Mosteiro de São Damião em Porto Alegre-mono 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE HISTÓRIA

ELIANE SILVA

MOSTEIRO DE SÃO DAMIÃO EM PORTO ALEGRE: PRIMEIRAS CLARISSAS NO SUL DO BRASIL

Porto Alegre 2010


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ELIANE SILVA

MOSTEIRO DE SÃO DAMIÃO EM PORTO ALEGRE: PRIMEIRAS CLARISSAS NO SUL DO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito final para obtenção do título de Bacharel em História pela Faculdade de Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eliana Ávila Silveira

Porto Alegre 2010


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ELIANE SILVA

MOSTEIRO DE SÃO DAMIÃO EM PORTO ALEGRE: PRIMEIRAS CLARISSAS NO SUL DO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito final para obtenção do título de Bacharel em História pela Faculdade de Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em................de.........................................de 2010.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eliana Ávila Silveira – PUCRS

_______________________________________________________ Prof. Dr. Arnoldo Walter Doberstein - PUCRS

________________________________________________________ Prof.ª Me. Gladis Teresinha Wohlgemuth - PUCRS


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AGRADECIMENTOS

À Prof.ª Dr.ª Eliana Ávila Silveira, pelas orientações, atenção, paciência e carinho com que sempre me atendeu. À Prof.ª Me. Gládis Teresinha Wohlgemuth, pelos contatos iniciais com o Mosteiro de São Damião, para que eu pudesse iniciar minha pesquisa naquele local. Ao Prof. Dr. Arnoldo Walter Doberstein, por tudo que tem me ensinado e por estar presente nesse momento tão importante para mim. À Prof.ª Dr.ª Gislene Monticelli pelo incentivo inicial à pesquisa. Ao Frei João Inácio, meu primeiro contato com os franciscanos, pelo incentivo, alegria e carinho com que me recebeu. Ao Frei Plácido, também pela paciência, pela disponibilidade em ajudar e procurar bibliografia que pudesse colaborar na pesquisa. E pelo almoço. À minha colega de Teologia, Irmã Lidiane, pelas indicações que facilitaram minha pesquisa junto aos Freis Franciscanos. À minha colega, especial amiga, irmã no coração, Annapaula que viveu comigo tanto os picos de entusiasmo como de insegurança, com relação a este trabalho. Mas muitos de alegria! À Cleunice, também irmã no coração, que incentivou e colaborou disponibilizando material para que eu pudesse pesquisar. À minha filha Vivian e ao Gilson com muito amor e carinho e por sempre se fazerem presentes.


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À minha mãe e à minha tia, duas mães dedicadas que sempre estiveram por perto. Ao Geraldo, meu grande amigo do coração, que me acompanhou e incentivou com suas risadas e os “vai conseguir”. À Clarice, que procurou entender o que eu queria dizer, mas principalmente, os meus sentimentos. Às Irmãs do Mosteiro de São Damião, em especial a Madre Abadessa Maria Clara por me receber, pela confiança, pelo carinho, pela disponibilização de material para a pesquisa. À São Francisco e Santa Clara, que tanto me emocionaram desconstruindo muros e construindo novas pontes no meu coração e na minha consciência. Agradeço, ainda, a todos os seres neste mundo, ou fora dele, desejando que possam também ser abençoados e encontrar a paz e a felicidade.


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“O Senhor, que deu o bom começo, dê o crescimento e a perseverança até o fim.” (Santa Clara de Assis)


Resumo O tema desta pesquisa é a análise da criação do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, no período de 1953, data de sua fundação, até o início da década de 60. A proposta da pesquisa é investigar os fatores da fundação de um Mosteiro de Clarissas Colentinas no Sul do Brasil, bem como alguns aspectos e princípios da vida religiosa conventual das Irmãs. Para responder a essa questão, foi necessário estudar o movimento histórico das Clarissas, desde a sua origem, com Francisco e Clara de Assis, no século XIII. Foi importante, ainda, mostrar como a Igreja Católica e, em especial o franciscanismo se estabeleceu no Brasil, bem como reconstituir historicamente o Mosteiro, desde a vinda das quatro Irmãs fundadoras. Dessa forma, pretendemos compreender as causas que levaram a fundação do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.

Palavras-chaves: São Francisco. Santa Clara. Irmãs fundadoras. Clarissas. Mosteiro de São Damião.


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Sumário INTRODUÇÃO ......................................................................................................09 1 A GÊNESE DO MOVIMENTO FRANCISCANO ................................................16 1.1 Contexto e Vida de Francisco de Assis ...........................................................16 1.2 Os Movimentos Religiosos e a Igreja............................................................... 20 1.3 Francisco e as Ordens Mendicantes ............................................................... 20 1.4 Clara: a seguidora de Francisco ......................................................................29 2 A IGREJA CATÓLICA E OS FRANCISCANOS NO BRASIL............................37 2.1 A Igreja Católica no Brasil................................................................................37 2.2 O Franciscanismo no Brasil ............................................................................43 2.3 As Clarissas no Brasil .....................................................................................49 3 MOSTEIRO DE SÃO DAMIÃO EM PORTO ALEGRE.....................................53 3.1 As Irmãs Fundadoras do Mosteiro...................................................................53 3.2 A Construção do Mosteiro................................................................................72 3.3 Letra e Espírito: a Regra e o Modo de Vida das Clarissas..............................85 3.4 Alguns Aspectos da Vida Religiosa no Mosteiro de São Damião ...................92 3.5 Momento Especial: a Profissão de duas Irmãs................................................99 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................104 REFERÊNCIAS ...................................................................................................108


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Introdução O tema desta pesquisa é a análise da criação do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, no período de 1953 ao início da década de 60. O Mosteiro de São Damião abriga no seu claustro, Irmãs Clarissas Colentinas contemplativas, pertencentes à Segunda Ordem Franciscana. Essa Ordem religiosa da Idade Média vem de uma tradição espiritual de mais de setecentos anos de história, pois tem início no século XIII com Francisco e Clara de Assis. A idéia do tema desta monografia surgiu da participação, em especial, num Grupo de Pesquisa na área de História Medieval,1 onde, entre os eixos temáticos propostos, escolhi trabalhar com a Igreja na Idade Média e suas repercussões na história, mais precisamente, com o universo das Ordens Religiosas, sobretudo do franciscanismo. O estudo do Mosteiro de São Damião acabou por contemplar essa escolha, no mínimo por três motivos principais: por localizar-se em Porto Alegre, facilitando com isso o acesso à pesquisa; porque praticamente nada havia sido escrito sobre ele2 e, pelo fato de sua fundação reconduzir a uma história com mais de sete séculos. A pesquisa se justifica, portanto, porque além das características específicas da instituição conventual, que apresenta uma história de longa duração,3 permite o estudo de elementos importantes de seus desdobramentos religiosos: a implantação de um mosteiro, em Porto Alegre, na década de 1950. Essa casa religiosa constitui o primeiro mosteiro de Clarissas Colentinas a ser instalado no Sul do Brasil e, pelo menos no verificado até o presente, não possui quase nada publicado especificamente sobre ela. Ao mesmo tempo, acreditamos que o trabalho possa contribuir com os estudos no campo dos legados sócio-religiosos da História Medieval, pois embora inserida na época atual, a instituição vincula-se a uma determinada forma de vida espiritual, proposta por Clara e Francisco de Assis, no século XIII. A investigação comporta, pela sua complexidade, uma série de novos aspectos, abrindo caminho para melhor compreender outros elementos da religiosidade que permeiam não 1

Grupo orientado pela Prof.ª Dr.ª Eliana Ávila Silveira, no segundo semestre de 2008, estudo baseado no tema Urbanismo e Religiosidade. 2 Encontramos alguns escritos no site do próprio Mosteiro, no livro do Padre Iriarte, Letra e Espírito e em alguns sites dos franciscanos e clarissas, em geral. 3 Expressão tomada emprestada de Fernand Braudel em: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 44.


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apenas o período da Idade Média, mas, sintonizam com o enfoque metodológico de F. Braudel quando diz que “cada atualidade reúne movimentos de origem, de ritmos diferentes: o tempo de hoje data, ao mesmo tempo, de ontem, de anteontem, de outrora.” 4 O objetivo principal do trabalho é investigar as causas da fundação de um Mosteiro de Irmãs Clarissas Colentinas, em Porto Alegre, por quatro religiosas belgas. Com relação a isso, pretende-se, ainda, verificar alguns aspectos e princípios da vida religiosa conventual das Irmãs. Para compreender, então, essa fundação e a forma de vida no Mosteiro, estabelecemos três objetivos específicos: a) verificar como se originou a Ordem das Irmãs Clarissas, em pleno século XIII; b) relatar como a Igreja, o franciscanismo e suas ordens religiosas femininas se estabeleceram no Brasil; c) reconstituir aspectos da história do Mosteiro desde a data da sua fundação, em 1953, até a década de 60. Lembramos que o marco histórico delimitado deve-se, por um lado, ao próprio momento de estabelecimento do mosteiro e, por outro, pela necessidade de se historiar os seus primeiros anos de implantação. Com relação a isso, o questionamento que se faz no trabalho é o seguinte: De que maneira, uma Congregação Religiosa de Irmãs Clarissas Colentinas contemplativas, foi importante para criação de um mosteiro feminino em Porto Alegre? Para atender os objetivos propostos, dividimos o trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo, buscamos entender a formação do movimento franciscano na Idade Média, bem como identificar quem foi Francisco e Clara de Assis. Esse é um movimento que decorre de um contexto e de tendências que se formaram na sociedade medieval, para além das instituições clericais e da hierarquia oficial da Igreja. O século XIII, de Francisco e Clara, é um período de transformações, forte urbanização e grande desenvolvimento do Ocidente Medieval. A população cresce, agrupa-se em aldeias e aglomerações concentradas, muitas vezes situadas nos montes, em volta da igreja e do castelo. As cidades medievais estão repletas de imigrantes, mais ou menos recentes, camponeses que perderam suas raízes.

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Isso

significa progresso e riqueza para uns, pobreza e marginalidade para outros. É nesse contexto, portanto, que nasce Francisco e Clara de Assis, e com eles o movimento que viria a ser conhecido como Franciscanos e Clarissas. 4

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BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 54. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001.


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No segundo capítulo, veremos alguns elementos da história da Igreja Católica e como o franciscanismo chega no Brasil e aqui permanece. É importante salientar que os franciscanos foram os primeiros religiosos a chegar já em 1500, com Pedro Álvares Cabral. Com ele, estavam oito frades menores, e entre esses frades, Frei Henrique Soares de Coimbra, que celebrou a primeira missa no país.6 As primeiras religiosas que aqui se estabeleceram também foram Clarissas, embora Urbanistas, em maio de 1677. Eram quatro Irmãs que vinham de Évora, em Portugal, para fundar um mosteiro em Salvador, na Bahia. O terceiro capítulo trata especificamente sobre o Mosteiro de São Damião, buscando compreender como se deu essa fundação e quem são as Irmãs fundadoras. Destacamos, ainda, algumas referências à Regra religiosa que norteia a instituição com o auxílio do livro Letra e Espírito do Padre Iriarte, bem como alguns aspectos da vida religiosa atual das Irmãs no convento. Para finalizar, documentamos uma cerimônia de Solenidade Perpétua onde duas das Irmãs, professaram seus votos perpétuos de obediência, clausura, pobreza e castidade. Para desenvolver nosso estudo, então, selecionamos uma bibliografia sobre o tema e as fontes documentais correspondentes. Na parte documental, pesquisamos, por exemplo, o jornal Correio do Povo, o Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião e algumas revistas oficiais da Igreja Católica. Destacamos a importância do acesso à revista da Província Franciscana da Santa Cruz, de Minas Gerais, província à qual o Mosteiro esteve vinculado, desde a época da sua fundação até o ano de 1966. Nessa revista, em especial, encontramos várias matérias enviadas pelas religiosas do Mosteiro de São Damião. Além disso, realizamos algumas visitas ao Mosteiro, para conversar diretamente com as religiosas, bem como à Biblioteca Central da Província São Francisco de Assis, dos franciscanos, o que propiciou um contato mais direto com as duas Ordens. Segundo o historiador A. Vauchez, São Francisco “não foi um grande teólogo, como Santo Agostinho, por exemplo, nem um pensador profundo como S. Tomás de Aquino, nem sequer um teórico da vida espiritual como um São Bernardo ou um Inácio de Loyola,” 7 mas deixou um novo modo de vida e uma nova espiritualidade para o mundo. Esse novo modo de vida e espiritualidade caracterizou-se por uma 6

A intenção aqui é de apenas relatar o fato histórico, sem discutir as repercussões da entrada da Igreja Católica no Brasil. 7 VAUCHEZ, André. São Francisco de Assis. In: BERLIOZ, Jacques. (apres) Monges e Religiosos na Idade Média, Lisboa: Terramar, 1996, p. 252.


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radicalidade na vivência dos ideais evangélicos e no ideal de imitar o Cristo pobre e humilde. O historiador e especialista no estudo da Idade Média, Jacques Le Goff, no seu livro São Francisco de Assis,8 busca, com bastante propriedade, inserir o franciscanismo nos modelos sociais e culturais do século XIII. Segundo esse autor, Francisco traz uma prática de pobreza, humildade e palavra, que se encontra à margem da Igreja, mas sem cair na heresia. Para ele, o movimento dos Menores, apesar das dificuldades e contradições, adaptou-se a uma nova sociedade tanto nos progressos, como nas rejeições. Acabou por exprimir ideológica e espiritualmente a transição do feudalismo para o capitalismo. Alerta, no entanto, que o historiador pode encontrar alguns problemas quando se trata das biografias do santo. As dissensões dentro da Ordem dos Frades Menores, no século XIII, acabaram por privar de fontes dignas os interessados sobre a sua vida. Ocorre que os franciscanos, divididos em duas tendências,9 acabaram por multiplicar a sua biografia, atribuindo-lhe palavras e atitudes que estavam mais de acordo com as posições desses religiosos. Le Goff cita, ainda, São Boaventura, que foi encarregado de escrever a vida oficial de São Francisco. A Ordem consideraria, daí em diante, essa biografia realmente como a oficial, embora a Legenda,10 escrita por esse autor seja quase inútil como fonte de vida do santo. O fato é que “apesar de profunda veneração a São Francisco, e de se basear em fontes anteriores autênticas, realizou uma obra que ignora as exigências da ciência histórica moderna, por ser tendenciosa e fantasiosa.”11 Tomás de Celano, como representante do grupo moderado dos franciscanos, foi quem escreveu todas as obras desse grupo, a pedido de altas personalidades eclesiásticas. Dispondo de dados muito escassos sobre esse autor, sabemos que talvez tenha nascido entre 1185 e 1190 e que começou na Fraternidade franciscana, em torno de 1215. Referente a Francisco, Celano escreveu Vida Primeira e Vida 8

LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001. “A situação da Ordem, caracterizada pelas diversas correntes de pensamento e de vida que terminaram nos dois conhecidos partidos dos espirituais e dos irmãos da comunidade: o primeiro que queria voltar à primitiva forma de vida de Francisco e seus companheiros, e o segundo que lutava por uma adaptação das ordens às novas situações”. MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008, p. 32. 10 Na literatura hagiográfica medieval significa uma narração da vida de um santo, segundo a ordem cronológica. MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008, p.39. 11 LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 52-53. 9


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Segunda, que apesar de ter um intervalo de apenas dezoito anos entre uma e outra obra, apresenta muitas diferenças entre si. 12 Com relação à Clara de Assis, os autores mais utilizados foram Frei Hugo D. Baggio, Luciano Radi e Raoul Manselli. Baggio apresenta a santa sem muitos adjetivos, é mais objetivo quando seleciona os principais acontecimentos. Manselli tem aquela preocupação do historiador responsável, que busca aprofundar fatos, citar os documentos, o que talvez se deva, também, ao fato de ser especialista em história da Idade Média. Manselli, 13 inclusive, relata que Clara, cuja família era nobre e rica, tinha uma propensão natural à vida religiosa desde muito jovem e já havia recusado casar-se com alguns pretendentes indicados pela família. Tempos depois, um dos seus primos, Rufino, entrou para o grupo do “comerciante que se tinha tornado marginalizado e penitente”. Talvez esse primo, conforme o autor, tivesse oportunizado uma maior aproximação entre os dois futuros santos. O fato é que um relacionamento de fé e confiança se estabeleceu entre Clara e Francisco, pois ela acabou estabelecendo obediência total a ele. Os escritos de Clara como a Regra, o Testamento, a Benção e as cinco Cartas, podem ser encontrados na tradução14 de Frei Geraldo Val Buul OFM e Frei Serafim Lunter OFM, acrescidos, ainda, de breves comentários. Complementam o livro, outros documentos como o Privilégio da Pobreza, que foi firmado pelo Papa Gregório IX, a Notificação oficial do Falecimento de Clara, a Bula de Canonização e a Biografia ou Legenda. A obra Fontes Franciscanas e Clarianas,15 com suas 1996 páginas, além de discorrer sobre a vida, os documentos e a biografia dos dois santos, acrescenta a de outros seguidores e seguidoras de Francisco e Clara, com um número bem maior de informações e aprofundamento, para quem tiver maior interesse sobre o assunto. Não podemos deixar de referir, em especial, o Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, documento que teve uma importância fundamental para a pesquisa. Ali, encontramos relatos que vão desde a saída das Irmãs fundadoras, da Bélgica, a viagem até o Brasil, o processo de fundação e instalação do convento na capital gaúcha e de como esse processo vai se desenrolando ao longo do tempo. 12

MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008. MANSELLI, Raoul. São Francisco. Rio de Janeiro: Vozes, 1980, p. 151. 14 GERALDO, Van Bull OFM, Frei. LUNTER, Serafim OFM, Frei (trad.). Os escritos de Santa Clara. Petrópolis: Vozes, 1984. 15 MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008. 13


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Queremos, por fim, esclarecer que é impossível falar de Clara sem falar de Francisco, uma vez que as formas de vida religiosa das duas Ordens são muito próximas e semelhantes. Falar de Clara, portanto, também é falar de Francisco mas, acima de tudo, de um universo que, com certeza, propicia um elo muito rico entre a história e a teologia. Pelo que pesquisamos até o momento, temos a consciência de que este estudo pode e deve sofrer novas abordagens, para que possamos aprofundar e compreender melhor a instituição que aqui foi trabalhada. Sabemos que, por uma questão de espaço, numa monografia, não é possível aprofundar certos aspectos como gostaríamos. Esperamos, portanto, que outros (e nós mesmos) possamos continuar no caminho, buscando o significado e a contribuição efetiva da congregação trabalhada, que se mantém “respirando e expirando” em meio à modernidade da capital gaúcha do século XXI.


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“O nosso claustro é o mundo” (São Francisco de Assis)


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1 A GÊNESE DO MOVIMENTO FRANCISCANO 1.1 Contexto e Vida de Francisco de Assis Conforme Le Goff,16 a vida rural, na Europa, a partir do ano mil, é marcada, em geral, por progressos técnicos importantes e por um clima ótimo que favoreceria a cultura dos cereais. É um período de reestruturação social e política do espaço da cristandade onde as células fundamentais são o castelo feudal, o senhorio, a aldeia e a paróquia. A aldeia, que substitui o habitat rural anterior e que se generaliza na cristandade do século XI, “nasceu da reunião das casas e dos campos em torno de dois elementos essenciais, a igreja e o cemitério.” 17 Esta igreja, em geral, é o centro de outra célula essencial na aldeia e na cidade: a paróquia, que se mostrará estável apenas no século XIII. Nessa época, podemos distinguir na sociedade, uma camada superior, a nobreza, ligada ao poder e que se distingue pelo sangue. Preocupada em manifestar sua posição de prestígio, costuma distribuir benefícios aos indivíduos, aos grupos religiosos, às abadias, aos santos. Ao lado dessa nobreza de sangue, existe a discussão sobre uma nobreza de caráter, comportamento e virtude. Essa oposição de nobreza adquirida à nobreza inata, já é uma discussão apreciada pelos moralistas europeus da época. Abaixo da nobreza, aparece a figura do “cavaleiro”, ligada ao castelo e ao senhor, uma elite de especializados no combate a cavalo a serviço do senhor ou em simples torneios, por divertimento. Esses torneios provocam a hostilidade da Igreja, que, com o tempo civilizará essa cavalaria, direcionando-a para a proteção das igrejas, mulheres e desarmados; logo depois contra os infiéis, no exterior da cristandade. A cavalaria está ligada a outro tipo de comportamento feudal: a cortesia, definida pelas boas maneiras que se considera fazer parte da corte dos reis e dos príncipes. Se a cavalaria é um mundo masculino, a cortesia é considerada como o universo da mulher. Na feudalidade, ainda, o ritual fundamental é a homenagem prestada pelo vassalo ao senhor; no caso do amor cortês, o homem homenageia e jura fidelidade à mulher, à dama. 16 17

LE GOFF, Jacques. As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p. 78. LE GOFF, Jacques. As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p. 79.


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É neste período de transformações e grande desenvolvimento do Ocidente Medieval e, particularmente, numa região muito marcada por esse desenvolvimento, que nasce Francisco, num momento de forte urbanização. A cidade medieval está povoada de imigrantes, mais ou menos recentes. Esses imigrantes da cidade são homens e mulheres camponeses, que perderam suas raízes.

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De fato, nem todos

se encontravam inseridos nesse grande desenvolvimento, que acabou por gerar, também, uma grande quantidade de pobres e marginalizados urbanos. Conforme E. Silveira: Nessa perspectiva, deve-se destacar os traços gerais das estruturas políticas e sociais das cidades medievais que, em grande medida, caracterizavam-se pelo poder do novo patriciado urbano dos comerciantes ou, de outra parte, apresentavam o sistema de autoridade tradicional mantido pelas elites senhoriais. Assim, o quadro social de solidariedades horizontais emergente no mundo urbano, congregando, sobretudo os conselhos municipais, as guildas e os diferentes tipos de associações de ofícios, na maioria das vezes excluía os habitantes pobres, os imigrantes e, 19 em muitos casos os próprios segmentos médios das populações citadinas.

Francisco nasceu no final de 1181 ou começo de 1182, não se sabe ao certo, na cidade de Assis. Assis, hoje, é uma cidade-museu e santuário, com um cenário arquitetônico do século XIV, mas o silêncio e a calma, que atualmente se percebe na cidade, não mostram as atividades econômicas que tomaram conta na época de Francisco, nem as lutas violentas das quais foi palco.

Figura 1 - Vista geral da cidade de Assis Fonte: Arte e História de Assis. Obra Coletiva. Itália. Casa Editrice Bonechi, p. 3.

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LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 24. SILVEIRA, Eliana Ávila. URBANISMO e Religiosidade na Idade Média. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XXIX, n. 1, p. 165-180, jun. 1998.

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Francisco era filho de um rico mercador de panos e vivia à maneira dos nobres, fazendo parte da mocidade dourada da cidade. É dito, ainda, que o santo teria sofrido a influência do ideal cortês das obras literárias, vindas da França. Marcado por esta moda, mesmo após sua conversão, continuaria a cantar poemas em francês e evocar os paladinos da Canção de Rolando e Cavaleiros da Távola Redonda.

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O francês impôs-se a partir do fim do século XI, com tal gênero de

literatura. Artur e os Cavaleiros inspirou a criação do romance, com seus dois principais ramos, o romance histórico e o romance de amor, o romance do indivíduo e o romance do casal, muitas vezes dominado por um horizonte de morte. 21 Francisco nasce, portanto, num momento em que as cidades se tornavam pólo de poder. Marcado pela luta recorrente entre Assis e Perúsia, 22 participa nessa guerra, em 1198, como cavaleiro, e é aprisionado. Em 1205, quer lutar mais uma vez, agora contra os partidários do Império, mas, apesar de muito jovem, fica doente.

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Entra num período de inquietação e “vazio da alma”, por cerca de dois

anos, o que acabou por levá-lo ao que seus biógrafos chamam de “conversão”. Decepcionado com a vida vazia de festas e lutas em campos de batalha, que levara até então e, desfrutando de uma saúde frágil, conseqüência, também, da participação nessas guerras, compreendeu que deveria servir a Pobreza e colocarse a serviço de Cristo, cujo rosto lhe era revelado nos desafortunados. Nesse momento passou, inclusive, a visitar e tratar os leprosos ,24que antes tanto rejeitara, tornando-se um homem “religioso”, embora, na realidade, não tivesse a intenção de se tornar padre ou monge. É depois disso que vai romper com a família e com o seu meio social. Conforme Le Goff: 20

VAUCHEZ, André. São Francisco de Assis. In: BERLIOZ, Jacques. (apres) Monges e Religiosos na Idade Média, Lisboa: Terramar, 1996. p. 248. 21 LE GOFF, Jacques. As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p. 195. 22 “Guerra entre os nobres de Assis aliados com Perúgia e os burgueses de Assis. A batalha tem lugar em Collestrada. Francisco participa da guerra. Assis é vencida, e Francisco é feito prisioneiro. Após um ano de prisão, acometido por uma doença, Francisco é resgatado pelo pai”. MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008, p. 83. 23 Francisco parte para a guerra na Apúlia; em Espoleto, tem uma visão e volta para Assis. É o início de sua conversão. MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008, p. 83. 24 O século XII trazia consigo um conjunto de perseguidos e excluídos pelos cristãos. Além dos hereges, dos judeus e dos homossexuais, os leprosos sofriam uma atitude dupla por parte desses cristãos. Por um lado, a imagem do beijo de Cristo nos leprosos, que Francisco de Assis e São Luís imitariam, faria com que fossem objeto de caridade e misericórdia; por outro, objeto de horror físico e moral. “Nessa sociedade em que o corpo é a imagem da alma, a lepra aparece como o sinal do pecado.” As leprosarias, casas onde eram encerrados, se multiplicariam como uma espécie de hospital, mas, na realidade, eram prisões no exterior das cidades, de onde só raramente podiam sair, afastando os cristãos sãos, agitando uma matraca. “A lepra foi a doença típica da Europa Medieval, carregada de símbolos, objeto de um terror emblemático. LE GOFF, Jacques. As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p. 131.


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Enraizado desse modo na dor física que começa a levá-lo a refletir sobre o destino humano e traz a seu pensamento o tema, essencial em Francisco, das relações entre o homem interior e o homem exterior, sua conversão se manifesta em primeiro lugar pela renúncia ao dinheiro e aos bens 25 materiais.

Em 1209, funda uma ordem mendicante26, que se movimenta, sendo, portanto, totalmente diferente dos monges, que são sedentários. Conforme Manselli,27 existia na cristandade medieval um estágio intermediário entre o clérigo e o leigo. Eram os penitentes, fiéis que optavam por renunciar à vida mundana, mas sem fazer parte das ordens. Esses penitentes levavam uma existência ascética e dedicavam-se à oração e às obras de beneficência. Foi por este estilo de vida que Francisco optou. Era um estilo que começava a ocorrer na Itália. Vestido com um hábito de eremita, dedicou-se à reparação de pequenas igrejas na periferia de Assis. Dizia que Jesus, no crucifixo havia falado com ele e mandado recompor a “Sua igreja em ruínas.” Muitas pessoas da localidade consideravam Francisco um louco, alguns outros, um iluminado. O fato é que, mesmo pertencendo ao mundo dos mercadores, tempos depois, acabou por instalar-se numa pequena extensão de terra, e embora escolhesse a pobreza, não impôs sua regra a não ser a si próprio e a seus irmãos; propôs, isto sim, o louvor e a admiração diante da Criação. Os Frades Menores, de uma certa maneira, ganham prestígio e popularidade entre as ordens mendicantes. Convém destacar, ainda, que o santo tinha desconfiança em relação aos doutores eruditos: vê na ciência uma forma de propriedade, uma vez que os livros custam caro e há o risco de possuir, de chegar ao poder ou dele participar, além da soberba do conhecimento. Por essa época, muitos movimentos eram considerados heréticos28, mas Francisco soube convencer a Igreja da sua submissão a ela, além do que tinha 25

LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 64. Os mendicantes, também conhecidos como frades, eram religiosos com o privilégio de mendigar nas dioceses onde tinham convento. As ordens mendicantes, fundadas no início do século XIII, fazem voto de pobreza comunitária e pessoal. As primeiras ordens foram a dos franciscanos e dominicanos. As dos carmelitas, agostinianos, servitas, entre outras, também receberam o título e o privilégio de mendicantes. Ao contrário dos monges de tradição beneditina, os frades podiam trabalhar no mundo exterior, ocupando-se com pregações itinerantes, atendendo confissões e exercendo outras obras ministeriais. ROWER, Frei Basílio. O Convento Santo Antonio do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 304. 27 MANSELLI, Raoul. São Francisco. Rio de Janeiro: Vozes, 1980. 28 A heresia acompanhou a história do cristianismo quase desde o seu começo; de fato, a nova religião definiu pouco a pouco, em particular através dos concílios, uma doutrina oficial da nova Igreja. Frente a essa ortodoxia desenvolvem-se “escolhas” – é este o sentido da palavra heresia – 26


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participado da quinta cruzada, que se esforçava para quebrar o poderio militar do Islão. Chegou a ser recebido pelo Papa Inocêncio III,29 solicitando aprovação de uma Regra que tinha composto para sua pequena comunidade em Assis. Em 1224, recebeu os estigmas da Paixão de Cristo30, enquanto se achava absorvido na meditação desse mistério doloroso. Sofreu bastante nos últimos anos de sua vida, devido a uma série de doenças que o acometiam desde muito jovem. Em 1228, dois anos depois de morto, foi canonizado pelo papa Gregório IX. Nessa época a ordem dos irmãos menores já contava perto de três mil membros e seu êxito continuava a aumentar.

1.2 Os Movimentos Religiosos e a Igreja No cristianismo dos seus primeiros três séculos de perseguição e martírio, onde o Império Romano considerava os seus seguidores como “ateus”, a vida religiosa se manifestava através do testemunho de homens e mulheres cristãos que viviam na cidade. “O monacato primitivo era de origem popular e cultura incipiente, leiga e procedente do catecumenato - é vivido nas formas anacorética e cenobítica, em pobreza voluntária.” 31 A vida anacorética ou eremita,

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nos séculos III e IV teve na fuga para o

deserto o início do fenômeno eclesial, na sua forma mais primitiva, a monástica. Considerado por muitos como o fundador do monaquismo cristão, Antão,33 que iniciou sua vida ascética em sua própria casa, depois deixa a cidade e vai para o “deserto”, vivendo em vigília, jejum e solidão que parece saber unir a amabilidade e diferentes, que mais ou menos cedo, a Igreja condena. LE GOFF, Jacques. As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p. 120. 29 Foi sob o pontificado de Inocêncio III, 1198-1216, que o papado se tornou a mais poderosa das monarquias cristãs. LE GOFF, Jacques. As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p. 101. 30 Na proximidade de 14 de setembro, festa de Exaltação da Santa Cruz, Francisco tem a visão do Serafim alado e crucificado e recebe os estigmas. MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008, p. 87. 31 CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 482. 32 Do latim eremus “lugar deserto”. É aquele que se retira para um lugar deserto e se dedica a uma vida de oração e penitência. Diz-se também “ermitão” ou “eremitão”. Ou ainda “anacoreta”, palavra de origem grega que significa “sem lugar”. A vida eremítica foi o primeiro tipo de vida consagrada masculina, muito florescente a partir do último terço do século III. O local onde mora um eremita chama-se “eremitério”. ROWER, Frei Basílio. O Convento Santo Antonio do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p.304. 33 Nasceu em 270. CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 482.


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caridade. Torna-se um guia espiritual procurado pelos demais seguidores da mesma caminhada.

É quando inicia a “dimensão social da orientação, que estará sempre

presente no monacato”.34 A vida cenobítica ou monástica, surge nos séculos V e VI. É quando nascem as primeiras comunidades religiosas que se agrupam sob a direção de um “Pai espiritual”, um “Superior”. Portanto, à vida de eremita, sucede esse outro tipo de vida em comunidade, “fundamentada no deixar tudo e viver em comum”.

35

É uma

mudança na vida religiosa de até então, onde os monges passam a ter espaços em comum no uso da Igreja, do refeitório e do hospital, deixando a cidade e instalandose no mosteiro, que se situa no campo. Nessa passagem de vida eremita para monástica, Pacômio36 tem um papel fundamental, pois, ao liderar um grupo de discípulos, propõe uma Regra para uma futura vida em comunidade. É a primeira Regra da vida em comum de que se tem conhecimento. O superior também está sujeito a Regra e é quem organiza o mosteiro distribuindo as funções e os trabalhos. “É o Pai espiritual dos monges, cuja espiritualidade inspira-se na Bíblia - lida, meditada e “ruminada”. Quando Pacômio morre, existem oito fundações masculinas e duas para mulheres; no final do século IV, são mais de cinco mil monges.” 37 Os Mosteiros na Mesopotâmia, Palestina e Egito se expandem e por volta do século IV, a vida monástica se torna bastante rigorosa. Basílio, o pai do monacato oriental, e que não concorda com o eremitismo, procura um estilo de vida mais equilibrado e comunitário, com base no amor a Deus e ao próximo, um meio termo entre a vida eremítica do Egito e a vida no mundo. O monacato se estende pela Europa e no século V, com Agostinho, na África, pela primeira vez será organizada a vida monástica no ocidente com a fundação de comunidades para sacerdotes urbanos.

34

CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 482. 35 CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 483. 36 Nascido em 292 e morto em 346. CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 483. 37 CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 483.

Associação Associação caminhada. Associação


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São Bento,38 a grande figura do século VI, torna-se o pai do monacato ocidental, a exemplo do Oriente. Propõe uma Regra39 que procura o equilíbrio e está baseada no trabalho, oração e descanso. Conforme Ceron: Após levar vida eremítica, funda o mosteiro de Monte Cassino (em 529) modelo e símbolo no monacato romano, que é uma resposta adequada no período da queda do Império Romano quando, de sociedade urbana passase a uma sociedade rural. Segundo uma espiritualidade do campo, anacoretas ou eremitas e cenobitas (e mesmo outras formas de rigoristas extravagantes) são recolhidos na estabilidade e na obediência ao mosteiro – que passa a ser o local de pertença dos monges, sob a regra beneditina, escolhida para unificar a vida religiosa, e segundo um governo de pais a 40 filhos.

De acordo com essa autora,41 ainda, segue-se depois, toda uma trilha de decadência e renovação, as reformas parecem sempre querer um retorno à pobreza original, que quando esquece os ideais evangélicos primitivos degenera numa vida por demais cômoda e instalada.

São desvios causados, inclusive, pelo poder

jurídico civil corrupto e pelo patrimônio da Igreja. Ocorre que ao lado do poder jurídico civil, na época, havia o poder jurídico eclesial, considerado justo e bastante procurado. Santo Agostinho e Santo Ambrósio, por exemplo, trabalhavam na defesa de pobres, o que, como reconhecimento, também gerava doações à Igreja, que entrou na Idade Média como uma instituição com poder, sofrendo a cobiça até de imperadores que procuravam manejá-la tendo em vista suas condições econômicas. Uma das formas de controlar a Igreja, era fazer-se de “protetor” dos seus bens, uma vez que os senhores feudais além de terras, possuíam soldados para protegê-la. O contrato feudal cria uma relação de “servo-senhor”. Se um religioso com contrato vier a falecer, o “senhor” poderá nomear um filho seu para administrar 38

Nascido em 480. CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 484. 39 Por regra, em geral, é preciso entender exclusivamente o texto que fixava os compromissos religiosos, os usos conventuais e os deveres do novo irmão no instante em que fazia sua profissão na ordem. Em seguida, outros textos foram acrescentados: estatutos, leis, usos ou costume, não menos importantes. A evolução foi a mesma em todas as ordens: em primeiro lugar, uma regra, curta, essencialmente consagrada aos aspectos religiosos e à vida conventual; depois uma pilha de estatutos, complementando ou esclarecendo a regra; e, enfim, um reagrupamento e uma reorganização em conjuntos coerentes desses artigos esparsos. A regra devia ser aprovada por uma autoridade eclesiástica – bispo, concílio- e homologada pelo papa. Isso representava o reconhecimento da ordem. DEMURGER, Alain. Os Cavaleiros de Cristo: as ordens militares na Idade Média (séculos XI-XVI). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. 40 CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 484. 41 CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996.


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a abadia. Como para administrar é preciso ser padre, o “filho do senhor” tenderá a ser ordenado, mesmo sem vocação, decorrendo daí possíveis desleixos e mundanização do mosteiro. Essa é uma das situações, contra a qual Cluny, por exemplo, irá lutar. Segundo, ainda, a mesma autora, Gregório VII,42 um dos monges reformados de Cluny, luta pela liberdade da Igreja contra as investidas dos príncipes leigos; quer libertá-la do feudalismo. Ele deseja a moralização dos padres e bispos, lutando contra os simoníacos, que compram abadias, bispados etc. e contra os nicolaítas, que vivem em concubinato. Recomenda ao laicato que não assistam cerimônias litúrgicas presididas por padres indignos e que denunciem os simoníacos e nicolaítas. Nesse período, porém, embora a vida monástica esteja mais estruturada, a questão evangélica deixa a desejar. Já o século XIII europeu, coincide com um ciclo de expansão comercial e demográfica, é um período de favorecimento às plantações e saúde pública. As cidades ressurgem, mas aumentam em subúrbios pobres e muito povoados, como conseqüência do movimento emigratório do campo. As cidades praticamente pertencem a um senhor feudal que também pode ser um bispo ou papa ou imperador, e que cobra impostos daqueles que ali vivem. Grandes explorações rurais se encaminham para as cidades e o comércio se torna uma fonte de riqueza. O “dinheiro” aparece como um instrumento de poder. O mercador urbano, que não está preso a terra, movimenta-se no sentido de comprar e vender, busca os campesinos, que são os novos habitantes da periferia das cidades, para que possa produzir mais. 43 Essas mudanças sociais substituem o senhor feudal pelo senhor burguês e a nobreza de sangue pela nobreza do dinheiro. É nesse contexto que surgem os movimentos laicos entre os que lutam pela libertação dos pobres, nas cidades. Surgem as “comunas”, vilas livres ou francas sem juramento de fidelidade a um senhor. De acordo com Ceron: Os mercadores começam a governar a “comuna”, que é também, como invenção dos leigos, um tipo de governo que se organiza da base para cima: cada corporação elege um representante para o governo da

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Papa de 1073 a 1085. CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 487. 43 CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996.


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cidade, os quais escolhem um dentre eles para o cargo de prefeito. Este 44 será o modelo de governo dos mendicantes.

Com o tempo, o mosteiro acaba por tornar-se o “modelo da sociedade medieval, uma potência econômica e um símbolo de segurança ”45, afastando-se, porém, dos princípios evangélicos, em direção à decadência. No século X, por exemplo, temos a reforma de Cluny, numa tentativa de voltar às origens e à Regra Beneditina. Mas Cluny reformado também vai em direção à decadência devido ao laxismo dos monges envaidecidos por sua fama. Nova reforma e Cister é fundado e refundado no século XII por Bernardo, que cria Claraval e mais sessenta e oito mosteiros. No século XIII, porém, tanto Cluny como Cister estão muito distantes das suas origens. Segundo Le Goff,46 em torno do ano mil e cem, ainda, novas ordens dos “monges brancos” se erguem em face dos tradicionais “monges negros” beneditinos sinalizando reformas no clero. Étienne de Muret e a Ordem de Grandmond em 1074; São Bruno e a Grande Cartuxa em 1084; Roberto de Molesmes e Cister em 1098; Roberto d’Abrissel e Fontevrault em 1101; São Norberto e Prémontré em 1120. É, portanto, um novo monasticismo se opondo ao antigo: polêmica entre Pedro o Venerável, abade de Cluny e São Bernardo, abade de Claraval. O mesmo historiador ainda nos diz: Aos adeptos de uma espiritualidade em que o essencial é o serviço divino, o opus Dei, ao qual os monges podem se dedicar por causa do recurso do trabalho braçal dos servos, opõem-se os partidários fervorosos de uma mística que une a prece ao trabalho manual praticado pelos monges ao lado dos conversos ou irmãos leigos; aos religiosos animados por uma sensibilidade nutrida pelo esplendor das igrejas, pelo brilho da liturgia, pela pompa dos ofícios, opõem-se monges apaixonados pela simplicidade, pelas 47 linhas puras sem ornamento.

Com o crescimento das cidades, porém, as comunidades monásticas e os eremitas solitários, mais ligados a uma sociedade rural e feudal, passam para um segundo plano. Nessa nova fase da adaptação da Igreja, novas ordens mendicantes são criadas, mas não sem dificuldade e crise. Movimentos como o de Pedro Valdo, 44

CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 489. 45 CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996, p. 484. 46 LE GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval. São Paulo: Edusc, 2005, p. 78. 47 LE GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval. São Paulo: Edusc, 2005, p. 78.


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um mercador de Lyon, que com seus discípulos, os Pobres de Lyon, por exemplo, levam tão longe sua crítica à Igreja que são expulsos. Em 1206, Francisco parece ir pelo mesmo caminho. Visava, com seus doze irmãos, a prática da humildade e da pobreza absoluta da mendicidade, ser um fermento de pureza num mundo corrompido. Ao mesmo tempo, Domingos de Guzman, cônego espanhol de origem nobre, dá origem aos Pregadores, que depois seriam conhecidos como dominicanos. Assim, como desde o final do século XII, as novas ordens como Cister e Prémontré, já estavam ultrapassadas, os próprios mendicantes também não eram aprovados por todos. Num tempo em que o trabalho passara a ser valorizado pela sociedade, aos olhos de alguns, os dominicanos e franciscanos pareciam o símbolo da hipocrisia, além do que a participação na questão das heresias e na Inquisição piorou ainda mais a situação. Quando surgem os movimentos evangélicos-apostólicos de leigos vivendo o evangelho radicalmente, valorizando a vida de pobreza e de pregação ambulante, são pessoas que escolheram ser pobres e vivem de trabalho honesto ou esmola, são penitentes que não saem fora do mundo, mas mudam sua lógica, os chamados “loucos de Cristo”. Usam roupas simples como símbolo de uma vida nova, não estão mais preocupados com o cabelo, a barba ou a beleza. O que se passa com Francisco, é o que ocorre em geral com todos os penitentes da época. Conforme I. Ceron, a Igreja hierárquica, então, se defronta com esses grupos que não são monges, nem clérigos; são pessoas da cidade, letrados, burgueses, sabem a Escritura, vivem descalços e de barba. Embora esses grupos de nobres e pessoas importantes paguem décimas à Igreja, ao ingressarem nos movimentos, deixam de pagar, o que por sua vez incentiva ainda mais a tentativa de acabar com eles. Alguns desses movimentos terminarão por ser considerados seitas e heresias, outros a Igreja assumirá como é o caso de um dos principais deles, os Mendicantes.48

48

CERON, Ida Tereza. Consciência Viva, 40 anos de caminhada. Santa Maria: Associação Franciscana Madalena Darmen, 1996.


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1.3 Francisco e as Ordens Mendicantes Segundo Le Goff,49 essas ordens mendicantes que aparecem no século XIII, assim são denominadas porque se mantém pela “esmola” e não pelo recebimento de dízimos e rendas. As duas principais são a dos “Frades Pregadores”, hoje mais conhecidos como dominicanos50 e a dos “Frades Menores”, hoje chamados franciscanos.51 Os mendicantes não são monges, mas frades que no latim quer dizer “irmãos”, que vivem em comunidade e não em solidão. Como o IV Concílio de Latrão de 1215, proibiu a fundação de ordens com novas regras, os dominicanos, por exemplo, adotaram a Regra dita de Santo Agostinho, apresentando-se como sacerdotes regulares, que vivem sob uma Regra. Conforme, ainda, Le Goff: Por causa de uma ficção segundo a qual São Francisco teria apresentado à Santa Sé um projeto de regra anterior ao IV concílio de Latrão, os franciscanos tiveram, em 1223, uma regra redigida por Francisco de Assis, depois de um primeiro projeto recusado, em 1221, pela cúria romana. As duas ordens são dirigidas por um capítulo geral que se reúne a cada três anos e elege um mestre geral para os dominicanos e um ministro geral para os franciscanos. Outras ordens adotaram, no decorrer do século XIII, o modelo mendicante, mas o segundo concílio de Latrão, só permitiu a continuidade de quatro ordens mendicantes: os pregadores, os menores, os carmelitas (Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo), reconhecidos em 1247, e os agostinianos (eremitas de Santo Agostinho), 52 formados pela reunião de diversos grupos eremíticos em 1243 e 1256.

A nova sociedade que nascia nas cidades, abria espaço para esse novo apostolado: os frades mendicantes. Embora com apoio dos bispos e de príncipes leigos como Branca de Castela53 e seu filho São Luis, por exemplo, havia hostilidade do clero paroquial que os via como concorrentes. Mas, dominicanos e franciscanos acabaram formando suas redes quase ao mesmo tempo, embora, os franciscanos preferissem implantar seus conventos, menores, em aglomerados urbanos 49

LE GOFF, Jacques. Uma Longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 175. Na França Medieval eram conhecidos como jacobinos, por causa do nome do seu convento, SaintJacques. O fundador dessa Ordem foi Domingos de Calaruega, um espanhol canonizado em 1223. LE GOFF, Jacques. Uma Longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 175. 51 Na França, chamados cordeliers por causa do grosso cinto de corda do seu hábito. LE GOFF, Jacques. Uma Longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.p. 175. 52 LE GOFF, Jacques. Uma Longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 176. 53 Branca de Castela, (1188-1252),foi uma princesa castelhana, rainha consorte de Luís VIII de França e depois regente do seu filho São Luís. Era filha de Afonso VIII de Castela e Leonor Plantageneta, e portanto também neta dos monarcas Leonor da Aquitânia e Henrique II da Inglaterra. WiKIPÉDIA, a Enciclopédia Livre. Branca de Castella. Disponível em <WWW.histedbr.fae.unicamp.br> Acesso em 04.05.2010. 50


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modestos. Antes de 1274, as grandes cidades possuíam uma multiplicidade de conventos mendicantes. Conforme Le Goff: Os textos pontifícios determinavam como repartir os espaços dentro das cidades para as diversas ordens mendicantes. O mapa desses conventos se confunde com o mapa das cidades. Desde o fim do século XII, diante dos hereges que discutem nas praças públicas, diante da sociedade urbana que tem necessidade de que lhe falem diferentemente de Deus e de sua salvação, uma palavra nova começa a ser ouvida. A pregação conhece um impulso extraordinário e uma profunda metamorfose. Não cai mais do alto sobre o povo dos fiéis. Ao contrário, é endereçada verdadeiramente a ele. Esforça-se para lhe falar dos seus problemas específicos e distingue o auditório segundo suas atividades sócio-profissionais, seu “estado” (sermones ad status): sermões para os intelectuais, os universitários, os comerciantes, os artesãos, os camponeses, etc. Recorre a historietas que 54 divertem, que apelam para a fábula ou para a vida cotidiana: os exempla.

Apesar dos franciscanos criarem uma ordem feminina, as Clarissas, a ordem que mais atrai nas cidades são as beguinas, que oferecem às mulheres um novo gênero de vida entre a vida leiga e religiosa. Com certeza, as ordens mendicantes assumem sua direção espiritual. “A segunda ordem dos pregadores só com muita dificuldade se estabelece e as irmãs Dominicanas – como as Clarissas – permanecem enclausuradas, uma presença isolada na cidade.” 55 Os mendicantes são os maiores divulgadores da crença no Purgatório56, que prega um lugar específico no século XII. Também difundem o culto marial, assim como o rosário, lançado pelos dominicanos; o hábito de estar sempre com o escapulário, lançado pelo bem-aventurado Simon Stock, mestre geral dos carmelitas e morto em 1285. Eles também são especialistas numa nova forma de confissão, a confissão auricular. Lançam os manuais dos confessores. De um modo geral os mendicantes acabam por legitimar as novas relações sociais da cidade. “Administradores municipais, cônsules, universitários se reúnem nas vastas igrejas dos conventos dos mendicantes”. 57

54

LE GOFF, Jacques. Uma Longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 183. LE GOFF, Jacques. Uma Longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 184. 56 A transformação que o cristianismo realiza na relação entre os vivos e mortos, com a criação dos cemitérios dentro dos muros da cidade e das aldeias, acaba provocando a invenção de um terceiro lugar do além, o purgatório, no século XII. Sobretudo a partir do século XI, sob a influência da ordem monástica de Cluny, o papado institui uma comemoração dos mortos, o dia 2 de novembro, dia seguinte à festa de todos os santos. Assim se encontram reunidos os mortos por excelência, que são os santos e a multidão de todos os outros mortos. LE GOFF, Jacques. As Raízes Medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p. 80. 57 LE GOFF, Jacques. Uma Longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 186. 55


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O próprio Francisco, evitando atacar frontalmente a hierarquia, pode ser considerado um rebelde integrado. Traz uma mensagem que, por um lado vai ao encontro das aspirações do seu tempo, quando prega a Encarnação e a Imitação de Cristo, mas por outro a própria Igreja não consegue aceitar seu radicalismo evangélico. A Ordem Franciscana, nessa linha, acaba por dividir-se e enfrentar sérios conflitos entre espiritualistas e conventuais, uns querendo seguir o modelo do seu fundador e outros querendo uma acomodação nas Regras.58

Figura 2 - A túnica de São Francisco. Fonte: Arte e História de Assis. Obra Coletiva. Itália: Casa Editrice Bonechi, p. 4.

Apesar de tudo, Francisco acabou fundando três Ordens: a Ordem Primeira, destinada só aos homens, que surgiu com ele e foi aprovada em 1209. A Ordem Segunda, ou de Santa Clara que teve seus inícios na noite de 18 de março de 1212, com a fuga de Clara e sua recepção por ele. E a Ordem Terceira, destinada àqueles que não podendo abandonar a família já constituída e ocupando um lugar na sociedade, queriam, contudo, viver o Evangelho nos moldes propostos pelo franciscanismo. Sua aprovação se deu em 1221, e hoje é chamada Ordem Franciscana Secular.

58

BASCHET, Jerôme. A Civilização Feudal: do ano 1000 à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006, p. 212


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1.4 Clara: a seguidora de Francisco Durante os séculos XI e XII, difundira-se, na Úmbria, apenas comunidades femininas com Regras beneditinas. Pelo menos é o que se depreende dos documentos, segundo Radi.59 Essa situação muda com Francisco e Clara. A exemplo dela, foram muitas as mulheres que se reuniram em comunidades, com o propósito de viver uma experiência semelhante. Essas iniciativas espontâneas encontraram muitas dificuldades, como aconteceu com a própria Clara: incompreensões, suspeitas de heresia, proibição conciliar de constituição de novas ordens, entre outras. Apesar de tudo, não há dúvida de que, no século XII, foi o franciscanismo que estabeleceu as bases da reforma da Igreja. Como teria sido, na época, uma jovem de boa família unir-se não só aos pobres, às leprosas, mas também às prostitutas, às bruxas, ao mundo da marginalidade feminina? Se ainda havia insultos, ofensas e zombarias a Francisco, como poderia ele aceitar na comunidade, mulheres, sem expô-las a “suspeitas infames”, pergunta Radi. Não sabemos, segundo esse mesmo autor, se antes de Clara, teria havido outra mulher que pedisse para entrar na comunidade de Francisco. Mas não podemos duvidar que o problema estava lançado: aceitar Clara, filha de uma família das mais nobres de Assis. Clara nasceu em 1194, no castelo dos Condes Favarone e Hortolana. Com relação a seu nascimento, conta-se que sua mãe, quando percebeu que estava grávida, ficou muito angustiada por ser sua primeira gravidez. Num desses momentos de temor, correu à Igreja, e aos pés do crucifixo, ouviu uma voz que lhe disse que teria uma filha, e que, essa filha, haveria de aclarar o mundo com seu esplendor. A voz disse, ainda, que não tivesse medo. Por esse motivo, teria insistido em chamar a menina de “Clara”. Tempos depois, Clara, já moça, ao ouvir Francisco pregar, em 1211, na Catedral de Assis, sentiu-se arrebatada pela fala do jovem,60e revelou-lhe sua vontade de romper com tudo e segui-lo.

Mas, embora sentindo-se preparada,

necessitava de um ”um sinal do céu”, que acabou por vir, segundo ela, pelas mãos 59

RADI, Luciano. Vida de Clara de Assis. São Paulo: Santuário, 1996, p. 22. Aqui pode parecer que Clara ainda não conhecia Francisco, o que não é verdade. Conforme Fontes Franciscanas e Clarianas, em 1210, um primo seu, Rufino, já tinha se associado a Francisco. O livro fala, também, nos “diálogos secretos” entre Clara e Francisco. MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008.

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do bispo Guido, ao entregar-lhe uma palma benta. Clara, então, foge de casa, rumo à capela Santa Maria dos Anjos. No caminho, antes de chegar a Igreja, foi surpreendida pelos frades franciscanos que portando tochas acesas, vinham ao seu encontro. É nessa capela que recebe suas novas vestes das mãos de Francisco, os trajes da penitência: um hábito escuro e um cinto de corda. Nesse momento, tem seu cabelo cortado e recebe um véu preto sobre sua cabeça. Estava transformada. Era a primeira franciscana; a primeira mulher a seguir os passos de Francisco: nascia, nesse momento, a Segunda Ordem Franciscana. Os parentes de Clara, no entanto, estavam indignados; principalmente um tio, que tentou, em vão, trazê-la de volta, com a ajuda de seus amigos cavaleiros, pois a cidade toda cochichava e ria do acontecido à família. Todos os esforços e ameaças, porém, de fazer com que a moça retornasse para casa, foram em vão. Não só foram em vão, como no ano seguinte, juntou-se a ela, sua irmã caçula de 15 anos, Inês. Era a primeira discípula de Clara na Ordem das Pobres Damas. O mesmo tio, mais uma vez, tentou trazer Inês de volta, mas conta-se que um milagre aconteceu: “o corpo da menina começou a pesar como chumbo, desafiando a força do grupo de robustos cavaleiros, que não conseguiu movê-la do lugar.” 61 Perto da cidade de Assis, erguia-se a capela de São Damião, em completo abandono. Foi ali, que Francisco ouviu do crucifixo, que deveria “reconstruir a Igreja”. Muito antes de Clara optar por seu novo rumo na vida religiosa, ele já dizia que ali seria um mosteiro de damas pobres. Pois realmente, foi naquele local, que ela, sua irmã Inês e algumas outras mulheres vieram se enclausurar. Clara seguia à risca os conselhos e ensinamentos de Francisco, de quem se declarava a “plantinha”, ou seja, que por ele havia sido transplantada das vaidades de um mundo ilusório para os jardins do Pai. Mas, apesar da imitação, na realidade, Clara e as irmãs não esmolavam, quem fazia isso para elas era Francisco e os irmãos.

61

BAGGIO, Frei Hugo D. OFM. Santa Clara de Assis, a Mulher no Franciscanismo. São Paulo: Loyola, 1994, p. 19.


31

Figura 3 - Santuário de São Damião, antigo edifício situado nos arredores de Assis Fonte: Arte e História de Assis. Obra Coletiva. Itália: Casa Editrice Bonechi, p. 113.

Figura 4 - Claustro do Mosteiro São Damião, em Assis, Itália. Fonte: Arte e História de Assis. Obra Coletiva. Itália: Casa Editrice Bonechi, p. 114.

.


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Existem muitos milagres atribuídos à jovem, depois da conversão. Conta-se que um dia, faltando azeite, a irmã cozinheira correu até ela para contar do ocorrido. Clara apenas respondeu que deveriam confiar em Deus. Aconteceu que, depois de um tempo, o cântaro estava cheio de azeite até a boca, comprovando assim, para elas, um milagre de Deus, que não as havia abandonado. Outro acontecimento semelhante está ligado ao ano de 1214. Esse foi um ano de muitas dificuldades na região de Assis, devido às invasões que semearam destruição e fome. Foi nessa época, que faltando comida à mesa, constataram as irmãs que havia apenas um pão; mas um pão para cinqüenta religiosas era muito pouco. Consultada, Clara ainda mandou que se dividisse o pão em dois pedaços, e se mandasse a metade para os irmãos em Santa Maria dos Anjos. Na metade que ficou, continuaram dividindo e dividindo e os pães se multiplicando. 62 A religiosa também é tida como a Libertadora de Assis. O ano de 1241 presenciou tempos bélicos que tinham chegado até São Damião. O imperador Francisco II, declarou guerra ao Papa e aumentou seus exércitos com as tropas dos sarracenos e tártaros, mercenários destituídos de todo senso humano. A Itália estava invadida por bandos armados em busca de riquezas e aventuras. Assim, chegaram também às portas de Assis, mas Clara, apenas com o cibório na mão, foi capaz de defender o Mosteiro e a cidade de Assis. Em vida, Francisco ensinara a Clara uma grande devoção à Cruz do Senhor. Certo dia, narram os Fioretti63, o Papa visitou Clara e, na hora da refeição, quando o Papa mandou que ela benzesse a comida, escusou-se ela, pois como ousaria, simples mulher

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, benzer o pão diante do Vigário de Cristo. Por insistência, acabou

por fazê-lo. Então, subitamente, apareceu o sinal da cruz belissimamente gravado em todos os pães, denotando mais um milagre ligado a religiosa. Conta-se, também, de muitas outras curas que realizou apenas fazendo o sinal da cruz nas pessoas que estavam doentes. Em um dos muitos relatos que envolvem Clara e Francisco, conta-se que durante uma tarde de inverno, voltavam de Espoleto para Assis. A neve cobria o 62

BAGGIO, Frei Hugo D. OFM. Santa Clara de Assis, a Mulher no Franciscanismo. São Paulo: Loyola, 1994, p. 26. 63 Compilação em italiano reunindo, cerca de um século depois da morte de São Francisco, pequenas narrativas edificantes, umas traduzindo diversos opúsculos latinos de devoção, outras ilustrando através de exemplos de historinhas as máximas do Speculum perfectiones. Essa obra, muito popular, depois de quase cair em descrédito por causa da crítica moderna, reconquista hoje um certo crédito. Parece mais próxima das fontes autênticas do que se pensava. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 57-58. 64 Grifo da pesquisa.


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caminho e estava muito frio. De repente, na encruzilhada dos caminhos, Francisco teria dito que deveriam separar-se e se reencontrar apenas quando a primavera chegasse com suas flores. E separaram-se. Francisco fez um sinal da cruz e desapareceu. De repente, ajoelhada na brancura do caminho, Clara abre os olhos e a neve sumira. Por toda parte havia rosas. Colheu-as e correu para encontrar Francisco, pois a primavera tinha voltado e não se separariam mais. Antes disso, em 1224, quando Francisco, no alto do monte Alverne, foi marcado com as chagas do Senhor Crucificado, que lhe causavam sofrimento junto a outros problemas de saúde que ele apresentava, como uma doença dos olhos, por exemplo, foi ela e as irmãs que cuidaram dele. Francisco, porém, acabou morrendo em 1226. Mas a comunidade de Clara continuou crescendo. Depois da morte de Francisco, a outra irmã da religiosa veio juntar-se a ela, Beatriz; pouco tempo depois, foi sua mãe, Hortolana. De todos os lugares e classes sociais chegavam discípulas, o que possibilitou fundações fora de Assis, e, inclusive, fora da Itália. A principal luta de Clara era pela pobreza. Em 1228, dois anos após a morte de Francisco, o Papa Gregório estava em Assis para fazer sua canonização. Visitando São Damião, manifestou sua preocupação pela extrema pobreza em que viviam as irmãs, sobretudo pela total falta de segurança. Apesar dos tempos difíceis de crise e de guerras, o voto de pobreza levava a religiosa a se despojar de toda e qualquer posse pessoal. Como vimos, esse voto já era conhecido antes de Francisco e Clara. Só que Francisco foi além, impondo essa pobreza a toda comunidade que com ele vivia. Antes dele, o monge não podia ter propriedades, mas a comunidade podia. Conforme o Concílio de Latrão IV que havia proibido a fundação de novas Ordens religiosas, as novas famílias que surgissem deveriam aceitar uma regra já existente em alguma família da Igreja. Segundo esse pressuposto, Clara deveria aceitar o voto de pobreza individual, mas não de posses coletivas, que significava segurança. Mas ela não abria mão das suas idéias sobre a pobreza total e insistiu junto ao Papa. Esse esforço pela pobreza extrema era uma direção na sua vida.


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Figura 5 - “Privilégio de Pobreza”, concedido a Santa Clara pelo papa Gregório IX, em 1228. Fonte: Figura obtida de uma apresentação do Frei José Carlos Correa Pedroso, do Centro Franciscano de Espiritualidade de Piracicaba, cedida em CD pelas Irmãs Clarissas do Mosteiro de São Damião para a pesquisa.

Na própria Legenda, relato que recolheu o testemunho das companheiras de Clara, falando das suas penitências, é dito que ela cobria-se com uma túnica simples e um manto de pano grosseiro, andava sempre descalça, dentro ou fora de casa, jejuava o ano todo, passando grande parte do tempo a pão e água. Somente quando a doença chegou, permitiu-se o luxo de uma esteira como colchão ou de um saco de palha. Sob as vestes monacais, usava um cilício, instrumento tecido com crinas de cavalo e munidos de muitos nós, que lhe machucava o corpo. Mas, a luta de Clara pela pobreza era fundamental para ela. Depois de muitos enfrentamentos, conseguiu aprovação de uma Regra feita por ela mesma. Na sua Regra, pontilhada de orações, o tempo todo era dedicado a Deus, as horas de


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trabalho eram interrompidas apenas para que a comunidade se reunisse e pudesse rezar. Tempos mais tarde, o Papa Pio XII declarou Santa Clara, Padroeira da Televisão. Escolheu uma monja que se fechou num mosteiro, sete séculos longe da era da transmissão da imagem pelo aparelho. Baseou-se, ao que parece, num episódio da vida dela, que vem narrado pelos primeiros biógrafos e testemunhas no processo da canonização. Conta-se que numa noite de Natal, não podendo comparecer para celebração na Basílica de São Francisco, apesar da doença e da distância, foi dado a ela assistir a todos os ofícios que foram celebrados nessa Igreja, mesmo seu corpo estando no leito. Em 1872, o Cardeal Pecci, que seria mais tarde Papa Leão XIII, esteve presente a colocação do corpo em uma rica urna de ouro e cristal65, que ainda hoje deixa ver o corpo intacto, enegrecido apenas. Foi canonizada no dia 15 de agosto de 1255, segundo aniversário de sua morte. Convém, ainda, salientar que Clara foi a primeira mulher a escrever uma Regra na Igreja, que foi aprovada por Reinaldo, cardeal protetor, em setembro de 1252, e pelo papa Inocêncio IV, com uma bula Solet annuere em agosto de 1253.

Figura 6 - Aprovação da Regra de Santa Clara, com assinatura do papa. FONTE: Figura obtida de uma apresentação do Frei José Carlos Correa Pedroso, do Centro Franciscano de Espiritualidade de Piracicaba, cedida em CD pelas Irmãs Clarissas do Mosteiro São Damião para a pesquisa.

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Grifo da pesquisa.


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Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.

Por onde eu for: que eu leve o Amor que eu leve o Perdão que eu leve a União que eu leve a Fé que eu leve a Verdade que eu leve a Esperança que eu leve a Alegria. que eu leve a Luz! (Adaptação pela autora, da Oração de São Francisco)


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2 A IGREJA CATÓLICA E OS FRANCISCANOS NO BRASIL 2.1 A Igreja Católica no Brasil Este capítulo pretende relatar, em síntese, como ocorreu a implantação inicial da Igreja no Brasil e algumas de suas transformações ao longo do tempo. Ao lado disso, estudaremos o franciscanismo e seu lugar na vida religiosa do país. Veremos, como a Igreja, inicialmente dependente da metrópole portuguesa, passou à dependência do Estado, no Império, e finalmente, com as reformas ultramontanas, ficou mais diretamente à Roma. Segundo Fausto,66 as duas instituições básicas que, por sua natureza, estavam destinadas a organizar a colonização do Brasil foram o Estado e a Igreja Católica. Embora instituições distintas, na época, uma estava ligada a outra. O Estado, tinha o papel fundamental de garantir a soberania portuguesa sobre a Colônia, administrar, povoar, resolver problemas básicos e de relacionamento entre a Metrópole e a Colônia. A Igreja tinha nas mãos, a educação das pessoas e o “controle das almas”. No Brasil, embora os franciscanos sejam os primeiros religiosos a chegar, é partir de 1549, com a Companhia de Jesus que a religião se oficializa e se estabelece, mas com o controle da metrópole. Segundo Azzi: O que vai caracterizar as atividades dos religiosos nesse período é a dependência. O catolicismo é a religião oficial do projeto colonial lusitano. É o rei quem dirige os destinos da Igreja do Brasil nos primeiros séculos, por 67 força do padroado, trazida para a colônia. O Brasil se constitui assim numa cristandade “dependente” de Portugal, embora seja necessário destacar também suas características próprias. A Igreja se estabelece no Brasil mediante a orientação da Coroa, através da Mesa da Consciência e 68 69 Ordens. 66

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007, p. 59-60. Geralmente, significa direito de protetor, adquirido por quem fundou ou dotou uma igreja. Direito de conferir benefícios eclesiásticos. Nos textos historiográficos, o termo Padroado se refere ao direito de autoridade da Coroa Portuguesa a Igreja Católica, nos territórios de domínio Lusitano. Esse direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao Rei de Portugal, concedida pelos papas, em forma de diversas bulas papais, uma das quais uniu perpetuamente a Coroa Portuguesa à Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de 1551. A partir de então, no Reino Português, o Rei passou a ser também o patrono e protetor da Igreja, com as seguintes obrigações e deveres: a) Zelar pelas Leis da Igreja; b) Enviar missionários evangelizadores para as terras descobertas; c) Sustentar a Igreja nestas terras. O Rei tinha também direitos do Padroado, que eram: a) Arrecadar dízimos (poder econômico); b) Apresentar os candidatos aos postos eclesiásticos, sobretudos bispos, o que lhe dava um poder político muito grande, pois, nesse caso, os bispos ficavam submetidos a ele. Para a Igreja Católica, o equilíbrio para esse poder real era dado pela existência da Propaganda Fide, diretamente ligada à Santa Sé. Assim, muitos religiosos vinham para a Colônia por intermédio da Propaganda Fide .Padroado. Disponível em < WWW.histedbr.fae.unicamp.br > Acesso em 04.05.2010. 68 A Mesa de Consciência e Ordens foi instituída em 1532 e extinta no Brasil apenas em 1828, ou seja, após seis anos da independência do Reino Português. A Mesa conseguiu centralizar diversos 67


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Até 1580, os jesuítas tiveram exclusividade na atividade religiosa no Brasil, como missionários oficiais da Igreja. Esse período, também é importante, pelo fato da união da Coroa lusitana à espanhola, de 1580 a 1640, que propiciou o ingresso de novos institutos religiosos, inclusive, por solicitações da própria colônia. Esse é o caso dos franciscanos, beneditinos e carmelitas, por exemplo. Conforme Azzi: Nesse período, ainda, tem inicio a fundação dos primeiros conventos femininos, sob a orientação da espiritualidade franciscana e carmelitana. A expulsão dos jesuítas, porém, em 1759, representa um corte abrupto para a vida religiosa no Brasil e marca, sem dúvida, o início de uma forte crise que 70 atingirá as demais ordens, no próximo período.

A partir de meados do século XVIII, ocorre a crise do sistema colonial da metrópole, assim como todo esse projeto lusitano para o Brasil. Os movimentos de luta pela independência, tais como as inconfidências, conjurações e revoluções se fazem presentes no país. Idéias liberais baseadas nos Estados Unidos e França atraem a burguesia e muitos clérigos letrados e seculares. Como o episcopado permanece fiel ao projeto colonial, ocorre uma ruptura dentro da Igreja. O episcopado continua defensor dos interesses lusitanos, mas o clero liberal que se forma, volta-se para a independência. Ao mesmo tempo, a reforma na Universidade de Coimbra, em 1772, abre uma nova perspectiva, pois em seus estudos na Europa, clérigos e leigos sofrem influências das idéias do iluminismo e do racionalismo, que acabam por interferir nas concepções teológicas e filosóficas vigentes, assim como nas dimensões políticas e econômicas. Em decorrência, também desses fatores, por exemplo, passa a existir um questionamento sobre a legitimidade do poder da Santa Sé, por parte do clero. Segundo Azzi, a ingerência do governo na vida dos institutos religiosos e alterações na ordem política e econômica da colônia, além de problemas internos pela acomodação dos religiosos ao sistema latifundiário e escravocrata, provocam uma profunda crise nesse período, que se estende pelo primeiro reinado e período regencial. A Igreja, portanto, continua dividida entre um clero de aspirações liberais privilégios papais referentes às nomeações episcopais e outras e tornou-se, dessa forma, uma arma terrível do poder colonial contra a liberdade da Igreja. SEGALA, Aldino Luiz. A Igreja Católica no Rio Grande do Sul: da separação do Estado às vésperas do Vaticano II. Disponível em: < HTTP://www.forumdaigrejacatolica.org.br > Acesso em 20.mai.2010, p. 57. 69 AZZI, Riolando, organizador. A Vida Religiosa no Brasil: enfoques históricos. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 11-12. 70 AZZI, Riolando, (org). A Vida Religiosa no Brasil: enfoques históricos. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 12-13.


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e um episcopado conservador e reacionário, que conta com o apoio parcial do clero, principalmente rural. Por outro lado, a partir da época pombalina, as restrições e o controle da Coroa em relação às ordens religiosas, chega mesmo até a supressão de algumas delas. Com a vinda da família real em 1808, começa uma certa influência da Santa Sé, na Igreja do Brasil, através do núncio apostólico,

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alinhando parte do clero

liberal com o poder civil, como uma forma de defesa. O período compreendido entre o século XIX e XX, pode ser visto como de romanização da Igreja no Brasil. Embora a questão da dependência continue, ela se modifica. Se antes, a dependência era da Coroa de Portugal, agora passa a ser de um novo modelo que depende das diretrizes da Santa Sé ou da Cúria Romana, mas isso não ocorre sem uma divisão de pensamento dentro da própria Igreja. Apesar de serem vários os conflitos, acaba nascendo um movimento reformador, articulado por alguns bispos, entre eles, D. Antonio Ferreira Viçoso,

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que acredita numa reforma verdadeira apenas com a vinda de religiosos da Europa, para essa finalidade. Os religiosos deveriam assumir a direção dos seminários para reformar o clero antigo e iniciar a formação de um novo. Esses religiosos vindos da Europa para o Brasil, atuam sobretudo no ensino, através dos colégios, igrejas e paróquias, que a eles vão sendo confiadas. Ao lado de institutos masculinos, novas congregações femininas também exercem papel importante na área dos colégios, hospitais e obras assistenciais. Segala73 esclarece que após o Concílio Vaticano I, ocorrido de 1869 a 1870, a ingerência mais direta de Roma na reforma da Igreja, caracterizou-se principalmente pela reorganização eclesiástica, pela formação do clero, pelo combate ao liberalismo, a maçonaria, o protestantismo, o cientificismo e o socialismo, rejeição da modernidade, centralização do governo da Igreja católica em Roma, expansão das ordens e congregações religiosas, desenvolvimento de um ensino católico paralelo ao oficial, como parte do projeto pastoral de formar também uma elite católica. Eram transformações que já estavam em curso desde a Revolução Francesa, mas

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Representante diplomático permanente da Santa Sé. 1787-1875. Religioso lazarista, ensinou filosofia em Évora, Portugal. Veio para o Brasil fundar missões na Província de Mato Grosso e foi um dos fundadores da Primeira Província Lazarista Brasileira. Pertencia ao grupo dos bispos reformadores ou ultramontanos. D.Pedro II conferiu-lhe alguns títulos. 73 SEGALA, Aldino Luiz. A Igreja Católica no Rio Grande do Sul: da separação do Estado às vésperas do Vaticano II. Disponível em: < HTTP://www.forumdaigrejacatolica.org.br > Acesso em 20.mai.2010, p. 52. 72


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ganharam forma no papado de Pio IX74, e foram implementadas com os Papas Leão XIII75 e Pio X76. É importante salientar, que com o início do período republicano, o governo decreta a separação entre o Estado e a Igreja. Muitos bispos brasileiros condenam essa fórmula de Igreja livre no Estado livre e defendem o modelo da societas perfecta, que previa duas sociedades perfeitas que se apoiavam uma na outra, ou seja, o Estado e a Igreja. Apesar disso, essa etapa assinala uma vinculação maior da Igreja do Brasil à Cúria Romana, com a formação, inclusive, de muitos sacerdotes em Roma. “A organização da Igreja recebe grande impulso com a multiplicação das dioceses, a divisão do Brasil em províncias eclesiásticas e as sucessivas assembléias episcopais”.77 Em decorrência dos religiosos europeus que continuam vindo para o Brasil, no entanto, antigas ordens religiosas como a dos beneditinos, carmelitas e franciscanos, acabam por sofrer uma reforma. Ao mesmo tempo em que o Brasil estava de portas abertas para receber esses religiosos, na Europa, acontecia o avanço do laicismo e do liberalismo, o que dificultava o trabalho da Igreja. Esses religiosos europeus assumem um papel importante, ainda, no desenvolvimento da imprensa católica, com a “multiplicação de revistas, jornais, livros e folhetos, com ênfase no aspecto doutrinário e catequético, além da multiplicação das escolas católicas, que passam a fazer frente ao ensino leigo oficial e escolas confessionais de tipo protestante. Com a crise da República Velha

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e as mais diversas contestações políticas,

tais como a revolta do forte de Copacabana e a Semana de Arte Moderna, o ano de 1922 também coincide com o início do governo de Dom Sebastião Leme na arquidiocese do Rio de Janeiro. A vida na Igreja Católica será marcada, então, pelo pontificado de Pio XI, com os acordos de Latrão, a instituição da festa de Cristo Rei e a oficialização da Ação Católica. Com isso, a Igreja se dispõe a novamente

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1846-1878. 1878-1903. 76 1903-1914. 77 AZZI, Riolando, (org). A Vida Religiosa no Brasil: enfoques históricos. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 18. 78 Considerada República Velha, em oposição à República Nova posterior com Getúlio Vargas, é o período que se estende da Proclamação da República em 1889 até a Revolução de 30, que depôs o 13º e último presidente, Washington Luiz. 75


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reafirmar sua presença na sociedade. Conforme Segala, porém, a Ação Católica, por exemplo, só terá força no Brasil, a partir dos anos 1950. A importância da Ação Católica aumentou com a mudança que aconteceu na década de 1950, quando ela passou para o modelo da Ação Católica Especializada, de origem francesa. Ela tinha outro modelo de divisão: por setores sociais de origem, ou seja, com os movimentos de jovens da área rural (JAC), estudantes secundários (JEC), de setores da classe média urbana (JIC, juventude independente), operários (JOC) e universitários (JUC). Foi um movimento de intenso diálogo e de atuação nos movimentos sociais. É nesse contexto que cristãos de diferentes tradições religiosas se 79 encontraram.

A Ação Católica, conforme Padre Costa, Assistente da Junta Católica da Arquidiocese de Olinda e Recife, foi um movimento da Igreja, como um todo, que pretendia a “participação organizada do laicato católico no Brasil no apostolado hierárquico, para a difusão e atuação dos princípios católicos na vida individual, familiar e social”.80 O movimento pretendia atingir, dessa maneira, todos os segmentos, criando novas igrejas, escolas, aumentar sua produção na imprensa, participar da vida nas casas, nos hospitais e nas penitenciárias, por exemplo. Durante esse período, no entanto, outro fato importante para a história do Brasil e da própria Igreja, foi a Revolução de 30. Consolidando-se no Rio Grande do Sul, liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas, com apoio de outras lideranças do país, terminou com um ciclo conhecido como “República Velha”, caracterizado pelo domínio político e econômico das oligarquias cafeeiras de São Paulo e Minas Gerais. Iniciava-se, agora, um período altamente centralizado do estado nacional, mas, no entanto, diminuindo a distância entre Estado e Igreja que havia na república anterior. Estabeleceu-se uma aliança tácita entre um e outro: o governo, esperando da Igreja sua legitimação, e esta, através de seu episcopado, esperando a chance de sepultar o estado laicista, que a relegava à Sacristia. O episcopado nacional também desejava ver atendidas as “reivindicações católicas” como caminho para a implantação de uma sociedade mais cristã no Brasil, conforme as diretrizes de Pio XI sobre a afirmação do papel da 81 Igreja na sociedade moderna.

79

SEGALA, Aldino Luiz. A Igreja Católica no Rio Grande do Sul: da separação do Estado às vésperas do Vaticano II. Disponível em: < HTTP://www.forumdaigrejacatolica.org.br > Acesso em 20.mai.2010, p. 67. 80 COSTA, Portocarrero. Ação Católica. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Limitada, 1937, p. 17. 81 MOESCH, Eduardo Pretto. Dom Vicente Scherer: a voz de um pastor. Porto Alegre: Padre Reus, 2007, p. 24.


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O ano de 1945, no entanto, além de finalizar as duas Guerras Mundiais, marca também o fim do Estado Novo e a deposição de Vargas. O episcopado que havia tido um bom relacionamento com Vargas, na República Velha, ficara alarmado com sua política posterior de favorecer o Partido Comunista, entre outras decisões. Agora, no entanto, com a queda de Vargas, o episcopado se vê contemplado com as medidas do marechal eleito, Eurico Gaspar Dutra, como o rompimento com a União Soviética, por exemplo, e a declaração de ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro.82 Na virada para os anos 50, o Brasil estava estrategicamente enquadrado no bloco afinado com os Estados Unidos, que se atribuía a responsabilidade de zelar pelo mundo livre, com a “tarefa de intervir política e militarmente na defesa de qualquer país aliado, ameaçado pelo avanço do comunismo”. Conforme Teixeira: [...] o mundo saíra da guerra irremediavelmente dividido em dois grandes blocos – o bloco ocidental, capitalista (o”mundo livre”) e o bloco oriental, comunista (os “satélites soviéticos”). O avanço comunista, segundo os mesmos ideólogos, baseava-se agora na guerra revolucionária, isto é, na doutrinação e na subversão das massas dos países pobres ou 83 depauperados pelo conflito mundial [...]

O comunismo também era uma grande preocupação da Igreja, como se pode perceber pelo discurso do Arcebispo de Porto Alegre, ao rezar missa, na época, na catedral Metropolitana em homenagem aos militares que haviam morrido na intentona comunista de 1935. [...] Os próprios correligionários e camaradas do Partido onipotente, na infeliz Rússia e nos países satélites, são impiedosamente depurados e sacrificados à primeira manifestação de divergência com os detentores de parcela maior de poder e de força material [...] Ainda no domingo passado, um dos nossos jornais publicou o depoimento de pilotos americanos que, aprisionados na guerra da Coréia, foram submetidos pelos comunistas, por dez meses, a brutais torturas para quebrar-lhes a resistência e obter a desejada confissão do emprego da guerra bacteriológica, que serviria aos 84 soviéticos como arma de propaganda contra as potências ocidentais.

82

Conforme MOESCH, Eduardo Pretto. Dom Vicente Scherer: a voz de um pastor. Porto Alegre: Padre Reus, 2007, p. 29. 83 TEIXEIRA, Francisco Maria Pires. História Concisa do Brasil. São Paulo: Global, 2000, p. 286. 84 AOS HOMENS da Ação Católica Italiana. UNITAS, Boletim da Arquidiocese de Porto Alegre. Porto Alegre: p. 20-25, jun.1953, p. 286-288.


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Ao mesmo tempo, a Igreja com o pontificado de João XXIII, 85 que pertencia à Ordem Franciscana Secular, OFS, passa a viver o período de preparação do Concílio Vaticano II, onde se abre a possibilidade de um futuro diálogo com a Modernidade, ao contrário do que havia sido, em parte, o Concílio Vaticano I.

2.2 O Franciscanismo no Brasil Desde a formação da sociedade brasileira, os Frades Menores franciscanos assinalaram sua presença na história do Brasil. De forma esporádica até 1584, depois de forma definitiva, com a primeira Custódia.86 Em 1500, em Porto Seguro, BA, com a expedição de Dom Pedro Álvares Cabral, vieram oito frades menores que se dirigiam às Índias. Entre eles, Frei Henrique Soares de Coimbra, que celebrou a primeira missa. Ao observar o trabalho desses primeiros missionários franciscanos, o governador de Pernambuco, Jorge Albuquerque Coelho, acabou por solicitar o estabelecimento definitivo desses missionários ao Ministro Geral, Frei Francisco Gonzaga, que se encontrava em Lisboa para presidir o capítulo Provincial. Apresentando, então, a questão aos capitulares87, a Província Santo Antônio, criada em Portugal em 1568, fez oposição ao projeto; mas Frei Francisco com base em sua autoridade criou a Custódia Santo Antonio do Brasil, escolhendo Frei Melchior de Santa Catarina para dirigi-la. O fato teve aprovação do Papa Xisto IV e do soberano. Em 1585, os Frades Menores receberam a escritura do terreno doado pela terceira franciscana Maria da Rosa Leitão. Nesse mesmo ano, desembarcaram em Olinda, Pernambuco, oito frades. A Custódia expandiu-se do Nordeste até São Paulo, e devido a distancia entre as duas regiões, em 1659 foi criada a Custódia da Imaculada Conceição, com

85

1958 a 1963. GIALDI, Frei Silvestre OFMCap.(org). Perfil Franciscano – Ano 2000. 500 Anos de Presença no Brasil. Porto Alegre: Sulani, 2000, p. 14. 87 De Capítulo: na terminologia franciscana, é a reunião de frades para decidir assuntos da fraternidade. Chama-se Capítulo Local se, da reunião, participam os frades de uma Casa. Chama-se Capítulo Provincial se participam todos ou um grupo delegado de frades da Província. Chama-se Capítulo Geral se participam frades de toda a Ordem. É no Capítulo que os frades tomam todas as decisões e organizam seus programas de vida e de apostolado. ROWER, Frei Basílio OFM. O Convento Santo Antonio do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 303. 86


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sede no Rio de Janeiro. Elevadas à Província, mantinham também pequenas fraternidades e hospícios88 no Brasil e em Sacramento, no Uruguai. Frei Basílio Rouwer,89 mostra como se distribuíram os primeiros missionários franciscanos que chegaram ao Brasil, no período de 1500 a 1585, conforme o mapa a seguir.

Figura 7 - Missionários Avulsos. Fonte: RÖWER, Frei Basílio, OFM. Páginas de História Franciscana no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1957, p. 11.

A expansão dos franciscanos foi considerável até 1760. Seu número atingiu 1.160 membros, mas a decadência começou no século XVIII e no final do Império. Em 1889 aproximou-se da extinção. As proibições de aceitação dos noviços pelo governo, a busca de privilégios e a lei da alternativa fomentaram a decadência. O governo imperial provocou a morte lenta das ordens religiosas e apoderou-se do seu

88

Residência temporária, menor que um convento. ROWER, Frei Basílio OFM. O Convento Santo Antonio do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 304. 89 RÖWER, Frei Basílio, OFM. Páginas de História Franciscana no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1957, p. 11.


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patrimônio.90 Só em 1901, por intervenção de Frei Davi Fleming, Vigário Geral da ordem, as duas Províncias Santo Antônio e Imaculada Conceição puderam ser consideradas restauradas. Atualmente, os franciscanos estão estabelecidos e organizados, no Brasil, nas três ordens fundadas por São Francisco de Assis: a dos Frades Menores, a das Irmãs Pobres de Santa Clara (Clarissas) e a Terceira Ordem Franciscana. A Primeira Ordem se divide em três ramos: Ordem dos Frades Menores no Brasil, vulgarmente chamados Franciscanos, Frades Menores Conventuais e Frades Menores Capuchinhos. A Ordem dos Frades Menores é entre os três ramos, o mais difundido no mundo inteiro, dividindo-se em circunscrições que se chamam Províncias, cujo governo está na mão de um Provincial. Para facilitar o governo dessas casas, muitas vezes, elas são agrupadas em Custódias, cujo superior se chama Custódio, embora geralmente suas atribuições dependam do Provincial. A Segunda Ordem Franciscana, A Ordem das Irmãs Pobres de Santa Clara, compreende as Irmãs Clarissas Contemplativas do Brasil, Irmãs Clarissas Capuchinhas Contemplativas e Irmãs Clarissas Franciscanas Missionárias do Santíssimo Sacramento. A Terceira Ordem divide-se em: Ordem Franciscana Secular e Juventude Franciscana do Brasil, Terceira Ordem Regular de São Francisco de Assis da Penitência e Institutos Seculares. Para facilitar o estudo de cada Ordem, apresentamos, inicialmente, um quadro com o nome da Ordem e as suas respectivas ramificações. Primeira Ordem de São Francisco de Assis: Ordem dos Frades Menores 1. Ordem dos Frades Menores do Brasil

OFM

2. Frades Menores Conventuais no Brasil

OFMConv

3. Frades Menores Capuchinos no Brasil

OFMCap

A Ordem dos Frades Menores no Brasil está dividida em várias Províncias. Uma dessas Províncias é a de Santa Cruz, fundada em 1900, com sede atualmente em Belo Horizonte, Minas Gerais, a qual pertenceu o Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, desde a sua fundação, em 1953, até o ano de 1966. Os Frades Menores Conventuais, no Brasil, estão constituídos em quatro circunscrições: Província de São Francisco de Assis, com São Paulo, Paraná, Bahia, 90

GIALDI, Frei Silvestre OFMCap.(org). Perfil Franciscano – Ano 2000. 500 Anos de Presença no Brasil. Porto Alegre: Sulani, 2000, p.15.


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Rio Grande do Sul e Angola, na África; Custódia São Maximiliano Kolbe, em Goiás e Distrito Federal; Custódia Imaculada Conceição, com o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás; a Missão São Boaventura, no Maranhão e Ceará. Outro ramo dos Fades Menores, os Capuchinhos é fruto de movimentos reformistas. Atualmente91, no Brasil, estão organizados em dez províncias, duas vice-províncias e uma custódia. A Conferência dos Capuchinhos do Brasil - CCB, é o ponto de apoio institucional e fraterno das circunscrições e dos frades em nível nacional. Segunda Ordem Franciscana: Ordem das Irmãs Pobres de Santa Clara 1 As Irmãs Clarissas Contemplativas no Brasil 2.Irmãs Clarissas Capuchinhas no Brasil 3.Irmãs Clarissas Franciscanas Missionárias do Santíssimo Sacramento no Brasil A Segunda Ordem Franciscana, teve seu início em 1212, quando Clara prometeu obediência à Francisco. As primeiras religiosas que se estabeleceram no Brasil foram as Irmãs Clarissas Urbanistas, em maio de 1677. Eram quatro Irmãs procedentes de Évora, Portugal. Fundaram em Salvador, Bahia, o Imperial Mosteiro de Santa Clara do Desterro, mas como em 1885 foi fechado todo o noviciato para religiosos e religiosas, a comunidade das Clarissas foi se extinguindo. Em 1915, faleceu a ultima Clarissa do Desterro, Salvador, com 84 anos. Por treze anos, não houve nenhum mosteiro clariano no país. Em 1928, porém, houve um reflorescimento, quando chegaram ao Rio de Janeiro, oito Irmãs Clarissas Colentinas, seis enclausuradas e duas externas, procedentes do Mosteiro Düsseldorf, na Alemanha. Foram recebidas pelos Frades Menores e senhoras da sociedade carioca. A primeira abadessa eleita, Madre Maria Seráfica do Santíssimo Sacramento ficou no cargo até 1950, quando com mais oito Clarissas, partiu para Belo Horizonte para fundar o Mosteiro Santa Clara. Mais tarde, outra Madre partiria, com mais sete Clarissas, para fundar o Mosteiro de Nazaré, em Forquilhinha, Santa Catarina. Existem diversas denominações de Clarissas Contemplativas: Clarissas Urbanistas, Colentinas, Capuchinhas, Sacramentinas, da Adoração Perpétua, da

91

GIALDI, Frei Silvestre OFMCap.(org). Perfil Franciscano – Ano 2000. 500 Anos de Presença no Brasil. Porto Alegre: Sulani, 2000, portanto, os dados são referentes ao ano 2000.


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Divina Providência. Também existem Clarissas de vida ativa: Clarissas Franciscanas Missionárias e Irmãs de Santa Clara. Para estabelecer uma unidade e colaboração entre os Mosteiros, em janeiro de 1989, foi fundada a Federação Sagrada Família da Ordem de Santa Clara no Brasil, que inclui todas as congregações de Clarissas, menos as Capuchinhas, que são ligadas à federação própria, com sede na Itália.92 As Irmãs Clarissas Capuchinhas Contemplativas, assim chamadas por observar a Regra de Santa Clara e por estarem aos cuidados dos Frades Menores Capuchinhos, foi fundada pela nobre Maria Lourença Llonc, esposa de João Llonc, Regente da Chancelaria Régia, que foi para Nápoles com o rei Fernando, no fim de 1506. Conta-se que Maria Lourença tinha 43 anos de idade e sofria de uma paralisia causada pela vingança de uma empregada que lhe deu uma bebida envenenada. Ao ficar milagrosamente curada, decidiu dedicar-se à assistência aos doentes e a obras de misericórdia, obtendo, dessa maneira, a autorização do Papa para construir um Mosteiro de Irmãs da Terceira Ordem Franciscana sob a Regra de Santa Clara.93 No Brasil, quando em 1977 os Capuchinhos do Rio Grande do Sul realizaram o capítulo das esteiras, o Ministro Geral observou que faltava na Província um mosteiro de contemplativas. Solicitou, então, à Federação Italiana Sagrada Família. Em janeiro de 1979, cinco irmãs chegam da Itália para o Rio Grande do Sul. A missão das Clarissas Capuchinhas consiste no desapego total, liberdade de espírito, pobreza alegre, simplicidade nas relações fraternas em perfeita igualdade, austeridade pessoal e fraterna, no trabalho como meio de sustento e graça, que permite servir aos irmãos e “afastar o ócio, inimigo da alma”94. Além das Clarissas Contemplativas e das Capuchinhas Contemplativas no Brasil, existem as Irmãs Clarissas Franciscanas Missionárias do Santíssimo Sacramento no Brasil. Essa congregação foi fundada na Itália e as primeiras quatro missionárias chegaram ao Brasil em 1907, em Itambacuri, Minas Gerais. Desde os primeiros anos da fundação, trabalharam em hospitais, orfanatos, na catequese paroquial e na educação informal de adultos. No Brasil, está presente em Minas Gerais, São Paulo, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Pará, Maranhão, Espírito Santo e Sergipe. Conforme o desejo de Madre 92

GIALDI, Frei Silvestre OFMCap.(org). Perfil Franciscano – Ano 2000. 500 Anos de Presença no Brasil. Porto Alegre: Sulani, 2000. 93 GIALDI, Frei Silvestre OFMCap.(org). Perfil Franciscano – Ano 2000. 500 Anos de Presença no Brasil. Porto Alegre: Sulani, 2000. 94 Expressão que faz parte do Capítulo VII, da Regra de Santa Clara: O modo de trabalhar. MORO, Sérgio M. Dal (trad). Fontes Franciscanas e Clarianas: Rio de Janeiro, Vozes, 2008, p. 1720.


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Serafina, sua fundadora, as casas localizam-se, em sua maior parte, em lugares onde ninguém mais deseja estar, geralmente em cidades pequenas e nas periferias de grandes cidades. Terceira Ordem Franciscana 1. Ordem Franciscana Secular e Juventude Franciscana do Brasil 2. Terceira ordem Regular de São Francisco de Assis da Penitência 3. Institutos Seculares A Terceira Ordem Franciscana, compreende a Ordem Franciscana Secular e a Juventude Franciscana do Brasil. A Ordem Franciscana Secular (OFS), de acordo com a bula supra montem do Papa Nicolau IV, ele mesmo franciscano, reconhece São Francisco de Assis como seu fundador. No Brasil, está ligada historicamente aos frades da Primeira Ordem. Está organizada em 15 regiões e 590 fraternidades; a partir de 1963, os leigos franciscanos assumiram a missão da renovação e organização da OFS. Os relatos da Juventude Franciscana, JUFRA, no Brasil, remontam a 1946, em Bagé, RS. Depois de algumas outras tentativas isoladas, Frei Eurico de Melo, capuchinho do Paraná, após um período em Roma, trouxe oficialmente a JUFRA para o Brasil. Desde 1995, a JUFRA é parte integrante da OFS, constituindo-se na ala jovem, com estilo, organização e características próprias. Seu órgão superior é o Congresso Nacional que ocorre a cada três anos. A Terceira Ordem Regular de São Francisco de Assis da Penitência, compreende a Terceira Ordem Regular Feminina e a Terceira Ordem Regular Masculina, que, por sua vez, são compostas por inúmeras outras fundações e congregações. Fazendo parte, ainda da Terceira Ordem temos os Institutos Seculares, que são leigos consagrados que vivem nas suas famílias e no mundo do trabalho. Através de votos de pobreza, castidade e obediência, vivem no seu próprio ambiente familiar, profissional e cultural. Quando no Brasil, foram criadas a Conferência de Religiosos do Brasil - CRB, em 1954, e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, em 1952, logo, então, se formaram as uniões dos Provinciais dos Frades Menores e Capuchinhos. Desde o século XIX já havia uma renovação franciscana, pelo menos entre os


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estudiosos.95 O movimento começou com a ajuda das Irmãs Clarissas que cederam algumas salas do seu mosteiro, em Belo Horizonte, para um começo de atividades. Criou-se o Centro de Estudos Franciscanos e Pastorais para a América Latina CEFEPAL, e começaram a sair algumas publicações em forma de documentos. Por ocasião de uma reunião na CRB do Rio de Janeiro, os provinciais dos franciscanos das diversas famílias decidiram criar um Curso de Formadores Franciscanos. O primeiro Curso iniciou em fevereiro de 1969. A parte espiritual e cultural do Curso tinha a destacada colaboração de Frei Hermógenes Harada, Frei Ademar Spindeldreier e Frei Leonardo Boff. Frei Eckart Höffling, que assumira a direção do Curso em 1984, adquiriu a casa do antigo mosteiro das monjas premonstratenses que foi reformada para receber o Curso. Durante muitos anos o Curso de CEFEPAL, hoje Encontro da Espiritualidade Franciscana, foi o coração da família franciscana brasileira. A partir de 1988, todo o trabalho franciscano começou a ser estruturado diferentemente no Brasil, algo que já era animado pela formação das regionais. Na assembléia de 1994, o nome passou para Família Franciscana do Brasil FFB, em lugar do antigo nome que ficou reservado apenas pra algumas atividades. Desde 1988 a casa de Petrópolis abriga outros encontros e atividades e não apenas o Encontro de Espiritualidade Franciscana.

2.3 Clarissas no Brasil Segundo as próprias Clarissas, existem quatro aspectos que fundamentam e caracterizam a sua vida religiosa: a vida contemplativa e de oração, a vida de irmãs no mosteiro ou a sororidade, a pobreza e a liberdade, a clausura como lugar de revelação de Deus. No Brasil, a primeira fundação de Clarissas foi o Mosteiro do Desterro na cidade de Salvador, solicitada pela Câmara de Salvador e pelos nobres, pedido este realizado em 1664. Essa fundação deu-se por quatro Irmãs que vieram de Évora, Portugal e, por mais de setenta anos, foi o único mosteiro reconhecido na Colônia. Segundo a mentalidade da época, o convento manteve um regime de classes coristas, conversas, recolhidas e escravas ou servas pessoais das Irmãs. Após a 95

GIALDI, Frei Silvestre OFMCap.(org). Perfil Franciscano – Ano 2000. 500 Anos de Presença no Brasil. Porto Alegre: Sulani, 2000, p. 181.


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proibição de novos ingressos na vida religiosa, decretada para Portugal e a Colônia, pelo Marquês de Pombal, o número de Irmãs no Mosteiro foi decrescendo.

Figura 8 - Mosteiro do Desterro, em Salvador, Bahia. Foto: Disponível em: < WWW.clarissas.blogspot.com > Acesso em 08.07.2010.

Após a extinção do Mosteiro do Desterro, as Clarissas consolidariam sua presença no Brasil apenas em 1928, com a fundação do Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos, no Rio de Janeiro. As Irmãs fundadoras, em número de oito, provinham de Düsseldorf, Alemanha. Somente vinte anos depois, em 1950, surgiria o Mosteiro de Santa Clara de Campina Grande, na Paraíba, com Irmãs de Cleveland, Estados Unidos. No mesmo ano, o Mosteiro do Rio de Janeiro realizava sua primeira fundação em Belo Horizonte. Em 1953, Clarissas da Bélgica, fundavam o Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Nessa seqüência de fundações, foi a vez de Anápolis, em Goiás, onde há o maior ingresso de religiosas, vindas sobretudo de Brasília. Em 1964, o Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos realiza sua segunda implantação, desta vez em Forquilhinha, Santa Catarina, transferida atualmente para Lages. Em 1970, o Mosteiro Santa Clara, de Belo Horizonte, realizou sua primeira fundação em Araruama, Rio de Janeiro. Em 1977, chegam ao Brasil as primeiras Clarissas Capuchinhas, vindas da Itália, fundando um mosteiro em Flores da Cunha no Rio Grande do Sul. Em 1984, o Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos, faria sua terceira fundação em Caicó, Rio Grande do Norte. Em 1985, o Mosteiro Monte Alverne, em Uberlândia, Minas Gerais, pela comunidade de Clarissas de Belo Horizonte.

Em 1986, as Clarissas

portuguesas da Ilha da Madeira, fundaram o Mosteiro Santa Clara de Nova Iguaçu,


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na Baixada Fluminense. As duas fundações mais recentes ocorreram na década de 90, que são o Mosteiro Santíssima Trindade, em Colatina, no Espírito Santo e em Canindé, Ceará. Para que uma fundação se torne viável, é necessário que exista aceitação ou um pedido do bispo local. Todas as fundações Clarianas têm a Regra própria de Santa Clara como base de sua vivência e possuem as mesmas Constituições Gerais aprovadas por João Paulo II, em 1998, com exceção das Clarissas Capuchinhas que possuem suas próprias Constituições. Todos os mosteiros, exceto o de Capuchinhas, que pertencem a uma federação italiana, são federados desde 1989. O número de vocações tem aumentado consideravelmente nos últimos vinte anos, de modo particular em regiões como o nordeste, centro e sudeste. O sul tem tido menor número de 96 ingressos.

Podemos visualizar, no mapa do Brasil, logo abaixo, os estados que possuem mosteiros clarianos.

Figura 9 - Estados com a presença de Mosteiros Clarianos. Fonte: Disponível: < WWW.clarissaslages.mosteiros > acesso em 09.07.2010.

96

Disponível: < WWW.clarissas.com.br > acesso em 08.07.2010.


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“O Senhor nos chamou a coisas tão elevadas, que em nós possam espelhar-se as que deverão ser espelho e exemplo para os outros.” (Santa Clara de Assis)


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3 MOSTEIRO DE SÃO DAMIAO EM PORTO ALEGRE 3.1 As Irmãs Fundadoras do Mosteiro A implantação do Mosteiro de São Damião, na cidade de Porto Alegre, no início dos anos 50, representou a primeira missão religiosa belga no Brasil Meridional, conforme consta na documentação do período.97 As origens do Mosteiro de São Damião, contudo, encontram-se na reforma de Santa Coleta Boylet, desencadeada no final do século XIV, na Europa. Desse modo, as fundadoras que vieram para o Brasil pertenciam ao ramo das Clarissas Colentinas, que possuíam várias casas religiosas na França e na Bélgica. Essas casas conventuais podem mostrar o papel da mulher na vida da Cristandade. Muitas jovens entravam para o convento sem vocação, mas outras, ali encontravam uma possibilidade de crescimento espiritual e saber, além de uma forma de independência dos homens. M. Perrot salienta, em relação a esses lugares de vida religiosa feminina, o papel da vozes místicas assumido por algumas mulheres. Os conventos eram lugares de abandono e de confinamento, mas também refúgios contra o poder masculino e familiar. Lugares de apropriação do saber, e mesmo de criação. As vozes das mulheres foram de início, vozes místicas. Jacques Maître mostrou a esmagadora superioridade das 98 mulheres nesse particular a partir do século XIII.

Com efeito, a Ordem de Santa Clara também passou por movimentos de reforma e de busca por uma espiritualidade mais fiel à Regra religiosa primitiva, estabelecida originalmente como modo de vida fundamental, no século XIII, por Francisco de Assis. Ao longo do tempo, especialmente, nas comunidades conventuais européias, o número elevado de religiosas e a facilidade de aceitar mulheres ricas da sociedade com seus novos hábitos seculares, seus luxos e comodidades, por exemplo, contribuíram para um relaxamento dos costumes religiosos. Assim, surgiam vozes reclamando a volta aos tempos primitivos, como foi o caso de Santa Coleta Boylet, no final do século XIV.

97 98

Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2008, p. 84.


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Nesse sentido, encontramos nos documentos99 da Ordem, especialmente em alguns textos fornecidos para a pesquisa, pelas próprias Irmãs, relatos assinalando que a História Clariana foi marcada por um grande impulso, logo depois dos tempos de Santa Clara. Entretanto, sofreu períodos de grande decadência nos séculos XIV, XV e XVI. Ao mesmo tempo, porém, esses períodos trouxeram em seu interior, movimentos de reforma e expansão de novas fundações. Assim, uma dessas grandes reformadoras foi Santa Coleta Boylet, fundadora do Mosteiro de Gand, na Bélgica, em 1442. Santa Coleta nasceu na França em 1381 e percorreu o país, a Bélgica e Holanda, pregando a pobreza e a volta à pureza evangélica. Quando seus pais morreram, distribuiu seus bens aos pobres e viveu por algum tempo como reclusa. Por fim, foi recebida pelas Clarissas e com a autorização do Sumo Pontífice, reformou, conforme a primitiva forma de vida franciscana, muitos mosteiros e conventos da Primeira e da Segunda Ordem.100 A santa morreu em 1447, no Mosteiro de Bethlém, em Gand, na Bélgica, o mesmo que fundara em 1442. Foi desse convento de Bethlém que vieram duas das quatro religiosas destinadas a fundar São Damião, em Porto Alegre: Irmã Maria Josefa, Abadessa e Irmã Maria Coleta. As outras duas, uma era de Termonde, Irmã Maria Felipa, vigária e de Ecklo, Irmã Maria Francisca. Elas foram as primeiras missionárias Colentinas a chegar no Sul do Brasil, com esse ideal cristão de vida contemplativa, marcado pela oração constante a Deus e pela missão evangélica de seguir o Cristo pobre sob a proteção de Maria.

99

Referência a diversos textos que são estudados pelas Irmãs do Mosteiro São Damião, mas não mencionam autor. 100 Carismas e Santos. Disponível em: < WWW.franciscanos.org.br > Acesso em 20.05.2010.


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Figura: 10 - Mosteiro de Bethlém, Gand, fundado por Santa Coleta em 1442: o primeiro mosteiro e o atual. Fonte: IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 166.

Madre Maria Josefa, primeira Abadessa do Mosteiro de São Damião, nasceu em 1912 e seu nome secular era Elvira Maria Emma de Voet. Seu pai participou e foi vítima da Primeira Guerra Mundial. Exerceu o magistério nas escolas públicas da Bélgica e participou da obra de Santo Antonio, dedicada a obras assistenciais e a orações pelos sacerdotes. Embora com a saúde frágil, deixou sua família e veio para o Rio Grande do Sul para dar início ao Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. Em 1965, posteriormente, iria se naturalizar brasileira. Podemos visualizar, logo abaixo, o Protocolo de autorização para a saída de Madre Maria Josefa e as outras três Irmãs, da Bélgica, com vistas a criação do novo mosteiro, no Brasil, de acordo com o documento de 1953.


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Figura 11- Protocolo nº 6175/53 com o nome das Irmãs fundadoras e sua procedência. Fonte: Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.

As Irmãs Fundadoras e sua procedência Irmã Maria Josefa, Abadessa Mosteiro de Bethlém, Gand, Bélgica Irmã Maria Coleta Mosteiro de Bethlém, Gand, Bélgica Irmã Maria Felipa Mosteiro de Termonde, Bélgica Irmã Maria Francisca Mosteiro de Ecklo, Bélgica

A vinda dessas Irmãs está ligada à difusão do ideal contemplativo de vida religiosa, como veremos no decorrer desse trabalho. Todas essas casas religiosas,


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das quais elas procederam, pertenciam a Federação Santa Clara-Coleta, na Bélgica, da qual a de Porto Alegre também ficou vinculada como “casa missionária”.101 A Bélgica ocupa, atualmente, uma área territorial de 30 519 km², onde vivem cerca de 10,6 milhões de habitantes. O país possui um elevado índice de industrialização e exerce um papel importante na União Européia. Sua economia é bastante diversificada, sendo que os setores que mais se destacam são: metalurgia, medicamentos, eletrônicos, têxtil, fabricação de vidros, chocolates, diamantes, móveis; na agricultura, a produção de frutas, como: uva, ameixa e morangos. No país são falados três idiomas: o neerlandês, o francês e o alemão.102

Figura 12 – Mapa da Bélgica. Fonte: Mapa da Bélgica. Disponível em: < HTTP://www.brasilescola.com//geografia > Acesso em: 12.02.2010.

As Irmãs fundadoras, portanto, partiram da cidade de Gand, uma das cidades mais ricas do norte da Bélgica, região histórica da Flandres e que pode ser facilmente localizada no mapa acima. 101

IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 158-159. 102 Bélgica. Disponível em: < HTTP://www.brasilescola.com//geografia > Acesso em: 12.02.2010.


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Muitas das fundações conventuais saídas da Bélgica, ao longo do tempo, acabaram por exercer funções ligadas à educação, em escolas ou orfanatos, mantendo apenas certo nível de vida contemplativa e clausura. Foi dessa maneira que puderam sobreviver. No entanto, a vida religiosa das Irmãs belgas era fundamentalmente contemplativa. No entanto, na realidade, as Clarissas Colentinas são uma Ordem contemplativa claustral, que vive profundamente a clausura, tendo uma vida de oração e separação das atividades do mundo secular, observando a Regra de Santa Clara ou a de Urbano IV, do século XIII. As Irmãs fazem os votos de castidade, obediência, clausura e pobreza. É oportuno esclarecer a existência de pelo menos uma diferença fundamental entre as duas propostas de vida religiosa. Conforme Padre Iriarte103, a Regra de Santa Clara, escrita por ela mesma e aprovada pela bula pontifícia de 1253, pelo papa Inocêncio IV, legitimava o privilégio da pobreza, ou seja, a exemplo de São Francisco, proibia posses pessoais e também em nome da comunidade religiosa, embora admitisse o necessário para a sobrevivência. Como já vimos, a referida Regra foi aprovada dois dias antes da sua morte. Essa luta por parte dela, para aprovação da Regra, porém, não beneficiou a toda Ordem. Dez anos mais tarde, em 1263, surgia a Regra de Urbano IV, decretando o nome de Ordem de Santa Clara para todo mosteiro considerado franciscano, permitindo-lhes as condições suficientes de subsistência. A Igreja, muitas vezes contrária aos rigorismos de pobreza das comunidades de Clara e Francisco, insistia em amenizar, inclusive, os capítulos da Regra que tratavam desse fator. As Clarissas Colentinas entendem que, no seio da Igreja, têm a missão de “ser a pulsação orante da vida eclesial”, dar solidez ao caminho da oração e contemplação. A clausura é para elas “o lugar da revelação de Deus”104, é onde Ele se manifesta: na experiência mística e contemplativa. Em Porto Alegre, o Mosteiro das Clarissas foi fundado, justamente, com esses propósitos e com essa forma de vida religiosa contemplativa. Esse aspecto foi importante para que elas aqui se fixassem. As palavras de Frei Celso Brancher, da Ordem dos Frades Menores e vigário coadjutor da paróquia de São Francisco, na época da fundação do mosteiro, esclarecem e justificam a presença dessas 103

IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 9. 104 Conforme textos fornecidos pelas Irmãs, onde não consta o autor ou autores dos mesmos.


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religiosas, que contaram com o apoio da Província Franciscana, para aqui se estabelecerem: A batalha pela salvação das almas é uma batalha espiritual, onde se faz mister empregar armas adequadas, as armas espirituais da oração e do sacrifício. É por isso que o Governo da nossa Província há tempo vem se 105 interessando pela fundação de conventos da II Ordem Franciscana.

Sobre a fundação e história do convento, temos então, o Livro de Crônicas ou Livro de Ouro do Mosteiro de São Damião,106 que relata os acontecimentos desde a preparação para a viagem ao Brasil, mencionando nas suas páginas iniciais, as religiosas que saíram de Gand e vieram para o Sul do país, justamente no ano do sétimo centenário da morte de Santa Clara. Assim, podemos novamente identificar os nomes e a procedência de cada irmã, através do registro no documento, logo após as figuras de apresentação do próprio livro e das páginas que abrem a nossa importante fonte documental. Chamamos a atenção para o cuidado e a delicadeza com que foram trabalhadas, manualmente, as primeiras páginas que anunciam as Crônicas. 107

Figura 13 - Capa do Livro de Crônicas (ou de Ouro) do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. Fonte: Mosteiro São Damião, foto da autora (2010).

BRANCHER. Frei Celso. As Clarissas em Porto Alegre. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis. Outubro e novembro de 1953, p.165. 106 O Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, representa os escritos desde os seus primeiros momentos, embora não conste a data inicial da sua redação. As primeiras crônicas, são traduções daquelas escritas pelas Irmãs fundadoras. 107 A pesquisa entendeu que seria mais adequado, ao invés de mostrar diretamente o documento citado, apresentar as páginas iniciais do Livro de Crônicas, onde se encontra o referido documento. 105


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Figura 14 - Primeira página do Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. Fonte: Mosteiro São Damião, foto da autora (2010)


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Figura 15 – Segunda página do Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. Fonte: Mosteiro São Damião, foto da autora (2010)


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Figura 16 - O nome das Irmãs fundadoras do novo Mosteiro e sua procedência. Fonte: Livro de Crônicas, Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.

A solenidade de despedida das Irmãs, caracterizou-se “por três fases diferentes”, conforme relatado nas Crônicas: a festa oficial de despedida, a 18 de junho de 1953; a despedida do Mosteiro de Gand, a 5 de julho do mesmo ano e o embarque no aeroporto de Shiphol, a 16 de julho. Conforme relato do próprio documento:


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Figura 17 -.As fases da despedida das Irmãs fundadoras, da Bélgica. Fonte: Livro de Crônicas do Mosteiro São Damião, em Porto Alegre

A saída das Irmãs fundadoras da Bélgica, contou com uma solenidade especial. Como despedida para essas religiosas, em 1953, a festa oficial realizou-se no Instituto de Belas Artes São Lucas, com os artistas do célebre “Quarteto Haydn” de Bruxelas. “A presidência desta solenidade eminentemente artística esteve a cargo de S. Excia A.E. De Schryver, Ministro de Estado da Bélgica108, que proferiu o discurso oficial, relativo à comemoração”,109 conforme a documentação do período. Além do Ministro, estavam presentes muitas outras personalidades de destaque, como o antigo vigário apostólico de Lulua, do Congo Belga, por exemplo, assim como diversos médicos e intelectuais. A solenidade ofereceu, ainda, a execução de grandes mestres como Vivaldi, Mozart e Schubert. Salienta-se, ainda, que o Ministro de Estado, Sr. A. E. De Schryver, em seu discurso oficial, destacou a importância da primeira fundação belga no “Brasil Meridional”, reforçando o mérito da criação de um novo São Damião, nos extremos do imenso Brasil, em Porto Alegre.

108 109

Grifo da pesquisa. Conforme Livro de Crônicas do Mosteiro.


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Figura: 18 – Parte do discurso oficial do Ministro de Estado da Bélgica, Sr. A.E.Schryver. Fonte: Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.

O ministro apresentou, ainda, aos presentes “uma imagem tocante do estado do Rio Grande do Sul, um estado 250 vezes maior do que a Bélgica110, mas onde é grande a falta de sacerdotes.” É oportuno observar, ainda, que um aspecto importante de sua vinda para o Brasil, foi a questão do “sacrifício” das Irmãs pela santificação dos sacerdotes. Sua oração e doação representam características fundamentais da missão da congregação que estamos estudando.

Figura 19 – Parte do discurso oficial do Ministro de Estado da Bélgica, Sr. A.E.Schryver. Fonte: Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. 110

Grifo da pesquisa.


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A despedida no Mosteiro de Gand foi realizada com o templo lotado de pessoas que queriam dar seu último adeus às missionárias: os representantes dos Frades Menores da Bélgica, abade dos beneditinos de Termonde, vários intelectuais e figuras conhecidas, em geral. A seguir, podemos visualizar as quatro Irmãs, quando ainda se encontravam na Bélgica, pouco antes de empreenderem sua viagem em missão para o Sul do país.

Figura 20 - As fundadoras do Mosteiro de São Damião: Madre Maria Josefa, Irmã Maria Felipa, Irmã Maria Francisca e Irmã Maria Coleta, em 16.07.53, na missa de despedida antes de sua partida para o Brasil. Fonte: Cópia da foto obtida em IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 167.

Na ocasião da cerimônia de despedida, ainda, o orador, Pe. Flavinus, guardião dos Frades Menores de Gand, procurou dar maiores esclarecimentos sobre a missão que estava se deslocando para o Brasil, explicando, inicialmente, que o significado da “partida é sempre penosa, mas dá a oportunidade de se retirar em seu interior e procurar primeiro o reino de Deus”.


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Podemos perceber, pelo documento a seguir, que essa despedida era anunciada não apenas num contexto fechado entre os religiosos da própria ordem, mas através do jornal local, num evento aberto a todos que desejassem participar da cerimônia.

Figura 21 - Convite para a despedida das Irmãs, de Gand. Fonte: Livro do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.

De acordo com a documentação, especialmente, por parte da Igreja, percebemos no discurso do religioso, os principais motivos para a vinda das Irmãs ao Brasil, compreendendo mais claramente, a importância, a necessidade e o valor que os mosteiros contemplativos representavam para a religiosidade católica. Para a Igreja, era importante uma instituição modelo de oração, penitência e contemplação. Segundo o orador dos Frades Menores, Padre Flavinus, na ocasião: À primeira vista parece paradoxal que uma ordem contemplativa vá às missões. E, contudo, sua iniciativa corresponde a uma grande necessidade: rezar e fazer penitência para implorar a clemência do céu: a conversão dos pecadores e dos pagãos e as múltiplas graças das quais o mundo tanto precisa. O Senhor não pede tanto o nosso trabalho, nossa ajuda material, mas sobretudo, o dom do coração, o nosso amor. As pobres Clarissas adoram o Pai em espírito e em verdade e elas o farão também no Brasil: desfazer-se de tudo o que é material e passageiro e viver no pequeno convento sem rendas, mas confiando na Divina Providência e na esmola caridosa das almas boas. Renunciando, com toda a simplicidade, à ciência profana, à liturgia solene das abadias, procurando somente o reino de


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Deus, elas cantarão e rogarão a Deus na humilde capela, implorando o céu pelos pecadores e reparando as ofensas feitas à Divina Majestade.

111

Esse rito de despedida sinaliza os novos caminhos das Irmãs, no Brasil. O rito está muito presente na Igreja Católica. Podemos encontrá-lo, por exemplo,

na

celebração eucarística, nas cerimônias relativas aos sacramentos e demais celebrações. A Ordem das Clarissas, especificamente, também tem seus ritos, ao integrar uma série de manifestações exteriores, com a finalidade de caracterizar uma determinada cerimônia religiosa, plena de significado espiritual. Assim, por exemplo, de acordo com os ritos do momento religioso que ali se processava, durante a cerimônia de despedida, ainda, na Bélgica, após a fala do orador, Pe. Flavinus, as Irmãs prostraram-se diante do altar, enquanto o Padre Provincial lia as suas credenciais. Cada missionária recebeu seu título. O Provincial, então, entregou as cruzes bentas a cada uma delas. Nova prostração, num momento particularmente solene da cerimônia. Canta-se, entre outros hinos, o “Ave Maris Stella”, o hino clássico da partida dos missionários. E segue o ritual até a benção final. No embarque, em Schiphol, “um cortejo de diversos automóveis trouxe as delegações integradas”. As delegações eram as próprias irmãs de Gand, Termonde e Ecklo, as famílias das religiosas, e demais representantes e diretores das ordens envolvidas. Depois de um tempo dedicado às preparações, onde não faltaram dificuldades com relação às formalidades a serem preenchidas para legalizar a partida, as Irmãs finalmente embarcaram num quadrimotor, o “Constellation”, da K.L.M. Era dia 16 de julho e às 12h, o avião partiu. Seguiam para Genebra, Lisboa, África e Recife até a chegada ao Galeão no Rio de Janeiro. As Irmãs relatam que não tiveram medo da viagem. Em diversos momentos, especialmente na descrição da viagem para o Brasil, percebemos uma linguagem sensível relatando a saída do continente europeu. Ainda na Europa, no entanto, quando o avião aproximou-se da cidade de Frankfurt, registram: “agora já podemos divisar grandes e lindas florestas e, bem ao fundo, a cidade com seus edifícios pequeninos, como num país de fadas”. Parte deste relato se encontra no documento abaixo.

111

Conforme o Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.


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Figura 22 – Cópia de uma página do Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião. Fonte: Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.

Conforme, ainda, o relato, após a chegada no Rio de Janeiro, às 7h, do dia seguinte, embarcam pela Varig para Porto Alegre. No aeroporto, na recepção das religiosas, entre outras pessoas, estão Monsenhor Pedro André Franck, Vigário Geral da Arquidiocese; D. Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre; Frei Celso Brancher, Vigário Coadjutor da paróquia de São Francisco de Assis; Dr. Rui Cirne Lima, patrono da nova comunidade de Clarissas Colentinas; as Sras. Nair Pinto, Araci Lima de Azevedo, Léo Fly e alunas do Colégio Bom Conselho. As irmãs, inicialmente, são hospedadas provisoriamente no colégio Bom Conselho. Como chegaram em 18 de julho, ainda festejaram no Brasil, parte do ano de Santa Clara, na Igreja São José, em Porto Alegre.


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Por parte da Igreja, a vinda das Irmãs têm, portanto, clara relação com a necessidade de difusão do catolicismo e das congregações religiosas femininas, reforçando o papel da Igreja num mundo caracterizado pela secularização e pelo enfraquecimento da espiritualidade. Além disso, evidentemente, operava-se, na época, o avanço dos movimentos políticos do comunismo, do socialismo e dos regimes que negavam a religião e a fé. Não era somente uma falta de congregações conventuais, mas também de sacerdotes. Conforme a Revista Eclesiástica,112 por exemplo, algumas dioceses não tinham operários evangélicos suficientes. A Itália e demais nações católicas da Europa, na época, mobilizavam-se e lançavam os olhos sobre um novo campo do apostolado: a América Latina. Demonstravam compaixão pela América do Sul devido a escassez de sacerdotes. Naquele período, dos 425.000.000 católicos do mundo inteiro, 148.000.000 eram da América Latina. Para os católicos do mundo inteiro, a Igreja dispunha de 360.000 sacerdotes; para a América Latina, apenas 29.000. Ou seja, 37% dos católicos eram servidos por apenas 8% dos sacerdotes. R. P. Hermann Fischer, fornece alguns dados interessantes, comentados na mesma Revista, mostrando que na França, existiam 48.151 sacerdotes para 35 milhões de habitantes, ou seja, um por 727; na Espanha um sacerdote por 945 habitantes; na Itália, um por 804; em Portugal, um por 2000; na Bélgica, um por 569113, na Holanda um por 694, na Áustria, um por 1.057; na Irlanda, um por 607; na Inglaterra, um por 398 católicos e 6.656 não-católicos; na Alemanha, um por 945 católicos e 1.184 não-católicos. No Brasil, havia um sacerdote por 6.667 católicos,114 na Argentina, um por 4.174; na Colômbia, um por 2.711; no México, um por 4.929; no Canadá, um por 479 católicos e 701 não-católicos; nos Estados Unidos, um por 602 católicos e 2.792 não-católicos, etc. Chama, ainda, a atenção para a Europa, onde há dioceses com a porcentagem de um sacerdote para 295 ou até 180 católicos. Segundo Frei Guilherme Baraúna, que assina o artigo: 115

A pequena Bélgica dispõe de uma rede ferroviária de 5.050 km, que cobre todo o país. A Argentina, um dos países sul-americanos mais bem servidos em estradas de ferro, conta com uma rede de 42.889 km. Mas, que representam esses 43.000 km (8 vezes mais do que a Bélgica) para uma 112

BARAÚNA, Frei Guilherme OFM. O Problema da falta de Sacerdotes na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, Rio de Janeiro, v.XIII, 1953, p.667-669. 113 Grifo da pesquisa. 114 Grifo da pesquisa. 115 Grifo da pesquisa.


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extensão que é quase 100 vezes a da Bélgica? Enquanto que nesta um sacerdote tem ordinariamente o cuidado sobre uma área de 2 km2, na América do Sul é comum, falar de 724 km2. Diante disso, como pode causar estranheza o que nos contam os padres do sertão brasileiro: que certos fiéis, ao receberem sua visita, não podem conter esta exclamação: 116 “Ah, quantos anos faz que não temos a visita de um padre!”

A necessidade de padres para o Brasil, sem falar das ordens religiosas, pelos cálculos efetuados, levaria uns trinta ou quarenta anos para ser suprida, sem considerar, ainda, o avanço em larga escala do protestantismo, e de outros movimentos religiosos e políticos, por exemplo. De acordo com esses motivos, a vinda das Irmãs para o Brasil, contempla a necessidade de expansão do catolicismo, contribuindo em direção a um equilíbrio de representações religiosas e espirituais, entre um país que podia ceder, como a Bélgica, no caso, e outro que necessitava receber, o Brasil.

Neste momento, a Igreja procurava aumentar as vocações

religiosas femininas. Podemos citar como exemplo, também, a fala do Papa Pio XII, em setembro de 1952, ao dirigir-se às Superioras Gerais de Ordens e Congregações Femininas, reunidas e organizadas em Congresso, na cidade de Roma. Na ocasião, Pio XII se refere ao baixo número de vocações nas Ordens Femininas e, embora reconhecendo que a crise ainda não tenha atingido todos os países, demonstra inquietação por essa carência de vocações. 117 Conforme o Papa: Temos um motivo muito especial para vos falar assim. Sabeis que as ordens femininas atravessam uma crise bastante grave: referimo-Nos ao baixo número de vocações. É verdade que esta crise não atingiu ainda todos os países. Também não é igual a sua intensidade, em todos os lugares em que se nota. Mas já se torna inquietante numa série de países 118 europeus.

Ressalta, ainda, que “os sacerdotes ou leigos, pregadores, oradores ou escritores, já não se pronunciam a favor da virgindade119 dedicada a Cristo.” Exortam o casamento como preferido à virgindade e chegam mesmo a apresentá-lo como o único meio capaz de garantir à personalidade humana seu desenvolvimento

116

BARAÚNA, Frei Guilherme OFM. O Problema da falta de Sacerdotes na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, Rio de Janeiro, v.XIII, 1953, p.668. 117 O SANTO Padre às religiosas. UNITAS, Boletim da Arquidiocese de Porto Alegre. Porto Alegre: mar-jun,1953, p. 16-19. 118 O SANTO Padre às religiosas. UNITAS, Boletim da Arquidiocese de Porto Alegre. Porto Alegre: mar-jun,1953, p. 17. 119 Grifo da pesquisa.


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e perfeição naturais. “São culpados desse fato: quando hoje se fazem pedidos de religiosas católicas, a Igreja é forçada a dar uma resposta negativa.” O Papa exorta ainda, o afeto materno que deve ser dirigido pela religiosa a todas as suas Irmãs, e o reconhecimento para com as Superioras, que tornam possível uma formação de igualdade entre todas essas religiosas. Agradece as orações de que tanto a Igreja tem necessidade. Enquanto isso, no início dos anos 50, na Arquidiocese de Porto Alegre, no dia das Vocações Religiosas Femininas, D. Vicente Scherer, Arcebispo da cidade, também atuava na defesa dessas vocações, salientando que além de cumprir os mandamentos da fé, existiam ainda os três votos essenciais e perpétuos de pobreza, castidade e obediência. Embora não afirme que quem vive no estado religioso seja mais perfeito e santo que os fiéis, reconhece que o estado religioso é mais perfeito que o estado matrimonial, porque oferece meios e condições especiais que facilitam a ascensão espiritual e a intimidade com Deus. D. Vicente reconhece as esposas místicas de Jesus, cujo hábito religioso e o véu que recebem, também é um vestido nupcial. Por amor de Cristo, a religiosa renuncia aos amores terrenos e as alegrias do mundo. Ela o vê. “Ele desvendou diante delas toda a sua beleza, em inspirações internas, em horas de profunda meditação, de piedosas instruções e de edificantes leituras feitas”. A seguir, fala, também, sobre o número insuficiente de religiosas. São muitas as instituições que esperam, muitas delas, por anos, pela vinda das Irmãs. O tempo de formação e de estudos das religiosas também é longo. Diz que a presença das religiosas é uma benção para o lugar onde se instalam, pois “sua presença é um silêncio e constante protesto contra a cobiça dos bens terrenos e a sede de prazeres”. Nas palavras de D. Vicente Scherer: Muitas são as casas religiosas existentes nesta arquidiocese. Numerosos lugares, porém, esperam ansiosamente pela vinda de Irmãs, insistentes são os pedidos que párocos, autoridades e entidades diversas dirigem a mim ou 120 diretamente às superioras provinciais. Instituições há que esperam anos.

Diante das palavras do Arcebispo, podemos dizer que a Arquidiocese de Porto Alegre, também tinha interesse na vinda das Irmãs Clarissas Colentinas. De fato, a Revista Eclesiástica, ao comentar o VII centenário de Santa Clara, salienta a 120

A VOCAÇÃO Religiosa Feminina. UNITAS, Boletim da Arquidiocese de Porto Alegre. Porto Alegre: mar-jun,1953, p. 214.


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inauguração do Mosteiro nos “pampas gaúchos,” e a inauguração por D. Vicente Scherer. No Rio Grande do Sul as solenidades estão dirigidas para a inauguração, pelo Exmo. Sr. Arcebispo Metropolitano, do mosteiro que abrigará as filhas de Santa Clara, que vieram de Gand (Bélgica) para os pampas gaúchos. 121 Com este sobem a 4 o número dos mosteiros clarianos no Brasil.

Percebemos, portanto, na fala do Papa Pio XII e na fala do Arcebispo, D. Vicente Scherer, uma chamada às vocações femininas e uma proposta para um casamento diferente e “mais perfeito”: o casamento com Cristo. Importante evidenciar as palavras de D. Vicente, também, quando ressalta o modelo das Irmãs como se contrapondo ao modelo de cobiça e prazer valorizados por uma grande parte da sociedade laica. O Arcebispo mostra-se, portanto, preocupado com a falta das vocações religiosas, com a desagregação dos valores espirituais e com o avanço do comunismo, em geral. Neste aspecto, D. Vicente favoreceu o desenvolvimento das congregações religiosas, apoiando a construção do Mosteiro das Clarissas Colentinas, em Porto Alegre. 3.2 A Construção do Mosteiro Diferentemente do que possa parecer, a construção do Mosteiro de São Damião, a partir do início dos anos 50, foi um projeto lento, se levarmos em consideração, que ao final da década de 60, período estabelecido para o encerramento dos nossos estudos, a casa religiosa ainda estava incompleta, embora já com os traços fundamentais que compunham o projeto do Mosteiro. É importante verificar, também, como o Livro de Crônicas, chama a atenção para a circunstância do Mosteiro, mostrando que a “Primeira Missão belga no Brasil Meridional”, se deu, justamente, no ano 700 da morte de Santa Clara, e para o significado do nome dado ao novo convento em Porto Alegre: São Damião. É o mesmo nome da primeira igreja restaurada por São Francisco, em Assis, onde Jesus, no crucifixo, falou com ele. É também o local onde Clara e suas primeiras seguidoras foram se enclausurar. O novo Mosteiro continuava, portanto, o espírito franciscano ao longo do tempo. Assim, começa então, o Livro de Crônicas, salientando a importância da missão religiosa para o “Brasil Meridional.”

121

VII CENTENÁRIO de Santa Clara. Revista Eclesiástica Brasileira, Rio de Janeiro, v.XIII, 1953, p. 771.


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Figura 23 - Início das Crônicas do Mosteiro de São Damião. Fonte: Livro de Crônicas, Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.

Na realidade, havia uma intenção de trazer a congregação das Clarissas para o estado do Rio Grande do Sul, embora a idéia inicial estivesse voltada para o município de Não-me-Toque. Depois, foi pensado que o ideal seria sua fundação numa cidade maior. Conforme Frei Celso Brancher: Já de alguns anos para cá pensou-se na fundação de um mosteiro de Clarissas no Rio Grande do Sul. Muito interessado sempre foi o Revmo Pe. Frei Olímpio, que incumbido pelo Vem. Definitório, procurou levar a efeito tal fundação; pensou-se concretizar este sonho em Não-me-Toque. Com o tempo porém mudou-se de parecer, achando-se que tal empreendimento somente seria viável numa cidade importante, preferivelmente na Capital do Estado. Recebi ordens de diligenciar em Porto Alegre, para que a fundação 122 aqui se fizesse.

Frei Celso Brancher, portanto, trabalhava nos acertos para a fundação, procurando contatar, através do Provincial, com os conventos da Holanda e da Itália, mas foi na Bélgica, em Gand, que encontrou sua resposta. Enquanto isso, uma casa, no valor de 400 mil cruzeiros aproximadamente, foi doada para sediar o Mosteiro. A doadora chamava-se Zelina Froes Beck, conforme relata o Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião.

122

AS CLARISSAS em Porto Alegre. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz no Brasil. Divinópolis: out-nov 1953, p. 165.


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A doação, porém, apresentou um grande problema: a casa não “se prestava para convento”.123 Frei Celso tentou vendê-la, mas não conseguiu. D. Zelina, então, acabou com o problema, fazendo a seguinte proposta: em lugar da casa, daria 300 mil cruzeiros em dinheiro. Aceita a proposta, em seguida foi adquirido um prédio na Paróquia de São Francisco, em Porto Alegre, que depois de algumas reformas, se mostrou em condições de receber as religiosas belgas. A casa com terreno (36 por 47m.) custou Cr$ 700.000,00, conforme relata Frei Celso. Foi dada uma entrada de 400 mil cruzeiros, pagos parcialmente com dinheiro emprestado. A reforma da casa saiu por 80 mil cruzeiros. Assim, os freis ficaram com meio milhão de dívida. 124 Quando as Irmãs chegaram e ficaram hospedadas no Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, de religiosas franciscanas, puderam acompanhar, ainda, a adaptação do prédio que lhes serviria de mosteiro. Dessa maneira, transcrevemos parte da documentação que relata o acompanhamento da obra, pela Madre Abadessa Maria Josefa e pela vigária Irmã Maria Coleta.

gura 24 - Acompanhamento de Madre e da vigária às obras do futuro Mosteiro. Fonte: Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião em Porto Alegre.

i

A cerimônia de inauguração oficial do Mosteiro, nessa casa antiga e reformada, deu-se em 30 de agosto de 1953, às 9h e foi presidida pelo então

123

Conforme o Livro de Crônicas do Mosteiro. BRANCHER. Frei Celso. As Clarissas em Porto Alegre. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis: out-nov.1953, p.165-168.

124


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arcebispo Metropolitano, Dom Vicente Scherer125. Quando a missa começou, as dependências da casa estavam lotadas e havia gente até nas celas. Durante todo o dia, as pessoas faziam fila para visitar o convento por dentro e por fora da clausura, algo que não era esperado. As Irmãs tiveram que ficar fora da casa, no jardim. A cerimônia de encerramento foi às 17h pelo vigário da Arquidiocese de Porto Alegre, Monsenhor Pedro André Franck.126 As Irmãs descrevem o acontecimento da inauguração, cerimônia realizada no mesmo local onde funciona a casa religiosa até hoje, como podemos ver pelo registro do endereço no documento abaixo.

Figura 25 - Inauguração do Mosteiro São Damião, em Porto Alegre. Fonte: Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. 125

Dom Vicente nasceu em 1903, em Bom Princípio, RS. Entrou menino para o seminário e teve sua formação com os padres da Companhia de Jesus; doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana. Aos 43 anos foi eleito para assumir a Arquidiocese de Porto Alegre, sucedendo a Dom João Becker. Seu trabalho foi reconhecido, inclusive, pelo Papa João Paulo VI, que por seus méritos pessoais lhe concedeu a dignidade cardinalícia, em 1969. Dirigiu a Santa Casa de Misericórdia, tirando-a da falência. Evangelizou, entre outras manifestações, pela “Voz do Pastor”, com alocuções no rádio e no jornal. página 7-8. MOESCH, Eduardo Pretto. Dom Vicente Scherer: a voz de um pastor. Porto Alegre: Padre Reus, 2007. 126 BRANCHER. Frei Celso. As Clarissas em Porto Alegre. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis: out-nov.1953.


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O Mosteiro de São Damião, ficou sob a jurisdição dos Frades Menores127 e inicialmente pertenceu a Província Santa Cruz, Minas Gerais, sendo que mais tarde passou a de São Francisco de Assis, instalada em 1966. Ainda sobre a inauguração do Mosteiro, no Correio do Povo128, encontramos referência ao “Convento das Irmãs Clarissas Colentinas”129, comentando que estaria aberto para “visitação pública ao longo do dia, onde os católicos poderão estabelecer contato com aquelas religiosas”, mas que, “em harmonia com as severíssimas regras

aceitas voluntariamente por elas, permanecerão ali para

sempre, numa renúncia completa e integral ao mundo que fica para além do Mosteiro”. A matéria também anunciava detalhes da inauguração, como se pode ver através da seguinte transcrição do jornal, salientando a realização da primeira missa da Capela, por D. Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre, na época. A coletividade católica porto-alegrense viverá amanhã um episódio dos mais expressivos com a inauguração do primeiro convento das Irmãs Clarissas Colentinas, a ser instalado no Sul do Brasil. Funcionará em grande prédio, localizado nesta cidade, à rua Vicente da Fontoura, esquina da Plácido de Castro. A cerimônia inaugural, que se revestirá de singular solenidade, será presidida pelo arcebispo metropolitano, d. Vicente Scherer, que às 9 horas, rezará a primeira missa, a ser celebrada na Capela do novo Mosteiro. Durante todo o dia, este estará franqueado à visitação pública, durante a qual os católicos poderão estabelecer contato com aquelas 130 religiosas.

Por coincidência, outro fato que pode revelar uma proximidade do Brasil com a Bélgica, está na comemoração da “Data Nacional da Bélgica”, país de origem das Irmãs fundadoras, em Porto Alegre, “por iniciativa do Cônsul René Schuster. A matéria fala da missa rezada em ação de graças pelo rei Baudoin I e a Nação Belga, no Altar-Mor da Catedral Metropolitana”. Interessante observar que a comemoração se deu no dia 21 de julho, três dias após a chegada das Irmãs. A mesma matéria, 127

Segundo o próprio site do Mosterio São Damião, as irmãs sempre receberam valiosa assistência dos Frades Menores, seja no plano material, pelo empenho e atividade desenvolvidos em favor da fundação do Mosteiro, instalação na Comunidade, aquisição do prédio, seu planejamento e construção; seja no plano espiritual, pelo desempenho fraternal das diferentes funções de Capelães, conferencistas, confessores, pregadores de retiro, professores de canto gregoriano, liturgia, filosofia, teologia, franciscanismo e outras disciplinas apropriadas à cultura das irmãs. Mosteiro São Damião.Disponível em: < http://www.clarissas.com.br > Acesso em: 12.04.2009. 128 SERA inaugurado amanhã o convento das Irmãs Clarissas Coletoras. Correio do Povo. Porto Alegre, 29.ago.1953, p. 8. 129 SERA inaugurado amanhã o convento das Irmãs Clarissas Coletoras. Correio do Povo. Porto Alegre, 29.ago.1953, p. 8 130 SERA inaugurado amanhã o convento das Irmãs Clarissas Coletoras. Correio do Povo. Porto Alegre, 29.ago.1953, p. 8.


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ainda, salientava a importância do Estado Independente do Congo ter sido legado à Bélgica pelo Rei Leopoldo II, ou seja, se tornado colônia belga desde então. Três anos depois, ou seja, em 1956, ainda no Correio, aparece nota referente a benção da pedra fundamental da Capela, “cuja padroeira

será Santa Clara,

fundadora daquela Ordem”. Acrescenta que as obras foram iniciadas e os alicerces estariam quase prontos, devido a “generosidade de católicos da Bélgica, que dali enviaram donativos.” 131 Neste momento de inauguração oficial, um dos aspectos mais tocantes, porém, foi o ato de enclausuramento. Conforme Frei Celso, “Dada a benção com o Santíssimo e feita a benção do convento com o Vigário Geral da Arquidiocese, Mons. Pedro André Franck, todo o povo saiu do convento.”

132

Durante o ritual de

clausura, portanto, houve muita emoção, especialmente no momento em que na porta do convento, as Irmãs “joviais e sorridentes” acenavam “num gesto de despedida ao mundo do qual se apartavam para sempre entre as paredes daquela casa.”

133

Não é difícil perceber, nas palavras das próprias religiosas, a emoção que

tomou conta, na cerimônia de clausura das Irmãs.

Figura 26 - A cerimônia de Clausura. Fonte: Livro de Crônicas. Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. 131

CAPELA Santa Clara. Correio do Povo. Porto Alegre, 23 dez.1956, p. 9. BRANCHER. Frei Celso. As Clarissas em Porto Alegre. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis: out-nov.1953, p 165-167. 133 Conforme o Livro de Crônicas do Mosteiro. 132


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Nota-se um sentimento muito parecido na reportagem do Correio do Povo, de 29 de agosto de 1953, onde se fala dessa porta que se fecha, separando e guardando para sempre as Irmãs do lado de dentro do Mosteiro, em oposição ao mundo externo. A separação do mundo secular é aspecto importante da vida religiosa contemplativa. Isso parece causar alguma espécie de curiosidade e inquietação, até mesmo pelo mistério que representa. Mas, são as próprias Irmãs que falam sobre a Igreja e o mistério da clausura: Entretanto, o ato final: a candidata já revestida de religiosa, ajoelhada atrás da grade, com o Cristo Crucificado nos braços, enquanto, lentamente, se fecha atrás dela a pesada porta que a separará do mundo, constitui o “ponto alto” do programa! Mistérios? Que mistérios se ocultam atrás das grades de um mosteiro? [...] Essa indagação de muitos parece ser, também, um pouquinho a de nossos Irmãos Franciscanos quando nos pedem notícias de nossa vida. [...] Eles sabem, porém, que a vida na clausura é, verdadeiramente, um mistério, ou melhor, o fruto, a conseqüência de um 134 mistério, de um belo dogma da Igreja Católica: a Comunhão dos Santos.

As Crônicas também espelham os sentimentos da comunidade, pela congregação recém instalada. As Irmãs enclausuradas, contavam com o serviço de uma senhora católica voluntária para auxiliar nas tarefas externas da instituição. Em 30 de agosto de 1954, primeiro aniversário do Mosteiro, o texto registra uma lembrança do ocorrido no dia seguinte a essa fundação, quando a senhora que auxiliava nos trabalhos externos da casa, foi passar a noite com o filho. O fato demonstra, além do carinho da comunidade pelas religiosas, que a sociedade, em geral, tinha um desconhecimento da nova rotina religiosa que ali estava apenas começando. Conforme as irmãs relatam, no Livro de Crônicas: No dia seguinte ao da fundação, tendo ido pousar com o filho a senhora viúva D. Setembrina Furtado, dedicada auxiliar dos trabalhos externos do convento, ficaram as irmãs sozinhas. Ao entardecer, quando a Irmã sacristã tocou o sino para o “Angelus”, e recitação das completas acendiram ao convento várias pessoas da vizinhança; e uma delas, chamando: -“ Irmã!...Irmã”!.. E de dentro a Madre Abadessa, procurando formar algumas frases em português: - “Não temos chave!... O que a senhora quer!” E de fora: - “Irmã, falta alguma coisa?” A Madre: - “Por que a senhora pergunta?!” E os de fora: - “Por que as senhoras tocaram o sino!... Falta alguma coisa?” 135 - “É para rezar o breviário. Não precisamos de nada! Muito obrigada!”

134

DO MOSTEIRO de São Damião. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis: nº 5, ano XXIX, 1964. 135 Conforme o Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.


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Conforme Frei Celso, depois de toda aquela comemoração inicial de inauguração, a vida das Clarissas seguiu seu ritmo normal. Embora, realizados os votos de pobreza, norma que caracteriza as Clarissas Colentinas, muitos doadores contribuíram para o sustento do mosteiro, promovendo, inclusive a abundância de doações. As contribuições se dão pelo entusiasmo da comunidade porto-alegrense, em receber a nova congregação religiosa. De acordo com Frei Celso, tinham abundância em tudo, nem sabiam o que fazer com aquilo que ganhavam, a ponto de ser organizado “O Quilo das Clarissas”, pois as famílias se comprometiam a dar por mês um quilo disso ou daquilo, e, por um algum tempo, o entusiasmo persistia. Esse sucesso inicial se deve, em primeiro lugar, às próprias Clarissas, que eram a melhor propaganda da Ordem. Em segundo, a diversos artigos nos jornais e às duas rádios mais poderosas que oportunizaram a fala do Frei Celso Brancher, a Rádio Gaúcha e a Rádio Farroupilha. O Cônego Luis de Nadal, inclusive, havia falado três dias consecutivos sobre as Clarissas, na hora da Ave-Maria, na Farroupilha. Também ele, Frei Celso, havia falado e feito apologia da vida que levavam as religiosas, contra a qual tantos preconceitos existiam.136 Nesse momento, exaltava-se o extremo rigor, a abnegação e a imolação do modo de vida religioso da Ordem das Clarissas Colentinas. As Clarissas Colentinas são uma das Ordens mais rigorosas. As Irmãs andam descalças; observam abstinência e jejum perpétuos; levantam-se todas as noites à meia-noite até às duas horas da madrugada, e às cinco da manhã já estão novamente na capela, etc. O que é muito confortador para nós sacerdotes é que as Irmãs Clarissas se comprometem a imolar-se pelos 137 sacerdotes, em particular pelos da Primeira Ordem Franciscana.

Enquanto isso, as Crônicas do Mosteiro continuam seus relatos do dia-a-dia das Irmãs, assinalando, ainda, no decorrer de 1953, a chegada de mais duas religiosas brasileiras, constando a comunidade, então, de seis religiosas, embora uma das fundadoras, Irmã Francisca, por motivo de saúde, tivesse voltado para seu mosteiro de origem, na Bélgica. Frei Celso Brancher, em viagem a Europa, na época, porém, regressou, com mais duas religiosas belgas para a instituição. As Irmãs informam, também, que foram os padres Capuchinhos que rezaram as primeiras missas na Capela, ao mesmo tempo em que relatam, com pesar, em 136

BRANCHER. Frei Celso. As Clarissas em Porto Alegre. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis. Outubro e novembro de 1953. p.168. 137 BRANCHER. Frei Celso. As Clarissas em Porto Alegre. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis. Outubro e novembro de 1953. P. 168.


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dezembro de 1954, a hospitalização no São Francisco, no pavilhão São José, da Madre Abadessa Maria Josefa, que por precaução chegou a receber os “santos óleos”, embora durante o período no hospital, tenha ido passar algumas festas no convento, regressando, em seguida, para o seu leito no pavilhão São José. Durante esse mesmo ano, ainda, no mês de janeiro, além de receberem a primeira postulante brasileira, as Irmãs comemoravam as bodas de prata do sacristão, Dr. Redagásio Taborda, cerimônia que teve a presença do Arcebispo D. Vicente Scherer. Segundo as Irmãs: A 6 de janeiro entrou a primeira candidata brasileira, como postulante. A 31 de janeiro, festejou bodas de prata, o nosso virtuoso e dedicado sacristão, Dr. Redagásio Taborda. Para abrilhantar a festividade deste casal-modelo, Sua Excia.Revma. D. Vicente Scherer veio celebrar em nossa Capela. Após a celebração do Santo Sacrifício, entrou S.Excia. na clausura, em visita 138 paternal à nossa pequena comunidade.

Enquanto isso, a construção do mosteiro definitivo continuava em andamento. Foi durante esse início de construção que aconteceu um fato que ficou conhecido como a “História das Pedras, onde um vigarista que se fazia passar por proprietário do negócio, embolsou 3.000 cruzeiros e, “adeus pedras”. Frei Celso Brancher relata o fato, na revista Santa Cruz, com o título um tanto macabro de “Dormindo com os ladrões...” 139 Conforme os escritos de Frei Celso, que relata a compra dos materiais para a construção do Mosteiro, conta que um homem tocou a campainha na hora do jantar, no final do ano de 1955. Chegou com uma história sobre um “filhinho” desenganado pelos médicos e que fora salvo milagrosamente por São Francisco. O homem se dizia proprietário de uma olaria entre São Leopoldo e Novo Hamburgo, e que prometera uma fornada de tijolos à igreja de São Francisco em ação de graças pelo pedido alcançado. O Frei que havia aberto a porta para o homem e que não era Frei Celso, exultou. Esse frei exultante, logo apresentou o livro de benfeitores ao homem, que escreveu na primeira página: “Faço doação à igreja de São Francisco de uma fornada de tijolos constante de 60.000 tijolos e mais Cr$ 13.500,00 para o transporte. Ass. Francisco Augusto de Carvalho”.

RELATÓRIO do Mosteiro de São Damião. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis: mar, 1955, p. 42. 139 BRANCHER. Frei Celso. As Clarissas em Porto Alegre. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis: mar.1956, p. 24-26. 138


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Os freis, então, convidaram o novo benfeitor para jantar. Além de jantar, tomou um bom vinho comprado especialmente para ele, para comemorar a boa ação. Foi durante a conversa, enquanto comiam, que ficou sabendo, ainda, que os freis procuravam pedras de alicerce para a capela das Irmãs Clarissas. Resultado: Frei Celso acabou encomendando três mil pedras e o frei que havia aberto a porta para o homem, mais quinhentas para a casa paroquial dos franciscanos. Mas, apesar da conversa animada, para outro Frei, que também estava presente no jantar, tratava-se, com certeza, de um grande vigarista. Quando as primeiras quinhentas pedras chegaram realmente ao Mosteiro de São Damião, as dúvidas foram desfeitas. O homem passou mais uma noite com os freis, rezou o terço, foi a missa, tudo certo. No outro dia, porém, o homem pediu uma boa quantia como adiantamento pelas pedras. Levou o dinheiro e sumiu. As pedras, por conseguinte, também nunca mais apareceram. Acabaram por descobrir o nome verdadeiro do “benfeitor” nos arquivos da polícia: Lucio Pierro, um dos mais perigosos criminosos da cidade e que tinha causado prejuízo de mais de um milhão em Porto Alegre com suas trapaças. Assaltava diversas igrejas inventando em cada uma, as histórias mais interessantes. A construção, porém, não parou apesar da “História das Pedras”. Seguiu em andamento, tendo como engenheiro construtor o Dr. João Walter Dischinger e a planta realizada pelos arquitetos Professor Frederico Michel Muller e Urbanista Doris Maria Muller. A construção começou pela parte destinada às auxiliares externas e andar térreo da clausura: refeitório, cozinha, noviciato, sala do capítulo; sobre os últimos, o coro das Irmãs e o cenáculo. Em 30 de agosto de 1956, terceiro aniversário da fundação do Mosteiro, quando aconteceu o primeiro capítulo para a eleição da Abadessa e suas discretas. A presidência esteve por conta do ex-Provincial Frei Serafim Lunter, “custos” da Província e delegado do Provincial, na época, Frei Jerônimo Jansen. Foram escrutinadores os Freis Celso Brancher e Lino Kunz. Foram eleitas: Abadessa, Irmã Maria Josefa; Vigária, Irmã Maria Pacífica; Discreta, Irmã Maria Filipa. É interessante observar que na ata do lançamento da pedra angular da nova capela, as Irmãs registraram, inclusive, o nome das autoridades dos poderes constituídos e as pessoas mais próximas e importantes que ajudaram a construir o mosteiro, o que também facilita a identificação histórica do momento e dessas pessoas. Conforme está registrado no Livro de Crônicas:


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Às 10 horas do dia 23 de dezembro de 1956, sendo pontifície gloriosamente reinante Sua Santidade o Papa Pio XII, Núncio Apostólico, Sua Excia Revma Dom Armando Lombardi, Arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, Presidente da República, Sr. Juscelino Kubitschek, Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Sr. Ildo Meneghetti, prefeito de Porto Alegre, Sr. Leonel de Moura Brizola, Abadessa do Mosteiro São Damião, Irmã Maria Josefa de Voet, Capelão do Mosteiro Revmo Pe Frei Celso Brancher, ofm, Patrono do Mosteiro, Dr. Ruy Cirne Lima, Médico do Mosteiro, Dr. Ruby Medeiros, paraninfos deste ato, Sr.Antonio A. Pinheiro Eiardullo e Sra. D. Barbara Vasques Eiardullo, Sr. Serafim Dornelles Vargas e Sra. D. Iona(?)Surreaux Vargas representados, por D. Dinah So...A solenidade foi presidida por sua Excia Revma Dom Edmundo Luiz Kunz, D.D. Bispo Auxiliar de P.Alegre. Desta solenidade lavrou-se esta ata, a qual, assinada pelos presentes, fica depositada juntamente com o “Jornal do Dia” e 140 moedas da República.

Em 1959, a Semana Santa foi celebrada na Capela nova, já com acabamento interior e exterior e os vitrais, também, já esboçados. Em maio do mesmo ano, iniciou-se a escavação e colocação dos alicerces da segunda parte do futuro Mosteiro, encostada à parede sul da Capela, onde constariam vinte celas da sala abacial, a biblioteca, a enfermaria e a lavanderia. Tudo construído no mesmo piso do coro das Irmãs. À frente, no alinhamento da rua deveria aparecer o hall com a capelinha de Santa Coleta e os parlatórios. A construção do prédio foi difícil. Continuando os relatos, as Irmãs contam como um temporal derrubou grande parte da cerca viva que limitava a clausura, no começo de 1960, havendo, então, a substituição pelo muro definitivo. Em 1959, porém, houve o segundo Capítulo para eleição da Madre Abadessa e suas discretas, sendo reeleita Madre Maria Josefa. Em 1961, foi iniciada mais uma ala de celas na parte sul do claustro, pois havia uma candidata esperando por falta de acomodação. Logo após, então, desde a Páscoa de 1962, prontas as celas e a galeria aberta do claustro, foi também improvisado um parlatório, permitindo que todo o Mosteiro funcionasse na nova construção. Em 1963, o Mosteiro de São Damião viveu um momento importante, com o décimo aniversário da Fundação e as celebrações dos vinte e cinco anos de vida consagrada de sua Fundadora e Abadessa, Madre Maria Josefa de Voet. Conforme relato das Irmãs, viveram “o grande acontecimento: 10º Aniversário da Fundação do Mosteiro e 25 anos de Profissão Religiosa de sua Fundadora e Abadessa, Revma.

140

Conforme o Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre.


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Madre Maria Josefa de Voet.”

141

A cerimônia contou com a participação de D.

Vicente Scherer, Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre. Durante todo o tempo, as crônicas relatam as visitas que as Irmãs recebem de religiosas e religiosos, os estudos que realizam entre si, as palestras e apresentações que se sucedem, a realização de várias festas religiosas comemoradas com a participação do público externo, a recepção de novas Irmãs que chegam para fazer parte da casa, bem como outras que acabam indo para outros mosteiros, até por questões de saúde. Os relatos comprovam, por fim, que a construção do Mosteiro não foi realizada num breve espaço de tempo. Isso fica evidenciado pela declaração das Irmãs, no Livro de Crônicas, o documento que norteou grande parte da nossa pesquisa sobre a fundação e construção do Mosteiro, conforme figura a seguir.

Figura 27 - A construção do Mosteiro ainda não está completa. Fonte: Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião em Porto Alegre.

DO MOSTEIRO de São Damião. Revista da Província Franciscana da Santa Cruz, no Brasil. Divinópolis: nº 5, ano XXIX, 1964, p.115. 141


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Logo abaixo, as Irmãs do Mosteiro de São Damião, em janeiro de 1977, incluindo a Madre Abadessa Maria Josefa.

Figura 28 - Madre Abadessa Maria Josefa e Irmãs do Mosteiro em 07.01.1977. Fonte: IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978.

Figura 29 - Madre Abadessa Maria Josefa no parlatório do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre. Fonte: IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 166.


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3.3 Letra e Espírito: a Regra e o Modo de Vida das Clarissas Para facilitar a compreensão da Regra adotada pela comunidade de Clarissas do Mosteiro São Damião, as religiosas recomendaram e presentearam esta pesquisa com o livro do Padre Iriarte.142 Segundo, elas, ali se encontra o modo de vida que a casa religiosa utiliza para seus estudos, esclarecimentos, e forma de vida. Ao longo desse capítulo, portanto, adotaremos como referencial principal para nosso conteúdo, a obra indicada, embora baseados, também, em alguns outros autores e documentos. Com relação ao livro ofertado pelas Irmãs, encontramos, inclusive, no Boletim de Comunicações da Província de São Francisco, de agosto/setembro de 1978, o registro do lançamento da obra. O artigo é assinado pela Irmã Maria Coleta, do Mosteiro de São Damião, em 30 de agosto do mesmo ano do Boletim, conforme transcrição abaixo. Complementando as comemorações jubilares, em 4 de outubro será celebrada a festa do Pai e Fundador São Francisco de Assis. D.Edmundo Kunz, acompanhado por diversos sacerdotes, oficiará o Santo sacrifício, enquanto o coral da paróquia St. Antonio do Pão dos Pobres assumirá os cantos. Nesta ocasião haverá o lançamento do livro “LETRA E ESPÍRITO DA REGRA DE SANTA CLARA”, escrito por Frei Lázaro Iriarte, assistente internacional das Irmãs Clarissas Capuchinhas, que muito em breve, 143 estabelecerão um mosteiro em Caxias do Sul.

Segundo Padre Iriarte, com o nome de “enclausuradas”, as damianitas foram assim conhecidas desde o princípio. Não se pode falar de uma legislação geral sobre clausura até fins do século XIII, até a bula de Bonifácio VIII, em 1293. Alguns historiadores acreditam que a sociedade, ante a mulher em geral, “por um lado a mistificava, pretendendo fazer dela um ser inacessível, e, por outro lado, a considerava como um tesouro frágil e irresponsável, incapaz de fortaleza moral.” Era muito natural que as precauções tomadas por pais e tutores em relação às donzelas e pelos maridos para com suas mulheres, fossem adotadas pela autoridade eclesiástica para com as “esposas de Cristo”, impedindo-lhes toda ocasião de serem infiéis ao divino Esposo. Naquele tempo e até datas não muito distantes de nós, eram numerosos os casos de monjas sem vocação, levadas aos 142

IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978. 143 DO MOSTEIRO de São Damião. Boletim de Comunicações da Província de São Francisco de Assis. ano XIII, nº 6. Ago-set., 1978, p. 222.


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mosteiros contra sua vontade ou por motivos que nada tinham a ver com o seguimento de Cristo. “Toda precaução é pouca, quando há monjas que vêem o recinto monástico como um cárcere.”

144

No caso de Clara, porém, a clausura

adotada em São Damião não foi imposta contra seu desejo, mas foi um requisito necessário à vida contemplativa no Mosteiro. Quando Clara iniciou sua vida religiosa, nem mesmo os irmãos de Francisco tinham uma Regra muito formal. Dizem alguns autores, que Francisco teria uma “forma de vida”, mas que não se conservou, existindo uma referência a esse documento, apenas, no seu Testamento. Para Clara e suas irmãs, Francisco escreveu uma forma de vida semelhante. Dessa Regra original, restam apenas alguns trechos, incluídos nos Escritos de Clara. Nessa forma de vida escrita por Francisco para Clara e as irmãs, os elementos essenciais eram a pobreza absoluta segundo o Evangelho e a direção espiritual confiada aos frades menores. 145 A vida religiosa dos irmãos menores e das pobres Clarissas, porém, se daria sempre regida por essas normas específicas, com o objetivo de viver realmente o Evangelho assim como está escrito, e imitar o Cristo, através do comprometimento com a pobreza nessas comunidades.

Conforme E. Silveira “na pregação

franciscana tratava-se, antes de tudo, de uma retomada visceral dos princípios apostólicos da plenitude da fé, como expressão da sensibilidade amorosa ao outro”146 Uma Regra, no entanto, não se refere apenas a uma base jurídica que norteia e dá existência a uma Ordem religiosa, ou um venerável documento histórico que representa o seu fundador. Uma Regra, nesse caso, exprime um carisma, ou seja, um dom espiritual concedido por Deus. A Regra é um programa de vida, tem uma perenidade que a torna sempre atual e adaptável a tempos e lugares. Mas como pode se conservar atual uma regra escrita há mais de sete séculos, num mundo em constante mudança de valores e hábitos? Segundo o Padre Iriarte, espírito e letra não são a mesma coisa. O fundamento do espírito é permanente, a letra é que muda. Por exemplo, “quando os 144

IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 121. 145 BULL, Frei Geraldo Van, OFM. LUNTER, Serafim OFM, Frei (trad). Os escritos de Santa Clara. Petrópolis: Vozes, 1984. 146 SILVEIRA, Eliana Ávila. in: URBANISMO e Religiosidade na Idade Média. Estudos IberoAmericanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XXIX, n. 1, jun. 1980, p. 175-176.


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bons cristãos não comungavam mais do que três vezes por ano e a maioria apenas uma vez, Clara determinou, para sua fraternidade, o máximo possível, dentro da mentalidade da época e na prática contemporânea”. Na realidade, o que ela queria era uma intensa participação na vida eucarística: isso é o espírito. Com relação a esse fator, podemos verificar realmente, no capítulo III da Regra das Pobres Irmãs, aprovada pelo Papa Inocêncio IV em 1253, quando ela fala da comunhão das irmãs: Elas comunguem sete vezes por ano, a saber: no dia do Nascimento do Senhor, na Quinta-Feira Santa, na Festa da Ressurreição do Senhor, no dia de Pentecostes, na Comemoração da Assunção de Nossa Senhora, na festa de São Francisco e no dia de Todos os Santos.

147

As Irmãs, na sua obediência a Francisco e fiel cumprimento da Regra, ficaram conhecidas com vários nomes diferentes. São Francisco já se referia ao grupo de mulheres de São Damião, como as damas pobres. A própria Clara adotou a denominação por considerar pobreza e fraternidade como dois elementos inseparáveis de uma mesma vocação. Nenhum dos dois santos empregou o termo monjas ou monges que, na época, seria o mais usual, falam apenas em irmãos e irmãs. Após a morte de Clara é que se difunde o nome “Clarissas”, sendo oficialmente conhecidas como Ordem de Santa Clara, a partir da Regra do Papa Urbano IV. Com relação a Regra a ser adotada para si e suas Irmãs, em 1215, foi obrigada a aceitar, conforme a Regra de São Bento o título de abadessa, que quer dizer senhora, dona, mas, no seu Testamento, evitou o mesmo título por entender e chamar a si mesma de indigna serva de Cristo e das irmãs pobres. Apesar de toda luta para escrever sua própria regra, tanto Francisco como ela, sempre pregaram obediência ao Papa, ou seja, nunca houve intenção de cisma com o Sumo Pontífice. Isso, por um lado, apresentou dificuldades para defender e manter o conteúdo essencial da vida religiosa das Irmãs pobres. Ocorre que, nos primeiros anos da fraternidade franciscana, além da Regra, não existia, também o noviciato. O trabalho, a esmola, a abertura fraterna e o serviço aos irmãos leprosos já colocavam à prova a conversão. Quando a fraternidade aumentou, porém, houve necessidade de maior disciplina e garantia de estabilidade 147

BULL, Frei Geraldo Van, OFM. LUNTER, Serafim OFM, Frei (trad). Os escritos de Santa Clara. Petrópolis: Vozes, 1984, Cap.III, 14-15, p. 19.


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no compromisso assumido. Foi, então, atribuído, por bula pontifícia, em 1220, um ano de prova. No São Damião de Clara, não se tem muita certeza, mas a Regra de Inocêncio IV, de 1247, já falava em um ano de noviciato148 e da mestra de noviças. Na Regra de Clara, o ano de prova começa com o corte de cabelo, como símbolo da renúncia ao mundo e da pertença a Deus. Segue-se, ainda, a substituição das vestes seculares pelo hábito religioso. Ainda não é a vestição litúrgica, que consiste essencialmente da imposição do véu ao ser emitida a profissão. Conforme Padre Iriarte: Professar a “vida e forma de pobreza” não consiste somente em renunciar à propriedade material de alguns bens ou à segurança de posse e rendimentos: é toda uma atitude existencial de desprendimento e desapego interior, de comunhão fraterna dos dons da alma e do corpo, pondo-se a serviço do próximo – é comprometer-se a viver, segundo a reiterada expressão de Francisco e Clara, “a pobreza e humildade de Nosso Senhor 149 Jesus Cristo”.

A mudança no modo de vestir representa, ainda, uma mudança no modo de vida. Entre outras coisas, não se proíbe diretamente o calçado. Da Regra de Hugolino, porém, se entende que as irmãs pobres andavam descalças, pois permite às enfermas usar calçados de lã protegidos por solas. O andar descalço, para essas Ordens, significa pobreza. Os pobres, na época, não usavam calçados. Depois, porém, austeridade e mortificação prevaleceram. Na Idade Média, havia três tipos de tecidos: seda, linho e lã. A lã era o tecido dos pobres. Clara evitou impor um tipo de material para o vestuário, a pobreza das vestes era o que deveria prevalecer: vale mais ter a alma de pobre, não esconder sob um hábito desprezível, o orgulho de uma riqueza interior. A abadessa poderia, também, conforme o caso e de acordo com o clima de cada região, decidir sobre determinadas peças do vestuário das irmãs, usando o bom senso. Conforme o capítulo II, da Regra aprovada pelo Papa Inocêncio IV: Aliás, a respeito da roupa, a abadessa cuide disso com bom senso, levando em conta as condições de cada uma em particular, o lugar, o tempo e as 150 regiões mais frias, conforme seja necessário nestas situações.

148

Fase inicial requerida para entrar definitivamente na Ordem. IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 32. 150 BULL, Frei Geraldo Van, OFM. LUNTER, Serafim OFM, Frei (trad.). Os escritos de Santa Clara. Petrópolis: Vozes, 1984. Regra de Santa Clara, capítulo II, 17. P. 18. 149


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A tradição monástica, por outro lado, sempre valorizou o silêncio, principalmente com os cartuxos e cistercienses. Francisco, não tão rígido, dizia: “procurem guardar silêncio na medida em que Deus lhes conceda essa graça”. A Regra de Hugolino e Inocêncio IV mantinha, no entanto, a rigidez do silêncio contínuo. Clara estabeleceu por norma, assim como já era com os irmãos menores, silêncio rigoroso desde a hora das Completas destinada a santificar o descanso noturno, até a hora da Tércia, depois da qual se iniciam os trabalhos cotidianos. Há lugares em que o silêncio deve ser respeitado todo o tempo: a Igreja, o dormitório, o refeitório. Clara era um exemplo. No seu processo de canonização, as monjas contaram que “seu falar era sempre das coisas de Deus, e não queria falar das coisas do mundo, nem que as irmãs as mencionassem.” As irmãs guardem o silêncio a partir das Completas até a Terça. Isto, no entanto, não vale para as irmãs externas. Também se deve guardar sempre o silêncio na igreja, no dormitório e no refeitório, mas aí apenas durante as refeições. Na enfermaria sempre é permitido às irmãs falar discretamente para a distração das doentes e para cuidar delas.Sempre e onde for 151 necessário elas podem falar, mas com poucas palavras e em voz baixa.

Conforme Padre Iriarte, a pobreza, na Regra, são os capítulos que foram redigidos com mais vigor. Para Clara, assim como para Francisco, aspirar a possuir o Espírito do Senhor, e não seguir o impulso do egoísmo é o que dá liberdade. Mas, para encontrar essa liberdade, as Irmãs também se recolhem em “clausura”. É uma liberdade de espírito e negação ao servilismo das formas. Assim, por exemplo, o capítulo VI da Regra firmada pelo Papa Inocêncio IV, em 1253, determina sobre a renúncia de toda a propriedade, como podemos verificar logo abaixo: Isto significa que elas nunca poderão ter ou adquirir a posse ou a propriedade de bens, nem pessoalmente nem por intermédio de outra pessoa, nem ter qualquer outra coisa que possa ser considerada propriedade, exceto o terreno suficiente para levar uma vida modesta dentro do convento. E este terreno não pode ser cultivado a não ser como horta 152 para as próprias necessidades das irmãs.

A fraternidade das Clarissas, portanto, é marcada por alguns traços religiosos fundamentais, segundo a Regra de Santa Clara. A expressão “viver em comum, em 151

BULL, Frei Geraldo Van, OFM. LUNTER, Serafim OFM, Frei (trad.). Os escritos de Santa Clara. Petrópolis: Vozes, 1984, p. 21. 152 BULL, Frei Geraldo Van, OFM. LUNTER, Serafim OFM, Frei (trad.). Os escritos de Santa Clara. Petrópolis: Vozes, 1984. Regras de Santa Clara, capítulo VI, 10-11, p. 24.


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união de espírito e sob o voto da mais alta pobreza”, são dois componentes afirmados com rigor por Clara em seu Testamento e também no de Francisco, dirigido por ele às damas pobres, antes da sua morte. A Regra conventual das Clarissas Colentinas, em especial, coloca quatro votos fundamentais que são professados pelas Irmãs, quando se dispõem a assumir esta vida religiosa: clausura, obediência, castidade e pobreza. Em relação à castidade, Padre Iriarte esclarece que: A consagração em virgindade, se associou, desde os começos da igreja, a idéia de um certo grau de proteção externa como condição de total dedicação a Deus. Esta proteção, sobretudo nos mosteiros de mulheres, soía estar regulada por normas e tradições mais ou menos rigorosas. Não se pode, porém, falar de uma legislação geral sobre clausura até fins do 153 século XIII, concretamente até a bula de Bonifácio VIII, em 1293.

Seja como for, a clausura, foi aceita por Clara e regulada por ela, como requisito necessário à vida contemplativa das Irmãs, embora não se saiba como era feita essa separação do mundo, nos três primeiros anos da fraternidade, em São Damião, de Assis. É possível, ainda, que o assédio da veneração e da curiosidade do povo, também contribuísse ou até mesmo fosse uma causa determinante para a reclusão em estreita clausura. Clara e suas seguidoras levaram com tanto rigor essa separação do mundo, que além de São Damião, como também nos demais mosteiros de “damianitas”, ficaram conhecidas como as pobres reclusas, mesmo em documentos pontifícios. Distinguiam-se

de

outras

monjas

pelo

fato

de

terem

“se

enclausurado

perpetuamente para realizar uma entrega mais agradável ao Senhor”. O mesmo autor, ainda, insiste que a motivação fundamental não é, inicialmente, como será na lei canônica posterior, a proteção da castidade, mas a “maior liberdade para o serviço do Senhor” e, precisamente, em relação com a pobreza absoluta. A característica na fraternidade franciscana, no que refere à pobreza, é que não se põe o acento apenas na renúncia pessoal, mas, principalmente, na renúncia do grupo. A supervisão da propriedade individual não acha uma compensação humana nos benefícios da vida comum. O compromisso de uma vida pobre está inspirado na insegurança que Cristo escolheu para si e 154 para seus colaboradores imediatos: é a libertação para o reino.

153

IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 120-121. 154 IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 75.


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Para Clara, ainda, que se professava “plantinha de Francisco”, a fidelidade a ele se reafirmava na obediência prometida ao seráfico Pai e a seus sucessores. A pobreza, um elemento essencial da vida evangélica, é outra herança dele recebida. Também, a união na caridade, que deve nortear a vida religiosa das Irmãs, fazendo com que todas convivam no mesmo plano de igualdade, dirigidas no seu desejo do seguimento de Cristo, pela “abadessa e madre que, por sua vez, deve comportar-se como serva de todas as Irmãs, familiar e disponível, atenta às necessidades das sãs e das enfermas”. Com o tempo, porém, fez-se necessária a figura da Irmã externa que, além de tratar de negócios, fazer compras, recolher esmolas, atender a hospedaria, deveria levar ao mundo o testemunho da riqueza espiritual que se vive entre os muros do mosteiro, embora sua participação fora devesse ser limitada apenas ao necessário. Para Clara, porém, essas irmãs externas não deveriam ser veículos de notícias de fora. Além da Irmã externa, por exemplo, a Regra também dispõe do Visitador, cuja missão é corrigir os abusos cometidos contra a forma da profissão, assim como ter certos cuidados quando visitar os mosteiros. Conforme o capítulo XII, da Regra firmada pelo Papa Inocêncio IV, em 1253, existe uma preocupação de Clara em manter o correto comportamento e cumprimento da regras religiosas estabelecidas: O nosso visitador sempre deve ser da Ordem dos Frades Menores, de acordo com a vontade e a determinação do nosso cardeal. Deve ser honesto e o seu procedimento não cause suspeitas. A sua missão será: corrigir tanto a cabeça quanto os membros nos pontos em que tiverem 155 cometido erros contra a forma da nossa profissão.

Essa função religiosa faz parte da Ordem até hoje e está ilustrada pelo registro documental abaixo, conforme o Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, em novembro de 1958. Neste caso, particular, o visitador canônico deixou, ainda, seus votos de bênçãos e graças ao Mosteiro, bem como “para o mundo inteiro que tanto precisa dessas bençãos”.

155

BULL, Frei Geraldo Van, OFM. LUNTER, Serafim OFM, Frei (trad.). Os escritos de Santa Clara. Petrópolis: Vozes, 1984, conforme capítulo II, 1-1-3, p. 29.


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Figura 30 - Visita canônica ao Mosteiro de São Damião. Fonte: Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião em Porto Alegre.

A Ordem, ainda, prescinde da figura religiosa do Capelão, que deverá confessar as enfermas impossibilitadas de ir ao parlatório, levar-lhes comunhão, administrar-lhes a unção dos enfermos, fazer-lhes encomendação da alma. Também, quando for o caso, para exéquias e sepultamento, poderá entrar o capelão e as pessoas cujo serviço forem necessários. A instituição do Cardeal Protetor, comum para a maior parte das instituições religiosas até 1964, é de origem franciscana. A eleição para abadessa encontra-se no capítulo IV da Regra. Na eleição, segundo Padre Iriarte, as irmãs são obrigadas a observar a forma canônica. Assim, a Regra indica “sem outras complicações, as disposições do direito comum sobre a eleição da abadessa”.

3.4 Alguns aspectos da vida religiosa no Mosteiro de São Damião Os aspectos estudados no capítulo anterior são referências importantes para entender a forma de vida religiosa no Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, segundo informação das próprias Irmãs. O Mosteiro, inclusive, foi quem forneceu a primeira Presidenta para a Federação Sagrada Família, fundada em 1989 quando do VI Encontro Oficial dos Mosteiros do Brasil. A Federação tem o objetivo de auxílio


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mútuo entre as casas religiosas e as Irmãs, bem como desenvolver a formação e educação das noviças e jovens professas.

Figura 31 - Irmã Maria Coleta, primeira Presidenta da Federação Sagrada Família, em 1989. Fonte: Disponível: < WWW.clarissas.com.br > acesso em 08.07.2010.

No Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, em determinadas ocasiões, os visitantes externos são recebidos no parlatório, que são pequenas salas adequadas para atender essa finalidade, como podemos observar na imagem, logo abaixo.

Figura 32 – Parlatório do Mosteiro São Damião, em Porto Alegre. Fonte: A autora (2010).


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Segundo relato das próprias Irmãs, o mosteiro tem uma relação bastante próxima com a comunidade, que é basicamente de auxílio espiritual. Tal fato, inclusive, foi percebido pela pesquisa, quando das visitações realizadas ao local. As pessoas procuram as Irmãs porque têm necessidade de conversar sobre os mais diversos assuntos e problemas, sejam eles familiares ou pessoais. Estão em busca de orientação. Muitas vezes, são pessoas que passaram por tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, mas não conseguiram resolver suas querelas. As Irmãs entendem que não adianta ajudar as pessoas materialmente apenas, “porque daqui a pouco, a pessoa que veio em busca de ajuda está fazendo tudo errado de novo; o importante é mudar por dentro, entender com o coração”. Com referência à reclusão, em princípio, as Irmãs internas só saem do Mosteiro, pela necessidade de ir ao médico ou para cumprir algum compromisso civil. Atualmente ali vivem quatorze religiosas, sendo treze internas e apenas uma externa. A Irmã externa pode sair, fazer pagamentos relativos ao Mosteiro, por exemplo, e, também visitar a família, ao contrário das internas. Das quatorze Irmãs, quatro estão na faixa dos oitenta anos, uma com setenta, duas com sessenta, duas com cinqüenta, uma com quarenta, uma com trinta e três na faixa dos vinte anos. No sentido prático, para ser Clarissa, além, é claro, da vocação, é necessário, inicialmente, apresentar os documentos normais a qualquer pessoa civil e também alguns exames médicos. As questões de ordem mais psicológicas, ficam a cargo da observação

das

Mestras,

que

são

as

Irmãs

encarregadas

de

fazer

o

acompanhamento das candidatas. O Mosteiro de São Damião, por exemplo, tem duas Irmãs aptas a desempenhar essa função. A candidata não pode ser casada nem ter filhos. Dependendo do caso, pode ser viúva, ou com idade mais avançada, até mesmo com filhos, se forem já adultos, mas são particularidades a serem analisadas. A candidata começa freqüentando o Mosteiro até passar a Postulante. Quando Postulante, deve morar na casa e viver com as Irmãs por um período de um ano, com prorrogação de no máximo mais um ano. Nessa etapa, já usa uniforme e um véu branco, curto. Na fase seguinte, chamada Noviciado, veste-se com um hábito marron e um véu branco, grande. Essa fase dura, em geral, dois anos, dois anos e meio. Na próxima etapa, a Juniorista, faz os votos temporários de obediência, clausura, pobreza e castidade. Essa etapa, dura três anos. A última fase, chamada Solene Perpétua, é quando são feitos os votos para sempre. No caso da Irmã externa, quando faz seus votos, não inclui a clausura.


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Ao contrário do que se possa pensar, o voto de pobreza não quer dizer miséria. No entanto, a congregação das Irmãs difere de outras porque não pode ter nada em seu próprio nome, muito menos em nome das Irmãs. No caso específico do Mosteiro de São Damião, que não é pessoa jurídica, a casa e o terreno estão em nome da Cúria de Porto Alegre, embora os pagamentos e impostos decorrentes do imóvel sejam de responsabilidade das religiosas. O Mosteiro pode ser visualizado por algumas imagens selecionadas, logo abaixo.

Figura 33 - Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, situado na Vicente da Fontoura, com a Plácido de Castro. Fonte: A autora (2010)


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Figura 34 - Mosteiro de S達o Dami達o, em Porto Alegre. Fonte: A autora (2010).

Figura 35 - Frente da Capela de S達o Dami達o, no Mosteiro. Fonte: A autora (2010).


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Quando, por exemplo, sentem que o número de Irmãs é inferior ao necessário, é a Madre Abadessa, que atualmente se chama Maria Clara, que solicita o aumento do grupo. Ela, então, recorre a Federação, a qual todos os mosteiros são filiados. A Federação oferece ajuda espiritual e material aos mosteiros, quando necessário e é regida por documento jurídico emanado diretamente por Roma. As Irmãs recebem ajuda constante dos benfeitores, que, em geral, são pessoas que ali obtiveram algum tipo de ajuda espiritual. Segundo as religiosas, nada lhes falta, pois esses benfeitores e benfeitoras estão constantemente em contato com o Mosteiro, providenciando toda ajuda de que as Irmãs necessitam. Muitas vezes, inclusive, quando as próprias religiosas percebem que estão sobrando alimentos, costumam providenciar, também, suas próprias doações, enviando para instituições como a Toca de Assis dos franciscanos, ou uma escola de surdosmudos, por exemplo. A vida no mosteiro, apesar de contemplativa, não exclui os trabalhos manuais. Antigamente, as religiosas até faziam os paramentos, ou seja, as roupas dos padres; agora não fazem mais. O fato é que o dia-a-dia ali começa bem cedo e com muita disciplina. Acordam às cinco e trinta da manhã. Às seis, começa a oração. São sete horas, por dia, de oração. Seguem a Liturgia das Horas ou Horas Canônicas. Quando acaba a laudes, que dura uma hora, tem meia hora de meditação do evangelho. Aí, voltam para a capela e fazem a adoração, em silêncio. Depois, o café, que tomam também em silêncio. Enquanto isso, a adoração, na capela, continua. As Irmãs se revezam para que sempre tenha uma delas em adoração, naquele local. Ao mesmo tempo, vão desempenhando suas tarefas do cotidiano, como lavar roupa e cozinhar. Depois do almoço têm uma hora livre, das treze às quatorze horas. Desenvolvem, também, durante o dia, o que chamam de Formação, que é uma discussão sobre catecismo, vida dos santos, de São Francisco, de Santa Clara, mensagens do Papa, por exemplo. Às dezesseis e trinta, fazem uma leitura espiritual, individual. Às dezessete e trinta, rezam o terço, na Igreja, junto com as pessoas da comunidade. Às dezoito horas é a missa.

Às dezenove, a janta, que chamam

“colação”: “não é comida, assim, arroz feijão, é café com pão”. Depois, existe um recreio até às vinte horas, e mais uma leitura da liturgia, com o nome das pessoas que pediram recomendação e também agradecimentos. Às vinte e trinta, quando as atividades são finalizadas, recolhem-se as suas celas individuais.


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Com relação à religiosidade, pensam que “o sul já foi celeiro de vocações, agora, há uns trinta anos, não mais”. Quando as Irmãs fundadoras vieram da Bélgica, por exemplo, foi atendendo solicitação de outro país, no caso, o Brasil. Em nenhum momento foram obrigadas, elas “sentiram no coração o chamado e quiseram vir; a liberdade é individual, ninguém é obrigada a vir, se não quiser”. A Igreja, quando solicita a presença das irmãs, é porque sente que existe a necessidade de oração e contemplação. Assim como Clara e suas companheiras eram cuidadas por Francisco, as Clarissas do Mosteiro São Damião, também tem uma relação de fraternidade e auxílio, por parte dos Frades Menores de Porto Alegre. Os Irmãos franciscanos também são os seus confessores. As religiosas podem receber visita dos familiares ou ligar para eles, mas tudo com data estipulada, geralmente uma vez por mês. Por outro lado, se em algum momento, uma delas quiser desistir, nada impede a decisão, mas o pedido deve ser feito e autorizado diretamente por Roma. Uma das Irmãs, questionada sobre se quando sai na rua, não acha estranho o mundo fora do Mosteiro, respondeu que não, que os outros é que estranham muito quando as vêem, talvez por causa das roupas que usam.

Figura 36 - Foto atual das Irmãs Clarissas, especialmente tirada para a pesquisa. As duas Irmãs que não estão presentes na foto, têm problemas de saúde. Fonte: Irmãs Clarissas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre (2010).


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3.5 Momento Especial: a Profissão de duas Irmãs No dia 02 de maio de 2010, tivemos a oportunidade de acompanhar a Cerimônia de Profissão de duas Irmãs no Mosteiro São Damião. A cerimônia de Profissão é onde os votos de obediência, clausura, pobreza e castidade são professados para sempre. Logo na entrada da Igreja, a homenagem para essas religiosas que estavam professando seus votos.

Figura 37 – Homenagem do Mosteiro de São Damião, às duas Irmãs no dia da Solene Perpétua. Fonte: A autora (2010).

A Capela, no Mosteiro, estava ornamentada para celebrar uma cerimônia de casamento. No entanto, para os leigos, era um casamento diferente: das religiosas com seu esposo, o Cristo.


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Na imagem, abaixo, podemos observar a Capela do Mosteiro, antes do início da celebração, com os fiéis e religiosos aguardando a cerimônia.

Figura 38 – A Capela do Mosteiro de São Damião, ornamentada para a celebração da Solene Perpétua. Fonte: A autora (2010).


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Na imagem, a seguir, a cerimônia tem início.

Figura 39 – Começo da cerimônia. Fonte: A Autora (2010).


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No começo, ainda, da cerimônia, podemos observar que cada uma das jovens católicas, vestidas de branco, carrega alianças. Logo depois delas, estão as duas Irmãs que farão os votos perpétuos.

Figura 40 – Jovens católicas carregam as alianças. Fonte: A autora (2010).


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Diante do altar, as Irmãs em sinal de prostração, durante a cerimônia, que é presidida pelo Ministro Provincial, Frei João Inácio Müller, OFM.

Figura 41 – Prostração durante a cerimônia. Fonte: A autora (2010).

Ao final da cerimônia, depois de realizados os votos de obediência, clausura, pobreza e castidade pelas duas Irmãs, a Madre Abadessa Maria Clara, promete a elas, então, a vida eterna. A cerimônia é finalizada e as Irmãs recebem os abraços dos demais religiosos e dos fiéis ali presentes.


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Figura 42 - Finalização da cerimônia, onde as Irmãs aguardam os cumprimentos dos presentes na Capela. Fonte: a autora (2010).

4 Considerações Finais Segundo Michelle Perrot, “a história é o que acontece, a seqüência dos fatos, das mudanças, das revoluções, das acumulações que tecem o devir das sociedades. Mas é também o relato que se faz de tudo isso.”156 No nosso caso, para entendermos as razões da fundação de um mosteiro de Clarissas Colentinas, em Porto Alegre, passamos pelo século XIII, de São Francisco e Santa Clara de Assis e, também, por algumas questões da história da Igreja no Brasil, desde o período colonial até sua posterior organização. Verificamos, conforme nossos autores, que na Igreja dos séculos XIX e XX, com a separação Estado-Igreja, portanto, já no início da República, o Vaticano agora 156

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2008.


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poderia intervir mais, procurando melhorar a formação do clero organizado e agir mais diretamente no combate ao liberalismo, ao comunismo e ao protestantismo. Desde as primeiras décadas do século XX, percebe-se a expansão das Ordens e Congregações, com influência direta no ensino, tendo como conseqüência, a formação de uma elite intelectual católica. É comum, nessa época, inclusive, a chegada de religiosos da Europa, que irão influir nessa formação. A Europa, por sua vez, vive também uma crise gerada pelo laicismo e liberalismo, fazendo com que muitos religiosos buscassem outros países. Ao mesmo tempo, no Rio Grande do Sul, os bispos entendiam os problemas seculares, como de um “afrouxamento” das questões religiosas e morais e de muita superstição e ignorância. A criação de novas Dioceses, a partir de 1910, no Rio Grande do Sul, forneceria mais um impulso importante para o campo religioso numa sociedade laica . Por volta de 1930, com a criação dos Círculos Operários, da Ação Católica e da Liga Eleitoral Católica, a organização avança ainda mais. Na década de 40, a partir de Congressos Eucarísticos representativos, conta com grandes realizações em massa contra o comunismo e a favor da fé. Enquanto a Igreja vive essa fase, conforme Fischer,157 em 1951, a Europa olha para a América Latina e percebe a escassez de sacerdotes. Na Bélgica, país de onde as Irmãs fundadoras vieram havia um sacerdote para 569 católicos, na época, enquanto no Brasil, a cifra era de um para 6.667 católicos.158 Isso, sem contar, ainda, o avanço do protestantismo. Nessa época, percebe-se também, a necessidade de expandir a fé cristã e os diferentes

tipos de religiosidade,

especialmente, fundando conventos de natureza contemplativa e de reclusão e oração, como o das Clarissas Colentinas. Tudo isso forma um contexto favorável para a fundação de novas congregações no Brasil, país que se mostra aberto a essa vinda, porque carente de religiosos. O próprio Ministro de estado da Bélgica, na festa de despedida das Irmãs, advertia que apesar do tamanho do Brasil e do Rio Grande do Sul ser duzentos e cinqüenta vezes maior do que o território da Bélgica, o número de sacerdotes era muito baixo. O Livro de Crônicas do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, complementa, relatando o trabalho de Frei Celso Brancher para viabilizar a fundação 157

R.P.Hermann Fischer. BARAÚNA, Frei Guilherme OFM. O Problema da falta de Sacerdotes na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, Rio de Janeiro, v.XIII, 1953, p.667-669. 158 BARAÚNA, Frei Guilherme OFM. O Problema da falta de Sacerdotes na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, Rio de Janeiro, v.XIII, 1953, p.667-669.


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do convento, que embora pertencendo ao seio da Igreja, apresentava um diferencial e uma especificidade bem definidas. Não conseguindo resposta na Holanda ou na Itália, conseguiu, no mosteiro de Bethlém, em Gand, na Bélgica. Vimos que o mosteiro de Bethlém, do qual provinham duas das quatro Irmãs que vieram para Porto Alegre, foi fundado por Santa Coleta, em 1442, que havia pregado a volta a pobreza e pureza evangélica, reformando, também, vários conventos na Europa, que estavam afastados de tais ideais. A primeira Abadessa do Mosteiro de São Damião, em Porto Alegre, pertencia à Bethlém. 159

Josefa, sempre eleita pela sua comunidade,

Madre Maria

foi a primeira transferência de Gand

para o Brasil. Veio e aqui ficou durante vinte e quatro anos, até sua morte em 1977. Não é demais salientar o grande diferencial dessa congregação de Clarissas Colentinas, a primeira a ser fundada, no Sul do Brasil. É o próprio Frei Celso Brancher, na época da chegada das Irmãs fundadoras, que faz uma apologia das religiosas e reconhece preconceitos que “ainda existem” sobre elas. Justifica as Clarissas Colentinas como uma das ordens mais rigorosas, cujas Irmãs se comprometem a imolar-se pelos sacerdotes, principalmente os da primeira Ordem. Ou, ainda, D.Vicente Scherer, quando fala “sua presença é um silêncio e constante protesto contra a cobiça dos bens terrenos e a sede de prazeres.” 160 Na despedida das Irmãs, ainda na Bélgica, o orador franciscano que discursa sobre a missão no Brasil, relata a importância da Ordem para atender a necessidade de rezar e fazer penitência para implorar a clemência do céu. Fala nas pobres Clarissas, que se desfazem de tudo o que é material e passageiro e vivem sem rendas, confiando em Deus, e procurando apenas o reino Dele. Padre Iriarte, talvez, consiga complementar e definir melhor a peculiaridade desta congregação, quando acrescenta que as Clarissas, diferentemente daqueles religiosos que “se consagram mais especificamente ao apostolado, e que falam aos homens a respeito de Deus”, elas, pela sua vida contemplativa, unidas mais intimamente a Deus, através da “oração”, falam a Deus a respeito dos homens.161 Se o dom da palavra é precioso, o dom do silêncio também o é, para essas Irmãs. Esse silêncio não é só um bem pessoal, sem o qual é impossível escutar

159

Excluindo-se o período determinado pelas prescrições canônicas. IRIARTE, Lázaro. Letra e Espírito da Regra de Santa Clara. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 160. 160 Grifo da pesquisa. 161 Grifo da pesquisa.


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Deus, mas é pela caridade de oferecer ao outro aquilo que ele busca quando procura o Mosteiro, e, sem a qual, também não é possível escutar o outro. O que se percebe, através dos gestos e da aparência dessas Irmãs, é uma plenitude. Essa plenitude, embora não se mostre ostensiva, é como se a vida tivesse um único sentido, com valores claros e definidos: acolher. É como se essa entrega, através daquilo em que acreditam, transformasse o imenso esforço de um modo de vida pautado pela austeridade de regras que remontam a mais de setecentos anos, numa suavidade que é lida através dos olhos, dos gestos, do caminhar e daquelas mãos que se estendem para nos cumprimentar através das grades do locutório. Mas, isso é uma percepção. Hoje, o Mosteiro de São Damião funciona no mesmo local de sua fundação, em 1953, embora com algumas modificações e reformas na área. É composto pelas celas individuais das Irmãs, pátio, refeitório, biblioteca, uma Capela a que o público, em geral, tem acesso, o Coro monástico, onde as Irmãs rezam, e um oratório com o Santíssimo Sacramento, de acesso apenas para as religiosas. Atualmente, são quatorze Irmãs dedicadas a Deus, que continuam a professar as regras de obediência, castidade, pobreza e treze delas, de clausura. Continuam, segundo elas, mantendo-se com a ajuda da comunidade e dos seus benfeitores, e nada lhes falta. A casa continua acolhendo as pessoas que procuram por oração, conselho e fé.


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