PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
ISADORA SZECKIR MARCANTE
UMA VISÃO INTERNACIONAL DE JOSÉ MUJICA: A NARRATIVA DO PORTAL DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO SOBRE O EXPRESIDENTE URUGUAIO
Porto Alegre 2015
ISADORA SZECKIR MARCANTE
UMA VISÃO INTERNACIONAL DE JOSÉ MUJICA: A NARRATIVA DO PORTAL DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO SOBRE O EXPRESIDENTE URUGUAIO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Me. Alexandre Claser Elmi
Porto Alegre 2015
ISADORA SZECKIR MARCANTE
UMA VISÃO INTERNACIONAL DE JOSÉ MUJICA: A NARRATIVA DO PORTAL DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO SOBRE O EXPRESIDENTE URUGUAIO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.
Aprovada em: ____ de _____________ de _______.
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________ Prof. Me. Alexandre Claser Elmi - PUCRS
_____________________________________ Profª. Drª. Ivone Maria Cassol - PUCRS
_____________________________________ Prof. Dr. Marco Antônio Villalobos - PUCRS
Porto Alegre 2015
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Cintia e Enio, e a minha irmã, Elisa, pelo apoio e pela compreensão durante o período de realização deste trabalho. À Caroline, Fernanda, Pamella e Vitória, pela amizade e pelas constantes afirmativas que todo esforço e afastamento seriam recompensados. Aos meus colegas e professores da Famecos, aos quais credito os meus momentos acadêmicos mais felizes. Em especial, ao meu orientador, Alexandre Elmi, pelo cuidado, pela paciência e pela motivação com os quais conduziu a reta final de minha trajetória universitária.
RESUMO
A presente monografia se dispõe a analisar como o portal do jornal O Estado de S. Paulo representa o ex-presidente uruguaio José Mujica sob a perspectiva do método da Narratologia. Considerando que o acesso ao tupamaro ocorre por meio das informações divulgadas por veículos de comunicação, a audiência conhece e formata uma visão de mundo a partir do que é oferecido pela imprensa. Por isso, decidiu-se analisar textos jornalísticos que retratassem José Mujica, veiculados uma semana anterior e uma posterior – entre 22 de fevereiro e 8 de março de 2015 – à posse do novo presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez. Mujica foi tratado como personagem que atua nas histórias produzidas pelo veículo selecionado. O foco deste trabalho é a caracterização de Mujica enquanto persona e, por isso, as matérias e reportagens examinadas foram consideradas como estratégias comunicativas. A partir da aplicação da Narratologia, observou-se que a representação do uruguaio foi, predominantemente, a mesma com a qual ele próprio se identifica, sem grandes divergências entre veículo e personagem.
Palavras-chave:
Comunicação.
Jornalismo
Personagem. O Estado de S. Paulo. José Mujica.
internacional.
Narratologia.
ABSTRACT
This paper intends to analyze from the Narratology perspective how O Estado de S. Paulo newspaper website represents the Uruguayan ex-president José Mujica. Since the access to this Tupamaro is through information released by the media, the audience gets to know and format a worldview from what is offered by the press. Therefore, it was decided to analyze newspaper articles which portrays of José Mujica, released a week before and a week after the inauguration of the new Uruguayan President Tabaré Vázquez - between February 22 and March 8, 2015. Mujica was treated as a character that acts in the stories produced by the selected vehicle. The aim of this work is the characterization of Mujica as persona and therefore the materials and reports examined were considered as communication strategies. From the application of Narratology, it was observed that the representation of the Uruguayan was predominantly the same as the one with which he identifies himself, with no major differences between vehicle and character.
Keywords: Communication. International journalism. Narratology. Character. Estado de S. Paulo. José Mujica.
A tolerância Ê o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo, somos diferentes (MUJICA, 2013).
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Características de José Mujica ............................................................... 34 Quadro 2 – Notícia de 23 de fevereiro de 2015......................................................... 41 Quadro 3 – Notícia de 26 de fevereiro de 2015......................................................... 43 Quadro 4 – Notícia de 28 de fevereiro de 2015......................................................... 45 Quadro 5 – Notícia de 28 de fevereiro de 2015......................................................... 46 Quadro 6 – Notícia de 28 de fevereiro de 2015......................................................... 48 Quadro 7 – Notícia de 1º de março de 2015 ............................................................. 49 Quadro 8 – Notícia de 1º de março de 2015 ............................................................. 51 Quadro 9 – Notícia de 1º de março de 2015 ............................................................. 52 Quadro 10 – Notícia de 1º de março de 2015 ........................................................... 54 Quadro 11 – Notícia de 1º de março de 2015 ........................................................... 55
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 JORNALISMO INTERNACIONAL E UM DISCURSO SOBRE O MUNDO ........... 12 2.1 UMA ESPECIALIZAÇÃO DO JORNALISMO .................................................... 12 2.2 ORDENAMENTO DO MUNDO E FORMA DE CONHECIMENTO .................... 17 3 UM OLHAR SOBRE A AMÉRICA LATINA ........................................................... 25 3.1 O JORNALISMO INTERNACIONAL EM O ESTADO DE S. PAULO ................. 25 3.2 JOSÉ ALBERTO MUJICA CORDANO, “EL PEPE” ........................................... 29 4 METODOLOGIA E ANÁLISE ................................................................................ 35 4.1 A NARRATOLOGIA .......................................................................................... 35 4.1.1 As personagens nas narrativas jornalísticas ................................................... 38 4.2 A NARRATOLOGIA APLICADA AO CASO O ESTADO DE S. PAULO ............. 40 4.2.1 Mujica em O Estado de S. Paulo .................................................................... 40 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 58 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 60 ANEXO A – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 2 .................... 63 ANEXO B – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 3 .................... 65 ANEXO C – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 4 .................... 68 ANEXO D – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 5 .................... 70 ANEXO E – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 6 .................... 72 ANEXO F – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 7 .................... 74 ANEXO G – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 8 .................... 76 ANEXO H – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 9 .................... 79 ANEXO I – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 10 .................... 82 ANEXO J – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 11 ................... 84
9
1 INTRODUÇÃO
Há quem diga que o jornalismo internacional surgiu no século 19, quando, em Londres, os periódicos impressos ampliavam suas áreas geográficas de interesse e de cobertura em razão da expansão do império colonial britânico. Mas, o jornalismo impresso – e o internacional, visto que era o único tipo de jornalismo conhecido – nasceu com o mercantilismo. Na época, a economia do Antigo Regime possibilitou a coleta e a difusão de notícias no século 17, através de informações políticas e econômicas que vinham de países vizinhos (NATALI, 2007). É nesse contexto que o jornalismo internacional começa a fundamentar sua relevância. Com o passar do tempo, a especialização se consolidou e passou a exigir do profissional inúmeras habilidades. Primeiro, são necessários conhecimentos embasados e específicos em política e em economia mundiais e dominar no mínimo mais dois idiomas para trabalhar na área, o que exige do profissional que se aventura no ramo internacional qualificações diferenciadas. Sendo assim, a editoria de internacional – presente em quase todos os jornais do mundo – desempenha um papel essencial à compreensão de fatos que ocorrem nos seis continentes afora. Não conferir relevância ao jornalismo internacional significa deixar à parte uma importação de conhecimentos imensos e de apreender a pluralidade existente em outros países. Há, portanto, uma característica intrínseca ao jornalista internacional: a subjetividade, embora seja sutil. A falta de objetivação pura deriva da pluralidade econômica, política, cultural e social presente no mundo. Assim como o país estrangeiro no qual o jornalista está trabalhando, o próprio profissional está imerso em economia, política, cultura e ambiente social diferenciados e particulares de seu país de origem. Percebe-se, portanto, que, ao cobrir eventos internacionais, o jornalista narra os acontecimentos a partir de uma visão de mundo pré-concebida. A influência geopolítica nas narrativas internacionais pode acontecer de diversas
maneiras,
entre
elas:
pelos valores
jornalísticos
que
determinada comunidade de jornalistas de um país compartilha; pela estrutura de cobertura montada pelos veículos de comunicação a partir de interesses geopolíticos, o que pode criar valores-notícia hierárquicos (operacionais) que guiam as decisões sobre como conduzir determinadas histórias; e pela formação cultural
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do jornalista e da sua capacidade de estabelecer conexões interpretativas, recuperar o histórico de um fato e organizar uma narrativa. (Informação verbal) 1 Dito isso em relação ao contexto da produção de conteúdo, o tema deste estudo surgiu a partir desta indagação: como o portal do jornal O Estado de S. Paulo representa o político uruguaio José Mujica? O portal do Estado de S. Paulo foi selecionado por ser um jornal de grande credibilidade no jornalismo brasileiro e, também, por ser um veículo conservador, com um histórico de oposição aos governos esquerdistas do país. A autora deste trabalho desejou, então, investigar se o Estado apresentaria à audiência uma personagem diferente daquela mostrada pelo próprio Mujica: um homem/político comum e simples, avesso às formalidades naturais a um presidente. Entretanto, cabe salientar a dificuldade em encontrar bibliografia nacional sobre jornalismo internacional. São raros os textos acadêmicos e científicos que versem sobre o assunto com um viés histórico, conceitual e particular. Natali (2007) e Silva (2011) trazem o olhar pesquisador tão difícil de encontrar em obras brasileiras. Fundamentar em alguma medida a relação entre mídia e geopolítica só foi possível devido ao trabalho Steinberger (2005), o qual demonstra como a audiência formata uma visão de mundo a partir das narrativas jornalísticas. Dessa maneira, os relatos oferecidos pela mídia foram tratados como narrativas, e o método da Narratologia foi a norteadora desta pesquisa, baseada em Motta (2013). O autor foi fundamental para entender como os indivíduos, enquanto personagens, são representados pelos veículos de comunicação. Para isso, fundamentou-se em Traquina (2008) para explicar a comunidade interpretativa na qual estão inseridos os jornalistas, e em Park (1966) e Meditsch (1997) para esclarecer como o mundo é conhecido através das práticas do jornalismo. A amostragem da análise é composta por textos de cunho jornalísticos do portal do jornal O Estado de São Paulo que possuem o ex-presidente uruguaio como personagem, independentemente de ser tratado ou não como protagonista dos eventos. Devido à data de posse do novo presidente do país sul-americano ser 1º de março, decidiu-se por examinar as notícias e reportagens veiculadas uma semana anterior e uma posterior à despedida de Mujica (de 22 de fevereiro a 8 de março de
1
Comunicação recebida via aula no segundo semestre de 2014 por Alexandre Claser Elmi.
11
2015). Os textos selecionados passaram pela análise das estratégias comunicativas e pela caracterização da personagem. A estrutura deste trabalho procura esclarecer, desde a história do jornalismo, as respostas ao problema de pesquisa. Sendo assim, o segundo capítulo contextualiza o jornalismo internacional e como a audiência formata uma visão de mundo a partir do conhecimento jornalístico que é oferecido a ela. O terceiro delineia a trajetória do Estado de S. Paulo e de José Mujica, enquanto atores nas narrativas jornalísticas. O quarto, por fim, explica a metodologia utilizada para examinar as publicações feitas pelo portal do jornal e apresenta o objeto estudado, a fim de evidenciar a persona do político nas narrativas do veículo. Observou-se que a representação do uruguaio foi, predominantemente, a mesma com a qual ele próprio se identifica, sem grandes divergências entre veículo e personagem, ressaltando que, apesar de haver uma constante busca pela objetividade, a subjetivação jornalística existe.
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2 JORNALISMO INTERNACIONAL E UM DISCURSO SOBRE O MUNDO
Neste capítulo, será caracterizado o jornalismo internacional como uma especialização do jornalismo a partir dos autores Natali (2007), Silva (2011), Aguiar (2008), Traquina (2005) e Wainberg (2006), e também analisar como a produção de conteúdo internacional formata uma determinada visão de mundo oferecida às audiências, usando as concepções de Steinberger (2005), Traquina (2008), Park (1966), Meditsch (1997) e Motta (2013), no caso, a construção da imagem pública do ex-presidente uruguaio José Mujica.
2.1 UMA ESPECIALIZAÇÃO DO JORNALISMO
Nesta
seção,
será
apresentado
o
jornalismo
internacional
e
sua
caracterização enquanto uma especialização do jornalismo. Ele surgiu pela primeira vez em Antuérpia, na Bélgica, em 1605. Mais de duas décadas depois, foi a vez de Paris recebê-lo. Em 1808, o Correio Braziliense é lançado em Londres por Hipólito José da Costa. Somente 272 anos depois é que o Brasil começou a importá-lo – era 1877, e iniciava-se a publicação de noticiário internacional por meio de telegramas enviados pelas agências de notícias. Essas geradoras de informação, espalhadas por diversos países, estrearam um pouco antes, em 1835, quando o jornalista francês Charles Havas criou a primeira agência de notícias de que se tem conhecimento, a Havas, transformada em AFP no póssegunda Grande Guerra. Natali (2007) é quem traz essa cronologia do jornalismo internacional no mundo. No Brasil, um dos marcos fundamentais ocorre em 1941: o Repórter Esso vai ao ar, no Rio de Janeiro, inaugurando a cobertura nacional na Segunda Grande Guerra Mundial. Embora breve, essa linha do tempo esboça a afirmação de Natali (2007) de que o jornalismo nasceu como jornalismo internacional. Ele tem sua origem no mercantilismo, quando “ocorreu o florescimento rápido dessas folhas de notícias impressas que eram vendidas a quem quisesse comprar e não mais circulavam dentro de um mesmo conglomerado comercial e financeiro” (NATALI, 2007, p. 22). Conforme o autor:
13 [...] Entre 1610 e 1645, esses jornais baseados em informações econômicas e políticas de terras estrangeiras já circulavam na Suíça, Áustria, Hungria, Inglaterra e França (primeiramente com a tradução dos corantos holandeses) [...] O jornalismo nasceu, isto sim, sob a forma de jornalismo internacional, com o formato de coleta e difusão de notícias produzidas em terras distantes (NATALI, 2007, p. 23).
À época, a produção dos conteúdos em cidades vizinhas e afastadas necessitava de alguém para anotar e reportar os acontecimentos aos jornais. Isto é, precisava-se de pessoas que fossem até os locais dos fatos para observação, análise
e,
posteriormente,
publicação.
Os
precursores
da
hoje
chamada
correspondência internacional, em uma época em que a profissionalização do jornalismo ainda era inexistente, “[...] foram pessoas que mandavam do exterior relatos pessoais, episódicos ou sistemáticos, para publicação em jornais que pertenciam ou a eles mesmos ou a seus amigos, parentes ou partidários políticos [...]” (SILVA, 2011, p. 25-26). Os veículos de comunicação do continente europeu foram os primeiros a deslocar jornalistas para coberturas internacionais, muito antes dos Estados Unidos. Silva (2011) afirma que, no século 19, a Europa era um dos principais centros de poder, econômicos e culturais da época. A proliferação desses profissionais aconteceu, então, a partir de 1835, em Paris, com a criação da agência Havas, atual AFP. Nessa época, aponta o autor, os acontecimentos políticos do continente europeu eram os que mais interessavam para a imprensa dos países da América, como Brasil, Estados Unidos e talvez os colonizados pelos espanhóis, [...] por servirem como referência para as contendas políticas e ideológicas do Novo Mundo. Assim, havia interesse dos jornais locais pela Primavera dos Povos, a Comuna de Paris e outros eventos momentosos da época que eram usados pelos jornalistas como pontos de argumentação para os seus embates aqui (SILVA, 2011, p. 27).
Nota-se, então, a relevância que um profissional de jornalismo internacional possuía nos anos de 1800, sendo imprescindível sua existência para haver noticiário. Em uma época até então sem redes, não havia alternativa senão cobrir os acontecimentos in loco. Para a cobertura internacional, a relação unidirecional que o correspondente mantém com determinado veículo é importante para o desenvolvimento de uma identidade para seu trabalho. Isto é, firmar contrato de trabalho com uma única
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empresa. Essa é a característica intrínseca ao correspondente internacional: o distanciamento entre suas reportagens e o país no qual está sediado, uma vez que não há compromissos sociais entre o jornalista e o país onde reside – eleições, por exemplo (SILVA, 2011). Nesse contexto, torna-se necessário estimar o tempo que se passará no exterior: se seis meses é pouco tempo para o jornalista familiarizar-se com a nova casa, mais de cinco anos as situações viram cotidiano, sem perspectiva e sem motivação para a cobertura internacional. É nessa sobreposição de anos trabalhando em um único país que o perigo reside, segundo o autor: E há a possibilidade de o correspondente “virar nativo”, como se diz entre os que exercem a profissão nos EUA: ou seja, passar a pensar e escrever como se o seu público-alvo não fosse o veículo para o qual trabalha, mas sim o do país onde está. Em consequência, o jornalista corre o risco de “perder o pulso” de sua audiência e, assim, desconectar-se dela. (SILVA, 2011, p. 43).
Em contrapartida à necessidade e à relevância de existirem repórteres que atuam como correspondentes internacionais para a descrição mais completa dos acontecimentos, as agências de notícias têm crescido cada vez mais, a fim de economizar gastos com as coberturas no exterior: elas representam entre 66 e 90% das notícias internacionais do Terceiro Mundo – a lógica de funcionamento do jornalismo contemporâneo é a do capital pós-industrial. A partir do século 19, a informação passa a ser reconhecida como uma troca de bens e serviços; é, em síntese, mercadoria (AGUIAR, 2008). Essa perspectiva foi fundamental para estabelecer um novo paradigma: os produtores de notícias passam a ser jornalistas, grupo social “[...] que reivindica um monopólio do saber – o que é notícia; e a comercialização da imprensa – a informação como mercadoria [...]” (TRAQUINA, 2005, p. 34-35). Assim, percebe-se a dois processos de evolução do jornalismo, segundo Traquina (2005): a comercialização da notícia, e a profissionalização dos jornalistas. Essas pragmáticas estão estabelecidas até hoje, a época do jornalismo contemporâneo. Aguiar (2008) atenta para esse fenômeno do jornalismo dos dias atuais: as empresas jornalísticas precisam diminuir custos, e os primeiros funcionários a serem dispensados são os que mais desfavorecem o orçamento: os correspondentes. O autor ainda ressalta a escassez de jornalistas deslocados a países. Faz alusão ao fato de que os correspondentes que restaram tiveram suas responsabilidades
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aumentadas, como, por exemplo, a jornalista de O Globo, baseada na Argentina, que cobre todos os países de origem espanhola e, quando não há possibilidade de deslocamento, fica dependente de informações prestadas por periódicos on-line. E esse é outro fator que agrava a manutenção de repórteres expatriados – a internet. Ela possibilita o acesso de qualquer lugar, a qualquer momento e em qualquer circunstância, como cita Aguiar (2008, p. 12): “[...] em tempos de comunicação em redes, o acesso a estes conteúdos é desterritorializado, tornandose homogêneo para qualquer ponto do globo interligado ao sistema [...]”. Natali (2007), por sua vez, reconhece a revolução que a internet causou ao jornalismo internacional:
Ela fez com que o redator abandonasse seu papel passivo diante dos telegramas das agências. Deu a ele um poder de intervenção inimaginável na elaboração mais pessoal de um texto noticioso. De certo modo, desapareceu ou se tornou bem mais tênue a fronteira que separava o redator do repórter. O redator também pode – e deve – apurar. (NATALI, 2007, p. 57).
Entretanto, o jornalismo internacional pode perder qualidade se utilizar a web como instrumento único de checagem. Uma vez que a ela é maleável e contém diversas informações a respeito do que acontece ao redor do globo, o chefe do veículo que possui correspondentes no exterior talvez acredite que a permanência deles não é indispensável, reduzindo esse grupo de jornalistas expatriados. Ao apurar os acontecimentos à distância, o jornalista tende a pré-mediatizar seu trabalho; isto é, a checagem de informações realizada através de outras mídias pode resultar em uma notícia simplesmente reprodutiva – discursos de outros jornalistas são reproduzidos. Isso pode prejudicar o processo de coleta e de produção de informação, uma vez que contextos e declarações podem ser retirados de suas intenções de sentido original, bem como as visões pré-concebidas a respeito de determinado assunto podem ser ratificadas (AGUIAR, 2008). É essa a questão que sustenta a importância de se investir em jornalismo internacional qualificado. Em artigo publicado pela Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, Wainberg (2006) avaliou a qualidade de recepção do noticiário internacional pelos porto-alegrenses. Constatou-se que a editoria de internacional é a impopular, uma vez que os entrevistados consideraram outras categorias mais importantes, ou acreditam que outros assuntos são mais urgentes, ou não
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demonstraram interesse em saber sobre os assuntos que acontecem ao redor do mundo. O autor trabalha com dois conceitos para ilustrar o que ele chama de “incompreensão do mundo” provocada pelo noticiário internacional: “sombra cognitiva” (carência de memória e dificuldade de estabelecer conexões entre fatos) e “recusa afetiva” (dificuldade de estabelecer ligação com o tema retratado). Aparentemente, entender esse noticiário sobre povos, realidades e ocorrências longínquas tem-se revelado missão difícil que demanda um gasto de energia que um percentual significativo dos indivíduos não deseja despender porque na verdade não consegue realizar. Há bloqueios cognitivos e afetivos evidentes. Por isso mesmo, ‘as ocorrências do mundo’ não freqüentam nem a intimidade das conversações nem dos rotineiros hábitos de monitoramento que usualmente as pessoas fazem do ambiente. Quando tais movimentos internacionais são observados, o são de forma superficial e efêmera. O olhar deste público sobre os fatos do mundo é distante, mais curioso que interessado. A informação internacional logo perece [...]. (WAINBERG, 2006, p. 50-51).
Uma vez que o jornalismo internacional possui pouco interesse pelo público, seja devido a sua complexidade ou a falta de proximidade geográfica com os acontecimentos, como argumenta Wainberg (2006), destinar recursos financeiros à boa cobertura internacional torna-se essencial para o veículo, como em casos de assuntos com relevância mundial, no caso, o governo do ex-presidente do Uruguai, José Mujica. Para isso acontecer, a apuração via web e a correspondência internacional devem trabalhar juntas, pois “o uso da Internet não substitui a existência de uma boa rede de correspondentes” (NATALI, 2007, p. 59-60). Essa combinação, se possível de ocorrer, atribui ao jornalismo internacional precisão na narração dos fatos: o correspondente pode verificar e analisar in loco os acontecimentos, mas também checar via internet a versão de outros veículos a respeito do mesmo assunto, bem como contar com os textos enviados pelos jornalistas das agências de notícias. Ainda sim, há uma linha que separa a correspondência internacional dos outros meios de apuração. O principal diferencial, segundo o autor:
[...] tem sido o fato de ter acesso direto às fontes primárias tecnologicamente inacessíveis (como o caso de pessoas humildes, ou em áreas remotas, ou à opinião de cidadãos na rua), além de poder descrever o “clima” local com precisão. No Jornalismo Internacional, o correspondente ou enviado é um repórter com função de ordem cognitiva: serve para evitar filtros, contornar discursos, além de conferir ao veículo um capital de credibilidade. (AGUIAR, 2008, p. 42-43).
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Apesar de correspondentes internacionais e enviados especiais não possuírem laços profundos com os países nos quais estão trabalhando, eles compartilham características entre eles, como camaradagem e, paralelamente, competição. Outros valores são ideia de coletividade, noção de hierarquia (sentimento de superioridade, seja pelo veículo que trabalha, pela posição na empresa ou pela nacionalidade), personalidade, formação acadêmica, entre outros. Pelas
razões
(correspondentes,
explicitadas,
enviados
e
investir
agências)
em
mostra-se
noticiário necessário
internacional e
urgente,
principalmente pela complexidade que os assuntos possuem. Muitas vezes, como visto, o público descarta esse tipo de notícia por falta de interesse, compreensão ou por não atribuir importância ao conteúdo. Contudo, quando há interesse por parte da audiência, deve-se ter cuidado com o objeto da notícia, alerta Aguiar (2008), pois o recorte dado a ele pela imprensa é decisivo para formatar a concepção de mundo do receptor.
2.2 ORDENAMENTO DO MUNDO E FORMA DE CONHECIMENTO
Nesta seção, será apresentada a importância do trabalho jornalístico para a conformação de visões de mundo que a audiência tem sobre a realidade. Embora o jornalismo permita criatividade e inovação ao narrar fatos à audiência, existe um modelo padrão de linguagem jornalística a ser seguido, que contempla a interação entre pergunta-resposta desenvolvida pelos profissionais. Steinberger (2005) traz essa afirmação e diz que tais perguntas – quem? O quê? Quando? Onde? Como? Por quê? – delimitam quais serão os perfis dos personagens da história contada. As respostas a esses questionamentos, diz Steinberger (2005), ao lado da credibilidade da fonte, produz imagens geopolíticas de mundo que são legitimadas pelos meios de comunicação. A partir do século 20, os perfis dos cenários internacionais, como Steinberger (2005) os chama, começaram a ser construídos. Nesse contexto, entra o conceito de “imaginário social”. A autora apresenta a contribuição que o conceito de imaginário social proporciona à audiência, a fim de separar os mundos vivido e relatado pela mídia. Essa concepção do que é imaginário social permite, então: [...] caracterizar um descolamento inevitável entre o mundo vivido e o mundo relatado. Até podemos viver na ilusão reducionista do vivido ao
18 relatado, uma vez que só o relatado se objetiva e se sujeita ao nosso controle. O campo do imaginário social é hoje a contrapartida de uma racionalidade técnico-discursiva que permite codificar, categorizar, classificar, formatar o mundo na lógica de conjuntos (STEINBERGER, 2005, p. 22).
O noticiário internacional enquadra-se dentro do sistema pós-modernomidiático – sistema no qual a produção dos discursos tem de lidar com as indeterminações entre fatos e manipulações. Steinberger (2005) afirma que essa nova ordem internacional é uma ordem internacional midiática, pois são a indústria cultural e os meios de comunicação de massa que configuram as mentalidades da audiência. Na dimensão cognitiva da nova ordem, “[...] a mídia é o mapa que articula nossa compreensão do mundo, sobrepondo-se às ordens militar, diplomática e acadêmica [...]”. (STEINBERGER, 2005, p. 25). Steinberger (2005) ressalta a importância dos meios de comunicação na formação do pensamento geopolítico internacional, uma vez que atua como mediador das batalhas de ideologias políticas. O papel dos meios de comunicação na constituição da opinião pública a respeito do que acontece no exterior está cada vez mais importante: “[...] Sem a mídia, tais movimentos não encontrariam tão rápida e eficazmente seu espaço de disseminação” (STEINBERGER, 2005, p. 27). Contudo, essa relevância dos media na formação do imaginário internacional não representa somente os interesses políticos dos países que têm suas histórias narradas. A própria mídia parte interessada (STEINBERGER, 2005, p. 28): [...] Como formadores de opinião, os jornalistas tendem inconscientemente a articular os fatos geopolíticos em sua linguagem tipicamente marcada pelo maniqueísmo e pelo sensacionalismo. Além disso, os processos econômicos e organizacionais de produção da notícia intervêm substancialmente em sua veiculação, desde a seleção das pautas [...], passando pela escolha das fontes e chegando ao dimensionamento da importância do fato na hierarquia do noticiário.
Para ocorrer, de fato, a formação de uma opinião pública internacional, são necessários quatro ‘requisitos’, os quais são as bases para essa construção de pensamento. Para Steinberger (2005), são estes: a) a formação acadêmica; b) a indústria cultural; c) os depoimentos vivenciados; d) a informação jornalística.
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A principal fonte de referência para a formação de opinião do público, dentre essas citadas, é a “informação jornalística”, como pontua Steinberger (2005). A matéria noticiosa narrada pelos jornalistas atua como norteadora do pensar geopolítica internacional, do entender e compreender as ações do mundo. Entretanto, essas notícias são produzidas a partir de concepções que cada veículo comunicacional possui. A partir disso, de maneira geral, [...] é a própria mídia que desempenha o papel de formadora de opinião dos nossos jornalistas, a mídia “de fora” e a mídia interna com maior poder de difusão. O efeito dessas práticas torna-se prosaico quando os fatos relatados estão dentro do nosso âmbito latino-americano. Muitas vezes somos levados a repetir informações sobre nós mesmos que são criadas e controladas por pontos de vista e interesses alheios aos do nosso subcontinente [...] (STEINBERGER, 2005, p. 30).
É através do que é exposto na mídia, seja tradicional – impresso, rádio e televisão –, seja alternativa – internet –, que se concebe uma visão do que é mundo internacional, que se constrói o imaginário geopolítico internacional, pois os veículos de comunicação “[...] não só traçam mapas do mundo; eles mesmos são os novos mapas pós-modernos que propõem roteiros de compreensão dos mundos, podendo indicar em que lugar estamos e quem somos [...]”, (STEINBERGER, 2005, p. 30). A autora afirma que o jornalismo internacional expressa o mundo através da mídia. [...] A idéia de que o mundo é produzido socialmente pela mídia jornalística já não contradiz a de que os jornais sejam representações de mundo. A ampla distribuição da informação jornalística permite que esse mundo seja partilhado por um enorme contingente de pessoas, que constroem seus mapas e leituras do lugar em que vivem segundo o sistema de referências que a mídia provê (STEINBERGER, 2005, p. 30).
Os mapas do mundo, mencionados por Steinberger (2005), são narrados por profissionais do jornalismo. Os jornalistas têm uma cultura profissional própria, que “[...] fornece um modo de ser/estar, um modo de agir, um modo de falar, e um modo de ver o mundo [...]” (TRAQUINA, 2008, p. 36), tornando, assim, imprescindível saber quem são esses produtores de notícias para poder compreender o que relatam. Traquina (2008) afirma que os jornalistas são pessoas de ação e não de pensamento, o que caracteriza a maneira particular de agir; que praticam o discurso, o que caracteriza a maneira de falar; e que constroem maneiras de ver os fatos, o
20
que caracteriza a maneira de ver o mundo. Mas a cultura jornalística possui outros atributos que complementam a profissão, a qual é, assim, [...] rica em valores, símbolos, e cultos, que ganharam uma dimensão mitológica dentro e fora da “tribo” e de uma panóplia de ideologias justificáveis em que é claramente esboçada uma identidade profissional, isto é, um ethos, uma definição da maneira como se deve ser (jornalista)/estar (no jornalismo) (TRAQUINA, 2008, p. 37, grifo do autor).
Essas
características compõem
o
que
Traquina
(2008)
chama
de
“comunidade interpretativa transnacional”. Comunidade interpretativa porque os jornalistas partilham referências comuns – como os modos de ser/estar, agir, falar e ver – e transnacional porque são referências compartilhadas por profissionais da área no mundo inteiro. Os jornalistas, a partir desses valores, realizam seus trabalhos, entre eles a construção da notícia e, a partir dela, o ordenamento do mundo de que fala Steinberger (2005), incluindo nesse processo a caracterização de personagens em narrativas internacionais. Essa construção noticiosa ocorre a partir da seleção de critérios de noticiabilidade. Existem diversos que podem ser utilizados, e sua empregabilidade depende do que será relatado. Esses critérios são, em síntese, “[...] o conjunto de valores-notícia que determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável [...]” (TRAQUINA, 2008, p. 63). Os valores-notícia são um código ideológico, segundo Traquina (2008), que se baseiam em um saber instintivo, não reflexivo. Eles subdividem-se em categorias que os profissionais consideram relevantes para a elaboração de uma notícia. O primeiro grande critério de noticiabilidade é a importância de determinando fato à população, ou seja, algo que merece ser narrado. É o que todos os jornalistas respondem quando são questionados. Contudo, o autor disserta sobre a existência de outros, como a simplificação (clareza), a dramatização, a continuidade, o inesperado, a infração (cometida por algum funcionário de uma organização ou por uma autoridade), a proximidade, a novidade, o tempo, a notabilidade e o conflito ou a controvérsia. Eles são escolhidos dependentemente do assunto que é reportado, e pode-se dizer que são o carro-chefe para a construção do material noticioso:
21 Os valores-notícia são um elemento básico da cultura jornalística que os membros desta comunidade interpretativa partilham. Servem de “óculos” para ver o mundo e para o construir [...] Mas os valores-notícia não são imutáveis, com mudanças de uma época histórica para outra, com sensibilidades diversas de uma localidade para outra, com destaques diversos de uma empresa jornalística para outra, tendo em conta as políticas editoriais. As definições do que é notícia estão inseridas historicamente e a definição da noticiabilidade de um acontecimento ou de um assunto implica um esboço da compreensão contemporânea do significado dos acontecimentos como regras do comportamento humano e institucional (TRAQUINA, 2008, p. 94-95).
Outra característica da comunidade transnacional é o sistema de valores que compartilha. Traquina (2008) fornece informações a respeito de um estudo representativo de cinco comunidades jornalísticas, realizado o longo dos anos 1990. Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Itália e Suécia participaram do projeto Media e Democracia, liderada pelos cientistas políticos Thomas Patterson e Wolfgang Donsbach. Na pesquisa, constatou-se que os jornalistas dos países analisados acreditam que os aspectos mais importantes de seu trabalho são “fornecer informação” e “descobrir problemas”. De acordo com os cinco países, o “bom jornalismo” é definido como “o exame rigoroso dos dois lados de uma disputa”. Eles também defendem que o jornalismo factual e menos interpretativo é a melhor alternativa. Essas situações – critérios de noticiabilidade e valores compartilhados –, segundo Traquina (2008), permitem perceber a existência de uma cultura profissional jornalística compartilhada pelos jornalistas oriundos dos mais diversos países. Portanto, afirma-se: [...] a comunidade jornalística é uma comunidade transnacional que partilha uma cultura profissional, cultura em que os jornalistas partilham critérios de noticiabilidade e um sistema de valores que fornece uma identidade profissional (TRAQUINA, 2008, p. 166).
A partir dessa concepção, o profissional de jornalismo, ao construir a notícia, oferece uma concepção de mundo ao público. Essa visão, formulada na mente da audiência a partir do que é veiculado pelos meios de comunicação, ocorre porque o jornalismo é, segundo Park (1996) e Meditsch (1997), uma forma de obtenção de conhecimento. A notícia assemelha-se à História e é inversa ao conhecimento sistemático das Ciências Exatas, como afirma Park (1966). Entretanto, não é História. Park (1966) pontua que a notícia não procura relacionar os acontecimentos
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a causas ou a explicações. O repórter registra os fatos; o historiador coloca-os em sequência para elucidar o passo e delinear o futuro. A notícia encontra-se entre o antes e o depois – é o agora: Como forma de conhecimento, a notícia não cuida essencialmente nem do passado nem do futuro, senão do presente – e por isso foi descrita pelos psicólogos como o “presente especioso”. Pode-se dizer que a notícia só existe nesse presente. O que aqui se entende por “presente especioso” é indicado pelo fato de ser a notícia, como o sabem os editôres da imprensa comercial, mercadoria sumamente perecível. A notícia só é notícia até o momento em que chega às pessoas para as quais tem “interêsse noticioso”. Publicada e reconhecida sua significação, o que era notícia se transforma em História (PARK, 1966, p. 175).
O conhecimento chega à audiência em forma de notícia. Ela, de caráter informacional, “[...] chega em forma de breves comunicações independentes, que podem ser fácil e rapidamente compreendidas [...]” (PARK, 1966, 175-176). O autor explica que, além de informar, a notícia conduz o público a entender o que está acontecendo. O repórter não precisa interpretar os fatos para a audiência compreender o que é relatado, ele apenas deve tornar o assunto “compreensível e interessante”. E a notícia é uma das primeiras formas de conhecimento que conquistaram dignidade científica, afirma Park (1966). Ela, enquanto forma de conhecimento, é tão velha quanto a Humanidade, senão mais, diz o autor. A notícia é tão importante que, conforme consegue nortear o mundo real às pessoas, “[...] tende a preservar a sanidade do indivíduo e a permanência da sociedade” (PARK, 1966, p. 183), e quanto mais os meios de comunicação se expandem, mais importante torna-se a notícia (PARK, 1966). O jornalista, pesquisador e professor Eduardo Meditsch apropria-se desses estudos e atenta para a situação explorada por Park (1966): Com tantas surpresas, com a descoberta de tantas limitações e ao mesmo tempo de tantas possibilidades novas no que já conseguimos saber, não é aconselhável descartar a priori qualquer das formas disponíveis de conhecer e re-conhecer o mundo, por mais limitada e singela que possa parecer. Daí a necessidade de se compreender melhor como funciona o Jornalismo como modo de conhecimento, e de investigar até que ponto ele não será capaz de nos revelar aspectos da realidade que não são alcançados por outros modos de conhecer mais prestigiados em nossa cultura (MEDITSCH, 1997, p. 6, grifo do autor).
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Meditsch (1997) afirma que o jornalismo é tanto uma forma de conhecer o mundo quanto de reconhecê-lo. O jornalismo revela os acontecimentos e explicita seus detalhes. O autor ratifica a diferença que Park (1966) estabelece entre as Ciências Exatas e o jornalismo: [...] Enquanto a ciência, abstraindo um aspecto de diferentes fatos, procura estabelecer as leis que regem as relações entre eles, o Jornalismo, como modo de conhecimento, tem sua força na revelação do fato mesmo, em sua singularidade, incluindo os aspectos forçosamente desprezados pelo modo de conhecimento das diversas ciências (MEDITSCH, 1997, p. 8).
O conhecimento através do jornalismo também se difere do conhecimento via ciência por uma particularidade: o contexto. A ciência isola essa composição; já a notícia, para possuir sentido, deve vir anexada a um contexto. Dessa maneira, “[...] o conhecimento produzido pelo jornalismo é mais sintético e mais holístico do que aquele produzido pela ciência” (MEDITSCH, 1997, p. 9). Apesar dessa característica intrínseca, o jornalismo como forma de obtenção de conhecimento está condicionado a outras variantes que o fazem único. Assim como qualquer outra maneira de se adquirir conhecimento, [...] aquela que é produzida pelo Jornalismo será sempre condicionada histórica e culturalmente por seu contexto e subjetivamente por aqueles que participam desta produção. Estará também condicionada pela maneira particular como é produzida (MEDITSCH, 1997, p. 10).
Em contrapartida, o autor não propaga o enfraquecimento da ciência enquanto forma de conhecimento. São maneiras de perceber e analisar o mundo de formas diferentes. São independentes, mas complementares: “[...] Por um lado, o Jornalismo como forma de conhecimento é capaz de revelar aspectos da realidade que escapam à metodologia das ciências [...]; por outro, é incapaz de explicar por si mesmo a realidade que se propõe a revelar [...]” (MEDITSCH, 1997, p. 9). O autor é categórico ao afirmar que o jornalismo, quando compreendido como forma de conhecimento e não como um meio de comunicação, aumenta o rigor sobre os conteúdos que produz, torna-se mais aperfeiçoado e preciso. Portanto, Meditsch (1997) ratifica que respeitar o jornalismo como forma de conhecimento é, também, elevar o nível de exigência sobre a formação dos profissionais, pois deixam de ser comunicadores e tornam-se (re)produtores de conhecimento.
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Essas informações coletadas e reestruturadas pelo jornalista darão ao leitor a capacidade de identificar personagens e acontecimentos que contextualizam as notícias. A partir da concepção de mundo oferecida à audiência através do conhecimento proporcionado pelo jornalismo, o receptor coconstrói os sentidos compartilhados entre ele e as narrativas (MOTTA, 2013), conforme será explorado no último capítulo deste trabalho.
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3 UM OLHAR SOBRE A AMÉRICA LATINA
Neste capítulo, será abordada a história do periódico jornalístico O Estado de S. Paulo, e como é retratado o noticiário internacional no veículo a partir da concepção de Severiano (2012), Aguiar (2008), Gomes (2012) e Pontes [20--]. O expresidente uruguaio José Mujica será analisado enquanto personagem de um cenário político específico a partir de Rabuffetti (2015), Percy (2015) e Mujica (2013).
3.1 O JORNALISMO INTERNACIONAL EM O ESTADO DE S. PAULO
Nesta seção, será analisada a criação e a permanência do periódico jornalístico O Estado de S. Paulo e, também, como está estruturada a editoria de Internacional do veículo de comunicação. A história do jornal remonta ao século 19. Em 1873, participantes da Convenção Republicana de Itú decidiram que era necessário existir um órgão de imprensa na capital paulista para defender os ideais republicanos (PONTES, [20--]). Surgiu para fazer companhia aos jornais monarquistas Correio Paulistano (18541963) e o Diário de São Paulo (1884-atualmente), afirma Severiano (2012). Dois anos depois, em 4 de janeiro de 1875, foi lançado o primeiro número do jornal A Província de S. Paulo. Segundo Severiano (2012), dois mil exemplares e quatro páginas saíram às ruas. O periódico não revelava explicitamente as intenções democráticas por trás das publicações, mas o editorial entregava o direcionamento político: fazer da sua independência ‘o apanágio’ de sua força (PONTES, [20--]). Antimonárquico, antiescravista e anticlerical (SEVERIANO, 2012). Após dez anos de existência, em 1885, formou-se uma polaridade nos bastidores do veículo. O sócio anti-lusitano Alberto Salles contratou o republicano Júlio Mesquita como redator do jornal. Salles foi obrigado a se afastar após os anunciantes portugueses realizarem boicotes à empresa. Em contrapartida, as posturas cidadã e republicana de A Província escondiam ideologias preconceituosas sob as mãos de Mesquita, ressalta Severiano (2012, p. 23): “[...] Como explicar que um jornal abolicionista acolha um redator racista? Talvez seja preciso considerar o abolicionismo sob o aspecto frio da economia: no nascente capitalismo, manter escravos dava prejuízo”.
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Com a proclamação da República, um ano depois da Abolição em 1888, o veículo adotou a nova nomenclatura dada às províncias – Estados. A Província de S. Paulo tornou-se O Estado de S. Paulo. Embora o Brasil fosse, então, republicano, os posicionamentos ideológicos do veículo eram intolerantes a problemas sociais (SEVERIANO, 2012). Como, por exemplo, em 1919, quando houve greve dos trabalhadores da cidade de São Paulo. Os grevistas pleiteavam regulamentação da jornada de trabalho de 8 horas diárias e a ilegalidade do trabalho para os menores de 14 anos. O jornal posicionou-se contra, conforme relata Severiano (2012, p. 24, grifo do autor): [...] o Estado chama a greve de “política e reacionária”. E a 26 de outubro de 1919 delata os grevistas, dizendo que só a polícia não viu ainda, no movimento, a maquinação de “anarquistas sem pátria e sem outro fim que a agitação”. Fará escola este preceito, transformar caso social em caso de polícia.
As posturas reacionárias do veículo, como afirma o biógrafo2 dos Mesquitas, continuaram: se antes apoiava a candidatura de Getúlio Vargas à Presidência, o início da década de 1930 o fez mudar de ideia. A Revolução de 1930 aconteceu e, após um Golpe de Estado, Vargas assume o comando da República no lugar de Júlio Prestes. Uma vez inconformada com o autoritarismo do então presidente, a empresa jornalística se preparou para a luta armada (PONTES, [20--]). Severiano (2012) afirma que, nos comícios, repetiam em coro que o atual presidente era o seu ‘inimigo maior’. Sete anos se passam, e Getúlio Vargas instaura o Estado Novo no Brasil. Era 1937, e o Estado de S. Paulo considera esse período histórico como a fase mais dura da ditadura do então presidente (PONTES, [20--]). Em 1940, tropas invadem a redação do Estado. A acusação: conspiração armada. Fernando Mesquita, então proprietário do jornal, foi preso e liberado por falta de provas, mas fica proibido de voltar às suas funções na empresa jornalística. Entre 1940 e 1945, o periódico foi administrado pelo governo ditatorial de Vargas, e, em dezembro, Júlio de Mesquita e Francisco
Mesquita reassumem
seus cargos no
jornal, recuperando
independência (PONTES, [20--]).
2
A identificação do biógrafo da família Mesquita não foi mencionada por Severiano (2012).
sua
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Quase duas décadas depois, em 1964, o Estado volta a ter impasses com a ditadura. Antes, apoiou o movimento militar que depôs o então presidente João Goulart por acreditar que o político não tinha autoridade para governar. Entretanto, entendia que a intervenção deveria ser passageira e, quando percebeu que os conservadores radicais haviam aumentado sua capacidade de influência, passou a ser oposição. O confronto entre Estado e ditadura não havia terminado. Horas antes do Ato Institucional de número 5 (AI-5), a publicação do dia 13 de dezembro 1968 foi impedida de circular devido a um artigo que criticava o presidente militar Costa e Silva. Em 1972, o jornal passa a veicular assuntos não usuais na primeira página ao invés de textos censurados (PONTES, [20--]). Nota-se, desse modo, uma trajetória jornalística conservadora do Estado que, de certa maneira, pode deixar marcas desse aspeto em suas narrativas, principalmente quando o periódico está diante de personagens ou histórias progressistas, uma vez que a presença desses indícios será, provavelmente, mais perceptível – seja por ordenamento de frases, fontes e citações feito pelo jornalista. Enquanto as reportagens locais eram proibidas pela ditadura militar, assuntos que não abordavam a temática ditatorial poderiam ser noticiados. Devido a isso, as décadas de 1960 e 1980 foram responsáveis pela exploração da editoria de internacional do Estado de S. Paulo. [...] Em diversas vezes, as limitações para noticiar assuntos domésticos impulsionaram a cobertura internacional, em planos freqüentemente metafóricos ou projetivos das situações internas. São indicativos de que o Jornalismo Internacional brasileiro serviu durante longo tempo para contornar a censura ou metaforizar os problemas nacionais [...]. (AGUIAR, 2008, p. 6).
Além de receitas de culinária e de poemas de Camões (PONTES, [20--]), o noticiário internacional tornou-se recorrente nas páginas do jornal entre 1964 e 1985. Mas foi em 22 de janeiro de 1961 que a relação entre o Estado e as notícias oriundas do exterior teve a primeira relevância de cobertura jornalística de fato. Severiano (2012) relata que um comando do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (Dril) rouba um paquete português no Caribe. A operação denominada Dulcineia pretendia chegar ao centro-sul do continente africano a fim de desorganizar um levante contra as ditaduras fascistas de Portugal e da Espanha. Eram 600 passageiros, 350 tripulantes, 24 revoltosos. Um oficial do navio levou um
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tiro e morreu. Uma semana após o episódio, “[...] repórteres de toda parte chegam, armados de câmeras, canetas e papel. O Estadão despacha dois enviados especiais [...]” (SEVERIANO, 2012, p. 222, grifo do autor). A editoria de internacional estava ganhando força: era necessário enviar jornalistas a países estrangeiros para cobrir acontecimentos considerados relevantes. E ela cresceu. A editoria de internacional no Estado de S. Paulo conta com o trabalho de dez pessoas. São eles: 1 editor; 1 subeditor; 1 pauteiro; 6 redatores-repórteres e 1 plantonista. Até 2012, o jornal possuía 6 correspondentes fixos; hoje, são 4. Eles estão distribuídos na América Latina (Buenos Aires), nos Estados Unidos (Washington) e na Europa (Paris e Genebra). Os postos de Nova Iorque, nos Estados Unidos, e em Pequim, na China, foram fechados. E eles não deixaram de existir por acaso. Para radicar jornalistas em país estrangeiro, é necessário logística, influência geopolítica e notícias importantes constantemente. O posto de Washington, por exemplo, cobre acontecimentos relacionados ao governo e à economia dos Estados Unidos; o de Genebra, ações referentes à Organização das Nações Unidos (ONU), como direitos humanos, das crianças, etc. (Informação verbal)3 Observa-se uma cobertura voltada à política internacional, por assim dizer. Dessa forma, o veículo assina textos de grandes agências de notícias, como Associated Press (AP), Agence France-Presse (AFP), EFE e Reuters (GOMES, 2012). Desse material, também são publicados análises e artigos que compõem a tradicional cobertura internacional do Estado de S. Paulo. (Informação verbal) 4 Apesar de ser uma editoria de característica inicialmente impressa, após o advento da internet, o jornal começou a trabalhar de maneira integrada ao portal, mas mais como um complemento – relata acontecimentos que não são contados no papel. Além da manutenção do site do Estado, há a do Radar Global, o blog internacional do jornal. Nele, são narradas histórias de política a curiosidades. Há, então, uma conversa entre esses três elementos (impresso, portal e blog) que compõem a estrutura de cobertura internacional do Estado de S. Paulo. (Informação verbal)5
3
Comunicação recebida via aula no segundo semestre de 2014 por Alexandre Elmi. Comunicação recebida via aula no segundo semestre de 2014 por Alexandre Elmi. 5 Comunicação recebida via aula no segundo semestre de 2014 por Alexandre Elmi. 4
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O veículo paulista é, sem dúvidas, um dos que mais possui credibilidade em Jornalismo Internacional no Brasil. Quem comprova essa afirmação é Severiano (2012), ao estabelecer uma comparação entre Estadão e The New York Times: são equivalentes em importância, diz o autor – o jornal americano é um dos mais influentes do mundo e o nytimes.com é o site jornalístico que possui o maior número de leitores ao redor do globo (MOLINA, 2008). 3.2 JOSÉ ALBERTO MUJICA CORDANO, “EL PEPE”
Nesta seção, será analisada a trajetória do ex-presidente uruguaio José Mujica enquanto figura política, e também como a conjuntura do país em que vive contribuiu para a sua atividade como Chefe do Poder Executivo nacional, criando o cenário dentro do qual a personagem será analisada. José Alberto Mujica Cordano não poderia ser natural de outro país senão o Uruguai – uma nação com raízes democráticas profundas. Ele nasceu em 20 de maio de 1935, durante a ditadura colorada no país (1933-1938). Apesar de ser conhecido como Pepe – apelido dado aos “Josés” uruguaios – ou simplesmente Mujica, também atende pelos codinomes Ulpiano, Emiliano e Comandante Facundo. Tinha 37 anos quando foi preso pela última vez. Passou 14 anos privado de liberdade. Torturado, estava encarcerado na Penitenciária de Punta Carretas, em Montevidéu. Quando escapou da prisão pela primeira vez, decidiu empunhar armas. Tornou-se o guerrilheiro líder da Coluna 10 do Movimento de Libertação NacionalTupamaros. O grupo participou de lutas armadas, roubos, sequestros e assassinatos. Pepe foi preso novamente. Com a redemocratização do Uruguai em 1985, foi liberto. Optou por outros caminhos. Desejou mudar a nação em que vivia de outra maneira – através da política (RABUFFETTI, 2015). Em 1960, a situação política uruguaia era instável. A democracia estava perdendo forças, e a instauração do totalitarismo era iminente. A disputa entre capitalismo e comunismo aumentou e atingiu seu ápice. Como destaca Rabuffetti (2015), essa situação mundial, aliada à vida cômoda e muitas vezes luxuosa dos latifundiários uruguaios, permitiu o surgimento da organização tupamara. Durante esses anos,
30 [...] o Uruguai se dividia em classes sociais bem definidas. Havia um setor rural latifundiário unido a industriais que constituíam a classe alta. Uma classe média, principalmente urbana, estava concentrada em Montevidéu e abastecia pelos empregos proporcionados por um setor público gigantesco, à qual se somavam também alguns comerciantes. A classe média baixa vivia com o dinheiro contado, como na casa de Mujica. E a base, uma ampla maioria da população com pouquíssimos recursos, era composta por operários com salários muito baixos e trabalhadores rurais com direitos precários (RABUFFETTI, 2015, p. 72).
A revolução que propunha o Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros estava ligada à perspectiva ideológica de redistribuição de terras. A explicação para a aparição da guerrilha tupamara foi um processo natural, uma vez que os integrantes do futuro grupo se reuniam “[...] em torno de objetivos comuns e de uma visão pessimista das reais possibilidades oferecidas pelo sistema vigente de eleições e de partidos no Uruguai [...]” (RABUFFETTI, 2015, p. 79). Para o grupo, a luta armada poderia ser justificada por vários motivos, mas os principais seriam a justiça social e a redistribuição de riqueza. Nesse contexto, realizaram assaltos a bancos e a agências financeiras, a fim de descobrir documentos que revelassem negócios ilegais com autoridades políticas (RABUFFETTI, 2015). Surgiram, a partir dessas ações, questionamentos a respeito das intenções do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaro – se desejava ou não migrar para a política. Os ex-integrantes do grupo explicaram que, para isso, o objetivo principal era chegar ao poder ao lado da população e, para eles, “[...] isso queria dizer que o povo, entendido como coletivo social, havia sido privado do poder que lhe cabia por direito [...]” (RABUFFETTI, 2015, p. 87). E isso aconteceu, anos depois. Nos anos 1980, um plebiscito foi realizado para que os cidadãos decidissem se o regime instaurado pelos militares deveria continuar. A população compareceu e quase 60% dos eleitores disseram “não” à permanência da ditadura uruguaia, segundo Rabuffetti (2015). O governo estava deslegitimado pelo povo uruguaio. Com a redemocratização do país, o Movimento de Libertação NacionalTupamaro se reinseriu nas atividades sob nome e ações diferentes. Em 1989, o Movimento de Participação Popular (MPP) configura-se como partido político. Longe das armas, mas com antigas ambições: promover a justiça social e redistribuir riquezas. Para isso, era inevitável investir na disputa eleitoral, “[...] oferecendo a força e o carisma de seus principais representantes vivos como candidatos a cargos eletivos. Entre eles, claramente se destacava José Mujica” (RABUFFETTI, 2015, p. 106).
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Eleito deputado em 1994, senador em 2000, reeleito em 2004 como parlamentar mais votado, ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca de 2005 a 2008. Em 2010, presidente. O primeiro presidente após o período de redemocratização sem graduação (PERCY, 2015) venceu as eleições ao cargo mais alto do Executivo uruguaio em 2009, em um segundo turno acirrado – 52,59% dos votos foram para Mujica contra 47,41% para o ex-presidente Luis Alberto Lacalle Herrera, do Partido Nacional. Para o autor, existem seis razões que levaram Pepe Mujica a assumir o cargo de Presidente da República do Uruguai. São elas (RABUFFETTI, 2015): a) idiossincrasia dos uruguaios; b) história política do país; c) capacidade para se expressar e argumentar suas ideias; d) capacidade de se comunicar em linguagem simples; e) reconhecimento dos próprios erros. Os motivos para a chegada do ex-guerrilheiro ao posto mais alto da política republicana são fundamentais para entender o que representa Pepe Mujica e o país em que está inserido. O Uruguai político foi construído a base do batllismo. Essa corrente de pensamento econômica, cuja inspiração está no presidente e jornalista José Batlle y Ordóñez, é uma espécie de republicanismo liberal, afirma Rabuffetti (2015): combinação entre os princípios de igualdade, liberdade e fraternidade oriundos da Revolução Francesa e os de respeito ao liberalismo. Essas características assemelham-se ao governo de Mujica. A principal diferença entre eles, no entanto, é a importância da participação do Estado no capitalismo – Batlle y Ordóñez era estadista, e Mujica é descrente do Estado. O princípio básico do governo de ambos era proporcionar equilíbrio social, mas, para o ex-guerrilheiro, o Estado deve intervir na economia para defender interesses coletivos (RABUFFETTI, 2015). Mujica disse que “[...] as repúblicas não foram criadas para nutrir-se do rebanho, mas, ao contrário, são um grito na história para servirem à vida dos próprios povos e, portanto, devem lutar pela promoção das maiorias”, lembra Rabuffetti (2015, p. 198). Dentro dessa perspectiva, há uma frase, diz o autor, que define o Uruguai: aqui ‘naides’ é mais que ‘naides’. Isto é: “aqui, ninguém é mais que ninguém”. E Mujica pode se valer dessa sentença para caracterizar a sua vida. O ex-presidente e atual senador vive de maneira austera há mais de 40 anos, como ele mesmo diz. Partilha com a nação que o fez Chefe do Executivo a solidariedade, mas tem outros
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valores naturais do povo uruguaio: simplicidade, igualdade e humildade. Essas características, combinadas à figura de caudilho6 de Mujica, contribuíram para o sucesso mundo afora do então presidente do Uruguai. Mas a chave para o sucesso de Mujica é a comunicação. Após o episódio em que o uruguaio Luis Suárez mordeu o italiano Giorgio Chiellini durante um jogo da Copa do Mundo no Brasil em 2014, o ex-guerrilheiro demonstrou indignação com a punição dada ao jogador pela FIFA (RABUFFETTI, 2015). Em conversa com a imprensa uruguaia em Montevidéu, disse: “Não o escolhemos para ser filósofo, mecânico nem para ter bons modos. É um excelente jogador”. A escolha da primeira pessoa do plural para se referir a essa e a outras situações torna o gesto coletivo. Isso, diz Rabuffetti (2015), atribui o sentimento e a compaixão pelo jogador à população. É a essa habilidade de comunicação que se refere o autor. A maneira de se aproximar dos outros como se fosse um cidadão uruguaio comum, sem privilégios ou status relativos a um político com significativa relevância. É por isso que Mujica mantém seus níveis elevados de popularidade e de tolerância aos erros cometidos. Para uns, marketing político; para outros, realidade. Nesse contexto, a vida política do ex-guerrilheiro está vinculada com sua vida pessoal (RABUFFETTI, 2015). O José Alberto é austero, humilde, dirige um fusca azul de 1987 e vive em uma casa simples. José Mujica, também. É difícil distanciar a figura de Pepe presidente e Pepe cidadão. A linha é tênue. Rabuffetti (2015) lembra que Mujica é um homem com declaração patrimonial que ultrapassa pouco mais que 300 mil dólares, doa 87% de seu salário de quase 14 mil dólares ao partido e a programas sociais, não possui curso superior e é ex-guerrilheiro. Muitos não compreendem sua maneira de viver e, em uma declaração à repórter Lucía Newman, da emissora Al Jazeera, em 2013 (citado por RABUFFETTI, 2015, p. 43), ele disse: Pobres são os que me descrevem. Minha definição é a de Sêneca: pobres são os que necessitam de muito; se precisa de muita coisa, é insaciável. Eu sou sóbrio, não pobre. Sóbrio. Com a bagagem leve. Viver com pouco, com o imprescindível. E não estar muito amarrado a questões materiais. Por quê? Para ter mais tempo. Mais tempo livre [...] para poder fazer as coisas de que eu gosto. A liberdade é ter tempo para viver. Então, há uma filosofia de vida na sobriedade que eu pratico. Mas não sou pobre.
6
Líder carismático e popular que congrega pessoas a seu redor.
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Essa maneira de ser e agir contribuiu para haver identificação dos eleitores para com o então candidato à Presidência. Mujica governa pela intuição e pelo olfato políticos, diz Rabuffetti (2015). Segundo o autor, o ex-guerrilheiro “[...] sabe que há muitos anos que sua forma de ser e a maneira como se apresenta permitem sustentar
ideias
tanto
quanto
as
ações
que
executa
como
governante”
(RABUFFETTI, 2015, p. 48). Pepe Mujica é o mandatário uruguaio que mais concedeu entrevistas a veículos de comunicação internacionais, afirma Rabuffetti (2015). A partir de uma legislação, responsabilizou ao Estado a regulamentação do mercado da maconha, legalizou o aborto e o casamento entre casais homoafetivos. Em entrevista conduzida pelo jornalista da Zero Hora Léo Gerchmann, em 27 de novembro de 2013 em sua casa em Montevidéu, o ex-presidente falou sobre seus sonhos na época do movimento tupamaro que pôs em prática: Creio que a motivação da preocupação social, de tratar de contribuir para conseguir uma sociedade com melhores relações humanas, mais justa, mais equitativa, onde o "meu" e o "teu" não separe tanto as pessoas. Essa maravilhosa aventura que é a vida, que, por ser tão cotidiana, as pessoas não se dão conta. Só valorizam o que têm. Estar vivo é quase um milagre. Procurar que as pessoas estejam o mais felizes possível. Essa é uma causa nobre.
Embora tenha investido na expansão das liberdades individuais, sua principal motivação, segundo Rabuffetti (2015), era buscar a igualdade de oportunidades. As diferenças entre ricos e pobres, na visão de Mujica, diz o autor, são a raiz dos males sociais. Mujica (2013) revelou que a aprovação da lei sobre o casamento igualitário e a legalização do aborto ajudam a sociedade a ser mais justa, mas não são a causa essencial: “[...] Um homem de cor discriminado, se é pobre, aí sente a discriminação. Se é rico, não tem problema [...]. A contradição fundamental segue sendo a das classes sociais”. E o tupamaro não recua ao cometer erros: afirma que um político deve ter a honradez intelectual de admitir quando fracassa (PERCY, 2015). A partir das concepções apresentadas, podem-se perceber algumas características da persona de José Mujica. Isto é, aquelas que qualificam o expresidente enquanto político. São elas:
34 Quadro 1 – Características de José Mujica
Ordinário (comum)
Simples
Celebridade
Humilde
internacional Inovador
Revolucionário
Democrata
Pacificador
Tolerante
Integrador
Humano
Progressista
Culto
Popular
Comunicador
Austero
Anticonsumismo
Heterodoxo
Altruísta
Contrário a imposições
Ativista
Preocupado com o
Libertário
Feliz
social Fonte: Adaptado pela autora com base em Rabuffetti (2015), Percy (2015) e Mujica (2013)
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4 METODOLOGIA E ANÁLISE
Neste capítulo, será apresentado o método da Narratologia, o qual foi base para análise do objeto de estudo do presente trabalho. A partir das concepções de Motta (2007; 2013) e Reis (2006), será caracterizada a teoria da narrativa, com ênfase naquela voltada às práticas jornalísticas. Para a análise da narrativa jornalística, foram selecionadas 10 reportagens a respeito da personagem José Mujica, que contemplam uma semana anterior e uma posterior à sua saída do cargo de Presidente da República uruguaia.
4.1 A NARRATOLOGIA
A vida em sociedade e a dos sujeitos que a constituem são formadas a partir de narrativas. Os homens constroem seu próprio mundo através de narrativas (MOTTA, 2013). As narrações traduzem os conhecimentos objetivos e subjetivos em relatos (MOTTA, 2007) e são compostas por conflitos, chamados por Motta (2013) de acontecimentos-intriga. À teoria narrativa atribui-se o nome de Narratologia, a qual se debruça a estudar as práticas culturais: compreender e demarcar as identidades dos seres humanos (MOTTA, 2013). A partir dessa técnica de análise, é possível interpretar a configuração de enredos e intrigas e quais estratégias de linguagem foram utilizadas pelo narrador, bem como a intencionalidade por traz da seleção das personagens e a trama maior que compõem o(s) relato(s). A narrativa, para Motta (2013, p. 71), [...] põe naturalmente os acontecimentos em perspectiva, une pontos, ordena antecedentes e consequentes, relaciona coisas, cria o passado, o presente e o futuro, encaixa significados parciais e sucessões temporais, explicações e significações estáveis. Faz o agenciamento dos fatos no processo de tessitura da intriga como um sistema, ou composição em um todo diegético que tem princípio, meio e final [...].
Esses acontecimentos-intriga são vividos por personagens, não por pessoas, ainda que muitas delas tenham correspondentes na vida real. Isto é, a personagem de um fato pode existir enquanto cidadão, mas quem está presente nas narrativas é a persona e não a pessoa desse indivíduo – ainda que o fato narrado seja jornalístico: verossímil e o mais objetivo possível. As personagens, no dizer de Motta
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(2013), performam os acontecimentos relatados e realizam atividades que seres humanos concretos também realizam. Motta (2013, p. 72) salienta que, “[...] Ao narrar, alguém está explorando na sua imaginação possíveis desenvolvimentos (reais ou ficcionais) das condutas e comportamentos humanos, que os teóricos chamam de atividade mimética (ou imitação)”. A relevância das personagens que compõem a trama narrativa está ancorada no interesse do leitor em saber qual será o destino desses atores, dando continuidade à progressão da narrativa (REIS, 2006). Assim, as narrativas, sejam elas factuais ou fictícias, não são transmitidas ingenuamente, tampouco são obras fechadas. Cada personagem, por exemplo, foi selecionada pelo autor/jornalista com base em um conjunto de táticas que formulam a narrativa. Os acontecimentos são contados a partir de estratégias enunciativas que buscam atrair e envolver a audiência, trazê-la para “[...] o jogo da coconstrução compartida de sentidos [...]” (MOTTA, 2013, p. 11), e estão em “[...] constante elaboração e reelaboração pelos coatores ou coautores envolvidos” (MOTTA, 2013, p. 12). A partir desses enunciados, os interlocutores tornam-se capazes de sequenciar os fatos ordenadamente e fazer conexões entre as diversas situações que decorrem dos relatos, facilitando, portanto, sua compreensão do mundo, afirma Motta (2007). [...] Narrar é uma forma de dar sentido à vida. Na verdade, as narrativas são mais que representações: são estruturas que preenchem de sentido a experiência e instituem significação à vida humana. Narrando, construímos nosso passado, nosso presente e nosso futuro. As narrativas criam o ontem, fazem o hoje acontecer e justificam a espera do amanhã [...] (MOTTA, 2013, p. 18).
Para construir essas ligações entre passado, presente e futuro, as narrativas precisam determinar um sentido à audiência. Portanto, não são impensadas, conforme Motta (2007). Toda e qualquer narrativa possui intencionalidades, “[...] são uma forma de exercício de poder e de hegemonia nos distintos lugares e situações de comunicação [...]” (MOTTA, 2007, p. 145). A partir disso, Motta (2013) defende que todo discurso é um poder que se estabelece entre quem fala e quem escuta. Portanto, as narrativas não podem ser consideradas como simples representações da sociedade uma vez que participam de jogos de linguagem e realizam ações socioculturais, sendo possível, a partir de seu estudo, compreender mitos, ideologias
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valores e políticas das sociedades (MOTTA, 2007). Isto é, elas ajudam a constituir a realidade humana, seja ela factual ou não. Embora nenhuma narrativa seja livre de intencionalidades, a jornalística é a que menos trabalha subjetivamente. Para poder traduzir o relato da maneira mais fiel possível, o narrador procura convencer a audiência que aquilo que transmite é real, fidedigno à realidade. Ele escreve de maneira dessubjetivada. Isto é, busca relatar os acontecimentos com objetividade, neutralidade e imparcialidade. A narrativa se configura a partir do frequente uso de depoimentos, estatísticas, dêiticos (referências espaço-temporais, como ‘aqui’, ‘lá’, ‘aquele’, ‘neste’), entre outros elementos, que remetem à ideia de um protocolo de veridicção. Isto é, que é real. Cabe ao analista identificar novos itens nos textos que complementam e enriquecem a análise (MOTTA, 2013). [...] As narrativas jornalísticas e historiográficas são exemplos dessa organização discursiva de veridicção (grifo do autor): elas querem traduzir realisticamente o mundo, produzir o efeito de real, e compactuam isso com seus leitores e ouvintes. O real, portanto, é o efeito produzido pelo discurso, compactuado pelo narrador e o receptor. O leitor ou ouvinte entra nessa relação com um tipo semelhante de intenção e desejo: ele quer saber a verdade e acredita, por razão de autoridade e hierarquia, que o seu interlocutor tem legitimidade para discernir a verdade, e confia que ele vai lhe contar a verdade [...] (MOTTA, 2013, p. 39-40).
A narrativa jornalística está baseada, principalmente, no uso constante da linguagem – impressa, televisiva, radiofônica, digital. Ela pode iluminar ou embaçar a realidade, uma vez que a versão sobre determinado fato é uma das muitas prováveis interpretações possíveis sobre ele. (MOTTA, 2013). Os relatos contados pelo narrador A podem ser diferentes dos narrados pelo narrador B, e assim sucessivamente, ainda que essas particularidades de cada narrativa sejam percebidas sutilmente. E é essa dessubjetivação que diferencia a narrativa fática da ficcional; “é a vontade de sentido que se estabelece entre os interlocutores na relação comunicativa”, argumenta Motta (2013, p. 39). Por essas especificidades de análise que é tão importante estudar as narrativas enquanto produtos culturais. Elas são uma prática humana universal, representam o ser humano, constituem as sociedades e as nações (MOTTA, 2013). As narrativas, diz Motta (2013, p. 62), “[...] refletem e condicionam nossas crenças e valores, nossa história e costumes, nossas leis e cultura. É preciso estudá-las, porque contá-las e recontá-las dá sentido à vida humana [...]”.
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Portanto, a Narratologia é o método ideal para estudar os fenômenos ligados ao ordenamento do mundo por meio dos discursos (STEINBERGER, 2005) e à produção do conhecimento através do jornalismo (PARK, 1966; MEDITSCH, 1997), uma vez que as personalidades e características das personagens dos relatos jornalísticos são conhecidas e concebidas a partir de uma visão de mundo oferecida pela mídia.
4.1.1 As personagens nas narrativas jornalísticas
No presente trabalho, a narrativa relevante a ser analisa é a proveniente do jornalismo, uma vez que o objeto de estudo é uma coletânea de reportagens produzidas pelo Estado de S. Paulo a respeito do ex-presidente uruguaio José Mujica. Nesta seção, encontra-se uma breve explanação sobre como as personagens são construídas nos relatos jornalísticos a partir das concepções de Motta (2007; 2013), pois a linha que separa ator de indivíduo é tênue e pode se tornar confusa para a audiência. As narrativas, como já vislumbrado, fazem parte das sociedades, e elas são, em sua essência, miméticas; isto é, imitam a realidade, representam-na (MOTTA, 2013). O autor afirma que as narrativas configuram o mundo a partir de relatos que recriam acontecimentos vividos por personagens. Essa concepção de representação através da mimese foi explorada pela primeira vez por Aristóteles, no início dos anos 300 a.C., aproximadamente. O filósofo definiu a arte poética como imitação: teatro, fábulas e mitos são imitações da realidade. Na obra, o autor diz que é intrínseco ao ser humano mimetizar as coisas e situações vividas. Motta (2013), dessa forma, aplica esse conceito às narrativas do jornalismo. O problema, entretanto, é que as personagens que vivem as ações nos relatos jornalísticos assemelham-se às pessoas representadas por elas. Isso implica a diferenciação entre personagem e indivíduo, entre ator e sujeito. Os protagonistas das narrativas jornalísticas são representados ao mundo através da mídia, que recriam acontecimentos a partir de critérios próprios, construindo uma versão entre tantas outras a respeito do assunto abordado (MOTTA, 2013). A audiência, então, a partir do que é apresentado a ela, irá conceber uma visão de mundo (STEINBERGER, 2005) e adquirir conhecimento sobre os relatos (PARK, 1966;
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MEDITSCH, 1997) conforme apresentado na fundamentação teórica no segundo capítulo deste trabalho. Assim, pode-se confirmar que o jornalismo trabalha, em seus relatos, com construções
de
personagens
(MOTTA,
2007).
Na
prática
jornalística,
as
personagens são, frequentemente, individualizadas e tornam-se as protagonistas da história, salienta o autor. Elas representam alguém real, mas não são, factualmente, a realidade: “[...] mesmo na narrativa realista do jornalismo as personagens são figuras de papel, ainda que tenham correspondentes na realidade histórica [...]” (MOTTA, 2007, p. 152). Os receptores têm conhecimento apenas das figuras públicas que são veiculadas pela mídia, construídas com base em critérios jornalísticos e de verossimilhança (MOTTA, 2007). O que pode confundir a audiência é exatamente essa controversa situação, uma vez que em relatos jornalísticos acontece a personalização da vida política e social de um indivíduo. A análise dessas personagens refere-se, desse modo, [...] ao fato de não ser ela uma entidade puramente ficcional e arbitrária a gosto da criação do autor como ocorre na arte, mas produto de uma narrativa fática. A personagem jornalística guarda uma relação estreita com a pessoa, com o ser real objeto da narração. Isso gera uma complexidade singular [...] (MOTTA, 2007, p. 153).
Essa situação corrobora, mais uma vez, para a afirmação da existência de mediação em relatos do jornalismo: o autor dos acontecimentos escolhe os elementos que lhes são oferecidos pelo factual e como irá selecioná-los e elencá-los na elaboração do produto final – a reportagem; isto é: a mídia age como mediadora, e os fatos não falam por si. O narrador dissimula sua presença no texto, como se ninguém estivesse por trás da história narrada. São artimanhas utilizadas pelo jornalista a fim de transparecer a verdade dos fatos. São estratégias comunicativas (MOTTA, 2007) que produzem o efeito de real. A narrativa jornalística, dessa maneira, “[...] é um permanente jogo entre os efeitos de real e outros efeitos de sentido (a comoção, a dor, a compaixão, a ironia, o riso, etc.) [...]”, classifica Motta (2007, p. 156). Ela é uma linguagem argumentativa com propósitos, que procura camuflar seu papel e dessubjetivar-se.
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4.2 A NARRATOLOGIA APLICADA AO CASO O ESTADO DE S. PAULO
A fim de apresentar como Pepe Mujica é representado pelo portal do jornal O Estado de S. Paulo, foram analisados os textos produzidos pelo veículo que tratam sobre a personagem, independentemente de ela ser protagonista ou coadjuvante na narrativa. A análise, realizada por meio do método da Narratologia, não tem como objetivo identificar a veracidade das falas e das ações da personagem dentro do relato jornalístico, e sim como ela é representada pelo veículo de comunicação selecionado. Dessa forma, os textos analisados levam em consideração a mediação do jornalista ao utilizar estratégias textuais para atrair a audiência e como ele apresentou a personagem ao público. Para essa identificação, uma espécie de ficha de leitura7 foi aplicada aos textos, os quais foram estudados individualmente. Após, os acontecimentos-intriga foram identificados e hierarquizados, conforme sugere Motta (2013). O objetivo deste trabalho é mostrar como a personagem Mujica está inserida e é representada na narrativa. É importante, portanto, apresentar a amostragem da análise.
4.2.1 Mujica em O Estado de S. Paulo Em pesquisa realizada a partir do termo ‘Mujica’, o nome do ex-presidente uruguaio foi citado em 1370 textos e em 137 páginas do portal do jornal O Estado de S. Paulo, até a data dessa pesquisa (11/09/2015). Entre o período de 22 de fevereiro a 08 de março de 2015, foram encontrados 36 resultados em quatro páginas. A data de corte para a seleção das notícias foi 1º de março, quando Mujica deixou a presidência do Uruguai e passou o cargo a seu antigo antecessor, Tabaré Vázquez. Assim, foi separado o material de uma semana anterior e uma posterior à cerimônia de posse do novo Chefe do Poder Executivo. Foram selecionadas para análise 10 textos, com caráter jornalístico – impessoal e objetivo, apesar de se saber que por trás de toda e qualquer narrativa há intencionalidades (MOTTA, 2013) –, que versavam sobre Mujica significativamente. Isto é, foram excluídos aqueles em que a
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A ficha de leitura foi separada em compartimentos – data de publicação, hora da publicação, título, subtítulo, autor, resumo, estratégias comunicativas e caracterização da personagem. A estrutura é uma adaptação da tabela utilizada por Forner (2015).
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personagem era apenas citada ou sem um mínimo aprofundamento, embora alguns textos examinados não tratem a personagem como protagonista. O material original encontra-se em anexo. Quadro 2 – Notícia de 23 de fevereiro de 2015
Data de publicação
23/02/2015 (Anexo A)
Hora da publicação
02h03
Título
Mujica ataca Argentina por agir sozinha
Subtítulo
Presidente uruguaio, que deixa o poder no dia 1º, gradua com palavrão compromisso argentino com integração regional.
Autor
Rodrigo Cavalheiro, correspondente/Buenos Aires.
Resumo
O ex-presidente José Mujica critica a Argentina por fechar acordos com a China; o objetivo, segundo o governo argentino, é melhorar a infraestrutura do país latino. Mujica demonstra preocupação devido à influência que esse movimento pode ter sobre os rumos do Brasil.
Estratégias comunicativas
O texto, com exceção do título e do subtítulo, é narrado no pretérito perfeito, mostrando que a ação aconteceu no passado e não se mantém na atualidade. A notícia chama a atenção, em primeiro lugar, pelo título provocativo: “Mujica ataca Argentina por agir sozinha”. O verbo atacar, no presente do indicativo, significa ‘agir ofensivamente’. No caso, a crítica do ex-presidente uruguaio à maneira como o país vizinho estaria agindo é o ‘ataque’ verbal a que o autor da matéria faz referência. A escolha desse verbo serve para atrair a curiosidade da audiência para um provável confronto entre Uruguai e Argentina, o qual depois é explicado ser uma crítica à conduta solitária do país de Cristina Kirchner ao fechar acordos com a China. O jornalista delineou uma cronologia às falas do expresidente uruguaio. Primeiro, Pepe Mujica afirma que a integração entre os países latino-americanos precisa de um líder, o qual seria o Brasil. Após, Mujica critica Argentina por não investir em integração e afirma que o Brasil segue o mesmo caminho, pois estão “metidos até as orelhas nas contradições do Estado nacional”. Esse jogo de linguagem mostra as atitudes ambíguas do Brasil ao se posicionar sobre a questão da integração, as quais são comprovadas com a escolha do terceiro depoimento de Mujica, ao declarar que Lula teria dito que não poderia lutar pela integração
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devido à burguesia paulista. Isto é, o jornalista mostra a ‘atitude em cima do muro’, a falta de posicionamento e de ação do governo de Lula, o que pode ser entendido como a visão do jornal a respeito do PT, uma vez que o Estado de S. Paulo é um veículo conservador que, notoriamente, não apoia o partido político. As vozes presentes no texto são de Mujica e do governo argentino. Caracterização personagem
da Mujica é construído a partir dos critérios de noticiabilidade do jornalista. As sentenças “A integração precisa de uma liderança e essa liderança se chama Brasil” e “Nos países decisivos da América Latina, Brasil, Argentina e México, os dirigentes têm um discurso de integração, mas estão metidos até as orelhas nas contradições do Estado nacional” mostram a ambiguidade nas afirmações de Mujica: primeiro, acredita que o Brasil deveria ser o carro chefe a comandar o movimento de integração, mas depois alega que o país ‘tem discurso’, mas não age. A colocação “Ouvi atentamente os discursos e em nenhum momento falaram de integração” (ao se referir às falas de Dilma e Lula em um ato do PT) mostra um ex-presidente que acredita no potencial de liderança do Brasil, mas que as atitudes dos governantes não corroboram tal assertiva. Quando Mujica afirma “O Brasil tem aguentado de tudo dos argentinos, de tudo... Mas não quer perdê-los como aliados”, o provável cansaço do ex-presidente torna-se visível ao tentar conciliar os países do Mercosul a investir em integração. Mujica finaliza a entrevista dizendo que os países menores se preocupam com a questão da integração por necessidade. Isto é, a Argentina, com uma população 13 vezes maior que a do Uruguai, e o Brasil, com uma 61 vezes maior que a do país de Mujica8, não se importariam com algo que não é de real relevância para eles. O texto sugere um Mujica preocupado com a falta de comprometimento da Argentina no processo de integração entre os países e receoso com o posicionamento que será adquirido pelo Brasil devido à influência da Argentina sobre as decisões tomadas pelo governo brasileiro. A escolha do verbo ‘atacar’, escolhida para ilustrar o título da matéria, ressalta a ‘maneira ofensiva’ com a qual Mujica se referiu à Argentina, uma vez que declarou que ela “teria de
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De acordo com dados do The World Factbook, da CIA, de julho deste ano, a Argentina possui uma população de 43,43 milhões de habitantes, e, o Brasil, uma de 204,25 milhões, enquanto o Uruguai possui uma população de 3,34 milhões de habitantes.
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acompanhar e não acompanha um c...”. A frase do jornalista, no subtítulo, que o “presidente uruguaio, que deixa o poder no dia 1º, gradua com palavrão compromisso argentino com integração regional” demonstra duas características da personagem: - graduar significa conquistar título universitário, honra; remete, nesse caso, a deixar o poder bem, com ‘chave-deouro’. - dar ênfase à utilização do palavrão mostra que o uruguaio é uma pessoa comum, sem formalidades – naturais a Chefes de Estado. Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015)
Quadro 3 – Notícia de 26 de fevereiro de 2015
Data de publicação
26/02/2015 (Anexo B)
Hora da publicação
06h00
Título
Ex-presos de Guantánamo foram convertidos quase em vegetais, diz Mujica
Subtítulo
Uruguai recebeu em dezembro quatro sírios, um palestino e um tunisiano como parte do plano do presidente Obama de distribuir os prisioneiros na tentativa de fechar a penitenciária onde centenas suspeitos de terem ligação com a Al-Qaeda
Autor
Não mencionado/Montevidéu.
Resumo
As condições de vida dos refugiados de Guantánamo no Uruguai, e a postura de José Mujica frente aos novos habitantes do país e a regulamentação do mercado da maconha.
Estratégias comunicativas
O texto é narrado no pretérito perfeito e mostra uma cronologia lógica aos fatos narrados. O título chama a atenção devido à escolha da declaração de Mujica aparecer, a qual diz: “Ex-presos de Guantánamo foram convertidos quase em vegetais, diz Mujica”, assim como as sentenças “Pegaram eles numa etapa jovem da vida e mataram mantendo-os presos”, “São pessoas que estão destruídas” e “Transformaram eles meio que em vegetais”. Elas causam comoção ao leitor, que pode se identificar com o expresidente uruguaio por ele apresentar ‘compaixão’ aos expresos. A conexão que o jornalista fez ao ligar a preocupação com a falta de segurança com a ida dos ex-presos ao Uruguai e com a regulamentação do mercado da maconha no país
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mostra duas atitudes que podem ou não ser prejudiciais para os uruguaios. Essa estratégia funciona para o leitor como um alerta, como um manual que diz “isso aconteceu, então essas consequências podem surgir”. Ao citar a regularização da situação da maconha, o jornalista utiliza o adjetivo ‘controverso’ para se referir a essa iniciativa de Mujica. Isso transparece que o ex-presidente pode não saber o que está fazendo, uma vez que Tabaré Vázques, sucessor de Mujica, “tem se mostrado cauteloso [...] e disse que tomará todas as precauções para que o projeto não afete a segurança pública”. O texto retoma, ao final, o episódio ‘Uruguai x Argentina’ a respeito da integração. Aqui, uma nova declaração é selecionada: “Tem todo o direito de priorizar sua visão interna. Agora, considero que a visão interna é o Mercosul”. Essa escolha mostra ao leitor a percepção de Mujica de que a integração é feita entre os países da América Latina, e não para um país da América Latina, acirrando as divergentes opiniões entre Mujica e Kirchner. As vozes presentes no texto são de José Mujica, Tabaré Vázquez – sucessor do presidente tupamaro – e de um dos ex-réus da prisão em Cuba. Caracterização personagem
da As sentenças “Os presos de Guantánamo que receberam refúgio no Uruguai foram convertidos quase em vegetais depois de terem sido submetidos ao isolamento na prisão americana em Cuba, disse José Mujica” e “Os seis ex-presos muçulmanos foram alojados numa casa num bairro popular de Montevidéu, receberam dezenas de ofertas de emprego e aulas de espanhol” caracterizam Mujica como um cidadão que tem compaixão e busca solucionar os problemas sociais, sejam internacionais, sejam domésticos; confere humanidade a Mujica. A escolha das frases “um ex-guerrilheiro de 79 anos que gosta de quebrar o protocolo” e “seu modesto sítio localizado na periferia de Montevidéu” mostram o ex-presidente como uma pessoa comum, sem apreço às formalidades intrínsecas ao posto que ocupava. As declarações dadas por José Mujica que foram selecionadas demonstram à audiência a preocupação de Mujica na luta pela solidariedade, contra as drogas e pela união comercial entre os países latino-americanos vizinhos: “Falta neles o fogo interior, o afã de lutar pela vida, transformaram eles meio que em vegetais”, “O obstáculo
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pode estar na relação de preços, para que chegue ao consumidor a um preço aceitável e que seja bom”, “Os produtores vão tentar ganhar mais dinheiro, como em qualquer negócio” (referência à regulamentação do mercado da maconha) e “É provável que seja um agitador. Outros virão e o farão melhor” (referência ao fato de não ter se considerado um bom presidente). O texto sugere, assim, um ex-presidente comum, conciliador, humano e preocupado com seu país. Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015)
Quadro 4 – Notícia de 28 de fevereiro de 2015
Data de publicação
28/02/2015 (Anexo C)
Hora da publicação
02h03
Título
Milhares participam de ‘despedida’ de Mujica
Subtítulo
Presidente do Uruguai comparece às últimas cerimônias oficiais antes de entregar amanhã o cargo a Tabaré Vázquez
Autor
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Montevidéu.
Resumo
Ato da população para se despedir de Mujica.
Estratégias comunicativas
O texto é narrado no pretérito perfeito, com a presença do dêitico ‘ontem’ para caracterizar quando aconteceu a despedida de Mujica. As vozes presentes no texto são de Mujica, Natália Barrera e Elizabeth Pagano (ambas entrevistadas pelo Estadão). Os depoimentos das mulheres foram selecionados para mostrar a satisfação dos que participaram da despedida com o governo do ex-presidente. Natália disse: “Não gosto da esquerda, mas votei nele e faria de novo”. Elizabeth declarou: “É triste ver Pepe deixar a Presidência”. Ao final, o jornalista retoma o assunto ‘Uruguai x Argentina’, com a declaração de Mujica: “Sou fanático pela luta da integração da América. Se Argentina e Brasil não chegam a um acordo, não há integração”.
Caracterização personagem
da A palavra ‘multidão’ foi utilizada para fazer referência a cerca de 10 mil pessoas que acompanhavam o adeus de José Mujica a Presidência do Uruguai. ‘Multidão’ denota um ‘grande número de’. Acompanhando o substantivo feminino, está o verbo ‘lotar’. Isso demonstra que a quantidade de pessoas que estava no local era maior à quantidade que o espaço permitia; isto é, pode-se inferir a importância de Mujica a partir da quantidade de pessoas que apareceu na
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Praça Independência, no Uruguai, com “máscaras, faixas, bandeiras” e “até a réplica de um Fusca azul”. Essa última frase, com a utilização de ‘até’, demonstra identificação da população ali presente com o então presidente, uma vez que o carro de Mujica é popular e antigo, características que ratificam a imagem simples e humilde do povo uruguaio. A escolha dos depoimentos das mulheres já mencionadas colabora com a caracterização de um Mujica solidário, igualitário e libertário. A declaração de Mujica “Obrigado pelas críticas, pelo carinho e, sobretudo, pelo companheirismo” pode caracterizar para o leitor um homem humilde. Ao retomar as divergentes posições em relação à integração entre Uruguai e Argentina, o jornalista escolheu uma declaração até então não abordada pelo periódico durante o período selecionado: “Sou fanático pela luta da integração da América. Se Argentina e Brasil não chegam a um acordo, não há integração”. Esse depoimento demonstra ao leitor um homem que busca o fortalecimento dos laços comerciais do Mercosul, a conexão entre os países do grupo e o crescimento da América Latina. Assim, percebe-se um Mujica humilde, fortalecedor dos países latino-americanos.
solidário
e
Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015) Quadro 5 – Notícia de 28 de fevereiro de 2015
Data de publicação
28/02/2015 (Anexo D)
Hora da publicação
08h06
Título
Ao lado de Dilma, Mujica cumpre última agenda e inaugura parque eólico
Subtítulo
Depois da inauguração do parque eólico, Dilma e Mujica se deslocam para a residência oficial de Anchorena, onde deverão fazer uma declaração à imprensa
Autor
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Montevidéu.
Resumo
Mujica e Dilma irão inaugurar parque eólico de Artilleros, no Uruguai.
Estratégias comunicativas
O texto é narrado, predominantemente, no futuro do indicativo, com exceção do título, nos quais os verbos estão no presente do indicativo. A utilização do dêitico “neste sábado” situa espaço-temporalmente o leitor, comprovando à audiência, assim, a realidade do fato. O tempo verbal escolhido, junto à frase “cumpre sua última agenda”
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demonstra o último feito de Mujica a seu país enquanto presidente. O parque eólico de Antilleros, que será inaugurado por Mujica e pela presidente do Brasil, Dilma Rousseff, é “o primeiro empreendimento da Eletrobras a gerar energia no exterior”. O referido aposto, além de fornecer ao leitor uma explicação sobre a iniciativa da empresa brasileira, pode demonstrar a maneira com a qual Mujica finaliza seu mandato. O jornalista corrobora com esse entendimento ao elucidar, a partir de entrevista com um representante da Eletrobras, nos parágrafos posteriores, no que consiste o projeto e como a energia gerada pelo parque beneficiará o Brasil. Ao final, ao utilizar a expressão “Segundo o Estado apurou”, o jornalista deixa claro ao leitor que a informação que se segue é verdadeira, e foi confirmada pelo veículo: “Segundo o Estado apurou, a intenção inicial das autoridades uruguaias era que fosse realizada uma coletiva de imprensa hoje à tarde, mas emissários do Planalto teriam preferido o formato de uma curta declaração à imprensa, sem a intervenção de jornalistas na fala de Dilma”. Essa oração subordinada adverbial conformativa confere credibilidade à história narrada pelo autor. As vozes presentes no texto do representante da Eletrobras. Caracterização personagem
da A oração “Apoiou leis progressistas, governou com um estilo pautado pela informalidade e se transformou em estrela internacional” molda o ex-presidente uruguaio como um político diferente do habitual. Isto é, se Mujica fosse um Chefe de Estado da maneira como os uruguaios estavam acostumados, não seria necessário nem relevante salientar essas características do então presidente – seus antecessores, em ordem cronológica, são Tabaré Vázquez, médico; Jorge Battle, Julio María Sanguinetti e Luis Alberto Lacalle, os últimos três advogados. Assim, o jornalista, ao contar ao leitor a importância do parque eólico para o Uruguai e para o Brasil através da seleção dos depoimentos de um representante da Eletrobras, transforma o último compromisso de Mujica em algo grandioso, importante para ambos os países: “Embora a energia gerada pelo parque seja destinada ao sistema elétrico do Uruguai, a Eletrobras ressalta que o aumento da capacidade instalada naquele país ‘possibilitará a geração de excedentes de energia que poderiam ser intercambiados com o sistema elétrico brasileiro’”.
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Ao final, o jornalista encerra a notícia com um conflito para o leitor, no que se refere à coletiva de imprensa que Mujica e Dilma concederiam: “A intenção inicial das autoridades uruguaias era que fosse realizada uma coletiva de imprensa hoje à tarde, mas emissários do Planalto teriam preferido o formato de uma curta declaração à imprensa, sem a intervenção de jornalistas na fala de Dilma”. Isto é, coloca em contraponto a vontade dos presidentes com a decisão do Planalto. Especificamente no caso Mujica, essa sentença corrobora com o adjetivo de ‘informalidade’ que o jornalista conferiu ao ex-presidente no início da notícia. Aqui, tem-se um Mujica que busca a evolução e integrador, ratificações às outras notícias que o tratam da mesma forma. Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015) Quadro 6 – Notícia de 28 de fevereiro de 2015
Data de publicação
28/02/2015 (Anexo E)
Hora da publicação
19h48
Título
Um Brasil rico interessa ao Uruguai, diz Mujica
Subtítulo
Presidente uruguaio inaugurou um parque eólico neste sábado, o primeiro empreendimento da Eletrobras a gerar energia no exterior
Autor
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Tarariras.
Resumo
Mujica manifesta interesse em desenvolvimento do Brasil.
Estratégias comunicativas
O texto é narrado no pretérito perfeito, com exceção do título, o qual é uma declaração de Mujica. O jornalista, para compor a notícia, utiliza dados estatísticos para confirmar a veracidade da informação prestada, bem como atribui o fato relatado a um relatório do Mercado Focus, boletim do Banco Central do Brasil: “Segundo o último relatório de Mercado Focus, a expectativa é a de que o PIB brasileiro sofra uma retração de 0,50% em 2015”. As declarações de Mujica “Nós trataremos de colaborar com o desenvolvimento do Brasil, mas não desinteressadamente” e “Nos interessa um Brasil rico e quanto mais rico for, melhor vamos viver todos” ratificam a afirmação sobre o PIB do Brasil, uma vez que Mujica deseja o desenvolvimento econômico do país vizinho. As vozes presentes no texto são de Mujica, Dilma e do representante da Eletrobras, corroboram para tal assertiva “Um Brasil rico interessa ao Uruguai, diz Mujica”, lançada no título da notícia. São ratificações que demonstram cronologia
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lógica à matéria produzida e concedem veracidade ao que está sendo contado. Caracterização personagem
da Aqui, o jornalista ratifica a imagem de Mujica construída pelo autor: a de indivíduo integrador (“José Mujica [...] disse à presidente Dilma Rousseff esperar que o Brasil se desenvolva e cresça, o que beneficiaria países vizinhos; “Na avaliação de Dilma, o parque eólico vai beneficiar ambos os países”). Essa caracterização é corroborada pelo jornalista ao escolher uma declaração em que Dilma elogia o caráter de Mujica: “Acredito que o presidente Mujica representa o que há de melhor na América Latina, uma liderança com um compromisso com seu povo e todo o povo latino-americano e ao mesmo tempo uma pessoa encantadora, que está à frente do seu tempo. O presidente Mujica tem a realidade e a utopia compartilhada”. O depoimento da presidente brasileira sustenta a imagem do ex-presidente uruguaio nas outras notícias produzidas pelo Estado de S. Paulo (“cidadão comum” e “conciliador”), mas traz um novo adjetivo a Mujica: inovador, “à frente do seu tempo”. Com base nas reportagens anteriores, é possível entender que essa característica deve-se à maneira de governar do presidente. Quando Dilma diz “[...] uma pessoa encantadora, que está à frente do seu tempo. O presidente Mujica tem a realidade e a utopia compartilhada”, o jornalista projeta ao leitor a ideia de um político ‘pé no chão’, mas, ao mesmo tempo, ‘sonhador’; isto é, adapta-se ao presente, mas planeja para o futuro. Isso fortalece a visão da audiência de um Mujica revolucionário e cidadão.
Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015) Quadro 7 – Notícia de 1º de março de 2015
Data de publicação
01/03/2015 (Anexo F)
Hora da publicação
03h00
Título
Mujica: um líder de hábitos simples e carismático
Subtítulo
Para analistas, mesmo fora do mais alto cargo do Uruguai, Mujica continuará influente na política
Autor
Renata Tranches/O Estado de S. Paulo.
Resumo
Mujica deixa a Presidência, mas continua com influência política, embora haja desequilíbrio na distribuição de cargos da bancada legislativa.
Estratégias
O texto é narrado, intercaladamente, no presente e no futuro
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comunicativas
do indicativo, concedendo sintonia entre o que acontece e o que está para acontecer, gerando Esse jogo de linguagem está baseado em declarações de autoridades como cientistas políticos e professores universitários, que conferem credibilidade à notícia. O jornalista utiliza de flashbacks para situar o leitor a respeito do mandato presidencial de cinco anos de Mujica: “Quando deixou o cargo, em 2010, Tabaré tinha ainda mais popularidade que seu colega – 78% diante dos 65% com os quais Pepe encerra seu mandato”. Aliado ao recurso de retroceder os acontecimentos, a utilização de números estatísticos conferem veracidade ao que está sendo informado. Além disso, a utilização de Pepe ao invés de Mujica pode tanto caracterizar a substituição de palavras para não incorrer em repetição quanto para apresentar ao leitor um uruguaio comum (‘Pepe’ é apelido de Josés no Uruguai), aproximar da audiência a personagem. As vozes presentes no texto são de Mujica, do cientista político Daniel Chasquetti e do professor universitário Francisco Panizza.
Caracterização personagem
da A simpatia com a qual o leitor vê Mujica pode ser percebida no título da matéria: “Mujica: um líder de hábitos simples e carismático”. Esses adjetivos condicionam o leitor a uma imagem amigável e carinhosa. Essa escolha de adjetivos sutis e de chamar Mujica de ‘Pepe’ aproxima a audiência do ex-presidente. A utilização de ‘líder’ ao lado de ‘simples’ e ‘carismático’ traz significados que podem ser contraditórios: uma pessoa com voz de comando – autoridade –, mas que, ao mesmo tempo, têm hábitos ‘simples’ e é ‘carismático’. A seleção de declarações selecionadas corrobora com a imagem projetada à audiência pelo título: um homem humilde, que busca o avanço de seu país (“A partir de 1.º de março, passaremos a ajudar o novo governo, o empurraremos com entusiasmo para alcançarmos as mudanças de que necessita nosso país”, disse Mujica), negociador, que não aceitará quaisquer imposições sem motivo (“[...] será influente no processo legislativo. Ele exigirá que se leve em conta seus pontos de vista e o Poder Executivo não poderá enviar qualquer projeto e exigir disciplina. Haverá muita negociação”, disse o cientista político Chasquetti – Mujica tornou-se senador ao deixar a Presidência), espontâneo (“Tabaré cuida muito bem de suas aparições públicas, calcula cada movimento político”,
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escreveu o jornalista) e humano (“será lembrado também por não abrir mão do Fusca 1987 e por doar 90% de seu salário”, continuou o jornalista). A partir da seleção da declaração de Chasquetti, o carisma do atual senador continuará sendo uma característica marcante, a qual o jornalista fez menção no título da notícia: “Como político, Tabaré é infinitamente mais eficiente que Mujica, mas não tem o seu encanto”. Ao relembrar entrevista concedida ao Estado por Mujica, o jornalista lembra: “Para o ex-guerrilheiro, suas grandes realizações foram as conquistas sociais, a diminuição da pobreza e o aumento do trabalho no país”, ratificando o amor ao povo e o caráter conciliador e pacificador do expresidente percebidos nas matérias anteriores. O texto sugere, assim, um Mujica humilde, simples, negociador, carismático, espontâneo e humano. Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015)
Quadro 8 – Notícia de 1º de março de 2015
Data de publicação Hora da publicação Título Subtítulo
Autor Resumo
Estratégias comunicativas
01/03/2015 (Anexo G) 03h00 Tabaré Vázquez herda pendências da popular era Mujica Presidente que toma posse no Uruguai deve controlar gastos das empresas públicas e realizar reformas em áreas como educação Renata Tranches/O Estado de S. Paulo. Tabaré Vázquez terá que lidar com ajustes na educação, na política internacional, na regulamentação da maconha e com um déficit fiscal elevado. O texto é narrado, predominantemente, no futuro do indicativo. Os verbos escolhidos indicam possibilidades futuras, coisas que devem acontecer (“deverá haver mudança”, “a tendência será fortalecer”, “não poderá”, “quando enfrentará”, “poderá causar”), mostrando à audiência um panorama dos próximos anos de governo. As expressões adverbiais “há duas semanas”, “no dia 20”, “desde que foi eleito” e “até abril” configuram os fatos dentro de um espaço-temporal que fornecem à audiência entender aquilo que está sendo narrado como verdade, com credibilidade. Utiliza recursos linguísticos que elencam e demonstram as ‘pendências’ que serão enfrentadas por Tabaré ao assumir a Presidência do Uruguai (“em primeiro lugar”, por exemplo). Outro jogo de linguagem ao qual o jornalista recorre é o de fazer uso de declarações de especialista em ciência política e de um educador (Daniel Chasquetti e Francisco Panizza,
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Caracterização personagem
respectivamente), a fim de proporcionar, novamente, verdade, dar credibilidade ao que está sendo narrado. A utilização de datas e dados estatísticos confere, também, credibilidade à notícia (“Mujica, que assumiu, em 2010, com um déficit público de 1,7% do PIB, deixa o cargo com essa taxa em 3,5%”, escreve o jornalista). As vozes presentes no texto são de Mujica, do cientista político Daniel Chasquetti e do professor Francisco Panizza. da Sem focar diretamente no ex-guerrilheiro, o jornalista cria uma imagem um tanto quanto negativa do legado de Mujica: apesar de ter sido bem aceito pela população, ter proporcionado o crescimento da economia e ter baixado o nível de desemprego, “[...] o novo presidente herda também pendências”. Com essa afirmação no primeiro parágrafo, a audiência concebe a imagem de um líder que conquistou avanços, mas manteve e/ou gerou outros. As frases que remetem à falta de progresso na educação uruguaia, à falta de uma agenda internacional voltada mais aos planos comerciais, aos conflitos com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, às mudanças que serão feitas na lei que regulariza o mercado da maconha no país, à falta do controle nos gastos de empresas públicas e aos ajustes que serão realizados na economia a fim de estabilizar o déficit fiscal colaboram para a identificação de um expresidente que não soube governar com êxito, visto o maior número de pendências em comparação ao de vitórias (em cálculo rápido: aqui, foram relatados seis problemas da era Mujica contra duas vitórias – baixas taxas de desemprego e promoção do crescimento da economia). Percebe-se, então, um Mujica que não controlou os gastos das empresas públicas, as quais colaboraram para dobrar o déficit do PIB e não investiu em educação básica, apesar de ter obtido avanços sociais. Isto é, um político que não sabe fazer política.
Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015)
Quadro 9 – Notícia de 1º de março de 2015
Data de publicação
01/03/2015 (Anexo H)
Hora da publicação
15h01
Título
Mujica pede apoio a Tabaré e se despede da Presidência do Uruguai a bordo de fusca azul
Subtítulo
Tabaré Vázquez assumiu neste domingo, 1º; o agora expresidente José ‘Pepe’ Mujica foi eleito para mandato no Senado uruguaio
Autor
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Montevidéu.
Resumo
José Mujica deixa a Presidência do Uruguai pedindo apoio
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ao novo governo. Estratégias comunicativas
O texto é narrado, predominantemente, no pretérito perfeito. A utilização de expressões dêiticas como “neste domingo” e “durante vinte minutos” situam o leitor espaçotemporalmente, concedendo verdade aos acontecimentos relatados. A afirmação de ter sido “ovacionado pelo público” demonstra a importância do evento de despedida de Mujica para a população uruguaia. Todavia, ao mesmo tempo em que isso ocorre, as ausências do vice-presidente dos Estados Unidos, do presidente da Venezuela, do presidente da Bolívia e da presidente da Argentina podem fazer o leitor da editoria de internacional interpretar essas faltas como consequência das divergentes opiniões que possuem os países entre si; isto é, se há problemas entre o Uruguai e esses países, não há motivos para os representantes dessas nações comparecerem à despedida e à posse de Mujica e Tabaré, respectivamente. A utilização de imagem em movimento também auxilia a compreensão do leitor a respeito da veracidade dos fatos e da importância que foi o mandato de Mujica. O próprio jornalista gravou o vídeo no qual Mujica aparece dentro de seu Fusca azul, acenando para a comunidade uruguaia que presenciou a solenidade política. Ao finalizar a matéria, o jornalista afirma que a presidente do Brasil não acompanhou a cerimônia de transmissão de mandato presidencial. Dessa frase pode-se entender que a presidente não apareceu na solenidade porque não quis, uma vez que não justifica sua ausência. Lendo outras notícias – não analisadas no presente trabalho –, percebe-se que Dilma voltou ao Brasil antes de a cerimônia começar, uma vez que precisava acompanhar a celebração dos 450 da cidade do Rio de Janeiro. Essa escolha de palavras feitas pelo jornalista levanta questionamentos dúbios sobre os motivos que levaram a presidente brasileira a não comparecer na cerimônia transmissão de mandato. As vozes presentes no texto são de Mujica.
Caracterização personagem
da O jornalista utiliza o adjetivo ‘emocionado’ para descrever como Mujica se sentia naquele momento de despedida. Essa característica demonstra um homem enternecido pelo apoio da população, uma vez que diz: “Agradeço por todo o apoio que me deu o povo uruguaio”. Mas uma característica reaparece: um político humilde, que busca avanços para seu país, como já percebido nas notícias anteriores (“O povo
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uruguaio tem que fazer todo o possível para apoiar o novo governo que começa”). Essa imagem também pode ser reparada na sentença “fizemos algumas coisas e outras, não. Mas virão outros melhores e assim sucessivamente”, fazendo referência aos futuros presidentes do Uruguai. A utilização de vídeos, além de ser uma estratégia comunicativa, colabora para a construção da imagem do político nas mentes da audiência. É uma linguagem visual potente, que mostra a realidade da situação de Mujica no país vizinho ao brasileiro: um homem querido pela população uruguaia. Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015)
Quadro 10 – Notícia de 1º de março de 2015
Data de publicação
01/03/2015 (Anexo I)
Hora da publicação
15h59
Título
José Mujica deixa a presidência do Uruguai e volta para casa em seu velho fusca
Subtítulo
Não produzido.
Autor
Malena Castaldi/Reuters.
Resumo
Mujica deixa a Presidência do Uruguai e declara não se considerar um bom presidente.
Estratégias comunicativas
O texto é narrado no pretérito perfeito. O jornalista utiliza dêiticos como “neste domingo”, “de dezembro” e “há alguns dias” para situar o leitor no tempo e no espaço em que acontecem os relatos, concedendo veracidade aos fatos; bem como faz uso de muitos adjetivos e predicativos (“forma única de falar e vestir”, “gestão de altos e baixos”, “traje sem gravata e de óculos de sol”, “discurso anticonsumismo”) para aproximar a audiência da personagem, tornando os acontecimentos mais factuais. As declarações de Mujica também foram selecionadas para aproximar o leitor do momento de despedida do uruguaio (“[...] dar a ele – ao novo governo – toda a força que puder dar, pois se ele vai bem, o país vai melhor também”; “tive a imensa honra de contar com a sorte com ele – com o povo uruguaio”). O fornecimento de números estatísticos (Mujica termina “a gestão com 65% de aprovação popular”) também emprega veracidade à notícia, pois mostra, através de dados fornecidos pela consultora Equipos, valores que remetem posicionamento de pessoas reais: Mujica foi aprovado por maioria da população. Isso é um fato, uma verdade.
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As vozes presentes no texto são de Mujica. Caracterização personagem
da O jornalista utilizou de muitos adjetivos e predicativos para mostrar Mujica à audiência: “voltando para casa com seu inconfundível Volkswagen Fusca azul claro”, “ex-guerrilheiro de 79 anos”, “vive em modesta chácara”, “vestindo traje sem gravata e de óculos de sol”, “maneira única de falar e vestir”. Eles mostram um uruguaio comum, que não utiliza dos privilégios comuns aos presidentes (morar na casa presidencial, andar com carros oficiais, vestir terno e gravata, falar polidamente). Aproximam o ex-presidente do povo simples uruguaio. As declarações de Mujica colaboram para a imagem humilde e pró-comunista que possui: “Algumas coisas conseguimos fazer e outras não, mas aí virão outros que serão melhores e assim sucessivamente” e “Há a ideia de que o presidente deve ser um gerente [...]. Eu não creio que o povo seja como em uma fábrica. A política não é gerenciar, é conduzir”. Essas duas orações facilitam ao leitor a construção da imagem de um ex-presidente voltado à sociedade, e não ao cargo. O texto sugere, novamente, um Mujica humilde, simples e social.
Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015)
Quadro 11 – Notícia de 2 de março de 2015
Data de publicação
02/03/2015 (Anexo J)
Hora da publicação
02h04
Título
Dilma e ex-presidente Venezuela
Subtítulo
Mujica e a presidente brasileira discutiram sobre a crise econômica e política em Caracas durante almoço no sábado
Autor
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Montevidéu.
Resumo
Mujica e Dilma estão preocupados com antidemocrático que a Venezuela pode ter.
Estratégias comunicativas
O texto é narrado, predominantemente, no pretérito perfeito. É baseado na conversa entre Mujica e Dilma a respeito dos passos antidemocráticos que a Venezuela pode dar. A utilização dos dêiticos “no último dia”, “no sábado”, “na residência oficial”, “por 25 minutos” e “na semana passada” situam espaço-temporalmente o leitor.
manifestam
preocupação
o
com
futuro
As declarações de Dilma e Mujica podem alertar ao leitor do
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que pode acontecer no futuro venezuelano. A ordem com que os fatos são narrados e a maneira como são colocadas os depoimentos de Mujica possibilitam à audiência construir a expectativa que os políticos tinham em falar com o presidente Nicolás Maduro, evoluindo, assim, para uma declaração alarmada do ex-presidente uruguaio. Essa cronologia linear dos acontecimentos cria interesse para a audiência, estimulando a sua permanência na leitura da notícia. O objetivo é atrair e convencer sobre o que está sendo dito. As vozes presentes no texto são de Mujica, Dilma, Tabaré e nota emitida pelo Itamaraty. Caracterização personagem
da Ao longo da notícia, o jornalista projeta uma imagem de um político uruguaio nervoso e preocupado com os prováveis rumos antidemocráticos da Venezuela. O ex-presidente manifestou aflição ao falar sobre um possível golpe de Estado de militares da esquerda no país de Maduro: “Com isso, a defesa democrática vai para o inferno. Seria um erro gravíssimo se desrespeitassem a Constituição”. A seleção dessa declaração fornece a imagem de um político desesperado para reverter uma situação de risco iminente para a América Latina. A imagem que transpassa ao leitor é de um Mujica apreensivo e exaltado. O parágrafo posterior ao depoimento, escrito pelo jornalista, corrobora para a identificação do público com o medo de Mujica: “O Itamaray divulgou uma nota em que cobra o retorno do diálogo entre a oposição e o governo venezuelanos”. Ao mesmo tempo, a retranca que encerra a notícia constrói uma imagem despretensiosa e ‘faminta’ de Mujica, devido ao uso do adjetivo ‘abundante’: “Enquanto Mujica fez um prato abundante de espaguete com almôndegas, Dilma comeu só um pouco de carne”. Novamente, remonta a um político simples, sem hábitos tradicionais de presidentes. O texto sugere, assim, um Mujica democrático e, novamente, simples.
fervorosamente
Fonte: Adaptado pela autora com base em O Estado de S. Paulo (2015)
A partir da análise, é possível inferir as características que mais representam José Mujica nos textos jornalísticos do portal do Estado de S. Paulo. São elas: integrador, preocupado com a sociedade uruguaia e com a América Latina, ordinário (comum), simples, conciliador, humano, solidário, fortalecedor dos países latino-
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americanos, em constante busca pela evolução, revolucionário, cidadão, negociador, carismático,
espontâneo,
bem
quisto,
democrático,
e
bom/mau
político
(personalidades divergentes apresentadas por dois jornalistas diferentes). Observa-se paridade entre as características apresentadas por Rabuffetti (2015) e Mujica (2013) e as veiculadas pelo portal do Estado de S. Paulo, à exceção da última: ‘mau político’. No Quadro 8, o texto retrata um ex-presidente que não soube governar, pois deixou o país com mais fracassos que vitórias. Apesar de Mujica não ter se considerado um bom Chefe de Estado, deixou a presidência com apreço de maioria popular (RABUFFETTI, 2015). À parte essa ressalva e ao Estado de S. Paulo ser um jornal de trajetória conservadora, o José Mujica apresentado à audiência pelo periódico é, em síntese, um político essencialmente simples e ordinário (comum), que busca a evolução do Uruguai e dos demais países do mundo por meio dos discursos que prega e das ações que realiza.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma semana anterior e uma posterior à posse do novo presidente do Uruguai, José Mujica foi significativamente mencionado em 10 textos jornalísticos durante o período de 22 de fevereiro a 8 de março de 2015.
As matérias e
reportagens selecionadas proveem de diferentes fontes de operação jornalística – enviados especiais, correspondentes e agências de notícias. Essa combinação, conforme já vislumbrado, contribui para a cobertura mais completa dos relatos. As diferentes visões a respeito de um único assunto colaboram, por sua vez, com a subjetividade da matéria jornalística realizada pelo redator que compila as informações que chegam até ele. Motta (2007; 2013) caracterizou esse fenômeno: uma nova versão sobre o relato será formulada, oferecendo à audiência uma formatação de mundo, e o jornalista tenta aproximar a audiência do real dissimulando sua presença na narrativa. Essa artimanha da prática jornalística pertence ao que Motta (2007; 2013) chama de estratégias comunicativas, como já visto. Nas matérias e reportagens analisadas, estavam presentes dêiticos espaço-temporais, bem como o uso abundante de citações, as quais conferem credibilidade ao veículo e à matéria jornalística. Outro recurso utilizado foram depoimentos de outras pessoas para falar sobre Mujica, o que aproxima a figura política da audiência. A partir da indagação sobre como o portal do jornal O Estado de S. Paulo representa o político uruguaio José Mujica, foi possível investigar se as notícias e reportagens publicadas no portal do veículo apresentaria à audiência uma personagem diferente daquela mostrada pelo próprio Mujica. Dessa maneira, a estrutura deste trabalho procurou esclarecer, desde a história do jornalismo, as respostas ao problema de pesquisa. Pode-se perceber, portanto, a influência que a geopolítica possui nas narrativas internacionais. Traquina (2008) pontuou que os jornalistas pertencem a uma comunidade que compartilha valores-notícia, os quais são os responsáveis pela condução das histórias. Isto é, são relatos que possuem a intenção de transmitir à audiência uma determinada visão sobre o mundo. Sendo assim, observou-se que a representação do uruguaio foi, predominantemente, a mesma com a qual ele próprio se identifica: um homem/político comum e simples, avesso às formalidades naturais a um presidente. Entretanto, somente é possível conhecer o Mujica midiático. A
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audiência não tem condições de saber quem é, essencialmente, o Mujica cidadão, uma vez que a pessoa que aparece nos noticiários é a personalidade do político, não sua pessoa. O José Mujica apresentado ao público pelo Estado de S. Paulo é um político simples e comum, que busca concretizar seus objetivos por meio dos discursos que prega e das ações que realiza. Dessa maneira, pode-se afirmar que, apesar de haver uma constante busca pela objetividade, a subjetivação jornalística existe. Nenhum texto é isento de parcialidades, pois, como já vislumbrado, o jornalista é imerso em culturas e ambientes socioeconômicos que pré-determinam sua visão de mundo e isso implica como ele irá apresentar esse conhecimento à audiência. Essas técnicas jornalísticas são, na maioria das vezes, desconhecidas dos leitores, uma vez que eles atribuem verdade ao que é veiculado pelos jornais. E isso pode ser prejudicial para a compreensão dos fatos em sua totalidade e complexidade, pois, para a construção da personagem das narrativas, o acompanhamento das histórias pelos leitores é fundamental – o que, muitas vezes, não acontece, porque os leitores podem se deter a uma matéria ou reportagem, sem dar atenção às anteriores ou posteriores. Após a realização desta pesquisa, percebe-se o quão fundamental é o papel desempenhado pelos jornalistas e veículos de comunicação na sociedade. É a partir do que é veiculado pela mídia que se entende e compreende o que é e como funciona o mundo, uma vez que aquele apresentado pelos jornais é diferente daquele vivido pela audiência. Sendo assim, seria interessante e relevante analisar como outros veículos de comunicação retratariam José Mujica, pois o universo de versões existentes possibilitaria uma análise mais elaborada sobre quem é, essencialmente, Pepe Mujica: o político uruguaio que conquistou jornalistas, cidadãos, celebridades e autoridades ao redor do mundo. Também seria importante examinar a criação da personagem a partir de estudos de recepção. São diversas as maneiras de se observar e perceber como uma persona é construída por meio de coberturas jornalísticas. E é essa pluralidade a que se refere Motta (2013): a importância de estudar as narrativas está no sentido que elas proporcionam à vida humana.
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ANEXO A – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 2
Mujica ataca Argentina por agir sozinha Rodrigo Cavalheiro, correspondente/Buenos Aires | 23 de fevereiro de 2015 | 02h03 Presidente uruguaio, que deixa o poder no dia 1º, gradua com palavrão compromisso argentino com integração regional O presidente do Uruguai, José Mujica, recorreu a um palavrão para definir o grau de comprometimento da Argentina com a região, em entrevista ao jornal Perfil publicada ontem. "A integração precisa de uma liderança e essa liderança se chama Brasil. Mas a Argentina teria que acompanhar e não acompanha um c...", afirmou. "Ao contrário, é como se tivesse voltado a uma visão de 1960", acrescentou. O líder uruguaio afirmou que "enquanto há vento de popa a Argentina se esquece da integração. Quando as coisas vão bem, vai para o outro lado". E adicionou que o Brasil faz o mesmo. "Nos países decisivos da América Latina, Brasil, Argentina e México, os dirigentes têm um discurso de integração, mas estão metidos até as orelhas nas contradições do Estado nacional." Ele lembrou que esteve recentemente num ato do PT com a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ouvi atentamente os discursos e em nenhum momento falaram de integração. E não o fazem por maldade, são o melhor que há." Ele reclamou de ser procurado para ficar a cargo da luta pela integração. "Lula diz 'eu não posso Pepe, não posso porque sou brasileiro (...) há uma forte burguesia paulista, que sem direção política coloniza em vez de integrar'". O presidente uruguaio deu tom de confidência a uma frase atribuída por ele a Dilma. "Vou contar um segredo: a presidente do Brasil me disse uma vez: 'Ai, Pepe, é preciso ter paciência estratégica com a Argentina'", relatou. A Argentina fechou há duas semanas 15 acordos comerciais com a China no valor de US$ 21 bilhões. Em troca, cedeu a Pequim privilégios licitatórios, trabalhistas e tributários. Analistas argentinos e brasileiros viram no movimento um sinal de afastamento do país do Mercosul. O governo argentino alegou que a melhoria da infraestrutura é benéfica para o bloco.
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Mujica mencionou na entrevista indiretamente o tema. "O Brasil tem aguentado de tudo dos argentinos, de tudo... Mas não quer perdê-los como aliados. A Argentina acaba sendo determinante em tudo. O que a Argentina fizer ou não vai influenciar o rumo que o Brasil tomar", disse o uruguaio. Mujica concluiu a entrevista na chácara em que vive nos arredores de Montevidéu dizendo que os países mais dedicados à integração são os pequenos, que por necessidade "vão correndo atrás". Dia 1.º, ele passará o poder ao médico Tabaré Vázquez, da mesma coalizão, a Frente Ampla. Tabaré governou o país de 2005 a 2010. CAVALHEIRO, Rodrigo. Mujica ataca Argentina por agir sozinha. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 fev. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,mujica-ataca-argentina-por-agirsozinha-imp-,1638062>. Acesso em: 22 out. 2015.
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ANEXO B – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 3
Ex-presos de Guantánamo foram convertidos quase em vegetais, diz Mujica
Não mencionado/Montevidéu | 26 de fevereiro de 2015 | 06h00 Uruguai recebeu em dezembro quatro sírios, um palestino e um tunisiano como parte do plano do presidente Obama de distribuir os prisioneiros na tentativa de fechar a penitenciária onde centenas suspeitos de terem ligação com a Al-Qaeda Os presos de Guantánamo que receberam refúgio no Uruguai foram convertidos quase em vegetais depois de terem sido submetidos ao isolamento na prisão americana em Cuba, disse nesta quarta-feira, 25, o presidente uruguaio, José Mujica. O Uruguai recebeu em dezembro quatro sírios, um palestino e um tunisiano como parte do plano do presidente americano, Barack Obama, de distribuir os prisioneiros na tentativa de fechar a penitenciária onde centenas suspeitos de terem ligação com a Al-Qaeda ficaram presos, muitos deles sem processo legal. Os seis ex-presos muçulmanos foram alojados numa casa num bairro popular de Montevidéu, receberam dezenas de ofertas de emprego e aulas de espanhol, mas todos concordam que ainda não estão em condições de trabalhar e outro exige uma compensação dos Estados Unidos. "São pessoas que estão destruídas", disse Mujica, um ex-guerrilheiro de 79 anos que gosta de quebrar o protocolo, em entrevista à agência Reuters. "Pegaram eles numa etapa jovem da vida e mataram mantendo-os presos." Com a ajuda de uma entidade internacional, Mujica, que entregará o cargo ao colega de partido Tabaré Vázquez no domingo, garantiu que o Uruguai dará apoio econômico aos ex-presos. Contudo, acredita que mesmo sendo instruídos durante anos, os esforços não vão dar muitos frutos. "Falta neles o fogo interior, o afã de lutar pela vida, transformaram eles meio que em vegetais", disse Mujica. Um dos ex-réus que já tem passaporte pediu para deixar o país sul-americano. "Estamos vendo em alguma embaixada de algum país árabe que o receba", afirmou.
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A presença dos ex-presos deixou muitos uruguaios preocupados, no princípio, com a segurança, assim como aconteceu com a controversa iniciativa de Mujica de legalizar a produção, venda e consumo de maconha. Seu sucessor tem se mostrado cauteloso com a iniciativa sobre a maconha e disse que tomará todas as precauções para que o projeto não afete a segurança pública. A proposta, que pretende se tornar uma alternativa para combater o tráfico de drogas, ganhou as páginas dos jornais no mundo todo, mas ainda não foi totalmente aplicada pela falta de precedentes, o que tem complicado colocar as ideias em prática. Mujica disse que o maior desafio para o sucesso da iniciativa de legalização pioneira é estabelecer um preço de venda de maconha que seja justo e menor ao do mercado paralelo. "O obstáculo pode estar na relação de preços, para que chegue ao consumidor a um preço aceitável e que seja bom", disse ele à Reuters no seu modesto sítio localizado na periferia de Montevidéu. "Os produtores vão tentar ganhar mais dinheiro, como em qualquer negócio." A experiência do Uruguai é acompanhada de perto por diferentes países do mundo e da própria região, que procuram novas alternativas para lutar contra as drogas depois de anos de combates frontais que não acabaram com o flagelo. Mujica fez um balanço do seu governo e não se considerou um bom presidente. Apesar de conseguir estabilizar a economia e reduzir a pobreza com programas sociais, não freou a deterioração da educação, nem o avanço da insegurança. "É provável que seja um agitador. Outros virão e o farão melhor", disse. Vizinhos. Mujica garante que a região conseguiu uma ampla integração em termos políticos, mas nem sempre nos comerciais. E neste sentido destacou a vizinha Argentina, um dos seus principais países parceiros. "A Argentina teria que se preocupar com seus problemas internos, mas também para o bairro. Não pode tratar o bairro como trata o resto do mundo, essa é a diferença", disse o presidente, referindo-se às restrições comerciais argentinas que reduziram as exportações uruguaias ao país em 15 %nos últimos anos.
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"Tem todo o direito de priorizar sua visão interna. Agora, considero que a visão interna é o Mercosul", acrescentou ele sobre o bloco comercial integrado também por Argentina, Brasil, Paraguai e Venezuela. Mujica disse estar muito atento à crise na Venezuela e o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que enfrenta uma queda na popularidade em meio a uma recessão econômica. Ex-presos de Guantánamo foram convertidos quase em vegetais, diz Mujica. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 fev. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral%2cex-presos-de-guantanamoforam-convertidos-quase-em-vegetais-diz-mujica%2c1639788>. Acesso em 22 out. 2015.
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ANEXO C – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 4 Milhares participam de 'despedida' de Mujica
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Montevidéu | 28 de fevereiro de 2015 | 02h03 Presidente do Uruguai comparece às últimas cerimônias oficiais antes de entregar amanhã o cargo a Tabaré Vázquez Diante de uma multidão que lotou a Praça Independência com máscaras, faixas, bandeiras e trouxe até a réplica de um fusca azul, o presidente do Uruguai, José Mujica, agradeceu ontem o apoio da população durante seu mandato de cinco anos. Hoje, ele e a presidente Dilma Rousseff inauguram o parque eólico de Artilleros, o primeiro empreendimento da Eletrobrás no exterior e último evento público de Mujica antes de passar a faixa presidencial para Tabaré Vázquez - a posse será amanhã. "Obrigado pelas críticas, pelo carinho e, sobretudo, pelo companheirismo", disse Mujica para cerca de 10 mil pessoas. "Não estou indo embora. Estou chegando. Irei com o último alento e onde que eu esteja, estarei com vocês." "Não gosto da esquerda, mas votei nele e faria de novo", declarou ao Estado a guia de turismo Natália Barrera, de 25 anos, filha um uruguaio e uma brasileira. Ela destacou o avanço da legislação uruguaia em questões como aborto, consumo de maconha e casamento gay. "Ele lutou por um país mais livre, com mais igualdade e diversidade." Para a dona de casa Elizabeth Pagano, de 65 anos, Mujica foi o único presidente uruguaio que fez alguma coisa concreta pelo povo. "O Tabaré não tem nada a ver com o Mujica", afirmou, referindo-se ao fato de seu sucessor ser um médico milionário morador de um bairro nobre da capital. "É triste ver Pepe deixar a presidência." Integração. Em entrevista publicada na edição de ontem do jornal El Observador, Mujica apontou a política energética como um dos acertos de seu governo, destacando que o Uruguai possui uma "relação potente" com o Brasil. "Sou fanático
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pela luta da integração da América. Se Argentina e Brasil não chegam a um acordo, não há integração", comentou. MOURA, Rafael Moraes. Milhares participam de ‘despedida’ de Mujica. Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 fev. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,milhares-participam-dedespedida-de-mujica-imp-,1641666>. Acesso em: 22 out. 2015.
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ANEXO D – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 5
Ao lado de Dilma, Mujica cumpre última agenda e inaugura parque eólico
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Montevidéu | 28 de fevereiro de 2015 | 08h06 Depois da inauguração do parque eólico, Dilma e Mujica se deslocam para a residência oficial de Anchorena, onde deverão fazer uma declaração à imprensa Antes de se despedir do cargo e dar fim a uma era de cinco anos em que apoiou leis progressistas, governou com um estilo pautado pela informalidade e se transformou em estrela internacional, o presidente do Uruguai, José Mujica, cumpre sua última agenda pública neste sábado (28), em evento ao lado da presidente Dilma Rousseff. Os dois inaugurarão o parque eólico de Artilleros, o primeiro empreendimento da Eletrobras a gerar energia no exterior. O evento está marcado para 12h15 (horário de Brasília). O investimento do projeto é de US$ 103 milhões, dos quais US$ 23,5 milhões foram bancados pela Eletrobras - a estatal uruguaia UTE e a Corporación Andina de Fomento também participaram do financiamento. Desde dezembro de 2014, o parque está em operação. Embora a energia gerada pelo parque seja destinada ao sistema elétrico do Uruguai, a Eletrobras ressalta que o aumento da capacidade instalada naquele país “possibilitará a geração de excedentes de energia que poderiam ser intercambiados com o sistema elétrico brasileiro”. Segundo a Eletrobras, a interconexão elétrica existente entre os dois países permite atualmente um intercâmbio de até 70 MW. Com a conclusão de uma nova linha de transmissão entre Brasil e Uruguai, prevista para o primeiro semestre, o intercâmbio poderá ser aumentado em 500 MW, informou a empresa. Almoço. Depois da inauguração do parque eólico, Dilma e Mujica se deslocam para a residência oficial de Anchorena, onde deverão fazer uma declaração à imprensa, por volta de 15h40 (horário de Brasília).
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Segundo o Estado apurou, a intenção inicial das autoridades uruguaias era que fosse realizada uma coletiva de imprensa hoje à tarde, mas emissários do Planalto teriam preferido o formato de uma curta declaração à imprensa, sem a intervenção de jornalistas na fala de Dilma. MOURA, Rafael Moraes. Ao lado de Dilma, Mujica cumpre última agenda e inaugura parque eólico. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 fev. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/america-latina%2cao-lado-de-dilmamujica-cumpre-ultima-agenda-e-inaugura-parque-eolico%2c1641743>. Acesso em: 22 out. 2015.
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ANEXO E – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 6
Um Brasil rico interessa ao Uruguai, diz Mujica
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Tarariras | 28 de fevereiro de 2015 | 19h48 Presidente uruguaio inaugurou um parque eólico neste sábado, o primeiro empreendimento da Eletrobras a gerar energia no exterior Em sua última agenda pública antes de entregar o cargo para Tábaré Vázquez, o presidente do Uruguai, José Mujica, disse neste sábado, 28, à presidente Dilma Rousseff esperar que o Brasil se desenvolva e cresça, o que beneficiaria países vizinhos. Segundo o último relatório de Mercado Focus, a expectativa é a de que o PIB brasileiro sofra uma retração de 0,50% em 2015. "Nós trataremos de colaborar com o desenvolvimento do Brasil, mas não desinteressadamente", discursou Mujica, em solenidade de inauguração do parque eólico de Artilleros, o primeiro empreendimento da Eletrobras a gerar energia no exterior. "Nós queremos que o Brasil se desenvolva - interessadamente. Nos interessa um Brasil rico e quanto mais rico, melhor vamos viver todos", prosseguiu o líder uruguaio, sob aplausos. Embora a energia gerada pelo parque seja destinada ao sistema elétrico do Uruguai, a Eletrobras ressalta que o aumento da capacidade instalada naquele país possibilitará a geração de excedentes de energia que poderiam ser intercambiados com o sistema elétrico brasileiro. O investimento do projeto é de US$ 103 milhões, dos quais US$ 23,5 milhões foram bancados pela Eletrobras - o restante foi pago pela estatal uruguaia UTE e a Corporación Andina de Fomento. Segundo o Broadcast Político apurou, houve uma preocupação do governo brasileiro em evitar que o parque eólico no Uruguai fosse alvo de polêmica semelhante àquela provocada com o porto de Muriel, em Cuba, financiado com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na sexta-feira, a presidente inaugurou um parque eólico em Santa Vitória do Palmar, no Rio Grande do Sul.
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Na avaliação de Dilma, o parque eólico vai beneficiar ambos os países. "Trata-se da integração do sistema elétrico. Nós vamos ter também uma linha de transmissão que vai permitir que, no Brasil e no Uruguai, nós construamos um sistema interligado de geração de energia que vai dar mais segurança para as nossas populações e uma energia de melhor qualidade e mais barata", destacou a presidente. De acordo com a Eletrobrás, a interconexão elétrica existente entre os dois países permite atualmente um intercâmbio de até 70 MW. Com a conclusão de uma nova linha de transmissão entre Brasil e Uruguai, prevista para o primeiro semestre, o intercâmbio poderá ser aumentado em 500 MW, informou a estatal. Dirigindo-se à presidente Dilma Rousseff, que prestigiará a posse de Tabaré Vázquez neste domingo, Mujica agradeceu a colaboração com o governo brasileiro. "Obrigado, Dilma, obrigado, Brasil, país demasiado grande, com muitos problemas. Não há um Brasil, há vários (Brasis)", comentou o uruguaio. "Um tremendo problema, porque a sua própria grandeza lhe multiplica a magnitude dos problemas." Utopia. Antes do início da solenidade em Tarariras, localidade do departamento de Colônia, Dilma concedeu uma rápida entrevista e disse que passava por uma "sensação estratégica" ao estar ao lado de Mujica no último dia dele na Presidência. "Acredito que o presidente Mujica representa o que há de melhor na América Latina, uma liderança com um compromisso com seu povo e todo o povo latino-americano e ao mesmo tempo uma pessoa encantadora, que está à frente do seu tempo. O presidente Mujica tem a realidade e a utopia compartilhada", afirmou Dilma. MOURA, Rafael Moraes. Um Brasil rico interessa ao Uruguai, diz Mujica. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 fev. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,um-brasil-rico-interessa-aouruguai-diz-mujica,1641944>. Acesso em 22 out. 2015.
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ANEXO F – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 7
Mujica: um líder de hábitos simples e carismático
Renata Tranches | 1º de março de 2015 | 03h00 Para analistas, mesmo fora do mais alto cargo do Uruguai, Mujica continuará influente na política José “Pepe” Mujica, o líder que conquistou os uruguaios com seu jeito simples e direto, se despede neste domingo, 1º, do cargo, mas não tem planos para sair de cena tão cedo. “A partir de 1.º de março, passaremos a ajudar o novo governo, o empurraremos com entusiasmo para alcançarmos as mudanças de que necessita nosso país. Vale a pena nos comprometermos com esse esforço”, escreveu Mujica no site que lançou dias antes de encerrar seu mandato: www.pepemujica.uy. O cientista político do Instituto de Ciência Política da Universidade da República, de Montevidéu, Daniel Chasquetti, acredita que Mujica, que se elegeu senador, terá um papel crucial nos próximos cinco anos, ao lado da mulher e atual senadora Lucía Topolansky. Segundo ele, o grau de harmonia na distribuição dos cargos no gabinete e na bancada legislativa da Frente Ampla é o menor desde 1985. “Há setores mais representados do que outros. Portanto, o gabinete estará ideologicamente posicionado mais à direita do que a bancada legislativa, onde estará o próprio Mujica”, disse. Esse cenário, segundo Chasquetti, poderá significar um problema se as iniciativas legislativas não se ajustarem às preferências do legislador mediano da Frente Ampla, que tem a maioria no Parlamento. “Não acredito que vá ser uma pedra no sapato do governo, mas será influente no processo legislativo. Ele exigirá que se leve em conta seus pontos de vista e o Poder Executivo não poderá enviar qualquer projeto e exigir disciplina. Haverá muita negociação”, reitera Chasquetti.
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O professor Francisco Panizza, especialista em América Latina da London School of Economics, prevê uma busca de equilíbrio entre esses dois líderes. Com um estilo muito diferente do de Mujica, Tabaré tende a dar autonomia a seus ministros no dia a dia, mas exercerá sua autoridade nas decisões mais importantes. Por outro lado, Pepe fará o contrapeso no Parlamento, já que controla quase a metade da bancada da Frente Ampla, como lembrou o professor. Ainda sobre estilos, os uruguaios notarão a diferença no Palácio Estévez. Também popular entre os uruguaios, Tabaré cuida muito bem de suas aparições públicas, calcula cada movimento político e não titubeia na hora de tomar decisões, ressaltou Chasquetti. Quando deixou o cargo, em 2010, Tabaré tinha ainda mais popularidade que seu colega - 78% diante dos 65% com os quais Pepe encerra seu mandato. No entanto, neste domingo, 1º, o Uruguai se despede do presidente de hábitos simples, que preferiu continuar morando em sua chácara, alternando os papéis de líder de um país e chacareiro. Prestes a completar 80 anos, será lembrado também por não abrir mão do Fusca 1987, nem mesmo diante de uma oferta de US$ 1 milhão, e por doar 90% de seu salário. “Como político, Tabaré é infinitamente mais eficiente que Mujica, mas não tem o seu encanto”, afirmou Chasquetti. Em entrevista ao Estado, no ano passado, o presidente Mujica rejeitou a ideia de que seu maior legado tenha sido leis como a legalização da maconha, do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para o ex-guerrilheiro, suas grandes realizações foram as conquistas sociais, a diminuição da pobreza e o aumento do trabalho no país. TRANCHES, Renata. Mujica: um líder de hábitos simples e carismático. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1º mar. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral%2cmujica-um-lider-de-habitossimples-e-carismatico%2c1641967>. Acesso em: 22 out. 2015.
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ANEXO G – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 8
Tabaré Vázquez herda pendências da popular era Mujica
Renata Tranches | 1º de março de 2015 | 03h00 Presidente que toma posse no Uruguai deve controlar gastos das empresas públicas e realizar reformas em áreas como educação Cinco anos depois de passar o cargo para José “Pepe” Mujica, Tabaré Vázquez receberá das mãos dele, neste domingo, 1º, a presidência do Uruguai. Ao suceder um governo marcado pela alta aceitação popular, com uma economia em crescimento e taxas de desemprego em níveis historicamente baixos, o novo presidente herda também pendências. Com um estilo diferente de governar, Tabaré não deverá fazer mudanças drásticas nas políticas de seu predecessor, mas, segundo especialistas consultados pelo Estado, ajustes devem ser feitos em setores que têm provocado descontentamento. Retorno. Tabaré Vasquez cumprimenta partidário da Frente Ampla na despedida de Mujica: presidente volta ao poder Em primeiro lugar, apontam, está a educação. “Há muita insatisfação pelo pouco que se tem feito (na área)”, destaca o cientista político Daniel Chasquetti, do Instituto de Ciência Política da Universidade da República, de Montevidéu. Segundo o analista, o novo presidente tem pensado em uma reforma que teria como foco primordial a área do ensino médio. O setor, de uma maneira em geral, sofreu com a falta de progresso nos últimos anos, como reiterou o professor uruguaio Francisco Panizza, especialista em América Latina da britânica London School of Economics. Deverá haver mudança também na política internacional, que ganhou destaque com Mujica. Em geral, segundo Chasquetti, a agenda de Tabaré será “mais comercial” e “tentará contar mais com o respaldo da oposição” uruguaia. Nesse sentido, segundo Panizza, a tendência será fortalecer as já boas relações com o Brasil e com os EUA, além de dar uma importância maior aos tratados de livre
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comércio em andamento, como o que se negocia há anos entre o Mercosul e a União Europeia. Com a Argentina, os analistas não veem mudança a curto prazo e as relações devem continuar complicadas política e economicamente enquanto Cristina Kirchner for a presidente. Em sua última semana como presidente, Mujica criticou a Casa Rosada por não “acompanhar a integração regional”. O fato de a presidente não ir à posse no país vizinho, segundo o professor Panizza, é muito significativo. Chasquetti destacou que ela enviou como representante seu vice, Amado Boudou, enquanto os principais países da região terão seus presidentes na cerimônia deste domingo. A escolha não foi por acaso, na avaliação do cientista político, e é também um sintoma da relação bilateral. Há duas semanas, um juiz uruguaio concedeu uma ordem de detenção e extradição para o suposto “testa de ferro” de Boudou, Alejandro Vandenbroele, investigado na Argentina em um caso de lavagem de dinheiro. No dia 20, ele foi preso pela Interpol na Província de Mendoza. Outra grande expectativa com o governo Tabaré está na comercialização legalizada de maconha no país, aprovada por Mujica e esperada para começar até abril. Desde que foi eleito, Tabaré prometeu não reverter a política, mas adiantou que faria algumas emendas. Segundo Chasquetti, o novo presidente não quer que ela seja vendida nas farmácias e, por isso, ele poderá fazer mudanças nos decretos regulatórios. Segundo o jornal uruguaio El País, o Estado ainda não selecionou as empresas que farão o cultivo da maconha. Como consequência, o plantio nem começou, o que naturalmente deve atrasar as vendas. De uma forma em geral, diz o jornal, os aspectos centrais da lei que legalizou o mercado da maconha no país - uma iniciativa que chamou a atenção do mundo - ainda não foram iniciados. Ajustes econômicos. A economia uruguaia também deverá entrar em uma nova fase sob a presidência de Tabaré - de ajustes. “Umas das áreas mais críticas no governo Mujica tem a ver com a falta de controle nos gastos de investimentos das
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empresas públicas, que contribuíram para um déficit fiscal elevado”, criticou Panizza. Mujica, que assumiu, em 2010, com um déficit público de 1,7% do PIB, deixa o cargo com essa taxa em 3,5%. “Se o crescimento for menor, a festa será modesta”, alertou Chasquetti, acrescentando que o cenário poderá causar insatisfação em certos setores sociais. Há dez anos no poder, a Frente Ampla - coalizão que governa o Uruguai - não poderá se arriscar em 2020, quando enfrentará uma eleição mais complexa. “Suas três figuras principais estarão muito velhas e será tempo de renovações profundas”, afirma o cientista político. “A diferença das eleições anteriores, nas quais os candidatos faziam a diferença, é que, na próxima, as conquistas ou fracassos do governo serão muito mais importantes.” TRANCHES, Renata. Tabaré Vázquez herda pendências da popular era Mujica. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1º mar. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,tabare-vazquez-herdapendencias-da-popular-era-mujica,1641963>. Acesso em: 22 out. 2015.
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ANEXO H – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 9
Mujica pede apoio a Tabaré e se despede da Presidência do Uruguai a bordo de fusca azul
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Montevidéu | 1º de março de 2015 | 15h01 Tabaré Vázquez assumiu neste domingo, 1º; o agora ex-presidente José 'Pepe' Mujica foi eleito para mandato no Senado uruguaio Encerrando um ciclo de cinco anos em que ganhou popularidade a nível global, o ex-presidente José Mujica disse neste domingo, 1º, esperar que o povo uruguaio faça todo o possível para apoiar seu sucessor, o médico Tabaré Vázquez. Depois de entregar a faixa presidencial a Vázquez, Mujica deu uma volta na Praça Independência e, acompanhado de uma equipe de segurança, embarcou no seu fusca azul, no banco de passageiro, cercado por simpatizantes e ovacionado pelo público. "Agradeço por todo o apoio que me deu o povo uruguaio", comentou Mujica, emocionado. "O povo uruguaio tem que fazer todo o possível para apoiar o governo que começa." Para o ex-presidente uruguaio, a sua trajetória comprova que aqueles que não se entregam nem baixam a guarda sempre conseguem "algum reconhecimento e compensação". "Fizemos algumas coisas e outras, não. Mas virão outros melhores e assim sucessivamente", disse. A cerimônia de transmissão de mandato presidencial contou com as presenças dos presidentes de Cuba, Raúl Castro; do Chile, Michelle Bachelet; do Equador, Rafael Correa; e do Paraguai, Horacio Cartes. O vice-presidente da Argentina, Amado Boudou, foi vaiado quando teve seu nome anunciado pelo locutor e subiu ao palco para cumprimentar Vázquez. A transmissão de mandato foi marcada pelas ausências: o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, cancelou a ida ao Uruguai por motivos de saúde; o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tenta administrar a crise política e social instalada no país; e o presidente da Bolívia, Evo Morales, cumpriu agenda com
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Mujica às vésperas do fim do mandato, mas retornou logo depois. Já a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, fará neste domingo seu oitavo discurso anual no Congresso. Reunião. A presidente Dilma Rousseff acompanhou a sessão solene de Compromisso de Honra e Declaração de Fidelidade Constitucional, no Palácio Legislativo, mas não ficou para a cerimônia de transmissão de mandato presidencial. Antes de embarcar para o Rio de Janeiro, onde inaugura um túnel e participa de celebração dos 450 anos da cidade, Dilma teve uma reunião com Vázquez no Palácio Legislativo. Durante vinte minutos, trataram da cooperação bilateral, o que atrasou a transmissão de mandato presidencial. "Não falamos da situação na Venezuela, apenas da relação Brasil-Uruguai", disse Vázquez ao Estado. Em artigo publicado na edição deste domingo do jornal uruguaio "El País", Dilma afirmou ter "plena convicção" de que, com o presidente Tabaré Vázquez, "manteremos o mesmo nível de excelência das relações entre nossos países". "O retorno de Tabaré - amigo do Brasil - ao comando da nação uruguaia nos dá segurança de poder avançar ainda mais na consolidação da integração entre Uruguai e Brasil, em prol do desenvolvimento e do bem-estar de nossas sociedades e do conjunto da região", disse a presidente. Energia. Dilma e Mujica inauguraram neste sábado, 28, o parque eólico de Artilleros, o primeiro empreendimento da Eletrobras a gerar energia no exterior. Segundo a Eletrobras, a energia produzida pelo parque se destinará ao sistema elétrico do Uruguai, mas a capacidade instalada naquele país vai permitir que a geração de excedentes de energia sejam intercambiados com o sistema elétrico brasileiro. "O parque representa uma iniciativa de cooperação pioneira e emblemática no setor de geração de energia renovável", comentou Dilma, no artigo. "Artilleros se soma à nova linha de transmissão entre Brasil e Uruguai, cuja entrada em operação fortalecerá a segurança energética de nossos países."
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MOURA, Rafael Moraes. Mujica pede apoio a Tabaré e se despede da Presidência do Uruguai a bordo de fusca azul. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1º mar. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral%2cmujica-pedeapoio-a-tabare-e-se-despede-da-presidencia-do-uruguai-a-bordo-de-fuscaazul%2c1642227>. Acesso em: 22 out. 2015.
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ANEXO I – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 10
José Mujica deixa a presidência do Uruguai e volta para casa em seu velho Fusca
Malena Castaldi/Reuters | 1º de março de 2015 | 15h59 José Mujica se despediu do poder neste domingo no Uruguai da mesma forma única com a qual ganhou popularidade entre seus compatriotas e em todo o mundo, voltando para casa em seu inconfundível Volkswagen Fusca azul claro. O ex-guerrilheiro de 79 anos, que vive em uma modesta chácara nas cercanias de Montevidéu, devolveu a faixa presidencial ao seu antecessor Tabaré Vázquez após uma gestão que teve altos e baixos. Vázquez assumiu no domingo o segundo mandato na presidência. Antes, ele já havia assumido em 2005 como o primeiro presidente de esquerda do Uruguai. "O povo uruguaio tem que fazer todo o possível para ajudar um governo que está começando. Dar a ele toda a força que puder dar, pois se ele vai bem, o país vai melhor também", disse Mujica aos jornalistas após abandonar a praça principal da capital, onde entregou o mandato vestindo um traje sem gravata e de óculos de sol. "De minha parte, digo muito obrigado por tudo o que o povo uruguaio me deu. Tive a imensa honra de contar com a sorte com ele", acrescentou o agora ex-presidente. "Algumas coisas conseguimos fazer e outras não, mas aí virão outros que serão melhores e assim sucessivamente". Mujica, que adquiriu ampla popularidade internacional pela sua maneira única de falar e se vestir, assim como por seus discursos anti-consumismo, terminou sua gestão com 65 por cento de aprovação popular, segundo a última pesquisa da consultora Equipos, de dezembro. Mujica disse há alguns dias em entrevista à Reuters que não se considerava um bom presidente. "É provável que eu seja um agitador. Há a ideia de que o presidente deve ser um gerente (...) Eu não creio que o povo seja como em uma fábrica. A política não é gerenciar, a política é conduzir."
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CASTALDI, Malena. José Mujica deixa a presidência do Uruguai e volta para casa em seu velho Fusca. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1º mar. 2015. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral%2cjose-mujica-deixa-a-presidenciado-uruguai-e-volta-para-casa-em-seu-velho-fusca%2c1642246>. Acesso em: 22 out. 2015.
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ANEXO J – NOTÍCIA-BASE PARA FORMULAÇÃO DO QUADRO 11
Dilma e ex-presidente manifestam preocupação com Venezuela
Rafael Moraes Moura, enviado especial/Montevidéu | 2 de março de 2015 | 02h04 Mujica e a presidentebrasileira discutiramsobre a crise econômica e política em Caracas durante almoço no sábado No último dia como presidente do Uruguai, José Mujica aproveitou no sábado um almoço com a presidente Dilma Rousseff para discutir a crise política na Venezuela. Segundo o Estado apurou, o assunto foi trazido à discussão pelo próprio Mujica e tanto ele quanto Dilma demonstraram preocupação com os últimos acontecimentos na região. Dilma e Mujica conversaram na residência oficial de campo de Anchonera, depois de inaugurarem juntos o parque eólico de Artilleros. Em razão da crise na Venezuela pela situação econômica, a prisão de opositores e a morte de um estudante durante protesto na semana passada -, o presidente Nicolás Maduro decidiu não comparecer à posse de Tabaré Vázquez. Havia uma expectativa de que, com a presença de presidentes e chanceleres sulamericanos em Montevidéu, fosse realizada uma reunião para discutir o cenário venezuelano, o que não ocorreu. A posse de Tabaré foi marcada pela ausência de Maduro, do presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e pela breve passagem de Dilma, que não ficou para a transmissão de mandato presidencial. Antes de embarcar de volta para o Brasil, Dilma se reuniu por 25 minutos com Tabaré, no Palácio Legislativo, após a sessão solene de compromisso de honra e declaração de fidelidade constitucional. "Não falamos de Venezuela, apenas da relação Brasil-Uruguai", disse Tabaré ao Estado. Em entrevista ao jornal El País publicada na quinta-feira, Mujica demonstrou preocupação com a possibilidade de um golpe de Estado de militares da esquerda.
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"Com isso, a defesa democrática vai para o inferno. Seria um erro gravíssimo se desrespeitassem a Constituição", afirmou. Na semana passada, o Itamaraty divulgou uma nota em que cobra o retorno do diálogo entre a oposição e o governo venezuelanos, demonstrando incômodo com decisões do governo de Nicolás Maduro, que mandou prender o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma. "São motivos de crescente atenção as medidas tomadas nos últimos dias, que afetam diretamente partidos políticos e representantes democraticamente eleitos, assim como iniciativas tendentes a abreviar o mandato presidencial", disse a nota do Itamaraty. Ao receber no dia 20 as credenciais da nova embaixadora venezuelana, María Lourdes Urbaneja, Dilma disse que não poderia comentar "questões internas" da Venezuela. Dieta. Durante o almoço com Mujica, Dilma resistiu à tentação da carne uruguaia e seguiu à risca a dieta Ravenna, que fez com que perdesse 15 quilos. Enquanto Mujica fez um prato abundante de espaguete com almôndegas, Dilma comeu só um pouco de carne. MOURA, Rafael Moraes. Dilma e ex-presidente manifestam preocupação com Venezuela. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 2 mar. 2015. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral%2cdilma-e-ex-presidentemanifestam-preocupacao-com-venezuela-imp-%2c1642396>. Acesso em: 22 out. 2015.