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ROAD MOVIE: ENTRE A LOCOMOÇÃO E A MIDIAMOÇÃO
Locomoção aponta para questões relativas aos grandes luxos da contemporaneidade.
EMPODERAMENTO DE GÊNERO ATRAVÉS DA LINGUAGEM A linguagem possí um grande poder de persuasão.
PODER DA LINGUAGEM A LINGUAGEM DO PODER A linguagem do poder ou o poder da linguagem?
CLÁSSICO DA LITERATURA EM QUADRINHOS Os quadrinhos causam benefícios ou malefícios na educação?
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EXPEDIENTE REVISTA _IN DIRETOR DE REDAÇÃO: Isabella Moscatelli REDATOR-CHEFE: Isabella Moscatelli CONSULTOR EDITORIAL: Isabella Moscatelli EDITOR ESPECIAL: Isabella Moscatelli EDITORES: Nara Francisca Silva da Costa; t; Rosi Mendes; Adriana Felini; Rita de Cássia da Rosa Sampaio Brochier SECRETÁRIA DE REDAÇÃO: Isabella Moscatelli
ÍNDICE
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ROAD MOVIE:
Entre a locomoção e a midiamoção
EMPODERAMENTO DE GÊNERO 14 Através da Linguagem
19 PODER DA LINGUAGEM A Linguagem do Poder
DIRETORA DE ARTE: Isabella Moscatelli CHEFE DE ARTE: Isabella Moscatelli DESIGNER: Isabella Moscatelli FOTOGRAFIA: Anonimo
CLÁSSICO DA LITERATURA 24 Em Quadrinhos
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Luiz Armando Capra Filho e Rosi Mendes
ROAD MOVIE:
Entre a locomoção e a midiamoção
Com o objetivo de estudar mobilidades: espaciais, temporais, discursivas e linguísticas, a disciplina de Mobilidades Culturais apresenta, entre outros
“O ROAD MOVIE TRATA-SE DE UM GÊNERO QUE TEM MUITO A VER COM UM MERGULHO NO DESCONHECIDO, COM A JORNADA DE DESCOBERTA; E É PARENTE DA LITERATURA DE AVENTURA”
importantes pontos, a discussão sobre as mobilidades culturais. Mobilidades essas que podem ser apontadas no trânsito dos indivíduos, por meio de migrações, peregrinações, êxodos ou nomadismos, mas também, como o uso da tecnologia: mobilidades, nomadismos e choques culturais que se dão pela interação dos indivíduos com produtos de mídia ou de entretenimento globalizados.
O intuito deste artigo é apresentar os conceitos de locomoção e midiamoção de Walter Moser aplicados a um dos principais produtos de entretenimentos contemporâneo: a indústria cinematográfica. Em particular do gênero road movie. Para Marcos Strecker (2010, p. 25-6), o road movie é um gênero que “tem muito a ver com um mergulho no desconhecido, com a jornada de descoberta; e é tparente
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da literatura de aventura. E, em certa medida, uma expressão contemporânea do romance de formação”. Os road movies fazem parte da história do cinema mundial. Filmes como “Sem destino” (1969), “Paris Texas” (1984), “Bye Bye Brasil” (1979), “E sua mãe também” (2001), “Diários de Motocicleta” (2004), “Na natureza selvagem” (2007) e “Na estrada” - adaptação da obra de Jack Kerouac “On the Road” - (2012) e “Wild”
(2014), são títulos emblemáticos deste gênero. O road movie é entendido como a “história na estrada”. A trama se dá em movimento, em trânsito, em locomoção.
“MOBILIDADES, NOMADISMOS E CHOQUES CULTURAIS QUE SE DÃO PELA INTERAÇÃO DOS INDIVÍDUOS COMPRODUTOS DE MÍDIA OU DE ENTRETENIMENTO GLOBALIZADOS”
Locomoção e Midiamoção são conceitos apresentados pelo teórico canadense Walter Moser (2004). Em suas pesquisas, assinala que o movimento é uma das características mais marcantes da cultura contemporânea. Para dar conta do conceito de mobilidade, Moser articula três campos de análise nomeados: locomoção; midiamamoção e artemoção. Locomoção aponta para questões relativas aos grandes fluxos humanos
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“LOCOMOÇÃO APONTA PARA QUESTÕES RELATIVAS AOS GRANDES LUXOS HUMANOS DA CONTEMPORANEIDADE”.
da contemporaneidade, como por exemplo, turismos, êxodos, migrações e peregrinações. Diz respeito à mobilidade física dos indivíduos e como isso interfere em suas culturas. O conceito de percurso, apresentado por Rachel Bouvet complementa a noção de locomoção, nesta discussão. Para autora “o termo suscita desde logo uma imagem de movimento, um vestígio, um caminho já balizado ou desen-
hado ao longo da estrada” (Bouvet, 2010, p. 317). No “percurso” é entendido que o indivíduo “(...) sabe aonde vai, segue um traçado já conhecido, ou em parte, (...) ele conhece o meio ambiente e encontra nele facilmente pontos de referencia, signos que lhe permitem continuar seu caminho” (Bouvet, 2010). O conceito de midiamoção traz as questões de mobilidade proporcionada pelas
mídias modernas. A típica representação do conceito se dá no momento em que o indivíduo está físicamente imóvel, mas, se coloca em movimento pelas representações midiáticas. Isto é, o mundo midiatizado interpela o sistema sensorial e nos conecta a um mundo que está em movimento na tela, no virtual. O terceiro conceito - artemoção - analisa as manifestações artísticas em
7 que o espectador interage com um aparato técnico midiático, vinculado ao fazer do artista, cuja função é a instabilidade, a surpresa e o movimento. Contudo, deixa claro que este viés de mobilidade está restrito a certos círculos de arte.
tética, associadas, que permite aos produtos de mídia alcançar, por meio da combinação de efeitos visuais, sonoros e luminosos um encapsulamento dos sentidos. Permitindo ao usuário a vivência do conceito de mídiamoção na prática.
Marcio Bahia, em análise mais recente, traz os aspectos da indústria do entretenimento para esta discussão. Bahia nos traz o conceito de indústria do entretenimento, vinculada a um “conjunto de produtos industriais (...): desenhos animados, jogos de computador, filmes blockbuster, parques de diversão” (Bahia, 2009). Aponta que não é possível entender esta indústria contemporânea sem o uso das noções de mobilidade, deslocamento, transferência e movimento.
O road movie como proposta cinematográfica apresenta a história que se desenrola ao longo de uma viagem/percurso. Neste sentido o filme não é construído para solução de uma única situação-problema, mas, por um conjunto de situações a serem resolvidas no transcurso da jornada. O filme contemplado para esta análise é o blockbuster The Way (com o título em português “Em busca de um Caminho”) de 2010, com di-
Os produtos oriundos deste processo têm como principal característica a “cinestética”, isso é, cinestesia e es-
reção de Emilio Estevez. The Way traz em seu roteiro as relações entre as personagens e suas aventuras/desventuras ao longo do milenar Caminho de Santiago. É importante frisar que os Caminhos de Santiago são os vários caminhos que levam ao túmulo de Santiago. Representando este trajeto, o filme “The Way” traz no seu elenco grandes nomes do cinema mundial: Martin Sheen (Tom Avery), Emilio Estevez (Daniel Avery), Déborah Kara Unger (Sarah), Yorick Van Wageningem (Joost) e
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Revista _IN: CINEMA James Nesbitt (Jack) e retrata a peregrinação de um grupo de pessoas ao longo do trajeto. Cabe destacar que o caminho representado no filme é o chamado Caminho Francês, que parte de Saint Jean Pied de Port, ao sul da França. Com cerca de 800 km, o trajeto leva a Santiago de Compostela, na Espanha. Contudo não existe apenas o Caminho Francês, mas vários outros caminhos com o mesmo destino: O Caminho de Finisterre - Finisterre a (se crase) Santiago, O Caminho Inglês - Ferrol a Santiago, O Caminho do Norte - Ribadeo a Santiago, O Caminho Português - Lisboa ou Porto a Santiago e O Caminho Primitivo - Porto do Acebo a Santiago. O intuito de todos os caminhos e dos peregrinos, é chegar a Santiago de Compostela, onde, segundo a tradição, estão os restos mortais do apóstolo de Cristo, Santiago. Tiago - filho de Zebedeo e Salomé e irmão de João “O Evangelista” - após a crucificação de Cristo
foi pregar o evangelho na península ibérica, mas, foi martirizado ao retornar para Jerusalém por volta do ano 40 d.C. Seu corpo foi recolhido por seus discípulos ibéricos que transladaram Santiago de volta para Espanha. Sua tumba
se perdeu ao longo de séculos. Por volta de 814, um eremita teve uma visão de um Campo de Estrelas (Compostela) que indicou a sepultura do Santo. Neste local foi construída a primeira igreja que hoje dá lugar à imensa catedral.
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Revista _IN: CINEMA O filme apresenta em seus primeiros momentos a relação conturbada entre o médico oftalmologista americano Tom Avery (Martin Sheen) e seu filho Daniel (Emilio Estevez). Daniel viaja para a Espanha para percorrer o Caminho e morre ao ser pego por uma tempestade. Tom vai até a França para reclamar o corpo de seu filho. Chegando lá decide percorrer o Caminho, completando o percurso que seu filho havia começado, levando junto às cinzas do rapaz. Ao longo de sua jornada Tom se junta a outros 3 peregrinos: Déborah Kara Unger (Sarah), Yorick Van Wageningem (Joost) e James Nesbitt (Jack), cada um com seus objetivos e problemas ao percorrer o caminho. Cada uma das personagens atribui um “objetivo” de peregrinação, que por consequência passa a fazer parte da caracterização da próxima personagem: Joost um glutão amsterdino está no percurso para perder peso e “entrar no antigo terno para o tercei-
ro casamento do irmão”. A canadense agressiva e refratária Sarah que busca largar o cigarro “aos pés de Santiago”, Jack escritor irlandês com bloqueio criativo. E, o personagem principal, o médico Tom, carrega as cinzas do filho (Daniel) em uma caixa e as vai depositando ao longo do percurso. Contudo, a objetividade simplista inicial de cada participante vai, no transcorrer do thriller, assumindo outros contornos mostrando histórias pessoais mais complexas e profundas que são discutidas ao longo do trajeto. Entretanto, a discussão de fundo de todas as (sem crase) personagens passa pelo próprio conceito da peregrinação. Apesar de
todos terem uma postura não religiosa, há uma real preocupação em buscar a “verdadeira peregrinação”. Aquela mais próxima do peregrino do medievo. Cabe ressaltar que a concha de Santiago, um dos principais símbolos do caminho e que é portada por todos os peregrinos, representa não só a ligação com o Santo, mas, em particular, uma medida de comida e água que era oferecida aos peregrinos. Isto é, o peregrino comia e bebia o que era ofertado e coubesse na concha. Contudo: “uma simples experiência de privações do conforto moderno no mundo natural não pode assegurar qualquer felicidade - ou uma possível restauração da bondade
“AS PERSONAGENS SÃO A VERSÃO ANTI-HEROICA E MODERNA DOS ANTIGOS CONQUISTADORES E SEUS TERRITÓRIOS EM EXPANSÃO. ENTRETANTO, OPERANDO NA CONTRAPARTE POÉTICA DESTES, O PERSONAGENS DOS ROAD MOVIES DESLINDAM AS FRONTEIRAS DE SI MESMOS”
11 e da autenticidade dos sentimentos, como prevê a filosofa rousseauniana”. (Markendorf, 2012) O que parece ser a conclusão do grupo para esta questão. “Não é plausível imaginar que os peregrinos do passado fossem alheios às comodidades quando essas estavam disponíveis”, pondera a personagem Sarah, após discussão sobre as facilidades atuais do caminho (hotéis de luxo, taxis, empresas especializadas em carregar excesso de bagagens). Neste sentido, as personagens são a “versão antiheroica e moderna dos antigos conquistadores e
seus territórios em expansão”. Entretanto, operando na contraparte poética destes, o personagens dos road movies deslindam as fronteiras de si mesmos. (Markendorf, 2012). Para Marcio Markendorf (2012) a “viagem nos road movies, assim, assume a qualidade de um ato de peregrinação da alma ou de uma movimentação nômade em que, muito embora mover-se implique um ponto de chegada pré-definido,mas não definitivo, a viagem torna-se a própria meta”. Como em muitos filmes desse gênero, a mensagem transmitida é a de que
o caminho em si é mais importante que o ponto de chegada. Corroborando esta posição, The Way não termina, como comumente poderia se atribuir a esta história, na chegada dos peregrinos à cidade de Compostela. As cenas finais têm os peregrinos na praia de Muxia, onde, de fato, literalmente o caminho acaba. Nesta cena são retomados os objetivos iniciais da caminhada que são sinceramente abandonados: Joost admite que precisa comprar um traje novo e maior, Sarah diz: “nunca foi pelo cigarro” e Jack se diz um escritor sem palavras e cada qual
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Revista _IN: CINEMA segue seu destino. Na cena final temos o personagem Tom Avery de mochila e roupas de caminhada em uma localidade magrebina iniciando uma nova caminhada. Neste sentido, o indivíduo, o peregrino, se constitui ao realizar o percurso. Está entregue à locomoção. The Way, por outro lado, mimetiza o trajeto e as experiências, acomodando o espectador numa imersão cinestética (Bahia, 2009). Este indivíduo está fisicamente imóvel, mas se coloca em movimento através das representações midiáticas. Ou seja, na midiamoção. No caso específico deste road movie, cujo tema é a peregrinação, estes conceitos se mostram opostos. Para o peregrino, estar no percurso é o que importa. Ou, parafraseando Daniel para o seu pai antes de partir para o Caminho:
“YOU DON’T CHOOSE A LIFE. YOU LIVE ONE.” Você não escolhe uma vida. Você vive uma.
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Nara Francisca Silva da Costa
O EMPODERAMENTO DE GÊNERO ATRAVÉS DA LINGUAGEM Gostaríamos de explicitar algumas expressões utilizadas no nosso cotidiano, que não percebemos o quanto estamos comprometendo o sujeito, ao atribuir adjetivos cujo entendimento remete uma forma conotativa. A definição de gênero as atividades domésticas e familiares são notoriamente direcionadas às mulheres. Atualmente ainda se utiliza a ocupação feminina “Do lar” homens jamais teriam esta ocupação! - Como isso soaria em nossos ouvidos? Certamente um homem que não trabalha e possivelmente sustentado pela mulher. Há estas e outras formas que o poder da linguagem nos remete uma série de entendimentos confusos e equivocados. Reproduzimos, de uma forma mais explícita, o Capítulo 3 sobre “O sexo das Pessoas e a Linguagem” do Manual de Uso não Sexista da Linguagem: o bem que se diz é o bem que se fala, elaborado pela Secretaria Estadual de Políticas para Mulheres do Governo do Estado do Rio Grande do Sul em 2014. O poder quando exercido sobre determinado gênero apresenta interpretações diferenciadas desde o tempo do patriarcado e vem sofrendo transformações nas diversas formas de tratamento desde então.
15 Inicialmente tomaremos como base as definições de poder, gênero e linguagem. Poder significa imposição, o ato de impor. Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nos diferenciais percebidos entre os sexos, sendo a forma primeira de significar as relações de poder (SCOTT, 1989). Já a linguagem, derivada da palavra língua, apresenta o significado de liberdade, liberdade de expressão. A língua é conjunto de normas e a linguagem é a execução da língua. O ser humano é dotado destas ações que constroem o sentido da vida e isto nos diferencia e, ao mesmo tempo, nos privilegia em relação os demais seres. Falar da ação do poder de gênero através da linguagem pode nos parecer complexo, mas o capítulo citado nos informa sobre as pequenas modificações desde o período Patriarcal, em que a representação do perfil feminino estava subordinada ao perfil masculino. A linguagem construÌda a partir de então expõe claramente a intenção de divisão dos gêneros e o seu empoderamento explícito através dos significados das palavras, evidenciando o que julgamos situações de subordinação. Na época do Patriarcado em que as mulheres eram consideradas subalternas, os homens possuíam o domínio total do poder familiar, impedindo qualquer tipo de manifestação feminina. Este Manual fornece alguns exemplos de mutações de significados das palavras, diretamente relacionadas ao gênero:
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Uma pessoa pública do sexo feminino é vista como uma prostituta, já o homem público está relacionado à sua vida pública, ou seja, um cargo político. O uso da linguagem sexista contribui com a desvalorização das mulheres em relação aos homens. O Manual faz referência a verbetes relacionados à palavra homem que inexistem para as mulheres, se tentarmos adaptar, obteremos termos que causam estranheza ao falar, veja a seguir:
HOMEM DE BEM MULHER DE BEM HOMEM DA LEI MULHER DA LEI Acreditamos que nossos ouvidos apenas não estão acostumados com tais pronúncias. Quando a locução é dirigida às mu lheres, a linguagem interfere tornando um significado nada atrativo.
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O PODER Nas relações de poder, novamente as mulheres sofrem subordinação, principalmente quando os homens fazem uso excessivo do poder. É a luta entre os dominantes e os dominados. A linguagem conotativa contribui para este acontecimento. Homens de negócios são pessoas do sexo masculino que tratam de grandes negócios. Mulheres de Negócios são apenas empresárias. Nas locuções designadas especialmente as mulheres, tamanha sur-
“DESENVOLVER A LINGUAGEM DE FORMA DIFERENCIADA TOTALMENTE DIRECIONADA AO GÊNERO”.
presa ao deparar com uma variedade de sinônimos para representar um único termo: meretriz - mulher da rua, mulher de ponta de rua, mulher da vida, mulher do mundo, mulher perdida, mulher errada, etc. As mudanças surgem a partir da adaptação desta nova forma de expressão. Não designar gênero aos cargos, dirigindo aos cargos de uma forma mais específica. O empoderamento de gênero através da linguagem é desenvolver esta linguagem de forma
diferenciada e totalmente direcionada ao gênero feminino, masculino ou neutro, quando for o caso, e aqui o neutro é considerado oposição aos seres animados femininos e masculinos. No final do Capitulo 3 do Manual para o Uso Não Sexista da Linguagem são disponibilizadas, ou melhor, somos convidados a colocar em prática algumas mudanças como não usar o feminino em questões privadas ou que denote posse das mulheres - Ex.: a mulher de Pedro - e o masculino como universal - Ex.: os jovens de hoje. Frases estereotipadas que consolidem papéis tradicionais também são usadas com frequência, como: a galinha protege seus pintinhos! Temos que evitar o uso de supostos genêricos masculinos. A linguagem possui um grande poder de persuasão. É preciso desconstruir o que está inadequado, o que discrimina e desvaloriza. Vamos dar boa noite ao Bonner e à Patrícia de forma exclusiva para cada um deles.
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TEMOS QUE BANIR OS ELEMENTOS QUE IMPLICAM O PROCESSO DE INFERIORIDADE E DESVALORIZAÇÃO DAS MULHERES, QUE CONSEQUENTEMENTE, EMPODERAM OS HOMENS. EVITEMOS PROVÉRBIOS, DITADOS E OUTROS ESTEREÓTIPOS SEXISTAS QUE CONTRIBUEM PARA ISSO. MUDEMOS NOSSOS DISCURSOS, PORQUE O QUE BEM SE DIZ BEM SE ENTENDE!
“BOA NOITE, PATRÍCIA!” “BOA NOITE, BONNER!”
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Rita de Cássia da Rosa Sampaio Brochier
O PODER DA LINGUAGEM E A LINGUAGEM DO PODER A linguagem do poder ou o poder da linguagem?
A linguagem é utilizada como a forma de expressão do pensamento, podendo ser por meio da escrita, da palavra ou de sinais. Nesse contexto, a linguagem está intimamente relacionada com o desenvolvimento das relações sociais. Sob a ótica desta íntima relação da linguagem com o desenvolvimento das relações sociais, refletiremos aqui sobre a linguagem do poder e poder da linguagem. Em-
basados no filósofo francês Roland Barthes (2004), a linguagem do poder seria o discurso no poder e o poder da linguagem seria o discurso fora do poder. Tomamos como exemplo para essa reflexão, o poder da linguagem e a linguagem do poder no contexto de um empreendimento econômico solidário, no campo da reciclagem, em que a linguagem como forma de expressão, individual e coletiva, é essencial para
o desenvolvimento dos processos autogestionários pressupostos no desenvolvimento prático da economia solidária.
“O EXERCÍCIO DA PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO AUTOGESTIONÁRIO TAMBÉM É PAUTADO PELA LINGUAGEM SOCIAL.”
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Revista _IN: CULTURA A economia solidária é caracterizada pelo agrupamento de trabalhadores por iniciativas de produção, autogeridas democraticamente, nas quais os ganhos são repartidos proporcionalmente ao trabalho realizado pelos integrantes do grupo (SINGER, 2013). Nesse contexto de participação, solidariedade, cooperativismo, a figura 1 apresenta a ideia do que se pressupõe como forma de poder em um contexto econômico solidário.
O poder como representado, na figura 1, é um poder que sugere a participação, princípio importante ao desenvolvimento da autogestão. Porém, gerir um empreendimento no contexto econômico solidário perpassa processos administrativos e produtivos, a participação coletiva exige resgate e amadurecimento da subjetividade dos cooperados (LIMA, 2013). É possível dizer que exercício da participação no processo autogestionário seja também pautado pela linguagem social.
21 Como sugere Roland Barthes (em capítulo intitulado “A divisão das linguagens” de 2004), colocamo-nos no exercício de ouvir e participar da conversação de outra linguagem, que não a que estamos acostumados cotidianamente, para que se evidencie na divisão de classes sociais também a divisão das linguagens. Para o autor tal divisão não está evidenciada unicamente no nível da língua, na cultura ou no idioma, a divisão está incontestavelmente no nível do discurso, ou seja, na interlocução. Esta divisão é denominada por Barthes de linguagens sociais (entendidas como uma forma particular de fala de um
grupo ou classe social, que emergem como linguagens de resistência), divididas ainda em dois grupos: o discurso no poder e o discurso fora do poder. O discurso que está fora do poder, é o discurso que se desenvolve fora do conhecimento dotado de certeza absoluta, que não impõe que não controla que não pressiona que não coage que não oprime. Seu discurso não é necessariamente contra o poder, sendo a linguagem de cunho cultural e não político (BARTHES, 2004). Exemplificaremos o discurso fora do poder com falas de entrevistas realizadas com os cooperados da cooperativa de reciclagem em 2015.
“Eu aprendi, eu aprendi muito com as reunião aí fora, com as reunião aí fora eu aprendi muito, com as pessoas, como trabalhar, o que já viveram, o que já passaram, né, e às vezes, a gente pensa que tá passando muita dificuldade, mas tem pessoas, tem cooperativas que passam dificuldades.” (ENTREVISTADO BC).
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Revista _IN: CULTURA “Em tudo na minha vida, tipo eu aprendi a ser responsável vindo trabalhar aqui e aprendo cá aulas que a gente teve, com o SF, com as gurias. Nós assim do caminhão é raro a gente conseguir pegar as aulas quando eles vem, né. Mas quando a gente pega um pouco assim, a gente conversa assim, a gente leva bastante coisa, né. Daí eu aprendi, aí no caso antes de eu vir pra cá, eu era assim muito da rua, né, daí agora eu tive meus filhos, essa coisa toda, daí eu criei uma responsabilidade assim que Deus o livre por eles, né. E aqui eu aprendi um monte de coisa, até mesmo com as gurias” (ENTREVISTADO BC).
O que se pode observar nos exemplos são declarações de aprendizagem com a experiÍncia do trabalho coletivo na cooperativa. Tal transformação nos remete ao entendimento de que, nesse contexto, desenvolveu-se uma linguagem social, ou seja, uma forma de fala característica desse grupo, que emerge do seu próprio contexto social e cultural. Os exemplos também apresentam um discurso fora do poder, pois exprime a subjetividade de cada cooperado em relação ao aprendizado em grupo. Já o discurso no poder, aqui relacionado com a linguagem do poder, é o discurso que gera intervenção, inversão, condução, imediato e não imediata, proíbe. É a linguagem que rememora a voz do tirano, a voz que ordena. Na cooperativa, a linguagem no poder, está na voz de quem toma as decisıes em nome do grupo, como demonstra o exemplo: O exemplo citado destaca a concentração do
“Tem, tem, principalmente relacionado a conserto de caminhão, tudo que envolve assim mais os caminhões que agente tem , ainda eu que decido, comunico assim a DV a DO os coordenadores, mas pra elas tá tudo bem, [...] - ah! tu aluga os caminhões tem que alugar, eu é que faço essa parte, essas decisões ainda tomo sozinho, a única pessoa que eu comunico, que a gente ví junto é a A., mas como ela não tem poder de decisão na coordenação , ainda tomo sozinho essas decisões.” (ENTREVISTADO FC).
23 poder de decisão num dos coordenadores do empreendimento, o que demonstra com clareza que, ele se utiliza a linguagem do poder na cooperativa. Dessa forma, entende-se que, se o poder de decisão está concentrado em uma pessoa, não há participação de todos os cooperados como pressupıe o contexto econômico solidário e também a participação passível de transformação social, a partir do poder dalinguagem. A linguagem no poder se sobrepõe quando estão em jogo questões
decisórias. No entanto, os cooperados expressam o processo de aprendizagem evidenciando, então, o discurso fora do poder. Portanto, evidenciou-se que o poder da linguagem, ou seja, o discurso fora do poder emerge em contextos sociais a partir de aprendizagem como ação transformadora na vida cotidiana dos trabalhadores da cooperativa de reciclagem. Uma linguagem social, que surge a partir do trabalho coletivo, da participação e talvez a emancipação.
Em contraponto, a linguagem no poder, nos momentos de tomada de decisão, evidenciados na fala do coordenador, descaracteriza o processo autogestionário, precedido pela participação. Concluise com uma interrogação: Será que podemos afirmar que o poder estaria vinculado ao cargo da coordenação, sem que a voz dos demais cooperados realmente exerça poder sobre as decisões do grupo?
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CLÁSSICOS DA LITERATURA EM QUADRINHOS
Não há consenso quanto ao surgimento das histórias em quadrinhos. Alguns atribuem a um ítalo-brasileiro – Ângelo Agostini -, entretanto, os estadunidenses garantem que são os pioneiros. As pinturas rupestres não deixam de ser arte sequencial, utilizando imagens para contar um cotidiano quando não havia escrita. Independentem ente de quando surgiu, o que se sabe é que os quadrinhos ganharam destaque com tiras em jornais, como indica o estudioso Fabiano Barroso em
seu livro “Pescando imagens com redes textuais” (2013). Os quadrinhos na educação tiveram uma boa aceitação nos Estados Unidos, mais especificamente durante a Segunda Guerra, com o célebre cartunista Will Eisner. Conforme Djota Carvalho em seu livro “A Educação nos Gibis” (2006), Eisner deixou de desenhar Spirit (uma de suas obras mais conhecidas) e investiu na produção de quadrinhos educativos e institucionais.
No entanto, não teve uma boa aceitação no Brasil. A pior crítica foi em 1944 quando o Inep, órgão ligado ao MEC, apresentou um estudo preconceituoso que concluía que as histórias em quadrinhos causavam “lerdeza mental”. Esse estudo, mesmo não tendo embasamento científico e as histórias em quadrinhos sendo apoiadas por parte do governo Vargas, sua circulação acabou sendo proibida. E ainda frases preconceituosas como “quem lê histórias em quadrinhos fica com
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o cérebro do tamanho de um quadrinho” gerou uma verdadeira fobia a HQ. No ano de 1946, o jornalista Carlos Lacerda, no primeiro congresso de escritores, afirmou que os quadrinhos eram veneno importado e que tinha muitos comunistas entre os escritores e desenhistas. Quando o Congresso Nacional decidiu intervir, no ano de 1949, criando uma comissão para analisar quadrinhos, amenizou as críticas em torno do assunto. O relator da comissão,
o sociólogo Gilberto Freire, concluiu que as publicações não eram de todo mal como pregavam alguns jornalistas, professores, pais, entre outros. Essas conclusões trouxeram calmaria, mas durou pouco. Jornais como o Correio do Povo, de Porto Alegre, publicaram uma série de reportagens preconceituosas contra estas. Todavia, o cúmulo do preconceito deuse com o livro do psicólogo estadunidense Fredic Wertham, “Sedução dos Inocentes”.
Conforme Fabiano Carvalho, o psicólogo criticava duramente os quadrinhos, dizendo que as HQS provocavam “comportamento anormal” nas crianças, ou seja, a opinião do psicólogo baseou-se na HQ de Batman e Robin. Segundo Wertham, um homem que usava vestes de couro, só batia em homens, fazia isso na verdade como um processo de negação a sua inegável atração por homens, isto é, sentia-se atraído pelos mesmos e transformava a atração em agressividade. Sem
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Revista _IN: falar no adolescente que o homem morcego carregava consigo, que usava roupa justa, pernas de fora e movia-se através de acrobacias. Wertham escreveu, ainda, que a Mulher Maravilha seria lésbica por vir de uma ilha habitada somente por mulheres – e que as orelhas do coelho Pernalonga lembravam um símbolo fálico. Um tempo depois da publicação de seu livro, Wertham reconheceu que seu estudo fora exagerado. Porém, já havia criado uma verdadeira caça às bruxas, com registros de pais e professores queimando HQs no país. E a pergunta que ficava: os quadrinhos causam benefício ou malefício na educação? O que pensar? Acredita-se que, como tudo, precisamos de equilíbrio na utilização dos quadrinhos na escola e na educação, ou seja, há quadrinhos bons e ruins, mas o importante é o uso que se faz deles. Como é o caso dos livros do Doutorando em Educação do
Unilasalle/Canoas Gelson Weschenfelder: “Aristóteles e os Super-Heróis” e “Filosofando com os Super-Heróis”, que através dos quadrinhos de super-heróis trabalham a ética que está inserida nessas histórias e devido à dificuldade de estreitar os alunos com a filosofia o autor os aproximou com um material muito querido pelos alunos de educação básica e de nível médio: as histórias em quadrinhos: As HQs, por muitas vezes criticadas por corromper os jovens, na vida educacional, como vimos anteriormente, pode vir a ser um objeto pedagógico de aproximação das crianças e jovens à prática de
leitura, como sugere Gelson em seus livros. As histórias em quadrinhos deixaram de ser vistas com preconceito, pelo menos pela maior parte do público, a partir de sua inclusão nos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais -. Para Vergueiro, (2009) essa inclusão nos PCN representou o coroamento de uma nova fase dos quadrinhos deixando de serem vistas de forma pejorativa e
27 preconceituosa. Legitimadas, as HQs, passaram a ser consideradas um tipo de gênero textual interdisciplinar, como são muito bem aceitas pelo público infanto-juvenil e também adulto, possibilitam uma gama de atividades pedagógicas de trabalho em sala de aula. As adaptações de clássicos da literatura aproximaram jovens alunos de leituras que, outrora, eram consideradas difíceis. É possível que o uso de imagens
tenha chamado a atenção desse público. Isso não quer dizer que quem leu um clássico em HQ não vai querer ler o original. Segundo Flávio Calazans (História em quadrinhos na escola, 2008), a quadrinização é um primeiro contato com a obra, o que pode levar o aluno a buscar o original.
“AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DEIXARAM DE SER VISTAS COM PRECONCEITO”
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