Aluno: Isaac Safdie Orientador: Prof. Reginaldo Ronconi
BEM-VINDO JURUÁ Esperiências na Cultura Tradicional Guarani
2012 Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo
“A busca do desenvolvimento sustentável parece utópica, porém, as utopias são idéias para construção de algo que se sonha, e sonhar é gerar esperanças. É fazer do desejo abstrato uma realidade palpável, deixar de divagar para pisar em solo firme.” Milton Santos, 2005
ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................07 1.1 Metodologia......................................................................................................08 2. O POVO MBYÁ-GUARANI...................................................................................................11 2.1 O Idioma............................................................................................................12 2.2 O Território........................................................................................................13 2.3 A Organização Sociocultural..............................................................................15 2.4 As Construções..................................................................................................16 3. O DESENHO DA COMUNIDADE.........................................................................................19 3.1 As áreas de mata (ka-aguy)................................................................................21 3.2 As áreas de roça (kocue)....................................................................................22 3.3 As áreas de casa (oó ou oga).............................................................................23 4. A TIPOLOGIA CONSTRUTIVA MBYÁ....................................................................................25 4.1 Materiais Construtivos......................................................................................30 4.2 Tecnologia Construtiva......................................................................................33 4.3 Processo Construtivo Coletivo (Potirõ)..............................................................37 5. A EXPERIÊCIA NO JARAGUÁ (Tekoa Pyaú E Tekoa Ytu).......................................................39 5.1 A Situação Atual.................................................................................................39 5.2 A Questão Habitacional no Tekoa......................................................................41 5.3 O Projeto da Casa..............................................................................................44 5.4 O Processo Construtivo.....................................................................................45 6. A EXPERIÊCIA EM PARELHEIROS (Tenondé Porã)...............................................................49 6.1 A Elaboração do Programa................................................................................50 6.2 A Proposta de um Projeto Participativo............................................................51 7. CONCLUSÃO.......................................................................................................................55 8. GLOSSÁRIO.........................................................................................................................57 9. LISTA DE FIGURAS..............................................................................................................61
1. INTRODUÇÃO
Na interpretação do autor deste trabalho, o Trabalho Final de Graduação deve, de certo modo, ser uma reflexão da sua experiência acadêmica vivida até aqui. Assim sendo, mergulhei a fundo nas questões que mais me prenderam a atenção ao longo da minha formação, a fim de encontrar uma fonte inspiradora para realizar este projeto. Em uma reflexão bastante íntima, a respeito do meu entendimento de arquitetura busquei algo que pudesse responder às minhas inquietações. Amante da natureza, sempre me chamou a atenção o fato de São Paulo ser uma cidade que nega a força da natureza onde está inserida. Pergunto-me se é desejável vivermos rodeados por tanto concreto. As árvores me respondem ao romperem, com suas raízes, as calçadas que insistimos em pavimentar.
[Figura 01] Casas em Inle Lake, Birmânia
Esta reflexão, somado à crescente preocupação com o rumo que o nosso planeta esta tomando balizou a escolha do meu tema. Aprendi a valorizar a arquitetura que reflete o meio na qual está inserida. Sugerindo que a cidade de São Paulo esqueceu suas raízes, parti do desejo de trabalhar com técnicas construtivas que utilizam materiais de origem vegetal. Uma vez dado o primeiro passo, não foi difícil encontrar referências de obras ou arquitetos que me inspirassem. Pude perceber como este tema esteve presente nestes últimos anos da minha formação. Surpreendeu-me constatar quanto interesse nutri por uma arquitetura ambientalmente mais responsável. Como exemplo, cito um interesse particular por uma região na Birmânia ilustrada nas figuras 01 e 02. Nesse local, a arquitetura vernacular está muito preservada devido, principalmente, às condições de isolamento geográfico. A partir desta motivação, dei início à minha pesquisa.
[Figura 02] Casas em Inle Lake, Birmânia
Não obstante, não me agrada a ideia de partir de uma técnica para o desenvolvimento de um projeto, sem antes saber qual o programa, quem é o usuário, onde e qual é o local de implantação. Sentindo a ausência das respostas para essas perguntas, escolhi o tema da habitação como viés para minha pesquisa. Esta escolha se deu por interesse próprio no assunto e por crer em um grande potencial de aplicação destes materiais neste campo. [Figura 03] Handmade School, Anna Heringer, Bangladesh 2005
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Na realidade que vivemos hoje, parece que ninguém se importa com o fato de que a produção do cimento é danosa ao meio-ambiente ou com o fato de que o conforto térmico e acústico proporcionado pela madeira é superior. Valoriza-se, antes, o status que a indústria e algumas gerações de arquitetos agregaram à tecnologia do cimento. Neste sentido, uma das intenções deste trabalho é quebrar com o preconceito da sociedade em relação aos materiais alternativos para a construção. Sejam eles de origem vegetal; de origem residual; ou cujo desenvolvimento não tenha sido a construção civil a priori. [Figura 04] Casa de Bambu, projeto realizado pelo autor em 2011
[Figura 05] Casa de Bambu, projeto realizado pelo autor em 2011
No contexto nacional, onde a urgência de suprimento das necessidades mais básicas coexiste com o desperdício e a improvisação, estudar essas questões passa a ser crucial para um bom desenvolvimento da construção civil. Os benefícios desse estudo podem ter amplo alcance, inclusive em comunidades carentes de recursos. A construção ambientalmente responsável tem se mostrado de grande importância entre as diversas considerações necessárias ao campo da arquitetura. Atualmente, do enfrentamento dessas questões, o próprio processo do projeto pode beneficiar-se ao nutrir-se de novos dados e condicionantes que o enriquecem e elevem o nível da produção. Vê-se na utilização de materiais alternativos um grande potencial para novas soluções tanto construtivas quanto de organização social, seja pelo seu baixo impacto ambiental, pela facilidade de extração e manuseio, ou pelas suas propriedades físicas. O despontar de uma arquitetura ambientalmente responsável encontra para essas técnicas um clima favorável na mata Atlântica e um contexto pertinente na cultura da região.
1.1 Metodologia Para desenvolver o projeto do ponto de vista metodológico abriram-se quatro vertentes de pesquisa. A ideia foi ampliar o campo de estudo em várias frentes para abranger todas as questões julgadas pertinentes. Atentou-se sempre para que as intersecções dessas frentes não fossem paralelas, mas sim convergentes. [Figura 06] Casa de Bambu, projeto realizado pelo autor em 2011
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A primeira, e mais óbvia, vertente foi a pesquisa sobre os diversos materiais de origem vegetal. Para tanto, elegeu-se os materiais construtivos que se julgou pertinentes ao tema.
São eles: O bambu, a cortiça, as fibras vegetais, as resinas vegetais e a terra. Foi desenvolvida uma pesquisa sobre o ciclo destas cinco técnicas construtivas, desde a extração da matéria-prima até a sua aplicação. Isso inclui a análise de origem, qualidades, potenciais, restrições, produção, impacto ambiental, impacto econômico, etc... Este estudo está sintetizado no Anexo 1 A segunda vertente se trata do tema da sustentabilidade e todas as questões em torno dele. Um trabalho que se propõe a discutir a implementação de técnicas voltadas para o uso de materiais de origem vegetal tem que, necessariamente, passar por este campo de discussão, mesmo que não se firme a ele. A intenção foi entender a origem do conceito, sua implicação na arquitetura e no urbanismo e, por fim, suas problemáticas. Como já foi antecipado, desde o inicio tinha-se a intenção de realizar o trabalho no campo da habitação, não necessariamente projetando casas. Viu-se como fundamental o aprofundamento na complexa questão habitacional no Brasil. Surge assim a terceira vertente, na tentativa de compreender melhor a história do déficit habitacional no Brasil, as políticas públicas habitacionais e as experiências realizadas no campo da autogestão. Concomitantemente, para dar corpo a essas pesquisas, levantaram-se diversas possibilidades de objetos de estudo para a comprovação da teoria a fim de enriquecer a discussão. Sabia-se que desenvolver um protótipo genérico enfraqueceria o conceito. Defende-se aqui uma arquitetura que seja um reflexo do seu entorno, justamente por isso, é o sítio de intervenção que responde à questões fundamentais de projeto como, por exemplo: qual o programa necessário de acordo com as carências locais; quais materiais serão utilizados segundo a disponibilidade e a cultura local; quem serão os usuários e quais as suas exigências. As possibilidades levantadas contavam com um amplo espectro de problemáticas. Para se ter ideia, cogitou-se trabalhar com diversas abordagens: intervenções na favela de Heliópolis já que se tinha contatos bem inseridos e ativos na comunidade; o centro de São Paulo por meio de retrofits de edifícios em desuso; a comunidade imigrante japonesa de Registro (SP) que até hoje mantém algumas casas de bambu como referência à técnica tradicional construtiva do país de origem. Por fim, optou-se por aquela que se demonstrou em estado mais crítico e com a qual se identificou a possibilidade de explorar mais o tema: os Guarani
[Figura 07] Criança da Tekoa Tenondé Porã
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que habitam a cidade de São Paulo. Assim, o trabalho pretendeu dar contribuição no sentido da minimização de algumas das consequência negativas do processo de aculturação pelo qual vêm passando os diversos grupamentos sociais indígenas brasileiros, especificamente o subgrupo Mbyá Guarani, desde as históricas ações colonizadoras até as práticas mais recentes de tentativa de socialização e integração à cultura branca ocidental. Destituídos, na maioria das vezes, das condições necessárias para colocar em prática o modo de vida tradicional – só possível em faixas de terra com abundância de recursos naturais específicos – e, por outro lado, sem as condições minimamente dignas para os padrões de habitação do homem branco, os indígenas passaram a conviver com os problemas próprios das parcelas mais pobres da população não indígena, como a falta de moradias, de saneamento básico e higiene, mortalidade infantil, alcoolismo e outras doenças.
[Figura 08] Apresentação de canto das crianças na opy, Parelheiros
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2. O POVO MBYÁ-GUARANI
O povo Mbyá-Guarani é uma parcialidade da etnia Guarani, uma das maiores etnias que mantém uma unidade linguística e cultural no Brasil, sendo os Mbyá-Guarani os que ocupam a maior extensão territorial no País. Atualmente, os Guarani são um dos 227 povos indígenas identificados como tal, localizados entre os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, havendo ainda algumas famílias dispersas no Pará e Tocantins (LADEIRA e MATTA, 2004). Os Guarani correspondem a uma identidade linguística falada por diversos povos, que, como outras etnias indígenas, foram reunidas no processo de colonização da América, historicamente legitimados como sendo um único povo. Estima-se que, na época da colonização da América, a população Guarani era em torno de dois milhões de pessoas, enquanto hoje somam apenas cerca de 70 mil divididos em três grupos: Mbyá-Guarani, Kaiová-Guarani e Nhandevá-Guarani, os quais mantêm algumas diferenças de dialeto, costumes e rituais, bem como a forma de ocupação do território. No Brasil encontra-se a metade (35mil), sendo que 20 mil são Kaiová-Guarani, 8 mil são Nhandevá-Guarani e 7 mil são Mbyá-Guarani, aproximadamente, de acordo com Ladeira e Matta (2004). Esses dados demográficos variam frequentemente, devido à dinâmica cultural de mobilidade territorial que caracteriza o povo Mbyá-Guarani, a qual vem a ser a chave para a compreensão de sua cosmologia, identificando-os enquanto etnia diferenciada dentro das variações culturais dos Guarani.
[Figura 09] Xondaru: dança bélica Mbyá, Casa de Rezas no Tenondé
Segundo a perspectiva dos Mbyá-Guarani, o seu “modo de ser”, chamado nhende rekó, está profundamente associado a uma dinâmica de itinerância dentro da região reconhecida como “Território Guarani”, onde mantêm uma rede de alianças geográficas entre comunidades nos países em que vivem. De acordo com Ladeira e Matta (2004), eles conservam sua visão de mundo e seus padrões de comportamento, desenvolvendo estratégias próprias de adaptação às novas realidades.
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2.1 O Idioma O Guarani é o idioma falado pelos Mbyá-Guarani, assim como por outros povos indígenas existentes no Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia. No Paraguai, por exemplo, essa é uma língua oficial, conjuntamente, com o espanhol. O idioma Guarani contempla o dialeto Mbyá, assim como o Kaiová e o Nhandevá, pertencendo à família Tupi-Guarani do tronco linguístico Tupi. Os Mbyá-Guarani falam, basicamente, o Guarani, a partir do dialeto Mbyá, entre suas comunidades. As crianças, as mulheres e os velhos falam muito pouco outra língua. Já os homens, principalmente os jovens, que acabam sendo os representantes perante a sociedade envolvente, falam o português. No entanto, possuem pouca fluência e dificuldade de expressão. Os Mbyá-Guarani conservam sua língua viva e plena, pois ela constitui-se mais forte elemento de sua identidade. A comunicação e a transmissão oral fazem parte do sistema educacional das crianças. A palavra é considerada sagrada, pois a relacionam com a alma. Por exemplo, definem o “homem branco” (os não indígenas) com uma palavra: juruá, que significa “a semente que vem da boca” (correspondente à expressão popular brasileira “da boca para fora”). Reforçam o fato de que os juruá falam demais e não falam com o coração ou com a alma. A escrita no idioma Guarani vem ocorrendo, recentemente, com a introdução de escolas bilíngues nas comunidades do Brasil, desde 1997, por políticas públicas diferenciadas para a educação indígena. A educação indígena ocorre, tradicionalmente, através da comunicação oral - forma original da educação nativa - que proporciona a passagem da memória cultural do povo de pai para filho. Essa memória e educação ocorrem de diversas formas, tais como a “grafia-desenho [...], que consiste em escrever através de símbolos, traços, formas e deixar no barro, no traçado de uma folha de palmeira transformado em cestaria, na parede e até no corpo, através de pinturas”. Assim, o artesanato Mbyá é um dos grandes instrumentos que contribui para a continuidade da memória e da educação cultural, vivenciada na vida diária das comunidades. [Figura 10] Ensaio para o ritual de reza em Tenondé Porã
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2.2 O Território O Território ou Mundo Guarani, na perspectiva desse povo indígena, compreende uma ampla matriz de terras e águas que abrange as regiões dos atuais estados nacionais do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Essa extensa área conjuga-se ao Bioma Mata Atlântica, biorregião em cujos ecossistemas buscam viver e reproduzir sua cultura, priorizando áreas e espaços que consideram mais “conservados”: aquelas que apresentam espécies da fauna e flora associadas à criação divina (LADEIRA 2004). A noção de território e seus deslocamentos são relacionados aos mitos religiosos, principalmente à tradição da busca da “Terra sem Mal”, chamada Yvy Marãe ́y - lugar mitológico, além da realidade física do território propriamente dita. Nessa busca, há um percurso físico que ocorre por esse amplo território, em um sentido anti-horário, partindo do interior do Paraguai, passando pelas regiões fronteiriças das Missões Jesuíticas, entre Argentina e Brasil, e chegando às faixas litorâneas brasileiras, desde o Rio Grande do Sul até o Espírito Santo.
[Figura 11] Painel pintado pelos alunos da escola do Tenondé Porã
O conceito de território está associado a uma noção de mundo que contempla constantes relações de reciprocidade no compartilhar os espaços que vão além dos limites das comunidades, abrangendo cenários multiétnicos, como explica Ladeira e Matta (2004): “as dinâmicas sociais, econômicas, políticas e religiosas e as redes de parentescos implicam em permanente mobilidade, que garante aos Mbyá o domínio de uma ampla extensão geográfica” (LADEIRA e MATTA, 2004, p.8). Segundo Freitas (2007), o contexto ambiental dessa territorialidade como um todo é marcado por elementos comuns, tais como relevo, hidrografia e vegetação, referentes a espaços existentes na memória coletiva dos Mbyá. Essa autora acrescenta que essa noção de territorialidade abrange incontáveis pontos de passagens e centenas de aldeias, formando uma rede estratégica de troca de fluxos sociais e de recursos naturais. Muitos desses pontos de passagens são áreas utilizadas pelos Mbyá, que estão sendo reivindicadas para a demarcação como terras indígenas oficiais nos países inseridos no Território Guarani. Os limites artificiais políticos, na perspectiva territorial Mbyá, ocorrem de forma fragmentada, pois há outras ocupações, tais como fazendas, loteamentos, estradas e proje13.
tos de infraestrutura, que inviabilizam o acesso, muitas vezes, aos recursos necessários para garantir a subsistência das comunidades indígenas, segundo destaca Ladeira e Matta (2004).
[Figura 12] Pés de Inácio Monolo, ritual de dança na Opy
No Brasil, o Território Guarani corresponde, em grande parte, à área de abrangência do bioma Mata Atlântica, que atualmente possui apenas 7,3% da cobertura florestal original. Esse bioma é a quinta área mais ameaçada do planeta, sendo rica em espécies importantes para a conservação da biodiversidade. Essa área se encontra circundada pela ocupação humana não indígena exacerbada, tais como cidades, loteamento, zonas industriais, campos agrícolas e pecuários, culturas intensivas de pinus e eucalipto, entre outros, os quais acabam não permitindo uma continuidade espacial entre ambientes nativos. Com esse contexto, são poucas as áreas que possuem características para o exercício da vida tradicional das comunidades indígenas. Apesar disso, os Mbyá têm mantido suas aldeias como pontos estratégicos à atualização desse território, principalmente devido à constante mobilidade dessa etnia que possibilita uma dinâmica de uso e manutenção de suas áreas. Um conceito fundamental em relação à noção de território contemporâneo para os Mbyá é o que estão denominando de tekoa. Esses são espaços e paisagens que possuem características e possibilidades de atualizarem suas atividades sociais, políticas e religiosas, segundo seus costumes e leis (LADEIRA e MATTA, 2004). Na perspectiva desse povo, tekoa vai além da ideia de espaço físico, pois se refere a ambientes ideais onde podem viver o tekó, ou rekó, que significa o modo de ser Mbyá. Os Guarani reconhecem um tekoa como sendo uma área de vida de uma comunidade ou um conjunto de famílias extensas que identificam um casal idoso referido geralmente como karaí – liderança espiritual. Isso significa que um tekoa só existe se há uma comunidade e não, necessariamente, se há apenas um espaço físico apropriado, mas ambos estão intimamente associados para existirem. Como atualmente os espaços propícios a serem tekoa estão cada vez mais escassos ou inadequados ao modo de ser Mbyá, esses se veem obrigados a definirem áreas geográficas como terras indígenas, visando à preservação e ao acesso a ambientes ideais para habitarem. Na realidade, não haveria a necessidade de delimitações de áreas, pois a territorialidade seria livre na perspectiva desse povo. Nesse sentido, os Mbyá vêm reivindicando a proteção e o acesso aos recursos naturais como premissa básica para a continuidade cultural de seu povo.
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Assim, o Território Guarani é formado por diferentes tekoa articulados em redes, onde os Mbyá circulam constantemente, segundo a organização sociocultural dessa etnia. Essa mobilidade gera o trânsito de pessoas e de recursos naturais, contribuindo para a conexão entre fragmentos de ecossistemas distantes e descontínuos. Nesse sentido, são essas redes que caracterizam a dinâmica de ocupação e de manejo do modo de ser dos Mbyá dentro do Território Guarani.
2.3 A Organização Sociocultural A organização sociocultural das comunidades Mbyá-Guarani é, sobretudo, orientada pela religiosidade que determina as regras sociais e políticas do tekoa. Essa organização é orientada por duas lideranças, uma mais voltada à religiosidade e outra a questões mais políticas, mas ambas possuem um papel representativo da comunidade como um todo. A primeira é denominada de karaí e faz o papel de interlocução com o mundo espiritual – normalmente uma pessoa de maior idade - e segunda é o cacique que faz a interface com o mundo externo não indigna. Porém, na prática, nem sempre essas atribuições se encontram conforme descrito.
[Figura 13] Desenho em conjunto com Sérgio Karaí na Opy de Jaraguá
Espacialmente, essa organização é estruturada em núcleos familiares. No centro (nem sempre físico) se encontra um local de importância estrutural do tekoa, onde está locada uma casa especial voltada aos ritos religiosos, a denominada Opy (casa de reza). Segundo Costa (1993), a força da liderança espiritual é a que mantém a comunidade como uma entidade socialmente viva. Esse autor considera o líder espiritual como principal líder de toda a comunidade, pois os Mbyá o reconhecem como uma instituição central de um tekoa. Assim, a Opy, ou casa de reza, é a centralidade principal de um tekoa. Os núcleos familiares são as células básicas do tekoa. Em cada um desses, há a família extensa como uma a unidade econômica, política e/ou religiosa que possui certa autonomia perante a comunidade como um todo. A família extensa pode abranger, além da família nuclear (pai, mãe e filhos), um ou mais agregados unidos por consanguinidade, como irmãos, avós, netos, genros, noras e cunhados. A figura paterna, autoridade, é estrutural na manutenção do padrão tradicional, sendo os homens os seus representantes, ao passo que
[Figura 14] Crianças brincado em frente a Opy de Parelheiros
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as mulheres têm o papel de sonhar com o lugar definitivo de morada ideal, orientando possíveis deslocamentos. As regras de reciprocidade entre familiares são o princípio fundamental da organização sociocultural para os Mbyá, as quais mantêm as relações de colaboração, cooperação e trocas entre comunidades Mbyá - aspecto essencial das atividades econômicas. A questão econômica é definida pela própria família, pois ela mobiliza recursos internos, a partir de uma coesão e de um destino próprio, decidindo sobre a organização do trabalho e a forma de distribuição de seus resultados. [Figura 15] Casas de venda de artesanatos
As atividades econômicas se caracterizam basicamente pela combinação de caça, pesca, coleta e agricultura, sendo praticadas em maior ou menor escala, segundo as potencialidades e restrições dos ambientes locais e regionais onde se localizam as famílias. Atualmente, os Mbyá contam com os recursos externos provenientes de programas governamentais de habitação, agricultura, alimentação, etc., bem como com a venda do artesanato tradicional. Há ainda atividades incorporadas nas comunidades que inserem recursos financeiros diretos, tais como a contratação de agentes de saúde, professores bilíngues e, ainda, as aposentadorias.
2.4 As Construções Dentre as construções existentes nas áreas indígenas Guarani, algumas são tradicionais e a maioria proveniente de programas governamentais de habitação. No caso dos Guarani, houve políticas habitacionais diferenciadas que contemplaram a participação e a inserção desses nos programas e projetos. Alguns resultados foram positivos e outros ainda não satisfatórios no que tange a aspectos da tradição construtiva desse povo. O tema da casa tradicional Guarani vem sendo destacado pelos Mbyá e vinculado à sustentabilidade nas comunidades, pois representa um dos elementos ideais de um tekoa.
[Figura 16] Exemplo de tipologia construtiva, Aldeia de Setebarras
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Há pelo menos uma casa tradicional em cada comunidade utilizada como casa de reza. A construção dessas casas de reza, denominadas em Guarani como opy, gera uma referência de casa tradicional, reforçando a questão da religiosidade, permitindo que os índios pos-
sam contar com um espaço físico adequado à cosmologia Mbyá, onde solucionam diversos problemas, auxiliando na busca da autonomia. A opy só pode ser utilizada como tal se for uma casa tradicional, segundo a perspectiva Mbyá. Nesse sentido, para que haja casas tradicionais, é preciso áreas e recursos naturais apropriados ao seu modo de ser (nhande rekó), o qual engloba dimensões de sustentabilidade com aspectos sociais, culturais, ambientais e econômicos, entre outros. Assim, a casa tradicional é apontada pelos Mbyá, atualmente, como básica para a continuidade cultural. Caso as construções das opy venham a ocorrerem através da inserção de recursos físicos e humanos externos à cultura Mbyá ela não será constituída integralmente segundo os preceitos construtivos tradicionais. Mesmo assim, as comunidades vêm aceitando a intervenção da sociedade não indígena em suas áreas devido à situação ambiental de escassez de matérias primas de origem vegetal, as quais primam em empregar em suas habitações, pois cada elemento construtivo possui significado simbólico importante, segundo a perspectiva Mbyá. Os Mbyá buscam, dentro do possível, a construção de casas tradicionais em suas áreas, para que suas comunidades venham a existir enquanto um tekoa, segundo suas perspectivas de comunidade. Há algumas comunidades que possuem diversas casas tradicionais, as quais estão localizadas em ambientes com disponibilidade de recursos naturais. As espécies vegetais existentes nas paisagens preferidas pelos Mbyá para assentarem um tekoa são também as preferidas para serem utilizadas em suas habitações. Assim, a casa e a mata são intimamente interligadas, sendo uma a extensão da outra e ambas formam a área de habitação dos Mbyá. Assim, quase todos os materiais construtivos escolhidos para serem empregados nas habitações construídas por eles são de origem vegetal e estão associados aos ecossistemas que os Mbyá buscam habitar. Não são muitos os materiais construtivos que os Mbyá preferem para suas habitações. Na realidade, são apenas algumas espécies vegetais consideradas sagradas, segundo suas cosmologias. Utilizam basicamente espécies arbóreas como estrutura e vedações; espécies de taquara, capim ou folhas de palmeira como cobertura; e aplicam o barro como revestimento lateral das paredes, na maioria dos casos. Além dos materiais construtivos, a tipologia da casa tradicional é definida por características de forma, orientação solar, uso, tecnologia construtiva, entre outras que aprofundaremos mais adiante.
[Figura 17] Face nordeste da Opy de Tenondé Porã
[Figura 18] Face norte da Opy de Tenondé Porã
[Figura 19] Face sudoeste da Opy de Tenondé Porã
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3. O DESENHO DA COMUNIDADE
O desenho da comunidade traz uma identidade etnológica, marcando a paisagem onde se insere o tekoa e, ao mesmo tempo, reconhecendo elementos simbólicos relacionados aos seus mitos. Segundo Costa (1989, p.124), “a arquitetura de uma comunidade tradicional é vista como a essência dos ritos realizados sobre o conhecimento dos mitos daquela cultura; e são estes, os mitos, que fornecem a base e o ‘desenho’ que essa estrutura a ser estabelecida obedece.” Esse mesmo autor associa o desenho cultural dos Guarani às paisagens escolhidas por eles para formar um tekoa e descreve a importância de certos elementos que diferenciam cada lugar pretendido (COSTA, 1989; 1993). Acrescenta que as marcas topológicas são fundamentais e estão diretamente relacionadas aos mitos de origem e fundação do mundo desse povo indígena. Nos mitos de origem e fundação do mundo dos Guarani, segundo Costa (1993, p.115), a “primeira terra” (Avy Tenondé) - terra imperfeita, que foi destruída por um dilúvio - era plana e suportada por dois paus ou hastes de milho. Porém, uma dessas hastes foi retirada, ocasionando um terremoto e, consequentemente, acidentes geográficos. Esse mesmo autor acrescenta que o fato mitológico do Dilúvio teria vindo depois desses acidentes e não teria afetado a topografia criada. Segue explicando que a “segunda terra” (Avy Apy) - terra imperfeita onde vivem hoje e que será destruída pelo fogo - possui fundamentos (rapyta) de pedra (itá) e não de madeira, como era na primeira, não sendo possível sua destruição pelo fogo. Ressalva ainda que o conceito de rapyta está associado à fundação, e essa a esteios que sustentam a terra atual (segunda terra), os quais são de pindó - espécie de palmeira considerada sagrada para os Mbyá (COSTA, 1993). Essa palmeira (pindó) é encontrada em quase todos os locais onde vivem, bem como é também a espécie vegetal preferida pelos Mbyá na construção tradicional, utilizado-a de diversas formas (parede, cobertura e estrutura). Segundo Costa (1993), em Guarani a palavra ita significa tanto “estrutura” quanto “pedra”. Nesse sentido, esse autor relaciona o pindó com uma função semântica equivalente à pedra, sendo uma espécie sagrada que estrutura o mundo e a casa. Acrescenta que têm um grande poder espiritual e, por isso, preferem usá-
[Figura 20] Pindó Sagrado da Escola de Parelheiros
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-lo, aproveitando todas as partes desta espécie vegetal nas mais diversas formas e usos, não só na construção. Assim, essa palmeira considerada sagrada para eles é essencial nos locais escolhidos, sendo plantada ou encontrada como símbolo da paisagem ideal para se constituir um tekoa. Costa (1993, p.117) ressalva que nessa paisagem ideal, além do pindó que normalmente fica próximo a fontes de água, devem existir marcas topológicas de pedras e extremidades com acidentes geográficos como “fundamentos do mundo”. O desenho dos tekoa é complexo e muitas vezes ilegível em um primeiro momento, mas isso corresponde à visão de mundo mais sistêmica que possuem. Para outras etnias, principalmente de troncos linguísticos diferentes do tronco Tupi-Guarani, o desenho de suas aldeias é mais claro ao olhar de um não indígena. Segundo relatos dos próprios Guarani, eles constroem suas aldeias em forma circular, com as casas distribuídas nas bordas de um círculo. A cosmologia dessa etnia é manifesta em uma forma circular perfeita, com uma construção no centro geométrico (a casa de rezas) e casas residências separadas equidistantes, voltadas ao sol nascente. Cada uma dessas casas tem uma ligação com esse centro distinguida por caminhos marcados no solo, de modo que o círculo da aldeia seja composto por casas em áreas abertas separadas por uma grande área de mata. Ao contrário do que foi estudado, o que se encontrou na prática foi uma configuração de casas dentro de pequenas clareiras nas áreas de mata, porém não ficando clara de imediato a distribuição de seus espaços de moradia. Nesses espaços, os Mbyá acabam criando interligações em formato de rede, em um sistema mais complexo de distribuição, pois os caminhos interconectam e ligam os núcleos de moradia segundo um desenho mais solto e fluído. Os núcleos de moradia dos Mbyá estão inseridos em um contexto de floresta (área de mata) e acabam compondo e dialogando com outros elementos da paisagem, como vegetações e arroios, os quais contribuem para um formato mais orgânico de desenho. No caso de um dos núcleos vir a não existir mais, isso não abala todo o sistema, justamente o que ocorre nos tekoa com a constante mobilidade tradicional dos Mbyá, tanto dentro quanto fora da própria área da aldeia. [Figura 21] Croqui da organização espacial do Tekoa Mbyá
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Cabe ressaltar que a questão da centralidade no padrão do tekoa também é fundamental. Porém, não é expressa no espaço físico, e sim no imaginário da comunidade em distintas
escalas. Na escala do espaço do tekoa como um todo, a centralidade se dá na casa de reza (opy) ao passo que, na escala da casa, é o fogo vem a ser o elemento central que estrutura o espaço interno. As relações de centralidade e distribuições espaciais dos tekoa são aspectos fortes e marcantes, pois os Mbyá estão buscando e atualizando seus espaços contemporâneos dentro do possível e são poucas as áreas que dispõem de recursos apropriados à sua reprodução cultural. Normalmente, o espaço de um tekoa é composto por três grandes áreas tradicionais: as áreas de mata (ka-aguy) para a caça e coleta; as áreas de roças, para os cultivos; e as áreas de casas (oga ou oó), para moradia e sociabilidade. Além dessas, atualmente há outras áreas com estruturas externas à cultura indígena, tais como os postos de saúde, as escolas bilíngues e os galpões comunitários.
CAMPO DE ARCO E FLRCHA
ESCOLA
POSTO DE SAUDE OKA
3.1 As áreas de mata (ka-aguy) As áreas de mata são consideradas pelos Mbyá como um local sagrado e infelizmente não existem em todos os tekoa. Na perspectiva Mbyá, nas matas estão outros seres que fazem parte do contexto em que vivem, tanto do mundo animal, vegetal, mineral como do mundo espiritual. Designam nomes para os diversos estágios de mata relacionados a diferentes níveis de alterações antrópicas, os quais são respeitados segundo a tradição e a cultura de como lidar com o meio em que vivem. De acordo com Ladeira, há uma gama de denominações para qualificar esses diferentes estágios como, por exemplo: Ka ́aguy poru ey refere-se à “mata intocada”, local considerado sagrado que não foi alterado pelo homem; Ka ́aguy ete à “mata verdadeira”, local de mata primária ou mata virgem que deve ser preservada; e Ka ́guy yvin, são as matas baixas escolhidas para áreas de roça ou cultivos de ervas e material para artesanato.
OPY
COZINHA COMUNITÁRIA
CAMPO DE FUTEBOL
CECI QUADRA DE MANGÁ (PETECA)
ÁREA DE MATA ÁREA TERRA BATIDA ÁREA DE ROÇA NÚCLEO FAMILIAR
Os Mbyá desenvolvem e atualizam conhecimentos técnicos para o planejamento de seus territórios, principalmente através de práticas de manejo dos recursos naturais, pois dependem do ambiente natural e, dessa forma, empregam vários esforços para o acesso e a conservação dos mesmos. Utilizam os recursos naturais em todas as esferas da vida cotidiana
[Figura 22] Diagrama genérico da organização espacial do Tekoa Mbyá
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para a “manutenção e a reprodução de seus costumes tradicionais”. Acrescenta ainda que os Mbyá seguem um calendário próprio, o qual compreende períodos de ciclos lunares para atividades de coleta de espécies vegetais para os objetivos de qualificação, durabilidade e resistência das espécies. Esse calendário condiciona o planejamento das atividades sociais e econômicas dos tekoa, tais como: visitas a outros tekoa; construções de casas; confecção e venda de artesanato; caça e pesca, como explica Ladeira.
3.2 As áreas de roça (kocue) As áreas de roça denominadas kocuë localizam-se normalmente próximas aos núcleos familiares nos tekoa. Essa roça se refere a pequenos cultivos com espécies tradicionais que ficam resguardados a cada núcleo familiar. Os Mbyá combinam técnicas e observações milenares de cultivo manual que reúnem diversas espécies em um mesmo local, tais como o avaxí (milho), o kumandá (feijão), mandió (mandioca), jety (batata doce), jandiaú (melancia), manduvi (amendoin) e andai (abóbora). Também há em alguns tekoa as roças coletivas, as quais compreendem cultivos em áreas maiores com a produção voltada a todos do tekoa. Essas roças são resultantes de recursos externos provenientes de programas governamentais externos à cultura Mbyá. As roças coletivas primam pela economia da comunidade como um todo, o que acaba influenciando na economia tradicional que é centralizada na família. Além disso, promovem o cultivo de espécies que não fazem parte da cultura alimentar do Mbyá e interferem no sistema agrícola tradicional.
[Figura 23] Altar da Opy do Jaraguá, centro do Tekoa
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De acordo com Ladeira e Matta (2004, p.10), os Mbyá costumam conservar algumas espécies de plantas cultivadas que possuem importância estrutural na sua organização sociocultural, as quais são chamadas de eté, que significa “verdadeiras” em Guarani. Dessas, a principal espécie é o denominado avaxí eteí (milho sagrado) que influencia todas as esferas do modo de ser (nhande rekó) dos Mbyá e, consequentemente, a organização espacial dos tekoa e das casas. O cultivo desse milho e o seu calendário agrícola definem a escolha dos locais de moradia dentro do tekoa, bem como os constantes deslocamentos das famílias. A
semeadura do avaxí eteí abre o calendário agrícola para outros cultivos tradicionais, desencadeando o momento fundamental na vida dos tekoa: a cerimônia do batismo do milho e das crianças da comunidade – evento denominado Nheemongaraí que ocorre logo após a colheita do avaxí eteí. O cultivo do avaxí eteí, além de condicionar a localização e os deslocamentos familiares, também condiciona a forma resguardada dos núcleos de moradia e a arquitetura da casas. As áreas de roça variam em função do número de pessoas que integram a família e, em termos gerais, correspondem a um espaço de um hectare de área cultivada. A necessidade de grandes distâncias entre os núcleos familiares se explica no resguardo e a proteção da polinização da variedade do avaxi eteí que cada família produz. Os critérios necessários para as atividades agrícolas de localização e implantação do avaxí eteí são os mesmos para a casa, pois ela deve durar o mesmo tempo que necessitam para cultivá-lo. Como os Mbyá costumam plantar de forma rotativa nas áreas de roça próximas a suas casas, quando o solo usado para o plantio está esgotando sua qualidade, precisam se mudar. Dessa forma, a casa deve acompanhar esse processo. Esse tempo corresponde a no máximo seis anos, mas esse dado depende de cada ambiente.
[Figura 24] Separação das sementes do Avaxí Eteí
3.3 As áreas de casa (oó ou oga) As áreas de casa se referem aos núcleos familiares propriamente ditos, os quais agrupam mais de uma casa em um mesmo espaço de pátio. As casas são denominadas em Guarani como oó. Cada casa é ocupada por uma das famílias nucleares que pertencem a uma mesma família extensa, formando as células básicas da organização sociocultural do tekoa. O espaço externo do pátio é mais utilizado do que a própria casa diariamente, pois os Mbyá utilizam a casa basicamente como local de dormir e de se proteger durante o inverno, enquanto as demais atividades ocorrem do lado de fora. Assim, as atividades que ocorrem no pátio são coletivas às famílias que pertencem ao mesmo núcleo, criando um espaço de grande sociabilidade, onde há a convivência coletiva e o compartilhamento das produções familiares, principalmente no que se refere às roças (kocuë) e à criação de alguns animais. 23.
Entre os núcleos familiares, há dois que têm grande importância dentro de um mesmo tekoa: o núcleo da família do cacique (liderança política) e o da família do karaí (liderança religiosa). Normalmente, é no núcleo do karaí que constroem a casa de reza (opy), caracterizando-se como o núcleo mais frequentado diariamente por todos. Algumas vezes, a própria opy também é a casa de moradia do karaí. Dessa forma, a localização da opy e consequentemente do karaí definem-se como uma centralidade no espaço geral do tekoa. Isso significa que há elementos construtivos que não estão presentes hoje em sua cultura material, porém se encontram na memória viva desse povo. Cabe acrescentar que, segundo Costa (1993, p.121), a etimologia de o-py está associada à “casa central”, pois py em Guarani denota centro, ponto fixo, coração, meio ou semente. Nesse sentido, como oó significa casa, esse autor relaciona a palavra opy como sendo a “casa-coração” da arquitetura do tekoa e, assim, a opy seria o centro gerador da organização espacial, enquanto o karaí o “esteio principal”, pois simboliza tanto estrutura como fundação, por extensão.
[Figura 25] Diagrama da organização dos núcleos familiares de acordo com a orientação solar
[Figura 26] Desenho de Jairo Tata, Jaraguá
24.
4. A TIPOLOGIA CONSTRUTIVA MBYÁ
“Uma casa é como um ser, um ente, no sentido metafísico do termo [...]. Ela nasce, quando é construída [...]; quando os filhos não cabem mais na casa da mãe; quando acabou o tempo de luto ou quando chegam famílias vindas de outras aldeias. Ela vive, porque é cheia de vida, de gente, de animais e com seu fogo quase sempre aceso; dura enquanto durar o material e, se apodrecem, as palhas podem ser trocadas. Ela morre, quando é incinerada depois do funeral de um morador; um sinal de luto que também é um sistema de higienização.” (PORTOCARRERO, 2001, p.77) A casa para os povos indígenas é percebida como um elemento vivo, com seus ciclos de vida e morte associados às necessidades de cada grupo. Consideram a casa como um ente de extensão de seu próprio ser, que vai além de uma estrutura física com função utilitária. Na realidade, a casa pertence ao contexto de uma comunidade, inserindo-se na trama dos aspectos simbólicos, os quais determinam a expressão material de uma cultura e, como ressalva Costa (1989, p.9), “não há povo sem cultura material, sem casas, ou pelo menos, ideias referentes ao espaço ou à habitação”. A tipologia construtiva de uma casa é definida por componentes fisicoespaciais e socioculturais que estão associados à compreensão e às necessidades a cada grupo cultural, segundo sua cosmologia. A tipologia construtiva está relacionada ao conjunto da complexidade, tanto de determinantes externos do ambiente como de desejos internos humanos, porém aborda que a maioria se relaciona mais à cultura do que ao determinismo climático ou espacial. Cabe citar o fato das tipologias impostas por culturas colonizadoras terem inserido aspectos inadequados aos ambientes naturais do Brasil, por exemplo, ao passo que os povos nativos desenvolvem historicamente uma cultura material e uma forma de habitar que integra suas necessidades socioculturais às condicionantes ambientais.
[Figura 27] Relação antroposófica da casa Xinguana
Analisaremos a seguir a tipologia construtiva a partir dos temas implantação, orientação solar; forma e proporções; espaço interno e espaço externo; conforto ambiental; usos e durabilidade associados aos materiais; tecnologia e processo construtivo utilizados por eles. 25.
A) Implantação e orientação solar A implantação da casa para os Mbyá está vinculada diretamente às questões de orientação solar, pois o sol (Nhamandú) é a divindade cosmológica fundamental. Além disso, há também aspectos relativos ao tipo de solo adequado para o plantio do milho sagrado (avaxi eteí). Segundo a perspectiva Mbyá, a casa representa a vida do tekoa e deve ser alimentada e protegida por Nhamandú, o qual se relaciona com a casa através do posicionamento da única abertura para o exterior: a porta de entrada. Consideram que a porta faz a conexão direta com essa divindade e, para isso, devem posicioná-la para a orientação oeste. O percurso do sol tem grande importância sobre a casa, pois ela recebe no amanhecer (leste) o olhar de Nhamandú por trás, iluminando a parede dos fundos, para que, no final do dia, essa divindade entre diretamente na casa pela porta da frente (oeste). A orientação da porta é um aspecto importante na localização da casa. A porta é denominada hoje e tem suas dimensões fora do padrão convencional da sociedade não indígena (altura de 2,10m). A porta da casa para os Mbyá deve ser estreita e baixa, com aproximadamente altura de 1,60m e uma largura de 0,60m – medidas de acordo com o padrão de altura dos Guarani (1,4m à 1,8m). Mas essas dimensões menores são propositais para que se entre abaixado, reverenciando e pedindo permissão para o acesso ao espaço interno da casa, o que gera uma postura humilde e respeitosa para com o local. [Figura 28] Porta de entrada da Opy de Tenondé Porã
B) Forma e Proporções Em geral, as casas dos Mbyá possuem uma base retangular com a parte dos fundos arredondada e um telhado de duas águas. Porém há diferenças em suas proporções e inclinações do telhado devido a variações no tamanho da base. O tamanho da casa depende do número de pessoas que irá habitá-la e, devido ao fato da opy ter de abrigar todas as pessoas do tekoa, essa casa deve ser um pouco maior que a casa de moradia. Na realidade, qualquer casa pode ser uma opy, pois o chefe da família possui o papel de liderança espiritual para com seu núcleo familiar e, dessa forma, é quem decide sobre a posição da porta. As alturas das paredes das casas são pequenas, gerando um espaço interno baixo, porém adequado à estatura dos Mbyá, que também é baixa. No centro a altura gira em torno de
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3,0m, sendo a parte mais alta, enquanto nas laterais as paredes são de 2m de altura. As diferenças entre essas alturas proporcionam uma cobertura com inclinação acentuada, de aproximadamente 40%. Cabe citar que essa inclinação é adequada ao clima tropical úmido, chuvoso e quente, com muito vento e ampla variação térmica. A inclinação acentuada favorece o escoamento rápido da água da chuva e, assim, contribui na proteção do material da cobertura que é de taquara batida. Outro aspecto importante é o longo comprimento da cobertura que quase toca o solo, auxiliando no resguardo do material das paredes de xaxim. C) Espaço Interno e Externo Os Mbyá utilizam o espaço interno e o espaço externo basicamente para as mesmas atividades diárias, sendo que usam mais o espaço interno da casa para se abrigar do frio, dormir, cozinhar alguns alimentos e reunir as pessoas em volta do fogo. Mas buscam usar com maior frequência o espaço externo - o pátio do entorno da casa que é uma área coletiva dividida entre as casas do mesmo núcleo familiar. No centro da parte arredondada da casa, fica o fogo de chão que serve para preparar alimentos, aquecer água, confeccionar artesanato e como iluminação noturna – adequada às necessidades dos Mbyá. O fogo de chão é o mobiliário principal da casa, pois possui significados fundamentais na cosmologia Mbyá. Na perspectiva deles, o fogo faz a proteção espiritual das pessoas e também da própria casa. Devido a isso, permanece aceso durante quase todo o dia, tanto no inverno como no verão. Além dessas funções imateriais, o fogo também acaba protegendo os materiais construtivos que compõem a casa e preservando as sementes do milho sagrado (avaxí eteí) que ficam penduradas na estrutura da cobertura recebendo fumaça. O calor do fogo propicia a redução da umidade do ar interno, e a fumaça impede o desenvolvimento de insetos e microrganismos decompositores de matéria orgânica. Dessa forma, a cor interna da cobertura acaba sendo negra, pois compreende a própria cobertura de taquara batida que é escurecida pela fumaça do fogo. O piso interno da casa é o próprio solo local compactado, assim como o piso externo. Costuma-se fazer um vale de drenagem pluvial que separa esses dois pisos, ficando o interno um pouco mais elevado. Esse tipo de piso é fundamental para que seja possível existir o fogo de chão. Além disso, o contato direto com os pés na terra faz parte da cultura dos Mbyá e,
[Figura 29] Exemplo de tipologia construtiva, Aldeia de Setebarras
[Figura 30] Espaço interno da Casa de Rezas, Parelheiros
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assim, eles costumam andar descalços, tanto no inverno como no verão. Os Mbyá ficam durante o dia no pátio coletivo entre as casas de um mesmo núcleo familiar, onde ocorre a maioria das atividades cotidianas. Costumam criar pequenos animais domésticos como gatos, cachorros e galinhas, mas também cuidam de animais silvestres semi domesticados. É comum entre as famílias Mbyá a domesticação desses animais silvestres como “animal companheiro”, os quais convivem soltos próximos às casas de seus criadores. O espaço externo do pátio tem uma delimitação explícita e definida através de um solo aparente e compactado, pois costumam varrê-lo todos os dias. A preparação e o cozimento de alimentos ocorre normalmente fora, justamente nesse local aberto, onde fazem outro fogo de chão para esse fim. [Figura 31] Exemplo de uma tipologia construtiva, Parelheiros
Outro hábito típico que ocorre no pátio é separação das sementes colhidas em suas roças familiares, principalmente as sementes do milho sagrado (avaxí eteí), as quais serão armazenadas em cestos denominados adjaká (Figura 25). Esses são confeccionados de trama de taquara e fazem parte da gama de artesanato produzido tradicionalmente pelos Mbyá. Cabe ressaltar que a questão do artesanato fundamental para a cultura desse povo. Essa atividade promove lembranças da sua história e de sua relação com a natureza, espíritos e deuses. D) Conforto Ambiental
[Figura 32] Exemplo de uma tipologia construtiva, Parelheiros
As casas construídas pelos Mbyá têm um padrão de conforto ambiental específico que responde a suas demandas culturais. Esse conforto vem a ser a soma de aspectos sobre iluminação e ventilação, os quais estão associados às necessidades imateriais desse povo, como a cultura do fogo que gera um padrão de conforto subjetivo relacionado à proteção espiritual da casa e das pessoas. A tipologia da casa tradicional confere um conforto ambiental eficiente adequado às exigências dos Mbyá. A importância da orientação solar na localização da porta de entrada, que é direcionada para a posição leste ou oeste (descrito anteriormente), auxilia em uma melhor orientação climática. Ambas posições fazem com que a cobertura tenha suas faces voltadas para norte e sul, protegendo a casa da maior incidência solar vinda do norte e dos ventos
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frios e fortes vindos do sul. Em relação ao conforto térmico, os Mbyá explicam que suas casas têm uma temperatura agradável durante todo o ano, considerando que a temperatura dentro de casa é constante. Isso se deve à tecnologia e material da cobertura que há nessas casas que proporciona uma ventilação cruzada interna eficiente, mesmo tendo apenas a porta de entrada como abertura. O ar que entra pela porta, acaba sendo aquecido pelo calor do fogo (constantemente acesso), sobe por diferença de pressão e sai pelas fibras da cobertura, bem como a fumaça. O ar sai da casa, mas a água da chuva não entra devido à inclinação acentuada da cobertura que permite o rápido escoamento da água. A iluminação natural ocorre basicamente pela porta, mas também indiretamente pelas frestas da cobertura de taquara. O interior da casa é escuro em função dessa pouca iluminação associada aos materiais construtivos que são naturalmente escuros e as taquaras da cobertura escurecidas pela fumaça do fogo. Mas isso não vem a ser um problema, pois, de acordo com os Mbyá, o espaço escuro é importante para atenuar seus sentidos perceptivos e não exacerbar o uso da visão, equilibrando a relação entre os sentidos perceptivos. Por isso também a iluminação noturna é mínima, proveniente apenas do fogo no centro da casa. Aredita-se que a penumbra é necessária para que se possa entrar em contato com o mundo dos espíritos. E) Uso e Durabilidade O uso e a durabilidade da casa estão associados, pois o tempo de permanência da família em um mesmo local define o quanto deve durar a casa. A casa é usada até o momento em que o deslocamento seja necessário, haja vista a constante mobilidade dos Mbyá dentro ou fora dos tekoa. Assim, algumas casas ficam sem uso por um determinado tempo e depois são reutilizadas pela família que a construiu, por outra família que venha a viver no tekoa ou simplesmente a casa volta a se integrar no ambiente natural, já que é toda construída com as espécies vegetais existentes no local, não havendo produção de resíduos. Dentre os materiais construtivos das casas, os que servem de vedação lateral e horizontal duram menos tempo que os utilizados como estrutura. A estrutura é preferencialmente
[Figura 33] Opy da Aldeia de Boracéia
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construída com espécies arbóreas de qualidade, ao passo que os materiais de vedação acabam necessitando um manejo mais frequente, sendo trocados ou reformados. O tempo de permanência dos Mbyá no tekoa está diretamente relacionado à produção do milho sagrado (avaxí ete). Usam os espaços de cultivo de forma rotativa, buscando aproveitar ao máximo as áreas próximas às casas. Esse tempo costuma ser de cinco a seis anos, dependendo do tipo de solo existente e das características climáticas. Assim, o aspecto temporal e cíclico de cultivo condiciona a durabilidade da casa, o que, por consequência, também condiciona a qualidade dos materiais que serão utilizados na sua construção. Dessa forma, dependendo do tempo que os Mbyá estarão presentes em um determinado local, a qualidade do espaço de moradia aumenta, como Costa (1993) argumenta. Quanto mais adequadas às características do ambiente (solo e clima) para o plantio do avaxí eteí, melhor será a qualidade e o acabamento das casas construídas. Portanto, a durabilidade da casa está adequada aos períodos e ritmos em que se dão os deslocamentos dos Mbyá.
4.1 Materiais Construtivos Os materiais construtivos da casas dos Mbyá são recursos naturais típicos do Bioma Mata Atlântica. São espécies vegetais associadas a valores simbólicos e culturais desse povo. Os Mbyá dão preferência ao uso de algumas espécies por serem consideradas sagradas, principalmente para a construção das casas de reza (opy). Na realidade, são espécies que possuem características físicas adequadas à construção, tais como durabilidade e resistência, mas os Mbyá costumam exaltar mais seus aspectos espirituais.
[Figura 34] Exenplo de materiais tradicionalmente utilizados no piso, na parede e na cobertura
30.
As técnicas construtivas empregadas pelos Mbyá se caracterizam pela criatividade no uso e no emprego das espécies vegetais e no uso da terra como materiais construtivos. São soluções tecnológicas que primam pela simplicidade e adaptabilidade aos ambientes em que vivem, bem como aos recursos de que dispõem. Nesse sentido, há uma postura desvinculada da arquitetura indígena em relação ao controle e ao domínio de conquistas tecnológicas contemporâneas, pois essas acabam delimitando materiais sofisticados que determinam e limitam formas construtivas, segundo o padrão da cultura industrial envolvente. Diferen-
temente disso, o uso de materiais orgânicos que não possuem pré-definições e padrões dimensionais estanques possibilita uma liberdade formal, a qual possibilita diversas soluções de acordo com cada povo indígena e com o ambiente onde são construídas. Serão descritos dados referentes a aspectos físicos e simbólicos das espécies vegetais de maior relevância e preferência para os Mbyá no contexto deste trabalho: .
a) Cedro ou yary (Cedrela fissilis)
.
b) Taquara-mansa ou takua eteí (Merostachys clausenii)
.
c) Cipós ou yxypó
.
d) Terra crua ou Yvy
4.1a Cedro (Yary) O cedro (Cedrela fissilis), ou yary em Guarani, é uma das espécies arbóreas preferidas como elemento estrutural por suas características físicas apropriadas e por sua importância na cosmologia Guarani. Os Guarani o relacionam com uma divindade chamada Yvyra Nhamandú (CADOGAN, 2003). É uma espécie associada aos mitos de criação e sustentação do mundo, sendo uma das primeiras árvores criadas para apoiar e sustentar a abóbada celeste, de acordo com Cadogan. É utilizado como pilares e vigas nas casas construídas pelos Mbyá, possuindo diâmetros adequados e alturas suficientes para o aproveitamento de apoios em forma de forquilhas.
[Figura 35] Quadro de espécies vegetais utilizadas na construção
4.1b Taquara-mansa (Takuá eteí) A taquara-mansa (Merostachys clausenii) é uma das espécies de taquara utilizadas pelos Mbyá como material construtivo. Denominada takua eteí em Guarani, que significa “taquarinha verdadeira”, está relacionada a um mito sobre uma heroína divinizada chamada Takuá Vera Chy Ete (CADOGAN, 2003). Além da construção, também é usada para outros fins, como na produção do artesanato e instrumentos musicais. 31.
Os Mbyá usam a taquara-mansa na forma de feixes macerados (amolecidos por batida) que formam uma espessa camada de cobertura. Além disso, também a utilizam inteiriças ou em tramas como vedação lateral das paredes, recebendo muitas vezes o barro como revestimento. Consideram que é melhor como material construtivo de cobertura do que o capim (capí) ou as folhas de pindó (palmeira) também utilizados para esse fim. Já no caso do pindó, por ter sua importância na cosmologia Mbyá, suas folhas seriam o material preferido, porém não há em quantidades necessárias para esse fim nas áreas indígena, ao contrário da taquara-mansa. 4.1c Cipó (Yxypó) Os cipós são fundamentais como materiais construtivos, pois têm a função de estabilizar a estrutura, com técnicas de encaixe e amarração. Esse papel é ressaltado pelos Mbyá na expressão: “o cipó é nosso prego”. Os Mbyá têm um cuidado e respeito com o manejo dos cipós, assim como qualquer espécie vegetal que coletam nas matas. São encontrados em maiores quantidades em ambientes alterados pelo homem, tais como interfaces de bordas de mata, capoeira e beira de estradas. Os Mbyá têm conhecimentos sobre as formas adequadas de coleta, pois priorizam espécies retas e maleáveis, com o corte feito próximo à altura do joelho para que se mantenha a raiz, permitindo, assim, que brotem de novo.
[Figura 36] Casa com paredes de Terra
Cabe citar que nem todos os tekoa têm acesso às espécies preferenciais de cipó (yxypó eté), pois necessitam de outras plantas em áreas de mata para se apoiarem e crescerem em direção ao sol. Porém, nem todas as áreas indígenas têm áreas de mata com abundância de recursos naturais e, assim, nem todas as casas são construídas com os yxypó eté. Em função disso, os Mbyá acabam buscando alternativas com outros materiais, tais como tiras de tecido e couro reciclados ou pregos e arames comprados. 4.1d Terra crua (Yvy)
[Figura 37] Detalhe da vedação lateral
32.
A terra crua denominada yvy em Guarani é encontrada em todos os pisos das casas construídas pelos Mbyá, possuindo um valor simbólico essencial na cosmologia Mbyá. Também é usada como revestimento das paredes de pau-a-pique na maioria dos tekoa, chamada de yvy ó. O uso da terra como piso possibilita o tradicional fogo de chão e como revestimento
aumenta o isolamento térmico da casa. A terra crua é considerada tão importante quanto qualquer espécie vegetal na perspectiva Mbyá. Assim, os materiais construtivos que os Mbyá empregam em suas construções são considerados mais que elementos funcionais, pois cada espécie vegetal ou mesmo uma parcela de terra crua possui um valor simbólico significativo e específico, de acordo com a perspectiva Mbyá. Constata-se que dão grande importância para as relações entre os elementos que compõe a casa, visto que cada um se refere à entidades que contribuem no processo de criação do espaço construído.
4.2 Tecnologia Construtiva
[Figura 38] Exemplo de tipologia construtiva tradicional
A tecnologia das casas construídas pelos Mbyá compreende técnicas apropriadas aos ambientes naturais e sociais dos tekoa. Empregam basicamente os materiais construtivos citados anteriormente, os quais dialogam de forma integrada com as paisagens existentes, pois são partes no próprio ambiente local. Além disso, são técnicas que demandam processos coletivos durante a construção, reforçando os ritos sociais do sistema cultural dos Mbyá. Essas técnicas são referidas segundo cada subsistema construtivo associado às espécies vegetais utilizadas: estrutura independente de madeira roliça com espécies arbóreas ou bambu; cobertura de folha de palmeira, capim ou taquara; paredes de pau-a-pique com espécies arbóreas, taquaras ou outro bambu; taipa de mão com revestimento de barro; amarrações de cipó e piso de chão batido. Descreveremos a seguir as técnicas mais importantes: .
a) Estrutura de madeira (Oó itá);
.
b) Cobertura de taquara batida (Takuá oje kava ́ ekue);
.
c) Amarração de cipó (Ojokuaá);
.
d) Piso de chão batido (Yvyñapyroã).
[Figura 39] Detalhe da estrutura de madeira e cobertura de Pindó
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4.2a Estrutura de Madeira (Oó itá) A estrutura da casa de madeira é denominada oó ita que significa “estrutura da casa como um todo” em Guarani, pois oó é casa e itá seria pedra, estrutura, pois está associada aos mitos de fundação do mundo dos Guarani. Costa (1993, p.115) descreve que para os Guarani itá é a pedra fundamental que sustenta a base da “segunda terra” (Avy Apy) – o mundo em que vivem hoje, assim como remete a uma conotação de firmeza, estabilidade e base sólida da casa. Segundo Zanin (2006), os Mbyá referenciam a maioria dos elementos construtivos estruturais com a palavra ijytá que significa madeira, suporte, apoio ou pilar, sendo acrescida de algum sufixo referente à sua dimensão ou função.
[Figura 40] Estrutura construtiva da casa Guarani tradicional (oó ita)
A estrutura da casa consiste em um sistema estrutural independente de vigas e pilares em madeira, o qual as paredes têm apenas função de vedação. Os pilares são fixados no solo e estabilizados pelas respectivas vigas. Os pilares maiores denominados itytá ete são apoiados pela cumeeira, a qual é denominada hakamby ete ru piguá, enquanto os pilares menores denominados itytá mirí são apoiados pelos frechais, os quais denominam hakamby ete ru piguá ou ijytá pukú. Esse sistema de pilares e vigas se estabiliza com as interligações dos demais elementos construtivos, como os caibros e os travessões - ijytá í. Os caibros são apoiados e fixados na cumeeira e nos frechais, podendo receber entalhes como encaixes e serem estabilizados com as amarrações de cipó. Os travessões fazem o papel de vigas de suporte horizontal, instalados na face frontal e posterior da casa, sendo que na frente são adequados ao espaço da porta e às vezes cortados em dois. Há também as vigas de apoio que servem para amarrarem os elementos que compõem as paredes.
[Figura 41] Detalhe da amarração da cobertura
34.
As espécies vegetais utilizadas como elementos construtivos são coletadas nas áreas de mata próxima de onde irão construir. Depois da coleta, os troncos que serviram de pilares são lascados, ficando sem cascas ou felpas para melhor acabamento. Os Mbyá escolhem como pilares principalmente as espécies arbóreas que tenham terminações naturais em forma de forquilhas – hakamby – ou, se for o caso, as entalham posteriormente na ponta superior para que sirvam de apoio às vigas.
4.2b Cobertura de Taquara Batida (Takuá oje kava ́ekue) A cobertura de taquara batida denominada takuá oje kava ́ekue em Guarani é uma das técnicas de cobertura empregada pelos Mbyá, traduzida por eles como “telhas de taquara”. A técnica de fixação da taquara à estrutura é basicamente a mesma dos demais materiais utilizados, como o capim ou as folhas de pindó (palmeira). A diferença se dá em alguns detalhes, de acordo com as características de cada um. No caso da taquara, mais especificamente da taquara-mansa (takuá eteí), logo depois de colhida, é talhada ainda verde no sentido longitudinal para que se abra e, dessa forma, os Mbyá podem macerá-la facilmente com um pedaço de madeira. Esse processo propicia romper as fibras da taquara, transformando feixes de taquara que compõem as “telhas”. As ripas da cobertura que apóiam as telhas também são de taquara. Os Mbyá usam como ripas taquaras cortadas ao meio no sentido longitudinal e as denominam de takuá pengue que significa “meia-taquara” (ZANIN, 2006). Também utilizam essa mesma forma de cortar a taquara para formar as telhas, pois dobram diversos feixes de taquara ao meio, encaixando- os e agrupando-os ao longo de uma meia-taquara dentro dessa dobra. Assim se dá a montagem de uma takuá oje kava ́ekue ou telha de taquara. Assim, os feixes ficam dispostos, um ao lado do outro, formando um plano que é levado sobre as ripas de cobertura, as quais também são de meia-taquara. As taquaras cortadas ao meio (meia-taquara) que servem de ripas são colocadas sobre os caibros com o corte voltado para dentro, facilitando o apoio sobre os mesmos. Para melhorar a amarração das telhas, buscam aproximar as taquaras cortadas ao meio (meia-taquara) com as que formam das telhas, as quais encontram dentro das dobras dos feixes de taquara. Conectam ambas usando amarrações de cipó e normalmente utilizam um mesmo cipó para o enlaçamento, formando uma trama sobre o conjunto de telhas e fixando-as ao conjunto da estrutura da cobertura. Vide exemplo na figura 42. Cabe ressaltar que essa técnica de usar a taquara macerada como cobertura é específica e inovadora do povo Mbyá, pois não há equivalência desse uso da taquara (ou bambu) na bibliografia pesquisada, nem no Brasil, nem na América do Sul - região com diversos exemplos da aplicação dessa espécie vegetal como elemento construtivo (HIDALGO, 2003). A única
[Figura 42] Cobertura de taquara batida, casa da Aldeia de Paraty
35.
utilização encontrada próxima refere-se ao uso como “esterilhas”, as quais correspondem ao maceramento de varas de taquara para serem empregadas em forma de painéis como forro interno ou como vedação lateral. 4.2c Amarração em Cipó (Ojo kuaá) São duas as técnicas de amarração empregadas para fixar os elementos construtivos: a técnica por enlaçamento (Figura 43) e a técnica por encaixe (Figura 44). A técnica de encaixe é usada para os casos das madeiras, principalmente nos elementos construtivos mais pesados, consistindo em lascá-los até que criarem uma superfície de apoio, sem precisar necessariamente de amarrações posteriores. É empregada nas vigas de apoio dos pilares, por exemplo, as quais são apoiadas e estabilizadas pelo próprio peso nas forquilhas naturais ou dispensando, assim, a necessidade da fixação com o enlace de cipó. Diferentemente disso, os elementos construtivos mais leves acabam necessitando de ambas as técnicas para melhor amarração estrutural, sendo encaixados e amarrados. Porém, na maioria das vezes, os Mbyá utilizam ambas as técnicas, mesmo nos elementos construtivos mais pesados, para garantirem a estabilidade e a durabilidade estrutural do sistema como um todo.
[Figura 43] Detalhe da técnica de enlaçamento
Utilizam um cipó contínuo nas tramas e nos enlaçamentos dos elementos construtivos, como mencionado anteriormente. Para isso, os Mbyá buscam selecionar e coletar etno-espécies de cipós específicas que possuem características propícias para serem usados na construção, como resistência, flexibilidade e longo comprimento. 4.2d Piso de Chão Batido (Yvyñapyroã) O piso de chão batido denominado yvyñapyroã significa “o chão que nós pisamos” em Guarani, segundo descreve Costa (1989, p.281). Os Mbyá usam essa denominação tanto para se referirem ao piso interno quanto ao piso externo, pois consideram um a extensão do outro, sendo ambos a mesma coisa. Isso se deve também pelo fato das atividades de dentro da casa serem basicamente as mesmas de fora.
[Figura 44] Detalhe da técnica de encaixe
36.
Ambos os pisos consistem no solo local compactado e limpo, sem nenhuma pedra, folhas ou
galhos, sendo o piso interno mais alto que o externo. Os Mbyá buscam os mesmos cuidados e manejo diário dos pisos internos e externos de suas casas, compactando-os com um instrumento típico da cultura Mbyá. Este piso delimita o espaço externo dos núcleos familiares - o piso externo é comum a mais de uma casa – no exercício diário de empurrar a terra em direção às paredes externas e internas da casa. Isso promove o aumento da eficiência da vedação na base da casa, protegendo as paredes. O piso interno é definido durante a execução da casa, na realidade, pois a terra que sai dos buracos de fundação é jogada para o espaço interior da construção e posteriormente é compactada. A delimitação do piso interno se dá pelos elementos construtivos de vedação lateral. Esses auxiliam na pressão do desnível elevado, contribuindo com a contenção do solo compactado internamente. No caso das portas, onde não há vedações, os Mbyá costumam solucionar essa contenção com a colocação de um tronco horizontal ou uma tábua do mesmo material com que fazem a porta. Esse elemento, alto demais para uma soleira (em torno de 20cm), acaba fazendo um papel de banco para as crianças.
[Figura 45] Outra opção para o vedo horizontal é o telhado de sapé que substitui muito bem o que antigamente era feito de pindó
4.3 Processo Construtivo Coletivo (Potirõ) Esse processo construtivo é apropriado ao meio socioambiental dos tekoa. Além de empregarem espécies vegetais do próprio local como materiais construtivos, entre outras questões ecológicas, as técnicas construtivas promovem ritos tradicionais de trabalho que incorporam atividades coletivas entre as pessoas. Essas atividades incentivam a troca e a transmissão de conhecimentos, pois os responsáveis pela organização do processo são normalmente as lideranças paternas da família, as quais se somam às lideranças do tekoa e ainda aos especialistas Mbyá da área da construção que orientam o trabalho durante todas as etapas de obra. O processo construtivo se caracteriza por ser coletivo, pois esse é o método de trabalho fundamental para todas as atividades que os Mbyá desenvolvem. O termo potirõ é traduzido como “mutirão”, o qual corresponde ao trabalho coletivo de ação mútua. Na perspectiva Mbyá, potirõ está mais relacionado a um evento celebrativo de uma atividade específica do que uma ação de trabalho para a sociedade não indígena. Trabalhar em mutirão ou potirõ
[Figura 46] Exemplo do piso de terra batida (Yvyñapyroã)
37.
para os Mbyá compreende um ritual coletivo tradicional promovido para uma atividade que envolve um grupo de pessoas da mesma família. No caso da construção, esse grupo reúne pessoas da família que habitará a casa, juntamente com especialistas da construção Mbyá que irão orientar o processo.
[Figura 47] Exemplo de casa sendo construida
38.
As pessoas da família programam e convidam-nos para o potirõ a ser desenvolvido, providenciando alimentação para todos e alojamento para os que virão de outros locais, segundo as relações tradicionais de reciprocidade dos Mbyá. Nesse sentido, esses mutirões são oportunidades de encontro e troca de informações entre pessoas, o que contribui para o fortalecimento das redes de reciprocidade internas e externas dos Mbyá. Todos contribuem durante no processo: mulheres, homens, crianças e velhos. As mulheres são responsáveis pela produção alimentar e os homens pela obra. As crianças se envolvem como uma grande brincadeira, pois é assim que vão aprendendo as futuras atividades. Ao mesmo tempo, transmitem um sentimento de diversão que se percebe nos adultos e, inclusive, nas pessoas mais velhas que participam normalmente como orientadores do processo.
5. A EXPERIÊCIA NO JARAGUÁ (Tekoa Pyaú E Tekoa Ytu)
As aldeias Ytu e Pyaú estão localizadas na região noroeste da cidade de São Paulo, próximo ao Pico do Jaraguá. Segundo dados fornecidos pelo Centro de Trabalho Indigenista – CTI, a terra indígena que compreende essas aldeias tem aproximadamente 1,75 ha. O Tekoa Ytu foi demarcado em 1987. Seu tamanho extremamente pequeno provoca grandes dificuldades para a vida dos Guarani que lá residem. A Profa. Maria Inês Ladeira ressalta a singularidade dessas aldeias: apresentam complexidade significativa, não só pela organização social, como também pela inserção no contexto urbano. A relação dessas aldeias com a cidade de São Paulo se intensifica a cada ano. O crescimento acelerado da cidade resultou na ocupação dos espaços ao redor das aldeias e na radical transformação do ambiente. Se antes eram relativamente afastadas do meio urbano, hoje podemos considerá-las parte dele.
[Figura 48] Localização do Tekoa Pyaú na mancha urbana de São Paulo
A aldeia fica às margens da estrada turística do Jaraguá, a cerca de 500 metros do Parque Estadual do Jaraguá, e faz fronteira com a Rodovia dos Bandeirantes. Como já foi dito, a área é extremamente pequena para a população de 160 famílias Guarani Mbyas e Nhandevas, o que perfaz um total aproximado de 640 pessoas, em sua maioria crianças. [Figura 49] Proximidade do Tekoa Pyaú com a Av. dos Bandeirantes
5.1 A Situação Atual A Terra Indígena Jaraguá foi identificada em 1983 e teve sua demarcação efetuada sob vigência do Convênio FUNAI–Sudelpa 004/84 e sancionada por despacho do governador, em 1986. Foi declarada de posse permanente indígena e teve sua demarcação administrativa homologada pelo Decreto Presidencial 94.221, de 14/04/1987. Em 1987 foi registrada no 18º CRI de São Paulo. Atualmente, os limites da Terra Indígena Jaraguá estão sendo revisados. Sua ampliação é 39.
urgente e necessária, para que os Guarani deixem de depender de recursos externos. A história desse povo nos prova que ele é mais do que capaz de reger a própria vida com autonomia, desde que tenha espaço digno e suficiente. Enquanto essa ampliação não ocorrer, os processos de empobrecimento e marginalização hoje em curso poderão trazer dificuldades ainda maiores em relação ao restabelecimento do seu modo de vida autêntico. As casas são construídas com materiais diversos: alvenaria, tábuas, e telhas de barro e de amianto. Por meio do projeto da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), foram feitas cinco moradias na Aldeia Ytu. Devido ao estreito contato com a cidade, a aldeia dispõe de certa infraestrutura fornecida pelos serviços públicos: energia elétrica, abastecimento de água da SABESP, coleta de lixo e, mais recentemente, de esgoto. Embora o abastecimento de água seja feito pela rede oficial, um riacho, fonte de água natural de outrora, continua a correr no interior da aldeia, ainda que altamente poluído em razão da falta de saneamento básico das residências da região. É utilizado hoje apenas para lazer (Figura 52). A principal fonte de renda desses indígenas advém da venda de artesanato e de algumas ervas medicinais em praças públicas de São Paulo e escolas infantis. Esporadicamente, eles prestam serviços gerais na região, mas dependem de doações de alimentos, roupas, calçados e medicamentos para sobreviver.
[Figura 50] Vistas aéreas do Tekoa Pyaú
Há um posto de saúde na área. Uma equipe, composta por uma médica, uma auxiliar de enfermagem e um dentista, realiza os atendimentos e as consultas em um pequeno edifício.
AV. DOS BANDEIRANTES
CAMPINHO OPY
COZINHA
[Figura 51] Implantação do Tekoa Pyaú
40.
CECI
A Escola Estadual Indígena Djekupé Amba Arandy atende estudantes da 1ª à 4ª série do ensino fundamental. No primeiro semestre de 2004, a Prefeitura de São Paulo inaugurou outra escola infantil na área: o Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI), voltado para crianças de 0 a 6 anos. Tanto no CECI como na escola estadual os professores são indígenas e o ensino é bilíngue. O CECI conta ainda com um centro de informática e uma cozinha.
5.2 A Questão Habitacional no Tekoa As transformações da cidade de São Paulo foram acompanhadas pelo olhar dos Guarani, que há muitos anos habitam a região. Refletiram-se nitidamente no seu modo de viver. Sua comunidade está inserida na maior e mais rica cidade do país, mas vive em habitações que à primeira vista lembram as das favelas, construídas com restos de madeira e outros materiais improvisados. De modo geral, os Mbyá vêm buscando cada vez mais o reconhecimento de sua própria cultura, o que inclui a edificação de casas típicas. Preferem utilizar, dentro do possível, elementos que façam parte da sua herança indígena, mesmo que tenham acesso aos da cultura juruá (não indígena). Na arquitetura não é diferente.
[Figura 52] Situação atual do córrego da Aldeia
Mesmo quando o seu meio ambiente é fortemente alterado, como o caso dessa aldeia, a lógica de seus procedimentos permanece. Ou seja, continuam utilizando materiais disponíveis ao redor para construírem suas casas (ainda que sejam lonas plásticas e painéis de madeira trazidos da beira de estrada), e buscam seguir a tipologia da casa tradicional nas dimensões e nas técnicas construtivas empregadas (Figura 53). Recentemente, a questão da habitação indígena vem sendo tratada tanto pelo Governo (por intermédio de iniciativas da CDHU) quanto por organizações não governamentais (como a ONG Um Teto Para o Meu País). No entanto, a complexidade dessa problemática requer investigações e estudos aprofundados, a fim de viabilizar edificações que considerem diferenças socioculturais e ao mesmo tempo respeitem adequadamente princípios de estética, de harmonia ambiental e de funcionalidade. A participação e a contribuição de antropólogos, arquitetos, lideranças indígenas e representantes do Governo são fundamentais para determinar diretrizes que intervenham de modo positivo na qualidade de vida das comunidades estudadas.
[Figura 53] Exemplo de tipologia habitacional típica do Tekoa Pyaú
A organização não governamental Um Teto para Meu País tentou implementar na aldeia uma tipologia arquitetônica que vem sendo reproduzida nas periferias das grandes cidades da América Latina. Mesmo sendo uma iniciativa de grande valor pelo seu cunho emergen41.
cial, a inserção desse módulo construtivo repetido em grande escala em território indígena resultaria, a nosso ver, em notável desconfiguração da essência guarani. Embora algumas importantes lideranças da aldeia não estejam de acordo com esse nosso ponto de vista, parece-nos que tal tipologia arquitetônica não atende às reais necessidades culturais Mbyá. Mesmo assim, foi aceita pelos Mbyá do Jaraguá como uma opção que sanaria a precariedade habitacional existente em sua comunidade, devido, sobretudo, à escassez dos recursos naturais tradicionalmente empregados nas casas construídas por eles. O processo de intervenção da ONG, ainda está em andamento e não aparenta se aproximar de um desfecho.
[Figura 54] Esquema construtivo da casa de Um Teto Para Meu País
[Figura 55] Ilustração da tipologia construtiva proposta pela ONG Um Teto Para Meu País
A tipologia não indígena proporcionaria mudanças no comportamento dos Mbyá, pois criaria novas necessidades. Um bom exemplo disso é o fogo, chama que mantém viva a casa. Além de sagrado, serve como fonte de luz, calor e energia para a cocção. Seria inviável acendê-lo no ambiente interno de uma casa com piso impróprio de madeira e sem meio de escoamento da fumaça pela cobertura de telha de zinco. Essa tipologia tornaria necessário o acréscimo de uma série de recursos atípicos da cultura indígena, tais como luz elétrica, calefação e fogão. Há registros de experiências em outros lugares onde foram construídas casas semelhantes. Demonstram que os Guarani aceitam a ajuda externa para, em um segundo momento, analisarem como se apropriar do novo espaço construído. Constatou-se que os índios dessa cultura acabam fazendo suas verdadeiras casas ao lado das não indígenas, e estas, por sua vez, passam a ser utilizadas como depósitos ou quartos de visitas. Essas experiências nos ensinam que antes de qualquer intervenção, seja ela qual for, há questões culturais que devem ser muito bem estudadas e compreendidas. A partir desse ponto, desenvolvemos dentro da comunidade um trabalho interativo com a intenção de elaborar um projeto de moradia que compreendesse as características daquela população específica. Assim, buscamos idealizar uma casa padrão para a aldeia do Jaraguá que levasse em conta as prioridades destacadas pelos próprios usuários.
42.
Em conversas informais e croquis feitos em conjunto com os indígenas, abordadamos questões que orientaram e definiram a arquitetura da casa singular existente no Tekoa Pyaú. Reunimos informações sobre a tipologia, os materiais, a tecnologia e o processo construtivo da casa. Foram coletados dados mais pragmáticos, tais como medidas, proporções, localização e outras orientações em relação à arquitetura da casa. Não obstante, levamos também em conta fatores socioculturais específicos do grupo, fundamentais para a caracterização do projeto que viria a ser desenvolvido. A perspectiva de vida dos Guarani vem mudando nos últimos anos. Com a recente aquisição de áreas de mata virgem por parte do povo Mbyá, tornou-se possível manter minimamente os padrões construtivos indígenas tradicionais desde que haja planejamento para tanto. Recentemente, se comenta muito no Jaraguá a respeito de uma área que será doada ao povo Mbyá como forma de indenização do Governo pelas obras do Rodoanel. Nesta área, os Mbyá pretendem instalar um novo tekoa, mas o processo ainda é muito obscuro. Sabe-se, apenas, que o sítio será na cidade de Tapiraí (SP) e que dispõem de muita mata nativa (Ka’aguy ete). Assim, o projeto de uma casa em conformidade com os costumes da comunidade é um recurso que vem auxiliar tanto às novas aldeias que surgirão quanto às habitações que se tornarão possíveis a partir recursos desta Terra Nova (como os próprios Guarani a chamam). O projeto buscou resgatar a casa tradicionalmente construída por esses indígenas. No entanto, o objetivo dele é mais do que ser um simples registro das técnicas construtivas do povo Mbyá, uma vez que se propõe a exaltar à própria comunidade a importância da sua tradição cultural. Nosso esforço foi muito mais o de manter as tradições, ainda que adaptadas à realidade atual, do que o de propor algo estritamente novo. Por fim, a própria discussão gerada pela elaboração do projeto pode vir a ser ponto de partida para novas eventuais intervenções externas à aldeia, intervenções que no passado tantas vezes ocorreram e fracassaram. Em nosso entender, o fracasso adveio não da má vontade, mas sim da falta de compreensão da cultura guarani no geral e de como essas intervenções podem desestabilizar um modo de vida que já funcionava antes mesmo de a cultura branca chegar a esta terra.
[Figura 56] Localização da Cidade de Tapiraí em relação às Aldeias
43.
5.3 O Projeto da Casa A arquitetura da casa dos Mbyá é compatível com a dinâmica de mobilidade e de relacionamentos típica desse povo, pois foi desenvolvida segundo seus hábitos e costumes socioculturais. Destaca a coerência no uso de recursos existentes nos locais em que esses indígenas vivem, bem como a compatibilidade da casa com as suas necessidades transitórias de espaço. Além disso, promove dinâmicas de construção caracterizadas por ritos coletivos cíclicos que envolvem não apenas a comunidade local, mas também as redes de parentescos externas. [Figura 57] O pajé Sebastião ao lado da liderança Alísio Tupã Mirim
O processo de desenvolvimento da tipologia arquitetônica da casa procurou apropriar-se de todos os aspectos que englobam a reprodução dessa casa, seja na coleta de materiais específicos, nos sistemas construtivos, na forma, na localização, seja no seu uso e desuso. Cabe ressaltar que o modo de construir fortalece o “modo de ser” – exaltado pelos Mbyá como nhande rekó. Portanto, acredita-se que a cultura material expressa por meio dessa arquitetura tradicional contribui para a construção e a reconstrução dos tekoas segundo a perspectiva Mbyá, que inclui as noções de transitoriedade e de imperfeição. Esses aspectos devem ser compreendidos e respeitados pela sociedade não indígena, pois definem uma arquitetura diferenciada, dirigida a uma cultura específica. De acordo com a cosmologia sistêmica desse povo, tanto os tekoa como as casas, as roças ou a própria pessoa Mbyá estão conectados, já que todos esses elementos podem expressar a cultura Mbyá Guarani.
[Figura 58] Evandro Tupã, sentado à esquerda
A partir dessa discussão preliminar sobre as necessidades dos Mbyá e sobre as características específicas da Terra Indígena do Jaraguá, desenvolvemos em conjunto com a comunidade um projeto de casa padrão para o tekoa no Jaraguá. Em conversas com algumas pessoas da Aldeia, em especial Alísio Tupã Mirim (Figura 57) e Evandro Tupã (Figura 58), chegamos ao que seria um projeto da casa tradicional Mbyá Guarani. A partir deste ponto, elaboramos um projeto que procura respeitar a arquitetura vernacular e, ao mesmo tempo, se adequar aos parâmetros da realidade atual de um tekoa imerso em uma cidade grande como São Paulo.
44.
Por meios de palavras, croquis (figura 59) e gestos discutimos questões técnicas e socioculturais descritas no Capítulo 4, fundamentais para a elaboração do projeto. É importante salientar que mesmo constituindo um povo único, os Mbyá tem pequenas variações entre si no que diz respeito aos seus costumes. Portanto nem sempre o que encontramos na literatura pode ser aplicado a uma comunidade específica. Tratando-se de uma comunidade com traço cultural e marcante, como foi possível verificar no contato diário, foi necessário propor um tipo de habitação que integrasse os aspectos culturais Mbyaś Guarani às características urbanas da região. Viu-se a necessidade de instalação adequada da infraestrutura contemporânea (água, luz e esgoto) nas habitações. Respeitou-se a forte tradição guarani de não misturar atividades domésticas com necessidades de higiene pessoal em um mesmo espaço. Tradicionalmente, os Guarani tem o costume de defecar na mata, que como já vimos chega a ser considerada parte importante de suas casas. Contudo, devido às condições locais de ausência de mata suficiente para absorver os dejetos de toda a comunidade, optou-se por criar um banheiro separado do edifício da casa. Admitimos aqui que não tivemos tempo para aprofundar o suficiente a discussão sobre o banheiro na vida dos Guarani. Pode-se dizer que eles o veem como um lugar extremamente íntimo e merecedor de todo o resguardo, por isso a relação com a mata. Entretanto, ao levantar essa questão em conversas informais, pudemos perceber parte de sua complexidade. Vimos que vai além do problema da moradia e mereceria um estudo mais aprofundado.
5.4 O Processo Construtivo O projeto da casa compreende duas etapas do processo construtivo. Em um primeiro momento, prepara-se o terreno (localização, marcação e limpeza) e os materiais construtivos (coleta e tratamento). Posteriormente, planeja-se tudo o que é referente à obra propriamente dita (fundação, estrutura, cobertura, vedação lateral e piso). Essas etapas, orientadas
[Figura 59] Croquis de estudo da casa tradicional Mbyá Guarani
45.
pelos especialistas da construção, são organizadas segundo cada grupo que irá desenvolvêlas. A localização da casa compete à futura família escolher, e ela o faz tendo em vista os terrenos mais apropriados para as suas roças, sobretudo para o cultivo do milho sagrado (axaxí eté). Os locais ideais são as clareiras dentro da mata, mas no caso do Tekoa Pyaú, especificamente, não há mata. Depois de escolherem a área de moradia em conjunto com a área de cultivo, prepararam o terreno para ambas as atividades, deixando o espaço da casa subordinado ao da roça. A preparação do terreno para a casa compreende a limpeza e a marcação do posicionamento da entrada da casa, em que a porta fica orientada para o oeste. A preparação dos materiais construtivos consiste na coleta e tratamento das espécies vegetais a serem usadas. A coleta é feita preferencialmente durante a lua minguante, pois é o período em que a seiva das plantas está concentrada nas raízes. Assim evitam-se futuras rachaduras e as plantas se tornam mais resistentes ao ataque de insetos, cupins, fungos e outros, segundo os conhecimentos dos Mbyá. A fundação tem início com a definição dos lugares onde serão feitas as covas que receberão os pilares. São doze covas de aproximadamente 0,6m de profundidade, colocadas paralelas no sentido longitudinal da casa. Uma parte da terra retirada das covas é colocada no centro da casa e a outra parte retorna às covas para fixação dos pilares. A estrutura principal da casa compreende seis pares de pilares e vigas arquitravadas apoiadas nas forquilhas dos pilares formando os pórticos. A cumeeira é apoiada na ponta da tesoura e os frechais nos pilares. O peso desses elementos é suficiente para a estabilidade da estrutura como um todo, sem que haja a necessidade de fixação com amarrações de cipó. Posteriormente são instalados os caibros, que são apoiados em encaixes entalhados nas vigas e enlaçados com um único cipó contínuo. Depois colocam-se os travessões verticais. [Figura 60] Perspectivas do projeto proposto
46.
Posteriormente, ripas de meia-taquara são postas sobre os caibros para apoiar e fixar as telhas de taquara batida. As telhas de taquara da cobertura são fixadas com um mesmo cipó
contínuo sobre as ripas, formando uma trama de telhas e ripas. As telhas são dispostas de baixo para cima com larga sobreposição para terem espessura adequada, e deixa-se a última telha aberta sobre a cumeeira, que por sua vez é fixada com uma taquara inteiriça interna. Ao final, amarram-se com cipós taquaras longas sobre as telhas, cobrindo todo o vão da cobertura, o que propicia melhor fixação das telhas de taquara. Após o fechamento com os elementos de vedação horizontal (cobertura) faz-se a vedação vertical (paredes). A montagem dos elementos que compõem as paredes, no caso bambus, tem início com a escavação de uma vala no solo, no perímetro da casa. A vala deve ter 0,3m de profundidade e a terra proveniente dessa escavação tem o mesmo fim daquela que foi usada na fundação. Os troncos são dispostos na vertical, apoiados diretamente no solo e fixados nas vigas de apoio da parede com enlaçamentos de cipó. Busca-se formar uma trama entre um único cipó e os troncos, assim como fixar os demais elementos de vedação. A base das paredes é vedada com a terra próxima da casa. A terra é varrida em direção às paredes, tanto no espaço interno como no externo. O piso é a última etapa a ser executada. Primeiro se escava uma vala para drenagem pluvial ao redor da casa, profunda o suficiente para o escoamento superficial do terreno. A terra retirada é adicionada à que já havia sido deixada no espaço interno da casa e ambas são compactadas com pedaços de toras de madeira. O piso interno deve ficar mais elevado que o externo, e as paredes fazem a contenção do solo compactado interno. O ideal seria manter o costume de varrer diariamente a casa e o pátio, conservando a compactação e a limpeza dos pisos. Por fim, o processo construtivo se encerra com celebrações entre todos os participantes, por meio de rituais que dão início à nova moradia. Há comemorações coletivas com festas no tekoa e rezas de agradecimentos às divindades que auxiliaram o processo, segundo a perspectiva Mbyá. Há também momentos de celebração dentro da casa para que todos os elementos construtivos empregados, ou seja, as espécies vegetais utilizadas, somem energia e “criem um único espírito”, que deve ser “alimentado” diariamente com a presença do fogo no interior daquela moradia.
[Figura 61] Perspectivas do projeto proposto
47.
6. A EXPERIÊNCIA EM PARELHEIROS (Tenondé Porã)
Assim como o Tekoa Pyaú, Tenondé Porã é uma das três Terras Indígenas Guarani da cidade de São Paulo. Trata-se de uma comunidade existente no extremo sul de São Paulo, no bairro de Parelheiros, na região da represa Billings. A aldeia teve origem nas famílias que se fixaram na região na década de 1950. Esse sítio sempre foi local de passagem para, os Guarani Mbyá que vinham da região das aldeias do Paraná e Rio Grande do Sul para o litoral. Estes povos instalavam suas tekoas nos lugares escolhidos de acordo com a facilidade do acesso à yvy marae’i, a Terra Sem Mal. Acredita-se que nestes lugares se poderia reproduzir o nhandereko, o modo de ser guarani.
[Figura 62] Localização do Tenondé na mancha urbana de São Paulo
Em 1955, a família do Sr. Nivaldo Martins da Silva Karai Roka Ju, liderados pela sua avó D. Vitalina chegou ali depois do convite feito por um sitiante japonês chamado Kugo Igo. Ele havia conhecido a família do seu Nivaldo na Praça da Sé, onde tentavam vender seu artesanato. O sitiante propôs aos Guarani que ocupassem sua terra e em troca ajudariam Igo em sua plantação de mandioquinha que era vendida no Ceasa. Algum tempo depois, o sitiante resolveu retornar ao Japão e deixou para o pai de Nivaldo, Eduardo Martins da Silva, um documento em que passava a posse da terra à eles. Na década de 1970, mesmo com a posse da terra dada pelo Sr. Nakamura, a comunidade sofreu uma série de agressões de grileiros. A regularização da tekoa veio a acontecer apenas em 1987, depois que os caciques Guarani do estado de São Paulo lutaram na justiça para terem suas terras reconhecidas. Quem representava a aldeia nesta época era Manoel da Silva Werá. O primeiro líder da Aldeia Krukutu foi o Sr. Manoel; quem o substituiu mais tarde foi o Sr. Nivaldo, em seguida Ventura Papa, Marcos Tupã e agora Manoel Werá novamente. A luta para oficializar as terras começou em 1979 e contou com o apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a FUNAI e o governo do estado de São Paulo na gestão do governador Franco Montoro.
[Figura 63] Vista geral do Tenondé Porã
[Figura 64] Vista geral do Tenondé Porã
49.
Com o crescimento acelerado e desordenado da região e a falta de espaço para manter o modo de vida tradicional guarani nos atuais 25,88ha, a comunidade entrou, no ano de 2001, com o pedido de redemarcação de nossas áreas juntamente com a aldeia do Jaraguá. No atual terreno não conseguem plantios suficientes e já não podem extrair o que precisam da pequena mata restante. Ainda sobre a redemarcação, o ultimo parecer da FUNAI no ano 2004, foi contrario a ampliação. O estudo pedindo a ampliação, segundo a fundação, estava incompleto. [Figura 65] A antiga horta a frente do edifício principal da Escola
Em 2001 a Associação Guarani Nhe’ ê Porã foi legalizada. Também foi o ano que construíram a atual Casa de Rezas. Além desta centralidade, a aldeia conta com outros três edifícios singulares : O Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI) Tenondé Porã, a Unidade Básica de Saúde (UBS) Vera Poty e a Escola Estadual Gwyra Pepó.
6.1 A Elaboração do Programa
[Figura 66] O refeitório da Escoa sendo construido
[Figura 67] Um dos três edifícios de salas de aula da Escola
50.
Por meio de contatos estabelecidos no Jaraguá, a discussão que vínhamos fazendo a respeito da arquitetura tradicional Mbyá-Guarani se expandiu. Lideranças do Tenondé Porã representadas por Jerá (Giselda Pires de Lima) se interessaram pelo trabalho de resgate das técnicas tradicionais adaptadas a realidade atual. Expressou-se, por parte destas lideranças uma profunda preocupação com o ambiente em que crescem as crianças de lá, no qual a cultura juruá avança cada vez mais. Isso porque mesmo tratando-se de uma aldeia rica em recursos naturais, eles possuem muitas casas de alvenaria. Estas casas foram em sua maioria construídas por iniciativas do governo. De início, a vontade de Jerá era de ampliar a Escola Estadual com uma biblioteca Guarani que incentivasse as crianças a tomar gosto pela leitura. Atualmente, a biblioteca fica em um depósito pequeno e pouco atrativo. A ideia era utilizar técnicas tradicionais como contraponto aos outros três edifícios existentes de estrutura de madeira e alvenaria de concreto. O terreno proposto era onde hoje se encontra a antiga horta desativada pelo extensivo estrago realizado pelas galinhas como mostra a figura 65.
Com o passar do tempo, vislumbramos a possibilidade de agregar outras ideias ao projeto e, assim, o programa foi se expandindo. Um refeitório estava começando a ser erguido bem em frente ao edifício principal com técnicas de permacultura (Figura 66). No momento de elaboração do nosso projeto de ampliação, esse refeitório já estava praticamente finalizado. Além dele e da biblioteca, seriam anexados ao contexto escolar outros edifícios. A ideia de também incluir nesse contexto uma videoteca partiu de um grupo de pessoas que faz um trabalho audiovisual na aldeia. Ao mesmo tempo que capturam as imagens para diversas produções, eles ensinam os Guarani interessados a manusear os equipamentos de vídeo e som. Outra proposta que foi agregada ao projeto é a construção de um Ateliê de Artes Indígena, a pedido da Professora voluntária Mayra Oi que dá aulas de artes às crianças da Escola. Juntamente com o pedido do Ateliê, surgiu a ideia de fazer um espaço de exposições dos trabalhos realizados pelos alunos.
[Figura 68] Jerá explicando uma das propostas à comunidade
Em conversas com os Professores da Escola Municipal verificou-se a falta de banheiros nos arredores da escola. Foi pedido também um espaço exclusivo para os professores, que ao todo somam aproximadamente vinte pessoas. Outra queixa apresentada foi a falta de lugares delimitados para estacionar os carros; longe do convívio diário das crianças que por vezes os transformam em verdadeiras obras de arte. Por fim, ainda decidimos reconstruir a horta, desta vez com uma proteção maior.
6.2 A Proposta de um Projeto Participativo [Figura 69] A comunidade discutindo o projeto na maquete
As principais idealizadoras do projeto, Jerá (Figura 68) e Mayra, propuseram uma escola que se aproximasse de algumas diretrizes estabelecidas pela Professora Maria Amélia Pereira. Segundo a renomada pedagoga, o brincar é um dos processos de conhecimento mais eficaz para aprendizado infantil. Em suas próprias palavras; “elas (as crianças) apenas querem seu lugar, seu habitat, com espaço e tempo suficientes para que brincando possam crer-ser, rodeadas por adultos inteligentes porque sensíveis, que saibam acolher o mistério da vida que se expressa dentro de cada uma delas.” 51.
Uma vez estabelecido o programa, elaboramos uma maquete do entorno existente a fim de discutir as possibilidades de implantação dos novos edifícios. Discutimos exaustivamente todas as possibilidades levantadas, levando em consideração a opinião dos professores de Escola, das lideranças da Aldeia e dos técnicos envolvidos. Mesmo tendo-se como prioridade a construção da biblioteca, achamos por bem pensar em um planejamento como um todo, a fim de dar um conjunto à Escola. Nem sempre familiarizados com os desenhos e representações arquitetônicos, os Guarani apresentaram certa dificuldade de compreender as propostas e de expressar suas ideias. Assim, a maquete provou ser uma ferramenta importante para a discussão do projeto. Conforme registrado na figura 69, partimos de volumes genéricos para estudar o entorno e propor possibilidades de implantação do programa. Definido o partido e a implantação, passamos a discutir cada edifício dentro de cada grupo de interessados. Cabe citar que esta é a fase que se encontra o projeto atualmente e, infelizmente, não se tem previsão de finalizar o projeto até o término deste trabalho. No entanto, é pertinente expor aqui o desdobramento do trabalho iniciado, mesmo que não tenha sido concluído ainda. Foi justamente a perspectiva de tornar este projeto mais concreto que impulsionou o desenvolvimento desta segunda experiência. Assim como no Jaraguá, o programa de necessidades foi construído conjuntamente com a comunidade, porém neste caso há um terreno específico para a implantação. Além disso, diferentemente do que ocorre no Jaraguá, em Tenondé Porã há uma certa disponibilidade de recursos naturais para a construção dos edifícios em questão.
[Figura 70] Fotos da maquete final
52.
Em termos gerais, deparou-se com uma comunidade já engajada para realização do projeto. Alguns se disponibilizaram para auxiliar na construção, outros contribuíram na concepção das ideias do projeto e, por fim, as lideranças se mobilizaram para viabilizar a obra. Além disso, um grupo de escoteiros com experiência na construção se voluntariou para servir como mão de obra caso fosse necessário.
Como já foi dito, a aldeia dispõem de certa quantidade de recursos naturais para a construção. Antes da elaboração do projeto, procuramos tomar conhecimento da qualidade e da quantidade destes recursos. Essas informações serviram como uma importante base para dar início ao trabalho. Não se descartou, porém, um eventual acréscimo de recursos externos caso julgássemos necessário. A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente forneceria as ferramentas necessárias. Levantamos ainda a possibilidade de pleitear recursos financeiros junto ao órgão estadual. A utilização do bambu como matéria-prima para a construção dos anexos da Escola nos pareceu bastante adequada para a situação. Há alguns tipos de bambus de boa qualidade para a construção na região da aldeia. Historicamente, a comunidade tem contato com o material. Ele é utilizado em parte dos artesanatos, principalmente na confecção de cestarias como mostram as figuras 71 e 72.
[Figura 71] Oficina de cestaria
Foi colocado a disposição, como material construtivo, duas qualidades diferentes de bambu e madeira de Carvalho. A primeira qualidade de bambu não se sabe precisamente a espécie, mas é muito boa para a construção. O diâmetro do colmo varia entre 0,12 e 0,16m. Encontramos três grandes tufos de plantação desta espécie. A segunda, refere-se à Taquara-mansa (Merostachys clausenii) ilustrada na figura 68. Seu colmo tem em média 0,08m de diâmetro e a plantação ocupa uma área aproximada de 250m². Não tivemos contato direto com a madeira de Carvalho para saber a quantidade, mas sabemos que está em bom estado. [Figura 72] Artesanato local a partir manuseio do bambu
Há a possibilidade de incrementar esta gama de materiais. Surgiu por parte da própria comunidade o interesse de utilizar como vedo vertical um produto industrializado que vem sendo testado em algumas construções na aldeia: A Eco-telha Onduline. Ela é um composto de fibras vegetais agregadas pelo betume (resíduo do refinamento do petróleo) que fornece a proteção mecânica e a impermeabilização do produto. As soluções construtivas de cada edifício ainda não foram completamente definidas, portanto não serão expressas neste relatório. Todavia, procuramos apontar a direção em que o projeto está caminhando, a fim de contextualizar o leitor. [Figura 73] Extração do bambu da região
53.
[Figura 74] Mais fotos da maquete final
54.
7. CONCLUSÃO
A arquitetura indígena é uma das mais importantes fontes de referência de construções realmente sustentáveis em diferentes aspectos: ambiental, social, cultural e econômico. Os povos indígenas seguem uma visão de mundo mais integral na relação entre homem-natureza e, assim, contribuem para a revisão de conceitos e princípios dos atuais paradigmas socioculturais da sociedade moderna envolvente. Cabe destacar que o conceito de sustentabilidade, muitas vezes, é confundido com a questão ambiental, no seu sentido restrito. Mas está muito além disso. Para que o desenvolvimento possa ser considerado sustentável, são considerados, além do equilíbrio físico-ambiental, o crescimento econômico e a equidade social. A estes fatores, o aspecto cultural deve ser incluído. A sustentabilidade cultural está ligada à necessidade de se evitarem conflitos culturais, e deve ser buscada através da especificidade de soluções para cada local e cultura em particular. Os Mbyá-Guarani conservam fortemente sua cultura material com princípios que condizem com uma arquitetura sustentável, utilizando materiais, técnicas, sistemas e processos construtivos de baixo impacto ambiental. Nesse sentido, assim como outros povos indígenas, seguem lutando pela preservação dos ambientes naturais, espaços onde estão os elementos simbólicos e materiais necessários para a reprodução de sua cultura. Entretanto, são poucos os estudos e referências sobre a arquitetura indígena, devido a pejorativos históricos que levaram à sua desvalorização. Inclui-se nisto, a invisibilidade social de alguns povos existentes no território nacional. Fica a sugestão de que a cultura juruá tem muito a aprender com quem vive nessa terra a muito mais tempo. [Figura 75] Diagrama do ciclo de vida de um material de acordo com uma ótica sustentável
55.
8. GLOSSÁRIO Adjaká Ajuy Anhangapiry Anhetenguá Apyká Avaxí eté Avy Apy Avy Mbyá Retã Avy Tenondé Ayvu porã Eté Hakamby ete ru piguá Ijytá Ijytá ete Ijytá í Ijytá mirí Ikorá Ijytá pukú Ikorá jokuá renda Inharuká Itá Jakairá Jandiaú Jeguatá Tape Porã Jety Juruá Kaiová Ka’aguy Ka’aguy ete Ka’aguy poru ey Ka’aguy yvin Karaí
cesto louro pitangueira verdade, liberdade pequenos bancos milho sagrado Guarani Segunda Terra (mito) território ou mundo Guarani Primeira Terra (mito) bela verdadeira verdadeiro cumeeira madeira, suporte estrutura verdadeira ou grande (pilar) estrutura pequena estrutura menor vedação lateral travessão ou frechal apoio grande ripa pedra divindade da primavera melancia caminho belo ou caminhada da tradição batata doce homem branco, semente que vem da boca parcialidade lingüística e cultural Guarani mata sagrada mata verdadeira mata intocada, que não pode ser cultivada mata baixa para cultivos líder religioso, nome próprio, divindade 57.
Kocue Kuaray Kumandá Kunhã Kunhã karaí Maloca ou maioca Mandió: Manduvi Mbyá Mbyá Rekó Meme Mbyá Reta Nhamandú Nhande rekó Nhanderu Nhandevá Nhemongaraí Nhimbe Nhüu Oga ou oó Oga requia oi kua a pava’e Ogapuá Oguatá Ojokuaá Õkê Oó itá Oó korá Opy Pindó Pindoty Porá Potirõ Py Rapyta Rekó 58.
área de roça sol, nome próprio feijão mulher mulher sábia casa grande mandioca amendoim parcialidade lingüística e cultural Guarani delimitação geográfica e social território guarani divindade que o sol representa modo de ser divindade parcialidade lingüística e cultural Guarani batismo sagrado do milho e das crianças mobiliários, em geral campo casa arquiteto quem sabe construir caminhada amarração de cipó dormir, porta estrutura de madeira parede de feto-a-pique casa de reza jerivá, palmeira sagrada, utilizada na construção lugar com muito pindó bonito (a) mutirão centro fundamento ou fundação modo de ser
Takuá eteí Takuá oje kava’ekue Tatá Tekoá Yari Yguaté Yvy Yvy Ä Yvy Adjodja Porã Yvy Angûy Yvy Awaté Yvy Marãe’y Yvymbyté Yvyñapyroã Yvy Yxypó eté Yvyra Yy
taquara verdadeira cobertura de taquara batida fogo área adequada ao modo de ser Mbyá, aldeia cedro estrutura de madeira que serve como armário terra encosta de morro espaço de ocupação indígena mais intensa lugar de fazer aldeia parte mais alta e íngreme do morro Terra sem mal Paraguai piso de chão batido parede, casa de terra cipó verdadeiro madeira, árvore água
59.
9. LISTA DE FIGURAS [Figura 03] - Revista aU - Arquitetura e Urbanismo, ed 182 - Maio 2009 [Figura 09] - Acervo de Vinícius Toro [Figura 10] - Acervo de Vinícius Toro [Figura 12] - Acervo de Vinícius Toro [Figura 16] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 24] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 27] - Carlos Zibel - Habitação Guarani: Tradição Construtiva e Mitologia, 1989 [Figura 29] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 30] - Acervo de Vinícius Toro [Figura 33] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 35] - Letícia Prudente - Arquitetura Mbyá-Guarani Na Mata Atlântica do RS [Figura 39] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 40] - Carlos Zibel - Habitação Guarani: Tradição Construtiva e Mitologia, 1989 [Figura 41] - Carlos Zibel - Habitação Guarani: Tradição Construtiva e Mitologia, 1989 [Figura 42] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 43] - Carlos Zibel - Habitação Guarani: Tradição Construtiva e Mitologia, 1989 [Figura 44] - Carlos Zibel - Habitação Guarani: Tradição Construtiva e Mitologia, 1989 [Figura 48] - Base do Google Earth alterada pelo autor [Figura 49] - Base do Google Earth alterada pelo autor [Figura 50] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 51] - Base da ONG Um Teto para Meu País alterada pelo autor [Figura 52] - Acervo da Triptyque Architecture [Figura 53] - Acervo da Triptyque Architecture [Figura 54] - Ilustração de Bruna Menezes [Figura 56] - Base do Google Earth alterada pelo autor [Figura 57] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 58] - Acervo de Fernando Stankuns [Figura 62] - Base do Google Earth alterada pelo autor [Figura 71] - Acervo de Lucas Keese [Figura 72] - Acervo de Lucas Keese [Figura 73] - Acervo de Lucas Keese NOTA: As figuras não indentificadas nesta lista pertencem ao acervo do autor 61.
[ANEXO 01]
MATERIAL
APLICAÇÕES
REFERENCIAS
EXEMPLOS
BAMBU
estrutura; teto; piso; vedação; painel, chapa; tecido; esteira; móvel; utencílio, bambucreto; armação de placa cerâmica; biocreto; BLC.
Marco A. R. Pereira e Antonio L. Beraldo -‐ Bambu de Corpo e Alma; Thiago Machado Greco e Mariana Cromberg -‐ Bambu: Cultivo e Manejo; Oscar Hidalgo Lopez -‐ Bamboo: the gift of the gods; El Bambu Como material de Construccion.
Simon Velez; GUADUA-‐BAHAREQUE HOUSE; Shigueru Ban; Kengo Kuma, Casa de bambu no Parque Estadual da Serra da Tiririca . Celina Llerena; Benjamin Garcia Saxe; Handmade School (Anna Heringer).
CORTIÇA
impemeabilizante; revestimento; ladrilho de aglomerados de cortiça (com ou sem aditivos); pavimento flutuante; prevensor de condensação e dilatção; isolante térmico, acústico e vibrátil.
A Cortiça como Material de Construção -‐ Manual Técnico; Cortiça e Arquitetura (Promocork)
Alvaro Siza, Souto de Moura, Ana Mestre,Hidden House Serene Sustainable Clad House (Standard Architecture), Cork Block Shelter (david Mares)
FIBRAS
48º Congrsso SOBER; Holmer Savastano Jr. -‐ Fibras Vegetais para cordalha, reforço de materiais, tecido, esteira, Construção Civil; Guilherme Wiedman -‐ Fibra de Coco e Resinas estofamento, telhas; caixas d'água de Origem Vegetal p. Produção de Componentes da Construção Civi
RESINAS
impermeabilização, plastico verde, cola de paineis,
revestimento de PU vegetal -‐ Sinergia Service Ltda.; Guilherme Wiedman -‐ Fibra de Coco e Resinas de Origem Vegetal p. Produção de Componentes da Construção Civi
Casa Jaya; Guilherme Wieldman.
TERRA
tijolo de adobe; Pães de barro; Pau-‐a-‐pique; Reboco Natural; Stranglehm; Superadobe; Taipa de Pilão; Taipa Leve -‐ (revestimento e vedação)
Johan Van Lengen -‐ Manual do Arquiteto Descalço; Alessandra Navarro -‐ Sistema de Vedação Pré-‐Fabricado em Madeira de Reflorestamento (1999)
Escola de Artes Plásticas de Oaxaca -‐ México (Arq. Maurício Rocha); Casa do Bandeirante, Gernot Minke; Hassan Fathy, Handmade School (Anna Heringer); Diébédo Francis Kéré; kapelle der versöhnung
Carol Atkinson; XTEN Architecture; Arquiteto José Augusto Conceiçã;, Saint Val Arquitetos; Rural Studio, Instituto Socioambiental -‐ Brasil Arquitetura.
63.
TABELA 2 - INTERACÃO DOS MATERIAIS CONTRUTIVOS
MATERIAL
CIMENTO
BAMBU
BAMBU
bambucreto e biocreto
X
CORTIÇA
junta de expansão
FIBRAS
fibrocimento
RESINAS TERRA
calficite
METAL
FIBRAS
TECIDOS
estrutura de bambu com esteiras revestidas de nós metálicos resina e fibra-‐de-‐vidro compósito de aglomerados
amarração dos nós da estrutura de bambu
X
chapas de partículas e resina poliuretana
chapa de fibras aglomerada
Impermeabilizante
terra palha
superadobe
placas cerâmicas armadas com bambu
casca de cerâmica armada
LISTA DE ANEXOS [ANEXO 01] - Tabelas síntese da pesquisa de materiais de origem vegetal [ANEXO 02]- Projeto da Casa Mbyá-Guarani Tekoa Pyaú [ANEXO 03]- Projeto de Ampliação da Escola Estadual Indígena Guarani Gwyra Pepó 64.
BIBLIOGRAFIA AGOPYAN, Vahan - Materiais Reforçados com Fibras para a Construção Civil nos Países em Desenvolvimento: O Uso de Fibras Vegetais, (1991). BONDUKI, Nabil Georges - Construindo Territórios de Utopia. Dissertação (1986) BONDUKI, Nabil Georges - Origens da Habitação Social no Brasil. BRUNDTLAND, Gro Harlem - Nosso Futuro Comum - COMISSAO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (Relatório da UNESCO) CADOGAN, L. - Tradiciones Guaraníes em el folklore paraguayo. Fragmentos de etnografia mbyá-guaraní. Asunción: Fundacion Leon Cadogan, Centro de Estúdios Paraguayos Antônio Guash, 2003. COSTA, Carlos Roberto Zibel – O Desenho Cultural da Arquitetura Guarani. Revista do Programa de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, São Paulo, n.4, dezembro 1993. COSTA, Carlos Roberto Zibel – Habitação Guarani: Tradição Construtiva e Mitologia. Tese de Doutorado (1989) V.1 e V.2 EDWARDS, Beian - Guia Basica de la Sostentabilidad - Editora GG (2004) FIGUEIREDO, Fernando Stankuns de Paula – Oim-Iporã-Ma Ore-Rekó: experiência de estudantes universitários e os Guarani. Trabalho Final de Graduação (2005) GAUZIN-MULLER, Dominique - Arquitetura Ecológica GRECO ,Thiago Machado e CROMBERG, Mariana - Bambu: Cultivo e Manejo HENRIKSON, Robert e GREENBERG, David – Bamboo Architecture in Competition and Exibition. (2011) HIDALGO, Oscar Lopez - Bamboo: the gift of the gods LADEIRA, M. ; MATTA, P. - Terras Guarani no Litoral: as matas que foram reveladas aos nossos antigos avós = Ka ‘agüy Oreramói Kuéry Ojou Rive Vaekue Y. São Paulo: CTI, 2004. LADEIRA, M. ; FELIPIM, A. - Tekó Mbaraererã: Fortalecendo Nosso Verdadeiro Modo de Ser. 65.
São Paulo: CTI , 2005. MINKE, Gernot – La Tierra como Material de Construcción y su Aplicación en la Arquitectura Actual. EcoHabitar Ediciones (2010) NAVARRO, Alessandra - Sistema de Vedação Pré-Fabricado em Madeira de Reflorestamento (1999) PEREIRA, Marco A. R. e BERALDO, Antonio L. - Bambu de Corpo e Alma PORTOCARRERO, J. - Baí, a casa Bóe: Baí, a casa Bororo. Uma História da moradia dos índios Bororo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em História. Cuiabá: UFMT, 2001. PRUDENTE, Letícia Thurmann - Arquitetura Mbyá-Guarani Na Mata Atlântica Do Rio Grande Do Sul. Porto Alegre: PPGEC/ UFRGS, 2007 RONCONI, Reginaldo Luiz Nunes - Habitações Construídas com Gerenciamento Pelos Usuários, com Organização da Força de Trabalho em Regime de Mutirão. EESC-SP (1995) SANTOS, Milton - A Urbanização Brasileira - Edusp (2009) SOLANAS, Toni - Vivienda y Sostentabilidad en España Vol. 1 y 2 VAN LENGEN, Johan - Manual do Arquiteto Descalço VILLAÇA, Flavio - o que todo cidadão precisa saber sobre Habitação - Global Editora (1986) VILLELA, Dianna Santiago - A Sustentabilidade na Formação do Arquiteto Urbanista. BH. 2007 WIEDMAN ,Guilherme - Fibra de Coco e Resinas de Origem Vegetal p. Produção de Componentes da Construção Civil ZANIN, N. - Abrigo na Natureza: Construção Mbyá-Guarani, Sustentabilidade e Intervenções Externas. Dissertação de mestrado. Pós Graduação em Engenharia Civil. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
66.