Livro psicografias de fernando pessoa

Page 1

Sicografias de Fernando Pessoa por Isilda Nun

Sou

Psicografias de Fernando Pessoa por Isilda Nunes


PSICOGRAFIAS FERNANDO PESSOA


FICHA TÉCNICA

Título

Psicografias de Fernando Pessoa

Autor

Isilda Areias Nunes

Desenhos

Isilda Areias Nunes


Quando ĂŠ que

despertarei de estar

acordado?


DEDICATÓRIA

Dedico este livro em primeiro lugar ao meu primeiro grupo espiritual, cujos elementos sempre me incentivaram a editar estes poemas, ressaltando a minha amiga Catarina, cuja influência me fez dar os primeiros passos nesta Realidade. Agradeço a todos que fizeram e fazem parte do elenco da minha vida, incluindo a minha família, os meus amigos, os meus alunos de Astrologia. Não posso esquecer as três grandes mulheres que me criaram e que já partiram: a minha avó Margarida, a tia Dores e a minha mãe. Dedico a todos os que têm coragem para desbravar os caminhos da Nova Era, a todos que desafiando medos começam a materializar o ideal do 5º Império. Por fim o Álvaro, que sempre me incentivou, disciplinou e sem a insistência dele não poria em prática este projeto. Bem-haja a todos! Isilda Nunes


PREFÁCIO

A psicografia é tida como a história ou a descrição da alma ou das suas faculdades. Em outras aceções poderemos falar também que abrange a descrição dos fenómenos psíquicos e a descrição psicológica de uma pessoa ou ainda, em vários cenários civilizacionais, a escrita dos espíritos pela mão do médium. Neste ensaio a autora partilha uma autêntica ode epódica à natureza humana, a partir de um sempre e eternamente controverso poeta, Fernando Pessoa, descarnando o cerne Da verdadeira razão do seu viver e Desditando o rosário da sua vida. Em simultâneo, não conseguimos deixar de ser viandantes e companhia permanente nesta viagem. Viagem com passado e com presente onde é possível beber o infinito, pois, No futuro programado Serei pobre desgraçado, Mergulhando em novo dia… E sem heterónimos somos arrebatados para um cenário, quiçá dantesco: Corri, fugindo ao desdém, Entrando de chofre no além, Vagando em pátria desconhecida… Assumidamente, garante-nos que O sonho é o meu viver… O sonho, o meu penar… Quisera de novo viver, Para viver a sonhar… e que A vida é uma roda, Que rodando, roda, roda… Carrega o nosso destino.


Um destino que alberga um renascer constante no multifacetado e profícuo novo palco da vida. A cascata de afetos e de sensações difundidas levam ao esgar sofrido numa mundividência cósmica: Tropecei no mundo etéreo, onde Euforias de antanho Ecoam em meu ser desamparado. A ambição de imortalidade jamais poderá negar o humano. Todo o humano sofre e o poeta assim o confessa: Hoje dor já não és vã! Obrigada, minha irmã! O desconforto existencial faz luz no desabafo Vivi, vivi sem sentido Trôpego, depois de perdido, O âmago da vida em mim… Trivial, cansei depressa E, laborando o feitiço Rodei a roda até ao fim… No embalar da presciência a autora aponta o Olimpo do viver ou não viver, eis a questão, deixando-nos o retrato de Pessoa dilacerado pela antítese Eu sou a vida, Eu sou a Morte Eu sou desordem ordenada no Cosmos. Esta soberba abordagem de Fernando Pessoa revelanos novas e insondáveis leituras e a construção ousada de uma nova mito-análise, daquele que a literatura portuguesa consagrou na multiplicidade dos seus seres. Aqui, a arte de ler a alma e a alquimia do tempo traçam a sina angelical de um eterno hino à vida. António Maranhão Peixoto


O VALOR DAS COISAS

Pessoa escreveu um dia: “O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem, por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis… Possivelmente, e para os mais céticos, estaremos perante essas tais coisas inexplicáveis de que fala Pessoa, pois que seja! No entanto, não é preciso ser-se um grande especialista em Pessoa para se perceber que ele perpassa nestes poemas. A mim, amante de Pessoa, leitora há décadas do poeta, é-me possível encontrar, sem esforço, quer na temática quer no próprio vocabulário, a sua presença. E, sem pretender uma análise exaustiva, que não teria aqui lugar, referir-me-ei apenas ao primeiro poema, considerando que ele é o espelho de todos os outros. “Sol Macabro”, ao deparar-me, neste poema, com o termo “abjecto”, surgiu-me de imediato a carta de Campos a Ofélia, de que passo a transcrever este excerto: “ Ex. Ma Senhora D. Ofélia Queirós: Um abjecto e miserável indivíduo chamado Fernando Pessoa, meu particular e querido amigo, encarregou-me de comunicar a V.Exª… “. Este termo é sobejamente utilizado por Pessoa enquanto ortónimo, como pelos heterónimos, como acabámos de referir.


Mas se atentarmos na temática, ao depararmos com a expressão “amar com desespero” e conhecendo, como conhecemos a vida sempre desditosa e infeliz de Pessoa, (basta lembrar o seu amor, único que se lhe conheceu em vida, a Ofélia Queirós) para entendermos esta expressão; sobre “emoções desmedidas”, recordemos o poema “Opiário”, de Álvaro de Campos, que lá encontraremos esta mesma ideia: “ E afinal o que quero é ter fé, é calma,/E não ter estas sensações confusas./Deus que acabe com isto! Abra as eclusas-/E basta de comédias na minh’ alma!”; quanto ao verso: “frio e passivo no umbral gelado”, reenvia-me de imediato para um Campos que no poema “Aniversário” escreve: “É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…”. Poderíamos, se quiséssemos e se fosse oportuno, fazer um estudo comparativo, sério, que sempre nos levaria, sem dúvida, ao mesmo ponto de chegada: estamos perante poemas psicografados de Pessoa. A mim, não me resta a menor dúvida, e se dúvidas tivesse, bastar-me-ia a palavra da autora, pessoa idónea, de cuja seriedade e honestidade não é lícito duvidar. Póvoa, 05 de setembro de 2012

Isolete Pessoa


Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. É na voz do próprio Pessoa que inicio um comentário geral, ainda que me pareça uma tarefa sobejamente complexa e quase infinita diria, tal é o requintado mistério deste “poeta enigma”, homem de múltiplos recursos, diversos desempenhos (correspondente estrangeiro em casas comerciais, tradutor, crítico literário, comentador político, astrólogo, poeta e escritor por soberba vocação, entre outros), desdobrado em múltiplas personalidades, em vida, como um dia se classificou, o “drama de gente”. “13 de Junho de 1888 a 30 de Novembro de 1935”, poderia ser outra forma de o descrever, caminhando de encontro às datas que nos mencionou serem as únicas importantes na sua biografia. Pertencer-lhe-iam os restantes dias, os pensamentos inquietos (Eu sou a eterna insatisfação - homo) de um Pessoa aparentemente pacato e conservador, abrigando uma alma em desassossego e um ser patriótico, múltiplo e universal (Que ignóbil e ufano perjúrio/Deste vil e abjecto ser,/Incendiando a trilha dolorida/Da verdadeira razão do seu viver). Tantas linhas poderia escrever sobre este poeta que me acompanha desde a adolescência, objeto apaixonante de estudo atento e posteriormente matéria de ensino


cativante e transmissão cuidadosa, obra que leio e bebo há muito anos em contínuo, como uma fonte que jorra e transborda até à atualidade, parecendo nunca ter concluído a sua “Mensagem”, pertinente e acesa no mais genuíno que é ser Português. A vontade instigante e transcendente desenha-se neste submisso voluntário do Sonho (O sonho é o meu viver…/O sonho, o meu penar…/Quisera de novo viver,/Para viver a sonhar…), que aprendi a denominá-lo de “Mestre Pessoa”. Como antes referi, é tarefa interminável descrever ou comentar com precisão um poeta que nos deixou por legado a sua Obra, a sua e a dos seus. Fernando Pessoa era imenso, de tal ordem múltiplo que em vida se despersonalizou sucessivas vezes (Revolvi minh’alma agitada em Nada,/Em êxtase o Eu procurou o Tudo…). Destaca-se o jogo heteronímico (Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis em particular) e o semi-heterónimo Bernardo Soares (a quem coube “compor” o “Livro do Desassossego”), entre os inumeráveis nomes com que assinava e que o acompanhavam neste processo de fragmentação e unidade, o paradoxo de uma vida. No processo fascinante da heteronímia (Dum sobressalto acordei, / Assombrado deparei/Com outro eu desmembrado…), assistimos a descrições do poeta, registos escritos muito interessantes e elucidativos. A letra que se diferencia da sua, a nítida


sensação de que a mão corria num ritmo alucinante, a certeza de que não era o “Eu”, nem as suas ideias, pareceres ou pensamentos, a urgência de parar a sua rotina normal para ceder espaço a uma personalidade poética que emergia. O fenómeno que Pessoa nos descreveu era algo transcendente, um Ato de Criação que se aproximava dos seus outros conhecidos interesses, como o ocultismo e o misticismo. Os heterónimos eram personalidades poéticas perfeitamente completas, com referências claras a datas e locais de nascimento, profissões e características pessoais, manifestações artísticas totalmente distintas do ortónimo, talvez amigos, talvez companheiros de espírito, talvez até a necessidade latente de que a sua Obra, a sua Herança, fosse de tal modo universal e múltipla que num só corpo não caberia. Neste ato de “sentir com o pensamento”, Fernando Pessoa, abriu portas de mundos ocultos, não divulgados até então, ousou afirmar uma Vida de Criação e de Criador, apelando ao retorno incessante do patriotismo perdido, um apelo de resto atual e urgente face ao estado caótico de um país soberano como o nosso, que volta a clamar os seus heróis, os idealistas, os que são capazes de sonhar grande e assim tecer o mundo (E minha musa desperta,/Fluiria então liberta,/Buscando meus ideais,/Perdidos em parte incerta,/Algures, no alto mar…). Falava-nos ainda da necessidade de renovar o sebastianismo, reinventar todo o conceito de


Esperança (Que importa a tempestade,/Que importa a desventura,/Se a espera bons ventos?) e abrir espaço para esse mítico regressar, os episódios de uma Epopeia incompleta de Portugal, que em Obra tentou colmatar (Preparando o amanhã,/O verdadeiro caminho…). O Quinto Império. Essencialmente, como nos disse o poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa, “Fernando Pessoa foi o enigma em pessoa”. Como tal não poderíamos esperar nada distinto a título póstumo e creio que nessa “estalagem da razão” é possível conceber uma comunicação poética como esta que facilmente se aproxima do tanto que nos deixou em vida, palavras recorrentes, poesia musical (Hoje dor és a canção/Que me eleva à redenção!/Hoje dor já não és vã!/Obrigado, minha irmã!) e subjetiva, temas permanentes, inquietações (Amarrado, amarrei o mundo./Num sopro desperdicei tudo/E mergulhando no outro lado,/Rodei, imergindo no passado…) que perpassam linhas que os leitores atentos aprenderam a identificar como únicas, próprias daquele “Eu Profundo”, uma alma conturbada e desmultiplicada (Eu já nem Pessoa sou!/Eu caminho em desatino,/Eu sou fruto do destino/E com o destino eu vou…), no seu enigma extremo. Talvez o seu propósito, além-Pessoa, de engrandecimento e transcendência, de contributo ímpar para a evolução da humanidade e da consciência


individual, talvez o destino do génio e esse objetivo não tenham tido a mesma data de óbito, assim como Ricardo Reis que até hoje tem a sua oculta (Oculto, fascínio alado/Do eu morto encurralado,/Em busca, em busca do Tudo…). Poderemos tecer diversos pareceres sobre a forma como estes poemas foram criados, questionar ou não a veracidade do seu veículo, podemos inclusivamente considerar a negação desta forma de comunicação. Tudo é possível em cada mente inteligente, em cada livre-pensador, em cada um dos leitores deste Livro que tirarão as suas conclusões e, que mesmo sem nada concluírem de objetivo, deverão abster-se de julgar, deixando que os versos sigam o seu curso e se afirmem no interior de cada um, navegando pelo coletivo, Conheço a Isilda Nunes já há alguns anos, não hesitei em atender ao seu pedido de leitura e comentário e no momento em que me divulgou estes escritos, senti com uma lógica lucidez a diferença entre fonte e o meio, expressa atrás pelas suas próprias palavras que nos descrevem todo o processo inerente ao surgimento destes poemas psicografados Acrescentaria talvez que já existem diversos escritos publicados cujos veículos são pessoas anónimas à data, sem bagagem literária e o conhecimento necessários à sua produção e talvez por isso escolhidos para de um modo controverso mas credível, serem gratos intermediários, facilitando a comunicação discursiva que


transcende o comum entendimento. Talvez seja o tempo de romper cânones, “aprender a desaprender” Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem. Nem o que é mal nem o que é bem. (Que ânsia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro… É a Hora! ~ Fernando Pessoa ~ ”,

Gisela Mendonça


ESTADOS DE ALMA A poesia já é normalmente a tradução de estados de alma, ou circunstâncias, que expressos em verso, ganham musicalidade, ritmo, intensidade e acima de tudo criam uma corrente comunicativa capaz de incomodar de uma forma positiva a consciência de quem lê por influência de quem a escreve. Psicografias poéticas são ainda mais tudo isso, e traduzem mais ainda a intensidade da comunicação que nos chega vinda de outro plano de vida. A mensagem trazida nas palavras, versos, enfim poemas de Pessoa ressalta mais ainda quando nos chega por alguém “ Isilda Nunes “ que da poesia e de Fernando Pessoa pouco mais sabia do que aquilo que lhe ficara das aulas de Liceu e das generalidades próprias de quem frequentava um curso de ciências e não de letras. Nesta verdadeira colectânea poética que terá chegado ao subconsciente de quem a escreveu praticamente em três vezes, fica a certeza de que até para o autor original não seria fácil que tal acontecesse. Fica no entanto após uma análise mais profunda e atenta a cada um destes poemas psicografados a certeza de que só um espírito muito evoluído na escrita e multifacetado como muito poucos o foram na língua


portuguesa, poderia ter escrito tal colecção onde vários estados de alma, e diria mesmo várias personalidades estão traduzidos com todas as diferenças a que fomos habituados a encontrar nos diversos heterónimos de Pessoa. Partindo então para a assunção de que o real autor por detrás de Isilda Nunes é esse espírito evoluído que dá pelo nome de Fernando Pessoa, concluímos que estes inéditos mostram a quem lê que os temas, as palavras, os estilos e até as entrelinhas são habituais e demonstrativos das qualidades que Pessoa manifestou em todos os seus escritos. No encontro com as psicografias que nos são apresentadas neste livro, é-nos dado a perceber os estados de alma que tão férteis nos diversos heterónimos de Pessoa, eles próprios já tão presenteados pelas ilusões e desilusões de vidas interiores tão desconhecidas mas ao mesmo tempo tão reais. Em Pessoa o choque entre o eterno e o efémero que é realçado em poemas que manifestam de uma forma tão profunda a ligação permanente do autor a outros planos de vida fazendo da constante procura de explicações para os factos de uma vida interior amargurada por tudo o que a rodeou de forma por vezes macabra mas ao mesmo tempo tão real, surgem nestes poemas como se a eterna procura de respostas estivesse na partilha de


vidas e consubstanciação em rimas dessas mesmas vidas, fazendo com que nos teletransportemos para esses mesmos estados de alma que em Pessoa são a sua razão de existência. Nestes poemas psicografados que nos chegam através da mão de Isilda Nunes, chega até nós o pulsar de sentimentos de angústia misturados com o desejo de um contacto extremo com o Além, que durante a vida de Pessoa se foram misturando com a procura de uma Paz interior que nunca chegava, mas que o poeta conseguia traduzir mesmo quando em agitação psíquica, por vezes até chocante de tão realista. Por último e para tornar mais íntegra e ao mesmo tempo tão real fica nestes escritos a continuidade do questionamento em que Pessoa viveu os seus últimos dias, e como se nestas psicografias o Poeta viesse terminar algo que em vida não foi capaz de fazer, definindo aqui sim a verdadeira explicação quanto ao meu humilde entendimento do seu derradeiro estado que em agonia interior permanente não lhe deixou espaço para o discernimento dos sentidos em que ele acaba por se retratar com o último desta série de poemas que só poderia sair de uma mente tão brilhante como a daquele que é por muitos considerado, e justamente o expoente máximo dos escritores desta língua que sendo mátria nos orgulha.


Com esta série de poemas psicografados somos transportados para uma viagem pela língua feita vida, pela terra feita corpo e pelo tempo feito espaço em que nos revivemos como se a nossa alma se unisse através das letras e dos sons a um outro plano de vida que nos deixa em suspenso entre dois mundos, ao mesmo tempo tão próximos e tão longínquos como que nos obrigando a mergulhar dentro de nós em busca e ao encontro de um nosso eu tão invisível mas tão palpável. Só a leitura interpretativa destes textos pode dar-nos a real explicação para a verdadeira ilusão dos sentidos em que se pode transformar esta viagem. Álvaro Maio



“Abrem-se os céus e a obra nasce”.

Esta frase ecoou na minha mente na noite de 13 de Junho de 2011, um dia após ter ido visitar pela primeira vez a casa de Fernando Pessoa, assim como outros lugares que o Poeta percorreu durante a sua última estadia reencarnatória. Sou Isilda, uma simples transeunte, incógnita na multidão, tentando escalar a “escada de Jacob”da melhor forma possível entre lágrimas e sorrisos, quedas e vitórias, em eterna busca de uma Verdade Maior. Ainda sou um espírito básico e é longa a minha Jornada, mas a minha grande sede de Saber faz-me correr para a Fonte, vivendo diariamente uma eterna alquimia, tentando perdoar-me e responsabilizar-me para seguir em frente. O temor da Inquisição ressoou na minha alma como um autoimpedimento de tornar público aquilo que me foi entregue em 1998, quando começou a história: Era uma vez EU, perdida num reino demasiadamente fundamentalista, onde via o mundo pelos olhos de outrem Durante uma grande crise que afetou a minha vida em 1996, comecei a ouvir vozes que me diziam verdades


que eu acabava por comprovar, a ter flashes pré e pós cognitivos, a escrever compulsivamente mensagens alheias a mim. Entrava frequentemente num estado alterado de consciência, sentindo à minha volta uma espécie de ruído que mais parecia o vento; os globos oculares rodavam como na fase REM e a partir daí a semi ou a inconsciência. Na noite de 20 de Abril de 1998, tive uma vontade enorme de escrever. Como estava demasiadamente cansada devido ao excesso de trabalho e além disso teria que me levantar muito cedo no dia seguinte, tentei rejeitar essa vontade e deitar-me. Mas a ideia era tão obsessiva que eu não pude contrariá-la, apanhei umas folhas de papel e lápis e fui para a cama. De repente tive uma visão: vi um soneto escrito numa folha e no canto superior direito desta desenhado o “Sol”, tal e qual as crianças o fazem, com olhinhos e a sorrir A minha mão compulsivamente começou a psicografar “Sol Macabro” e os cinco poemas seguintes. Acordei desse estado com um ruído que não identifiquei. Entretanto como passava da meia-noite pousei tudo no chão ao pé da cama, mas mesmo na escuridão a minha mão continuou a escrever mais quatro poemas


Passados vinte dias, precisamente no dia 10 de Maio psicografei mais onze. Quando já pensava não voltar a psicografar Fernando Pessoa e já tinham passado treze anos, voltei a reencontrar-me com este fenómeno na noite do aniversário do Poeta, a 13 de Junho de 2011, após uma visita à sua casa em Lisboa. O surreal disto é que eu não conhecia a obra de Fernando Pessoa a não ser o “Mar Portuguez”, poema que tinha declamado numa festa de Natal com 6 anos de idade, mas que nunca o esquecera e ainda o sabia de cor. No Ensino Secundário, na minha geração estudava-se os Lusíadas e no Ensino Complementar eu enveredei por Ciências, outra razão para desconhecer praticamente os seus escritos. Além disso, nessa altura não gostava muito de poesia, apesar da leitura em prosa ser o meu principal hobby. Após uma semana, fui despertada para a Astrologia, por influência de uma jornalista, estudante nesta área. Pela comprovação que pude fazer da sua correta análise da minha personalidade, bem como da de alguns familiares, decidi investigar por conta própria, rendendo-me em pouco tempo à veracidade das evidências


Esta temática também investigada por Pessoa e que eu desacreditava até ao momento de repente preencheu a minha vida até hoje. Com certeza encontrarei a polémica e controvérsia, mas hoje, passados quinze anos sinto-me mais madura para enfrentar o julgamento e desafiar o meu medo Hoje tomei consciência que “os versos não se guardam na gaveta”.

Isilda Nunes


PSICOGRAFIAS RECEBIDAS NA NOITE DE 20 PARA 21/04/1998



1-SOL MACABRO

Que ignóbil e ufano perjúrio Deste vil e abjecto ser, Incendiando a trilha dolorida Da verdadeira razão do seu viver.

Amar o ser amado amou com desespero E na junção de emoções desmedidas, Causadas no âmago de diferentes vidas, Da vida em obsessão não tomou freio.

Hoje ressente-se em seu olhar parado, Frio e passivo no umbral gelado, Desditando o rosário da sua vida…

Olhando de longe, vive o sol macabro, Rindo do seu viver em descalabro, Depois de arruinar a desditosa sina…



2- NOVO ESTATUTO Molhando, molhei o coração parado… Passivo, passei para o outro lado E perdi o amor resplandecente Que me estava destinado por presente.

Adquiri novo estatuto Noutro país no além-túmulo E caí espezinhado Entre sarcasmos de maldade…

Letrado, eu fora rei E hoje fora-de-lei, Caminhando triste via…

No futuro programado Serei pobre desgraçado, Mergulhando em novo dia…



3- A RODA DA VIDA

Rolando, rolou a roda, Esmagando o coração que chora, Estripando ténue envoltório Nos rochedos abismais da vida…

Amarrado, amarrei o mundo. Num sopro desperdicei tudo E mergulhando no outro lado, Rodei, imergindo no passado…

Corri, fugindo ao desdém, Entrando de chofre no além, Vagando em pátria desconhecida…

E apesar de cortada a triste vida, Continuo lamentando a sina, Entre pingentes de cristais ardentes…


4 - O SONHO

Sândalo cheirei ao poisar, O meu olhar nessa flor, Qual abelha intrometida, Envolvida em seu labor…

Quão ousadas são as aves Ávidas de atingir o céu, São como os meus pensamentos, Fugindo do mausoléu… O sonho é o meu viver… O sonho, o meu penar… Quisera de novo viver, Para viver a sonhar…

Sonhar a realidade, Que eu sonhando fugi, Para sonhar de verdade Começar de onde parti…


5- LOUVOR À ALMA PURA

Que venturosa aventura, Aquela da alma pura, Que enfrenta a tempestade. A tormentosa tormenta Não derruba, acalenta Uma alma de verdade.

Caminha encaminhando, O bravio desbravando… E este ser mavioso Luz no túnel tenebroso, De difícil caminhada.

Vive, vivendo a vida, Ainda que seja sofrida, Sem lamúrias, nem lamentos… Que importa a tempestade, Que importa a desventura, Se a espera bons ventos?


O que ĂŠ o presente?

É uma coisa relativa ao passado e ao futuro


6. O ENTRELAÇAR DO TEMPO Desafiando o destino, Eu deixei-o no caminho, Fugindo à lei do Deus meu! Mas o destino marcado Continuou a meu lado, Abraçando o que era seu… Que importa para onde vou? Pois, por simples ironia Eu já nem Pessoa sou! Eu caminho em desatino, Eu sou fruto do destino E com o destino eu vou… Vivi empenhando a vida Por uma causa perdida Que como o vento voou! Eu sou fruto do passado, Passado que foi meu fado E com o passado eu vou…


Com canto de cotovia Que do meu quarto ouvia, Veio a morte e me chamou! Eu sou fruto do presente, Que ora está tão ausente E com o presente eu vou…

De noite eu vejo a Lua Tão deslumbrante e nua, Amando quem sempre amou! Eu sou fruto do futuro, Passarei além do muro E com o futuro eu vou…

A vida é uma roda, Que rodando, roda, roda… Carrega o nosso destino! Roda cá e roda lá, Preparando o amanhã, O verdadeiro caminho…


6- ALVORADA

A aurora semeou um clarão dourado, Eu beijei o chão molhado E acordei a sorrir… Das lágrimas do meu passado, Eu plantei deste lado A rota do meu porvir… Cantaram os passarinhos Espreitando de seus ninhos A minha bela alvorada… Ergui os olhos aos céus, Apanhei os sonhos meus Espalhados na calçada… Com eles eu modelei, Com desvelo e amor O novo palco da vida, Sendo eu principal actor De grande drama de dor, Será esta a minha lida…


7- O OUTRO LADO Um torpor infindo invadiu meu corpo moribundo… Mudo, mudei o rumo, Vagando em infinito oceano… Dum sobressalto acordei, Assombrado deparei Com outro eu desmembrado… Doía o corpo que não tinha, Com sentidos o sentia, Em vagas esfarrapado… Em desregrada orgia, Mais horrível que o Inverno, Esta visão do Inferno… Então assaz constrangido Em gorgolões de sangue embebido, Tropecei no mundo etéreo…


PSICOGRAFIAS RECEBIDAS A 10/05/1998



9-PERDIDO

Somente sou quem sou, Divagando em melodias, De excêntricas sinfonias, No limiar da escuridão…

Desenfreado de loucura, A correr da desventura, A desvairada aventura Me arrastou pela mão…

Que caminho percorri? Beleza! Nunca te vi! A buscar-te, eu sofri…

Sofrimento ou lamento Que importa? Se foi alento Da vida que não vivi…



10- O MEU ENCONTRO

Me busquei pelos caminhos da vida, Percorrendo amarga trilha, Encontrei minh’alma enlouquecida Errante, gélida, no Umbral…

A chorar vida perdida, Ousas minh’alma sofrida, Quando tu ensandecida Foste autora de obra tal?

Passam horas, dias, anos De sonhos e desenganos, Carpindo em noite fria…

Grito, choro, mas em vão! Será que o Deus meu um dia, Me dará o seu perdão?


11- LOUCURA

Numes Tutelares do passado, Espreitam-me, tais sombras fugidias, Gargalhando de loucas filosofias Dum pobre poeta fracassado…

Euforias de antanho Ecoam em meu ser desamparado, Qual gládio empenhado Na busca do espólio desejado

Em melodia estridente, Buscando incessante o refém, Diana se ri de desdém…

E da luta constringente, Troça Vénus como antes Entre réquiens lancinantes…


12. HINO À DOR Tu dor, apanágio de minh’obra! Tu dor, oh beber do meu viver! Tu dor, foste o fel do meu morrer! Tu dor, a recordação de outrora! Me odiaste e eu te odiei… Me abraçaste e eu te abracei… Foste amante traiçoeira, Como fiel companheira…

Hoje sanas minhas chagas! Hoje beijas minhas lágrimas! Hoje és gota de orvalho, Na secura deste atalho…

Hoje dor és a canção Que me eleva à redenção! Hoje dor já não és vã! Obrigado, minha irmã!



13- VÓS

Vós, vermes insaciáveis, Que corroem meu corpo putrefacto, Afastai-vos por momentos…

Vós, vermes repugnantes, De mil vidas torturantes, Devorem os meus tormentos…

Vós, vermes viscosos, Enleados em fétidos consórcios, Deixai-me com meus lamentos…

Ver a paz deixem-me algures, Fugir de indigentes dores, Louvando róseos odores…



14- MINHA MUSA

Quisera hibernar a mente, Sufocar meu consciente E de amarras ancestrais, Adormecida em vitrais, Minha musa despertar…

E minha musa desperta, Fluiria então liberta, Buscando meus ideais, Perdidos em parte incerta, Algures, no alto mar…

Ideais, ontem! Hoje, quimeras! Musa, porque esperas?

E eu em meu devaneio, Da beleza tão alheio, Buscando esperanças meras…


15-FORA EU

Acre liça! Eu penei Em amargas ilusões De indigentes virtudes…

Fora eu, ínfimo ser No refulgente ardor De amar, amar o mundo…

E vendo alto as estrelas Cansei-as, pobres quimeras, No meu antro fiz a dor…

Quisera tê-las ao peito Mas alcançá-las sem jeito Ai vida, que sensabor…

Vivi, vivi sem sentido Trôpego, depois de perdido, O âmago da vida em mim…


Trivial, cansei depressa E, laborando o feitiço Rodei a roda até ao fim…


16- ALQUIMIA

Revolvi minh’alma agitada em Nada, Em êxtase o Eu procurou o Tudo… Drástico e amargo encontrei amigo, Mexendo aturdido no porão da vida…

Exangue, encontrei solução eivada Em raiz bulbosa de terra além muro… Recolhi meu ventre em chamas, em lava, Imolação apática em tormento duro… Alma-vida, o soluço, o pranto… Alma-morte, eterno quebranto… Eu-mistério, cálice bojudo…

Oculto, fascínio alado Do eu morto encurralado, Em busca, em busca do Tudo…


17- AS HORAS

Da vida eu canso as horas, Dolentes, amargas e cruas, Troçando de mil agruras Que o meu peito dilaceram…

Penetrantes mentes beras, Moléstias, melhor torturas, Chagas de desventuras, Dívidas de outras eras…

Oh! Delírio tormentoso! Lúgubre obsessão! Será um sonho ou visão?

E as horas passam nuas, Dolentes, amargas e cruas Troçando de minhas dores…


30/06/1


18- VIVER OU NÃO VIVER

Viver ou não viver, eis a questão, Que ofusca a minha razão! Problemático dilema, A raiz deste sistema, Dolorosa tentação!

Saber querer é a poção, Escassa na solução, Pois, sem querer vive iludida, A razão do saber viver a vida, Duvidosa dilação!

E no porquê permanente, Adormentada a mente, Expele soluços vãos…

A chorar em demasia, Por uma vida vazia, Adornada de senãos…



19-EU SOU

Eu sou quem jaz na linfa da vida insana Eu sou germe incauto em virulenta anomalia Eu sou Eu-Vivo em elegia Eu sou Eu-Morto dia a dia Eu sou a vida, eu sou a Morte Eu sou desordem ordenada no Cosmos Eu sou raiz, bracejando a Terra Eu sou a eterna insatisfação- homo Eu sou a luz, Eu sou a treva, O Eu que penso, não sou Pois quem eu sou realmente É do meu sonho embrião latente.


20- ÉS… SERÁS

És pedra na tua apatia És flor na tua preguiça És leão no teu egoísmo És pavão na tua vaidade És homem na multiplicidade dos teus seres.

Liberta-te deles, E serás Anjo…


PSICOGRAFIAS RECEBIDAS NA NOITE DE 13/06/2011



21- VIVI Vivi a sonhar contigo Sonhei-te a viver a noite Do sonho só vi venturas Da vida só vi agruras Açoite após açoite No amor vi a ilusão De viver vida sem fim Mas na chegada da dor Empenhei o meu amor Pela morte, pelo fim Cantei, cantei a ti dor Razão do meu definhar Mas que adianta sofrer Se vives no meu olhar Eu sofri, senti a dor Cansado de labutar Em meu corpo fez ardor Mas minh’alma fez cantar


22- QUISERA

Quisera amar lentamente Mas o amor tão brevemente Ousou viver em minh’alma

Lutei por cousa perdida Que viveu embevecida Como uma moura encantada

Porque vivi a loucura? Porque vivi a aventura? Se agora sou pó, sou nada


23- OH NAVIO

Oh navio insistente Que vives em minha mente Cansado de navegar Corre, corre oh navio Porque parado não vive Aquele que quer andar

Oh navio insistente Que fizeste longas vias Cansaste de navegar Corre, corre oh navio Que a vida é um pavio Depressa vai apagar

Oh navio insistente Da vida estás descontente De vidas de mar em mar Corre, corre oh navio Que a vida é como o frio O Inverno está a chegar


24 –AMOR

Sonhei contigo outrora Sonhei contigo aqui Porquê sonhar sempre e ora Se vives dentro de mim

Eu que jamais te vivi Mas contigo vivo agora Da dor eu fiz meu cantil Bebendo-a hora após hora

E ontem quedo e mudo De ais em ais lamentando Hoje não sou nada, Eu sou tudo Hoje eu sou cavalo alado


25- ELES

O tempo passa e repassa Cantando odes sem fim Soa e ressoa intacta A lenda do arlequim

Quero descansar, não posso Vivem dentro de mim Querem viver agora Agora não estou afim

Caeiro vive ligeiro Ricardo vive em meu seio Soares em seu devaneio Pincelam frases em mim

E a viver entre pintores Telas de todas as cores Os versos soam assim…


8- PORTUGAL

Ei-lo mudo e quedo, fitando o oceano Carpindo rumos inglórios de glórias já cantadas Trémulo e incólume revive em outra margem, Luzindo entre escombros archote lusitano




Abrem-se os céus

Com esta

edição deixo aqui gravado o agradecimento

e a obra nasce

a quantos nela colaboraram com ênfase especial para os contributos

Os versos

do António Maranhão Peixoto, da

Pessoa, não se guardam Isolete da Gisela

nas gavetas

Mendonça e do Álvaro Maio


Isilda Areias Nunes, nascida na Póvoa de Varzim a 15 de Outubro de 1956, Astróloga e Formadora nesta Área no Porto, Vila do Conde, Póvoa de Varzim e Esposende


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.