Viveiro Educador_Sistema de Recuperação Ambiental_Lagoas das Capivaras_Garopaba SC_Isabel Ko Freitag

Page 1

viveiro educador

1/8

SISTEMA DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL

o homem e o tempo

A percepção do tempo para a humanidade apresenta distintas noções na decorrer da história, principalmente nos períodos pré e pós industrial. O que antes era baseado pelo reconhecimento e ordenação da ocorrência de eventos naturais, passou a ser contabilizado por instrumentos de medição autônomos aos ciclos da natureza. Com revolução industrial, surgiu a necessidade de uma maior sincronização do trabalho, onde a relação contratual exigia a delimitação da atividade laboral em determinado período mensurável. Assim, o tempo transformou-se em “moeda”, sendo expressado não mais a idéia de passar o tempo, e sim, gastar o tempo. A necessidade particular de um indivíduo em reconhecer e observar os ciclos naturais já não se faz essencial na vida urbana, onde esse olhar torna-se um potencial exercício de reconexão do homem à sua essencia natural.

o tempo e a arquitetura

Dentre os elementos considerados na formação física da cidade, a matéria contruída se dispõe em malhas e edifícios comumente projetados à partir de um plano métrico e normativo. Esse método de projetação, como definido por Moneo, “se dissolve numa retícula abstrata cartesiana que permite, em prol da economia, por um lado, a regularidade e, pelo outro, a medida, o seu mais amplo significado”1. O entendimento da arquitetura como objeto estático na memória de seus frequentadores instiga o experimento de resgate e evidenciação do tempo Em seus escritos, Kengo Kuma cita que “é muito mais fácil exprimir em planta um edifício do que um jardim. Isso significa que um edifício pode ser facilmente reduzido a padrões bidimensionais. Por isso, o arquiteto, o arquiteto com frequência se esquece do tempo como fator, e é esse o motivo pelo qual se cria o jardim: para lembrar às pessoas de que não esqueçam o tempo...”2.

a arquitetura e a vegetação

A relação entre o elemento vegetal e o espaço construído pode conformar uma simbiose de valores não somente estéticos e sensoriais, mas também como parte intrínseca na criação de um espaço. A árvore como proporcionadora de sombra e amenizadora do calor se difere da sombra gerada por tecnologias humanas. A copa incidindo vento, emite o som das folhas e galhos rangendo; a sombra pontifica-se em pequenos raios disformes de sol, que movem-se de acordo com a regência dos ventos. Sendo caduca, pode se transformar ao longo das estações, permitindo maior incidência de sol nos dias mais frios ou exalar perfume durante as florações. Essa consciência da árvore como ser vivo e transformante ao longo do tempo, pode, assim como as rugas no rosto de uma pessoa madura, contar a história a qual esteve presente. Um galho que se contorce em busca de luz ou até mesmo a cor das folhas quando evidenciam uma seca.

Como proposta de recuperação ambiental de lagoa degradada em meio a lotes urbanos e pressão imobiliária, o objetivo é promover a conscientização ecológica na cidade de Garopaba-SC através de um viveiro colaborativo como instrumento experimental no processo de recuperação. Na estrutura do espaço, a população encontra uma exposição educacional da vegetação nativa e dos saberes do plantio, transcorrendo por instalações em toda a área recuperada como convite à percepção de uma das ferramentas mais importantes no ciclo da vida: o tempo.


oc

r

recuperação das margens até a cota de nível mais próxima

lagoa das capivaras

O viveiro abre-se para a comunidade como um elemento articulador de um olhar educacional nos seus processos de produção. Sua estrutura é leve e fluída, onde a vegetação e suas condicionantes ambientais são tidas como protagonistas e conformadoras do espaço, extendendo-se para equipamentos e caminhos ao longo de toda área, exponto o ecossistema nativo, como por si só, um elemento de contemplação e lazer.

viveiro de mudas

fechamento de rua para automóveis - o acesso de pedestres e ciclistas é feito por uma ponte - mirante.

3/8

atl â

Mesmo inserida na malha urbana e próxima das centralidades comerciais e econômicas da cidade, a lagoa é pouco evidenciada e até mesmo esquecida no espaço. A área é praticamente plana e de difícil entendimento visual de sua complexidade e extensão, sendo este um dos objetivos do projeto; devolver para a cidade um espaço que ela própria não sabe que perdeu.

abertura da canalização com passeios elevados até a avenida principal da cidade, como elemento convidativo e evidenciador do complexo.

centro histórico

canalização de acesso ao mar já existente

jo

O despejo de esgoto ilegal e sem tratamento provocou um crescimento

de Araú

acelerado de espécies macrófitas nas águas da Lagoa, prejudicando drasticamente o equilíbrio ambiental do ecossistema, principalmente das espécies subaquáticas.

Orestes

recuperação dos limites da lagoa anteriores aos aterramentos.

rua Fran

cisco Pa

zona de tratamento e filtragem das águas

checo d

A inserção do viveiro no terreno é voltada para uma das vias principais da cidade, de maneira à funcionar como elemento vitrine e convidativo à população. O entorno da área é sinalizado com floreiras e elementos visuais nos cruzamentos das vias que dão acesso ao complexo, instigando e conduzindo o visitante, além de conectar os equipamentos urbanos mais próximos, como escolas, praças e áreas verdes.

e Souza

rua João

poluição de suas águas.

no

nti co

rua Ros alina A guia

O projeto desenvolve-se na Lagoa das Capivaras, localizada nocentro da cidade, que, assim como outras cidades costeiras da região, teve um crescimento fortemente influenciado pelo turismo litorâneo. A rápida e pouco planejada ocupação trouxe, como consequências, o desmatamento e aterros sucessivos em grandes faixas de água e vegetação nativa. O local encontra-se degradado, e com o passar dos anos, a lagoa passou por processos de assoreamento e

prefeitura municipal

câmara de vereadores

praça

escola estadual

situação em 2004 unidade de saúde - UPA

situação em 2009

situação em 2015

Como recuperação da qualidade da água, a mesma será bombeada para tanques, que, por sistema de filtragem de raízes, a devolverão já tratada para as margens da lagoa. Os passeios entre os tanques conectam caminhos às margens das águas até o viveiro, evidenciando o funcionamento e importância do tratamento adequado também das instalações sanitárias do projeto.


B

4/8

rua Rosalina Aguiar

9 10

12

11 8

armazenamento do banco de sementes em instalação de ripas de madeira e telha ondulada translúcida

uma exposição de diferentes tipos de capins da vegetação nativa cria um ambiente de encontros e apresentações no interior do viveiro

rustificação das mudas e adaptação no ambiente

sementes gerinadas em bancadas, onde bandejas de plástico suportam tubetes com o substrato adequado para cada espécie

8

7

8

o espelho dágua nos sanitários remete ao usuário seu entendimento de parte do ciclo das águas

13

6

5

6

2

projeção mezanino

2

4

3 A

os solos e substratos são dispostos em compartimentos, junto da composteira. O caminho se passa a nível do chão, expondo os diferentes tipos de solo e vegetação rasteira. caminhos e passagens elevados ao solo local, permitindo sua constante reconfiguração e transformação estrutura metálica onde funciona o espaço gastronomico e espaço de mesas comunitárias.

espaço para oficinas e exposiçoes no segundo pavimento, acessados tanto pela estrutura gastronômica, quanto pelo interior do viveiro.

rejeitos

2

1 Planta Baixa Escala 1:500 1 Praça Aberta 2 Espaço gastronômico 3 Mesas comunitárias 4 Bombeamento e irrigação 5 Lavatórios 6 Sanitários 7 Espaço de apresentações 8 Rustificação de mudas 9 Bandejas de germinação 10 Solos e substratos 11 Banco de sementes 12 Bandejas de crescimento 13 Ensacamento de mudas 14 Tanques de filtragem e evopotranspiração 15 Espaço de exposição 16 Sala educacional

rua Francisco Pacheco de Souza

sementes

mudas

alimento frutos

15

CORTE B

CORTE A

o mezanino permite um entendimento e alcance visual de todos os processos de produção do viveiro. O espaço tem caráter educaional, permitido o recebimento de visitas escolares e oficinas. informações à respeito do plantio e estações do ano em painél de vidro, compostagem transpondo as informações substrato à imagem real no viveiro.

tratamento águas

irrigação

14

Os espaços estão dispostos de maneira à funcionarem como uma praça coberta, onde, além das atividades de germinação, preparação dos solos e substratos, estaquia de galhos e rustificaçõ das mudas, existem estares recreativos, com bancos, espaço de reuniões e apresentações, espaço gastronômico, local de exposições, sala educacional para oficinas e repção de visistas guiadas.

16

3

14

0 1 2

5

10

Corte A Escala gráfica


2/8 o saber plantar

As relações de afeto com a vegetação frequentemente originamse do hábito do plantar. O cultivo de plantas necessita de conhecimentos - muitas vezes também empíricos - do manejo dos substratos, das sementes, da irrigação e da exposição ao sol. Esses saberes reforçam os laços de entendimento da vegetação como ser vivo e seus valores imateriais para o cultivador. Os processos industriais, até mesmo das plantas, contribui para que esses valores e saberes sejam esquecidos na sociedade com o passar do tempo. Tecnologias de produção sistematizam o plantio através de clonagens, aceleradores químicos e mudanças térmicas, permitindo que as florações aconteçam de acordo com as próprias demandas de venda, e não mais os ciclos naturais da terra. Nessa lógica comercial, há uma mudança na percepção dos valores de uso e de troca, onde o elemento natural passa a ser equiparado a um produto manufaturado. As perdas no processo de industrialização da vegetação se aproximam ao que Benjamin define como aura no texto “a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”:

espaço de germinação de sementes

É, todavia, nessa existência única e, apenas aí, que se cumpre a história à qual, no decurso de sua existência ela esteve submetida.3

na reprodução mais perfeita, falta uma coisa: o aqui e o agora “ mesmo da obra de arte - sua existência única no lugar em que se encontra.

Arquitetura Viva O experimento de protagonizar a vegetação no espaço se evidencia quando esta fundese à estrutura conformadora do lugar. Através das técnicas de enxerto e estaquia, o entrelaçamento de caules pode conformar estruturas rígidas e vivas. Os primeiros exemplos dessa técnica são as pontes vivas de Meghalaya, na Índia, onde, ao longo de gerações, as raíze de árvores às duas margens do rio que passa pela cidade são trançadas. No decorrer do tempo, esses caules se fundem, conformando pontes. Nas instalações do projeto, uma malha estruturadora de cordas é tramada de modo que espécies trepadeiras são trançadas na mesma. Depois de desenvolvidos e fundidos, os caules configuram-se como estruturas arquitetônicas do espaço, como fechamentos verticais, guarda corpo ou proteções solares.

passeio pelos exemplos de solos e substratos


5/8

O espaço gastronômico é uma estrutura que, aliada a fluidez do espaço, permite o acontecimento de atividades relacionadas às diversas formas de consumo e benefícios das plantas nativas do terreno. Desde oficinas, amostras e educação de plantas comestíveis não convencionais - as PANCS - até mesmo uma cafeteria dimensionada para atender as demandas de consumo diretamente relacionada às estações do ano, onde os alimentos da época são preparados e servidos conforme sua temporalidade.

A aroeira vermelha - Schinus terebintifolius - é uma espécie nativa do local, de médio porte e crescimento rápido. Seus frutos, também conhecidos como pimenta rosa, possuem propriedades gastronômicas, e atraem pássaros. As folhas são aromáticas e possuem propriedade medicinais. A espécie é evidenciada ao centro da estrutura gastronômica do viveiro, onde os espaços interagem diretamente com o tronco e a copa, inclusive no segundo pavimento.

1 Espaço gastronômico 2 Espaço de exposição 3 Rustificação de mudas 4 Banco de sementes 5 Bandejas de germinação

2

1

1

3

4

5

0 1 2

5

10

Corte B Escala gráfica


6/8

vista sudoeste do viveiro

estrutura metálica de perfil tubular treliçado

sistema modular que permite sua replicação e realocação cobertura em tela sombrite 50% de proteção solar

aberturas para a passagem dos ventos, auxiliando na estabilidade da estrutura

12 m

m 10

A leveza e simplicidade da cobetura faz com que o ambiente do viveiro seja permeável e evidenciador das intempéries. O objetivo é que não simbolize uma nova edificação na área, mas que, à vista do frequentador, seja uma continuidade da exposição do ecossistema. A arquitetura ao longo do tempo, funde-se à vegetação, sendo apenas um suporte para sua evidenciação e crescimento.

8m 7m

A modulação da estrutura é projetada de maneira a permitir que crie outros usos e ambientes em toda área à ser recuperada. A impermanência do objeto construído se dissolve à medida que se criam novas necessidades.

vista da entrada dos sanitários


7/8

Caminhos elevados passando por entre áreas alagáveis ,maguezais e sob o espelho dágua, configurando um percurso de passeio sensível aos diferentes ambientes do ecossistema.

Estruturas de orquidário e borboletário, axuliando a polenização das flores e evidenciando o o funcionamento cíclico da flora e fauna

Como resultado do material dragado para recuperação das margens da lagooa, pequenas ilhas são criadas como local de abrigo e e proteção de espécies da fauna. Espaço de aluguel de caiaques e equipamentos aquáticos. Ponte para pedestres, permitindo a reconexão da lagoa antes aterrada e atravessada por uma rua pavimentada. Rua coberta - espaço para feiras e exposições de uso comunitário.. O caminho estende-se para dentro das margens da lagora em forma parabolóide, marcando as cheias e secas da lagoa na memória do usuário de acordo com a possibilidade de passagem

A unidade visual de toda a área se faz necessária para sua evidenciação na cidade, já que, assim como todo o centro urbano local, a área é praticamente plana e de difícil visualização e entendimento.

Tratamento das águas em tanques de fluxo filtrante horizontal, com o uso de macrófitas locais, como a Typha angustifolia L - tabôa - e a Hydrocotyle Bonariensis - erva-capitão.

A conexão visual do parque se dá pela triangulação de mirantes em estrutura metálica e escadarias modulares, podendo ser relocadas conforme o crescimento dos galhos.Plantas trepadeiras e floreiras na parte superior conformam a trama viva.


8/8 “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Eduardo Galeano

estado natural de lagoas costeiras e vegetação de restinga

crescimento da cidade e loteamento de terras

impermeabilização de grandes áreas verdes e canalização das águas

tentativa de limitação de parque em meio a lotes urbanos

Moneo, 1974, pg. 25; Casamonti, Marco. Kengo Kuma, pg. 15; 3 Benjamin, Walter. Texto “a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica; 1

O viveiro educador é propulsor de um entendimento da vegetação e do ecossistema nativo como características intrínsecas na cidade, onde, através de um trabalho de educação ambiental, a população se instigue a cultivar em suas próprias casas a vegetação de restinga. Esse olhar para a cidade implica em reconhecimento e valorização das condicionantes e pontencialidades naturais do solo o qual se edifica, cuja qualidade de ambiente pode extender-se muito além dos limites de um parque urbano e conformar uma simbiose mais honesta e equilibrada entre socieda e natureza.

2

A relação entre homem e a vegetação, mais que um condicionante de valorização estético, funcional ou morfológico nas cidades, é uma vivência afetiva que se desenvolve ao longo da vida, conscientemente ou não. O jardim é um artifício humano, onde procura recriar a paisagem natural através da alocação de espécies vegetais; é na verdade a expressão formal da necessidade que sente de relacionar-se com a natureza, mesmo que de forma particular e fragmentada.

O termo biofilia, proposto por Edward Osborne Wilson, descreve essa necessidade como uma tendência biológica do homem, sendo evidenciada até mesmo em pequenos hábitos cotidianos, onde apropria-se de elementos pontuais que possam de alguma forma transportá-lo ao natural, como por exemplo, o barulho da água em fontes, o cultivo de plantas ornamentais e aromatizantes e extratos de flores e folhas.

Referências Bibliográficas

_______.ELIADE, Mircea. O sagrado e o Profano: a essência das religiões; _______.MORSE, Edward S. Lares Japoneses, seus jardins e arredores; _______.LIBRELOTTO, Lisiane Ilha. A teoria do Equilíbrio: alternativas para sustentabilidade na construção civil. _______.LÉFÈBVRE, Henri. A revolução Urbana.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.