras, o filho mais velho demonstra ódio contra seu pai e seu irmão. Eles estavam desonrando a família. O irmão, por ter saído de casa como saiu e ter desperdiçado os bens de seu pai entre prostitutas e bêbados. E o pai, por não punir seu filho mais novo com o rigor da cultura e da sociedade da época.
Todavia, o pai o veste com seu manto e lhe põe no dedo um anel. Particularmente, vejo aqui a misericórdia e a graça, um manto de misericórdia e uma aliança de graça. Isso provocou ódio! O filho mais velho não suportou isso. “Como pode o senhor perdoá-lo?” A mensagem da graça e do perdão não trouxeram alegria para seu coração. Ele tinha sede por uma falsa justiça. O pai, todavia, ainda vai até ele para tratar de sua ira. Perceba que Cristo, quando relata o coração do irmão mais velho, diz que ele se indignou (ὠργίσθη - se irar; tornarse muito irado). Em seguida, Cristo diz que o pai tenta fazê-lo entrar por meio de convites e encorajamento (παρεκάλει). Mas de nada adianta. Cheio de ira contra seu irmão, o filho mais velho reclama ao pai acerca de seus anos de serviço sem nenhuma ajuda. Reivindica que nunca teve nada e que o pai nunca lhe deu nada. Sabe por quê? Porque o filho mais velho não tinha nenhum relacionamento com seu pai. Ele tinha o estilo de vida de um filho, mas não possuía nenhum relacionamento com seu pai, nem o pai tinha relacionamento com ele. Sabe como a Bíblia chama isso? Hipocrisia! Os hipócritas vivem na casa, têm tudo nas mãos (as Escrituras), mas não desfrutam de nada. Têm a aparência, mas não a essência - têm a casca, mas não o miolo. De maneira impressionante, a parábola não apresenta um final para a situação entre o filho mais velho e seu pai. Jesus conhecia o final dessa história, pois seus ouvintes, os fariseus, iprodigo.com 13
representavam o irmão mais velho e os arrependidos, o filho pródigo. Jesus é a figura do pai. O que os fariseus fizeram com o Pai? Mataram-no. John MacArthur apresenta em seu livro A tale of two sons (Um conto de dois filhos) que, possivelmente, Jesus poderia encerrar a parábola dizendo que, “após ouvir as palavras de seu pai, o filho mais velho pega um pedaço de pau e bate em seu pai até a morte”. Este é o final verdadeiro da história na “vida real”: os fariseus matam Jesus com dois pedaços de pau. Com seu ódio, o filho mais velho estava matando seu irmão e seu pai em seu coração. O assassinato já havia acontecido dentro dele. E, na cultura rural daqueles dias na Palestina, o ódio e o assassinato do filho pródigo viriam para manter a honra da família. O pródigo deveria morrer, mas como o pai lhe aceitou com amor, o pai torna a vergonha ainda maior. Por isso, que o pai morra! A graça é insuportável numa cultura de vaidades. Parte da ira do irmão mais velho vem por causa de sua percepção de que, embora tenha servido seu pai a vida toda, nunca foi agraciado como seu irmão mais novo. Daí entende-se que, para o filho mais velho, as graças do pai deveriam vir por causa de seus anos de obediência a ele. Por isso, o Evangelho da Graça é um escândalo para quem acredita que pode alcançar sua salvação por decisões pessoais ou boas atitudes. O Evangelho da Graça é injusto, é uma verdadeira vergonha para o senso de justiça humano. Jesus foi morto numa cruz não fazendo caso da vergonha pela qual passaria: “olhando firmemente para o Autor e Consumador 14
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da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia” (Hb 12.2a ARA).
Conclusão Essa história é maravilhosa. De fato, é nela que os arrependidos encontram fonte de descanso e paz. É ela que nos garante que a vida eterna não depende de nosso mérito, de nossas boas decisões ou atitudes. É ela que nos lembra quão grande vergonha e dor suportou Cristo para a nossa redenção. Contudo, não devemos nos esquecer que é ela também que nos lembra do quão capaz nosso coração é de se irar e se desviar do caminho da graça. Nossa ira pecaminosa é pecado perante Deus. Deus a vê como assassinato! Assim como o irmão mais velho matou seu irmão no coração, eu e você somos plenamente capazes de nos odiarmos e matarmos mutuamente. Precisamos meditar nisso, pois cresce a tendência de que, se você está irado, vá lá e fale para a pessoa o que está em seu coração, ponha para fora, fale tudo, soque o travesseiro, enfim, faça o que for necessário para que você se sinta melhor. Eu lhe digo solenemente: não faça isso! Aprenda com o pai do filho pródigo o amor, o perdão, a sabedoria no falar e a paciência. A atitude de Deus é um exemplo de como devemos nos esforçar para tratarmos uns aos outros. Pensamos em Deus como alguém com a face pesada, com as mãos cerradas, pronto para julgar, disciplinar e enviar ao inferno. Sofonias 3.17, todavia, apresenta uma outra face de Deus. “O
Senhor, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo.” (Sf 3.17, ARA). Deus se alegra com os arrependidos da mesma forma como um noivo se alegra com sua noiva. “Porque, como o jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposarão a ti; como o noivo se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus.” (Is 62.5, ARA). Obviamente, Deus não se alegra com pecadores e seus pecados, mas com pecadores arrependidos que o buscam humildemente. Assassinato, infelizmente, não faz parte dos assuntos que os cristãos gostam de estudar. Estuda-se sobre cura, poder, prosperidade, dons, milagres, profecias, fim dos tempos,
etc. Todavia, se queremos um coração mais cheio de santidade (sem a qual ninguém verá o Senhor), precisamos nos interessar em estudar mais o que a Bíblia ensina sobre o ódio e o assassinato que muitos temos cometido em nossos corações em nossos dias. Eis um assunto a ser explorado pelos escritores de nosso tempo. Eis uma verdade a ser aprendida e uma fraqueza a ser transformada em nossos corações. Que Deus nos ajude!
Wilson Porte Jr. é Pastor da Igreja Batista Liberdade, em Araraquara-SP. Bacharel e Mestre em Teologia pelo SBPV e CPAJ (Mackenzie).
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clímax da Parábola do Filho Pródigo foi um duro golpe no orgulho dos fariseus ao mostrar-lhes que eles pecavam por ter motivações erradas em relação a Deus e por não exercerem misericórdia com aqueles que deveriam ser pastoreados por eles. Não obstante, Jesus oferece Graça para eles, ao mostrar que o mesmo Pai que corre para abraçar o pródigo é o Pai que sai de casa ao resgate do legalista religioso irado. Com esta mensagem, Jesus está mostrando que também veio em busca deles, que Ele também veio para salvar os legalistas, para que estes deixem de tentar justificar-se em suas obras, pois isso é impossível. A justificação é fruto da livre e soberana Graça, e Jesus mostra-lhes que o evangelho da Graça também se aplica a eles. O que essa história tem a ver conosco? Existe algo dela que se aplica à nossa vida? Temo que em nossas igrejas existam muitos irmãos que possuem 16
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Rosther
a teologia do irmão mais velho, uma teologia legalista, maldosa e contrária ao ensino correto das Escrituras. Em primeiro lugar, Jesus nos ensina que os legalistas são tão pecadores quanto os perdulários. Há muita gente na igreja que adota uma imagem de certinho só para ser bem aceito socialmente no meio do povo de Deus e ter proeminência no meio do rebanho. É certo que os legalistas são trabalhadores e geralmente produzem muito. Mas sua “obediência” não é perfeita, pois ela afronta a Maravilhosa Graça de Deus. Eles não entendem que não podem conquistar as bênçãos do Senhor, pois todas elas nascem da bondade graciosa de Deus, revelado na pessoa de Jesus. O legalista é tão pecador quanto o esbanjador, pois sua motivação é tão egoísta como a do outro. Ele obedece para ser aceito por Deus e bem visto pelos homens. De maneira que, ao atuar assim, ele não confia na Graça de Jesus para ser aceito pelo Senhor. Para o legalista,
ido
u próprio pai Guimarães o evangelho não é suficiente e, por isso, ele precisa ter uma imagem de perfeição diante de Deus e dos homens, pois crê que só por meio da manipulação mediada pela obediência ele será aceito. Assim, por não confiar na Graça de Jesus para viver diante de Deus e diante dos homens, o legalista está dentro da igreja, mas está perdido dentro da casa do Pai, uma vez que não confia de coração no Evangelho gracioso de Jesus. Que tragédia! Tão perto de Deus, mas, ao mesmo tempo, eternamente longe do Senhor. A segunda lição que aprendemos com o Senhor é que legalistas se ofendem com a graça de Deus. Eles são insultados por ela. Ficam irados porque Deus abençoa os outros que não merecem e não lhes abençoa como deveria, pois eles merecem a bênção de Deus. Muitos não têm coragem de afirmar, mas se rebelam contra Deus, pensando que o Senhor é injusto. Já outros dizem: “Tenho sido
tão fiel a Deus, mas Ele se esqueceu de mim”. Eles são extremamente invejosos, pois crêem que bênçãos, dons, talentos e oportunidades são concedidas por mérito e não por Graça. Portanto, eles dizem: “Estou há tanto tempo na Igreja, mas porque Deus escolhe usar esse que chegou há poucos anos e se esquece de mim?”. Essa inveja também é demonstrada quando alguém começa a se destacar na obra mais do que eles. Dizem: “Isso é fogo do primeiro amor. Quero ver até quando isso vai durar. Quero ver quando a máscara cair”. Esses irmãos legalistas são extremamente acusadores, ressaltam o pecado dos outros, pois estes estão mais à vista que os deles. É triste, mas às vezes se alegram no íntimo quando um irmão tropeça ou é repreendido por outrem. Ao se tornarem acusadores, condenam-se a si mesmos, revelandose hipócritas. Portanto, não têm capacidade de exercer misericórdia, pois não entenderam a misericórdia do Senhor. iprodigo.com 17
Em terceiro lugar, o texto nos revela que os legalistas só podem ser salvos pela graça do Senhor! O mesmo Pai que sai correndo para abraçar o pródigo é o Pai que sai de casa para reconciliar-se com o mais velho. O Jesus que deixou a glória para salvar os descarados é o mesmo Jesus que morreu na cruz para salvar os religiosos. Há esperança para os legalistas e esta reside na Graça de Jesus! Eles podem ser perdoados! Há lugar de arrependimento para eles, pois Cristo Jesus veio buscar e salvar o perdido, inclusive o perdido que se perde na religiosidade, que se perde na casa de seu próprio Pai.
Cristo Jesus veio buscar e salvar o perdido, inclusive o perdido que se perde na religiosidade, que se perde na casa de seu próprio Pai. Quando os legalistas se arrependem, eles são ensinados pelo Pai que eles não precisam fazer nada para conquistar as bênçãos do Senhor, pois “tudo que é meu é teu”. Eles podem servir por amor e por gratidão. O serviço do Senhor para eles já pode ser marcado pela alegria, pois o que eles fazem para Deus não tem mais o objetivo de justificaremse a si mesmos, mas sim, de expressar um amor maravilhoso que brota no fundo do coração, como fruto do amor de Deus. Quando o legalista é encontrado pelo Pai, ele pode entender que a maior bênção que 18
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possui é a companhia do Senhor, “tu sempre estás comigo”. A maior de todas as bênçãos é a comunhão íntima com o Senhor. Quando o legalista é salvo, ele está livre para ser amigo de Deus! Quando o legalista é encontrado pela graça, ele está livre para ser misericordioso, pois como objeto da bondade do Senhor, ele sabe que o que está morto precisa ser ressuscitado pelo evangelho, que o perdido precisa ser achado. Então, tal como Deus e os seu anjos, ele estará livre para se alegrar com a salvação e com todas bênçãos que Deus dá àqueles que não têm mérito algum. Se você é alguém que está perdido na casa do Pai, há esperança para você! Arrependa-se hoje do seu desejo de manipular a Deus e ao próximo. Arrependa-se hoje de viver uma religião estereotipada, mas vazia de graça no coração. Arrependa-se da sua obediência egoísta. Arrependa-se por se achar melhor do que os outros e não reconhecer sua maldade. Confesse os seu pecado a Deus e creia que Deus tem salvação, bênção, graça, vida eterna para você e que isso lhe é dado somente através da mediação de nosso Senhor Jesus. Creia no Evangelho gracioso do Senhor e você será achado ainda que esteja perdido na casa do próprio Pai. Que você seja encontrado em Cristo Jesus!
Rosther Guimarães é Pastor da Igreja Presbiteriana do Guará II e professor do Seminário Presbiteriano de Brasília
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C h e c k l i s t
S
ou um amante do audiovisual e da tecnologia. Isso significa que tento desenvolver hobbies relacionados a fotografia, filmagem, música, além de colecionar milhares de cabos, conectores, extensões, microfones, fones, instrumentos, tripés etc. Você deve imaginar o quanto a minha esposa ama entrar na sala de estudos do nosso minúsculo apartamento e encontrar todos estes itens dispostos em uma lógica que apenas eu sei compreender. Cérebro elaborado? Duvido. Para complicar um pouco mais, eu tento usar o máximo de recursos possível em minha prática ministerial. Não apenas na internet, mas envolvendo muitos desses equipamentos em nossos encontros semanais de estudo bíblico. E eis que o problema aparece. Uma mente “privilegiada” como a minha consegue esquecer vários itens importantes, especialmente se eles forem pequenos e soltos nessa parafernália tecnológica. É por isso que a checklist se apresenta tão fundamental. Passo e repasso mentalmente os itens que precisam estar na mochila e nas bolsas auxiliares (outro ponto que a minha esposa a-d-o-r-a. Não.), até que finalmente me sinta seguro para sair. O detalhe é que, mesmo com toda a segurança, consigo deixar em casa o que deveria ter levado. Muitos usam as checklists para os mais variados fins, e eu sou realmente grato por isso. Compras de mercado, remédios, roupas para uma viagem, livros para ler, ações e projetos a serem desenvolvidos na igreja etc. etc. Ótimo. Há quem tenha extremo prazer em ver, ao final de um dia de serviço, uma lista indicando tudo o que foi realizado e alcançado. Mas há uma ocasião em que a checklist é não apenas desnecessária, mas prejudicial.
por Allen Porto
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Uma parábola Lucas 181 ilustra perfeitamente o ponto. Nos versículos 9 a 14 está registrada a clássica “parábola do fariseu e o publicano”. Lembra? A história vai mais ou menos assim: Um fariseu e um publicano subiram ao templo para orar. O primeiro falava “de si para si mesmo”, como a edição Revista e Atualizada traz, e “agradecia” por suas qualidades morais, enquanto apresentava o checklist de suas boas obras como religioso. Do outro lado estava o fariseu, também em pé, mas em postura completamente diferente. Nem levantava a cabeça e orava batendo no peito, pedindo graça a Deus, e se reconhecendo pecador. Ao contar esta parábola, Jesus afirma que o publicano desceu dali justificado, enquanto o fariseu não, e conclui com a conhecida expressão: “todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado” (Lc 18.14).
Qual a idéia? Uma olhadinha antes e depois da parábola indica que Jesus está falando sobre uma percepção adequada de si, bem como de Deus. No verso 9, Lucas descreve a intenção de Jesus como falar “a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros”. A intenção do Messias ao descrever a história em foco era, de algum modo, denunciar uma postura inconsistente de quem se diz servo, mas age como senhor, ou de quem, estranhamente, orgulha-se de sua humildade.
Enquanto Jesus conta a história e nós recebemos o registro inspirado por Deus, alguns itens saltam à vista e oferecem a nós recursos para uma compreensão adequada de nossa postura e das pessoas à nossa volta, indicam um caminho mais adequado para a vida com Deus e nos capacitam para o ministério cristão diante de problemas existentes naquele contexto, mas potencializados na cultura contemporânea.
Eu sou um fariseu Esta não é uma declaração fácil, e nem deve ser feita sem a devida compreensão dos vícios e características marcantes do comportamento farisaico. Jesus descreve o fariseu como alguém zeloso pela religião judaica – subia ao templo para orar, cumprindo os mandamentos e expressando seu compromisso; orava em pé, segundo o costume dos judeus e a tradição estabelecida, refletindo, assim, conhecimento e fidelidade às raízes históricas a ele deixadas; demonstrava elevado padrão moral, cumprindo externamente os mandamentos e sendo tão consistente em seu comportamento público que não temia declarar sua vida em alta voz. Ia além do cumprimento do decálogo2, observando mesmo outras leis acessórias com impecável lealdade, sem esquecer das expressões voluntárias de piedade – jejuava duas vezes por semana e era um fiel dizimista. BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2009. 1
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Os 10 mandamentos.
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Qual é o problema, então? Comparado com os carinhas que sentam ao nosso lado na igreja, o sr. F(ariseu) é um crente exemplar. Provavelmente o comportamento dele seja mais belo do que o meu e o seu (juntos). Mas o cristianismo é uma religião do coração. E isso significa que não basta um comportamento adequado, é preciso fé correta e motivações ajustadas. Aqui começam a aparecer os defeitos da postura farisaica: 1. Fariseus são ótimos em cumprir tarefas. Como os MBAs em administração, marketing e áreas relacionadas, eles são propositivos, pró-ativos, disciplinados e ativistas. Seriam contratados no programa “O Aprendiz”. Contudo, os seus olhos estão voltados para estas tarefas, que chamamos “boas obras”. O foco de seu compromisso e obediência às leis está na arquitetura da legislação (nas leis em si), ou na figura do fariseu, que consegue cumpri-las dedicadamente. 2. Fariseus são ótimos em se orgulhar do cumprimento das tarefas. Ao observar atentamente o checklist de obras realizadas, o fariseu respira fundo e diz: “eu consegui”. Aos poucos, aquilo que era uma frase silenciosa na mente passa a ganhar voz, seja por meio de declarações verbais diante de outros, ou por posturas que revelam um coração que se orgulha pelo que tem cumprido. Você percebe o caminho que está sendo trilhado aqui? O sr. F, que começou obedecendo a lei de Deus, transformou a sua obediência em instrumento de auto-glorificação e passou a usar a Lei de Deus em prol de si mesmo. 22
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3. Fariseus são ótimos em marketing pessoal. Como descrito acima, não basta estar satisfeito com o cumprimento de boas obras. O “relações públicas” dentro do fariseu encontra sua expressão e passa a noticiar os seus feitos, para que o orgulho e a exaltação do eu sejam reforçados. Não basta fazer, é preciso anunciar. 4. Fariseus são ótimos em expressar o seu narcisismo. Na confusão de identidade, o mundo é visto pelo fariseu como um espelho no qual ele se observa. Todas as coisas funcionam como um elemento para ele mandar mensagens para o “eu”. A Bíblia o descreve como falando de si para si mesmo – o espelho era Deus e a oração. O fariseu usa boas obras para enviar a si a mensagem de que é fiel e bom. Usa a oração para enviar a si o recado de que está cumprindo a cota de devoção. Usa Deus para comunicar a si que é querido, amado e justo. Ele é o centro da relação. 5. Fariseus são ótimos em crer e proclamar autojustiça. A oração farisaica é um anúncio a Deus de que o sr. F já fez tudo o que precisava ser feito, e agora somente agradece a Deus por recebê-lo, pela pessoa íntegra que ele é (que outra opção o Pai teria, afinal?). Na base das boas obras e orações, bem como de todo o resto, está um coração voltado para si, que busca promover a própria justiça e não depender da graça divina para sobreviver. O fariseu está na eterna busca de fabricar a própria redenção e, quando se vê satisfeito com as obras de suas mãos, anuncia a sua justiça. Mas provavelmente você já sabia disso tudo. Afinal, a marca do
nosso tempo, seja em igrejas históricas ou nas inovadoras, é a “rotulação do comportamento farisaico”. Nós sabemos diagnosticá-los e descrevêlos como ninguém. Existem livros escritos sobre isso, e, provavelmente, quando você estiver na próxima reunião de jovens em sua igreja ou em alguma outra conversa relacionada a esses assuntos, vai ouvir uma crítica sobre a hipocrisia no meio cristão e o comportamento farisaico. Em suma: eu não trouxe nada novo, e já se tornou hobby falar mal dos fariseus. O problema é que, na mesma proporção em que nos tornamos PhDs em rotular e criticar o comportamento farisaico, ficamos desatentos para as manifestações de farisaísmo em nossa vida. A coisa é
para Jesus e o evangelho como a cura exclusiva para a autojustiça. Como alguém já afirmou, “nossa justiça está nos céus”.
Em direção ao publicano Enquanto a câmera vai lentamente desfocando o fariseu na frente, o foco se ajusta no segundo plano, ao fundo: um publicano, também em pé, mas em atitude bastante diferente – com a cabeça baixa e semblante triste, apenas repete e ora uma frase, quase em sussurros, enquanto bate no peito: “sê propício a mim, pecador!”. A história é escandalosa porque os fariseus eram reconhecidos socialmente pela fidelidade e zelo à religião judaica, enquanto os
Passamos a condenar os fariseus, e logo em seguida vamos orar, agradecendo a Deus por não sermos como eles. tão forte que passamos a condenar os fariseus e logo em seguida vamos orar, agradecendo a Deus por não sermos como eles. Lembra de uma história parecida? Tradicionais podem se orgulhar de não ser como emergentes e desigrejados e ter, na base de sua crítica, a autojustiça. Da mesma forma, emergentes e sem igreja podem condenar o “farisaísmo” das igrejas históricas, ao mesmo tempo em que manifestam o comportamento farisaico e confiam na justiça de suas obras e seu estilo “sofisticado”. Ninguém está livre de tal postura. O mais honesto é começarmos a identificar as sementes de farisaísmo em nossa vida, olhando
publicanos, servindo à Roma na cobrança de impostos dos judeus, eram vistos como traidores e ladrões, porque também era comum a prática de levar uma “grana extra” enquanto se cobrava o imposto. Se o judeu é esse cara que odeia tanto perder dinheiro, como pensamos hoje, o repúdio social pelos publicanos era ainda maior. O ponto é que, se alguém quisesse dar qualquer exemplo positivo, jamais usaria um publicano, por sua imagem estar tão associada aos elementos negativos já listados. Somente um louco faria isso. Ou Jesus. Como o esporte do Messias era subverter o pensamento dos escribas e fariseus, ele mandou mais uma. Na parábola, quem tem obras iprodigo.com 23
condenáveis, mas um coração adequado, é o publicano. É preciso cuidado para analisar a questão: Jesus não está ensinando uma dicotomia do tipo “você pode viver em pecado, mas se tiver um bom coração isso basta”. Pelo contrário, a Escritura ensina que a conversão do coração promove transformação real nas posturas e ações concretas do dia a dia. O que Jesus pretende ensinar é que as boas obras não são o elemento de salvação, que a autojustiça é a negação da justiça de Jesus e que um coração quebrantado tem mais valor do que uma mão cheia de boas ações. Aqui podemos até usar a palavra da moda: “espiritualidade”. Jesus nos apresenta um modelo de espiritualidade que poderia/deveria ser imitado por mim e você. A postura do publicano é teorreferente3, autoconsciente e humilde. Palavras complicadas para posturas simples. A teorreferência do publicano indica que o ponto de referência último para a avaliação de sua vida em todos os aspectos é o Deus eterno. Ele está ali, de fato, não para enviar mensagens ao “eu”, mas para orar ao “Outro”, a Deus. Os critérios de avaliação da sua conduta não são estabelecidos por si, mas pelo Senhor. Ele vive coram Deo: diante da face de Deus. O publicano é autoconsciente. Isso significa que reconhece quem é e percebe os ídolos de seu coração, bem como os pecados que tem cometido. Mais do que isso, enquanto ora a Deus, ele se declara “pecador”. É mais do que apresentar coisas erradas a Deus, é se afirmar em uma condição da qual O termo foi cunhado pelo Dr. Davi Charles Gomes, diretor do Centro de Pós-graduação Andrew Jumper (CPAJ - Mackenzie) 3
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somente o Senhor pode salvá-lo por sua graça e misericórdia. O publicano pecador se reconhece como tal, e assim não lhe restam obras e orgulho para apresentar ao Pai. Contempla-se afundando na maldade e nos desvios de sua conduta. Só lhe resta suplicar. Não há méritos, beleza, nem coisa alguma a que possa recorrer. Não há botes salva-vida e nem pranchas de isopor. O peso de sua culpa e pecado o levam a afundar, e só há uma esperança de redenção, um recurso, uma fonte de graça: Jesus. O publicano se apresenta diante de Deus nessa perspectiva de quem sabe que somente Ele pode salvá-lo e perdoá-lo. A expressão “sê propício” está relacionada ao desvio da ira divina. O que o sr. P solicita é que a justa ira de Deus pelos pecados dele não lhe seja derramada, com base exclusivamente na vontade e favor divinos. É um pedido meio estranho de se fazer, mas que outro recurso ele possuía? Por saber quem é, nada lhe restava, senão clamar por graça, um favor imerecido. O publicano é humilde. Em seu pedido não há espaço para arrogância e autoproclamação. Não há lugar para o narcisismo e apresentação de méritos. Ele não tem a coragem de levantar os olhos aos céus, bate continuamente no peito, anuncia sua condição de pecador e suplica por misericórdia. Contra alguns projetos mirabolantes (de um lado) ou monásticos (do outro) de espiritualidade, um pouco de teorreferência, autoconsciência e humildade cairiam bem em nossa vida com Deus.
Publicanos e fariseus hoje Por meio desta antiga história, aprendemos que nossos checklists de boas obras não apenas não contam, como são empecilhos para um adequado relacionamento com o Pai, na medida em que rejeitam a graça. Deus não está tão interessado no que você fez por Ele, como está interessado em que você saiba o que Ele fez por você. Existem dimensões do comportamento farisaico que hoje encontram mais estrutura social para sua manifestação. Refiro-me ao narcisismo. Estudiosos como Christopher Lasch4, classificaram a cultura norte-americana como “a cultura do narcisismo”. Outros pesquisadores, como Andrew Fellows5 e Guilherme de Carvalho6 (ambos de L’Abri7), têm desenvolvido estudos de análise dos desdobramentos do narcisismo para a nossa cultura. Dentre os vários itens percebidos, destacam que na “cosmovisão do eu”, como Fellows a denomina, existe desprezo pela história, autorreferência, afastamento do mundo, relacionamentos superficiais, utilização de tudo à volta para enviar mensagens ao “eu”, crescimento de mentalidade terapêutica, exagero na introspecção, subjetivismo e consumismo. Desse modo, o indivíduo narcisista de nossos dias pode LASCH, Christopher. A cultura do narcisismo. Rio de Janeiro: Imago, 1985. 4
FELLOWS, Andrew. O narcisismo como cosmovisão dominante no Ocidente. AMORIM; Rodolfo; et. al. Fé Cristã e cultura contemporânea: cosmovisão cristã, igreja local e transformação integral. Viçosa, MG: Ultimato, 2009. 5
frequentar a igreja e fazer boas obras e orações, sem perceber que faz tudo isso para enviar mensagens a si mesmo de como é bom, comprometido, ortodoxo etc., e cai no comportamento farisaico sem autoconsciência. Aprendemos que fariseus e publicanos sobem juntos ao templo e oram no mesmo ambiente. Isso significa que nossas igrejas são espaços de manifestação para fariseus e publicanos - e por mais que desejemos ser observadores “neutros” na história, sempre somos um deles, ou um pouco de cada. Daí a necessidade constante de suplicarmos a Deus para purificar o nosso coração e o de nossos irmãos, para que a autojustiça seja extirpada de nosso pensamento e atitude. Por fim, e mais importante, o antídoto para a autojustiça é o evangelho. Ele nos ensina que Jesus desceu de Seu ambiente eterno de glória e se fez carne. Viveu uma vida perfeita em nosso lugar e morreu nos substituindo – levando sobre si a nossa culpa e colocando sobre a nós a Sua justiça. Venceu a morte e ao terceiro dia ressuscitou, para subir ao Pai e interceder por nós continuamente. Nossa redenção e justiça não é conquistada pelo que fazemos de bom, ou por nossas posturas ativas, mas por uma atitude passiva de crer e receber pela fé o que Jesus já cumpriu de uma vez por todas. Sejamos, então, “bons publicanos”, e, conscientes de nossa maldade, olhemos unicamente para Jesus. Solus Christus.
Em estudos e palestras proferidas no L’Abri Brasil e congressos da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares (AKET). 6
Comunidade fundada por Francis Schaeffer, na década de 50, que busca trabalhar o ser humano em sua integralidade diante de Deus – (cf. www.labribrasil.org) 7
Allen Porto é Pastor da Igreja Presbiteriana do Renascença, e está plantando a Igreja Presbiteriana do Araçagy, em São Luís (MA).
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Seria Deus Bipolar? Resgatando uma visão bíblica do caráter gracioso de Deus
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ão importa se você é budista, espírita, católico ou evangélico, algum dia você já se perguntou, ou foi questionado, se o Deus do Antigo Testamento seria o mesmo do Novo Testamento. A base deste questionamento é a aparente contradição no modo de agir de Deus em cada uma das épocas citadas. Desde que o Novo Testamento existe, cristãos de todas as épocas transformaram Deus em um Fernando Pessoa cósmico. Na visão de muitos, Deus não poderia ser apenas Yahweh, Ele deveria ter pelo menos dois heterônimos bastante distintos que o representaram em cada um dos Testamentos da Bíblia. Marcião era um mestre cristão que defendia que uma cirurgia deveria ser feita na Bíblia. Segundo ele, o problema era o Antigo Testamento. Para Marcião, o Deus do A.T. era um “semideus tribal que não merecia adoração ou culto dos cristãos”1. Ele via o Deus do A.T. como um adolescente temperamental ou alguém muito mais demoníaco do que divino. Tenho certeza que você nunca chegou ao extremo que levou Marcião a ser condenado como herege pelo Bispo de Sinope, seu próprio pai2. Entretanto, é comum questionarmos as aparentes diferenças entre o “Deus do A.T.” e “o Deus do N.T.”. Mas será que essas diferenças realmente existem? Será que podemos afirmar que o Deus do A.T. 26
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era um Deus inflexível, sem compaixão e sanguinário, enquanto o Deus do N.T. era completamente amoroso, compassivo, quase um bonachão natalino? Quando Deus se apresenta a Moisés, os adjetivos empregados em sua autodescrição são muito diferentes dos que costumam vir à nossa mente quando pensamos em Yahweh: “Senhor, Senhor, Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade, que mantém o seu amor a milhares e perdoa a maldade, a rebelião e o pecado. (Êxodo 34.6,7). Compassivo? Misericordioso? Paciente? Cheio de amor e fidelidade? Essas palavras não se encaixariam melhor em uma oração do Apóstolo Paulo? Será que encontramos no Antigo Testamento esses atributos em ação? A realidade é que Deus age assim desde a eternidade e para sempre. Não tenho como narrar as diversas3 situações em que vemos isso, mas gostaria que observássemos uma delas. Vamos pensar na história do profeta Jonas e da “grande cidade de Nínive”. Você conhece a história de Jonas. Você aprendeu na Escola Dominical que ela nos ensina a não OLSON, Roger, História da Teologia Cristã, São Paulo: Editora Vida, 2001. p. 137 1
DRISCOLL, Mark, Jesus Vintage, Niterói: Editora Tempo de Colheita, 2011. p. 45 2
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Gn 6.5-8; 18.22-33; Ne 9.17-31; Sl 86.15; 103.8; Jl 2.13
foto: shutterstock.com
por filipe niel
desobedecermos a Deus, caso contrário Ele irá nos punir como puniu a Jonas, enviando a tempestade e o peixe para engoli-lo. Não é isso? Não, não é isso! A história de Jonas é muito mais profunda. Na verdade, o propósito do livro é bem diferente das lições que a maioria dos professores de EBD tira dele. Fomos ensinados que o ponto central do livro é a tempestade e o grande peixe engolindo Jonas, quando na verdade o ponto central do livro é o caráter gracioso, misericordioso e perdoador de Deus em contraste com a justiça própria, o egoísmo e a idolatria do homem. Você já parou para pensar quais foram os motivos que levaram Jonas a fugir em desobediência a Deus? Estaria Jonas com medo de entrar na grande cidade de Nínive e pregar contra ela? Será que temia ser escorraçado, apedrejado, encarcerado? Não! O que fez Jonas fugir foi o caráter compassivo, bondoso e perdoador de Yahweh: “Senhor, não foi isso que eu disse quando ainda estava em casa? Foi por isso que me apressei em fugir para Társis. Eu sabia que tu és Deus misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que promete castigar mas depois se arrepende” (Jonas 4.2). Jonas fugiu para Társis não por medo do fracasso, mas por ter certeza do sucesso4. O que gerou a sua fuga desenfreada foi a certeza de que Deus, mais uma vez, agiria com graça e misericórdia, diante de corações contritos e arrependidos. A fuga foi TCHIVIDJIAN, Tullian, Surprised by Grace. Wheaton, IL – USA: Crossway, 2010
errada, mas o raciocínio foi perfeito. Jonas conhecia Deus e já havia sido usado por Ele para salvar Israel de seus inimigos (2 Reis 14.23-28). Jonas sabia quem era Deus e foi exatamente isso que o fez fugir. Ele não suportava a ideia de que pecadores como os moradores de Nínive pudessem ser alvo da graça e da misericórdia de Deus assim como ele foi. Seu nacionalismo idólatra o fazia detestar a ideia de ver povos pagãos perdoados e restaurados por Deus. Jonas sabia que Deus detesta e pune os orgulhosos de coração, mas concede graça aos humildes5. Ele não aplicava essas verdades à sua própria vida, ainda que as conhecesse. Isso fica claro na forma como cada personagem encerra sua participação na história. A ímpia, porém arrependida Nínive acaba sendo alvo do perdão e da graça de Deus (Jn 3.10). Os marinheiros idólatras, porém arrependidos, recebem graça para adorar a Deus com temor e se comprometem com Ele (Jn 1.5,16). Já o soberbo, auto justificado e idólatra Jonas continua amargurado, preferindo morrer a ver a misericórdia de Deus sendo derramada na vida dos ímpios ninivitas. Esse é o Deus do A.T., tão gracioso e misericordioso quanto no N.T. Seria Deus Bipolar? Longe disso; na verdade, nosso Deus é coerente e consistente! Que tal passar o dia alistando as diferentes formas da graça de Deus em sua vida e pensando em outras passagens do A.T. onde a graça de Deus se manifesta?
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Provérbios 16.5, 3.34
Filipe Niel é Pastor da Segunda Igreja Batista em Caldas Novas (GO).
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onheci o Evangelho com vinte anos de idade. Foi lindo demais! Após uma adolescência vivida de forma desregrada, em revolta por perdas familiares, um amigo compartilhou o Evangelho comigo (na hora fui muito resistente, claro) e aquelas palavras não saíram do meu coração. Um ano e meio depois, já frequentando a igreja, Deus abriu meus olhos para enxergar a beleza do Evangelho da glória de Deus revelado na face de Cristo (2 Co 6.4). Fui tomado por uma paixão radical pelo Evangelho, o que me levou a querer viver integralmente para ganhar outros para Cristo.
próprios méritos e obediência numa autojustificação (ou justiça própria) para ser aceito por Deus (a exemplo da torre de Babel em Gênesis 11.1-9). Isso é impossível para os homens (Mt 19.26) e esse modelo é similar ao seguido pelos fariseus no Novo Testamento. Um ensinamento muito claro nas Sagradas Escrituras é que o homem pós-Adão é corrompido pela Queda (Sl 51.5; Rm 3.23, 5.1218) e, por causa disso, seu coração é corrupto, enganoso (Jr 17.9) e insuficiente para conseguir a salvação por si próprio (Jo 6.44).
Pregando o Evangelho para “ Detalhe de O Retorno do Filho Pródigo, de Rembrandt van Rijin, 1669
Entretanto, ao peregrinar por várias comunidades, servindo e pregando o Evangelho, esbarrei com um estilo de vida que não conhecia. Eu achava que existiam somente pessoas devassas ou crentes. Mas conheci um terceiro tipo: a religiosa.
O que é uma pessoa religiosa? Ela não é uma pessoa boa? Antes, preciso definir o uso do termo “religião”. Na época de Agostinho de Hipona (354-430), o termo “religião” significava religare (latim), dando a entender a reconciliação que o Evangelho faz entre Deus e os homens (1 Tm 2.5). Na pós-modernidade, “religião” significa a tentativa do homem de chegar a Deus através dos 28
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Um convite ao banquete Para exemplificar1 melhor as três vias de procura da felicidade, tomarei o livro escrito pelo Pastor Tim Keller intitulado “O Deus Pródigo”2. Ele aborda, com base na parábola do filho pródigo, a procura da felicidade por dois caminhos: a conformidade moral e o autoconhecimento.3 O ser religioso é ilustrado pelo filho mais velho, que “ilustra o caminho da conformidade moral”4. “Os irmãos mais velhos obedecem a Deus apenas para atingir objetivos. Não obedecem para conseguirem chegar ao próprio Deus – para a ele se assemelharem, para amá-lo, para conhecê-lo, e para nele se deleitarem.”5
“Porque o filho mais velho se revela mais cego para os acontecimentos, ser um fariseu com espírito de irmãos mais velho é uma condição ainda mais espiritualmente desesperada.”6 “Os irmãos mais velhos acreditam que, se viverem corretamente, terão uma vida boa, que Deus lhes deve um caminho suave quando tentam com grande afinco viver de acordo com as suas normas.”7 “A incapacidade dos irmãos mais velhos de lidar com o sofrimento provém do fato de a obediência moral ser baseada nos resultados.”8
não é orgulhoso com os orgulhosos”.10 O Evangelho é a cura para a transformação de todas as pessoas, incluindo as religiosas. O amor de Deus “traz alegria, ânimo e consolo. Ele o reerguerá e o libertará de todo o medo, como nada jamais conseguiu fazer antes”.11 A única forma para pastorear religiosos e o único conteúdo a pregar é o Evangelho. As pessoas religiosas em contextos eclesiásticos cristãos tendem a “abraçar” o Evangelho e depois colocá-lo em segundo plano. Não! “O Evangelho é, portanto, não apenas o ABC da vida cristã, mas também todo o dicionário da vida”12.
“irmãos mais velhos” por JUAN DE PAULA
Essas citações são suficientes para pintar o quadro de como um religioso funciona em seu comportamento. A questão é que o convite para o banquete serve para os dois filhos. Na leitura da parábola, o Pai convida os dois filhos para o banquete. Mas não sabemos se o mais velho entra porque Jesus deixa a pergunta no ar para os fariseus.
Agradeço ao pastor Rodrigo Almeida Rezende (de Cabo Frio – RJ) pelos insights em relação à análise do Pastor Tim Keller e ao livro “O Deus Pródigo” tanto em conversa pessoal quanto em mensagem proclamada na Igreja Batista Central em Iguaba Grande, onde sirvo como pastor. 1
Tim Keller. O Deus Pródigo: Descubra a essência da fé cristã na parábola mais tocante de Jesus. Tradução André Jenkino. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2010. 2
3
Tim Keller. O Deus Pródigo, p. 15.
4
Op. Cit.
5
Op Cit p. 65.
6
Op Cit p. 70.
7
Op Cit p. 74.
A cura
8
Op Cit p. 75.
9
Op Cit p. 101.
Uma coisa que o Evangelho deixa claro é que estamos todos “no mesmo barco”. Todos somos pecadores carentes da graça do Pai encarnada no Evangelho de Jesus. Os fariseus precisam também do “amor acolhedor de Deus”9, pois o pai vai ao encontro de ambos os filhos. “Ele não é farisaico com os fariseus; ele
10
Op Cit p. 102.
11
Op Cit p. 142.
12
Op Cit p. 154.
Juan de Paula é Pastor da Convenção Batista Brasileira e professor de Teologia na ETR (Escola Teológica Reformada) no RJ.
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A
vida até parece uma festa - assim começa a música Diversão do grupo de rock Titãs. O refrão é muito interessante: “Às vezes qualquer um faz qualquer coisa por sexo, drogas e diversão, e tudo isso só aumenta a angústia e a insatisfação; às vezes qualquer um enche a cabeça de álcool, atrás de distração, mas nada disso às vezes diminui a dor.” Esse refrão atinge importantes verdades que devemos tratar pelas lentes das escrituras. Todos os homens buscam diversão, buscam jogar, brincar, se entreter—se não
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em extremos pródigos, no mínimo em doses pequenas. Isso pode ser observado em qualquer idade e em qualquer cultura da Terra. A parábola do filho pródigo fala acerca de um homem que deixou sua família e sua terra para ir atrás de viver prodigamente. Ele julgou que o melhor para si era aproveitar e curtir a vida de maneira despreocupada, em busca de quaisquer formas de diversão que desejasse. Neste artigo iremos tratar desse desejo humano. Como outros autores vão tratar dos
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temas centrais da parábola (graça e perdão), fico à vontade para examinar uma questão um tanto periférica à parábola, mas importantíssima em nossas vidas: gastamos enorme parte de nosso tempo, nosso dinheiro e nossas vidas em busca de diversão. Como ele poderia ser tão tolo em deixar sua família, sua casa, sua comunhão para levar uma vida que resulta em miséria e destruição? Mais sério ainda, nós fazemos o mesmo, seja em grande ou pequena escala: quando optamos por clicar no site que não devemos, quando utilizamos substâncias que teoricamente vão nos fazer curtir mais a festa ou a viagem ou quando negligenciamos nossa família por coisas que prometem nos dar alegria. Veremos que a busca por diversão tem raízes na criação, é distorcida pela queda e mesmo assim aponta para a redenção.
A busca por diversão e a criação O filho pródigo fez uma coisa que todos nós já fizemos em algum ponto de nossas vidas, em verdade, algo que fazemos todos os dias: buscou diversão, quis satisfazer seus desejos por lazer. Mas de onde vêm tais desejos? Eles são necessariamente pecaminosos em sua raiz? Não, o interesse por recreação é um elemento criado no homem. Temos algumas pistas bíblicas que apontam para isto; iremos apontar algumas direções, mas não será um tratamento exaustivo. A Bíblia não tem uma passagem clara dizendo “podeis brincar”. O caso a favor de diversão, jogos e brincadeira é feito através de diversos textos que tocam no
assunto tangencialmente e por temas relacionados. Trataremos brevemente de alguns destes elementos. Um componente importante é o do descanso, uma grande parte da diversão. Ao criar o homem, Deus o fez com necessidade de descanso; de fato, estabeleceu a regra de que deveria trabalhar seis dias e descansar no sétimo. Esse dia, desde o princípio, envolvia culto, mas vai além disto, tratando-se de um dia para celebrar a Deus e sua criação e descansar dos afazeres da semana. Como diz Leland Ryken: “Assim como o descanso de Deus, o lazer nos liberta de uma necessidade de produtividade e nos permite aproveitar o que já foi feito.” (Ryken 1987, 183). Os diversos festivais de Israel no Antigo Testamento apontavam também para tempo de alegria e descanso na providência de Deus. Os profetas falam de instâncias onde brincadeira é vista como uma coisa natural e, principalmente, como parte de situações onde se mostra a bênção restauradora de Deus. Isaías profetizou acerca de uma convivência pacífica durante o reino do cordeiro em um período de reconciliação entre Deus e homem que se reflete na reconciliação entre homem e criação—e isto envolve até mesmo crianças brincando com animais ferozes (Is 11.6-10). Zacarias fez promessas parecidas; ao falar acerca da restauração de Jerusalém ele diz que “as praças da cidade se encherão de meninos e meninas, que nelas brincam” (Zc 8.5). Jesus em certas ocasiões (mesmo fora do Sábado) se retirou para descansar e se recompor. Curiosamente, Jesus foi acusado de ser um glutão e iprodigo.com 31
beberrão; essas acusações eram falsas, mas foram motivadas pelo fato de que era comum que Jesus gastasse tempo em comunhão e comida junto com as pessoas. Seu primeiro milagre público envolveu assegurar que uma festa não se encerrasse pela falta de vinho (o que não nega os profundos significados bíblicos e teológicos desse feito). A própria parábola do filho pródigo aponta para música e dança como reações apropriadas para alegria (Lc 15.25). Temos ainda Paulo usando figuras esportivas para ilustrar suas asserções em diversos momentos. Paulo não estava com isto dizendo que tínhamos de nos tornar maratonistas ou atletas, mas há uma aceitação tácita de que o mundo esportivo tinha para oferecer no mínimo figuras válidas para a caminhada (ou corrida!) cristã. Deus nos criou com instintos naturais para desejar descanso, interação e lazer; coisas que a Bíblia não condena se feitas dentro de seus parâmetros. Deus fez um mundo que vai além de simplesmente satisfazer as necessidades humanas de sobrevivência, ele criou diversidade, beleza, deleite; ele fez um mundo prazeroso ao homem, intelectual e sensorialmente; um mundo para ser aproveitado. Não haveria nenhuma restrição a Adão e Eva quanto a nadarem nos rios, brincarem com os elefantes, comerem quase todos os frutos ou aproveitarem a companhia um do outro em sua tarefa de povoar a terra. Outro elemento importante nesta discussão é que fomos criados à imagem de Deus e isto implica que somos receptivamente criativos1. Isso significa que Deus 32
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nos criou semelhantes a ele, com a capacidade de criarmos coisas com nossas mentes e mãos. Todas as nossas criações necessariamente refletem a criação original em certos pontos, pois não somos criadores autônomos, mas criamos dentro do campo de possibilidades que Deus criou. Ninguém pode imaginar uma cor que Deus não imaginou antes, ninguém pode criar um universo fantástico que surpreenda a Deus com sua criatividade. Trabalhemos com uma noção útil e interessante: nossos produtos culturais de lazer e diversão são subcriações, feitas diante de Deus, parte em rebelião, parte em submissão à sua vontade. Nosso interesse por diversão envolve o fato de que em nossos jogos e brincadeiras exercemos nosso chamado a sermos subcriadores. Em eventos grandes como as Olimpíadas ou a Copa do Mundo, podemos encontrar diversos pontos de contato entre nossas criações e a criação divina2. Mas mesmo em coisas menores como um filme, uma peça de teatro ou uma história infantil, encontraremos sempre elementos que remetem à forma e à estrutura pelas quais Deus criou o mundo; seja afirmando e repetindo o que Deus fez, negando e distorcendo tudo isto ou mesmo elaborando sobre o original. Ocasiões mais simples e corriqueiras refletem a criação de Deus em menos pontos, mas continuam refletindo (positiva ou negativamente): quando amigos se Devo a meus mentores Wadislau e Davi Gomes as expressões “receptivamente criativo” e “ativamente redentivo.” 1
Para um tratamento mais longo da questão do amor humano por diversão e de como a Copa do Mundo é uma subcriação que reflete a criação divina ver minha dissertação: The 2010 Soccer World Cup as Sub-creation: An analysis of human play through a theological grid of creation-fall-redemption. 2011. Reformed Theological Seminary. 2
juntam para jogar pingue-pongue ou assistir um episódio de Doctor Who, eles estão se deleitando num mundo com suas próprias regras, com seus valores, suas noções de certo e errado, regras de relacionamento e satisfação. Por que buscamos diversão? Porque ali encontramos coisas para as quais fomos criados como descanso, alegria e relacionamentos. Porque na recreação temos a possibilidade de exercer nosso papel como subcriadores. Não sabemos exatamente o que a parábola implica a respeito de como era a vida dissoluta do filho pródigo; por certo envolvia gasto de dinheiro com prostituição (v. 30) e provavelmente não estava muito longe do refrão da música dos Titãs. Quando o filho pródigo buscou diversão, recreação e descanso, ele fez seguindo desejos embutidos em seu coração desde a criação; o problema é que esses desejos foram distorcidos pela queda.
A busca por diversão e a queda A queda de Adão e Eva teve efeitos catastróficos. O maior deles é a separação entre Deus e o homem. Ela resultou ainda na corrupção do coração humano; todos nascem pecadores e isso afeta nossos desejos, pensamento e ações. Pela escolha que nossos pais fizeram, nós sofremos e habitamos numa realidade cheia de erros, onde nossas atividades são naturalmente corrompidas. Nossa busca por diversão é natural e criada por Deus, mas em nossa rebelião espiritual, pegamos as coisas boas criadas por ele e distorcemos segundo nossos desejos pecaminosos
para nossas finalidades. Utilizamos as boas coisas deste mundo para o mal. Essas distorções se mostram em todo tipo de assunto. Por exemplo, distorções em diversão e sexualidade. Deus nos criou para amarmos e fazermos sexo, dentro das limitações do casamento. Mas, em nossa rebelião, utilizamos a sexualidade de maneira errada, e isso vai muito além de simplesmente dormir com quem não é sua esposa. Nossos esportes, nossos filmes, nossas interações no Facebook, nosso tempo de relaxamento na internet, tudo isso é fortemente influenciado por uma sexualização fora dos padrões estabelecidos por Deus. Vamos além dos limites que Deus estabelece no uso de bebida, de comida e outras coisas – liberdade cristã se torna escravidão. Coisas que deveríamos usar para celebrar a bondade de Deus em sua criação acabam servindo para destruição, para escândalo e causam o tropeço de nossos irmãos. Outro tipo de distorção aparece na questão de violência e crueldade. Passamos a amar algo que é resultado da queda como se fosse original. Não entenda errado; em certas passagens bíblicas, Deus comanda a violência e ele mesmo pune seu Filho de maneira violenta no lugar de seu povo. Mas essa violência existe porque o pecado existe. Nossa diversão neste mundo é misturada com violência porque o mundo é caído e nós gostamos disso. Para alguns, esse interesse não passa de filmes e videogames violentos; para outros, vai além e envolve machucar, matar e afligir pessoas ou animais por diversão. Assim, por exemplo, nosso desejo legítimo de jogar bola com os amigos iprodigo.com 33
pode ser usado para impressionar e levar meninas para a cama, para nos deliciarmos machucando o adversário ou expressando ódio, raiva e mesmo preconceito étnico. Somos enormemente criativos em utilizar as criações de Deus e as nossas para o mal. Uma maneira especialmente perniciosa pela qual a queda afeta nossa diversão é ao utilizarmos nossas subcriações para pecar de maneira que não pecaríamos no mundo real. Dentro destas subcriações, muitas vezes nos sentimos mais livres para exercer nossos desejos pecaminosos do que fora delas. Por exemplo, há muitos homens que não adulteram fisicamente, mas julgam que podem brincar com pornografia porque ela “não afeta ninguém” – enquanto adulteram no coração. Ou o pai que não permite que o filho xingue, mas no estádio não vê problema que isso ocorra; ou a pessoa que não rouba em seu trabalho mas não vê problema em roubar no jogo de Banco Imobiliário, pois o jogo não é “pra valer.” O filho pródigo buscou viver de maneira a dar vazão a seus desejos criados e distorcidos pelo pecado; o resultado foi miséria no bolso e no coração. Ele foi criado para desejar sexo, mas deu vazão a seu desejo fora da esfera de permissão bíblica. Ele foi criado para desejar descanso e alegria, mas, para isso, gastou tudo o que tinha e deixou sua família. Por que buscamos diversão? Porque por meio dela podemos satisfazer diversos desejos pecaminosos e exercer nossa pretensa autonomia em criar nossos mundinhos, onde fazemos o que queremos. 34
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A busca por diversão e a redenção Além de sermos receptivamente criativos, somos ativamente redentivos. Isso quer dizer que, mesmo em nosso estado de queda, ainda temos impulsos de criar coisas boas e de consertar coisas ruins. Isso está ligado ao fato de que o homem é a imagem de Deus (Gn 1.27) e tem a eternidade em seu coração (Ec 3.11). O homem caído é uma inconsistência ambulante; ele proclama que Deus não existe mesmo sabendo que ele existe (Rm 1.1823). Ele tenta se ver livre de Deus, mas opera num mundo criado por Deus com mente e corpo criados por Deus, vivendo segundos as leis físicas de Deus. Ele deseja fugir de Deus em sua arte, trabalho e diversão, mas não consegue deixar de refletir aquilo para o que foi criado. Nossos filmes, novelas e revistas em quadrinhos estão repletos de temas como reconciliação, justiça, recompensa, graça, salvação e nova vida. Seguindo o pensamento de Cornelius Van Til, vemos que o homem, mesmo negando a verdade de Deus, se utiliza dela em tudo o que faz. Van Til usou a idéia de “capital emprestado”. O descrente, de qualquer cultura, não é consistente com sua rebelião. Criado para refletir e glorificar a Deus em tudo o que faz, o homem é incapaz de se comprometer completamente com sua cosmovisão rebelde. Van Til frequentemente usava a figura de uma criança que só é capaz de esbofetear seu pai porque este a segura no colo. O homem rebelde tenta, mas não consegue se desvencilhar de Deus e da noção de eternidade (Van Til, 2007, 153).
O homem usa a criatividade, a matéria-prima, os temas e estruturas da criação de Deus para suas subcriações (filosóficas, científicas literárias, cinematográficas... ); essa idéia de capital emprestado é muito importante para analisarmos qualquer produto cultural como filmes, literatura, rituais e tudo que se possa imaginar, pois o homem criado diante de Deus é incapaz de negar plenamente que é imagem de Deus com a eternidade gravada em seu coração. Cada uma de suas criações necessariamente conterá relances, fragmentos da verdade eterna que apontam para o passado no Éden e para o futuro eterno.
“O que essa busca e inquietação revelam senão que havia um dia em nós verdadeira alegria, da qual o que resta é apenas um esboço e traços vazios? O homem tenta sem sucesso preencher o vazio com tudo o que o cerca, buscando em coisas ausentes a ajuda que não encontra nas que são presentes, mas todas são incapazes de fazê-lo. Este abismo infinito só pode ser preenchido com um objeto infinito e imutável, quer dizer, o próprio Deus. Apenas ele é nosso verdadeiro bem. Desde o tempo que o largamos, é curioso que nada foi capaz de tomar seu lugar: estrelas, céu, Terra, elementos, plantas, repolho, alho-poró, animais, insetos, bezerros,
O homem caído deseja fugir de Deus em sua arte, trabalho e diversão, mas não consegue deixar de refletir aquilo para o que foi criado. Nosso lazer e entretenimento estão imiscuídos com temas, estruturas e promessas que são semelhantes aos nossos desejos mais profundos de libertação do mal, liberdade do medo e da dor, eternidade, reconciliação e assim por diante. Uma das razões pela qual buscamos diversão é porque ali encontramos coisas como redenção, reconciliação, paz, alegria e união. Claro, sempre de maneira imperfeita e manchada pelo pecado. O homem busca na diversão suprir a necessidade que tem de Deus e de sua eternidade. Voltando a Eclesiastes, parte integral da mensagem do livro é que o homem busca satisfazer seu desejo por coisas maiores por meio de todo tipo de coisa criada, mas isso tudo é apenas vapor, que não mata a sede. Blaise Pascal escreveu bem:
cobras, febre, pragas, guerra, fome, vício, adultério, incesto. Desde o tempo em que perdemos o verdadeiro bem, o homem pode vê-lo em todo lugar, mesmo em sua própria destruição, embora seja tão contrário a Deus, à razão e à natureza. Alguns buscam este bem último na autoridade, outros na busca intelectual por conhecimento e outros no prazer”. (Pascal, 1999, 52). Os Titãs estavam certos, “tudo isso só aumenta a angústia e a insatisfação”. Deus nos fez com a capacidade de criar, mas nossas subcriações não foram feitas para assumir o lugar de Deus e nem mesmo da criação em nossas vidas; ao tentarmos criar mundos onde nos divertimos sem Deus, estamos apenas nos enganando. Podemos detectar resquícios da realidade suprema e iprodigo.com 35
pensamos que eles são a própria realidade; em nossa rebelião, achamos que seremos mais felizes se pudermos viver de acordo com nossas tolas paixões em nossas fantasias, ao invés de nos regozijarmos em Deus, sua criação e em submetermos a Ele nossas subcriações. Buscamos lazer e diversão, pois achamos que ali encontraremos o que buscamos. Pensamos que dançando com os amigos, boiando no oceano, correndo atrás de uma bola, fantasiando numa partida de RPG, brincando com nossas crianças encontraremos um pouco daquela alegria e finalidade para a qual fomos criados. E de fato podemos vislumbrála, podemos quase apalpá-la em nossas atividades. Como falou C.S .Lewis acerca de sua busca por alegria e beleza: “Os livros ou música em que achávamos que estava a beleza irão nos trair se esperarmos neles; não era neles, era através deles, e o que vinha através deles era um anelo. Essas coisas — a beleza, a memória de nosso passado—são boas imagens daquilo que realmente desejamos; se as confundirmos com a coisa em si, eles se tornam ídolos mudos e vão partir o coração de seus adoradores. Pois eles não são a coisa em si, são apenas o aroma da flor que não encontramos, notícias de um país que ainda não visitamos” (Lewis, 2001, 29). No uso autônomo de féamor-esperanca, o homem rebelde a Deus põe sua fé em si mesmo e em seus feitos, exercitando seu amor em dedicação a diferentes formas de diversão, na esperança de que através de jogar e brincar ele encontrará significado e satisfação. O teólogo 36
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Herman Bavinck falou acerca dessa situação complexa: “O homem almeja a verdade, mas é falso por natureza. Anela por descanso e se lança em uma diversão após a outra. Suspira por uma bênção permanente e eterna, porém se agarra aos prazeres do momento. Ele busca a Deus, mas se perde na criatura. Nasce filho da casa, mas se alimenta dos sabugos dos porcos numa terra distante...” (Bavinck, 1977, 22). Buscamos diversão, pois ali encontramos um pouco do que sabemos que a eternidade redentiva reserva pra nós; nas nossas subcriações, tentamos replicar estas realidades sem ter de nos submetermos ao Deus Criador, tolamente achando que essas coisas podem ser separadas.
Conclusão Os Rolling Stones, por décadas, têm rugido “não consigo satisfação, e eu tento, eu tento eu tento”. Eles nunca irão encontrar enquanto procurarem onde procuram; vão achar coisas que parecem satisfazer, mas que o fazem de maneira imperfeita e temporária, um ídolo cruel. O filho pródigo se deu conta de que, em sua situação, não havia mais satisfação – sua solução foi voltar. Será que ele percebeu que havia satisfação verdadeira na casa do pai ou ele simplesmente continuava olhando com os mesmos olhos, apenas buscando outra fonte? Ele achou que seu problema era falta de recursos financeiros. Lembrou que na casa de seu pai havia recursos e que mesmo os empregados comiam melhor que ele e resolveu voltar. Quando confrontado com o amor do pai é que percebeu que ali estava a verdadeira vida, numa
festa onde graça se mostra para quem não merece. Seu problema, na verdade, era achar que podia viver em sua autonomia pecaminosa. A tragédia é que, em nossa rebelião idólatra, tentamos atribuir à subcriação o lugar que é do Criador; buscamos adorar a criação no lugar do Criador e terminamos com um paliativo por vezes saboroso, mas que não satisfaz a fome. Muitos cristãos são totalmente avessos ou críticos à diversão como se fosse sempre pecaminosa ou, no mínimo, um mau uso do tempo. Outros buscam sua diversão, mas escondidos dos irmãos por vergonha ou incompreensão. A música do Titãs começa com a frase “A vida até parece uma festa”. De fato nossa vida é marcada por festas formais ou informais. Festas de casamento, de aniversário, de promoção, de estação, de aprovação, de fim-de-semana. Festas em que temos, de fato, um aperitivo de uma festa maior, reservada para os que são recebidos pelo pai gracioso, pelo único caminho do Filho que se entregou por filhos pródigos e por filhos que se achavam obedientes. Compreender que nossa busca por diversão está enraizada na nossa noção imperfeita de uma realidade superior irá nos ajudar a encontrar o caminho de retorno. Entendendo primeiro a redenção maravilhosa comprada por Cristo poderemos então aplicá-la neste mundo caído redimindo o tempo e o mundo, enquanto caminhamos – não para a criação original, mas para a recriação de todas as coisas, onde enfim teremos perfeitos descanso, trabalho e adoração.
Bibliografia Agostinho. 1998. Saint Augustine’s Confessions. Trans. Henry Chadwick. Oxford World’s Classics. Oxford, UK: Oxford University Press. Bavinck, Herman. 1977. Our reasonable faith. Trans. Henry Zylstra. Grand Rapids, MI: Baker Book House. Garofalo Neto, Emilio. 2011. The 2010 Soccer World Cup as sub-creation: an analysis of human play through a theological grid of creation-fallredemption. PhD diss., Reformed Theological Seminary. Lewis, C.S. 2001. The weight of glory: And other addresses. New York, NY: HarperCollins Publishers. Pascal, Blaise. 1999. Pensées and other writings. Trans. Honor Levi. Oxford World’s Classics. Oxford, UK: Oxford University Press. Ryken, Leland. 1987. Work and leisure in Christian perspective. Portland, OR: Multnomah Press. Van Til, Cornelius. 2007. An introduction to systematic theology: Prolegomena and the doctrines of revelation, scripture, and God. 2nd ed. Ed. William Edgar. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing.
Emilio Garofalo Neto é Pastor da Congregação Presbiteriana Semear, em Brasília (DF).
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O Abuso da Graça POR isaías lobão
H
á duas tendências perniciosas que vez por outra abatem a fé cristã. Uma delas é associar a salvação com a exigência de regras e leis. Isto é chamado de legalismo. Os legalistas não acreditam que somente um relacionamento pessoal e profundo com Cristo é suficiente para satisfazer a Deus. Eles acrescentam regras e deveres para os verdadeiros crentes. Regras sobre o comer, o beber, o vestir e a aparência em geral. A outra tendência é a licenciosidade. O desprezo pelo padrão de santidade exigido por Deus para seu povo. É também conhecido como antinominianismo, que significa literalmente ser contra a lei. O principal erro dos libertinos é confiar no ensino da “livre graça” como direito de continuar no pecado. Buscam satisfazer os seus interesses, desejos e valores. Observe o contraste entre o legalismo e o evangelho da graça. O legalismo é obra humana e se fundamenta na blasfema noção de que o ser humano pode agradar a Deus com suas penitências e campanhas de fé, enquanto que o evangelho da graça foi nos dado por Deus e não exige nenhum esforço da parte do ser humano para alcançar a salvação. O 38
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legalismo enfatiza o que o homem faz por Deus, enquanto o evangelho da graça ensina que Deus fez tudo pelo ser humano para salvá-lo. O legalismo pode ser ilustrado com a imagem da escada da salvação. O ser humano zelosamente tenta subir a escada de sua justiça própria, na esperança de encontrar-se com Deus no último degrau. Já o evangelho da graça pode ser ilustrado com Deus descendo a escada da encarnação de Jesus Cristo e encontrando-se conosco, na condição de pecadores, no primeiro degrau. O legalismo diz: alcance; o evangelho diz: obtenha. O legalismo diz: tente; o evangelho diz: receba. O legalismo diz: desenvolva-se a si mesmo; o Evangelho diz: negue-se a si mesmo. O conceito de só pela graça é um golpe mui severo ao orgulho humano. Aqui não há lugar para a autossuficiência, nem para a arrogância do que pretende salvar-se a si mesmo e a outros, mesmo por meio de esforços que aos olhos da sociedade parecem mui nobres e heroicos. No Evangelho, não temos o homem buscando a Deus, porque o homem está morto em seus delitos e pecados: “Ele vos deu vida, estando
vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Efésios 2.1). Ele foge desesperadamente Daquele que lhe pode dar a vida eterna. No Evangelho, não temos um homem bom, querendo seguir o melhor caminho e se entregando sinceramente a Deus. Temos a dura realidade da indiferença e da rebeldia, que rejeita a oferta divina. O pecado não é uma fraqueza ou um vício pelo qual não somos responsáveis. É um antagonismo ativo e intencional contra Deus. Millard Erickson apresenta a seguinte definição: “Pecado é qualquer falta de conformidade, ativa ou passiva, com a lei moral de Deus. Isso pode ser uma questão de ato, de pensamento ou de disposição”. É importante lembrar que amamos nosso pecado; temos prazer nele, buscamos oportunidades para praticá-lo. No entanto, por sabermos instintivamente que somos culpados diante de Deus, inevitavelmente tentamos camuflar ou negar nossa própria pecaminosidade. Há muitas maneiras de fazer isso. Elas podem ser resumidas, grosso modo, a três categorias: encobri-lo, justificá-lo e ignorá-lo. Pecar não nos dá liberdade – nos escraviza, e nos prende num círculo de outros pecados. Adão comeu o fruto proibido e tentou fugir de Deus, escondendo sua nudez com folhas de parreira. Caim matou o irmão e em seguida mentiu para Deus. Pedro chorou amargamente depois de negar Jesus. Exemplos da escravidão do pecado. Paulo escreveu aos Romanos sobre os riscos do pecado: “Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do
pecado, contudo, viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues” (Romanos 6.17). O Cristão não deve se submeter ao pecado visto que fomos completamente libertados através do precioso sacrifício de Cristo: “Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte” (Romanos 8.2). Graça é uma palavra de raiz latina – gratia, traduzida do grego charis, e que significa graciosidade, benevolência, favor ou bondade. Ela significa favor imerecido, favor concedido àqueles que nada merecem. A graça de Deus aos pecadores revelase no fato de que Ele mesmo pela expiação de Cristo pagou toda a pena do pecado. Por conseguinte, ele pode justamente perdoar o pecado sem levar em conta os merecimentos ou não merecimentos. Os reformadores protestantes do século XVI bradaram a uma só voz: Somente a Graça! Eles combateram a degenerada religião medieval que apresentava Cristo como um regente feroz que ameaçava os seres humanos com a condenação eterna. A única esperança encontrada pelas pessoas era o sistema sacramental romano. No entanto, era uma esperança vazia. Os jejuns, as confissões, as peregrinações, o enxame de relíquias veneradas, o panteão de santos e intercessores não conseguiam acalmar as almas aflitas. Elas em desespero encontravam a morte, incertas de seu destino final. O grande mérito dos reformadores não foi criar algo novo, mas a redescoberta da antiga mensagem do evangelho, que ficou obscurecida na maior parte do período medieval. O catolicismo medieval ocasionalmente iprodigo.com 39
se degenerava numa religião folclórica da natureza. Os reformadores denunciaram esse erro e propuseram um novo (antigo) caminho: o retorno às Escrituras. De acordo com a Palavra de Deus, a graça está intimamente ligada ao amor e a eleição soberana. Leia o que Deus revelou a Moisés durante o período que a Igreja da antiga aliança atravessava o deserto. “Porque tu és povo santo ao SENHOR, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosse o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra. Não vos teve o SENHOR afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito” (Deuteronômio 7.6-8). Ao Israel de Deus da nova aliança, a Bíblia ensina que o amor de Deus é perfeito, desinteressado, gratuito e livre: Deus nada tem a ganhar com ele, já que ele é infinito e perfeito. Pelo contrário, Deus se sacrificou por nós, enviando Jesus, para morrer a nossa morte. Não houve outra razão, a não ser o amor (Rm 5.8). Deus não nos ama em função do que somos, porque senão ele amaria somente os amáveis, perfeitos, bons, justos e bonitos. O amor de Deus é para aqueles que nada são, para os sujos, malcriados, perversos e sem escrúpulos. A pessoa amada por Deus não tem nenhum valor em si; o que lhe dá valor é o fato de ser amada por Deus. Você conhece o hino Amazing Grace de John Newton? Newton 40
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escreveu-o em 1779. A letra diz: Maravilhosa Graça / Como é doce o som que salvou um desventurado como eu / Estava perdido, mas agora fui encontrado / Fui cego, mas agora vejo. / Sua Graça ensinou meu coração temer / E aliviou os meus medos / Quão preciosa foi a revelação no primeiro momento em que eu acreditei / Através de muitos perigos, labutas e armadilhas eu já passei, esta Graça trouxe-me até aqui / E a Graça me conduzirá ao meu lar. Newton foi traficante de escravos africanos. Depois de convertido se tornou pastor. Ele baseou o hino em I Crônicas 17.16-17, onde o Rei Davi expressa sua convicção de não ser digno de construir a casa do Senhor, e clama: “Quem sou eu, ó Senhor Deus, e que é a minha casa, para que me tenha trazido até aqui?”. Anos depois, ao crescer muito mais na fé, lamentou profundamente ter feito parte deste nefando tráfico. Tornou-se forte e eficaz guerreiro contra a escravatura. Newton nunca se esqueceu do seu passado. Colocou na parede do seu escritório uma placa com versículo: “Pois lembrar-te-ás de que foste servo na terra do Egito, e de que o Senhor teu Deus te resgatou” (Dt 15.15). Achou importante relembrar a si mesmo e aos outros o quanto a maravilhosa graça de Jesus havia feito por ele. Em seu túmulo, lê-se: “John Newton, uma vez um infiel e um libertino, um mercador de escravos na África, foi, pela misericórdia de nosso senhor e salvador Jesus Cristo, perdoado e inspirado a pregar a mesma fé que ele tinha se esforçado muito por destruir”.
Deus proclamou o dever de rejeitar o pecado e fazer o que é certo, por causa da nova vida recebida em Cristo. Nós fomos libertados da lei para servimos a Deus no Espírito. O antinominianismo é outra forma de abusar da graça. Ele se manifestou na igreja de diferentes maneiras. No abuso de autoridade dos papas medievais, que mantinham relacionamentos com meretrizes, apoiados por súcias de malfeitores. Em prelados gananciosos e promíscuos que se esgueiravam pelas ruelas das cidades atrás de bordéis; reis gananciosos com interesses no poder temporal sustentavam a opulência da igreja e fiéis subjugados pelo sistema sacramental romano. Na época da Reforma, Calvino enfrentou o partido dos libertinos em Genebra. Eles abusaram da graça quando abandonaram seus votos matrimoniais. Usavam a expressão “comunhão dos santos” para troca de esposas. Calvino os enfrentou com a Palavra de Deus. Alguns dos libertinos tomaram de assalto a Igreja de Genebra e queriam participar da Ceia do Senhor. Os libertinos desembainharam suas espadas. Calvino foi para frente da mesa da comunhão e afirmou que não dividiria o Corpo de Cristo com insolentes. Diante da coragem de Calvino, os libertinos abandonaram a igreja. O apóstolo Paulo combateu o ensino dos libertinos. Para o apóstolo é uma perversão da graça argumentar que ela resulta em liberdade e aumenta quando o pecado cresce, ou que as pessoas deviam continuar a pecar para que a graça pudesse predominar. Veja o que está escrito na Palavra de Deus:
“Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum! Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (Romanos 6.1,2). O ensino apostólico é claro. Aqueles que foram justificados por Cristo morreram para o poder do pecado, que agora não tem mais poder para escravizá-los. É responsabilidade de todo cristão viver de modo digno de sua nova posição. O cristão está unido a Cristo, na Sua morte e ressurreição. Por isso, não devemos ser escravos do pecado, pois fomos crucificados com Cristo. Devemos viver no poder da ressurreição daquele que ressuscitou da morte e está vivo para sempre. Devemos considerar nossa crucificação e nossa ressurreição com eventos consumados. Deus ofereceu Jesus Cristo como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Um resgate foi pago para nos libertar, a absolvição foi declarada, visto que Deus, em seu Filho, suportou o julgamento e sofreu a pena imposta ao pecador. Cristo não morreu como um acidente na história, nem como ação de homens maus, os judeus ou os romanos. Nem morreu como mártir ou um injustiçado. Ele não morreu apenas como meu representante, ele morreu em meu lugar. Pois é por causa de sua morte que serei poupado da morte final. Ele morreu a minha morte, por minha causa e em meu lugar. A razão principal de porque Jesus teve de morrer é esta: para receber a Ira de Deus no lugar dos pecadores. Deus é santo e Ele tem que punir os pecadores. Mas porque Ele também é iprodigo.com 41
amoroso, Deus quis enviar Seu Filho para levar sobre si a punição de Sua ira, a fim de que os pecadores pudessem receber Sua misericórdia. Ninguém pode apontar o dedo para outra pessoa ou grupo pela morte de Jesus. Nossos pecados foram a razão de Jesus ser crucificado. Ele não tinha de morrer; porém, essa foi sua escolha. E porque Jesus nunca quebrou a Lei de Deus, Ele poderia morrer como um substituto no lugar daqueles que a quebram. Como 2 Coríntios 5.21 explica, ele se “tornou pecado por nós, aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus”. O valor da cruz de Cristo está naquilo que realizou e não na dor que provocou. A cruz revela a generosidade de Deus. Nela, Deus não poupou nada, pelo contrário, nos deu o que tinha de mais precioso, mais caro, mais perfeito. Haveria, diante da demonstração de generosidade de Deus na cruz, alguma dádiva que ele nos negaria? Alguma bênção que seria maior do que seu próprio Filho? Ver a vida na perspectiva da cruz significa vê-la inteiramente em termos de rendição. Foi isso que a cruz representou para Cristo. Cristo crucificado é tudo o que precisamos. Paulo optou por uma mensagem, ignorou as exigências de gregos e judeus. Ele sabia que Cristo, sua morte e ressurreição, é o que a alma humana necessita, nada mais além disso. Tudo deve sujeitar-se à Cruz, render-se ao seu poder e glória, aceitar sua primazia na redenção. Mas a cruz é loucura, escândalo, vergonha. Não fascina como os sinais, nem seduz como a sabedoria. A cruz é sofrimento, renúncia, entrega e dor. Mas para aqueles que reconhecem nela o triunfo 42
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de Cristo, ela se transforma no poder e na sabedoria de Deus. Cumpre a nós, como resposta ao sacrifício pascal de Cristo, buscar uma vida de santificação e consagração. Não temos o direito de viver do jeito que quisermos, mas temos que nos submeter ao Senhor que nos resgatou de uma vida de pecado. A santidade se inicia dentro da pessoa como um desejo correto de expressar-se corretamente. É uma questão não apenas da ação que desempenho, mas das motivações que me levam a executá-las. A motivação, os objetivos, a paixão, o desejo, os anseios, as aspirações, as metas e a direção de uma pessoa santa é agradar a Deus. Tanto pelo que faz como pelo que evita fazer. Em outras palavras, praticam-se coisas boas e evitam-se as más. Devemos trabalhar para manter nosso coração ativamente obediente a Deus. Agradar a Deus é a resposta humana à iniciativa divina de buscá-lo e redimi-lo. Deus exige daqueles que foram redimidos nada menos do que a santidade. Por isso, ser santo não é uma opção. É nossa obrigação! A doutrina da graça está no centro da proclamação do evangelho. No entanto, ela pode ser perdida em meio aos abusos. Nosso desafio é mantermos firme a pregação do evangelho e corrigir os abusos decorrentes do falso entendimento da graça. Graça maravilhosa, soberana e irresistível.
Isaías Lobão é Bacharel e licenciado em História pela Universidade de Brasília e Professor no Seminário Presbiteriano de Brasília
Foto de Maria Kaloudi. Retirado de sxc.hu
GRAÇA E CONSUMAÇÃO
por Dilsilei Monteiro
O
salmista, no Salmo 84.11, afirma que “O Senhor dará graça e glória”. Nisso reside a grande verdade de que a graça de Deus na vida dos eleitos é a promessa de sua glória porvir. Na verdade, é mais do que promessa, é essencial e indiscutivelmente uma parte da glória em si. Graça atual é a glória futura. Aquele que tem o menor grau de graça em sua alma tem os começos de glória. Há grande consolação nessa verdade, uma vez que é o cultivo de uma perspectiva eterna que, segundo as Escrituras, nos dá conforto durante os momentos de sofrimento dessa vida. Certa ocasião, ouvindo o Rev. Wadislau Gomes, obtive uma melhor compreensão da graça. Explicando o termo, contou-nos sobre o hábito de certos lugares de se indagar sobre o nome de pessoas com seguinte pergunta: “Qual a sua graça?”. Pois bem, Rev. Wadislau disse que “a dele”,
a graça em sua vida, “era Cristo”. E é exatamente isso, o nosso Senhor Jesus, o dom inefável de Deus, é o depositário da graça. O nosso mediador perfeito é a Cabeça e a Fonte de toda a graça aos seus santos. Nele habita toda a plenitude da graça, no passado, no presente e no futuro! Isso mesmo, no futuro! Porque a graça de Deus também é escatológica e é nela que funda a segurança da nossa esperança. Por todo o Novo Testamento o que percebemos é o povo de Deus movido por essa expectativa escatológica mas, de tempos em tempos, notamos essa percepção da graça de Deus sendo diminuída. Se as promessas de Deus e seu cumprimento não fossem tão indissoluvelmente ligados à Sua graça, então todos os incentivos da vida eterna após a morte iriam ter pouco conforto sobre nós ou mesmo nenhum. Em outras palavras, se Deus houvesse iprodigo.com 43
prometido aos seus eleitos a vida eterna, mas deixasse-nos a tarefa de alcançá-la, então não haveria nenhuma razão que nos levasse a ter absoluta confiança de que poderíamos estar diante Dele no porvir. Que esperança haveríamos de ter na consumação não fosse sua graça uma garantia no passado, no presente e no futuro? É preciso ter sempre em perspectiva o futuro maravilhoso que Deus tem preparado para nós, e a esperança da glória que nos será dada mediante a glorificação do corpo ressurreto para a vida eterna, conforme registra o apóstolo Paulo em Romanos 5.2: “Nós nos gloriamos na esperança da glória de Deus”. O apóstolo Pedro, em sua primeira carta, registra: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós, Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo.... Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo” (1 Pedro 1.3-5,13). Nesse registro de Pedro,vemos que o Deus de toda graça chamou e chama Seu povo à sua eterna glória em Cristo para confirmar, fortalecer e estabelecer. Esse é o chamado eficaz, esse é o chamado que regenera, que justifica, que resgatou e resgata os eleitos, que os converteu de seus maus caminhos. Mas não é só isso, a obra 44
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salvífica de Deus, para alcançar e salvar o povo do Seu pacto, era e é uma obra que pretende produzir glória eterna para Cristo. Nisso reside a glorificação, último ato da salvação. Segundo Pedro nos ensina, uma legítima perspectiva da graça reside na glória! Ocorre que, se indagarmos a muitos cristãos de hoje, eles não se alegrarão com isso, nem com a volta gloriosa de nosso Senhor Jesus e a própria glória que nos será dada em Sua primogenitura. O que se assiste é cristãos pensando uma vida cristã cuja esperança tem seus limites em nossas experiências daqui, que abandonam a perspectiva da eternidade, deixando de contemplar a maravilha do que está por vir por qualquer bocado de conforto mínimo aqui. Portanto, é necessário entender a relação entre a graça de Deus e a Glória porvir para que possamos viver confiantes em uma salvação que, tendo sido concedida a nós pela graça e poder de Deus, nos faz regozijar numa esperança clara e firme da herança que nos está prometida. Quando falamos da graça, é preciso olhar para o passado e para o presente, mas, sobretudo, para o futuro e para a glorificação. Assim experimentaremos os significativos efeitos disso sobre nós, aumentando a esperança e qualificando a vida dos santos do Senhor. Veja a orientação de Pedro: “Cingindo suas mentes para a ação, mantenham-se sóbrios em espírito”(v.13) e continua a seguir: “esperai inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo”. Essa graça que nos é oferecida em Cristo é a promessa de uma herança eterna indestrutível, um futuro glorioso na presença de Deus,
e deve ser essa a base de toda a nossa esperança, ser aquilo que orienta todo o nosso viver. A nossa grande dificuldade tem sido pensar sobre o céu como o maior e o elemento culminante da graça. Graça e consumação são indissociáveis e, por alguma razão, não temos entendido isso! Essa orientação das Escrituras tem profunda relação com o modo em que devemos viver nossas vidas. Paulo em Romanos 8.18 afirma: “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada.” É certo, na demonstração de Paulo que, em meio a provações e sofrimento, é crucial que tenhamos uma perspectiva eterna, lembrarmos que os julgamentos temporais e as dores desta vida não podem sequer ser comparados com a glória futura que aguarda o povo de Deus e que o contrário disso nos levará a um conceito muito frágil e muito errado da graça de Deus. É verdade que já vivemos, pela graça, os efeitos da implantação do reino dos céus naquilo que chamamos de “já e ainda não”. A graça passada e presente é parte do crente aqui; glória é a recompensa da graça futura. Uma é elemento essencial de sua condição atual, outra é sua condição futura. A Glória em sua plenitude não pode ser realizada na terra, visto que ela pertence a um estado perfeito do ser. Então, enquanto vivemos neste estado imperfeito do ser, somos sustentados, santificados e confortados pela graça, mas, quando formos libertos do fardo do pecado e a alma é despojada de suas
vestes terrenas, a missão da graça é cumprida, a sua obra é completa e nós então somos recebidos acima na glória no estágio final da graça. Portanto, todo crente deve viver ansioso pelo que a graça eterna vai fazer em sua vida. Deve ansiar pela graça futura. Deve se alegrar pela graça no passado. Regozijar-se pela graça no presente. Esperar, inteiramente, na graça a glória que lhe está reservada no futuro. Neste ponto, ressaltamos que a graça é trinitária. Já assentamos a relação do pai e do filho anteriormente, agora é preciso dizer que é na habitação do Espírito Santo que o crente experimenta não apenas aspectos da graça presente, mas a graça futura, visto que promove os primeiros frutos da glória. Por isso que o apóstolo fala dos santos de Deus como tendo “as primícias do Espírito”. Na visão que Paulo estabelece em Efésios 1, texto conhecido como os himalaias da Bíblia em razão de sua grande expressão doutrinária, podemos estabelecer o seguinte esboço: (A) v. 3-6: O papel do Pai na salvação (passado) (B) v. 7-12: O papel do Filho na salvação (tempo presente) (C) v. 13-14 O papel do Espírito Santo na salvação (futuro) O Pai planifica a redenção, o Filho a compra, e o Espírito a aplica. A obra da salvação glorifica cada pessoa na Trindade, toda a divindade é glorificada na salvação de um pecador. iprodigo.com 45
Portanto, é pela economia da trindade que temos uma completa compreensão da graça. É na Trindade completa que somos completamente salvos, em todos os atos, do primeiro ao último. Nenhum deles baseado no pecador, em qualquer bondade ou merecimento, mas unicamente com base na graça de Deus e para a glória de Deus, o Deus que é infinito em merecimento. A respeito da perseverança dos santos, Hoekema nos ensina que: “O Espírito Santo está também indispensavelmente envolvido com nossa preservação ou perseverança na fé... O Espírito é o selo de nossa final redenção em Efésios 4:30: “E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual [ou com o qual] fostes selados para o dia da redenção”. Nos dias do Novo Testamento um selo era usado como marca de propriedade; ser selado como Espírito significa ser separado como alguém que pertence a Deus. Nessa passagem, ser selado com o Espírito significa também que o Espírito nos guardará em comunhão com Deus até o dia final da redenção.” Na última fase dessa salvação graciosa, os santos são fiéis, eles continuam na fé, eles perseveram na fé, essa é a ideia da doutrina clássica “Perseverança dos santos.” Essa frase consoladora aparece em Apocalipse 14.12: “Aqui está a perseverança dos santos, daqueles que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus”. Eles sofrem, mas continuam. Já Efésios 1.3 afirma que essa bênção da perseverança é parte da graça e das bênçãos de Deus, que o Pai dá àqueles que Ele separou e fez santos que são fiéis. A preservação da 46
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graça de Deus é a bênção espiritual que precisamos para a perseverança na fé. Por Sua preservação dos santos, Deus permite capacita e garante eternamente a graça que nos mantém perseverantes. A definição dessa doutrina pode ser encontrada na Confissão de Fé de Westminster: “Aqueles aos quais Deus aceitou em seu Amado, efetivamente chamados e santificados pelo Espirito, não podem, total ou finalmente, cair do estado de graça; eles certamente perseverarão ate o fim, e serão eternamente salvos.” Esses são os efeitos da segurança das bênçãos trinitárias na salvação. Estar em Cristo é grande segurança porque ninguém pode arrancar-nos da sua mão, ou fora da mão do pai, como nos assegura João 10.27-29. Estar em Cristo, em união com Cristo, é fonte de toda segurança. Deus Espírito Santo é a mais completa e definitiva garantia para o crente, por sua obra dentro de nós. A invencível e irreversível graça de Deus Pai e Deus Filho tem forte e perfeito apelo para fortalecêla ainda mais (Ef 1.13-14), somandose à atuação da graça do Espírito Santo. Paulo traz mais esta afirmação gloriosa, garantindo ainda mais bênção mediante a conclusão e culminação pela graça do Espírito Santo de selar e conferir segurança a tudo que Deus Pai e Deus Filho têm feito e não poderá jamais ser desfeito, porque Deus, o Espírito Santo pessoalmente, sela e assegura sua consumação. Revisando Efésio 1.3-14, vemos que a Trindade é integralmente
envolvida no processo de salvar os pecadores, garantindo-lhes a salvação. E isso Deus o faz completamente, do início até o fim, antes que houvesse o tempo (v. 4) e até o fim dos tempos (v. 10, 14). E, nesse contexto, o Espírito Santo oferece a graça de preservar a perseverança dos santos. Não é um poder do homem que o faz firme, mas o poder e a graça de Deus, que preservam e mantêm aqueles que são verdadeiramente salvos, e para sempre salvos. É por isso e assim que os verdadeiros crentes perseveram. Devemos persistir até o fim, mas, no final, nossas obras não ganham ou mantêm nossa salvação, é a obra de Deus que nos salva e é a obra de Deus dentro de nós que demonstra que somos salvos. Essa garantia bíblica não vem de nenhum de nossos atos passados, presentes ou futuros, mas baseia-se unicamente no que o Espírito Santo fez, está fazendo e fará em nós. Assim é que a relação entre graça e escatologia bíblica não apenas afirmam nossa esperança na glorificação e na volta do Senhor Jesus inaugurando a nova ordem, mas também nos capacita a viver aqui coerentemente com essa expectativa. O evangelho da graça move o pecador justificado para um labor santo, a um amor ativo na promoção do reino que está se estabelecendo. E então? Qual o efeito de mudarmos nosso olhar para a graça na perspectiva da eternidade? Vimos que a vida eterna é um dom da graça. A glorificação é o ato final da graça. É a graça final em graça sobre graça. Em que medida essas verdades ancoram nosso viver, toda a nossa vida?
Tamanha imensidão da graça na perspectiva da consumação do pacto, da certeza da glória vindoura, deveria nos conduzir a viver de modo mais íntimo aquilo que é eterno, “as coisas do alto”, conforme a recomendação do apóstolo Paulo aos colossenses. É preciso estar nesse mundo, mas viver como cidadão dos céus, sem obstáculos e interrupções na comunhão com o Senhor vivo. Experimentaremos isso, em toda a adoração, oração e serviço que prestamos, a cada suprimento da graça, se conscientes de que a glória de nossa preservação não pode ser comparada com a expressão avassaladora da glória eterna. Pensar nas “coisas lá do alto” é viver na expectativa da graça futura e da glória que nos está prometida, seguindo a recomendação de Pedro, numa firme esperança da graça final. Em Mateus 25, nosso Senhor, em uma expressão da grandeza dessa glória, disse em meio à parábola sobre os servos: “Entra no gozo do teu Senhor.” Essa é a característica dominante do céu, a plenitude de Deus, de alegria, de satisfação e da exuberância do nosso Senhor. Diante de gloriosas verdades, que o nosso interesse neste mundo seja na medida da glória do Deus da graça e para o avanço de Seu Reino e muito vago em relação a coisas triviais, e que eliminemos de nossas vidas as disposições contrárias e exultemos em aclamação da graça e da glória do nosso Deus. Dilsilei Monteiro é Pastor Presbiteriano e Mestrando em Teologia pelo Centro de PósGraduação Andrew Jumper.
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