Contos

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VEM AÍ O ZÉ DAS MOSCAS


Contam que um homem, meio amalucado, se queixava de sofrer de zumbidos, muitos zumbidos à volta da cabeça, que o punham zonzo, aluado e ainda mais maluco do que ele já era. - São assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz--bzz... bzz-bzz... Não entendo isto contava ele a quem tinha tempo e paciência para ouvi-lo. Havia os que se condoíam, havia os que se irritavam. Havia os que lhe fugiam, mal, ao longe, o enxergavam. Verdade se diga que o homem não tinha outra conversa. Alguém lhe deu de conselho que fosse ao médico. As salas de espera dos consultórios estão cheias de casos destes, disseram-lhe. Uns ouvem zumbidos, outros, campainhas. Também há os que ouvem sinos. E os que ouvem sirenes. E os que não ouvem nada. Os médicos servem para isso mesmo, para escutar as queixas, classificar as doenças, ditar os tratamentos. Ele que se despachasse e fosse à consulta, porque, quase de certeza, o médico acharia remédio para o seu mal. Ele foi. - Senhor doutor, são assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzz-bzz... O médico mirou-o dos pés à cabeça e perguntou-lhe: - O senhor costuma lavar a cabeça? - Por dentro ou por fora? - Por fora, já se vê - impacientou-se o médico. - Quem diz a cabeça, diz o cabelo. Porque o que eu vejo é que o senhor tem uma quantidade de moscas à volta da cachola. Para o seu caso, os meus estudos de nada servem.


- Então não tenho cura, senhor doutor? O médico encolheu os ombros. Já tinha atendido imensos doentes, outros tantos o esperavam. Sentia uma perna dormente de estar sentado há que tempos. Saturado até mais não! Realmente o médico estava pelos cabelos e já com tão poucos... À maneira de despedida, despachou assim o homem: - Se as moscas o atormentam, grite-lhes e enxote-as. Passe bem. O homem seguiu à risca o conselho. Quer de noite quer de dia, desesperava-se a berrar: - Zute, moscas, zute, moscas! Vão fazer bzz- bzz para outro monturo. Os vizinhos foram fazer queixa dele à polícia. Não conseguiam dormir descansados. O comandante mandou chamá-lo e pregou-lhe um discurso, que era uma reprimenda de todo o tamanho. - Mas a culpa toda é das moscas - lastimou-se o homem. - Se tem querela com as moscas, contrate um advogado e ponha uma acção contras as supraditas no tribunal - ordenou o comandante, um ferrabrás. - E ponto final no assunto. O pobre homem estava por tudo. Bateu à porta de um advogado. - Senhor doutor, são assim uns zumbidos bzz--bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzz- bzz... - E que tenho eu com isso? - intrigou-se o advogado, que era novo no ofício, mas já pesporrento, como as maiores sumidades. O homem contou donde viera, os santos de capela a que ajoelhara. - Que ideia a sua, mais a do policial que o persuadiu. Tantos anos de estudo, tantas noites mal dormidas, agarrado aos códigos, para suportar patacoadas deste jaez. Que enfado! O doutor nenhuma.

advogado

tinha azedumes e falta de clientes. Condescendência,


- Se o seu mal são moscas e mosquitos, vá ao veterinário. A bem dizer, ele é que percebe de animais. Ora, portanto, as moscas pertencem-lhe. O homem, cada vez mais azamboado, foi ter com um doutor veterinário, que, depois de lhe ouvir as lamúrias, o atendeu com maus modos: - Então o doutorzinho passou-o para mim? Estava com os azeites e sacudiu as moscas para cima do parceiro, como se eu também fosse da batota. Pois deixe estar que eu já o despacho. Vá ao juiz. Se tem agravos contra insectos, desagrave-se, diante do juiz. Pobre homem. De Herodes para Pilatos, de tanto sempre a atormentá-lo. aturar doutores com a mosca e maus fígados, estava por metade do que fora. E os zumbidos

- Senhor doutor presidente do tribunal, as moscas não me deixam em paz. São assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzzbzz... Não entendo isto. O juiz riu-se. Tinha acabado de almoçar, por sinal com o doutor advogado, o comandante de polícia e o médico. Rico almoço. O veterinário escusara-se ao convívio, porque andava de candeias às avessas com o advogado, embora ocaso ainda se componha.

Mais dia menos dia, vão

encontrar-se os cinco à roda da mesma mesa. Mas a nossa história é outra. Estamos a desviar--nos. Onde é que nós íamos? No juiz, pois claro. Dizia ele, muito prazenteiro: - Fique o meu amigo sabendo que cada mosca tem a sua lei. Não há código que as vença. Só posso aconselhá-lo a que, assim que vir uma a jeito, lhe dê uma paulada das rijas. - E o senhor doutor presidente do tribunal não me manda prender por eu andar a matar moscas? -perguntou o homem, muito a medo. O juiz largou uma grande risada. Que história mais divertida aquela, para contar, depois, no café, ao advogado, ao comandante de polícia e ao médico...


- Mandar prendê-lo por caçar moscas? Que ideia! - disse o juiz, assoando-se e enxugando as lágrimas do riso. - Passo-lhe já aqui uma licença, lavrada em papel selado, que o autoriza a matar todas as moscas do país, onde quer que as veja...Garanto-lhe que ninguém mais o incomodará. E o juiz redigiu, assinou e entregou o documento. Nisto, poisa uma mosca na careca do doutor das leis. O homem, assim que a viu, não esteve com meias-medidas. Pega num pau e zás, que se faz tarde! Parece que quem ficou a ouvir zumbidos à volta da cabeça foi o tal doutor juiz. O nosso homem curou-se.


O PRÍNCIPE COM ORELHAS DE BURRO


Certo rei vivendo muito desgostoso por não ter filhos embora fosse casado há vários anos, pediu ao homem mais velho do reino: – Tu, que, por muito teres vivido, decerto muito sabes, diz-me o que devo fazer, para que Nosso Senhor se compadeça de mim. – Isso, majestade, é da competência das três irmãs, as fadas Bonita, Sabichona e Sensata, que moram na floresta. Mandai, portanto, chamá-las – respondeu-lhe ele. E as três irmãs vieram e afirmaram ao rei: – Terás o filho que desejas, se consentires que assistamos ao seu batizado. O rei acedeu imediatamente e, por isso, tempo decorrido e com regozijo de todos, nascia o príncipe. No dia do batizado, conforme a combinação feita, apresentaram-se as três fadas. Primeiro a fada Bonita tomou o principezinho nos braços e tocando-o com a sua varinha, determinou, em voz tão baixa que ninguém ouviu senão as irmãs. – Eu te fado para que sejas o príncipe mais lindo do mundo. Depois, a fada Sabichona, aproximou-se e disse de igual forma. – Eu te fado, para que sejas o príncipe mais sábio do mundo. E, por fim, coube a vez à fada Sensata, que, não obstante seguir também os modos das outras, se exprimiu de maneira um tanto quanto diferente: – Ah, com que então só bonitezas e sabedorias? Para que tenhamos, pois asneira no caso, eu te fado, ó príncipe, a fim de que te nasçam umas orelhas de burro. Foram-se embora as fadas e, doravante, o príncipe deu-se a crescer no corpo, na boniteza e na sabedoria, que era um louvar a Deus. Mas, à medida que crescia, cresciam também as suas orelhas. E o rei e a rainha, envergonhados com o facto, mandaram-lhe fazer uma touca especial que lhe as ocultasse de todos os olhares, e ordenaram ainda que jamais a tirasse.


Escondidas as orelhas, os cortesãos, não as vendo, achavam o príncipe um portento de formosura e inteligência e, por isso, amiúdo lhe diziam: – Tão belo e sábio como vós, não conhecemos outro rapaz. De tanto escutar isso, o príncipe tornou-se um vaidoso, pois era tão ignorante da sua deformidade como os cortesãos e, em breve, passou a achar defeitos em todos quantos o rodeavam e apontá-los. Entretanto, o príncipe de tanto crescer, tornou-se um rapagão, nascendo-lhe a barba. O rei ao verificáa-lo, ordenou, pois, que o seu barbeiro lha fizesse. E este, tendo para isso de tirar a toca do príncipe, viu as orelhas e gritou horrorizado: – Apre!, que orelhas assim, só as do burro do meu compadre! Ergueu-se de salto o príncipe da cadeira, disposto a castigar o insolente; mas de súbito, viu refletido no espelho à sua frente a sua cara e as orelhas. E logo, perante a realidade destas, se pôs a chorar e a soluçar, que era uma dor de alma! Atraído pelo barbeiro, o rei então apareceu. E, vendo o que sucedera disse ao barbeiro: – Ou guardas segredo acerca de tudo ou mando-te enforcar. Feita a barba, o príncipe pôs outra vez o barrete e o barbeiro foi à sua vida. De futuro,

porém,

todos

estranharam

os

dois.

O

príncipe

mostrava-se

permanentemente triste e, quanto ao barbeiro que outrora falava pelos cotovelos, era agora quase mudo. Ele tinha medo de dar à língua ou não se lembrasse de que, pela boca, morre o peixe. Mas, - ai! O segredo pesava-lhe como chumbo. E, resolvendo portanto, confessar-se, em busca de alívio, disse ao padre: – Se não conto a todos que o príncipe tem orelhas de burro, rebento! – Olha, meu filho, vai a ao monte, faz um buraco no chão e diz para dentro dele o segredo, tantas vezes quantas as necessárias para que fiques aliviado do seu peso. Depois, tapa-o com terra O barbeiro seguiu o conselho, e na verdade, regressou a casa já tão falador como antes. Mas, no sítio onde fora enterrado o segredo, nasceu tempo após um canavial. Ora, certo pastor cortou nele uma cana, fazendo desta uma flauta. E, quando a levou aos beiços, a mesma cantou: – O príncipe tem orelhas de burro, o príncipe tem orelhas de burro...


Espalhou-se a notícia do prodígio e, chegando ela aos ouvidos do rei, de pronto o mesmo mandou vir à sua presença o pastor, que, diante de toda a corte, se pôs a tocar a flauta e esta a dizer: – O príncipe tem orelhas de burro, o príncipe tem orelhas de burro... Porque só havia no reino um príncipe, todos os cortesãos olharam imediatamente para ele, cogitando: “Se calhar, a toca é para escondê-las...” e o príncipe, adivinhando os seus pensamento, ficou vermelho como uma cereja e com as lágrimas nos olhos, exclamou: – Sim, eu sou, como ides verificar, o príncipe com orelhas de burro. Perdoaime o mal que vos fiz, quando outrora caçoava dos vossos defeitos, sem cuidar que podia ter outros piores... E, com tais palavras, o príncipe levou a mão à toca e a arrancou. Mas, nisto surgiu a fada sensata que atalhando-lhe o gesto disse: – Ah, que se não sou eu, tinhas permanecido vaidosão! Mas, como estás curado do defeito, não há motivo para continuares orelhudo. Tira, portanto, a toca. E o príncipe assim fez, e as suas orelhas apareceram... rosadas e pequeninas. Ficaram muito contentes o rei, a rainha e o príncipe e, de futuro, o último, quando lhe chamava a atenção para as pernas tortas destes ou para a estupidez daquele, respondia: – Estás a precisar de umas orelhas de burro, amigo!


O FATO NOVO DO IMPERADOR


Era uma vez um rei muito vaidoso e que gostava de andar muito bem arranjado. Um dia vieram ter com ele dois aldrabões que lhe falaram assim: – Majestade, sabemos que gosta de andar sempre muito bem vestido – bem vestido como ninguém; e bem o mereceis! Descobrimos um tecido muito belo e de tal qualidade que os tolos não são capazes de o ver. Com um fato assim Vossa Majestade poderá distinguir as pessoas inteligentes dos tolos, parvos e estúpidos que não servirão para a vossa corte. – Oh! Mas é uma descoberta espantosa! – Respondeu o rei. Tragam já esse tecido e façam-me o fato; quero ver as qualidades das pessoas que tenho ao meu serviço. Os dois aldrabões tiraram as medidas e, daí a umas semanas, apresentaramse ao rei dizendo: – Aqui está o fato de Vossa Majestade. O rei não via nada, mas como não queria passar por parvo, respondeu: – Oh! Como é belo! Então os dois aldrabões fizeram de conta que estavam a vestir o fato, com todos os gestos necessários e exclamações elogiosas: – Ficais tão elegante! Todos vos invejarão! Como ninguém da corte queria passar por tolo, todos diziam que o fato era uma verdadeira maravilha. O rei até parecia um deus! A notícia correu toda a cidade: o rei tinha um fato que só os inteligentes eram capazes de ver.


Um dia o rei resolveu sair para se mostrar ao povo. Toda a gente admirava a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido, até que, a certa altura, uma criança, em toda a sua inocência, gritou: – Olha, olha! O rei vai nu! Foi um espanto! Gargalhada geral. Só então o rei compreendeu que fora enganado; envergonhado e arrependido da sua vaidade, correu a esconder-se no palácio.


O CALDO DE PEDRA


Um frade andava no peditório. Chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair de fome e disse: – Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela, como se a ver se era boa para o caldo. – Vou ver se faço um caldinho de pedra. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade: – Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa. Responderam-lhe: – Sempre queremos ver isso. Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, pediu: – Se me emprestassem um pucarinho… – Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro. – Agora, se me deixassem estar a panelinha aí, ao pé das brasas… Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele: – Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava a primor! Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. O frade provando o caldo: – Está um nadinha insosso. Bem precisa de uma pedrinha de sal. Também lhe deram o sal. Temperou, provou e disse: – Agora é que, com uns olhinhos de couve, ficava que até os anjos o comeriam.


A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves. O frade limpou-as e ripou-as com os dedos e deitou as folhas na panela. Quando os olhos já estavam aferventados, arriscou: – Ai! um nadinha de chouriça é que lhe dava uma graça!… – Trouxeram-lhe um naquinho de chouriço. Ele pô-lo na panela e, enquanto se cozia, tirou do alforge pão e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava bem que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço. Depois de despejada a panela, ficou a pedra no fundo. A gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe: – Ó senhor frade, então e a pedra? – A pedra… lavo-a e levo-a comigo para outra vez.


A VELHINHA E A CABAÇA


Era uma vez uma velhinha que vivia sozinha numa pequena casa junto a um bosque onde ela gostava muito de passear. Um dia, quando ia para o casamento da sua filha, teve que atravessar todo o bosque a pé. Ia ela a apreciar o passeio, quando encontrou uma raposa, que lhe disse: – Vou-te comer velhinha. – Não faças isso agora – respondeu a velhinha – é que eu vou ao casamento da minha filha, quando voltar venho mais gordinha. E a raposa deixou-a continuar o seu caminho. Um pouco mais à frente, encontrou um grande lobo. – Não passas aqui sem que eu te coma – disse o lobo. A velhinha respondeu: – Agora não, eu vou ao casamento da minha filha e vou voltar mais gordinha. E o lobo também a deixou ir embora. No casamento da filha, a velhinha divertiu-se muito e comeu muito também. Quando já estava para ir embora e voltar para casa, lembrou-se do lobo e da raposa que estavam à espera dela. Então contou a história à filha e ficaram as duas a pensar numa forma para a velhinha voltar para casa sem ser vista. Foram então à procura de alguma coisa onde a velhinha se pudesse esconder, experimentaram vários objetos, panelas, barris, e então encontraram uma grande cabaça onde ela cabia e conseguia espreitar para poder ver. No caminho de volta para casa, a velhinha ia rodando a cabaça. Quando passou pelo lobo eu perguntou: – Viste por ai uma velhinha? – Nem velhinha nem velhão, roda cabacinha, roda cabação – respondeu-lhe a velhinha.


E continuou o seu caminho escondida dentro da cabaça. Já ia um pouco mais descansada por ter conseguido enganar o lobo, quando a raposa se pôs no seu caminho. – Viste por ai uma velhinha? – perguntou-lhe a raposa. A velhinha respondeu: – Nem velhinha nem velhão, roda cabacinha, roda cabação Pouco depois, chegou a casa em segurança, bateu com a cabaça numa grande pedra que estava perto da porta e saiu de lá de dentro. A velhinha continuou a dar os seus passeios, mas noutro sítio do bosque para não se cruzar novamente com o lobo e a raposa e eles ainda hoje continuam à espera que a velhinha volte do casamento da filha.

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OS MÚSICOS DE BREMEN


Era uma vez um burro que, durante muitos anos, tinha transportado sem descanso sacos de farinha para o moinho. Agora, no entanto, estava cansado, tão cansado que já não conseguia fazer o trabalho. O dono pensou então em livrar-se dele. Apercebendo-se de que o vento não lhe soprava a favor, o burro fugiu e pôs-se a caminho de Bremen, pensando poder entrar para a banda de música da cidade. Já caminhava havia algum tempo quando encontrou um cão de caça estendido no chão. ― Ó cão, por que motivo é que estás assim? — perguntou o burro. ― Ah! ― suspirou o cão ―, é que estou velho e cada dia sinto menos forças. Como já não sirvo para caçar, o meu amo quis matar-me. Por isso fugi, mas agora como é que eu vou ganhar a vida? ― Olha ― disse o burro ―, eu vou para Bremen onde penso entrar na banda de música. Vem comigo e tentarei que entres também. Eu tocarei alaúde e tu timbale. O cão achou boa a ideia e continuaram juntos. Um pouco mais longe, encontraram um gato com cara de enterro. ― Ó gato, o que é que te anda a correr mal? ― perguntou o burro. ― E quem é que pode estar contente ― resmungou o gato ― sabendo que tem a vida por um fio? Estou a ficar velho e, como prefiro deitar-me ao pé do lume e ronronar a caçar ratos, a minha dona tentou afogar-me. Escapei a tempo, mas agora, o que vai ser de mim? ― Anda connosco para Bremen. Tu até percebes de serenatas, portanto podes entrar para a banda de música da cidade. O gato achou boa a ideia e lá foi com eles. Daí a pouco os três fugitivos passaram por uma quinta. Sobre a cancela, o galo cantava a plenos pulmões. ―Ei! Queres dar-nos cabo dos ouvidos? ― perguntou o burro. ― O que há contigo? ― Para hoje, anuncio bom tempo ― respondeu o galo. ― Mas como amanhã é domingo e haverá convidados, a dona da casa, uma mulher sem coração, mandou a cozinheira matar-me. Por isso estou a cantar com quanta força tenho e tenciono continuar enquanto puder.


― Anda daí, Crista Vermelha ― convidou o burro ―, acho melhor que venhas connosco. Nós vamos para Bremen, o que sempre é melhor do que ir parar à panela. Tens uma bela voz e, todos juntos, vamos dedicar-nos à música. A proposta agradou ao galo e lá foram os quatro. Mas, como a cidade de Bremen ficava longe, à noite entraram numa floresta onde decidiram passar a noite. O burro e o cão deitaram-se debaixo de uma grande árvore. O gato instalou-se nos ramos mais baixos. Mas o galo, por uma questão de segurança, preferiu empoleirar-se o mais alto possível. Antes de adormecer, olhou em todas as direcções e viu uma luz. Chamou os companheiros e disse-lhes que não muito longe dali devia haver uma casa porque se via luz. O burro sugeriu: ― Era melhor levantarmo-nos e continuarmos o nosso caminho, porque aqui não estamos muito bem instalados. Por seu lado, o cão declarou que um par de ossos com um pedacito de carne agarrada não lhe faria nada mal. Por isso o burro, o cão, o gato e o galo encaminharam-se para a luz que viam aumentar cada vez mais e, por fim, chegaram a um antro de ladrões que estava todo iluminado. O burro, que era o mais alto, aproximou-se da janela e espreitou lá para dentro. ― O que é que estás a ver, ó Cabeça Cinzenta? ― perguntou o cão. ― O que estou a ver? ― respondeu o burro. ― Estou a ver uma mesa coberta de coisas boas e vários ladrões sentados à volta dela, todos satisfeitos. ― Oh! De uma mesa assim é que nós precisávamos! ― exclamou o galo. ― É verdade! Se fôssemos nós à volta da mesa! ― suspirou o burro. Então os quatro animais puseram-se a pensar na maneira de expulsar os ladrões. Finalmente descobriram-na: o burro poria as patas dianteiras no rebordo da janela, o cão saltava-lhe para as costas, o gato trepava para cima do cão e, por fim, o galo voaria para cima da cabeça do gato. Feito isto, começaram o concerto. O burro a zurrar, o cão a ladrar, o gato a miar e o galo a cantar. Depois entraram pela janela, num grande estrondo de vidros. Ao ouvirem esta barulheira tremenda, os ladrões levantaram-se de um salto e, pensando que fosse um fantasma que tinha acabado de entrar, fugiram apavorados. Os quatro amigos sentaram-se à mesa e devoraram tudo, como se já não comessem há semanas.


Quando acabaram, os quatro músicos foram à procura de um bom sítio para dormir, cada qual segundo as suas preferências: o burro deitou-se no pátio em cima da palha, o cão em frente da porta, o gato em cima das cinzas ainda quentes da lareira e o galo empoleirou-se numa trave. Por volta da meia-noite, os ladrões viram que já não havia luzes. Tudo parecia calmo e, por isso, o capitão mandou um deles ir ver o que se passava dentro de casa. O homem encontrou tudo em silêncio. Foi à cozinha para acender a luz mas, tomando os olhos brilhantes do gato por brasas ainda acesas, aproximou deles um fósforo para avivar o lume. O gato não gostou nada da brincadeira. Saltoulhe à cara, bufando, e arranhou-o. O ladrão apanhou um valente susto e correu para a porta das traseiras para fugir. O cão, que estava lá deitado, saltou e mordeu-lhe numa perna. Ao passar pelo pátio, o burro deu-lhe um par de coices, e o galo, que tinha acordado com toda esta confusão cantou do alto do seu poleiro: ― Có-có-ró-cócó! O ladrão regressou a bom correr. Foi ter com o capitão e explicou-lhe: ― Lá em casa está uma horrível bruxa que me cuspiu para cima e me arranhou a cara com quanta força tinha. Diante da porta há um homem que me deu uma facada na perna. No pátio um monstro encheu-me de pauladas e, lá de cima, do telhado, um juiz gritou: “Tragam-mo cá já!” Consegui fugir por uma unha negra! Nunca mais os ladrões se atreveram a voltar àquela casa. Pelo contrário, os quatro músicos sentiram-se lá tão bem que nunca mais de lá quiseram sair.


OS SETE CORVOS

(


Era uma

vez um homem que tinha sete filhos, mas por mais que o

desejasse, nem uma só filha. Afinal, de novo sua mulher lhe comunicou a próxima vinda de uma criança; e, quando esta veio ao mundo, era realmente uma menina. Foi grande a alegria, mas a criança era pequena e franzina e, devido à sua fraqueza, precisou ser batizada às pressas. O pai mandou, com urgência, um dos meninos à fonte buscar água para o batismo, e os outros seis foram junto. Como cada um quisesse ser o primeiro a tirar água, o jarro caiu dentro do poço, e lá ficaram eles sem saber o que fazer, e nenhum se atrevia a ir para casa. Como nunca mais voltassem, o pai impacientou-se e disse: - Certamente, por causa de alguma brincadeira, esses meninos desalmados esqueceram-se da tarefa. E, temeroso de que a menina morresse sem ser batizada, exclamou, muito zangado: - Quisera que todos eles se transformassem em corvos. Mal pronunciara essas palavras, ouviu sobre a cabeça um ruflar de asas, olhou para o alto e viu sete corvos pretos como carvão que alçaram voo e partiram. Os pais não puderam tirar a maldição, mas, embora desolados com a perda dos sete filhos, encontraram algum consolo na querida filhinha, a qual logo adquiriu forças e, dia após dia, foi ficando mais bonita. Durante muito tempo, ela não soube que tivera irmãos, pois os pais tinham o cuidado de não lhe falar no assunto; até que um dia, por acaso, ouviu algumas pessoas dizerem que ela era uma menina muito bonita, mas, praticamente, a culpada da desgraça de seus sete irmãos. Ela então, consternada, foi perguntar ao pai e à mãe se tivera irmãos e o que fora feito deles. Os pais não puderam manter o segredo por mais tempo, mas disseram-lhe que aquilo fora um decreto do céu, e seu nascimento apenas o motivo inocente. Porém, a menina todos os dias sentia escrúpulos de ter sido a causa da desgraça de seus irmãos e achou que precisava salvá-los. E não teve mais sossego, até que um dia partiu secretamente e saiu pelo mundo fora, a fim de encontrá-los, onde quer que estivessem, e libertá-los.


Não levou nada consigo, a não ser um anelzinho de seus pais como lembrança, um pão para matar a fome, um jarrinho com água para saciar a sede e um banquinho para descansar. E foi andando, para longe, para longe, até ao fim do mundo. Chegou onde estava o sol, mas este era quente demais, assustador, e comia criancinhas. Fugiu então apressadamente e correu até à lua, mas esta era fria demais e também horrível e má. Ao notar a criança disse: - Sinto cheiro, sinto cheiro de carne humana. A menina foi-se embora depressa e chegou até às estrelas, que foram boas e gentis com ela. Cada uma estava sentada na sua cadeirinha; e a estrela d’alva, dando-lhe um ossinho de galinha, disse: - Sem este ossinho não poderás destrancar a porta da montanha de vidro, onde se encontram os teus irmãos. A menina pegou no ossinho, embrulhou-o muito bem num lenço, e partiu novamente, caminhando por muito tempo, até chegar à montanha de vidro. O portão estava trancado, e ela quis tirar o ossinho do lenço, mas quando o abriu estava vazio: ela perdera o presente das bondosas estrelas. Que fazer agora? Queria salvar os irmãos e não tinha a chave para abrir a montanha de vidro. A boa irmãzinha apanhou uma faca, cortou o dedo mindinho, introduziu-o na fechadura e, por felicidade, o portão abriu-se. Assim que ela entrou, um anãozinho veio ao seu encontro e disse: - Que procuras, minha filha? - Procuro os meus irmãos, os sete corvos – respondeu ela. Disse o anão: - Os senhores corvos não estão em casa, mas se quiseres esperar que voltem, então entra.


Em seguida, o anãozinho trouxe a refeição dos sete corvos em sete pratinhos e em sete copinhos, e de cada pratinho a irmãzinha comeu um bocadinho, e de cada copinho bebeu um golinho; mas no último copinho deixou cair o anelzinho que trouxera consigo. De repente, ela ouviu no ar o ruflar de asas e o crocitar. O anãozinho então disse: - Aí vêm chegando os senhores corvos. Eles chegaram, quiseram comer e beber e procuraram por seus pratinhos e copinhos. E, então, um após outro perguntou: - Quem comeu no meu pratinho? Quem bebeu no meu copinho? Foi a boca de um ser humano. E, quando o sétimo chegou ao fundo do copo, o anelzinho rolou ao seu encontro. Ele então viu-o, reconheceu-o como o anel de seu pai e de sua mãe e disse: - Deus queira que nossa irmãzinha esteja aqui, pois assim estaremos salvos. Quando a menina, que os espreitava atrás da porta, ouviu este desejo, adiantouse, e todos os corvos recobraram a forma humana. E, abraçaram-se e beijaram-se uns aos outros, e voltaram contentes para casa.


A PRINCESA E A ERVILHA


Era uma vez um príncipe que queria casar com uma princesa — mas tinha de ser uma princesa verdadeira. Por isso, foi viajar pelo mundo fora para encontrar uma, mas havia sempre qualquer coisa que não estava certa. Viu muitas princesas, mas nunca tinha a certeza de serem genuínas, havia sempre qualquer coisa, isto ou aquilo, que não parecia estar como devia ser. Por fim, regressou a casa, muito abatido, porque queria uma princesa verdadeira. Uma noite houve uma terrível tempestade; os trovões ribombavam, os raios rasgavam o céu e a chuva caía em torrentes — era apavorante. No meio disso tudo, alguém bateu à porta e o velho rei foi abrir. Deparou-se com uma princesa. Mas, meu Deus! o estado em que ela estava! A água escorria-lhe pelos cabelos e pela roupa e saía pelas biqueiras e pela parte de trás dos sapatos. No entanto, ela afirmou que era uma princesa de verdade. — Bem, já vamos ver isso — pensou a velha rainha. Não disse uma palavra, mas foi ao quarto de hóspedes, desmanchou a cama toda e pôs uma pequena ervilha no colchão. Depois empilhou mais vinte colchões e vinte cobertores por cima. A princesa iria dormir nessa cama. De manhã, perguntaram-lhe se tinha dormido bem. — Oh, pessimamente! Não preguei olho em toda a noite! Só Deus sabe o que havia na cama, mas senti uma coisa dura que me encheu de nódoas negras. Foi horrível. Então ficaram com a certeza de terem encontrado uma princesa verdadeira, pois ela tinha sentido a ervilha através de vinte edredões e vinte colchões. Só uma princesa verdadeira podia ser tão sensível. Então o príncipe casou com ela; não precisava de procurar mais. A ervilha foi para o museu; podem ir lá vê-la, se é que ninguém a tirou.


O FLAUTISTA DE HAMELIN


Há muito, muitíssimo tempo, na próspera cidade de Hamelin, aconteceu algo muito estranho: uma manhã, quando os seus gordos e satisfeitos habitantes saíram de suas casas, encontraram as ruas invadidas por milhares de ratos que iam devorando, insaciáveis, os grãos dos celeiros e a comida de suas bem providas despensas. Ninguém conseguia imaginar a causa de tal invasão e, o que era pior, ninguém sabia o que fazer para acabar com tão inquietante praga. Por mais que tentassem exterminá-los, ou ao menos afugentá-los, parecia ao contrário que mais e mais ratos apareciam na cidade. Tal era a quantidade de ratos que, dia após dia, começaram a esvaziar as ruas e as casas, e até mesmo os gatos fugiram assustados. Ante a gravidade da situação, os homens importantes da cidade, vendo perigar suas riquezas pela voracidade dos ratos, convocaram o conselho e disseram: - Daremos cem moedas de ouro a quem nos livrar dos ratos. Pouco

depois,

apresentou-se-lhes

um

flautista

taciturno,

alto

e

desengonçado, a quem ninguém havia visto antes, e disse-lhes: -A recompensa será minha. Esta noite não haverá um só rato em Hamelin. Dito isso, começou a andar pelas ruas e, enquanto passeava, tocava com sua flauta uma melodia maravilhosa, que encantava aos ratos, que iam saindo de seus esconderijos e seguiam hipnotizados os passos do flautista que tocava incessantemente. E assim ia caminhando e tocando, levou-os a um lugar muito distante, tanto que nem sequer se poderia ver as muralhas da cidade. Por aquele lugar passava um caudaloso rio onde, ao tentar cruzar para seguir o flautista, todos os ratos morreram afogados. Os hamelineses, ao se verem livres das vorazes tropas de ratos, respiraram aliviados. E, tranqüilos e satisfeitos, voltaram aos seus prósperos negócios e tão contente estavam que organizaram uma grande festa para celebrar o final feliz, comendo excelentes manjares e dançando até altas horas da noite.


Na manhã seguinte, o flautista apresentou-se ante o Conselho e reclamou aos importantes da cidade as cem moedas de ouro prometidas como recompensa. Porém esses, livres do seu problema e cegos pela sua avareza, reclamaram: - Saia de nossa cidade! Ou acaso acreditas que te pagaremos tanto ouro por tão pouca coisa como tocar a flauta?. E, dito isso, os honrados homens do Conselho de Hamelin deram-lhe as costas dando grandes gargalhadas. Furioso pela avareza e ingratidão dos hamelineses, o flautista, da mesma forma que fizera no dia anterior, tocou uma doce melodia uma e outra vez, insistentemente. Porem esta vez não eram os ratos que o seguiam, e sim as crianças da cidade que, arrebatadas por aquele som maravilhoso, iam atrás dos passos do estranho músico. De mãos dadas e sorridentes, formavam uma grande fileira, surda aos pedidos e gritos de seus pais que, em vão, entre soluços de desespero, tentavam impedir que seguissem o flautista. Nada conseguiram e o flautista levou-os para longe, muito longe, tão longe que ninguém poderia supor onde, e as crianças, como os ratos, nunca mais voltaram. E na cidade só ficaram os seus opulentos habitantes e os seus bem repletos celeiros e bem cheias despensas, protegidas por suas sólidas muralhas e um imenso manto de silêncio e tristeza. E foi isto que sucedeu há muitos, muitos anos, na deserta e vazia cidade de Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontrou nem um rato, nem uma criança.


O PRÍNCIPE SAPO


Um dia uma jovem princesa saiu para dar um passeio na floresta. Quando chegou a um lago,

parou para descansar um pouco. Ela tinha uma bola

dourada na sua mão, que era o seu brinquedo preferido. Atirava-a ao ar e voltava a apanhá-la. Até que a atirou tão alto que não a conseguiu agarrar. A bola rolou pelo chão e caiu no lago. A princesa queria apanhá-la, mas estava tão funda que a princesa nem a conseguia ver. Começou a lamentar-se e disse: - Se eu pudesse recuperar a minha bola, daria todas as minhas roupas, jóias, e tudo que eu tenho no mundo”. Nisto, um sapo colocou a cabeça fora da água, e disse: ~ - Eu não quero as tuas joias nem as tuas roupas. Mas se me amares e me deixares viver contigo e comer à tua mesa e dormir na tua cama, devolvo-te a bola. “Que disparate” pensou a princesa. “O sapo nunca poderá sair do lago e visitar-me, mas pode ser capaz de me devolver a bola e, por isso, vou concordar”. Então a princesa aceitou: - Se me deres a bola, farei tudo o que pedes. Então, o sapo mergulhou profundamente na água, e passado um momento surgiu com a bola na boca e lançou-a para a margem do lago. Assim que a princesa viu a bola, correu de volta para casa. Estava tão contente por ter de volta o seu brinquedo que não voltou a pensar no sapo. O sapo chamou-a mas ela não parou. No dia seguinte, quando ia jantar, a princesa ouviu bater à porta. Ali estava o sapo que ela tinha esquecido. A princesa assustou-se e tentou fechar a porta tão rápido quanto podia. O rei, seu pai, vendo que alguma coisa a tinha assustado perguntou-lhe o que se passava. Ela contou ao rei a promessa que tinha feito ao sapo.


Nesse momento, voltaram a bater à porta e ouviu-se uma voz: - Abre a porta, querida princesa. Então o rei disse à sua filha: - Tens que cumprir a tua palavra e deixá-lo entrar. Ela assim fez e o sapo entrou na sala, foi até à mesa e subiu para jantar. A princesa deu-lhe de comer num prato dourado. Depois de ter comido tanto quanto podia, o sapo quis ir para a cama. A princesa, contrariada, colocou-o na sua almofada onde ele dormiu durante toda a noite. Assim que nasceu o dia, o sapo saltou pela janela e saiu. “Já não terei de o ver mais” pensava a princesa. Mas quando chegou a noite, voltaram a bater à porta. O sapo entrou e voltou a jantar na mesa real e a dormir na almofada da princesa como na noite anterior. Na terceira noite fez o mesmo mas antes de a princesa adormecer, pediu-lhe: - Tens que me dar um beijinho. A princesa, apesar de incomodada, lembrou-se da promessa que tinha feito e das palavras do seu pai. Quando a princesa despertou na manhã seguinte, surpreendeu-se ao ver, no lugar do sapo, um príncipe a olhar para ela com os olhos mais bonitos que ela jamais tinha visto. Ele explicou-lhe que tinha sido enfeitiçado por uma bruxa que o transformou em sapo até que uma princesa o tirasse do lago, o deixasse comer na sua mesa, dormir na sua cama durante três noites e lhe desse um beijo. - Tu quebraste o feitiço e agora não posso desejar mais nada a não ser que venhas comigo para o meu reino, onde nos casaremos e onde te amarei para sempre - disse o príncipe. A jovem princesa não teve dúvidas e respondeu logo que sim. E então viajaram para o reino do príncipe onde viveram felizes para sempre


A BELA ADORMECIDA


Há muito tempo, viviam um rei e uma rainha que todos os dias diziam:“Ah, se nós tivéssemos uma criança!”, e nunca conseguiam uma. Aí aconteceu que, uma vez em que a rainha estava se banhando, um sapo rastejou para fora da água e disse- lhe “O seu desejo será realizado; antes que se passe um ano, você dará à luz uma menina”. Aquilo que o sapo dissera aconteceu, e a rainha teve uma menina que era tão formosa que o rei mal se continha de felicidade, e preparou uma grande festa. Ele não apenas convidou os seus parentes, amigos e conhecidos, como também as fadas, a fim de obter as suas boas graças para a criança. Havia treze delas em seu reino, mas como ele só possuía doze pratos de ouro, nos quais elas poderiam comer, uma delas teria de ficar em casa. A festa foi celebrada com toda a pompa e, quando chegou ao fim, as fadas presentearam a criança com dotes mágicos: uma com a virtude, outra com a formosura, a terceira com riqueza, e assim com tudo o que há de desejável no mundo. Quando as onze já tinham falado, entrou de repente a décima terceira. Ela queria vingar-se por não ter sido convidada e, sem cumprimentar ou mesmo olhar para quem quer que seja, exclamou aos brados: - A princesa deverá espetar-se num fuso, quando tiver quinze anos e cair morta. E sem dizer mais nada, virou as costas e deixou o salão. Todos estavam assustados, e então adiantou-se a décima segunda, que ainda não tinha feito seu desejo, e como não podia anular a maldição, mas apenas abrandá-la, ela disse: - A princesa não morrerá, apenas cairá num sono profundo que durará cem anos. O rei, que queria salvar a sua querida criança do infortúnio, ordenou que todos os fusos do reino inteiro fossem queimados. Na menina, entretanto,realizaram-se plenamente todos os dons das fadas, pois ela era tão bela,educada, gentil e sensata que todos que a viam não podiam deixar de gostar dela.


Sucedeu que, justamente no dia em que ela completava quinze anos, o rei e a rainha não estavam em casa, e a menina estava sozinha no castelo. Ela andou então por todos os cantos, examinou à vontade aposentos e câmaras, e finalmente chegou até uma velha torre. Subiu a estreita escada em espiral e deparou-se com uma pequena porta. Na fechadura havia uma chave enferrujada e, quando ela a girou, a porta abriu-se de um só golpe e lá, num quartinho, estava sentada uma velha com um fuso, fiando diligentemente o seu linho. - Bom dia, velha mãezinha - disse a princesa - o que a fazer aí? - Eu estou a fiar -

disse a velha, e balançou a

cabeça. - O que é isto que roda tão alegremente ? perguntou a menina e pegou o fuso querendo também fiar. Mal ela tinha tocado o fuso, na maldição realizou-se, e ela espetou-se no dedo.Mas, no mesmo instante em que foi picada, ela caiu na cama que ali estava, e foi tomada de um profundo sono. E este sono estendeu-se por todo o castelo: o rei e a rainha, que tinham acabado de chegar e entrado no salão,começaram a dormir, e com eles toda a Corte. Dormiram então também os cavalos no estábulo, os cães no pátio, as pombas no telhado, as moscas na parede, e até o fogo, que chamejava no fogão, ficou imóvel e adormeceu, e o assado parou de crepitar, e o cozinheiro, que queria puxar o seu ajudante pelos cabelos porque ele tinha feito uma coisa errada, soltou o menino e dormiu. E o vento assentou-se, e nas árvores defronte ao castelo nem uma folhinha se movia. Ao redor do castelo começou porém a crescer uma cerca de espinhos, que a cada ano ficava mais alta e que, por fim, estendeu-se em volta de todo o castelo e cobriu-o de tal forma que nada mais se podia ver dele, nem mesmo a bandeira sobre o telhado.


Começou então a correr no país a lenda da bela adormecida, pois assim era chamada a princesa, de modo que de tempos em tempos chegavam príncipes que tentavam penetrar no castelo através da cerca viva. Mas nenhum deles conseguiu, pois os espinhos estavam tão entrelaçados como se tivessem mãos, e os jovens ficavam presos neles e não conseguiam soltar-se, sofrendo uma morte lastimável.

Depois de muitos anos, chegou mais uma vez um príncipe ao reino e ouviu um velho que falava da cerca de espinhos e que havia um castelo atrás dela, no qual uma linda princesa,chamada Bela Adormecida, já dormia havia cem anos, e com ela dormia o rei e a rainha e toda a corte. Ele também sabia pelo seu avô que muitos príncipes já haviam vindo e tentado penetrar pela cerca viva de espinhos, mas haviam ficado presos nela e morrido tristemente. O jovem então disse: - Eu não tenho medo, eu quero ir lá e ver a Bela Adormecida.” O bom velho tentou dissuadi-lo de todos os modos, mas ele não deu ouvidos às suas palavras.Mas agora já tinham passado os cem anos e havia chegado o dia em que Bela Adormecida deveria acordar. Quando o príncipe se aproximou da cerca de espinhos, estes não eram agora mais do que flores grandes e bonitas que por si sós abriram-se, deixaram-no passar ileso e fecharam-se atrás dele, formando novamente uma cerca. No pátio do castelo, ele viu os cavalos e os cães de caça malhados deitados e dormindo, no telhado estavam pousadas as pombas, e tinham a cabecinha metida debaixo da asa. E quando ele entrou no palácio, as moscas dormiam na parede, o cozinheiro na cozinha ainda levantava a mão como se quisesse agarrar o menino, e a criada estava sentada diante da galinha preta que deveria ser depenada . Ele então continuou andando, e avistou no salão toda a corte deitada e dormindo, e lá em cima, perto do trono, estavam deitados o rei e a rainha. Aí ele continuou andando ainda mais, e tudo estava tão quieto que se podia ouvir a sua respiração,e chegou finalmente à torre e abriu a porta do quartinho, no qual Bela Adormecida dormia. Lá estava ela deitada e era tão bela que ele não conseguia desviar os olhos e ele inclinou-se e beijou-a.


Quando ele a tocou

com os lábios, a Bela Adormecida abriu os olhos,

acordou e olhou para ele amavelmente.Então os dois desceram e o rei acordou, e a rainha e toda a corte e olharam-se espantados. E os cavalos no pátio levantaram-se e sacudiram-se; os cães de caçam pularam e abanaram as suas caudas; as pombas no telhado tiraram a cabecinha de sob a asa, olharam ao redor e voaram para o campo; as moscas nas paredes recomeçaram a rastejar; o fogo na cozinha levantou-se, chamejou e cozinhou a comida; o assado voltou a crepitar; e o cozinheiro deu um tamanho tabefe no menino que este gritou; e a criada terminou de depenar a galinha. E aí foram festejadas com todas as pompas as bodas do príncipe com a Bela Adormecida e eles viveram felizes para sempre..


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