Cidade: Substantivo Feminino

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CIDADE:

SUBSTANTIVO FEMININO

As desigualdades de gênero e o espaço público (não) vivenciado pela mulher

ISABELA RAPIZO PECCINI



CIDADE: SUBSTANTIVO FEMININO

As desigualdades de gênero e o espaço público (não) vivenciado pela mulher

Autora:

Isabela Rapizo Peccini Orientadora:

Marlise Sanchotene de Aguiar

Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação - Banca Final Julho - 2016

Ilustração de Capa: Giulia Panno



Agradecimentos



Agradecimentos

Às mulheres da minha vida e também as que nunca cruzaram o meu caminho. As que conheci nessa e em outras jornadas, as que lutaram e lutam junto comigo, as que eu admiro e me espelho e também as que nunca conheci e talvez nunca conheça, mas sei que existem e resistem todos os dias. Às trabalhadoras terceirizadas da UFRJ e de outras Universidades, que vivem na pele a precarização do trabalho e da vida. Às moradoras da Vila Autódromo, da Maré e de tantos outros lugares desta cidade que não se deixam apagar. Às mulheres que vieram antes de nós e nos fizeram estar aqui e também às que ainda virão e ainda farão a diferença. Todas mulheres que tomam pra si o direito de viver a cidade, de ocupar os espaços, de ser mulher. À Marlise por ter, sem titubear, aceitado a minha proposta de construir um Trabalho Final de Graduação sobre “gênero e cidade”, como eu introduzi no início disso tudo. Por ter feito com que esse processo fosse leve, saudável e divertido, mesmo nas crises. E ter sido muito mais do que uma orientadora, ter sido companheira, amiga, ter se interessado e feito, ao meu lado, com que isso fosse possível. À minha mãe, por ter sido, como tantas outras, uma mãe (quase sempre) solo. Por ter feito de tudo para que eu estivesse hoje aqui. Por ter, de diversas formas, me feito enxergar o mundo e ter se transformado, ao longo do tempo, em uma amiga. Às mulheres da minha família: vó, mãe, tias, prima. Não tenho dúvidas que o fato de ter crescido cercada de mulheres incríveis como vocês, cada uma do seu jeito, foi essencial para que eu visse a força do que é ser mulher. E também ao meu avô e primos pela força, mesmo tendo que ouvir meus discursos às vezes, sabem que são feitos com todo o carinho. Ao Dodô, por ser como um pai, por falar de mim com tanto brilho nos olhos. À Joana, por ter acompanhado cada uma das etapas. Por ter enxugado algumas lágrimas e dividido muitos sorrisos. Por me fazer viver algo tão lindo. Por estar ao meu lado, todos os dias.


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Ao Lucas, pela amizade, pelo carinho, pelo amor dos últimos anos. Por todas as construções que fizemos juntos, por todas as conversas, os abraços, todas as trocas. Por tudo, até o último momento. À Giulia, pelos anos de amizade que ultrapassaram as barreiras da FAU. Por trocarmos tanto, por ser tão amiga. À Let e à Bru por estarem sempre por perto dando tanta força. Ao Ywerson, por ser essa pessoa insubstituível, por estar presente em qualquer circunstância, pela amizade acima de tudo. A cada um que construiu a greve de 2012 e, principalmente, a Ocupação do Ex-Canecão. Foi ali o meu primeiro momento de luta enquanto estudante da FAU UFRJ, onde conheci pessoas incríveis, principalmente aqueles mais perturbados, e vivi momentos que nunca serão esquecidos. Ao CAFAU e a cada pessoa que fez e faz parte dessa construção. À galera das gestões O Que Importa? e Intervenha. Foi no CAFAU que entendi como eu queria viver a Universidade: lutando. Um espaço que faz com que seja possível construir uma universidade e uma cidade mais acessíveis, que luta por um ensino cada vez mais crítico e democrático e que me deu grandes amigos e momentos. Se não fosse a construção coletiva nesse espaço, esse trabalho não seria possível da forma que ele se apresenta. À Mari Bicalho, Tamar, Elisa, Malu, Bea, Carol Laino, Julia Portes, Lígia, Thais, Huani, Edinho, Vitor, Victor, Ricardo, Nathan, Thales e tantos outros. E também à nova geração, que me faz sair feliz de ver que a construção perpetua e avança, vide o recém nascido “Mulheres na Cidade”. Sigam na luta! À FeNEA, os dois anos de Diretoria e ao ENEA Rio. Pela experiência intensa de construção coletiva, de apreensão de outros lugares e realidades, pela possibilidade de transformar o agora e o futuro. Por tantos debates e por tantos amigos. Ao Vitor e à Tamar por me inserirem nesse espaço lá no EREA Niterói. Ao Coletivo de Mulheres da FeNEA e a experiência de construir um espaço auto organizado tão importante. À Barbara, à Telmi e à Let, amigas e mulheres de luta que são parte essencial da mulher e feminista que sou hoje. À Capitolina, por me fazer me encontrar na escrita e ter me dado de presente tantas mulheres com vontade de fazer algo de bom por outras meninas e mulheres.


Agradecimentos

Claudio, Renata, Vitor, Giulia e Johanna e as quartas feiras de Marx que vão muito além. Por todo esse tempo de aprendizado, luta, troca e amizade na FAU, no Grajaú, na luta e na vida. À Rossana por ter me feito, pela primeira vez, ter a certeza de que é possível e necessário unir Arquitetura, Urbanismo e feminismo. À cada uma e cada um que, de alguma forma, fez parte dessa trajetória, incentivou a produção deste trabalho e significou na construção de quem eu sou hoje. Todas as amigas e amigos que eu não citei, mas que não deixam de ser importantes. Que sigamos sempre nossos caminhos com muita força e vontade de transformar a realidade.



Resumo



Resumo

O Trabalho Final de Graduação a seguir se propõe a contribuir para a produção de conhecimento e reflexão acerca da construção do papel social designado à mulher trabalhadora através do entendimento sobre a sua vivência no espaço público da cidade contemporânea. Para tal, são observadas as experiências das mulheres trabalhadoras terceirizadas da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ, mais especificamente, alocadas no Prédio da Reitoria e seus percursos no território da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Buscou-se, então, entender como se apresentam, no espaço, as relações de gênero e, também, como as relações espaciais se rebatem na manutenção das desigualdades entre homens e mulheres. Ao analisar o espaço, entender quais relações se dão nele a partir do recorte construído pelas relações de gênero e classe e como isso ocorre. Este estudo tem como produto o mapeamento e o diagnóstico de problemáticas e conflitos vividos por essas mulheres, além da espacialização destes conflitos em lugares onde a/o arquiteta/o e urbanista pode atuar. A concretização destas análises foi possível através da construção de um aporte teórico que estabeleceu pressupostos importantes para a observação da realidade, a aplicação de entrevistas com as mulheres trabalhadoras expondo suas dinâmicas de vida e vivências na cidade, a observação empírica das relações identificadas através da aproximação com estas mulheres e os percursos e espaços percorridos por elas e a análise cartográfica, espacializando situações de conflito identificadas inicialmente. O debate aqui apresentado é uma forma de afirmar a importância de incorporar na produção do campo da Arquitetura e do Urbanismo soluções para as especificidades das vivências de grupos sociais mais vulneráveis, marcando a necessidade de incluir a mulher no pensar a cidade como agente transformadora e usuária deste espaço. Palavras chave: gênero, espaço urbano, espaço público, mulher trabalhadora



Lista de Figuras



Lista de Figuras

INTRODUÇÃO Figura 1: Ilustração do “Modulor” de Le Corbusier e estudos de alturas Fonte: http://www.neermanfernand.com/corbu.html

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Capitulo 1. METEDOTOLOGIA Figura 2: Ficha de Dados Gerais Fonte: Manual de Analisis Urbano: Género e Vida Cotidiana

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Figura 3: Ficha de Visita a Campo Fonte: Manual de Analisis Urbano: Género e Vida Cotidiana

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Figura 4: Ficha de Visita a Campo Fonte: Manual de Analisis Urbano: Género e Vida Cotidiana

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Figura 5: Mapa de Análise Fonte: Manual de Analisis Urbano: Género e Vida Cotidiana

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Figura 6: Mapa de Análise Fonte: Manual de Analisis Urbano: Género e Vida Cotidiana

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Figura 7: Tabela de Conclusão Fonte: Manual de Analisis Urbano: Género e Vida Cotidiana

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Figura 8: Tabela de Conclusão Fonte: Manual de Analisis Urbano: Género e Vida Cotidiana

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Capitulo 2. PRESSUPOSTOS SOBRE A CIDADE E A MULHER Figura 9: Distribuição de tarefas entre meninas e meninos Fonte: “Por Ser Menina no Brasil - Crescendo entre Direitos e Violências”, realizada por PLAN Internatinal Brasil.

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Capitulo 3. CIDADE E (IN)SEGURANÇA Figura 10: Jornada de Trabalho da Mulher Fonte: crocomila.blogspot.com.br. Acesso em: 09/07/2016

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Figura 11: Rua Buenos Aires, Centro Fonte: GoogleMaps e intervenção da autora.

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Figura 12: Rua Vinte e Quatro de Maio, Riachuelo Fonte: GoogleMaps e intervenção da autora.

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Figura 13: Esquina das Ruas Primeiro de Março e Dom Gerardo, Centro Fonte: Foto de Joana Spadaccini e intervenção da autora.

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Figura 14: Passagem Subterrânea na Rua Goiás, Encantado Fonte: GoogleMaps e intervenção da autora.

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Figura 15.1: Rua das Laranjeiras, Laranjeiras Fonte: Fotos e intervenção da autora.

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Figura 15.2: Rua Miranda Valverde, Botafogo Fonte: Fotos e intervenção da autora.

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Figura 16: Largo da Carioca, Centro Fonte: Foto de Vitor Halfen e intervenção da autora.

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Figura 17: Exemplo que incorpora elementos para um espaço seguro Fonte: Espaços Urbanos Seguros.

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Lista de Figuras

Capítulo 4. MULHER E CIDADE: UM OLHAR SOBRE OS LUGARES Figura 18: Perfil das Mulheres Entrevistadas Fonte: Gráfico produzido pela autora

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Figura 19: Mapa de Movimentos pendulares realizados por mulheres responsáveis por seus domicílios, por motivo de trabalho no Rio de Janeiro Fonte: Censo Demográfico 2010 / IBGE

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Figura 20: Mapa de deslocamento entre a moradia e o trabalho. Fonte: Mapa produzido pela autora

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Figura 21: Praça Itanhomi Fonte: Google Street View

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Figura 22: Praça Granito Fonte: Google Street View

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Figura 23: Praça Nossa Senhora de Nazaré Fonte: Google Street View

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Figura 24: Praça das Nações Fonte: Google Street View

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Figura 25: Praça Lopes Ribeiro Fonte: Google Street View

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Figura 26: Praça Lopes Ribeiro Fonte: Google Street View

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Figura 27: Praça Osvaldo Lopes Fonte: Google Street View

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Figura 28: Praça Dom Basilio Fonte: Google Street View

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Figura 29: Praça do Cebinho Fonte: Google Street View

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Figura 30: Praça Anhangabauba Fonte: Google Street View

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Figura 31: Praça Afonso Freitas Rosa Fonte: Google Street View

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Figura 32: Praça Nossa Senhora da Apresentação Fonte: Google Street View

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Figura 33: Praça da Cruz Vermelha Fonte: Google Street View

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Figura 34: Largo dos Guimarães Fonte: Google Street View

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Figura 35: Praça Aguirres Cerda Fonte: Google Street View

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Figura 36: Praça Lopes Ribeiro Fonte: Google Street View Figura 37: Largo Vicente de Carvalho Fonte: Google Street View Figura 38: Praça Anhangabauba Fonte: Google Street View

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Figura 39: Praça Anhangabauba Fonte: Google Street View

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Figura 40: Praça Dom Basilio Fonte: Google Street View

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Figura 41: Praça Paul Harris Fonte: Google Street View

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Lista de Tabelas



Lista de Tabelas

Capítulo 4. MULHER E CIDADE: UM OLHAR SOBRE OS LUGARES Tabela 1: Tempo de deslocamento para o trabalho principal Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE

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Tabela 2: Ocorrência de homens e mulheres responsáveis pelo domicílio de acordo com suas faixas de renda. Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE

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Tabela 3: Tipologias familires Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE

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Tabela 4: Características gerais dos espaços públicos de Lazer - percurso: Anchieta Fonte: Tabela produzida pela autora

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Tabela 5: Características gerais dos espaços públicos de Lazer - percurso: Bonsucesso Fonte: Tabela produzida pela autora

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Tabela 6: Características gerais dos espaços públicos de Lazer - percurso: Fazenda Botafogo Fonte: Tabela produzida pela autora

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Tabela 7: Características gerais dos espaços públicos de Lazer - percurso: Irajá Fonte: Tabela produzida pela autora

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Tabela 8: Características gerais dos espaços públicos de Lazer- percurso: Santa Teresa Fonte: Tabela produzida pela autora

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Tabela 9: Divisão dos espaços públicos de lazer em categorias Fonte: Tabela produzida pela autora

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Sumรกrio



Sumário

INTRODUÇÃO

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1. METODOLOGIA 1.1 REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS 1.2 CONSTRUINDO A METODOLOGIA

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2. PRESSUPOSTOS SOBRE A MULHER E A CIDADE 2.1 METRÓPOLE: CONTEMPORÂNEA E CAPITALISTA 2.2 O PAPEL SOCIAL DA MULHER 2.3 DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NOS ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO

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3. CIDADE E (IN)SEGURANÇA: O ESPAÇO VIVENCIADO PELA MULHER 4. MULHER E CIDADE: UM OLHAR SOBRE OS LUGARES 4.1 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS: perfil da mulher entrevistada 4.2 ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE LAZER: por bairro ANCHIETA

59 65 81 81 93

BONSUCESSO FAZENDA BOTAFOGO IRAJÁ SANTA TERESA MARÉ

96 99 102 105 108 110

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4.3 ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE LAZER: por categoria

ESCALA DE VIZINHANÇA ESCALA DE BAIRRO ESPAÇOS RESIDUAIS

113 116 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICE A: ENTREVISTAS

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Introdução



Introdução

O estudo que se segue, estruturado enquanto Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, é uma contribuição ao estudo da relação entre a construção social do papel da mulher e, mais especificamente, da mulher trabalhadora, e a sua vivência no espaço público da cidade contemporânea, no caso referência da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Para tal, é importante considerar que o espaço estudado aqui não é somente o espaço tradicionalmente definido pela Arquitetura e pelo Urbanismo, de edificações projetadas por profissionais da área, mas um espaço vivenciado, ocupado e transformado pelas pessoas em seu dia a dia (Rendell, 2000). O trabalho parte do pressuposto de que a produção desse espaço não se dá de forma imparcial, ou seja, se dá pelos olhos e mãos do patriarcado e do capital e pode funcionar, portanto, como agente de manutenção das desigualdades frutos destes sistemas. Pretendemos, de forma ampla, entender como, então, as relações de gênero se manifestam no espaço e, pelo outro lado, como as relações espaciais se manifestam na construção do gênero. Ao analisar o espaço, entender quais relações se dão nele a partir do recorte construído pelas relações de gênero e classe e como isto ocorre. Assim, é possível mapear e espacializar lugares, diagnosticando problemáticas e conflitos ali existentes, onde possamos atuar através do olhar de arquiteto e urbanista para a produção de espaços que proporcionem outra vivência, ou seja, outra relação das pessoas com o espaço em si. Busca-se, inclusive, entender como o seu lugar social interfere nas suas vivências enquanto mulher e se há uma relação entre ambas as características. Para se chegar ao entendimento de como se dá esta relação entre as desigualdades de gênero e a vivência do espaço público, é preciso se aproximar das mulheres trabalhadoras que circulam pela cidade do Rio de Janeiro. O recorte desta pesquisa é o grupo de funcionárias das empresas terceirizadas de manutenção, contratadas pela própria Universidade Federal do Rio de Janeiro no campus Fundão. Através de conversas e entrevistas, é possível observar quem é essa mulher, qual a sua dinâmica familiar, as suas responsabilidades diárias, os lugares vivenciados, as suas sensações ao percorrer a a cidade e quais os seus desejos para tal. O produto das entrevistas foi, ainda, complementado pela análise de outras fontes de pesquisa, tais como o

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levantamento de dados estatísticos do IBGE, revisão bibliográfica e cartografia. O Capítulo 1. METODOLOGIA discorre sobre a construção do processo metodológico aqui aplicado, se dividindo em duas partes: a primeira de análise de referências metodológicas e a segunda apresentando o método aplicado no presente trabalho. O método de pesquisa adotado, de caráter qualitativo, permite refinar o olhar da realidade sendo uma ferramenta útil para incorporar a dimensão humana na prática dos projetos urbanos, aproximando as intervenções projetuais aos modos de vida e de apropriação de determinados espaços. O método qualitativo também faz emergir as relações sociais produzidas no espaço que não poderiam ser vistas apenas com a utilização de uma escala macro. Desta forma, a análise acurada da relação de um determinado grupo com os espaços percorridos por ele é fundamental para ampliar a prática do projeto urbano e do desenho urbano buscando expandir também soluções adequadas a diferentes grupos sociais. Além disso, apreender o espaço urbano à luz das vulnerabilidades dessas mulheres (trabalhadoras terceirizadas de uma instituição federal de ensino) significa também considerar um universo maior de vivências de diferentes mulheres na cidade. As pesquisas no site do IBGE apontam a representatividade dessas situações no contexto da metrópole carioca, porém, esse recorte mais amplo deve ser estudado em outra oportunidade em razão das limitações de tempo e formato dessa pesquisa. Sendo assim, serão entrevistadas algumas das mulheres trabalhadoras que se encaixam no recorte aqui estabelecido, considerando que suas vivências são, também, construídas pelo seu lugar social. Os espaços percorridos e as situações vivenciadas neles pelas funcionárias da manutenção foram analisados conforme referência metodológica detalhada a seguir, o que permite fornecer subsídios para identificar como, nos campos da Arquitetura e do Urbanismo, o espaço produzido reforça questões de vulnerabilidades sob a perspectiva de gênero e onde este espaço poderia ser melhor para a mulher desde o momento em que foi projetado. Para a realização desta pesquisa, portanto, foi composto um aporte teórico acerca de que espaço, e de quem é a mulher detalhada aqui, em que contexto as relações dela nesse espaço se desenvolvem. O Capitulo 2. PRESSUPOSTOS SOBRE A MULHER E A CIDADE, busca cumprir este papel de embasamento teórico anterior à análise do objeto. É a partir dele que observamos e analisamos os objetos de estudo desta pesquisa. O desenvolvimento deste aporte teórico é entendido, portanto, como essencial para a compreensão do contexto em que tanto o território como a mulher estão localizados no espaço social. Sendo assim, após essa análise e conceituação

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Introdução

mais generalizada, é possível voltarmos às especificidades do objeto. A cidade é, assim como afirmado por autores como Harvey (2005), Rolnik (1995) e Maricato (2002), produto histórico, político e social da vida coletiva, e reflete espacialmente as relações que se estabelecem entre as pessoas que a vivem. Se estamos construindo e vivendo em uma cidade regida por um sistema capitalista, patriarcal e racista como concluiu Weber (1964, p. 184), podemos entender que a cidade está sendo pensada para os beneficiários diretos deste sistema: homens, brancos e detentores de capital. A cidade capitalista, estudada no Capítulo 2.1 METRÓPOLE: CONTEMPORÂNEA E CAPITALISTA é o espaço do mercado e ao mesmo tempo é, em si, o mercado. Rolnik (1995) aponta que a cidade está à venda e é marcada pela segregação, que acontece fisicamente por muros, grades, pontes, placas; de forma abstrata, pela divisão de territórios diferentes por classes sociais, cor, gênero, idade; e também por funções, espaço do trabalho, da moradia, do lazer. No Rio de Janeiro (e em toda metrópole) existem diversas cidades em uma só. A marca da desigualdade se dá através do espaço privado de vivência, a moradia e também pela falta de infraestrutura e recursos em certas localidades. Equipamentos públicos, áreas de lazer, saneamento básico, manutenção e serviços são pensados e distribuídos de formas diferentes para cada parte da cidade¹, conformando os processos de valorização ou desvalorização dos espaços urbanos. De acordo com Maricato (2000), estas áreas mais desvalorizadas e que acabam, portanto, invisibilizadas na cidade podem ser entendidas como áreas de exclusão urbanística. A mulher, por sua vez, sente esta diferença de forma mais incisiva, visto que seu cotidiano é diferenciado em relação ao ser humano tomado como modelo.

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A exemplo do que reflete a pesquisa de Sugai (2015, p. 181) que conclui, através da análise histórica da localização de investimentos do Estado em Florianópolis e região metropolitana que a “sua distribuição espacial [dos investimentos públicos] não ocorreu de forma geograficamente equilibrada, uniforme, homogênea ou determinada pelas demandas. Evidenciou-se também que a localização desses investimentos não ocorreu de forma aleatória e também não foi calcada apenas em decisões técnicas”.

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O “modulor” de Le Corbusier² (Figura 1), um homem de 1,75m de altura, tomado até hoje como referência para a proposição de espaços nas escolas de Arquitetura e Urbanismo é uma marca da não consideração de perfis e necessidades diversas quando se trata do planejamento arquitetônico e urbanístico³. Ao andarmos nas ruas, as placas nos dizem e a grande maioria delas é nomeada com 4 nomes masculinos , os monumentos e estátuas são, também em sua maioria, de homens.

Figura 1: Ilustração do “Modulor” de Le Corbusier e estudos de alturas. 2

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Os livros Modulor I e Modulor II foram publicados, respectivamente, em 1948 e 1957 e reuniam teorias de proporções, descrições que deveriam ser aplicadas nos seus projetos. A incorporação dessas proporções pode ser verificada em diversos edifícios (como na Unidade de Habitação de Marseille) e consolidou-se através da grande indústria que, especialmente depois da Segunda Guerra, se ocupou de conceber casas em série. Apesar de ser marcante a limitação na consideração de perfis diversos e, mais ainda, de perfis que contemplem as mulheres na produção da Arquitetura e do Urbanismo historicamente, é importante demarcar situações em que o campo avança nesse sentido. Um destes exemplos é a Cozinha de Frankfurt que, em um contexto de produção de habitação para a classe trabalhadora sob o efeito da Primeira Guerra Mundial, apresenta o debate do papel da mulher no espaço doméstico e responde em forma de projeto para essas habitações. Pesquisa recente indica que dentre os homenageados com nomes em placas de sinalização de ruas e avenidas “os personagens masculinos são imensa maioria [...]: o desequilíbrio entre os gêneros se torna ainda mais evidente na análise por tipos de logradouros. Assumindo as rodovias como o logradouro mais importante (levando em consideração tráfego, investimento e extensão), o cenário é esmagadoramente masculino: de uma amostra de 389 rodovias, apenas 8 (2%) têm seus nomes dedicados a mulheres. Seguindo a lista, homens ainda dão nome à maior parte das viadutos (88,2%), avenidas (87,1%), parques (86,9%) e praças (85,4%). Enquanto nomes femininos têm participação um pouco melhor, sem nunca chegar a 30%, em vilas (29,6%), passagens (27,2%), escadarias (24,3%), servidões (24,3%) e vielas (24,0%).” Destaca-se ainda o caso de Fortaleza, onde um coletivo chamado Os Aparecidos Políticos localizou 35 logradouros que prestam homenagem a violadores de direitos humanos entre 1964 e 1985, e cobrou, em julho deste ano, a alteração dos logradouros citados — inclusive os de Adauto Bezerra, militar e ex-governador do Ceará ainda vivo, que dá nome a creches e escolas públicas. (Roncolato, Mariani, Tonglet & Freitas, 2016)


Introdução

No item 2.2 O PAPEL SOCIAL DA MULHER analisamos como os papéis de homens e mulheres foram sendo construídos ao longo das sociedades. Esta análise nos possibilita entender com mais precisão como se dá, ainda hoje, a diferença entre a vida de mulheres e homens. Como sublinha Alambert (1997), a vida das mulheres e, mais ainda das mulheres trabalhadoras, foi e é baseada em seu papel de reprodução, tanto pela criação dos filhos como pela responsabilidade de manutenção da vida familiar. Este papel torna a vida cotidiana da mulher uma série de afazeres que não lhe dizem respeito somente, mas a um grupo de pessoas que lhes são relacionadas. Desta forma, a relação entre espaço privado e público para a mulher fica mais clara: o seu percurso na cidade passa a ser pautado pelas tarefas domésticas designadas a ela. Assim, ao adentrar o mercado de trabalho, se designa a ela um campo de possibilidades limitadas ao seu papel social. As relações entre divisão sexual do trabalho, o papel da mulher na sociedade e suas vivências nos espaços públicos e privados serão abordadas no Capítulo 2.3 A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NOS ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD realizada, pela última vez, em 2014, as mulheres têm uma jornada de trabalho dentro de casa de 21 horas e 12 minutos semanalmente, enquanto os homens gastam 10 horas por semana neste tipo de trabalho, mesma quantidade de 10 anos atrás. Esse dado nos mostra que, ainda hoje, a responsabilidade do lar continua sendo da mulher, aumentando a sua jornada total de trabalho e exercendo mais que o dobro do trabalho doméstico em relação ao homem (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE / Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio/PNAD, 2014). Desse modo, busca-se também desconstruir um possível senso comum de que as questões de gênero já estariam ultrapassadas e não haveria mais a necessidade de abordá-las de forma específica. Sublinhamos que apesar de termos alcançado diversos avanços reais na direção da igualdade de gêneros, a mulher ainda é discriminada por ser mulher e esta discriminação está refletida no espaço urbano e na vivência que temos dele. Uma realidade acerca do cotidiano da mulher no espaço público são as situações de assédio. Na rua, no transporte público e, inclusive, no espaço das próprias Universidades são diversos os casos desse tipo de violência, que acontece de forma verbal às físicas mais graves, como o estupro. Essas situações são realidade na vida das mulheres como consequência de uma cultura que naturaliza a relação dos homens com o corpo da mulher como um objeto público, concepção que tem origem nas construções dos papéis de homens e mulheres na sociedade historicamente e da determinação do espaço público de forma negativa à mulher. Para além das situações produtos das relações entre homens e mulheres

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no espaço, são diversas as situações em que a forma e organização do próprio espaço da cidade não permitem a plena vivência da mulher. Uso do solo, delimitação de lotes, muros e grades, mobiliário urbano e até mesmo a arborização podem ser elementos que favoreçam ou não o percurso da mulher na cidade, elementos que influenciam em nossa segurança e possibilidade de caminhar e estar. As calçadas pequenas e esburacadas não favorecem a mulher que anda com carrinho de bebê ou de compras, pessoas em cadeiras de rodas ou idosas, entendendo que, na maioria das vezes essas pessoas são dependentes de mulheres. Caminhos estreitos, encurralados e escuros nos colocam em sensação de perigo constante. Essa discussão foi abordada no item 3. CIDADE E (IN)SEGURANÇA: O ESPAÇO VIVENCIADO PELA MULHER. Já o Capítulo 4 MULHER E CIDADE: UM OLHAR SOBRE OS LUGARES se constrói no objetivo de espacializar as relações de desigualdade na vivência do espaço da cidade através da análise das entrevistas realizadas e dados estatísticos do IBGE. Tem-se, portanto, um panorama do perfil da mulher, objeto dessa pesquisa e das situações vividas por elas no espaço. A partir da determinação deste perfil, foi possível identificar algumas situações de conflito vividas por estas mulheres no espaço da cidade. Pelos seus percursos diários e relatos, percebe-se a falta da vivência de um espaço de lazer e, a partir daí, analisamos algumas das praças ou largos que fazem parte do território percorrido pelas entrevistadas em seu dia a dia, Esse debate é, portanto, essencial no campo de Arquitetura e Urbanismo inclusive porque o que produzimos enquanto profissionais é também resultado da construção das relações sociais. A necessidade de incluir a mulher no pensar a cidade como agente transformadora e usuária desse espaço é o maior incentivo para a produção deste trabalho. É preciso entender que não há o ser humano padrão e que a cidade precisa ser feita para todas e todos. Enxergar o Urbanismo e o espaço urbano à luz de novas perspectivas, que complementem as ferramentas, práticas e conhecimentos que já nos utilizamos, é um caminho para que possamos construir cidades mais seguras e igualitárias. Sendo assim, algumas das questões que se colocam são: Como se dão essas diferenças de vivência entre homens e mulheres quando falamos do percurso da mulher trabalhadora no espaço público? Como o seu papel dentro do espaço privado se reflete no seu caminhar pelo espaço da cidade? A análise e construção do espaço urbano a partir da perspectiva de gênero é tema em aprofundamento em nosso campo e este trabalho se propõe a somar na produção deste conhecimento. Por decorrência da violência contra a mulher ser

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Introdução

a questão mais evidente de inibição de sua presença no espaço urbano, a maioria das obras no campo da Arquitetura e do Urbanismo que buscam considerar a perspectiva da mulher na produção do espaço, dão enfoque na elaboração de um espaço seguro. É importante colocar que, apesar de essencial, a transformação do espaço pelo viés da segurança não é a única medida necessária para que as cidades sejam receptivas às mulheres. Além do âmbito da construção física do espaço, é urgente considerar a falta de representatividade das mulheres nos espaços de decisão das transformações urbanas e a representatividade simbólica tanto na mídia como no próprio espaço da cidade. Essa questão vem ao encontro do que já mencionamos anteriormente, no que diz respeito ao fato do nosso corpo ser “delimitado por uma moralidade a que os homens não são submetidos. Uma moral que nos localiza na cidade” (TAVARES, 2015, p.115) afirmando que não pertencemos a este espaço. Essa relação desigual determina que as mulheres que se mantêm no espaço privado são as mulheres dignas em nossa sociedade, as afastando tanto do espaço da rua como dos espaços de decisão e, ao mesmo tempo, as mulheres que se colocam na rua, tem seus corpos vistos como públicos. E, ainda, para que a mulher utilize e viva o espaço da cidade, ela precisa ter tempo e liberdade para tal; se sentir livre e à vontade para construir relações com esses (e nesses) espaços; sentir o espaço da cidade como seu e precisa, também, ter a possibilidade em sua rotina para fazê-lo. Para que isso aconteça a desconstrução do papel da mulher enquanto responsável pela reprodução é determinante nesse aspecto.

Quando afirmamos um urbanismo de gênero como política pública estamos disputando o sentido de democracia urbana que se desenvolve através das práticas sociais, onde estão envolvidos direitos e responsabilidades; um processo dialético. (...) não temos [as mulheres] tido de fato a oportunidade de influenciá-lo [o espaço urbano], mesmo sendo evidente que experimentamos a cidade de forma diferenciada dos homens, de modo geral. Redesenhar as cidades é o suficiente se não transformamos as relações de dominação e desigualdades de gênero? Qual seria a importância do espaço urbano nesse processo? (TAVARES, 2015, p. 114-115)

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Neste processo, então, de olhar o espaço urbano pela perspectiva de gênero, além das referências apresentadas a seguir, utilizadas como referências metodológicas (“Manual de Análisis Urbano. Género y Vida Cotidiana” do Coletivo Hiria Kolektiboa na Espanha e “A Cidade e a Arquitetura Também Mulher” de Terezinha de Oliveira Gonzaga em São Paulo), o Sindicato de Arquitetos e Urbanistas de São Paulo (SASP) vem, também, colocando este debate para a classe. Após a formação de um núcleo de debate específico sobre gênero dentro do Sindicato, foi realizado, em novembro de 2014 o Encontro Estadual de Arquitetos com mesa composta por uma profissional da Arquitetura e do Urbanismo, outra das ciências sociais e a representação estudantil, que se propunha ao debate “Arquitetura e a questão de gênero: a mulher na arquitetura e na cidade”. Já em Buenos Aires é realizado projeto aprovado pelo Conselho de Planejamento Estratégico da Cidade de Buenos Aires que propõe a criação de marcos públicos através de itinerários turísticos, culturais e educativos como monumentos, nomes de ruas, calçadas, etc que refletem a vida de mulheres com importância histórica, social e política. Abordando a representação simbólica, estas intervenções não só dão nome e espaço (literal e abstrato) às mulheres como dão a sensação de identificação e pertencimento àquelas que vivem a cidade5.

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Mais informações sobre o projeto disponíveis em: http://www.archdaily.com.br/br/772615/urbanismo-e-genero-criacao-de-percursos-em-buenos-aires-que-refletem-a-vida-das-mulheres. Visitado em 28/02/2016.


Introdução

No Rio de Janeiro, a ONG Meu Rio, que se propõe à construção de uma rede de ação por uma cidade mais igualitária e democrática, iniciou no mês de fevereiro de 2016 o Circuito de Mulheres Mobilizadas, ação realizada na semana do Dia Internacional de Luta da Mulher com o objetivo de dar visibilidade às vivências específicas das mulheres na cidade6. Estes e outros projetos7 trazem à todas e todos, profissionais de Arquitetura e Urbanismo, a reflexão e a possibilidade de atuar no espaço urbano a partir do entendimento da especificidade da vivência da mulher na cidade e a invisibilidade histórica deste olhar.

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Mais informações sobre o projeto disponíveis em: http://www.mulheresmobilizadas.meurio.org. br/. Visitado em 28/02/2016. Bello (22/09/2014) aponta outras experiências em seu artigo A man’s world: queremos cidades para mulheres: “Perceber as distinções de gênero na arquitetura e no urbanismo demanda certa sensibilidade às gritantes sutilezas que cerceiam o direito de ir e vir feminino. A ActionAid realiza um importante trabalho de conscientização nesse sentido. Em agosto, a ONG lançou no Brasil a Campanha Cidades Seguras para as Mulheres, cujo objetivo é conseguir o comprometimento de gestores públicos com a melhoria da oferta dos serviços nas cidades para torná-las mais seguras para as mulheres. A organização procura identificar, através de metodologias participativas, quais as relações e dificuldades que elas enfrentam nos espaços públicos. O movimento acompanha uma tendência internacional de replanejamento urbano sob a perspectiva de gênero (ou gender mainstreaming, uma estratégia globalmente aceita para a equidade entre os sexos corroborada pela Organização das Nações Unidas). A cidade de Viena, capital da Áustria, é uma das pioneiras a considerar o fator de gênero em suas políticas públicas. Em 1991, a planejadora urbana Eva Kalil e um grupo de colegas lançaram uma exposição fotográfica chamada “Quem Domina o Espaço Público – A Rotina das Mulheres na Cidade”, que mostrava o dia a dia de um grupo de mulheres vienenses pelas ruas da capital e mais de quatro mil pessoas conferiram a exposição. O evento também chamou atenção da mídia e das autoridades, que perceberam a importância do tema e deram abertura para a criação de projetos urbanísticos que considerassem o viés do gênero. O primeiro a ser criado foi um complexo de apartamentos batizado de FrauenWerk-Stadt ou Mulher-Trabalho-Cidade.” Disponível em: http://thinkolga.com/tag/urbanismo/ Visitado em 28/02/2016.

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1. Metodologia



Metodologia

A metodologia é parte essencial da contribuição para a construção de um olhar na área da Arquitetura e do Urbanismo através da perspectiva das mulheres. É necessária, afinal, uma mudança na forma de se enxergar, analisar e compreender o espaço e as relações das pessoas com ele. Para a exposição da metodologia utilizada nesta pesquisa, este capítulo se organiza em duas partes: 1.1. REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS, em que serão, então, apresentados trabalhos anteriores que já se debruçam sobre este mesmo tema e são referências para a construção da metodologia aqui aplicada. O item busca apresentar estes trabalhos como construídos originalmente. Em sua segunda parte 1.2. CONSTRUINDO A METODOLOGIA, se expõe a metodologia aplicada para o presente trabalho, que se desenvolve, também, a partir das especificidades do objeto de pesquisa e de seu contexto social.

1.1 REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS

Para a análise sobre a relação entre as desigualdades de gênero e a vivência do espaço público pela mulher foi utilizada como referência teórica principal a metodologia construída e apresentada pelo livro “Manual de Análisis Urbano. Género y Vida”, do coletivo Hiria Kolektiboa, formado por quatro profissionais de arquitetura e urbanismo espanhóis, três mulheres e um homem. O livro, de 2010, é produto do projeto “Mapa de La Ciudad Prohibida para las Mujeres”, no qual através de oficinas participativas se iniciou a construção do debate sobre os aspectos necessários para um urbanismo embasado pela perspectiva de gênero. O trabalho utilizado como referência propõe, a partir de um acúmulo teórico anterior, uma ferramenta de análise prática do espaço urbano objetivando a construção coletiva – entre arquitetas/os e urbanistas, cidadãs e cidadãos e o poder público - de cidades sem hierarquia de gênero. Nesta referência vê-se como de extrema importância a participação das mulheres na construção das análises e projetos, suprindo, parcialmente, a necessidade da representatividade no

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processo de pensar a cidade. Assim, o estudo se pautou pelo tema da (in)segurança na cidade e estabeleceu quatro eixos de análise urbana principais: 1. Mobilidade; 2. Equipamentos; 3. (In)segurança e 4. Representação Simbólica e se desenrola até a produção dos “mapas da cidade proibida8. O Manual indica que a questão da segurança na cidade toca a todas e todos que vivem este espaço, mas considera que são as mulheres as mais afetadas, sendo um dos motivos o fato de o que as atinge não ser baseado em suas experiências individuais mas também nas experiências das pessoas relacionada a elas (filhos, idosos, doentes até os companheiros) e que ficam sob de sua responsabilidade (p.20). Portanto, uma cidade pensada a partir da vivência da mulher, tenderá a atenuar os espaços de vulnerabilidade inclusive para outros grupos da sociedade. A proposta do projeto referência partiu, então, de alguns conceitos como, por exemplo, o fato de que o espaço não é neutro e, ainda, que fatores do ordenamento urbano podem, sim, favorecer as agressões às mulheres em espaços públicos e sua sensação de insegurança, principalmente enquanto está escuro – horários em que as mulheres, de uma forma geral, evitam a ruas por medo ou precisam estar nas ruas para ir ao trabalho mas o fazem, ainda assim, com medo. Segundo a pesquisa, existe uma série de fatores e ações a serem pensados na direção de um urbanismo pela perspectiva de gênero:

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• Reconhecer facilmente o entorno; • Ver e ser vista; • Ouvir e ser ouvida; • Ter sempre visível uma saída ou lugar para pedir ajuda; • Limpeza e cuidado do entorno; • Atuação coletiva no espaço público; • Iluminação;

Em 1996 um grupo de mulheres publicou O Mapa da Cidade Proibida de Donosti, um mapa em que se dava visibilidade às opiniões das mulheres sobre lugares de conflito ou de difícil acesso na cidade. Desde então, o “Mapa da Cidade Proibida” vem sendo uma ferramenta com a qual se trabalha temas como a segurança, a acessibilidade e o modelo urbano em grupos de debate e trabalho de mulheres de diversos municípios da CAPV.


Metodologia

No caso espanhol, para a confecção dos mapas foram feitas oficinas participativas com as mulheres para que elas expressasseem suas reflexões sobre a cidade, também para dá-las embasamento sobre questões urbanas básicas e se fez essencial a comunicação de toda informação dada por elas aos responsáveis técnicos do governo municipal que participam do projeto. Assim, foram elencados pontos da cidade que serviram de base para os mapas e que seriam modificados em breve pelo poder público. Depois da preparação e realização de oficinas participativas, o projeto “Mapa de La Ciudad Prohibida para las Mujeres” partiu para a construção dos mapas segundo fatores tidos como essenciais e o espaço foi, então, estudado e observado a partir destes fatores. São alguns deles:

• Usos: residencial, comercial, de trabalho. Horários de uso e tipos de atividades realizadas; • Fluxos: quais os caminhos principalmente percorridos; • Transporte público: quais e quantos transportes passam e param; • Lugares de permanência; • Vegetação: sua relação com controle visual; • Visadas principais e secundárias; • Rua cheia, rua segura; • Iluminação;

Estes fatores foram desenvolvidos em fichas preenchidas em visitas a campo que ocorreram em horários diferentes do dia e formaram o aporte para a elaboração do mapa em si. O produto do método (Figuras 2 a 8) foi complementado por uma tabela de conclusões desta análise.

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Figura 2: Ficha de Dados Gerais. Fonte: Manual de Analisis Urbano

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Metodologia

Figura 3: Ficha de Visita a Campo. Fonte: Manual de Analisis Urbano

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Figura 4: Ficha de Visita a Campo. Fonte: Manual de Analisis Urbano

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Metodologia

Figura 5: Mapa de Anรกlise. Fonte: Manual de Analisis Urbano

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Figura 6: Mapa de Anรกlise. Fonte: Manual de Analisis Urbano

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Metodologia

Figura 7: Tabela de ConclusĂŁo. Fonte: Manual de Analisis Urbano

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Figura 8: Tabela de ConclusĂŁo. Fonte: Manual de Analisis Urbano

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Metodologia

As fichas reúnem informações acerca das características físicas do espaço (ruas no entorno, formas de acesso, vegetação, mobiliário) e das características sociais (quais são os usos, fluxos, perfis das pessoas, atividades realizadas). A maioria destas características foi, então, demonstrada espacialmente no mapa e em forma de texto descritivo nas tabelas de conclusões. Finalizando o projeto, estes mapas de análise e as tabelas de conclusão foram utilizados como base para intervenções no espaço analisado de iniciativa do poder público da cidade. Além deste, é utilizado também como referência de metodologia o livro fruto do doutoramento, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, de Terezinha de Oliveira Gonzaga: “A Cidade e a Arquitetura Também Mulher”. Sua pesquisa traz o ponto de vista de mulheres trabalhadoras de São Paulo tendo como fonte questionários respondidos por mulheres organizadas em ”lugares de mulher”9 ou não. As perguntas as levaram a pensar sobre a sua vivência na cidade comparativamente à dos homens, além da utilização do desenho como forma de expressar quais as suas sensações em espaços públicos como praças e parques e quais seus desejos para estes lugares.

1.2 CONSTRUINDO A METODOLOGIA

O processo de construção da metodologia aplicada ao presente trabalho utilizou, então, as referências metodológicas apresentadas e buscou adaptá-las ao contexto de uma cidade como o Rio de Janeiro, localizada em um país periférico e realizando a análise a partir de um recorte de classe específico tratado como objeto. São consideradas, nesta pesquisa, principalmente duas dimensões possíveis para a intervenção no espaço público: a física e a social, e elas são indissociáveis. A primeira se referindo, é claro, a tudo o que é construído e a segunda a como as pessoas se relacionam com o espaço.

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Os “Lugares de Mulher” são alguns dos espaços de organização e luta das mulheres em São Paulo, como por exemplo, a Associação das Mulheres da Zona Leste, o Centro Informação Mulher, a SOF Sempre Viva – Organização Feminista. Gonzaga trabalha diretamente com a mulheres organizadas nestes espaços em sua pesquisa.

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Cidade: Substantivo Feminino

Como indicado no Capítulo INTRODUÇÃO deste trabalho, é possível perceber que a referência metodológica principal utilizada se constrói a partir da problemática da (in)segurança da mulher na cidade. O aspecto da (in)segurança é essencial para a busca de um entendimento do espaço e do desenho urbano através do olhar da mulher mas não poderia ser o único aspecto abordado. Em nosso estudo buscamos ampliar este olhar, entendendo que a não vivência da mulher no espaço público se dá por questões que vão além. O espaço físico, as construções, os tipos e horários de uso, assim como o mobiliário urbano são determinantes para a vivência diferenciada da mulher na cidade e sua segurança, porém, as transformações construtivas não são, sozinhas, suficientes para a transformação do comportamento das pessoas, ou seja, para o retrocesso das desigualdades de vivências entre homens e mulheres no espaço urbano. Para o presente trabalho, utilizamos fontes orais, pelo diálogo com um grupo de mulheres trabalhadoras, e assim construímos seus perfis: hábitos, responsabilidades, percursos e lugares frequentados, dinâmicas familiares, buscando entender ainda quais as suas sensações e desejos acerca dos espaços percorridos por elas na cidade. Em paralelo, este perfil foi rebatido nos dados do Censo 2010 do IBGE e da PNAD 2014, buscando apreender onde estão e quem são as outras tantas mulheres que vivem na cidade e se encaixam neste recorte. A partir da coleta destes perfis, foi possível, assim como nas oficinas participativas com o Coletivo Hiria Kolektiboa e nas entrevistas realizadas por Gonzaga, identificar que tipo de espaço público da cidade é ou não vivenciado – seja de maneira positiva ou negativa - por estas mulheres. Dessa forma foi possível também mapear espaços públicos onde se manifestam mais significativamente as questões de gênero no que se refere às restrições de acesso à determinados usos e lugares, das problemáticas da segregação socioeconômica ou das questões de mobilidade urbana. Como produto, foram realizados análise, mapas e diagramas apontando lugares onde se manifestam esses conflitos e espacializando algumas das principais questões que emergem da relação de gênero no espaço urbano. A escolha destes lugares estava, portanto, condicionada ao resultado da análise das entrevistas. Estas análises demonstraram que tipo de espaço a mulher ocupa na cidade e quais conflitos vive nesse processo, identificando, principalmente, a não vivência da mulher dos espaços públicos de lazer. Tendo esta situação de conflito especificada, então, foram feitas análises de algumas das praças ou largos localizadas nas proximidades dos percursos realizados pela mulher entrevistada entre sua moradia e o trabalho.

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Metodologia

As análises dos lugares se dividiram em duas etapas: a primeira, construindo um panorama mais amplo e dividindo estes espaços em categorias e a segunda analisando espacialmente alguns dos mais representativos de cada uma delas. Sublinhamos a importância da pesquisa pontual que permite identificar detalhes, aspectos do cotidiano e da realidade que abrangem o anonimato ou a informalidade, pois, como afirmam Pontes, Abreu e Amaral (2014), esses elementos embora sejam aparentemente secundários no estudo da sociedade, quando densamente conectados e analisados podem apoiar 10 grandes conclusões e interpretações sobre o espaço e a cultura estudada . Este tipo de análise e proposição de ações do e no espaço urbano por uma perspectiva de gênero, assim como qualquer intervenção urbana, não possui uma receita, é necessária a análise de cada caso. O espaço, como fruto das relações sociais, reflete as estruturas de poder da sociedade. Ao mesmo tempo em que o espaço está sendo transformado de maneira fluida, Bourdieu (1989, p.14) afirma que “há um discurso dominante [...] que tende a impor a apreensão da ordem estabelecida como natural (ortodoxia)”, ou seja, há uma estrutura construída pelo grupo dominante que busca padronizar a forma como nos relacionamos, naturalizando estas relações. Assim, pode-se inferir que há vivências prédeterminadas ao grupo dominado justamente pelo seu lugar na sociedade. No caso deste estudo, há relações vividas pela mulher no espaço público que se dão por consequência de estar neste grupo social, sendo possível estabelecer uma forma de enxergar esse tipo de relação e traçar direções para a transformação do espaço por esta perspectiva. Esta metodologia buscou, então, contribuir para uma outra forma de se pensar o urbanismo e este é o objetivo, também, desta pesquisa.

10 Para aprofundar o assunto da pesquisa qualitativa, consulte GEERTZ (1991) e LAPLANTINE (1988).

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2. Pressupostos Sobre a Mulher e a Cidade



Pressupostos sobre A Mulher e A Cidade

Este capítulo se desenvolve a partir de três discussões principais que partem do embasamento histórico até o contexto atual de diversas questões que permeiam o debate aqui proposto. Frisamos, entretanto, que não se pretende esgotar esses assuntos em linhas tão sucintas, reconhecendo-se que se tratam de expressões carregadas de vários sentidos. Tecer estas observações, ainda assim, é de grande importância para o debate que abordamos sobre a relação das desigualdades de gênero e a vivência da mulher no espaço público. O item 2.1 METRÓPOLE: CONTEMPORÂNEA E CAPITALISTA apresenta uma análise sobre a cidade metropolitana e sua formação contemporânea e capitalista, de modo a buscar entender como se dão as relações sociais e espaciais desta cidade, compondo o cenário onde se processam as questões de gênero e espaço. A partir dessa análise, foi possível identificar como se apresentam essas relações no território da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, tema deste trabalho. O item 2.2 O PAPEL SOCIAL DA MULHER tece considerações sobre aspectos da construção social do gênero feminino, de forma a explicitar como se dá, historicamente, a designação de papeis específicos para a mulher nas sociedades e, portanto, quais consequências estes papéis trazem para suas dinâmicas de vida. O item 2.3 A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NOS ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO, por sua vez, trata do espaço público e sua relação com o espaço privado, as questões que permeiam e fazem as relações das pessoas com estes espaços e como estas relações estão ligadas à divisão do trabalho e das responsabilidades entre homens e mulheres. Nos dois últimos itens é possível identificar, também, os diferentes contextos de vida das mulheres e suas relações com cada território e lugar social e, inclusive, os quais estão inseridas as mulheres entrevistadas. A seguir, estão apresentadas explanações pertinentes ao tema juntamente com autoras e autores que formam o aporte teórico deste trabalho.

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Cidade: Substantivo Feminino

2.1 METRÓPOLE: CONTEMPORÂNEA E CAPITALISTA Aprofundar o entendimento da cidade e suas lógicas de produção e reprodução é essencial para que se entenda como a mulher vive esse espaço, assim como de que forma as diversas relações de poder se dão e influenciam sua organização. Buscamos, então, iniciar este estudo a partir de uma discussão mais genérica de como a cidade se dá em nossa sociedade, caminhando até uma análise mais específica da cidade do Rio de Janeiro no contexto dos megaeventos, cenário no qual se encaixa o recorte desta pesquisa. A cidade não é um objeto estático, é produto e (re)produtora de relações sociais construídas ao longo dos tempos e contextos. Henri Lefebvre (2000) constrói o conceito de urbano a partir da existência, em seu espaço, dos conflitos sociais e, nesse sentido, denomina a cidade como o espaço social.

Os espaços sociais se compenetram e/ou se superpõem. Não são coisas, limitadas umas pelas outras, se chocando por seu contorno ou pelo resultado de inércias. (...) Resta compreender o que produz os diversos movimentos, ritmos, freqüências, o que os entrelaça e mantém a hierarquia precária de grandes e pequenos, de estratégias e táticas, de redes e lugares. (LEFEBVRE, 2000, p.76-77) A cidade é, portanto, produto de uma construção histórica, política e social gerada pelo fato da vida coletiva. É meio e produto das relações de uma sociedade e, sendo assim, a existência material da cidade também se dá pela apropriação do espaço pela população. Através da fixação das populações em um território como lugar de moradia e trabalho e a consequente produção de excedentes, se desencadeia uma série de outras necessidades como a de gestão, organização das relações, memorização e registro. Estes espaços e estas relações se constroem e se influenciam sem início e fim, sempre indo e voltando, concretizando de forma abstrata e espacial diversas relações de poder e trabalho. O poder urbano, a autoridade político-administrativa responsável pela gestão daquele espaço e das relações ali existentes se afirma na forma física, pelas edificações de realização deste poder. Nas cidades antigas, a centralidade territorial, muitas vezes, era a centralidade do poder. Por outro lado, na cidade

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contemporânea, o poder pode estar em qualquer lugar, de forma descentralizada, pelas possibilidades tecnológicas e de controle à distância. A prática política é forma de dominação, mas é também, forma de resistência e (re)apropriação de espaços. (Rolnik, 1995) A aglomeração de pessoas e a evolução das técnicas intensificam as possibilidades de produção e de troca entre quem produz e corrobora para um processo de especialização dos trabalhos. Com o aumento das especializações e técnicas, as trocas são mais distantes e se consolida uma divisão do trabalho interurbana, mas de poder unificado: campo e cidade têm papeis específicos e importantes na economia urbana. O desenvolvimento da economia na cidade depende diretamente do trabalho exercido no campo, o que intensifica a relação de exploração da cidade sobre o campo. Na cidade contemporânea, o mercado se expande e ocupa toda a sua extensão. E, além de espaço de compra e venda de mercadorias, a terra é, também, mercadoria. Nesse processo, a mercantilização do espaço e as relações de poder sobre ele estimulam a segregação calcada em classes sociais, dividindo dessa forma também o espaço da cidade e, consequentemente, 11 afastando donos de meios de produção e vendedores de força de trabalho. Com a intensificação do trabalho assalariado, a proximidade física entre patrão e empregado não foi mais necessária. Assim, cada grupo ocupa o espaço da cidade que consegue ter acesso, ou seja, que tem dinheiro para pagar. O ideal da vida burguesa se afasta do espaço público e coletivo e isola funções. Nesse contexto, a mulher é afastada da produção e da vida pública. A própria casa se divide em áreas mais íntimas e áreas abertas à visitas externas e, assim, a burguesia se separa da rua e vive, inclusive, a vida coletiva dentro da propriedade privada. Os condomínios fechados, crescentes nas últimas décadas, são retrato deste comportamento. A rua é o lugar do conflito, é onde as pessoas se enxergam e as diferenças se destacam. Mesmo com a segregação territorial marcada pela privatização e mercantilização da terra, a proximidade da diferença é intensa e conflituosa. Por um lado, a cidade é dividida e marcada pela privatização da vida burguesa e, por outro, há um contraste forte entre o espaço do poder e o território popular.

11 Importante grifar aqui que essa relação de poder que separa os atores da sociedade com suas relações refletidas na organização do espaço da cidade não é cenário inédito da cidade contemporânea, mas que as relações capitalistas e o desenvolvimento técnico da mesma intensificam de forma drástica esse processo.

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Quando alguém, referindo-se ao Rio de Janeiro, fala em Zona Sul ou Baixada Fluminense, sabemos que se trata de dois Rios de Janeiro bastante diferentes (Rolnik, 1995). A marca da desigualdade se dá pelas possibilidades de bens dos cidadãos, pela localidade da moradia, mas principalmente, pela falta de infraestrutura e recursos em certas localidades.

Os espaços altamente desiguais que apresentam as regiões metropolitanas brasileiras refletem as enormes desigualdades sociais. O separatismo social adquire visibilidade nos espaços intraurbanos através da segregação espacial. O presente texto considera que a segregação espacial constitui-se em poderosa força no processo de estruturação intraurbana (Villaça, 1998) e, ainda, que viabiliza o controle da produção do espaço urbano pela classe dominante e a reprodução das relações de dominação (Lefebvre, 1969). Dentre os agentes que atuam na produção desta estrutura de poder as ações do Estado tem papel fundamental, em especial através da localização dos investimentos públicos (SUGAI, 2004, p. 1) Na cidade capitalista, o Estado exerce, conjuntamente com a iniciativa privada, a gestão do espaço, portanto, se mantendo ao lado dos detentores do poder econômico, reforçando as desigualdades sociais e de gênero na cidade. Para entender que tipo de relação vivencia a mulher trabalhadora de classe baixa na cidade, é preciso entender mais profundamente como se desenvolveu e se organiza essa cidade. A cidade do Rio de Janeiro é marcada, historicamente e de forma mais intensa nos últimos anos em decorrência da realização da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em 2016, pela lógica capitalista de produção do espaço. Estes megaeventos evidenciam a construção de um projeto de cidade que tem como prioridade a lógica da mercantilização do território e, também, da vida das pessoas. Nesse processo, os limites entre espaço público e espaço privado não são mais estabelecidos tão firmemente e, assim, tanto a paisagem da cidade é transformada, como seu conteúdo.

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(...) é criada e vivenciada todos os dias uma nova espacialidade “público-privada” que acelera o processo contraditório de valorização do espaço e transforma a forma da cidade sob a égide de um conteúdo determinado pelo capital. (RIBEIRO, 2016, s/p) 12

Como símbolo maior deste processo, a área portuária da cidade recebe o Projeto Porto Maravilha, que determina uma série de intervenções realizada através da parceria entre os setores público e privado. Há, então, a flexibilização da legislação da área por parte do Estado e a inserção da iniciativa privada no uso do solo. Estabelece-se a Operação Urbana Consorciada/OUC13 na Região do Porto do Rio, através da Lei Complementar n° 101, de 23 de novembro de 2009 que modifica o Plano Diretor Decenal da Cidade (1992) e incorporada também pelo último Plano Diretor. A instalação da OUC transforma drasticamente a paisagem e o uso do solo desta região, assim como os agentes transformadores deste espaço. A área portuária compõe um dos espaços urbanos mais antigos do Rio de Janeiro, tendo sido principal ponto de desembarque e comercialização de escravos no século XIX e tendo abrigado grande parte da população trabalhadora posteriormente. Hoje, sua característica residencial e popular é alterada pelo Projeto Porto Maravilha. A lei citada anteriormente determina a Área de Especial Interesse Urbanístico/AEIU, onde acontece a OUC do Porto Maravilha e, assim, a área é dividida em setores e subsetores que recebem novos parâmetros de uso e ocupação do solo, dando prioridade à intervenção de infraestrutura e transporte. Através da compra e venda de direitos de construção, a área, até então pública, é colocada no mercado e tomada pelas grandes empresas, que constroem a nova paisagem.

12 Área portuária que, por sua vez, é historicamente tratada como área mutável, sendo cenário de diferentes intervenções em decorrência de projetos de transformação da cidade. Desde o século XIX, há a realização de desmontes de terra e aterros que modificam seu espaço. 13 Segundo Art. 1° da Lei Complementar 101/2009, a Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha compreende: um conjunto de intervenções coordenadas pelo Município e demais entidades da administração Pública Municipal, com a participação de proprietários, moradores, usuários e investidores, com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental de parte das Regiões Administrativas I, II, III e VII, em consonância com os princípios e diretrizes da Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade e do Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro.

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Os altos edifícios espelhados já em construção ocupam o lugar das moradias populares e espaços urbanos marcados pela histórica resistência da população negra e trabalhadora. Da mesma forma que se dá na Região do Porto, em diversas outras regiões da cidade, o espaço é transformado e a população que o vivencia originalmente passa a não fazer mais parte dele, é expulsa pelo seu novo padrão ou removida. Em pesquisa divulgada em 2014 pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, 4.772 famílias já haviam sido removidas em todo o território da cidade, contabilizando 29 comunidades e outras 4.916 famílias em 16 comunidades estavam ainda sob ameaça de remoção14.

As remoções são uma ponta de um projeto de transformação profunda na dinâmica urbana do Rio de Janeiro, envolvendo, de um lado, novos processos de elitização e mercantilização da cidade, e de outro, novos padrões de relação entre Estado e os agentes econômicos e sociais, marcados pela negação das esferas públicas democráticas de tomada de decisões e por intervenções autoritárias, na perspectiva daquilo que tem sido chamado de cidade de exceção. (CPCO, 2014, p.8) Em comunidades não removidas, o que se dá é alta valorização imobiliária, que impede aquele(a) morador(a) de continuar se sustentando ali. São 4 das 5 áreas de planejamento (AP) da cidade que recebem investimentos para os eventos esportivos e, em todas elas, há uma valorização acima de 200%15. Se intensifica um padrão de vida e de cidade baseado na(o) cidadã(o) como consumidora(or) e não como pessoa que vive, produz e se apropria daquele espaço.

14 Dados retirados de “Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Dossiê do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas Rio de Janeiro” pelo CPCO RJ em junho de 2014. 15 Dados retirados dos indicadores da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE/ZAP) agrupados em publicação intitulada “Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Dossiê do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas Rio de Janeiro” pelo CPCO RJ em junho de 2014.

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Pressupostos sobre A Mulher e A Cidade

“O reducionismo das dinâmicas urbanas, a discriminação social promovida pela radicalização da segregação socioespacial e uma política estratégica de remoção de famílias pobres de áreas a serem elitizadas (TAVARES, 2015, p. 134)” geram áreas gentrificadas, ou seja, com custo de vida elevado, novas dinâmicas entre cidadãs(ãos) e espaço e novos padrões de uso para aquele solo. São construídas novas relações das pessoas com o espaço, sua imagem e seus usos, delimitando também o acesso a ele. Arantes trata desse processo e denomina-o “gentrificação estratégica”:

Redesenha-se o local; programam-se eventos culturais; abre-se um café ou coisa que o valha igualmente chic, completando-se o serviço com uma pequena horda de seguranças. E por aí se vai, a cada unidade mais complexa de intervenção, até se alcançar quem sabe toda a cidade que importa, seu enclave propriamente dito global (ARANTES, 2009, p. 34).

Além disso, as favelas e comunidades são tratadas como modelo que se opõe à cidade que se almeja. A pobreza é diretamente associada à violência e estas(es) moradoras(es) – em sua maioria negras e negros – são criminalizadas(os) e colocadas(os) como empecilho para a valorização e progresso da sociedade (FAULHABER, 2012). Este processo de transformação da cidade a partir dos interesses privados através de grandes intervenções urbanas que provoca o deslocamento de parte da população para áreas cada vez mais periféricas não é cenário inédito no Rio de Janeiro. O Prefeito Pereira Passos (1902-1906) se debruçou sobre um projeto de reforma para total transformação do cenário e imagem do Rio de Janeiro. As intervenções foram inspiradas pelo urbanismo higienista de Haussman (1853-1870) e buscando a europeização da cidade recém promulgada nova república. A Reforma Pereira Passos atuou diretamente nas áreas centrais, ampliou e abriu novas vias, implementou saneamento básico e construiu edifícios culturais e institucionais representativos. Ainda, para que toda essa intervenção fosse viabilizada, demoliu diversos cortiços onde morava a classe trabalhadora mais pobre, os expulsando para morros ou regiões mais distantes e com menos (ou nenhuma) infraestrutura.

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Cidade: Substantivo Feminino

As consequências dessa reforma urbana se expressou no aprofundamento de problemas sociourbanos, sobretudo, pelas remoções promovidas no centro e área portuária para a abertura de vias e remodelamento da região. Um projeto de cidade considerado mais adequado pela burguesia carioca emergente do período, caracterizado por um forte discurso de criminalização da pobreza. (TAVARES, 2015, p. 136) O alinhamento entre as diversas instâncias de poder e gestão dos territórios (municipal, estadual e federal), a construção de um objetivo patriótico comum – no caso atual a realização dos megaeventos, no caso de Pereira Passos a modernização da cidade, a conjuntura internacional de competição de fluxos de capital e a busca pelo título de Cidade-global, conformam os elementos essenciais do Planejamento Estratégico como forma de intervir na cidade em resposta a uma conjuntura de crise. Essas intervenções são marcadas pelo viés tecnicista e, portanto, pelo esvaziamento dos espaços amplos de decisão sobre a cidade e pela abertura para que o mercado seja o principal agente transformador do espaço. A partir dos anos 90, com a era César Maia, até hoje, com a gestão Eduardo Paes, impera a lógica empresarial de solução da cidade sobre os interesses sociais de uso do solo. Nesse contexto, a vida das mulheres é ainda mais impactada. No Rio de Ja16 neiro atual, os movimentos de resistência nas comunidades têm como liderança , muitas vezes, mulheres. Mulheres que costumam ser moradoras antigas daquela comunidade, que predominantemente são a pessoa referência da família, responsáveis pelo bem estar e sobrevivência de filhas(os) e outros parentes e também pela renda que os sustenta.

16 Dona Penha, liderança da Vila Autódromo, teve sua casa demolida em 8 de março de 2016, Dia Internacional de Luta das Mulheres e, mesmo assim, se manteve na luta e incentivando outros moradores e moradoras. Alessandra, do Morro da Providência, utiliza sua crença, evangélica, para proferir discursos fortes sobre a vida e luta. Socorro, na Indiana, participa de diversos eventos levando suas experiências, dores e lutas, sua resistência. O Movimento Nacional de Luta Pela Moradia /MNLM tem como liderança Lurdinha, sempre acompanhando as ocupações do movimento e, organizando a luta. E, se aproximando do nosso objeto de estudo, a classe das trabalhadoras terceirizadas da UFRJ também tem como liderança duas mulheres, Nea e Terezinha, presidenta e vice-presidenta da Associação de Trabalhadores terceirizados da UFRJ /ATTUFRJ.

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Várias delas ainda fazem complemento desta renda com trabalhos feitos em casa como faxinas, artesanato ou venda de comida. Para estas mulheres, a remoção não é somente a perda de uma casa, mas também a perda de seu sustento. Assim sendo, o Programa Minha Casa Minha Vida/PMCMV do Governo Federal (Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009) nos apresenta uma profunda contradição. Ao mesmo tempo em que dá a titularidade da casa à mulher, possibilitando a ela a garantia da moradia sem nenhuma dependência de marido ou qualquer figura masculina, retira esta mulher de seu lugar. Como grande parte dos empreendimentos é localizada em áreas afastadas da de origem de suas(seus) moradoras(es) e, inclusive, afastada de qualquer centralidade na cidade, além da proibição da utilização do imóvel como qualquer forma de comércio, a mulher perde sua possibilidade de renda, afinal, a maioria delas utilizava o próprio espaço da casa e sua vizinhança como sustento. Nesse contexto, em depoimento dado por uma das moradoras resistentes da Vila Autódromo17, vê-se que tanto a transferência para um condomínio do PMCMV quanto o recebimento de indenização pela remoção retiram destas mulheres a independência. Enquanto moradoras da Vila Autódromo, possuem a concessão do direito de uso da terra, mas quando são removidas, na maior parte das vezes a titularidade passa ao homem e, no caso da indenização, o dinheiro é repassado também à figura masculina. Fatos esses que se repetem em outras comunidades removidas na cidade.

17 Depoimento dado no evento “Seminário Mulheres e Direito à Cidade: Narrativas de Resistência” realizado em 09 de junho de 2016 no Rio de Janeiro, contando com a presença de mulheres que pesquisam ou vivem situações intensas de desigualdade no território carioca, como moradoras da Vila Autódromo e do Complexo da Maré, além de liderança indígena e de favelas.

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Cardoso, ao comentar sobre a localização18dos empreendimentos do Programa MCMV na Região Metropolitana do Rio de Janeiro sublinha:

Seguindo esta lógica de mercado, as empresas indicam, majoritariamente, as terras mais distantes para serem destinadas à construção de habitação para faixas de renda de 0 a 3 salários mínimos (s.m.), principalmente por conta do valor do solo urbano nestas áreas ser mais baixo (CARDOSO; ARAGÃO; ARAÚJO, 2011). Consequentemente, este distanciamento dos grandes centros urbanos dificulta a permanência/sobrevivência das famílias de baixa renda contempladas pelo PMCMV, gerando uma série de problemas de mobilidade urbana, acesso a comércio e serviços, inserção em escolas, garantia de trabalho, etc. (CARDOSO et. al. 2013, p. 144) Vê-se, então, que em diferentes momentos históricos a interferência direta do mercado na construção e organização das cidades se manifesta de forma determinante na vida da população pobre e, ainda mais, na vida das mulheres deste contexto social. E se o processo de transformação da cidade se repete ao longo dos anos, se repete também a resistência das mulheres.

Rachel Soihet (1989) em seu livro sobre as mulheres pobres dos cortiços do centro e área portuária do Rio de Janeiro, entre 1890-1920, sobretudo, no período Pereira Passos, captura a importância histórica do papel da mulher na sociedade na época.

18 Sobre a localização dos empreendimentos do referido programa, a obra O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais do Observatório das Metrópoles, apresenta parte dos resultados de uma “pesquisa as formas produção da moradia e seus impactos na reconfiguração espacial das metrópoles”. Vide: http://www.observatoriodasmetropoles.net/download/mcmv_ adauto2013.pdf. Acesso em 09/05/2016

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São mulheres moradoras de cortiços e de habitações coletivas que exerciam atividade no setor terciário, ou seja, atividades menos remuneradas que as operárias da época, como prostitutas (além de faxineiras, lavadeiras, artesãs, cartomantes, etc). Mulheres que se apropriavam intensamente do espaço público da cidade, diferentemente da mulher burguesa. (TAVARES, 2015, p. 136) Apesar de seu lugar e papel designados socialmente e do impacto intenso do desenvolvimento da cidade capitalista em sua vida cotidiana , as mulheres aparecem, em cada um dos diferentes contextos históricos, como resistência a esse modelo de cidade, seja de forma organizada em movimentos sociais como visto anteriormente, seja pelo simples ato de ocupar a rua. Assim como o é para as mulheres inseridas nos movimentos sociais de ocupações e favelas, esta realidade de resistência é parte, também, da vida das mulheres trabalhadoras que ocupam a rua com seu trabalho, como ambulantes ou prostitutas, mas também para trabalhadoras domésticas e para as mulheres trabalhadoras entrevistadas para este trabalho. O contexto social vivido por elas intensifica as relações de poder que as atingem, tanto pela questão de gênero como pela questão de classe.

2.2 O PAPEL SOCIAL DA MULHER

Para entender a construção do gênero feminino e, por consequência, suas vivências da cidade é necessário debater sobre alguns aspectos que serão explicitados neste item do trabalho. São eles os papeis que exercemos enquanto mulheres na sociedade, as relações de gênero e a vivência da mulher em sociedades anteriores, a construção do papel da mulher ao longo de sua vida, a mulher na história urbana no Brasil e, por fim, (e) dentro de um padrão do papel da mulher, as diferenças entre elas pelo seu lugar social.

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Assim como a cidade, nós mesmas/mos somos resultados de construções sociais que estão sempre relacionadas: se produzimos cidades que proporcionam vivências desiguais para homens e mulheres, é porque fomos socialmente construídos para naturalizar estas diferenças e hierarquias e, portanto, naturalizamos também a própria construção destas cidades, pautadas pela lógica patriarcal.

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino (Beauvoir, 1967, p. 9). Os papéis que exercemos enquanto mulheres ou homens nos são designados, são a forma com que a sociedade em que vivemos construiu para que fôssemos e agíssemos. Como colocado por Beauvoir (1967), a construção social e cultural do que é feminino e masculino nos é imposta como um padrão natural. Estes padrões são construídos, reforçados ou desconstruídos pela forma como se organizam as sociedades ao longo da história e estabelecidos desde o nascimento das meninas. De acordo com as relações, também, se desenvolvem variações em como esse padrão aparece. Se, além de patriarcal a sociedade é também racista, haverá uma construção de papel social que se difere entre mulheres brancas e negras, mas que estão ainda sendo pautadas por um comportamento ideal. Segundo Alambert (1997), mesmo em sociedades mais antigas, as mulheres eram colocadas em um lugar inferior em relação aos homens. Na Roma Antiga, as mulheres sequer tinham direito ao nome, sendo numeradas seguindo a ordem de nascimento com o nome do pai à frente. Vivendo uma sociedade extremamente patriarcal, o pai detinha poder sobre a vida e morte de todas e todos que viviam sob sua autoridade. Na Grécia, mais especificamente em Esparta, elas tinham o direito à educação, que era determinada pelo Estado e incluía a dança, o canto e a música. Em outras cidades, porém, as mulheres viviam enclausuradas. Nas residências gregas, verifica-se a presença de espaços divididos por gênero: andrón – espaço masculino, onde ocorriam simpósios e pequenas reuniões e gineceu – espaço

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feminino, normalmente os pontos mais isolados da casa e próximos à cozinha (Alambert, 1997). Nas pólis gregas, o espaço da democracia era a ágora, onde se realizavam os debates e ações políticas. Porém, a definição de quem era cidadão e, portanto, exercia o direito à voz na ágora era limitada e excluía as mulheres.

A fisiologia grega justificava direitos desiguais e espaços urbanos distintos para corpos que contivessem graus de calor diferentes, o que se acentuava na fronteira entre os sexos, pois as mulheres eram tidas como versões mais frias dos homens. Elas não se mostravam nuas na cidade. Mais: permaneciam confinadas na penumbra do interior das moradias, como se isso fosse mais adequado a seus corpos do que os espaços à luz do sol. (Sennet apud Riserio, ano, p. 47) Durante o Regime Feudal, a concessão de feudos era feita somente a homens e a mulher era excluída de qualquer partilha, tendo como única função social a reprodução. Por toda a Idade Média, há também a intensificação do poder da Igreja, que se relaciona com a vida da mulher desta época e de hoje (idem). A história de Adão e Eva trata a mulher como gatilho para o pecado original, assim, a figura feminina é relacionada ao que há de ruim na humanidade, condenando a prática sexual pelo prazer e o corpo feminino, principalmente a menstruação. Afinal, a mulher é a responsável pela reprodução. Caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo, o Renascimento coloca a mulher em um lugar de extrema fragilidade. Com a extinção do trabalho artesanal, cresce o trabalho em domicílio, que intensifica a exploração feminina, com jornadas de 14 a 15 horas de trabalho e salários cada vez menores e intermediados por empresários, e reforça o espaço da mulher como sendo o espaço privado. As mulheres privilegiadas, por sua vez, tinham que passar suas propriedades para os nomes de seus maridos (ibidem).

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Mais a frente, após a Revolução Francesa, que historicamente é relatada como de realização masculina mas foi construída também pelas mulheres19, estas acabam excluídas da Declaração dos Direitos do Homem, retirando-as da vida pública20. Chegando ao capitalismo contemporâneo, a mulher passa a exercer a dupla (ou tripla) jornada de trabalho, estando no mercado mas ainda sendo responsável pela casa e, mesmo à luz do desenvolvimento do socialismo como contraponto a esta sociedade, não se vê a luta das mulheres como uma luta específica, mas como parte da luta de classes.

Em todos os dados colhidos no processo de pesquisa sobre a história das condições de vida das mulheres através dos tempos, pode-se sentir que as pobres sempre foram o “burro de carga”, afundadas no trabalho, as ricas ou privilegiadas sempre viveram mergulhadas em seus triunfos intelectuais e mundanos, e todas elas foram sempre apenas reprodutoras da espécie, escravas declaradas incapazes pelas leis e códigos. (Alambert, 1997, p.51). Uma pesquisa atual aponta para outra questão fundamental: além de construção histórica, o papel da mulher enquanto responsável pelo cuidado e pelo lar também se dá ao longo da vida das meninas desde o seu nascimento. A PLAN International Brasil, organização internacional que atua na defesa de direitos da criança, divulgou, no fim de 2013, a pesquisa “Por Ser Menina no Brasil – Crescendo entre Direitos e Violências”. Os resultados afirmam que as responsabilidades domésticas já são divididas de forma desigual entre meninas e meninos desde a infância (figura 9). 19 Há registros de cerca de oitenta mulheres que guerrearam lado a lado aos homens, também como soldados, durante o período da Revolução Francesa. Um exemplo é Marie-Henriette Xaintrailles, que declarava sua indignação em carta à Napoleão Bonaparte por, após lutar, não ser considerada igualmente aos outros soldados para o recebimento de pensão de ex-combatente. Dados retirados de “Revolução Francesa e feminina”, disponível em http://www.revistadehistoria. com.br/secao/artigos/revolucao-francesa-e-feminina. Acesso em 15/06/2016. 20 A Declaração, porém, não fica sem uma resposta das mulheres da época. Em 1791, Olympe de Gouges escreve a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, em resposta ao documento inicial.

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Das 1771 meninas de 6 a 14 anos entrevistadas em cidades – zonas rurais e urbanas – de todas as regiões do país, 81,4% arrumam a própria cama, enquanto somente 11,6% de seus irmãos realizam a mesma tarefa. Percebe-se que, desde essa idade, as tarefas domésticas já são parte da rotina das meninas, enquanto o percentual dos meninos que realizam alguma delas não chega a 15%.

Figura 9: Distribuição de tarefas entre meninas e meninos. Fonte: “Por Ser Menina no Brasil - Crescendo entre Direitos e Violências”, realizada por PLAN Internatinal Brasil. Disponível em: https://plan. org.br/por-ser-menina-no-brasil-crescendo-entre-direitos-e-viol%C3%AAncia#download-options, acesso em 02/05/2016.

Outra questão que permeia o entendimento da construção social do gênero feminino é o enclausuramento em suas casas, fato comum na história urbana das mulheres no Brasil. Mas é importante frisar que, por mais que o papel reprodutivo seja designado às mulheres historicamente e ainda hoje, ele o é de formas diferentes para cada mulher de nossa sociedade. “As condutas, dentro de um mesmo sexo, não são separáveis da localização da pessoa num determinado ponto da hierarquia social.” (RISÉRIO, 2015, p.215)

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Como aponta Risério, ao longo dos séculos XVII e XVIII, enquanto as mulheres ricas e brancas não saiam às ruas e viviam subordinadas aos seus maridos, as mulheres pobres e, em sua maioria, negras trabalhavam nas quitandas, como ambulantes, aguadeiras, vendeiras ou “negras de tabuleiro”, fazendo artesanato doméstico, entre outras atividades que envolviam trabalho manual e doméstico. Elas tinham, portanto, uma relação mais ampla com o espaço público do que as senhoras dos sobrados e, mais, se engajavam em dimensões políticas, culturais e religiosas.

Se a regra, para as mulheres ricas, era a indolência, a inatividade propiciada pelas mucamas ou pelos escravos, a regra, para as mulheres pobres, andava bem longe disso. Elas eram obrigadas a batalhar, quando escravas, para tentar comprar a própria alforria e, já libertas, para se sustentar e à sua família. (...) Ali, as brancas ricas, com raríssimas exceções, viviam praticamente enclausuradas. As mulheres do povo, ao contrário, viviam na rua. (RISÉRIO, 2015. p.215) Para as mulheres pobres, portanto, a rua não era um lugar evitado, fazia parte de seu dia a dia, tanto para o trabalho como para o lazer. Apesar disso, essas não eram as mulheres aceitas pela sociedade como padrão, quer dizer, eram as mulheres colocadas em patamar ainda mais inferior, como escravas, mucamas e serviçais. A mulher esperada pela sociedade era (e ainda é) aquela que cumpria seu papel ligado às responsabilidades de manutenção da vida dela e de seus familiares e que se mantinha na maior parte do tempo no espaço privado. O que reforça a ideia de que a casa (o espaço privado) é o espaço da mulher e a rua (o espaço público) o espaço do homem ou da mulher que não é de família, que não deve ser parte dessa sociedade (Risério, 2015). Quanto mais longe do padrão socialmente aceito a mulher é, mais ela é segregada de todo espaço determinado como respeitável. A rua, portanto, lhe é dada, como se dizendo que ela não merece, nem ao menos, o papel de “rainha do lar”. Este é o lugar dado, historicamente, às prostitutas, às mulheres negras, às mulheres transexuais/transgêneros e pobres. À luz destes recortes, é fato que, ao longo dos tempos e formas de organização das sociedades, houve também um considerável avanço no sentido dos direitos humanos e especificamente das mulheres,

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mas é importante ressaltar as limitações ainda enfrentadas nas conquistas desses direitos inda nos tempos atuais. Dentre os marcos relevantes à luta feminista, podemos citar a obra inglesa “A Reivindicação dos Direitos da Mulher”escrita por Mary Wollstonecraft em 1792, porém, constantemente reeditada. é No Brasil, já no século XIX, em 1879, se permite que as mulheres frequentem o Ensino Superior. Outra data fundamental trata-se de 1919, quando a Organização Internacional do Trabalho aprova uma resolução determinando salários iguais para homens e mulheres exercendo funções iguais. Destacamos, entretanto, que de acordo com a PNAD 2014 as mulheres recebem ainda 75% do salário dos homens. Somente algumas décadas depois, em 1946, foi estabelecido o voto obrigatório para as mulheres, notando-se que até então era necessária a autorização dos maridos para que seus votos pudessem ser efetivados. Em 1985 criou-se a primeira Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher/DEAM no Brasil, porém em 2014 somente 7,9% dos municípios brasileiros possuem uma DEAM ativa21. O século XXI é marcado de forma mais intensa por conquistas da luta das mulheres:a Lei Maria da Penha (2006), a formalização da profissão da empregada doméstica (2013), o fim da “revista íntima” nos presídios do Rio de Janeiro (2014), além do fato de ser eleita a primeira mulher presidenta da república são alguns exemplos desses avanços. A realidade observada por nós, com a aproximação às mulheres trabalhadoras terceirizadas da UFRJ nos mostrou que ainda há muitas conquistas a serem efetivadas para que estas mulheres sejam cada vez mais livres das concepções pré estabelecidas historicamente para elas. Uma vez pontuados os progressos históricos na luta das mulheres, retomemos a discussão central desse trabalho. Na cidade metropolitana e contemporânea, a mulher ocupa, de forma mais plural estes dois espaços – o público e o privado, já que passa a acumular funções. Diferente das mulheres dos séculos supracitados, nós não mais nos dividimos em mulheres exclusivamente do lar e mulheres trabalhadoras, o que não exclui, porém, que os padrões continuem sendo reforçados. O seu papel de responsável pela reprodução da vida ainda se mantém, mas ela é introduzida ao espaço público, principalmente como mão de obra. A mulher trabalhadora é também responsável pelo lar, estabelecendo as duplas ou triplas jornadas. 21 Dado retirado de: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2014. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/ visualizacao/livros/liv94541.pdf. Acesso em 07/07/2016.

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Os corpos de mulheres que não correspondem à heteronormatividade burguesa são muito mais vulneráveis e regulados. Ao mesmo tempo que resguardam estereótipos: erotização e pobreza. Isso também ocorre no Rio de Janeiro. A presença dessa população nas principais centralidades urbanas serve apenas para o trabalho. A sua permanência é vista com desconfiança no espaço urbano. Os jovens negros são vistos como potenciais assaltantes ou traficantes e as jovens negras como disponíveis e públicas, ou seja, para satisfação sexual. (TAVARES, 2015, p.117-118) A relação burguesa e patriarcal com o espaço público é, portanto, de negação – o que interfere também na construção da cidade e no avanço de projetos que resultam das parcerias público-privadas, debate aprofundado no Capítulo 2.3 A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NOS ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO. É permanentemente construída a ideia de que as mulheres são as responsáveis pelas tarefas da casa, mesmo que tenham também um trabalho fora dela. E, ao analisarmos os relatos feitos pelas mulheres trabalhadoras terceirizadas foi possível entender que o que lhe é de responsabilidade no espaço privado (e também no público) é o que está relacionado diretamente à construção social que lhe designa o trabalho reprodutivo como predominante, ou que lhe estipula a dupla jornada de trabalho. Especialmente para as mulheres pobres, a rua deve ser espaço vivido com um objetivo, essencialmente, o trabalho – seja ele reprodutivo ou produtivo. As mulheres colocadas à parte do estabelecido como correto são designadas ao espaço da rua mas, ainda assim, acabam exercendo trabalhos de alguma forma ligados ao perfil doméstico e de manutenção da vida – cozinheiras, costureiras, faxineiras, vendedoras ambulantes, trabalhos menos valorizados. E, além disso, quando as mulheres ocupam de alguma forma o espaço da rua, seja por vontade ou porque esse foi o único espaço designado a ela, seu corpo é tratado também como público.

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2.3 A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NOS ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO

A divisão do trabalho por homens e mulheres se reflete na vivência destas pessoas nos espaços públicos e privados. Se o trabalho da mulher é, predominantemente, no âmbito do espaço privado, ela não viverá de forma tão intensa o espaço público e, consequentemente, este espaço não será pensado para ela e nem por ela. 22 Aqui, para tratar dessa divisão sexual do trabalho, utilizaremos os conceitos de trabalho reprodutivo – aquele existente para a manutenção da vida no sentido das necessidades básicas do ser humano (comer, beber, habitar, vestir), ele acontece no âmbito doméstico e privado e não é remunerado a quem o exerce; e trabalho produtivo – aquele que produz mercadoria, que gera mais valia para o dono do meio de produção e, normalmente, é remunerado. Ao se analisar a dinâmica do trabalho produtivo no contexto da cidade capitalista e contemporânea se vê que com a inserção da maquinaria na dinâmica da indústria não se torna mais necessária a força muscular para realização do trabalho. O capitalista se apropria, então, da força de trabalho de setores da população que antes não lhe eram úteis, mas que agora são capazes de lhe servir, as mulheres e crianças. Neste momento, além de aumentar o número de possíveis trabalhadores, o capital coloca toda a família à sua vontade, sem distinção de sexo nem idade.

O valor da força de trabalho estava determinado pelo tempo de trabalho necessário à manutenção não só do trabalhador adulto individual, mas do núcleo familiar. Ao lançar no mercado de trabalho todos os membros da família do trabalhador, a maquinaria reparte o valor da força de trabalho do homem entre sua família inteira (MARX, 2013. p.468).

22 Estes conceitos podem ser melhor aprofundados em Desafios para a Igualdade no Mercado de Trabalho por Clemente Ganz Lúcio e Mayra Dias Garcia, disponível em http://brasileiros.com. br/2016/02/desafios-para-igualdade-no-mercado-de-trabalho/. Acesso em 07/05/2016.

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Ou seja, o trabalhador, que antes recebia para garantir a manutenção de sua vida e de toda a sua família, agora recebe individualmente, já que todos os membros da família estão no mercado. Há uma desvalorização evidente da mão de obra através da diminuição dos salários. Por outro lado, a mulher, que continua sendo a responsável pelo trabalho doméstico, dobra o seu tempo de trabalho, exercendo trabalho produtivo e reprodutivo. De alguma forma, ela precisa garantir que o trabalho doméstico não deixe de ser feito, mas, com menos tempo, recorre a mercadorias que facilitem ou substituam estes trabalhos ou ainda a outras mulheres que não chegaram ao mercado de trabalho da indústria. Hoje, as mulheres constituem 45,5% da População Economicamente Ativa 23 (PEA) no Brasil, havendo um crescimento gradativo deste dado nas últimas décadas. Apesar disso, a condição da inserção delas no mercado de trabalho ainda se dá de forma desigual. As mulheres, de maneira geral, ocupam este espaço através dos empregos mais precários, informais ou em domicílio, ou ainda, recebendo salários mais baixos que o dos homens por funções iguais (SILINGOWSCHI, 2007). Este fato é recorrente na história, vide as relações de trabalho estabelecida desde os séculos XVII e XVIII pelas mulheres pobres e negras, como explicitado no capítulo anterior. A cultura da responsabilidade doméstica designada para a mulher faz com que 86% dos trabalhadores domésticos sejam mulheres. Além disso, 60% dos lares com empregadas domésticas são chefiados por homens. As funções de doméstica e cuidadora empregam 20% das mulheres ocupadas no país. Ainda de acordo com a PNAD 2014, mulheres receberam em média 74,5% do rendimento de 24 trabalho dos homens em 2014. Em 2013, essa proporção era de 73,5% . Analisar o emprego feminino levou a perceber a divisão sexual do trabalho como estruturante de uma nova divisão internacional do trabalho. (Faria, 2005).

[...] apesar de ocorrer um aumento da maior inserção da mulher trabalhadora, tanto no espaço trabalho formal quanto informal do mercado de trabalho, ele traduzse majoritariamente nas áreas onde predominam os empregos precários e vulneráveis. (SILINGOWSCHI, 2007, P.63) 23 Dado retirado da Síntese dos Indicadores Sociais realizada pelo IBGE em 2016. 24 Dados retirados da Pesquisa Nacional de Amostra em Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE em 2014.

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Esta inserção desigual se dá como consequência (e manutenção) da lógica que designa à mulher a responsabilidade do trabalho doméstico e de discriminações e restrições sofridas por elas em nossa sociedade, e influenciam diretamente em sua vivência cotidiana do espaço da cidade. Em pesquisa realizada pela Casa da Mulher Trabalhadora/ CAMTRA, no Rio de Janeiro com 127 mulheres trabalhadoras do SAARA – pólo comercial na região central da cidade – se identifica que, além de remuneração baixa e vale transporte insuficiente, essas mulheres trabalham mais do que a jornada de trabalho de 8 horas e ainda acumulam funções. Em casa, 54% das mulheres são as únicas responsáveis pelos trabalhos domésticos e, mesmo quando não são as únicas, a outra pessoa responsável, na maioria dos casos, é outra mulher. Com a dupla jornada, a mulher passa a ter dois espaços de trabalho: dentro e fora de casa. A dinâmica de seu dia a dia passa por ir e voltar do local de seu trabalho produtivo, mas também por realizar as compras de alimentos e produtos necessários para a casa, levar filhos na escola, acompanhar pessoas mais idosas e crianças da família à médicos, entre outras tarefas, o que faz com que seu percurso na cidade seja distinto do homem que, normalmente, vai de casa para o trabalho e do trabalho para casa, ou tem paradas para o lazer após o expediente (Figura 10). Faz-se necessária a utilização de mais de um meio de transporte para se chegar de um ponto a outro devido às paradas, o que é intensificado pela má qualidade dos transportes públicos e pela vulnerabilidade da mulher nesses espaços, sofrendo, ainda, por assédios e agressões.

Figura 10: Jornada de Trabalho da Mulher. Fonte: Crocomila, 2015. Disponível em: http://crocomila.blogspot.com.br/ Acesso em 09/07/2016

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O espaço público deixa de ser um espaço vivenciado pela mulher para o seu prazer, visto que seu tempo é dedicado, inclusive em fins de semana, para os trabalhos produtivo e/ou reprodutivo. De acordo com a pesquisa, 68% das mulheres respondem que, sobre seus momentos de lazer, os utilizam para ficar em casa e/ou realizar tarefas domésticas. A vivência da mulher nos espaços privados e públicos está, majoritariamente, relacionada às suas responsabilidades de trabalho, seja ele reprodutivo ou produtivo e, por isso, é necessário que se entenda como se conformam estes espaços na cidade em que vivemos. A análise do espaço público é complexa e pode ser vista por diversos aspectos que se relacionam e não podem ser dissociados, afinal, todos fazem parte do processo de construção e apreensão do espaço. O espaço é concreto e palpável, é forma e é, também, conteúdo, possuindo em si práticas e dinâmicas sociais. Ambas as dimensões, políticas e sociais assim como formais e estruturais, são essenciais para que ele se estabeleça e para a forma como o vivenciamos. Da mesma maneira, por outro aspecto, a noção do queque é privado. Há aí uma relação de dependência entre ambos, onde, segundo Arendt, a percepção de realidade só é possível pela existência da esfera pública da vida.

[...] apesar de ocorrer um aumento da maior inserção da mulher trabalhadora, tanto no espaço trabalho formal quanto informal do mercado de trabalho, ele traduz-se majoritariamente nas áreas onde predominam os empregos precários e vulneráveis. (SILINGOWSCHI, 2007, P.63)

Arendt (2007), em A Condição Humana, destrincha a vida em três dimensões:

labor, o que está relacionado à sobrevivência biológica; trabalho, a atividade de

produção de bens materiais; e a ação, correspondente à pluralidade humana, à capacidade da linguagem, ao âmbito político. O espaço público é, nesse sentido, o espaço em que se dá a pluralidade humana. Para este estudo, o conceito de público é entendido por tudo aquilo que é visto e ouvido e, portanto, que é real, pois está sendo dividido com outras pessoas e, ainda, pelo mundo em que vivemos, pelo que há de comum a todos nós e que transcende a nossa vivência individual (idem). Em paralelo, à referência de Ângelo

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Serpa, como “o espaço da ação política ou, ao menos, da possibilidade da ação política na contemporaneidade.” Para Serpa, no contexto da cidade contemporânea capitalista, o público pode ser visto “sob a perspectiva crítica de sua incorporação como mercadoria para o consumo de poucos” (2007, p.9).

[O termo público] Significa, em primeiro lugar, que tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. (Arendt, 2007 p. 59) Em segundo lugar, o termo público significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele. (Serpa, 2007, p.63)

A relação entre o que é público e o que é privado se torna uma relação de dependência, no sentido que “a esfera pública (…) se tornou função da esfera privada, e a esfera privada (…) se tornou a única preocupação comum que sobreviveu.” (idem p.79) Ou seja, grande parte dos esforços coletivos, inclusive do governo, são voltados para a manutenção do que é privado. Se pensarmos na utilização dos espaços públicos na cidade contemporânea, e citando mais especificamente o Rio de Janeiro, vemos que eles, por mais que sejam públicos, são destinados a um grupo social específico. A cidade, já marcada pela segregação socioespacial, nega o acesso ao espaço a determinadas partes da população. Um conjunto de regras não ditas é estabelecido, mas se tornam reais no convívio social de que uns pertencem e outros não pertencem à tal lugar. Um exemplo é o caso ocorrido em 2015 em que a Prefeitura, que deveria ter o papel de defender os direitos de toda a população, coloca a Guarda Municipal para revistar os ônibus vindos da zona norte às praias da zona sul, dificultando ou impedindo a presença dos que vivem nas áreas menos favorecidas da cidade, ao espaço público de lazer que é a praia. Ou, ainda, quando os quiosques da praia são de responsabilidade de empresas, expressas nos nomes e fachadas dos mesmos, com acesso limitado tanto em horário como pelo consumo ou não no estabelecimento. A inserção do âmbito privado na produção das cidades, como explicitado no Capítulo 2.1 METRÓPOLE: CONTEMPORÂNEA E CAPITALISTA, transforma as vivências da população e também sua paisagem. O que é coletivo, porém, privado, fica cada vez mais distante das mãos da população mais pobre tanto pelas “regras”

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sociais acima descritas como pela impossibilidade de acesso a estes espaços, os investimentos urbanos cercam quem pode lhe trazer algo em troca, a produção é pautada pelo que trará mais lucro e não pela necessidade das pessoas. No contexto da construção de uma cidade, portanto, pautada pelo capital e pela propriedade e interesses privados e não públicos, a partir dos pressupostos da “cidade global”, se vê que o limite entre o público e o privado é cada vez mais tênue e, por isso, as relações entre estes espaços e das pessoas com estes espaços se dá de forma complexa. Se, para o homem trabalhador, o acesso ao espaço público pode ser limitado, dependendo de como se dá a sua relação com o âmbito privado, o é ainda mais para a mulher, quando já há o ideário coletivo de que este espaço não pertence à ela. A rua é tida como o espaço em que tudo pode acontecer, principalmente os perigos e a evidenciação das diferenças. Assim, se espera que a mulher se mantenha no espaço privado, a mulher que vive o espaço público é mal vista e considerada desregrada, fora dos padrões. A mulher que vive do espaço público, como as prostitutas, por exemplo, é, mais ainda considerada incorreta e é condenada25.

25 De acordo com o Dossiê Mulher 2015, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública/ ISP do Governo do Estado do Rio de Janeiro, 56,8% das vítimas de estupro no estado foram mulheres negras, 76,6% solteiras e em 30,9% dos casos, sendo o estuprador um desconhecido. (ISP, 2015, p.32) Além deste, o índice de que 1/5 das mulheres brasileiras já sofreu algum tipo de violência, intensificando este número em áreas mais pobres, foi divulgado pela campanha ActionAid “Cidades Seguras para as Mulheres” (2014). Não é, portanto, somente fato que a mulher sofre violência alarmante no espaço da cidade, mas também que as mais violentadas são as mulheres negras, pobres e solteiras.

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3. Cidade e (In)Seguranรงa: O Espaรงo Vivenciado Pela Mulher



Cidade e (In)segurança

A relação da mulher com o espaço da cidade (considerando as diferentes experiências das mulheres com o espaço de acordo com seus lugares sociais) é parte da construção de seu papel na sociedade, das suas responsabilidades no dia a dia, da forma com que é recebida e vista nos lugares, mas também de como o espaço se apresenta a ela. A insegurança, a impossibilidade de percorrer ou estar onde quer que seja em determinados dias e horários e o medo são causados pelo social, no sentido de que o mal que temos medo é causado por outra pessoa e nossas relações, mas são reforçados pelo espaço e seus elementos. A seguir, apresentaremos alguns exemplos que marcam situações de vulnerabilidade na relação construída pela mulher com espaços urbanos na Cidade do Rio de Janeiro. Conforme a metodologia utilizada como referência, “Manual de Análisis Urbano”, utilizamos alguns aspectos dados como importantes para a análise do espaço em busca de um lugar seguro para a mulher: reconhecer facilmente o entorno; ver e ser vista; ouvir e ser ouvida; ter sempre visível uma saída ou lugar para pedir ajuda; limpeza e cuidado do entorno; atuação coletiva no espaço público; iluminação eficiente. Além de considerar os tipos e horários de uso, as possibilidades de transporte e a movimentação nos espaços em busca de um lugar seguro para a mulher: reconhecer facilmente o entorno; ver e ser vista; ouvir e ser ouvida; ter sempre visível uma saída ou lugar para pedir ajuda; limpeza e cuidado do entorno; atuação coletiva no espaço público; iluminação eficiente. Além de considerar os tipos e horários de uso, as possibilidades de transporte e a movimentação nos espaços. .

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A Rua Buenos Aires (Figura 11), está localizada na área Central do Rio de Janeiro e faz parte da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega/ SAARA, polo comercial da cidade. As ruas do SAARA possuem como tipologia arquitetônica principal os sobrados, sem recuo frontal tendo uma edificação colada à outra. A adaptação das aberturas tipicamente coloniais em grandes persianas de ferro amplia a relação entre os espaços interno e externo, mas ao mesmo tempo controlam o acesso às lojas, especialmente quando há vitrines. A definição do espaço público se dá pela conformação dos espaços privados, apresentando uma quadra fechada sem vias de penetração ou áreas internas. A característica de ser um espaço monofuncional (térreo e segundo andar com uso comercial/depósito) faz com que esse seja um local ora seguro, ora inseguro para a mulher. Durante o dia e de segunda a sábado, quando as lojas estão abertas, as ruas do SAARA são lugares com grande movimentação de pessoas, há possibilidade de percurso em ambos os sentidos e possibilidade de fácil comunicação com qualquer outra pessoa. A relação de escala entre os prédios e o perfil das ruas também incentiva o uso desses espaços pelo pedestre. Durante a noite e aos domingos, porém, estes fatores não se fazem mais presentes. As ruas ficam desertas, escuras, com pouca possibilidade de comunicação e movimento, além da dificuldade em se achar uma saída pela malha de ruas estreitas. Os acessos às edificações fechados e a falta de iluminação se impõem como obstáculos à um possível pedido de socorro e também corroboram para a insegurança do lugar. A ausência de mobiliário urbano e vegetação adequados implica na insuficiência de espaços de permanência e convivência, transformando a rua e as calçadas em locais de passagem e acentuando o efeito de insegurança. Em ambos os momentos as calçadas estreitas, com baixa qualidade na paginação de piso, e com manutenção precária, além da não observância ao cumprimento dos critérios das normas de acessibilidade (NBR 9050, por exemplo) dificultam a movimentação.

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Figura 11: Rua Buenos Aires, Centro, Rio de Janeiro. Fonte: Google Street View. Intervenção da autora

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O mesmo ocorre também ao longo das linhas de trem (Figura 12) que percorrem a Região Metropolitana. A linha férrea, ao mesmo tempo em que conecta áreas distantes e cria núcleos urbanos ao redor das estações, também fragmenta o território metropolitano estabelecendo novas relações entre os espaços abertos e fechados. A maior parte da distância entre uma estação e outra é acompanhada por uma longa calçada murada que estabelece uma barreira entre áreas muito próximas, às vezes de um mesmo bairro. Essa barreira é tão significativa que pode proporcionar diferentes tipologias e formas de ocupação de um lado ou outro. Esse é o caso do Bairro Riachuelo que, de um lado da linha do trem é predominantemente residencial unifamiliar, com edificações antigas e de fachada colada na testada do lote, e do outro lado, possui maior ocupação de comércio e residências multifamiliares. Neste caso (Figura 12) percebemos que a calçada fica comprimida entre um muro e o leito movimentado dos automóveis. Não há pontos de conexão frequentes entre as calçadas ou mesmo entre a calçada e a ferrovia e, portanto, ao percorrer este caminho, não há possibilidade de dispersão. As necessidades de ver e ser vista, ouvir e ser ouvida e ainda de uma saída sempre visível não são respeitadas.

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Figura 12: Rua Vinte e Quatro de Maio, Riachuelo, Rio de Janeiro. Fonte: Google Street View. Intervenção da autora

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O exemplo da esquina das ruas Primeiro de Março e Dom Gerardo (Figura 13), no Centro do Rio de Janeiro, elucida duas questões. Primeiramente, a relação de proporção entre a edificação alta, a calçada estreita e o pequeno espaço entre o que é construído e, nesse caso, o tapume da obra (mas poderia ser outra edificação ou muro), conforma um beco mal iluminado como sendo a única possibilidade de percurso. Além disso, o contexto da imagem, se tratando das obras relacionadas às Olimpíadas na cidade, transformam grandes áreas de lugares muito utilizados em canteiros de obra constantes, resultando em novas relações das pessoas com estes espaços. Os tapumes das obras limitam as possibilidades de percurso e consequentemente de comunicação e visão no e do entorno, gerando becos, longos caminhos únicos e má iluminação.

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Figura 13: Esquina das Ruas Primeiro de Março e Dom Gerardo, Centro, Rio de Janeiro. Fonte: Google Street View. Intervenção da autora

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Passagens subterrâneas e travessias em túneis (Figura 14) conformam espaços enclausurados e com uma única possibilidade de caminho. É recorrente a pouca manutenção destes lugares, com acúmulo de lixo, goteiras e poças, má iluminação e pouca segurança. No caso de túneis, a insegurança se intensifica pela movimentação de carros (muitas vezes em alta velocidade) e o caminho estreito, a saída nunca é fácil nesse tipo de lugar.

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Figura 14: Passagem subterrânea na Rua Goiás, Encantado, Rio de Janeiro. Foto:Eduardo Nadar. Fonte: O Globo. Intervenção da autora

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A manutenção e planejamento das calçadas são também formas de interferência na possibilidade de percorrer a cidade. Em ambos os exemplos (Figura 15.1 e 15.2), postes se tornam obstáculos ao caminhar, estreitando o espaço da pedestre ou até impossibilitando a sua passagem, principalmente de carrinhos de bebê ou de compras. Os buracos causam esta mesma impossibilidade. Este tipo de elemento ou de falta de manutenção nas calçadas, principalmente nas mais estreitas como no exemplo, é também determinante para a precariedade no deslocamento de pessoas com algum tipo de deficiência. Para todas essas pessoas, que tem necessidades especificas para poder usufruir da cidade, é essencial que o espaço seja livre de obstáculos.

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Figura 15.1: Rua das Laranjeiras, Laranjeiras. Figura 15.2: Rua Miranda Valverde, Botafogo. Fonte: Google Street View. Intervenção da autora.

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O Largo da Carioca (Figura 16) nos oferece diversas frentes de análise. Seu entorno é de edificações majoritariamente de uso comercial. Este fato traz a consequência de turnos e dias de utilização e movimento maior daquele espaço. Pode-se considerar dois “Largos da Carioca: o do dia de semana ou durante o dia com muito movimento de pessoas e comércio funcionando e outro nos fins de semana ou a noite, em que fica deserto. Essa característica é reforçada pelo acessos do Metrô, que ficam abertos de forma intercalada. São três os acessos diretos à praça mas em horários noturnos os fins de semana somente um deles se mantém aberto. O entorno é marcado por edifícios de grande altura, com amplas visadas para o Largo, porém, alguns dos que funcionam com uso comercial se voltam para as ruas adjacentes e não para a centralidade do espaço público, como o Centro Cultural da Caixa e o Edifício Central. Vários destes edifício, principalmente os institucionais, proporcionam uma grande área de jardim mas com uso limitado, pois se mantém gradeados. Oda a área livre e aberta do Largo, por sua vez, não possui qualquer tipo de mobiliário urbano que permitiria um maior movimento, traria a possibilidade de estar e convivência no local ou ainda estabeleceria relações de vigilância entre os frequentadores. As possibilidades de caminho também se transformam. Parte do Largo é gradeado, formando uma praça de responsabilidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Social/BNDES. Esta praça fecha suas grades em momentos não comerciais, impossibilitando uma série de caminhos possíveis quando seus portões estão abertos. As grades são, também, obstáculos físicos e visuais e, acompanhadas de arborização intensa e sem manutenção, impedem que uma pessoa veja o que acontece do outro lado. A arborização, nesse caso, não favorece o caminhar ou o estar, o dificulta. As imagens analisadas acima demonstram algumas situações em que o espaço e/ou elementos do espaço urbano (como mobiliário, arborização, fachadas, revestimentos) influenciam diretamente na vivência das pessoas e, mais especificamente, da mulher na cidade. A construção de paredes e muros cegos, ou seja, sem porosidade, influencia na construção de lugares perigosos. “Os diversos níveis de contato [entre o público e o privado] geram sensação de confiança e segurança mesmo entre estranhos, através da convivência ocasional nas lojas, bares, quiosques, pontos de ônibus, soleiras, degraus, entradas e lugares de parada. (Baptista, 2011)”

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Figura 16: Largo da Carioca, Centro, Rio de Janeiro. Fonte: Google Street View. Intervenção da autora

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Além das referências adotadas na construção da nossa metodologia, há ainda outros manuais que se debruçam sobre a construção de cidades seguras a partir das transformações espaciais e apontam essas e outras características e conceitos para que essa segurança se dê na prática. De acordo com o manual “Espaços Urbanos Seguros”, adaptação de manual homônimo chileno por iniciativa do Governo do Estado de Pernambuco, é importante a criação de situações que permitam com que a/o pedestre exerça a “vigilância natural”, ou seja, que permita a movimentação do espaço, a presença de pessoas e a comunicação entre elas. Essa situação pode se dar pela abertura de muros, pela existência de comércio, pela colocação de mobiliário de permanência, pela iluminação, entre outros (Figura 17).

Figura 17: Exemplo que incorpora elementos para um espaço seguro. Fonte: Manual Espaços Urbanos Seguros. Governo Estadual de Pernambuco.

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A insegurança é um tema que toca à todas as pessoas que vivem a cidade mas é importante considerar que há perigos e medos vividos exclusivamente ou mais intensamente pelas mulheres. Isso se verifica, simplificadamente, através da construção social da mulher: a forma como ela é vista na sociedade e o lugar em que ela é colocada. E também por uma questão de pertencimento: o lugar da mulher construído historicamente é o espaço privado e não o espaço público. No espaço público ela não se sente segura, pois não se sente parte daquele espaço, não sente que aquele lugar é feito pra ela. As diferenças destas vivências não são somente materiais, são fruto da forma como a mulher é vista e construída pela sociedade, o lugar designado à ela e sua sensação de pertencimento ou não ao espaço. As características físicas e materiais influenciam diretamente nesta relação com o espaço. Para visualizar de forma clara estas vivências no espaço, é preciso, portanto, entender como se dá o cotidiano da mulher nele. As entrevistas realizadas para esta pesquisa buscaram a compreensão deste cotidiano e destas relações. Para isso, foram divididas em quatro partes: 1. Perfil da Mulher Entrevistada, 2. Espaço doméstico, 3. Cotidiano e 4. Espaço público. Na entrevista foi possível, inicialmente, conhecer esta mulher com informações acerca de sua vida familiar, seu trabalho e seu local de moradia. Depois, entender como se dá a sua vivência no espaço da moradia, identificando que tarefas são exercidas e se a divide ou não com outras pessoas. A terceira parte falando de sua rotina dentro e fora de casa, quais as suas responsabilidades e meios de realizalas. Por fim, a entrevista se aprofunda na relação mais abstrata da mulher com estes espaços, buscando identificar onde se sente bem, onde sente dificuldade em estar e o que ela imagina que poderia ser transformado para que sua vida na cidade fosse melhor.

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4. Mulher e Cidade: Um Olhar Sobre os Lugares



Mulher e Cidade

A fim de espacializar as desigualdades nas vivências entre mulheres e homens no espaço público da cidade, faz-se necessária a identificação de situações de conflito. As entrevistas têm papel essencial nesse processo, assim como o reconhecimento do lugar das mulheres entrevistadas no contexto da cidade em que vivem. Este capítulo se desenvolve com o objetivo de agrupar dados e, então, analisá-los, nos dando subsídios para a demonstração destes conflitos. Inicialmente, no item 4.1 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS: O PERFIL DA MULHER ENTREVISTADA, são apresentadas as entrevistas realizadas, a análise de suas respostas e a comparação destes dados com outros mais abrangentes, localizando estas mulheres no contexto da Região metropolitana do Rio de Janeiro por dados estatísticos do IBGE. Posteriormente, nos itens 4.2 ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE LAZER: por bairro e 4.3 ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE LAZER: por categoria, foram explicitadas as análises dos espaços públicos de lazer que serviram de exemplo para a demonstração da relação precária da mulher com esse tipo de espaço na cidade.

4.1 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS: O PERFIL DA MULHER ENTREVISTADA

Como indicado no Capítulo 2. METODOLOGIA foram realizadas entrevistas com algumas das trabalhadoras terceirizadas das equipes de manutenção e segurança da UFRJ, mais especificamente do prédio da Reitoria da UFRJ, campus Ilha do Fundão. Buscamos identificar aqui o perfil destas mulheres, entendendo que o próprio recorte já o delimita pois tem como objetivo enxergar um grupo social específico de mulheres que sofrem duplamente pelas desigualdades de classe e de gênero, suas atividades cotidianas, responsabilidades, lugares que percorrem e suas relações com o espaço da cidade. O objetivo dessas entrevistas foi, através do método qualitativo, obter uma amostra de que tipos de relações esse grupo social selecionado como recorte estabelece com os espaços públicos da região metropolitana.

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Foram realizadas 8 (oito) entrevistas com funcionárias que trabalham como faxineiras, como encarregadas e como seguranças. Antes de apresentar e analisar as respostas das entrevistas e os dados que elas nos trazem, é importante considerar as circunstâncias nas quais elas foram realizadas. Todas as entrevistas ocorreram no espaço e no horário de trabalho dessas mulheres em locais como a entrada do edifício da faculdade, banheiros e corredores que serviram de apoio para a realização das perguntas. As mulheres responderam o questionário em formato de conversa e, então, o as fichas foram sendo preenchidas pela autora diretamente no papel de acordo com as respostas recebidas. A abordagem foi realizada enquanto as mulheres realizavam suas tarefas cotidianas do trabalho. O atual prédio da Reitoria, local de trabalho destas mulheres, foi projetado inicialmente para abrigar somente a Faculdade Nacional de Arquitetura mas com o tempo passou a comportar também outras instâncias da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje abriga a Reitoria, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, seus programas de pós-graduação (Programa de Pós-graduação em Arquitetura/ PROARQ e Programa de Pós-graduação em Urbanismo/PROURB), a Escola de Belas Artes/EBA, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional/ IPPUR. O edifício da FAU/UFRJ 25 se desenvolve em dois grandes blocos. O bloco horizontal foi projetado para abrigar a Biblioteca, um museu técnico e outras áreas administrativas. O bloco vertical distribui as salas de aula a partir de um longo corredor, que comporta também os banheiros e um volume de circulação vertical. Esta organização espacial, ao mesmo tempo em que potencializa espaços de passagem distribuindo o fluxo de alunos, professores e funcionários, não reserva e desestimula lugares de permanência. Seus usos são muito bem definidos, não há espacialidades flexíveis e nem algum tipo de depósito ou armário tanto para os materiais como para os pertences das trabalhadoras. No dia a dia vê-se que as trabalhadoras e trabalhadores terceirizadas/os são os mais prejudicados pela falta dessa possibilidade. O almoço é, muitas vezes, realizado dentro do banheiro ou de salas de aula não utilizadas

26 Sobre o projeto arquitetônico de Jorge Machado Moreira, premissas conceituais, programa de necessidades, partido original e outras informações, consultar, por exemplo, artigo de Oliveira e Butikofer (2005), disponível em: http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.064/421

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no momento. As mulheres adaptam alguns espaços do próprio banheiro para que possam guardar suas coisas no período de trabalho e para que possam estar em qualquer outra situação: alimentação ou descanso. Para além do espaço físico, é importante pontuar sobre o significado do espaço da Universidade Pública nesse contexto de terceirização. Ao mesmo tempo em que, no sentido do imaginário do que é público qualquer pessoa poderia frequentar o espaço da universidade, há uma seleção de quem na prática estará ali. Por um lado, essas mulheres pertencem a esse espaço por prestarem um serviço nele, por outro, elas não são agentes ativas da construção dele e não são consideradas como tal. Seu vínculo com a UFRJ é indireto e elas mesmas, em sua maioria, nunca estiveram em uma das salas de aula de uma Universidade enquanto estudantes, somente como trabalhadoras. É, em si, um espaço que lhes demonstra constantemente que elas não pertencem de fato à ele e sua organização espacial intensifica ainda mais essa relação de exclusão. Os locais de realização das entrevistas refletem, portanto, a difícil relação dessas mulheres com o espaço de trabalho, um ambiente do qual elas não fazem parte e que não há um espaço acolhedor para elas. Essa relação com o espaço está diretamente ligada à dignidade de se estar ali, com a possibilidade de acesso e com a sensação de pertencimento do espaço. Podemos, então, traçar um paralelo entre a situação vivida por elas na Universidade e aquela vivida pelas mulheres no espaço da rua. O questionário aplicado foi dividido em quatro partes: (1)Perfil da entrevistada, (2) Espaço Doméstico, (3) Cotidiano e (4) Relação com o espaço. Cada uma dessas partes buscou entender um aspecto das relações possíveis de serem apresentadas por suas respostas. Em primeiro lugar, é importante conhecer a mulher entrevistada: seu lugar social, faixa salarial, relações pessoais, idade, família. Em seguida, destacar quais relações essa mulher vive em seu espaço de moradia, quais tarefas são de sua responsabilidade, com quem divide este espaço. E então, compreender a rotina, tanto no espaço privado como no espaço público, vivida por ela: tarefas e responsabilidades, deslocamentos, locais visitados. Por fim, buscar respostas que nos permitam construir a visão desta mulher sobre os espaços que percorre, ou que deixa de percorrer.

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Através da análise das etapas (1) e (2) do questionário, foi possível traçar um perfil desta mulher (figura 18). Ela tem idade acima dos 30 anos, estando metade delas entre 46 e 55 anos, está solteira (cinco delas, enquanto duas são casadas), com filhos (cinco possuindo 2 filhos) e recebem salário em torno de R$900 em seu único emprego, o realizado na Universidade. Do total das entrevistadas, seis mulheres moram em bairros da zona norte da cidade do Rio de Janeiro (figura 16), alguns mais próximos do local de trabalho como Bonsucesso ou o Complexo da Maré e outros mais distantes em bairros como Belford Roxo e Fazenda Botafogo.

Figura 18: Perfil da Mulher Entrevistada. Gráfico produzido pela autora.

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A casa em que mora é, em sete dos oito casos dividida com outras pessoas sendo, principalmente, os filhos. Mesmo com a divisão do espaço da moradia, cinco delas realizam as tarefas domésticas sozinhas e, nos três casos em que há divisão do trabalho, ou essa divisão é feita com outra mulher ou é realizada por homens mediante a ausência da mulher, considerada por elas mesmas como uma ajuda no trabalho doméstico, como demonstrado pelo relato de uma das entrevistadas: “O meu marido me ajuda. Por exemplo, o meu filho sai da escola na hora que eu ainda estou aqui no trabalho, então, meu marido busca ele na escola e fica com ele até eu chegar.” Todas, dividindo ou não esta responsabilidade, realizam trabalhos domésticos em casa. Ao serem perguntadas sobre o exercício de outro trabalho além do vínculo empregatício com a empresa contratada da UFRJ, a maioria responde que além deste emprego, trabalha “só em casa”. Isso nos mostra que, mesmo que o trabalho reprodutivo exercido, na maioria das vezes pelas mulheres, não seja reconhecido como trabalho formal e produtivo pela sociedade, elas mesmas enxergam a importância dele e veem as atividades domésticas 27 como trabalho, reforçando a dupla (ou tripla) jornada . Nenhuma das mulheres entrevistadas contrata qualquer outra pessoa para a realização dessas tarefas. Já nas etapas (3) e (4) do questionário, conhecemos a rotina desta mulher. Seu dia a dia gira em torno, essencialmente, do trabalho, dos filhos e das tarefas domésticas, todas elas apresentam estes como elementos estruturantes de seus dias. Das oito entrevistadas, somente uma apresentou outro tipo de atividade como parte de sua rotina, a ida ao culto da Igreja. Duas outras disseram que, em casa à noite, utilizam as redes sociais. A rotina se inicia cedo, para algumas em torno de 4:00 horas da manhã para fazer o almoço e levar os filhos na escola antes de chegar ao trabalho. “Acordo as 3:20h da manhã para fazer o almoço e levar o filho na escola. Depois venho pro trabalho. Pego dois ônibus e aquele aqui da universidade. Depois do trabalho volto pra casa, arrumo a casa e durmo pra acordar no dia seguinte”, relata uma das entrevistadas. Sobre fins de semana e momentos de folga, 80% das mulheres respondem que realizam tarefas domésticas e/ou cuidam dos filhos. “Durante a semana só da pra dar uma arrumadinha na casa, né. Então, no fim de semana é que dá tempo pra fazer uma faxina melhor.”

27 Este fato é um reflexo da naturalização da realização destas tarefas pelas mulheres, como desenvolvido nos Capítulos 2.2 O PAPEL SOCIAL DA MULHER e 2.3 A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NOS ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO

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Para realizar estes trajetos todas as entrevistadas utilizam ônibus e os trajetos duram, para parte significativa delas (37,5%), de 30 minutos a 1 hora. Esta média se demostra de forma expressiva quando se trata do tempo de deslocamento para as mulheres da Região Metropolitana do Rio de Janeiro em seu trabalho principal (Tabela 1), em que 32,52% das mulheres utilizam de meia hora a uma hora para tal.

Tabela 1: Tempo de Deslocamento para o Trabaho Principal Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE.

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Como é o caso de algumas das entrevistadas, percebe-se também que há um grande número de mulheres que se desloca dentro da Região Metropolitana, de outros municípios para o Rio de Janeiro por motivo de trabalho (Figura 19). Este deslocamento se dá mais intensamente (para 25mil mulheres ou mais) de municípios como Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti. Para estas mulheres a falta de mobilidade eficiente é ainda mais significativa na estrutura de seu dia a dia, interferindo na sua possibilidade de realização de outras tarefas e sendo a baldeação entre transportes mais recorrente.

Figura 19: Mapa de movimentos pendulares realizados por mulheres responsáveis por seus domicílios, por motivo do trabalho, no Rio de Janeiro. Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE.

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Utilizando como base as características apresentadas por estas mulheres sobre suas rotinas, recorremos aos dados do Censo Demográfico do IBGE de 2010. Por essa pesquisa é possível identificar como se dividem homens e mulheres da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – área onde também as trabalhadoras terceirizadas vivem, de acordo com suas faixas de renda na tarefa de ser responsável economicamente pelas suas famílias. Vê-se, na tabela a seguir (Tabela 2), o número de homens e mulheres responsáveis pelas suas famílias a cada faixa de renda, de R$255 a mais de R$10200

Tabela 2: Ocorrência de homens e mulheres responsáveis pelo domicíclio de acordo com suas faixas de renda. Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE.

A partir destes dados, é importante analisar alguns pontos. Primeiramente, vê-se que a maior parte das famílias é chefiada por homens, de um total de 3.257.917 famílias, 57,17% são de responsabilidade masculina. Se, então, cruzamos este dado com os dados da PNAD 2014 já apresentados no Capítulo de INTRODUÇÃO desta pesquisa, chegamos à revelação de que, ao mesmo tempo em que a responsabilidade econômica é dos homens, a mulher tem tempo de trabalho (doméstico ou não) maior que ele. Este dado reforça o fato de que, apesar de adentrarem ao mercado de trabalho, as mulheres ainda se mantém como responsáveis pela dinâmica da família e o homem pelo sustento da mesma. O papel reprodutivo para a mulher ainda estrutura as dinâmicas familiares no Brasil.

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Além disso, se analisarmos o número de homens e mulheres em cada uma das faixas de renda, vê-se que a menor delas (até R$255) é a única faixa em que as mulheres são maioria (8,64%, contra 8,26% de homens nessa faixa de renda), enquanto todas as outras têm maioria de homens. E, ainda, conforme a faixa de renda vai aumentando, o número total de homens e mulheres diminui. Do total de famílias, a maior parte delas (67,7%) se enquadra nas três faixas mais baixas, até R$1530, faixa de renda na qual se encaixam, também, as trabalhadoras terceirizadas da UFRJ, utilizadas como recorte dessa pesquisa. Vimos traçando o perfil destas mulheres que elas estão, em sua maioria, solteiras e com filho. Através dos dados do IBGE (2010), podemos identificar o cenário dos tipos de família (Tabela 3) na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e em que lugar estas mulheres se encontram nesse cenário.

Tabela 3: Tipologias familiares Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE.

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Do total de 3.257.915 famílias apenas 1,99% delas é composta por um homem sem cônjuge com filhos, enquanto 14,60% delas é composta pela formação de mulher sem cônjuge com filhos. Este dado é significativo no que diz respeito à designação da mulher como responsável pelos filhos, o que interfere diretamente em sua rotina e consequente vivência nos espaços público e privado. Este fato é demonstrado pelas próprias entrevistadas, que apontam como parte de sua rotina levar e buscar os filhos na escola. Em um dos relatos, a trabalhadora nos diz que todos os dias pela manhã faz uma caminhada levando seu filho na escola, que fica a cerca de uma hora de sua moradia. Ou seja, nesse caso a mulher incorpora seu tempo de lazer e exercício físico à sua tarefa doméstica de levar o filho à escola. A relação destas mulheres com o espaço público, demonstrada pela parte (4) do questionário é, em primeiro lugar, de medo. A insegurança é o fator mais citado como dificuldade em sua vivência, como motivo para evitar certos lugares e também como necessidade de melhoria na dinâmica urbana. De acordo com campanha da ActionAid (2014) “Cidades Seguras para as Mulheres”, 1/5 das mulheres brasileiras já sofreu algum tipo de violência. E ainda, segundo o Dossiê Mulher 2015, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública /ISP do Governo do Estado do Rio de Janeiro, 56,8% das vítimas de estupro foram mulheres negras, 76,6% mulheres solteiras e, na maioria dos casos (30,9%) o estuprador era desconhecido. Sendo assim, as mulheres moradoras das regiões mais pobres, as mulheres negras, as mulheres solteiras são as mais vulneráveis a este tipo de violência. Se observarmos o perfil das mulheres aqui representadas a partir destes dados, vemos que estas mulheres estão no grupo de mulheres mais violentadas no Estado. O medo citado por elas de sair à rua e principalmente à noite, portanto, é fundamentado e concreto. Em segundo lugar como fator de dificuldade em sua vivência no espaço aparece a má qualidade do transporte. Sobre o que poderia melhorar na dinâmica do espaço público, é colocada a necessidade de equipamentos públicos de saúde mais perto de casa. Por fim, é perguntado às entrevistadas sobre locais que elas gostariam de estar e visitar, mas não o fazem atualmente. A maioria das mulheres responde a tal pergunta com hesitação e se remete a espaços de lazer ou lugares distantes. Praia, cachoeira, casas de show ou pontos turísticos e viagens são as respostas. Este resultado se assemelha, cada um com suas respectivas especificidades, aos resultados encontrados a partir das entrevistas realizadas por Tavares (ano). Ao realizar entrevistas com as mulheres objeto

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de seu estudo, também se percebe hesitação ao se responder o que é um espaço de lazer. Gonzaga (ano), por sua vez, em oficina realizada com as mulheres objeto de sua pesquisa, as pede para desenhar o espaço de uma praça ou parque. É recorrente, nesse caso, o desenho que relacione o espaço com a necessidade de outros, como crianças e idosos.

Em diversas entrevistas, realizadas para essa tese, e conversas feitas com mulheres, tanto de classe média, como pobres, nenhuma conseguiu responder com clareza o que seria um espaço de lazer para elas. (TAVARES, 2015. p. 112) Estes resultados recorrentes nos trazem à reflexão sobre qual é o espaço da cidade utilizado pelas mulheres especificamente para o seu lazer. Está colocado o seu lugar no trabalho produtivo, através da divisão sexual do trabalho; está colocado o seu lugar no espaço privado, como responsável pela reprodução do lar e da família; mas qual o lugar da mulher para se divertir ou para o ócio? Este lugar existe na cidade? Ao olharmos os espaços públicos recorrentes na cidade do Rio de Janeiro, é possível identificar quadras de futebol, esporte majoritariamente praticado por homens, parquinhos com brinquedos para crianças e mobiliário para atividades físicas voltadas para idosos na maioria deles. Não se identifica, porém, um espaço público planejado especificamente para as mulheres. Em estudo e projeto realizado em Vienna, Austria28, tentou-se identificar como homens e mulheres utilizavam os parques públicos. Os resultados mostraram que, a partir dos nove anos de idade, o número de meninas que utilizam os parques cai drasticamente, enquanto o número de meninos se mantém. Isso se dava pois, a partir do momento em que se estabelecia uma disputa de interesses pelo espaço, as meninas não conseguem se sobrepor aos meninos, que tomam o espaço para si. Tendo esse diagnóstico, foram feitas algumas

28 Para saber mais sobre a experiência em Vienna: http://www.citylab.com/commute/2013/09/howdesign-city-women/6739/. Acesso em 07/07/2016

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transformações em dois parques da cidade. Foram colocadas quadras de vôlei e badminton, para pluralizar os locais de esportes, o paisagismo passou a subdividir grandes áreas em áreas menores e mais aconchegantes e elementos de acessibilidade foram inseridos. O resultado foi imediato. Houve um aumento visível do uso dos espaços do parque por parte de meninas e mulheres, sem que um grupo prevalecesse sobre o outro.

Nós também abordamos projetos de parques com a perspectiva de gênero, encorajando políticos a promoverem espaços livres que também levassem em consideração as necessidades específicas de meninas e mulheres, visto que, como demonstram estudos e análises, são necessidades específicas. As pesquisas de base realizadas por sociólogos – que nós promovemos – demonstra que as meninas têm menos chances e oportunidades de ocupar o espaço livre – parquinhos e parques públicos – por se sentirem inseguras ou porque o desenho dos parques e a estrutura dos espaços são orientadas para os interesses dos meninos. O estudo, com seus resultados evidentes, criou esta consciência entre os responsáveis políticos em Vienna. Então, conduzimos seis projetos piloto, quatro deles com ampla participação em seu processo, e avaliamos posteriormente que as meninas tiveram melhores chances de usar e ocupar o espaço livre com um planejamento com a perspectiva de gênero, o que impulsionou a visibilidade 29 de meninas e mulheres na esfera pública. (KAIL, 2013, s/p) 29 Tradução da autora. No original: We also tackled projects of gender-sensitive parks encouraging politicians to promote the design of open space which should take also into account the specific needs of girls and women since, as studies and analysis noticed, these needs are different. The broad scope research done by sociologists -we promoted- shows girls have less chances and opportunities to occupy the open space – playgrounds and public parks- by feeling unsafe or because the design of playgrounds and spatial structures are orientated on boys interests only. The study, with its evident results, created awareness for the responsible politicians in Vienna. Then, we conducted six pilot projects, four of them with participatory processes; and we made evaluations afterwards showing girls have really better chances to freely use and occupy open space with a gender-sensitive design what increases the visibility of women and girls in the public sphere.

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4.2 ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE LAZER: POR BAIRRO

A discussão teórica estabelecida no capítulo 2, juntamente com as observações iniciais a respeito da segurança no espaço público do capítulo 3 e as análises das entrevistas indicaram, portanto, várias situações de conflito, que são agravadas quando se trata da vivência da mulher trabalhadora no espaço público da metrópole e, mais especificamente, do espaço de lazer público vivenciado (ou não) por ela. Esta mulher está inserida em um contexto social de desigualdade e precariedade, situação essa que permeia grande parte das mulheres da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, como visto no Capítulo 4.1. Neste e no próximo item (4.2 e 4.3), espacializaremos situações de exclusão da mulher dos espaços de lazer (configurados como praças ou largos) na cidade. Para tanto foram investigados, inicialmente, os percursos realizados pelas mulheres entrevistadas em seu dia a dia entre o bairro de moradia e o local de trabalho (Figura 20).

Figura 20: Mapa de deslocamento entre a moradia e o trabalho. Mapa produzido pela autora.

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Os trajetos desenhados no mapa acima esboçaram áreas da cidade percorridas por estas mulheres diariamente, seja no seu próprio bairro de moradia, ou nos locais de baldeação entre transportes. Foram identificadas praças ou outros espaços públicos de lazer nas imediações dos pontos de partida, chegada ou parada. O critério para determinar a distância percorrida até esses equipamentos decorreu do modo de acesso à esses espaços que deve privilegiar a escala urbana 31 do pedestre30, à exemplo do que foi preconizado por Jane Jacobs na década de 1960 32 e por Christopher Alexander até hoje. Adotamos, para identificação destes espaços, um generoso raio de um quilômetro traçado a partir do ponto marcado, a fim de ampliar a diversidade dos locais estudados, mas considerando ainda distâncias razoáveis de serem percorridas dentro deste recorte. Os espaços públicos de lazer selecionados são, portanto, locais em escalas de vizinhança, ou seja, praças ou largos de pequeno porte e que atendem a um pequeno grupo de quadras, ou em escala de bairro, praças de médio porte, que têm uma maior diversidade de atividades, atendendo a um entorno um pouco mais ampliado (KELLY, BECKY. 2000). Foram listadas vinte e oito praças ou largos,

30 Há diversas teorias que poderiam embasar a escolha de uma distância que se pode percorrer à pé. A teoria da Unidade de Vizinhança, por exemplo, formulada originalmente por Clarence Arthur Perry no contexto do plano de Nova York de 1929, se apresenta pela primeira vez no Brasil no eixo Rio – São Paulo, no inicio da década de 50 e tem como exemplo nacional mais expressivo a construção de Brasília. A Unidade de Vizinhança seria, então, um espaço que tem a possibilidade de se manter e se relacionar de forma independente, em que se percorre distâncias razoáveis para as suas principais atividades. A maioria das concepções de UV tem a escola como foco e, a partir daí e do contexto de cada cidade, determinando elementos e/ou distâncias mínimas entre eles. Sobre esse assunto, consultar: BARCELLOS, Vicente Q. Unidade de Vizinhança: Notas sobre sua origem, desenvolvimento e introdução no Brasil. Brasilia: UNB PPG 2006 31 Jacobs, em sua obra, discorre sobre as formas de garantia de vitalidade para as praças e parques inseridos em contexto urbano. Parte de sua contribuição incorpora a crítica às grandes áreas verdes e edifícios isolados da proposta modernista, e versa sobre que aspectos colaboram para que um espaço público de lazer seja significativo para o bairro. Dentre os aspectos estabelecidos estão a complexidade – diversidade de usos e pessoas, a centralidade – hierarquia entre os elementos, a insolação – equilíbrio entre áreas sombreadas e ensolaradas e a delimitação espacial – conformação dos espaços a partir dos edifícios. É a relação entre estes elementos que constrói o pleno funcionamento da própria área e de sua importância para o entorno. 32 Alexander (1977), por exemplo, entende que se deve caminhar no máximo três minutos até chegar à uma praça, aproximadamente 230 metros.

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e sistematizadas em uma tabela para cada bairro (Tabelas 4 a 8) de acordo com seus elementos urbanísticos e atividades realizadas: equipamentos, usos, mobiliários, vegetação e iluminação. Então, pode-se perceber que tipos de atividades são realizados nas praças e que elementos possibilitam essas atividades. Além de marcar quais equipamentos, mobiliários, tipos de vegetação e iluminação se encontram em cada uma. A partir daí, alcançamos um recorte menor, e ainda significativo do que acontece nesses espaços públicos, bairro a bairro, distribuídas em três categorias: Escala de Bairro, a Escala de Vizinhança e Espaços Residuais. Essas categorias foram determinadas após uma visão geral de todos os bairros, que levam em conta o número de atividades realizado na praça, o raio de abrangência dela, sua função estrutural para o bairro e sua escala. A Escala de Bairro possui como tipologia as praças de tamanhos maiores, com grande número de atividades, que fogem do padrão das quadras de futebol e parquinhos infantis. Elas ainda têm maior importância para a estrutura do bairro, sendo ponto central de meios de transporte variados e/ou concentração de comércio. Já a Escala de Vizinhança possui como tipologia as praças de tamanhos menores, com reduzido número de atividades, dentre elas campo de futebol, parquinho infantil, mesas de jogos e bancos; e abrangendo uma população de um entorno mais imediato. Esse espaço tem importância para aquela vizinhança, mas não é elemento estrutural para o bairro em que se insere. Por fim, os Espaços Residuais, são identificados por somente uma ou poucas atividades, em espaços reduzidos, normalmente fragmentos entre ruas, utilizados por pessoas de um pequeno entorno e com manutenção precária, como vegetação sem corte, acúmulo de lixo ou obras não acabadas. Tal análise resultou em uma tabela por bairro contendo uma descrição sistemática das principais atividades contidas nesses espaços públicos de lazer . Este processo se finaliza, então, com uma tabela resumo que situa os espaços em suas categorias, nos dando a possibilidade de selecionar os mais representativos de cada uma e alcançar uma análise mais profunda e detalhada destes. A seguir, apresentamos as principais considerações identificadas bairro a bairro.

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ANCHIETA 33 No percurso Anchieta/Fundão, a trabalhadora utiliza dois tipos de transporte: o ônibus municipal 381 e o BRT Transcarioca. Sendo assim, as praças selecionadas para este percurso se encontram no próprio bairro de Anchieta e no local de baldeação entre transportes. Foram cinco as praças determinadas pelo recorte desta etapa do trabalho: Praça Granito, Praça Inácio Gomes, Praça Itanhomi, Praça Manoel Taveira de Miranda e Praça Nossa Senhora de Nazaré. É notável o destaque da Praça Granito, fato que a colocou dentre os espaços em Escala de Bairro, pelo seu tamanho generoso e pela maior diversidade de atividades, sendo possível a realização de diferentes esportes, além de áreas infantis de convivência. A forma radial centralizada na praça e de onde partem diversas ruas indica também maior hierarquia com relação aos outros elementos do bairro. A praça recebe um número de pessoas que vai além da população de seu entorno imediato, sendo ponto de convergência para os moradores e quem frequenta esta região. Por ela passam ônibus como o 431L (Deodoro/Praça Santinha), 725 (Cascadura/Ricardo de Albuquerque) e 795 (Magalhães Bastos/ Pavuna). O entorno é, também, essencial para a intensificação de seu uso, pela centralidade de meios de transporte e pelo uso predominantemente comercial. A sua área é subdividida nas diferentes atividades que incluem pista de skate, campo de futebol, academia para a terceira idade, parquinho infantil, arena e espaços de contemplação com mesas e bancos. A praça possui extenso gramado e vegetação de porte médio que causa sombreamento principalmente nas áreas de convivência e próximo às calçadas externas. Ao longo de seus caminhos internos há vegetação de porte pequeno de forma esparsa. Percebem-se, inclusive, caminhos traçados cotidianamente pela população que escapam daqueles circuitos pré-concebidos. A área circulável projetada é pavimentada, tanto no que se refere aos caminhos e calçadas, como nas escadas e rampas que conduzem até os patamares mais altos onde estão as quadras. Em seu perímetro há quiosques comerciais, flexibilizando o seu horário de uso. 33 O bairro de Anchieta está localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro e foi fundado em 1º de Outubro de 1896, junto à sua estação de trem. A linha ferroviária original foi desativada antes da década de 1950 e o atual prédio da estação Anchieta de trem inaugurado em 1989. O bairro possui uma população de XX em uma área de XX ha. O espaço de lazer de maior destaque da região é a Praça Granito, maior praça do subúrbio carioca

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Quanto ao mobiliário urbano, verificamos bancos de concreto sem encostos distribuídos em apenas alguns pontos, gazebos que sombreiam as áreas de jogos de tabuleiro que, por sua vez, possuem mesinhas e bancos também de concreto, postes de iluminação de porte médio e lixeiras, ambos em bom estado de manutenção. Já as praças Nossa Senhora de Nazaré, Manoel Taveira de Miranda e Itanhomi se encontram na categoria Escala de Vizinhança, pois abarcam um número menor de atividades, sendo elas principalmente as de convivência e contemplação (parque infantil, mesas e bancos). Quando da existência de área para esporte, há quadras de futebol. Pelas dimensões menores e pelo número de atividades mais limitado, agregam uma população mais próxima. Tanto a Praça Manoel Taveira de Miranda quanto a Praça Itanhomi se inserem em uma malha urbana quadriculada, ocupando a área de uma quadra pequena e gerando uma relação de menor importância para a estrutura do bairro. O caráter residencial do entorno de cada uma das três praças também colabora para que seu uso não seja tão intenso, mas, ainda assim, significativo na Escala da Vizinhança. A primeira, Nossa Senhora de Nazaré, é estruturada em níveis diferentes, todos parcialmente cercados por muretas de pedra, criando núcleos de espaços de convivência ou de parque infantil. Já as outras duas praças, Manoel T. de Miranda e Itanhomi têm estrutura similar, ambas com duas quadras de futebol como elementos centrais e parque infantil e mesas ao seu redor. Em todas as praças, foi possível identificar uma vegetação de maior porte ao longo de seu perímetro, causando sombreamento nas calçadas e em alguns pontos das áreas de convivência. Além disso, há gramado em grande parte da extensão das praças, mas vê-se que a maioria deles não possui manutenção constante, pelas falhas nos percursos e espaços mais utilizados pelas pessoas. Há pouca possibilidade de acesso para pessoas com qualquer tipo de necessidade especial ou que esteja com carrinho de bebê, por exemplo, pela existência de escadas ou degraus para áreas de atividades específicas, como o parque infantil. Quando há quadra de futebol, os mobiliários urbanos se distribuem ao seu redor e são encontrados bancos de concreto sem encosto e mesas de jogos também em concreto. Estes núcleos de mobiliários são, algumas vezes sombreados com gazebos e outras com vegetação. Quando não há a quadra de futebol como centralidade, é visto outro tipo de banco, de madeira com encosto, em alguns pontos, além de quiosques comerciais. A única praça que foge desse padrão é a Inácio Gomes, que, apesar de ter a menor dimensão entre as praças analisadas, possui uma Lona Cultural como centralidade, sendo gradeada mas, ainda assim, tendo importância para o bairro.


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ANCHIETA P. Granito P P. Inácio Gomes

Tipos de Atividades

Atividade Física

Cont. [1] Comércio

Convi. [2]

. Itanhomi

P. Manoel Miranda

P. N.S. de Nazaré

Academia 3º Idade Academia Campo de Futebol Skate Bancos Floricultura Quiosque Equip. Cultural Mesa de jogos Cobertura Pergolado Arena Parque Infantil

Vegetação

Grande Porte Médio Porte Canteiros

Iluminação

Alta Baixa No Piso

[1] Contemplação [2] Convivência Figura 21: Praça Itanhomi. Figura 22: Praça Granito. Figura 23: Praça N. Srª de Nazaré

Tabela 4: Características Gerais dos Espaços Públicos de Lazer - Percurso: Anchieta

Fonte: Google Street View.

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BONSUCESSO33 No percurso entre o bairro de Bonsucesso e o Fundão, a trabalhadora caminha e utiliza o BRT. Há, ainda, as opções dos ônibus 905 e 485/486, mas estas linhas estão cada vez mais escassas, fazendo com que o BRT seja a melhor opção. Sendo assim, as praças selecionadas para este percurso se encontram nas imediações do próprio bairro de Bonsucesso. No bairro de Bonsucesso, dentro da área estabelecida, foram encontradas quatro praças: Praça das Nações, Praça Lopes Ribeiro, Praça Paul Harris e Praça Professor Mourão Filho. A Praça das Nações é local de referência estrutural para o bairro e isso a faz estar, então, na categoria Escala de Bairro. Apesar de não possuir grande diversidade de usos, é um local de grande fluxo de transportes e concentração de pessoas, com entorno predominantemente comercial. A área da praça é determinada por duas ruas que se encontram, conformando um formato triangular. Nestas ruas, passam uma grande variedade de ônibus, como o 483 (Copacabana – Bonsucesso), 350 (Irajá – Passeio) ou 497 (Penha – Laranjeiras), sendo esse um dos pontos de referência principais para quem chega no bairro. É, ainda, um local de encontro que abrange uma população que vai além de seu entorno imediato. A praça não possui divisões em áreas nem por níveis, diferenciação de piso ou atividades específicas. Possui como elementos principais mesas de jogos e bancos de concreto, ora cobertos pelos gazebos, ora por vegetação Os elementos que proporcionam a convivência e o estar, são, portanto, os que determinam as possibilidades de atividades da praça. Seu movimento e uso é complementado por quiosques e floricultura, inserindo a atividade comercial ali, para além de seu entorno. 33 Na época colonial, a área onde hoje denominamos Bonsucesso era conhecida como Engenho da Pedra, por onde era escoada a produção agrícola e de açúcar ao recôncavo do Rio de Janeiro. O primeiro momento de loteamento do bairro aconteceu em 1914, pelo engenheiro Guilherme Maxwell e foi expandido para além da linha férrea da Leopoldina em 19XX. O bairro se constituiu como um dos principais centros industriais da cidade mas, com o deslocamento econômico para outras áreas a partir da década de 1980, teve seu aspecto industrial abandonado. Hoje, ainda possui galpões abandonados e é marcado pelo intenso comércio e serviços. Ao lado da Praça das Nações, que foi reconhecida como logradouro em 1918, as ruas do bairro são bem dispostas e planejadas, tendo como principais a Rua Cardoso de Moraes e a Avenida Teixeira de Castro. Para o outro lado da linha do trem, porém, o bairro é marcado por uma via principal estreita e de mão dupla, a Rua Uranos.

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É uma praça com bastante arborização de porte médio, tendo quase toda a sua área sombreada e gerando um lugar confortável para se estar. As árvores são alocadas no piso de pedras portuguesas com canteiros de desenhos curvos que determinam, também, caminhos para quem passa por ali. A iluminação é garantida de forma eficiente, com postes de luz de altura média que se mantém abaixo das copas das árvores. Como as únicas atividades da praça são de estar e convivência, o mobiliário se limita a mesas e bancos de concreto sem encosto. Aparentemente, porém, a demanda para estes espaços não é suprida pelo mobiliário existente, visto que os frequentadores ainda levam mesas e cadeiras de madeira para o espaço da praça. Há ainda, a existência de uma cabine da Polícia Militar e floricultura. Uma das laterais da praça é marcada pelas baias que servem de estacionamento para carros. As praças Lopes Ribeiro e Mourão Filho, por sua vez, são caracterizadas como em Escala de Vizinhança. Ambas têm certa diversidade de usos, proximidade a pontos de transporte (trem e BRT, respectivamente) e têm configuração radial, mas pela sua dimensão, número de atividades e número de pessoas frequentadoras, ainda se mantém com abrangência mais limitada ao seu entorno imediato. O entorno de ambas as praças é predominantemente residencial e a existência da linha do trem e da pista e estação de BRT em um de seus lados, respectivamente, cria uma barreira para a circulação de pessoas para além do acesso ao transporte. A Lopes Ribeiro tem como sua centralidade a quadra de futebol, com mureta e grade. Ao seu redor, se distribuem algumas outras atividades: parquinho infantil, mesas e quiosques. Essa configuração se repete na Praça Mourão Filho, com o adendo de ter grande parte do seu perímetro com grades ou muretas. Nestes casos, a arborização aparece de forma diferenciada para cada uma das praças. Na Lopes Ribeiro, as árvores se mantém concentra na área de convivência, enquanto na Mourão Filho, a arborização acompanha todo o perímetro da praça. Pela centralidade de ambas as praças ser a quadra de futebol, a iluminação, em postes altos, se volta para a área desta atividade. Ambas as praças possuem quiosques comerciais e, próximo a eles, mesas e bancos de concreto. Todos esses elementos são colocados ao redor das praças, assim como equipamentos de academia adulta e para terceira idade. Não se vê, em nenhuma das praças, a existência de equipamentos unicamente para estar ou convivência. Diferente de todas as citadas anteriormente, a Praça Paul Harris se configura como um espaço entre ruas, de formato mais estreito e poucas atividades possíveis. O parquinho infantil é cercado e há uma única árvore próxima às mesas de concreto.


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BONSUCESSO L. Lopes L. Paul Ribeiro Harris

Tipos de Atividades

Atividade Física

Cont. [1] Comércio

Convi. [2]

P. das Nações

P. Prf. Mourão Filho

Academia 3º Idade Academia Campo de Futebol Skate Bancos Floricultura Quiosque Equip. Cultural Mesa de jogos Cobertura Pergolado Arena Parque Infantil

Vegetação

Grande Porte Médio Porte Canteiros

Iluminação

Alta Baixa No Piso

[1] Contemplação [2] Convivência Figura 24: Praça das Nações. Figura 25: Praça Lopes Ribeiro. Figura 26: Praça Lopes Ribeiro.

Tabela 5: Características Gerais dos Espaços Públicos de Lazer Percurso: Bonsucesso

Fonte: Google Street View.

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FAZENDA BOTAFOGO 34 Sendo um dos mais longos percursos entre o local de moradia e o de trabalho, o trajeto de Fazenda Botafogo ao Fundão utiliza um ônibus municipal e o BRT para seu deslocamento. Sendo assim, as praças determinadas por este percurso se encontram no próprio entorno de Fazenda Botafogo e em Vicente de Carvalho, local de baldeação entre o ônibus e o BRT. Este é o bairro com mais praças encontradas nos raios de um quilômetro definido como recorte, sendo oito as praças analisadas: Largo Vicente de Carvalho, Praça Aquidauana, Praça Betty Quadros Coimbra, Praça Cotigi, Praça do Cebinho, Praça Dom Basílio e Praça Osvaldo Lopes. Apesar de numerosas e, talvez justamente por isso, nenhuma das praças tem abrangência muito ampla. Todas elas, com a exceção da Praça Acari, se encontram na categoria Escala de Vizinhança, por suprirem uma demanda mais próxima, mesmo quando possuem pontos de transporte ao redor. As praças possuem implantações diferentes, mas que se mantém entre as opções de forma radial, triangular ao se formar na bifurcação de ruas ou quadrangular, como as quadras do entorno. A maioria delas está inserida em uma área predominante residencial.

34 O conjunto habitacional Fazenda Botafogo, localizado na área do bairro de Coelho Neto, foi inaugurado ao fim da década de 1970, junto ao Distrito Industrial homônimo que hoje se encontra desativado. Na época, ambos faziam parte de um projeto que tinha como concepção a aproximação da habitação ao trabalho. Hoje, o conjunto é moradia para mais de 17000 habitantes. No que se trata de transportes, a estação de metrô Acari/Fazenda Botafogo é fruto da reivindicação dos próprios moradores e está localizada onde, antes, fora um engenho de açúcar.

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A praça que mais se destaca como tendo uma função mais importante para o bairro é a Praça Aquidauana, por se localizar em um entorno mais comercial e de variedade de transportes e ter formato radial. A Praça Dom Basílio se destaca pelo seu tamanho e variedade de atividades, mas o entorno residencial e a manutenção precária influenciam para sua abrangência ser de vizinhança. Percebe-se, aqui, que apesar de certas diferenças, tanto de tamanho quanto em número de atividades, é o conjunto dos elementos que formam a praça que influenciam para sua categoria, inclusive o entorno. A Praça Aquidauana possui poucos espaços com elementos que predeterminem algum tipo de atividade. Um quiosque com mesas e bancos faz a área de convivência, mas a falta de mobiliários nas outras partes da praça inibe a sua utilização. As praças Betty Q. Coimbra, Osvaldo Lopes e Cebinho, por sua vez, têm quase toda a sua área ocupada por quadras de futebol. Ao lado, o parque infantil e quiosques. No terceiro desses casos, há uma área abandonada, sem qualquer tipo de equipamento ou manutenção. A Dom Basílio, por sua vez, se divide em metade com quadra de futebol e outra metade para outras atividades ou espaços vazios sem atividade determinada, as áreas, porém, são distantes umas das outras. É notável a quadra de futebol como elemento que se repete e dá centralidade à maioria das praças, são cinco das sete praças desta categoria com este tipo de atividade. A arborização não é elemento que se destaca em nenhuma das praças. Há árvores de médio porte em algumas delas, ora ao longo de seu perímetro, ora concentrada na área de convivência. As praças de maior dimensão, como a Dom Basilio, possui grande extensão de gramado. O mobiliário urbano de todas as praças se mantém no padrão já visto anteriormente nos outros bairros: mesas de jogos de concreto e bancos que conformam áreas de convivência e estar. Em alguns casos há, também, o gazebo fazendo sombreamento nestas mesas. A Praça Acari, por sua vez, se localiza em uma área entre avenidas e possui duas áreas de atividades: uma com cobertura em pergolado e mesas de concreto e outra de parque infantil. Nenhuma das duas possui arborização e sua manutenção é aparentemente precária, por isso, se enquadra como Espaço Residual.


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FAZENDA BOTAFOGO L. Vicente P. Acari de Carvalho

Tipos de Atividades

Atividade Física

Cont. [1] Comércio

Convi. [2]

P. Aquidauana

P. Betty Q. Coimbra

P. CotigiP

. Cebinho P. D. Basílio

P. Oswaldo Lopes

Academia 3º Idade Academia Campo de Futebol Skate Bancos Floricultura Quiosque Equip. Cultural Mesa de jogos Cobertura Pergolado Arena Parque Infantil

Vegetação

Grande Porte Médio Porte Canteiros

Iluminação

Alta Baixa No Piso

[1] Contemplação [2] Convivência Figura 27: Praça Osvaldo Lopes. Figura 28: Praça Dom Basilio. Figura 29: Praça do Cebinho.

Tabela 6: Características Gerais dos Espaços Públicos de Lazer - Percurso: Fazenda Botafogo

Fonte: Google Street View.

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IRAJÁ 35 O percurso de Irajá ao Fundão também depende de mais de um meio de transporte. O ônibus 905, uma pequena caminhada e o BRT são as formas de locomoção principais para esta trabalhadora. As praças tidas como exemplo neste percurso se encontram, então, no próprio bairro de Irajá e nos arredores de Penha Circular, onde é feita a baldeação. São seis praças encontradas no recorte inicial para o bairro do Irajá: Praça Nossa Senhora da Apresentação, Praça Afonso Freitas Rosa, Praça do Carmo, Praça Anhangabauba, Praça Ferreira Souto, Praça Rodrigues Galhardo. Na categoria de Escala de Bairro há a praça de maior função estrutural para o bairro: a Praça Nossa Senhora da Apresentação. Esta que, inclusive, faz parte da construção histórica deste local da cidade. Além da variedade de atividades e da escala, o entorno misto – comercial e residencial – e os pontos de transporte fazem com que ela tenha grande abrangência e importância. Metade da área da praça é tomada por um grande campo de futebol mas, apesar do tamanho, esta não se apresenta como uma centralidade. Isso acontece pela diversidade de atividades presentes. Além da quadra, há uma Nave do Conhecimento, pista de skate, parque infantil e ciclovia. As outras áreas são de uso menos definido com piso pavimentado ou gramado com pontuais mesas e bancos.

35 Com mais de 400 anos de história, Irajá possui aproximadamente 100 mil habitantes e teve início como uma das maiores sesmarias do Rio de Janeiro. Ali se cultivava açúcar pela mão de obra indígena e é dessa produção que vem o nome do bairro, remetendo ao mel, como identificada a cana de açúcar pelos índios. Em 1613 foi inaugurada a Paróquia de Nossa Senhora da Apresentação, que dá nome, inclusive a uma das praças do bairro. Durante o século XVII, foi centro importante de abastecimento de alimentos e material de construção, o que se tornou certa tradição no mercado local, apesar de atualmente se manter como um bairro majoritariamente residencial.

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A arborização da praça se mantém ao longo do seu perímetro e tem maior concentração em algumas áreas de atividades de estar e convivência. A iluminação, por sua vez, sofre com a falta de manutenção, assim como acontece com o recolhimento de lixo. O principal mobiliário da praça se repete, as mesas de jogos e bancos de concreto, mas se apresentam na praça em locais isolados, que não conformam um espaço confortável de convivência nem tem relação direta com outras atividades. Dentre as outras praças há escalas e atividades diferentes, mas todas se mantendo na categoria de Escala da Vizinhança. Destacamos, destas, a Praça do Carmo que, apesar de muito pequena, concentra área de convivência e comércio e a Praça Afonso Freitas Rosa, que centrada pela quadra de futebol possui um lado com comércio e boa manutenção e o outro, onde há o parquinho infantil com manutenção precária e vegetação muito alta. As praças Afonso Freitas Rosa, Anhangabauba e Rodrigues Galhardo possuem mesmo formato triangular e organização de elementos e atividades. Com a quadra de futebol como centralidade, possuem parquinhos infantis e espaços de convivência com mesas e bancos de concreto ao seu redor. A Praça Ferreira Souto possui dois diferenciais, a quadra que possui cobertura e o grande número de árvores.


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IRAJÁ P. Ferreira P. Afonso P. Anhagabauba P. do Carmo Souto F. Rosa

Tipos de Atividades

Atividade Física

Cont. [1] Comércio

Convi. [2]

P. Rodrigues P. N.S. da Apresentação Galhardo

Academia 3º Idade Academia Campo de Futebol Skate Bancos Floricultura Quiosque Equip. Cultural Mesa de jogos Cobertura Pergolado Arena Parque Infantil

Vegetação

Grande Porte Médio Porte Canteiros

Iluminação

Alta Baixa No Piso

[1] Contemplação [2] Convivência Figura 30: Praça Anhangabauba. Figura 31: Praça Afonso F. Rosa. Figura 32: Praça N. Srª da Apresentação.

Tabela 7: Características Gerais dos Espaços Públicos de Lazer - Percurso: Irajá

Fonte: Google Street View.

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SANTA TERESA 36 O percurso entre Santa Teresa e o Fundão, apesar de não ser o mais longo, utiliza três transportes diferentes. Para descer o bairro, um ônibus (006 ou 007) ou mototaxi e depois dois ônibus municipais. Assim, as praças determinadas se encontram no próprio bairro de Santa Teresa e também nas imediações da Lapa, local de baldeação. Como o bairro é marcado pela existência da linha de bonde, as praças também sofrem sua influência. Além disso, há grande densidade construtiva (tanto em Santa Teresa como na Lapa), então, as praças ou largos se mantém em escala menor. Foram quatro esses espaços determinadas para este percurso – Largo dos Guimarães, Largo do Curvelo, Praça da Cruz Vermelha e Praça Presidente Aguirres Cerda. Como parte da categoria da Escala de Bairro estão os Largos do Curvelo, dos Guimarães, e a Praça da Cruz Vermelha. Ambos os Largos são pequenos em tamanho e com poucas atividades, mas estão em uma área turística, tendo grande abrangência. A Praça da Cruz Vermelha, por sua vez, tem grandes dimensões e número de atividades, além de pontos de transporte, se destacando por desenvolver abrangência ainda maior.

36 Santa Teresa é o bairro com história mais diferenciada entre os bairros de moradia das trabalhadoras entrevistadas. Localizado na área central da cidade, não possuiu histórico caráter industrial como os outros. Surgiu em torno de um convento, homônimo, no século XVIII e sua ocupação se iniciou com uma população elitizada que construía casarões em uma área mais isolada e de baixas temperaturas. Mais a frente, na década de 1850, a região foi ocupada mais intensamente pela população que fugia da febre amarela. Já em 1896, foi inaugurado o bonde de Santa Teresa que somou para o aumento de sua ocupação. Com o tempo, Santa Teresa perdeu seu status de bairro nobre assim como os bairros históricos da Zona Sul do Rio de Janeiro, mas tornou-se, ao longo dos anos, um bairro de interesse cultural e turístico devido à facilidade logística e à localização privilegiada do bairro.

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Os Largos possuem elementos que proporcionam somente o estar e convivência. O que estrutura os Largos em Santa Tereza é a linha de bonde, que tem parada nesses locais e acabou gerando ou uma extensão deste espaço ou, nele mesmo, um local de convivência. Já a Praça da Cruz Vermelha tem formato radial e possui divisões mais estabelecidas para cada atividade, sendo elas, academia para terceira idade, parque infantil e bancos e mesas de concreto. A Praça é marcada por uma grande quantidade de árvores, sombreando as áreas de atividades. Na categoria de Escala de Vizinhança, por sua vez, está a Praça Aguirres Cerda, de tamanho menor e formato circular, ela está localizada ao fim de uma rua sem saída e de caráter residencial, tendo abrangência mais imediata, com menor número de pessoas. Ela possui equipamentos de parque infantil e academia da terceira idade e bancos em todo o seu perímetro. Seu acesso, porém, é limitado pois se dá através de uma escada.

MARÉ 37 Para a realização do percurso entre a Maré e o Fundão, a trabalhadora caminha e utiliza um ônibus municipal. O que acontece aqui, porém, é a grande densidade de edificações em toda a área do Complexo, gerando grande dificuldade em determinar, dentro do recorte estabelecido, exemplos de espaços públicos de lazer. Todas as áreas que poderiam ser marcadas como exemplos, já o são para o bairro de Bonsucesso, pela proximidade dos dois. Vemos aqui, que a área de moradia com mais precariedade urbana e de padrão social mais baixo dentre os bairros de moradia das mulheres, é também a que tem menos possibilidades de lazer enquanto espaço público.

37 O complexo da Maré, reconhecido como bairro em 1994, hoje possui 16 comunidades com mais de 40 mil moradias ao todo. Foi com a criação da Avenida Brasil, em 1946, que as primeiras famílias ocuparam a área. A ocupação foi se expandindo ao longo da Avenida e em direção ao Canal do Cunha e da Baía de Guanabara. Por muito tempo se manteve em áreas alagadiças e de manguezal, com habitações em casa de palafita. A partir dos anos 80 foram construídos alguns dos conjuntos habitacionais existentes hoje para a remoção e realocação das famílias nas ditas áreas de risco. É uma área ocupada por grupos sociais de baixos salários e de intensa diversidade cultural. Por estar localizada ao longo da Avenida Brasil, é por ela que se desenvolve o percurso até o Fundão.


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SANTA TERESA L. do Curvelo

Tipos de Atividades

Atividade Física

Cont. [1] Comércio

Convi. [2]

L. dos P. Cruz Guimarães Vermelha

P. Pr. Aguirres Cerda

Academia 3º Idade Academia Campo de Futebol Skate Bancos Floricultura Quiosque Equip. Cultural Mesa de jogos Cobertura Pergolado Arena Parque Infantil

Vegetação

Grande Porte Médio Porte Canteiros

Iluminação

Alta Baixa No Piso

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[1] Contemplação [2] Convivência Figura 33: Praça da Cruz Vermelha. Figura 34: Largo dos Guimarães. Figura 35: Praça Aguirres Cerda.

Tabela 8: Características Gerais dos Espaços Públicos de Lazer - Percurso: Santa Teresa

Fonte: Google Street View.

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Escala do Bairro Escala Vizinhança Espaços Residuais

ANCHIETA

BONSUCESSO

P. Granito

P. das Nações

P. Manoel Miranda P. N.S. de Nazaré P. Itanhomi

P. Inácio Gomes

P. N.S. da Apresentação P. Rodrigues Galhardo P. Afonso P. do F. Rosa Carmo

P. Pr. Mourão Filho P. Anhagabauba L. Lopes Ribeiro L. Paul Harris

Tabela 9: Divisão dos Espaços Públicos de Lazer em Categorias

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IRAJÁ

P. Ferreira Souto

X

SANTA TERESA P. Cruz Vermelha

L. dos Guimarães

FAZENDA BOTAFOGO L. do Curvelo

P. Professor Aguirres Cerda

X X

X L. Vicente de Carvalho

P. Oswaldo Lopes P. Betty Q. P. Aquidauana Coimbra

X

P. Cebinho

P. Cotigi

P. D. Basílio

P. Acari


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4.3 ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE LAZER: POR CATEGORIA A observação inicial das características de cada uma das vinte e seis praças selecionadas nos dá, portanto, o panorama descrito na tabela a seguir (Tabela 9). Foram categorizados seis espaços como Escala de Bairro, dezessete como Escala de Vizinhança e três como Espaços Residuais. Tendo este panorama e organização das praças em cada categoria, foi possível identificar padrões tanto de atividades, como físicos para que, como um próximo passo, tenhamos considerado cada categoria pelos olhos da usuária mulher, botando em prática, então, a análise do espaço urbano a partir da perspectiva de gênero. Mas, antes de observar as situações em cada uma das categorias, é possível, desde já, enxergar outras situações que não se limitam ao desenho ou às características físicas e que, ainda assim, nos indicam formas de segregar a mulher deste espaço. Analisando, por exemplo, os nomes de todas as praças selecionadas, é notável a predominância de nomes masculinos. Este fato, já indicado por nós no Capítulo de Introdução, resulta em uma falta de representatividade da mulher nestes espaços. Esta mulher jamais irá se enxergar ou enxergar alguém semelhante a ela como símbolo daquele local quando ele sempre é denominado pela representação masculina, situação que é ainda mais intensa para as mulheres negras . Além de gerar uma invisibilização histórica das mulheres que viveram outras épocas e que, assim como os homens, foram importantes para a construção de um local ou de uma situação social, as mulheres de hoje e, principalmente, as mulheres que não conseguem ter acesso à educação e informação e podem vir a conhecer a história através dos locais que percorre ou dos monumentos que vê na rua, só consegue enxergar a história dos homens sendo contada pelos homens. Isso influencia, portanto, para que ela não se veja na História e nem no espaço da cidade. A seguir, será possível identificar mais sobre a relação das mulheres com estes espaços a partir das tipologias identificadas em cada uma das categorias anteriormente determinadas, pontuando como as suas características constroem as relações de segregação ou aproximação para as mulheres. 38 A pesquisa “Cada ponto tem um conto. Manifestações Urbanas de Matrizes Africanas nos Espaços Urbanos da Cidade de Campinas” de orientação por Wilson “Caracol” Ribeiro dos Santos na Pontifícia Universidade Católica de Campinas aborda a questão da escassez de nomes de pessoas negras nas ruas de Campinas, relacionando-a à construção histórica local e brasileira. É possível encontrar mais sobre o tema em artigo publicado em http://www.revistacapitolina.com. br/14703/. Acesso em 09/07/2016

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ESCALA DE VIZINHANÇA Foi possível identificar, a cada bairro, que esta é a categoria predominante nos espaços públicos de lazer observados. A categoria é marcada por uma tipologia que tem abrangência máxima em um entorno mais imediato, tendo importância para a vizinhança, mas não sendo um espaço estruturante para o bairro em que se insere. Este tipo de espaço possui um número de atividades mediano, tendo como principais as quadras de futebol, parques infantis, mesas e bancos de concreto e, mais recentemente, a inserção das academias voltadas para o público da terceira idade. Pode-se dizer que a característica que mais limita a ocupação das mulheres em praças nesta categoria é a falta de possibilidades. Os equipamentos principais são direcionados a atividades específicas e que possuem, consequentemente, um público alvo também específico. Se a centralidade da maioria destas praças é o campo de futebol (Figura 36) (afinal a dimensão das praças não comportaria um número muito maior de elementos com um deles ocupando tanto de seu espaço) o público central dela acaba por ser o de jovens e adultos homens. Além de o esporte já ser predominantemente masculino, denotando que este espaço é para os homens, a presença massiva de homens em um espaço, por sua vez, pode ser ameaçadora para muitas mulheres, que vivem diariamente com assédios no espaço público que são praticados principalmente por homens desconhecidos. Nessa realidade, ela deixa de ver aquele local como um local seguro ou como uma possibilidade, também como forma de evitar qualquer tipo de situação de violência ou constrangimento.

Figura 36: Praça Lopes Ribeiro. percurso: Bonsucesso. Fonte: Mapa Digital Portal GeoRio.

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A situação descrita para as quadras de futebol pode acontecer de forma semelhante, também, quando se trata das mesas de jogos (Figura 37) e dos quiosques comerciais. Quando há a necessidade de disputa por um espaço, é perceptível a dominação masculina sobre ele. Isso acontece não por uma fragilidade da mulher, mas por uma construção social que determina que o homem tem mais poder neste tipo de situação, além do fato de eles serem mais numerosos nesses locais. Assim, as mulheres, que ainda estão em minoria, não conseguem ocupar essas áreas. Outro fator decorrente da centralidade das praças nas quadras de futebol é a iluminação. O que se observa é que, em diversas situações, a iluminação é pensada com foco neste elemento, a quadra. Como as outras atividades se alocam ao redor da quadra de futebol, elas ficam com iluminação deficiente. Os postes de iluminação para quadras, por sua vez, são altos e, quando da presença de arborização nas áreas de convivência, a copa das árvores impede a chegada de luz ali. Para as mulheres, esta situação é mais um fator que torna aquele espaço um lugar de risco, não incentivando a permanência.

Figura 37: Largo Vicente de Carvalho - percurso: Fazenda Botafogo. Fonte: Google Street View.

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Ao observarmos os mobiliários urbanos destas praças, identificamos alguns aspectos que podem restringir a ocupação da mulher. Primeiramente, constata-se um padrão de tipologia deste elemento: bancos lineares e sem encosto de concreto e mesas com tabuleiro de jogos e bancos também de concreto. A forma e a materialidade destes elementos é desconfortável para a permanência, principalmente se a mulher está com um bebê de colo, por exemplo. Por outro lado, o modo com que estes objetos são instalados nas praças causa ainda mais situações problemáticas. Na maioria das vezes são encontradas três situações: as que eles são colocados próximo aos parques infantis, designando que haverá ali uma mulher responsável pelas crianças que brincam no parque; em espaços isolados, criando pequenas áreas com mobiliários mas que não são preparadas para a permanência e ficam destacadas da centralidade da praça (Figura 38); ou isolando os próprios mobiliários, instalando longos bancos lineares ou uma ou duas mesas em cada espaço. Estas situações fazem com que a mulher utilize o mobiliário somente por estar realizando uma de suas tarefas reprodutivas, de estar com seus filhos, se arrisque em pequenas áreas em que ela não consegue ter total apreensão do espaço, ou precise estar sozinha ou em um grupo muito pequeno para utilizá-lo.

Figura 38: Praça Anhangabauba - percurso: Irajá. Fonte: Google StreetView.

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ESCALA DE BAIRRO Os espaços públicos de lazer desta categoria são, majoritariamente, de maiores dimensões, com maior diversidade de atividades e importância estrutural para o bairro em que se insere. Estes espaços são, portanto, locais com grande circulação de pessoas e se tornam referência para quem vai ao bairro. Pela característica de maior diversidade de atividades e tamanho, estas praças, normalmente, possuem um zoneamento mais bem definido (Figura 39). Em alguns exemplos, porém, ele acontece através da diferenciação por níveis e nem sempre são encontradas rampas de acesso para pessoas com necessidades especiais ou carrinhos de bebê que no caso, são as mulheres na maior parte das vezes pela sua responsabilidade na maternidade. Outra forma de divisão dos espaços é através de muretas ou gradeamento. Estes elementos se tornam obstáculos, fazendo com que este não seja um local fácil de se apreender e de se locomover. Qualquer mulher que viva alguma situação de perigo ali, poderá ter dificuldades de sair dela.

Figura 39: Praça Granito - percurso: Anchieta. Fonte: Mapa Digital Portal GeoRio.

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A dimensão da praça e este zoneamento cria também a necessidade de determinar caminhos para se percorrer o espaço (Figura 40). Estes caminhos, normalmente, marcados pela pavimentação podem se tornar desertos e escuros quando são arborizados e não possuem iluminação específica. Este tipo de espaço é ainda mais inseguro para a mulher, que evitará ter de se locomover por ali.

Figura 40: Praça Nossa Senhora da Apresentação - percurso: Irajá. Fonte: Google StreetView.

Além da questão da segurança, é perceptível que, mesmo com mais tipos de atividades existentes no programa destes espaços, não há atividades pensadas para as mulheres. O principal esporte inserido nestas praças, quando se diversifica para além das quadras, é o skate, predominantemente exercido por homens assim como o futebol. Esta relação mantém, então, as situações citadas anteriormente, decorrentes da ocupação majoritária por homens no espaço. Ou seja, mesmo com novas possibilidades de esporte, a mulher ainda não se sente inserida neste programa.

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Além disso, as áreas de permanência, por mais que apareçam em maior quantidade e ocupando maiores áreas, não têm grandes transformações em seus mobiliários. As mesas e bancos de concreto continuam sendo elementos principais para este tipo de atividade. Aqui aparecem também as arquibancadas em forma de arenas, que podem vir a ser usadas como espaço cultural, mas também como mobiliário para permanência e convivência. Para as mulheres, porém, estes podem ainda ser lugares inseguros por constituírem uma barreira no espaço. A maior utilização da praça, por sua vez, tem seu aspecto positivo por gerar movimentação e vigilância natural, mas também gera a maior ocupação de homens no espaço, mas agora com o agravante de ser um espaço ainda maior e difícil de apreender a sua totalidade e possuindo outros tipos de atividades que se mantém sendo apropriadas por eles. ESPAÇOS RESIDUAIS Estes espaços são os que se apresentam de forma mais diferenciada em relação aos padrões acima apresentados. Praças conformadas por fragmentos entre ruas ou de área reduzida, com um ou dois tipos de atividades somente e/ou de manutenção precária, são espaços nada receptivos. É importante perceber que a maior parte destes locais possuem atividades que podem ser relacionadas diretamente ao atual tipo de vivência que a mulher tem nesses espaços, sendo ocupados por parques infantis, aparecendo como principal atividade, e/ou mobiliários para permanência (Figura 41. Esta atividade em destaque, porém, não faz parte de um lazer exercido pela mulher para ela mesma, mas como parte de suas tarefas reprodutivas. Ou seja, permanece a ideia de que a mulher deverá ocupar aquele espaço somente se estiver com seus filhos e não para exercer o ócio ou o lazer próprio. A manutenção destes espaços se coloca, também, como impeditivo para a utilização deles. Se, por esse motivo, o local passa a ser desagradável para qualquer pessoa, o é de forma intensificada quando se trata da mulher, que como colocado, normalmente o frequenta acompanhada de crianças.

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Figura 41: Praça Paul Harris - percurso: Bonsucesso. Fonte: Google StreetView.

Ao analisar as situações vividas pelas mulheres em cada uma das categorias e tipologias espaciais dos espaços públicos de lazer, é possível perceber algumas características gerais. Conforme a escala e abrangência do espaço diminuem, ou seja, quando sua área é menor e ele tem menor número de atividades, as possibilidades de uso por parte da mulher diminuem. Quanto mais específico, portanto, é o lugar, mais as suas atividades focam em demandas masculinas ou infantis e menos em demandas mais plurais. A presença da mulher no espaço está sempre dependente da presença de outras pessoas relacionadas a ela. Além disso, as precariedades dos espaços, seja pela falta de manutenção da vegetação, iluminação, lixo ou dos próprios equipamentos, são vividas de forma mais intensa pela mulher, visto que a utilização daquele espaço já é limitada para ela.

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Por vivermos em uma construção social que determina o homem branco como modelo e dominante, é perceptível em cada uma das categorias, que os elementos inseridos no espaço que buscam suprir demandas globais ou genéricas, acabam por suprir demandas específicas destes homens e excluir as necessidades específicas de outros grupos sociais. Tendo essa percepção podemos, finalmente, compreender como se dá o processo de anulação do espectro de lazer na vida da mulher e indicar possibilidades de transformações sociais e, também, no próprio espaço que contribuam para a desconstrução desses limites de vivência.

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Considerações Finais



Considerações Finais

A vivência da mulher trabalhadora no espaço público da cidade se desenvolve a partir de uma grande diversidade de fatores tanto físicos, oriundos da própria construção, equipamentos e elementos que compõem o espaço da cidade, como sociais, concepções pré-determinadas pelas vivências e relações construídas em sociedade. Ambos os aspectos se apresentam através de cada uma das situações de conflito vividas pelas mulheres em seu dia a dia. As limitações para que a mulher usufrua plenamente do espaço se constroem através da insegurança em lugares e horários como consequência específica do fato de ser uma mulher na rua, da precariedade dos meios de locomoção, da ausência de tempo para si ou para o ócio em sua rotina, da falta de representatividade que proporcionaria a sensação de pertencimento da mulher em um lugar, da lacuna imposta à ela ou à quem viva como ela nos espaços decisórios acerca do urbano, assim como da inexistência de espaços públicos pensados para suas necessidades. Através das entrevistas com as mulheres trabalhadoras terceirizadas e das análises de seus percursos, foi possível identificar como se reflete, na vida delas e atualmente, uma construção histórica que limita as possibilidades de vivências das mulheres em nossa sociedade. Se, em diferentes tempos e lugares, as mulheres foram sendo repetidamente designadas como responsáveis pelo lar e pela família, vemos que na cidade contemporânea, mesmo inseridas no mercado de trabalho, esta concepção se mantém e se agrava, pois, é nesse momento histórico que se consolida a dupla jornada de trabalho. Sua vida, pautada pelo trabalho produtivo e reprodutivo, lhe impede de transitar e experienciar o espaço da cidade de formas múltiplas. Enquanto para o homem, que exerce quase 15 horas a menos que a mulher em trabalhos domésticos semanalmente, a maior prioridade em sua vida é o trabalho produtivo, para a mulher a há uma prioridade única, sendo marcada tanto pelo trabalho produtivo como pelo reprodutivo e tomando todo o seu tempo. O homem pode, então, após a realização de sua responsabilidade produtiva e também em seus momentos de folga, ter tempo para se divertir, descansar, frequentar outros lugares. A segunda jornada de trabalho da mulher, por sua vez, faz com que a sua própria casa seja também espaço de trabalho, e lhe faz ocupar inclusive os seus momentos de folga para realizá-lo. Assim, a experiência do espaço público vivida por elas é determinada

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principalmente pelos seus dois tipos de trabalho e não por suas vontades. Se, em um domingo, o homem vai à praça jogar futebol ou cartas com seus amigos, aos domingos a mulher faz a faxina em casa ou faz alguma atividade com os filhos. Além da realização do trabalho nos horários de folga, o percurso realizado por elas é marcado por paradas que fazem parte, também, do seu tempo de trabalho. Se ela é a responsável pelas tarefas domésticas, ela precisa viabilizar a manutenção da casa e da família, realizando paradas e percursos que se relacionam diretamente com essa atividade. Ao diagnosticar e analisar as situações de conflito vividas pelas trabalhadoras entrevistadas, foi possível destacar a redução das atividades de lazer na vida delas e perceber que este fato se dá tanto pela construção da sua dinâmica de vida, como descrito anteriormente, mas também pela organização do próprio espaço da cidade e, mais especificamente, dos espaços públicos de lazer. A espacialização desta situação, pelas análises empíricas e cartográficas, nos mostra como, pelo olhar da/o profissional de arquitetura e urbanismo, pode-se interferir na vivência específica da mulher. A partir do momento em que os espaços de lazer, que já não fazem parte do seu dia a dia, não incorporam atividades de interesse especificamente da mulher, ela não se sente convidada a usufruir deles. E, ainda, quando a maioria dos espaços é direcionada à utilização masculina ou apropriada principalmente por homens, mais excluída ainda se sente a mulher. Reafirmando a concepção de que o espaço da rua é masculino e o espaço privado é feminino. A partir da análise das situações vividas pelas mulheres nos espaços, é possível indicar exemplos de atitudes projetuais iniciais que podem influenciar diretamente nessa vivência. Quando observamos a organização dos espaços públicos de lazer atuais na cidade do Rio de Janeiro, identificamos uma tipologia predominante que possui, entre outras características, a escassez de possibilidades de uso. Fazer, então, com que esse espaço seja mais acessível e agregador para a mulher passa, essencialmente, por proporcionar novas possibilidades de uso que incorporem as necessidades e desejos dela. Um melhor zoneamento da área da praça faz com que o espaço não tenha que ser disputado por quem tem interesse de ocupá-lo, possibilitando o uso simultâneo por diferentes grupos e, mais importante, a criação de espaços para uma maior diversidade de atividades. A própria inserção de outros tipos de atividades, inclusive, já faz com que o espaço seja mais receptivo às mulheres, visto que as atividades principais das praças atualmente focam em atividades masculinas ou infantis. Isto e a inclusão de novas centralidades além dos campos de futebol fazem, não só com que a mulher tenha opções de uso naquele local, mas que ela olhe pra ele ou chegue até ele e perceba

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que o objetivo da existência daquele equipamento é, também, suprir a sua demanda de lazer e não só a do homem, uma questão de representatividade, de proporcionar uma sensação de pertencimento. Quadras de outros esportes, que não sejam construídos socialmente enquanto masculinos, pistas de ciclovia ou de corrida são algumas possibilidades. E ainda, a construção de mais espaços de convivência, na prática, a inserção de bancos que não fiquem isolados ou diretamente relacionados aos parques infantis, o pensar no mobiliário urbano como um objeto confortável e protegido das intempéries, é nada menos que a criação de espaços para que as mulheres convivam entre si e não se mantenham isoladas em seus trabalhos. É importante reforçar, porém, que a simples reformulação ou reorganização dos espaços não é o único caminho que proporcionará a solução para a questão da carência do tempo e espaço do lazer na vida da mulher trabalhadora. Não se busca aqui, uma solução que segregue a mulher em espaços unicamente femininos e que as afaste de outros espaços, mas a inserção de elementos que a façam enxergar aquele espaço existente como uma possibilidade e não apenas como mais um espaço do trabalho reprodutivo. Essa transformação passa, inclusive, pela transformação da construção do papel social da mulher, libertando-as das duplas e triplas jornadas, e também da representatividade nos espaços de decisão e nos símbolos sobre o urbano. É preciso que se possibilite à mulher o tempo do lazer e que se construa, para ela, um espaço agregador para exercê-lo.

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ApĂŞndice



Apêndice

APÊNDICE A: ENTREVISTAS – Cotidiano e vivência da mulher na cidade • PARTE 1: Perfil da mulher entrevistada 1. Qual a sua idade? ( ) 15 – 25 ( ) 25 – 35 que 65

( ) 35 – 45

( ) 45 – 55

2. Qual seu estado civil? ( ) solteira ( ) casada ( ) divorciada 3. Tem filha/o(s)? Quantos? ( ) Não ( ) Sim, 1 ( ) Sim, 2

( ) 55 – 65

( ) mais

( ) outro _______________

( ) Sim, 3

( ) Sim, mais de 3

4. Possui outro emprego? ( ) Sim ( ) Não 5. Qual a sua faixa salarial? ( ) Até R$ 900,00 ( ) De R$ 900,00 à 1200,00 ( ) De R$ 1200,00 à R$ 1500,00 ( ) De R$ 1500,00 à 1800,00 ( ) Acima de R$ 1800,00 ( ) Outro____________ 6. Onde você mora? ( ) Zona Sul ( ) Zona Norte ( ) Baixada ( ) Outro

( ) Zona Oeste

(

) Centro

7. Onde você trabalha? ( ) Zona Sul ( ) Zona Norte ( ) Baixada ( ) Outro

( ) Zona Oeste

(

) Centro


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• PARTE 2: Espaço doméstico 1. Mora com outras pessoas? Quem? ( ) Sim ( ) Não ___________________________________________________________________ 2. Em sua casa, realiza algum tipo de tarefa doméstica? ( ) Sim, sou a única responsável ( ) Sim, mas divido com alguém

( ) Não

3. Se divide com alguém, com quem? ___________________________________________________________________ 4. Quais tarefas exerce em casa? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ • PARTE 3: Cotidiano 1. Como é sua rotina? Quais atividades realiza em seu dia a dia? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 2. Em que lugares da cidade você passa nessa rotina? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________


Apêndice

3. Qual(quais) meio(s) de transporte utiliza para se locomover na cidade? ___________________________________________________________________ 4. Quanto tempo gasta por dia em transporte? ( ) até 15 min ( ) até 30 minutos ( ) até 1h ( ) até 2h ( ) até 3h ( ) mais de 3h 5. Nos momentos de folga, o que você faz? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ • PARTE 4: Relação com os espaços 1. Quando você pensa na sua rotina e no seu caminho pela cidade, você percebe que evita algum lugar? Quais os espaços evitados e porquê? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 2. Você sente alguma dificuldade na sua relação diária com o espaço urbano? Quais? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 3. Quais das suas necessidades pessoais poderiam ser melhor atendidas pela dinâmica do espaço urbano? O que poderia ser diferente na cidade que melhoraria a sua vida cotidiana? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________


Cidade: Substantivo Feminino

4. Quando você pensa na sua rotina e no seu caminho pela cidade, em quais lugares você se sente contemplada/bem? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5. Quando você pensa na sua rotina e no seu caminho pela cidade, você gostaria de visitar ou passar por algum lugar que você não frequenta atualmente? Quais? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________



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