Cremec saude e cidadania ebook

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PERFIL IVAN MOURA FÉ

Discurso proferido pelo presidente do CREMEC conselheiro Lino Antonio Cavalcanti Holanda, por ocasião da inauguração do auditório Conselheiro Ivan de Araújo Moura Fé 18 de outubro de 1996.

Administrar bem a cousa pública é tarefa difícil. As pressões internas e externas, paralelas, são tantas que aquela tarefa só será alcançada, com muito suporte moral, sentimental e político, por parte do administrador.

Administrar bem a cousa pública é tarefa difícil. As pressões internas e externas, paralelas, são tantas que aquela tarefa só será alcançada, com muito suporte moral, sentimental e político, por parte do administrador.

SAUDE E CIDADANIA

HOMENAGEM Hoje, é dia de festa, para o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará: inauguramos o auditório conselheiro Ivan de Araújo Moura Fé, que estará à disposição dos médicos para eventos de que necessitarem. Por que este nome? Foi consensual entre todos os conselheiros, senão aplaudido. Jovem dinâmico, ex-presidente e iniciador da atual sede cujo término ficou sob a responsabilidade do professor Dalgimar Beserra. Dr. Ivan galgou com mérito, reconhecido por todos que lidam com a ética, devido à sua conduta sóbria, cavalheiresca. Essas qualidades o alçaram à mais alta postulação hipocrática: presidente do Conselho Federal de Medicina. Em sua gestão no CFM predominaram o respeito à sociedade e a valorização da excelência da prática médica; uma revolução na atuação do Conselho Federal de Medicina. Conselho esse reconhecido em todos os rincões, do Oiapoque ao Chuí, quando altruisticamente, durante cinco anos renunciou à convivência familiar, aos lazeres e à sua clientela, e como paladino da ética tornou-se um Ivanhoé, nos moldes modernos. Dr. Ivan, a classe médica cearense tem muito a lhe agradecer, não pelas páginas sociais, pela propaganda encomendada, mas pelo trabalho impagável, pela missão que a poucos é confiada, pela honestidade cotidiana dentro do humilde papel em que todo humanista se sente bem.

Há, no Brasil, o conceito, abraçado por muitos, de que a cousa pública é res nullius e por isso deva ser menosprezada, não merecendo um tratamento honesto e fiel às regras ditadas para a boa administração. Não se pretende, com tais conceitos, generalizar o insucesso, contra os interesses da coletividade, de todas as administrações da cousa pública. Há exceções. E, por falar em exceções, veja-se o gerenciamento da autarquia administrativa dos médicos nos últimos anos. Quase tudo, ali, mudou: há uma transparência total dos atos praticados pelo Conselho Federal de Medicina, na gestão do Dr. Ivan Moura Fé, à prova do mais exigente auditor. A lisura da mesma é fruto da filosofia impregnada pelo Dr. Ivan Moura Fé, respaldada na moral, na honestidade, na consciência política de destemido patriota. Substituindo a rotina imposta pelos administradores indicados, para o Conselho, pelo eixo São Paulo – Rio, surgiu o Comando de um nordestino, filho do Piauí e ofertado pelo Ceará para que se implantasse uma boa administração. Assim, aconteceu. Hoje, graças ao espírito empreendedor do Dr. Ivan Moura Fé, com a ajuda dos seus pares, o Conselho Federal de Medicina é um órgão auscultado em todas as questões relacionadas com a política de saúde do País. A figura do seu Presidente é sempre requisitada quando se trata de defesa do interesse da coletividade, por sua retidão moral, cultura e elevado grau de politização, a par de comprovado sentimento de brasilidade. Por tudo que tem feito em prol da categoria médica e do povo, o Dr. Ivan Moura Fé se tornou credor da administração geral. Evandro Carneiro Martins - Advogado Publicado originalmente no jornal Conselho em set/1995




Editoriais e discursos escritos pelo conselheiro Ivan de Araújo Moura Fé outubro de 1983 / dezembro de 2014 Organização: Dalgimar Beserra de Menezes/Fred Miranda Edições CREMEC-2014


Arte da Capa Wiron Teixeira / Fred Miranda

Diagramação Júlio Amadeu / Fred Miranda/ Dalgimar Menezes

Ficha Catalográfica Bibliotecária Regina Lúcia Freitas Holanda - CRB-3/808 M939s Moura Fé, Ivan de Araújo Saúde e Cidadania/Ivan de Araújo Moura Fé. - Fortaleza: CREMEC, 2015. 254p. ISBN: 978-85-420-0698-8 1. Política de saúde - Brasil 2. Ética Médica - Brasil 3. Medicina – Brasil I. Menezes, Dalgimar Beserra, org. II. Fred Miranda, org. III Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. IV. Título. V. Autor CDD: 174.2


Dedicatória Aos meus pacientes, com os quais, todos os dias, aprendo alguma coisa. Aos membros do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará e do Conselho Federal de Medicina, pela busca contínua de uma prática médica digna, ética, solidária.



Sumário Dedicatória .................................................................................................... 05 Apresentação ................................................................................................. 11 Editorial ......................................................................................................... 17 A Crise do Hospital das Clínicas ................................................................ 21 O Papel dos Conselhos de Medicina .......................................................... 23 Conselho Federal de Medicina ................................................................... 25 Título de Cidadão de Fortaleza .................................................................. 31 Dia do Médico .............................................................................................. 37 O Conselho e a Educação Médica Continuada ........................................ 43 Concurso Público ......................................................................................... 45 O Ato Médico ................................................................................................ 49 Balanço de 2004 ............................................................................................ 53 Curso de Medicina de Família e Comunidade ......................................... 57 Serviço de Verificação de Óbitos ................................................................ 59 A Consulta Médica ....................................................................................... 61 Os Médicos e a Indústria Farmacêutica .................................................... 63 Mensagem ...................................................................................................... 65 III Congresso Científico e Ético do CREMEC ......................................... 69 O Concurso do Programa Saúde da Família ............................................ 73 A Letra dos Médicos .................................................................................... 75 A Fiscalização do Exercício da Medicina .................................................. 77 A Terminalidade da Vida ............................................................................ 79 Erro Médico .................................................................................................. 81 Mortalidade Materna ................................................................................... 85 A Saúde em Perspectiva ............................................................................... 87 Saúde X Violência ......................................................................................... 89 Repercutindo o ENEM ................................................................................ 91 PCCS .............................................................................................................. 93 Lutas Médicas ................................................................................................ 95 IV Congresso Científico e Ético do CREMEC ......................................... 97 E La Nave Va ............................................................................................... 101


D. João VI e a Cidade de Quixadá ............................................................ 105 Código de Ética em Debate ....................................................................... 107 Eleições ........................................................................................................ 111 As Eleições e a Futura Gestão do CRM ................................................... 115 Discurso de Posse ....................................................................................... 117 Revisão do Código de Ética Médica ......................................................... 123 Conflitos Éticos ........................................................................................... 125 Eleição do Conselho Federal de Medicina .............................................. 127 O SUS e as Policlínicas ............................................................................... 129 Título de Cidadão Cearense ...................................................................... 131 CREMEC: 50 Anos ..................................................................................... 135 Cinquentenário do Conselho Regional de Medicina ............................ 139 O Novo Código de Ética Médica .............................................................. 145 Comenda Sindical Médica ........................................................................ 149 Regulamentação da Profissão Médica ..................................................... 153 Solidariedade ............................................................................................... 155 Carreira de Médico de Estado .................................................................. 157 Medicamentos Fracionados ...................................................................... 159 Valorização do Médico e dos Pacientes ................................................... 161 Diretivas Antecipadas de Vontade ........................................................... 163 Antibióticos ................................................................................................. 165 Ser Médico ................................................................................................... 167 Bioética: Recorte, Dúvidas e Inquietações .............................................. 169 Auditoria Médica ........................................................................................ 171 O Monte Sinai e o SUS ............................................................................... 175 As (Más) Condições do Trabalho Médico .............................................. 177 Revalidação do Diploma de Médico ........................................................ 181 Premiações .................................................................................................. 183 Discurso de Posse na Academia Cearense de Medicina ....................... 185 Filas, Macas E... ........................................................................................... 195 Medida Provisória 568/2012 ..................................................................... 197 Eleições Municipais .................................................................................... 199 Dignidade no Final da Vida ...................................................................... 201 Faltam Médicos no Brasil ? ....................................................................... 205 Órteses, Próteses e Materiais Especiais Implantáveis ............................ 209 Eleições, Médicos Estrangeiros e Revalida .............................................. 211 Serviço Civil Obrigatório .......................................................................... 215


Presidência do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará . 217 Programa Mais Médicos ............................................................................ 225 Prontuário Médico ..................................................................................... 229 Lutas para 2014 ........................................................................................... 231 Conselho Federal de Medicina - Eleições ............................................... 235 Autonomia: Controvérsias ........................................................................ 239 Ética e Genética .......................................................................................... 241 Debates Eleitorais ....................................................................................... 243 As Bases do Raciocínio Médico - Apresentação .................................... 247 Prontuário Eletrônico ................................................................................ 251



SAÚDE E CIDADANIA APRESENTAÇÃO Dalgimar B. de Menezes

Ler este Saúde e Cidadania significa, com certeza, pervagar e permear a história da medicina deste último meio século, em nosso estado e no Brasil. Não só do Ceará, reitero, porquanto o Dr. Ivan de Araújo Moura Fé não só tem participado das atividades do Conselho Regional de Medicina do Ceará (CREMEC), nos últimos mais de 35 anos, bem assim, presidiu a entidade máxima da fiscalização da prática médica, e da ética, ou seja, foi presidente do Conselho Federal de Medicina, no período de 1989 a 1994. Vamos estender as suas lutas e compromissos para o período de cerca de 50 anos, tendo em mente que adentrou a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará e seus problemas, já em 1967, plena ditadura militar. Enfim, não há exagero na referência ao meio século. Na verdade, entrou Ivan de Araújo Moura Fé no CREMEC, como suplente de conselheiro da chapa Renovação Médica, encimada por Luís Paiva Freitas [falecido em 2014] nos idos de mil novecentos e setenta e oito. Era a abertura política. Era da abertura política. O conselho se reunia às noites de segunda-feira, na então tranquila rua Barão do Rio Branco, Edíficio Lobrás, 11º Andar. Nós éramos catecúmenos e nefelibatas, o que sabíamos de conselho? Muito pouco. Mas íamos a pouco e pouco tomando gosto pelas atividades conselhais, com o auxílio da lei, representada pelo nosso assessor jurídico, nosso mestre, Dr. Evandro Carneiro Martins, autor póstumo de uma das orelhas deste livro, desaparecido em 2001. Não devemos nos esquecer: começamos mesmo nos registrando no CREMEC para poder exercer a profissão, nas dependências do antigo Centro Médico Cearense, hoje centenário, pois de 1913, com outra designação, da Rua Pedro Primeiro, 997, tanto Ivan de 11


Araújo Moura Fé quanto eu, para registar aqui o mapa das nossas andanças na velha Fortaleza. Não ficamos muito na Barão do Rio Branco, pois em 1983, Dr. Ivan Moura Fé, agora eleito presidente, resolve adquirir a casa da Rua Carlos Gomes, esquina de Floriano Peixoto, 2021, e aí instala a entidade. Ainda há uma só Faculdade de Medicina no Ceará, mas o atendimento dos médicos estava a exigir espaços mais amplos. Não custa a exigir mais espaço, e como estamos confundindo deliberadamente a história do Dr. Ivan Moura Fé com a do CREMEC, é aí que entra a Reforma do Espaço, com reestruturação desse espaço, o nascimento ou renascimento do espaço de hoje, o prédio atual, que foi principalmente obra do conselheiro Orlando Monteiro, vice-presidente, no então dos princípios dos anos noventa; no que Ivan Moura Fé não é mais presidente. É presidente, sim, porém do Conselho Federal de Medicina (CFM), em Brasilia, eleito por seus pares, onde vai inaugurar outro prédio, a sede atual da entidade. Parecia ser seu destino mexer com as estruturas e arquiteturas. Mais: novo prédio do Conselho está sendo construído, na Avenida Antônio Sales, com a ajuda do CFM, agora que temos 7 (sete) Faculdades de Medicina a um raio de 600km de Fortaleza, talvez mais faculdades, e temos inscritos mais de 16.000 médicos. Eis a faceta vitruviana, construtiva, de Ivan Moura Fé, em que se encastoam os propósitos de funcionalidade e solidez do construto, de que fala Vitrúvio1. Quem vier depois vai usufruir dos feitos, sejam bem-vindos; temos mais ou menos consciência de que estamos fechando um ciclo, completando uma era. Deixando, além de vasto acervo, fantasmas; o Canterville2 do prédio da Floriano Peixoto, chama-se Nelson. Enquanto caminhamos por esse labirinto de ruas, fatos e fastos, o livro vai sendo construído, uma vez que a matéria de que consta, são escritos reunidos ao longo de todo o período, postos preto no branco, como que em cima da hora, à medida que se desenrolam os eventos 12


da prática da medicina e da política médica do Ceará e do Brasil. Os eventos são os mais significativos, é como se a gente estivesse criando um país, pois deitamos os nossos olhos na VIII Conferência Nacional de Sáude, na criação do texto que vai entrar na constituição como base do SUS, “saúde direito de todos e dever de estado”, à Primeira Conferência Nacional de Ética Médica, Hotel Glória, Rio de Janeiro, que dá origem ao Código de Ética de 1987/88, e não menos importante, ao texto de saúde para a constituinte do Ceará. Os trabalhos do Dr. Ivan Moura Fé vão dando conta disso tudo. Mais na frente, em 2009, a Revisão do Código de Ética Médica, Clube Sírio, São Paulo. De passagem, os textos que estão em Saúde e Cidadania vão sendo deitados no Jornal Conselho, pois desta feita, tem o CREMEC um veículo de divulgação dessas matérias. Fundamos o Jornal Conselho, há mais de 30 anos, com a ajuda inestimável do Professor José Jackson Coelho Sampaio. Então, o Jornal, em que originalmente está a maioria dos escritos, é também labor do conselheiro Ivan Moura Fé, com a contribuição do Dr. Paulo Marcelo Martins Rodrigues, de Fernando Monte e deste pouco modesto apresentador de livro. Ex-libris. A marca que fica, o brasão do proprietário dos textos. Ele já vinha sendo feito há anos, portanto, ao sabor dos acontecimentos, e do espírito do tempo (Zeitgeist); pois, nesse ínterim, sobrevêm as lutas pela residência médica; não esqueçamos que Ivan Moura Fé foi presidente da Comissão Estadual de Residência Médica, a luta pelo SUS, já mencionada, a formação das Comissões de Ética dos Hospitais, e estamos retornando ao anos noventa, com Ivan na presidência do Federal, e nós aqui instituindo a primeira seccional do CREMEC, no Cariri. Depois, vêm as seccionais de Sobral e de Iguatu. A partir do segundo lustro da década de 90, os eventos vão contar com o esforço de quem o Dr. José Mauro Mendes Gifoni apelida de fomentador faustiano, Lino Antonio Cavalcanti Holanda. 13


Nosso método nesta apresentação não pode, não deve se pejar de qualquer tipo de paranoia, nem mesmo a paraneia crítica de Salvador Dali. Nós queremos ser apenas uma fração do que se faz no Brasil, em matéria de ética, de abordagem ética, de abordagem bioética, um microcosmo, no cenário maior das atividades conselhais do Brasil, mas contribuindo sempre uma pouca, ou um pouco, para não ser pedante, mesmo sendo. O livro em todos os seus textos, querendo ou não, vai demonstrar isso. Os escritos vão examinar com objetividade, concisão, clareza, todos os nossos grandes temas: De trás para diante, como contraponto musical tipo caranguejo3, .... Prontuário Eletrônico, Ética e Genética, Autonomia, Programa Mais Médicos, Serviço Civil Obrigatório, Revalida, Dignidade no Final da Vida, Condições de Trabalho Médico, Auditoria, Bioética, Valorização do Médico e dos Pacientes, Antibióticos, Medicamentos Fracionados, Carreira de Médico de Estado, O SUS e as Policlínicas, Programa Saúde de Família, Concurso Público... As Novas Faculdades de Medicina ... de maneiras que, em retrospectiva, chega-se ao primeiro texto, que está no número 0 do Jornal Conselho, de 1983, que é explicativo das funções do Conselho, que nunca está ao gosto de alguma gente, orgão federal da fiscalização da prática médica e da promoção “do perfeito desempenho ético e moral da Medicina e o prestígio e o bom conceito da profissão e dos que a exerçam”. Indo em ordem cronológica, e não lançando mão só de imagem musical, mas pictórica também, cada artigo vai se constituir em Quadros de Uma Exposição4, diante de cada um o expectador/leitor medita, e arremata, ao final: aqui se defende a boa prática, aqui se defende o concurso público, aqui se defende o SUS, aqui se defende a residência médica, aqui se defende a democracia, aqui... com o estilo de traços limpos, claros, sem cor política partidária, às vezes em chiaroscuro, como o que é parte de escrito outro de Ivan Moura Fé, que não se encontra nesta coletânea: “o trabalho .... tem que se dar 14


de forma eficaz, porém discreta, evitando os holofotes e os gestos teatrais tão ao gosto de alguns”; às vezes com sorrisos enigmáticos e senso de humor. Os artigos, os editoriais do Jornal Conselho, dão conta de todos esses fatos, e a gente sabe, vai constatando mesmo, que a arte é, de fato, longa; e a vida, breve. Nisso vem literatura do eu, iniciada, como todos sabem, por Agostinho de Hipona, dito santo, com as Confissões. É um capítulo quase vazio, na escritura de Ivan, pois ao receber homenagens, honrarias, medalhas, diplomas, títulos, ele tende a quase descartar o ego, como o demonstram alguns de seus discursos relativos a esses eventos: honrarias e títulos e comendas de Cidadão de Fortaleza, como Cidadão Cearense, como Presidente do Conselho Federal, como presidente do Conselho Regional, como membro da Academia Cearense de Medicina... É bom notar, que a escrita limpa, sempre limpa, quase nunca, mesmo nessas circunstâncias, fala de si, quase a remeter o espectador, o leitor a Blaise Pascal, que assevera, assenta que Le moi est Haïssable, o ego é odiento, mas que possa/pode lembrar vagamente Marco Aurélio das Meditações e Montaigne no seu dizer que eu [Montaigne, nos Ensaios] sou motivo, a inspiração, dos meus escritos, pois para se dizer o que se fez, o certo é falar do feito, do que foi feito, e não ficar sob o holofote do eu fiz isso, eu fiz aquilo, eu sou o bom, adivinhem quem sou. Olhaí eu! O mais esquisito, isso eu já disse a ele pessoalmente, é que ele se diz religioso ou tem hábito afim, mas na vida real e nos escritos, não se consignam as palavras parasitas e os clichês, tipo assim: louvado seja deus, morreu em odor de santidade, graças a deus fiz isso, fiz aquilo, agradeço ao pai, está com o pai, tranferiu-se para a eternidade, etc, dos que se dizem religiosos. A escrita do Ivan é plenamente laica, não usa esses clichês nem como figura de retórica. Calham bem ao Ivan duas observações de Guimaraes Rosa5: “Eu 15


quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”; quase tudo Sócrates/Platão - com quid de depressão Stoa (estoico), do pessimismo da inteligência versus o otimismo da vontade, de Gramsci. Outra: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Mais apropriadamente aqui, socorre-nos Machado de Assis6: “Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem que assim é que a natureza compôs as suas espécies.” “Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro...” Alguma bibliografia: 1 - Marcus Vitruvius Pollio - De Architectura, Apud Rita de Cássia Pereira Saramago. Dissertaçao. Ensino de estruturas nas escolas de arquitetura do Brasil. Escola de Engenharia de São Carlos, Departamento de Arquitetura e Urbanismo. USP. São Carlos, 2011: página 42. Na verdade, Vitrúvio refere-se a utilitas, venustas et firmitas, ou seja, utilidade (funcionalidade), beleza e solidez. 2 - Alusão ao Fantasma de Canterville, conto quase-gótico de Oscar Wilde; tenho quase certeza que o li há sessenta anos, adaptado a quadrinhos, mas não cuido que tenha sido em Ediçoes Maravilhosas da Editora EBAL. Minha ediçãozinha, a levou o vento, em 1979. 3 - Uma pequena nota. Para quem não é vidrado em música, o cânone caranguejo está, por exemplo, na Oferenda Musical (Musikalische Opfer) de J. S. Bach 4 - Alusão à peça de Modesto Mussorgski Quadros de uma Exposição. 5 - Rosa JG: Grande Sertão: Veredas, 29ª Edição, Editora Nova Fronteira, 1988 (páginas: 8, 278). 6 - Machado de Assis JM: Primas de Sapucaia! in Histórias sem Data. Obra Completa, Vol. II, Editora Nova Aguilar S.A., 1985: 417-423.

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EDITORIAL Com a publicação deste Boletim, pretende o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará preencher uma lacuna importante, no sentido de manter-se em frequente comunicação com os médicos, informando-os sobre as principais medidas adotadas por este órgão, divulgando as resoluções e normas orientadoras da conduta ética, veiculando reflexões e um posicionamento diante dos mais candentes problemas relacionados com o exercício da profissão médica. E neste instante parece-nos oportuno desenvolver algumas reflexões sobre as atribuições e funções dos Conselhos de Medicina. Os CRMs, durante muito tempo, adotaram uma postura extremamente discreta, “trabalhando em silêncio”, como se diz. Falava-se que, pela própria natureza da sua ação intrínseca, ou seja, pelo fato de terem que se pronunciar como juízes sobre os atos e os fatos atinentes à ética médica, os conselheiros deveriam sempre evitar posicionar-se em relação às questões polêmicas, resguardando-se na observação calma e aprofundada, amadurecendo uma avaliação isenta, que lhes permitisse, quando necessário, exercer de forma segura e inquestionável a função de julgar. Por outro lado, por ser um órgão integrante de uma autarquia federal, não competia a um Conselho de Medicina, segundo a visão de muitos, formular críticas a possíveis distorções existentes nos planos governamentais de saúde. Possivelmente em consequência da própria evolução histórica, tal enfoque está sendo gradualmente modificado. Com efeito, de profissionais liberais que eram há três décadas, os médicos tornaram-se, hoje em dia, em sua esmagadora maioria, assalariados. Nesta nova situação, tendo muitas vezes que atender a um número excessivo de pacientes, e nem sempre dispondo de medicamentos, aparelhagem e ambiente adequados para um bom trabalho, os médicos frequentemente defrontam-se com problemas de natureza ética a que não podem dar uma 17


solução satisfatória por sua ação puramente individual. A esta tem que se somar uma clara definição da responsabilidade ética das instituições médicas e do próprio Estado. Neste contexto é esclarecedor o que diz o artigo 74 do Código de Ética Médica: “O trabalho coletivo ou em equipe não diminui a responsabilidade de cada profissional pelos seus atos e funções, como o estabelece o presente código, sendo os princípios deontológicos que se aplicam ao indivíduo os mesmos que regem as organizações de assistência médica”. E aqui podemos caracterizar melhor o que nos parece deva ser o trabalho dos Conselhos. No seu papel de fiscalização do exercício profissional cabe ao Conselho cobrar dos médicos a observância rigorosa dos princípios éticos, em qualquer circunstância, ao mesmo tempo em que deve exigir dos hospitais, das clínicas, enfim das instituições prestadoras de serviços médicos, incluindo-se aqui a assistência médica governamental, que proporcionem as condições indispensáveis para que o trabalho médico possa se desenvolver de forma condigna. Lembremos, a propósito, que a Lei 3.268, de 30/09/57, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, é clara quando diz na alínea h do seu artigo 15 que é atribuição dos Conselhos de Medicina: “Promover, por todos os meios ao seu alcance, o perfeito desempenho ético, técnico e moral da Medicina e o prestígio e o bom conceito da profissão e dos que a exerçam”. Trata-se de uma atribuição notavelmente abrangente que, segundo nosso entendimento, não só permite como obriga os CRMs a lutar por melhores condições de trabalho médico, remuneração justa, ensino médico de bom nível e melhoria do padrão da assistência médica prestada à comunidade. Neste sentido, torna-se necessário que os CRMs participem na elaboração dos planos estatais para a área de saúde, acompanhem sua implantação e alertem as autoridades para as inadequações que possam existir nos mesmos. E, quando constatadas evidentes aberrações nestes planos, obrigam-se os Conselhos a formular as críticas pertinentes, não cabendo de nenhuma forma que isto seja visto como uma heresia. 18


Naturalmente compreende-se que a forma pela qual os Conselhos devem lutar em defesa dos legítimos interesses da classe médica e da saúde da comunidade difere da que é adotada por outras entidades de classe, como os Sindicatos e as Associações Médicas. Entretanto, tal diferença nem de longe deverá impedir-nos de reivindicar as mudanças que a nossa consciência exige e a lei autoriza. É tempo, portanto, de os CRMs saírem de sua tradicional timidez para uma postura mais participativa e atuante, atendendo assim às melhores aspirações da classe médica e cumprindo a missão que lhes está historicamente reservada.

Ivan Moura Fé Publicado originalmente no jornal Conselho em out/nov/dez/1983

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A CRISE DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS Há anos vinham-se agravando as dificuldades econômicas do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal do Ceará, sendo que nos últimos meses a situação tinha chegado a um ponto muito delicado, com o HC devendo cerca de 260 milhões de cruzeiros. Segundo o depoimento de médicos e estudantes daquele hospital, as vultosas dívidas estavam dificultando a aquisição de medicamentos e equipamentos essenciais ao bom andamento dos serviços naquele nosocômio. Por ser um hospital escola, o HC, além do fundamental papel desempenhado na assistência médica a pacientes portadores de patologias mais graves, contribui decisivamente na formação e treinamento em serviço dos estudantes de Medicina e médicos residentes. Estas importantíssimas funções estavam ameaçadas de serem desativadas ou de passarem a se desenvolver com um padrão de qualidade inferior ao que é aceitável e eticamente permitido. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará não poderia ficar alheio a tão grave situação, tendo, portanto, oficiado ao Magnífico Reitor da U.F.C., expondo os pontos básicos do problema e solicitando que fossem adotadas as providências que salvassem o HC da inadimplência. Ofício de igual teor foi encaminhado ao Ministério de Educação e Cultura. Outrossim, foi convocada a Direção do HC para fazer um relato ao CREMEC sobre as reais dificuldades desse nosocômio e sobre as medidas em curso para sua solução. A mobilização dos médicos e estudantes do HC e as gestões do CREMEC sensibilizaram as autoridades do setor, resultando na obtenção de pelo menos boa parcela dos recursos necessários e no atendimento de outras reivindicações médicas, como a estruturação do 21


Corpo Clínico daquele hospital, a contratação de médicos plantonistas para o Setor de Pediatria e a eleição, pelo voto direto, das Chefias das diversas Clínicas.

Publicado originalmente no Jornal Conselho em out/nov/dez/1983

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O PAPEL DOS CONSELHOS DE MEDICINA Qual a finalidade dos Conselhos de Medicina? Que ações devem desempenhar estas entidades onde todos os médicos têm que se inscrever? A fiscalização da prática médica e a promoção do exercício ético da Medicina são atribuições conhecidas e previstas na lei que dispõe sobre os Conselhos. Qual é, todavia, a amplitude em que se devem desenvolver estas ações fundamentais? Qual a compreensão atual acerca das linhas diretivas que devem guiar o labor dos Conselhos? A própria história da realidade da saúde em nosso país, a situação sanitária atual e as vicissitudes da prática da Medicina apontam os caminhos a serem trilhados. Por outro lado a consciência cada vez mais aguda do direito dos cidadãos ao atendimento de certas necessidades básicas tem pautado as lutas e as discussões que, nos últimos anos, trouxeram um novo vigor aos movimentos sociais no Brasil. A própria conceituação de cidadania inclui hoje, de forma inafastável, a satisfação de requisitos essenciais como, entre outros, liberdade, moradia, emprego, condições dignas de trabalho, educação e saúde. Acresce que é difícil, atualmente, aceitar-se que algum desses tópicos possa ser preenchido isoladamente. A compreensão de que os direitos sociais compõem um todo indissociável parece-nos um avanço que poderá nortear de forma mais satisfatória a condução de algumas das mais significativas causas humanas. E é indiscutível que o tema saúde se insere neste modo de pensar. Hoje é inquestionável que dificilmente haverá saúde sem saneamento, sem alimentação, sem condições dignas de vida, sem justiça social. Que conclusões poderemos tirar deste raciocínio, que auxiliem nossa tentativa de estabelecer as atribuições dos CRMs? Afigura-se-nos claro que os Conselhos não podem se restringir ao trabalho administrativo-burocrático, à instauração de processos ético-profissionais, nem mesmo ao trato das questões de estrito interesse da corporação médica. Estas ações são sumamente importantes. No entanto, devem coexistir com iniciativas de cunho mais amplo. Deve-se, sim, lutar por melhores condições de trabalho para os médicos, por 23


salários condignos, por oportunidade de aprimoramento profissional e educação médica continuada. A implantação das Comissões de Ética Médica nos hospitais e postos de saúde, a promoção de Jornadas de Ética Médica, a frequente discussão dos dispositivos do Código de Ética Médica indubitavelmente contribuem para avivar a reflexão acerca da vertente moral da Medicina. Tendo em vista, contudo, que a Medicina e a Saúde fazem parte de um todo bem mais amplo, é indispensável a adoção de outras medidas por parte dos CRMs. Referimo-nos à luta no sentido de participar da própria formulação das políticas de saúde, bem como da fiscalização e do controle das ações de saúde. Buscando atingir este objetivo, o CRM do Ceará, juntamente com o Sindicato dos Médicos e o Centro Médico Cearense, encaminharam proposta à Assembleia Constituinte do Estado do Ceará, visando assegurar que o texto da Carta Estadual contenha dispositivos que garantam que a Saúde receberá do poder público um tratamento prioritário. A par da consagração do princípio de que “saúde é direito de todos e dever do Estado”, houve a preocupação de deixar explícitos na Constituição os mecanismos de custeio do setor saúde, de modo que não haja o risco de que os recursos para o financiamento da saúde sofram reduções ligadas a eventuais oscilações da política local. Igualmente tentou-se contribuir para a democratização da saúde, tanto no que se refere à garantia do direito universal e igualitário às ações e serviços de saúde, quanto no que diz respeito à criação dos Conselhos Estadual e Municipais de Saúde, com caráter deliberativo, com o intuito de possibilitar a participação da sociedade civil na gestão dos seus interesses no que concerne à saúde. Entendemos que ao tentar ampliar a abrangência de sua atuação, acompanhando de forma participativa as lutas de interesse de toda a sociedade, não estão os Conselhos de Medicina extrapolando o seu papel. Estão, sim, exercendo seu mister de forma conscienciosa e digna. Ivan Moura Fé Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/mar/1989 24


*CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA Assumo hoje a Presidência do Conselho Federal de Medicina. Se é grande honra ser elevado a tão nobre posição, avulta ainda mais a responsabilidade por ter de dar continuidade ao trabalho que, com tanta competência, dedicação e sensibilidade social, foi desenvolvido pela equipe liderada por Gabriel Wolf Oselka e Francisco Álvaro Barbosa Costa. Com efeito, é indiscutível que o CFM, cujo mandato agora se encerra, implantou uma radical transformação na forma de atuação da entidade, retirando-a dos estreitos limites da ação cartorial para torná-la um organismo vivo e dinâmico, inserido nos movimentos mais progressistas da sociedade brasileira, buscando o diálogo e o debate em todas as regiões deste país, incentivando uma prática médica engajada, comprometida com a saúde do nosso povo. Nesta perspectiva, o CFM participou ativamente das discussões junto à Assembleia Nacional Constituinte, colaborando de maneira decisiva para que o tema saúde figurasse na Constituição Federal de uma forma condizente com a sua importância, inscrevendo-se na Carta Magna em letras inapagáveis, o lema “A Saúde é Direito de Todos e Dever do Estado”. Outro exemplo desta atitude de buscar ampliar a participação e o debate ocorreu na memorável campanha pela aprovação do novo Código de Ética Médica, quando médicos de todo o Brasil e setores organizados da sociedade foram chamados a opinar e contribuir na redação do corpo de normas morais para os médicos. Ao mesmo tempo, diligenciou o CFM no sentido de aprofundar a reflexão acerca de temas éticos da maior relevância, tais como planejamento familiar, controle de natalidade, abortamento, esterilização e os direitos dos pacientes, entre outros. Igualmente, discutiu questões candentes tais como o direito de greve, ética e direitos humanos, a situação do ensino médico no Brasil, salários e honorários médicos. Tudo isto sem perder de vista sua atribuição de apreciar e decidir acer25


ca das questões atinentes à ética médica, desenvolvendo um trabalho pedagógico, informativo e de esclarecimento sobre a maneira correta de bem se conduzirem os médicos, mas ao mesmo tempo julgando e punindo as violações à ética profissional. Neste instante, quando tem início um novo mandato, compete à equipe recém-empossada dar prosseguimento a este notável trabalho, com a consciência da magnitude das dificuldades que virão, mas motivada pelo fato de estar assumindo a direção do CFM respaldada pela vontade e a confiança da imensa maioria dos médicos brasileiros, que de forma clara e inequívoca votaram nas eleições para Delegado Eleitor escolhendo os candidatos do “Movimento Saúde e Dignidade Profissional”. A vitória alcançada retrata, de modo indiscutível, o posicionamento dos médicos deste país a favor de uma proposta que prevê a luta pela reconquista da dignidade da Profissão Médica e pela reafirmação do compromisso do médico com a saúde da população brasileira, ao mesmo tempo em que estimula a ativa participação da categoria médica e de suas entidades representativas nos embates que a sociedade brasileira tem que travar para tornar-se soberana de seu próprio destino. Signatários e defensores desta linha de ação, é a partir da firme convicção de que o CFM deve conciliar o trato das questões éticas com a inserção da entidade nos grandes movimentos sociais, nos anseios e nas lutas do povo brasileiro, que iniciamos nossa jornada. Assinale-se que começamos nossa gestão em um momento histórico particularmente singular. Estamos às vésperas de uma eleição presidencial, quando o povo brasileiro, privado há quase 30 anos do direito de escolher seu dirigente maior, vislumbra a possibilidade de influir na construção de um Brasil novo, diferente, onde haja espaço para a justiça social, para o exercício pleno da cidadania. Como médicos, mas primeiramente como seres políticos, adotando a concepção aristotélica de política como uma atividade cujo objetivo é a busca do bem comum, entendemos ter o dever de participar do grande debate 26


nacional, procurando contribuir para que o país avance no sentido de assegurar aos seus cidadãos o atendimento de direitos básicos tais como saúde, educação, moradia e emprego. No entanto, a par da luta mais geral em prol de uma sociedade justa e democrática, há questões mais específicas que têm de ser enfrentadas com aplicação e competência. Recordemos que se encontra em tramitação no Congresso Nacional Projeto de Lei sobre o Sistema Único de Saúde, instrumento que regulamentará e traçará as diretrizes referentes à saúde no Brasil. O que os médicos brasileiros e o CFM têm a dizer sobre isto? Como segmento organizado da sociedade compete a nós, coerentes com o compromisso social e humanista da Medicina, lutar pela implantação de um sistema de saúde que assegure o atendimento universal e igualitário a todos os cidadãos; pela efetiva participação popular na formulação, acompanhamento e fiscalização das políticas e ações de saúde; pela alocação de recursos suficientes para o setor, de tal forma que se supere a atual situação de sucateamento da estrutura pública ambulatorial e hospitalar. Por sinal, há estudos bem fundamentados demonstrando que o Brasil terá que, no mínimo, duplicar, a curto prazo, os recursos destinados à saúde, se quiser efetivamente implantar uma política de melhoria do setor. Aliás, a maior ou menor valorização da saúde serve de indicador do nível de vida de um povo, e pode-se aferir qual o tipo de opção que um país faz pelo volume de investimentos que destina a setores sociais como saúde e educação. Estando todos nós empenhados no fortalecimento da estrutura pública dos serviços de saúde, por entendermos ser este o caminho para viabilizar saúde para todos, naturalmente devemos lutar para que esta seja uma das prioridades governamentais em termos de aplicação de recursos. É preciso ficar claro, no entanto, que ser a favor da saúde pública não significa ser contra o exercício liberal da Medicina. Não significa querer estatizar a saúde. Achamos que há espaço para a prática privada da profissão, dentro dos mesmos critérios de seriedade e 27


dignidade que devem seguir todos os que exercem a Medicina. O que não podemos aceitar é que só uns poucos tenham acesso aos serviços médicos de melhor qualidade, enquanto os serviços médicos acessíveis à população mais carente encontram-se desprovidos das condições mínimas para um funcionamento adequado, faltam equipamentos e medicamentos e é insuficiente o número de profissionais de saúde. O que não podemos aceitar é a existência de uma Medicina para os ricos e outra, Medicina para os pobres. O que condenamos é a intermediação lucrativa do trabalho médico, a mercantilização da Medicina, a transformação da doença em mercadoria e da profissão médica em mera forma de comércio. Contra isto se insurgem veementemente todos aqueles que compõem o “Movimento Saúde e Dignidade Profissional”. Com a mesma ênfase, no entanto, cerramos fileiras ao lado dos que militam a favor de remuneração condigna e melhores condições de trabalho para os médicos. É inaceitável que o trabalho médico, que é considerado uma atividade essencial, seja remunerado a preços irrisórios, como às vezes ocorre. Esta é uma entre tantas frentes de luta em que devem se empenhar, de forma unitária, as entidades médicas, somando esforços os Sindicatos, as Associações Médicas e os Conselhos de Medicina. Outra questão importante, na qual devemos nos deter, é a da formação médica. Tal como a saúde, a educação atravessa no Brasil enormes dificuldades, o que naturalmente também ocorre no ensino superior, e consequentemente no ensino médico. Entendemos ser fundamental uma efetiva atuação do CFM no sentido de que recursos suficientes sejam destinados ao ensino médico. Ao mesmo tempo, deve-se cobrar o estabelecimento de rigorosos critérios quanto à abertura de novos cursos de Medicina, tendo como referencial básico os interesses e as reais necessidades do país. Por outro lado impõe-se a criação de mecanismos que permitam e estimulem a reciclagem e a educação continuada dos médicos. 28


Por fim, embora com o convencimento já assinalado de que o CFM, como órgão máximo da ética médica brasileira, necessita partir de uma concepção onde a ética é vista como algo abrangente e diretamente relacionado com as vertentes econômica, social e política da realidade da prática médica, entendemos que cabe a esta entidade estimular a reflexão acerca das questões éticas polêmicas, algumas das quais surgidas devido ao próprio desenvolvimento tecnológico, tais como as que dizem respeito ao prolongamento artificial da vida, aos transplantes e à engenharia genética. Naturalmente esta reflexão pode se alargar e ter como objeto a própria razão de ser da profissão médica e a sua fundamentação central. Achamos que a Medicina, como a ciência em geral, está alicerçada em uma concepção filosófica, e seu exercício se dará de acordo com uma visão do mundo, com uma determinada forma de valoração moral. Historicamente foi a Medicina conceituada como uma profissão a serviço do ser humano, contra a dor e o sofrimento, identificada com os valores da solidariedade e do mais puro humanismo. É difícil se imaginar uma profissão mais bonita e de mais nobre destinação do que a Medicina. Os difíceis e tortuosos tempos em que vivemos é que fazem com que, por momentos, alguns companheiros sejam tomados pelo desalento e pela descrença. Achamos que cabe a nós, como médicos e como cidadãos, lutarmos para que o exercício da profissão médica continue se dando dentro dos valores que a prática médica consagrou, demonstrando claramente que a Medicina pode e tem que ser exercida com dignidade e compromisso com a saúde, com a sociedade e com o país. Encerro minhas palavras repetindo o que disse no início: cabe a este Conselho uma enorme tarefa. Há muito trabalho pela frente. Acredito, no entanto, que a vida é feita de desafios e de lutas e que é nas dificuldades que as pessoas e as instituições crescem. O maior exemplo disto foi dado pelo CFM que nos cabe substituir. Portanto, é tendo como norte o ideário do “Movimento Saúde e Dignidade Profissional” 29


que direcionaremos nosso esforço. E que tenhamos competência para, juntamente com os médicos deste país, e no meio de tantos desencontros, lutar buscando contribuir, como cidadãos para proporcionar o encontro do governo com o povo, do homem com a cidadania; como médicos, visando alcançar o encontro da Medicina com seu compromisso social, do médico com a dignidade do seu trabalho. Brasília – DF, 12 de outubro de 1989 Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/mar/1990 *Discurso de posse do Dr. Ivan de Araújo Moura Fé na presidência do Conselho Federal de Medicina, em 12/10/89, em Brasília – DF

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TÍTULO DE CIDADÃO DE FORTALEZA* Senhoras e Senhores Minha primeira manifestação é de agradecimento pela honraria que me é concedida na data de hoje. A distinção de ser recebido como cidadão de Fortaleza me enche de um justificado orgulho. Mais ainda, por ser o autor do Projeto de concessão do Título de Cidadão de Fortaleza um vereador com as qualidades morais e o compromisso social do Dr. José Maria Pontes, verdadeiro representante do povo, exemplo de que é possível o exercício da política resgatando o sentido primordial de Política como a atividade cujo objetivo é o bem comum. E mais necessário se torna que tenhamos políticos dessa estirpe nos difíceis tempos que atravessamos hoje. Infelizmente, vivemos uma situação de extrema penúria, desigualdade e injustiça social, em que milhões de brasileiros estão privados dos mais elementares direitos de cidadania. Alguns têm tudo, porém a maioria quase nada tem. O desemprego, a fome, as doenças, a falta de moradia, as dificuldades de acesso a uma educação de boa qualidade fazem o pesadelo de milhares de homens e mulheres em todo este país. No entanto, a história já mostrou diversas vezes que as maiores crises podem dar início a períodos extremamente fecundos. Estamos em um momento de múltiplas possibilidades para o nosso país. Aproxima-se a hora em que os brasileiros decidirão quem irá dirigir os destinos da nação. Se os que sempre fizeram da atividade política um caminho para consolidar os privilégios de grupos, de elites, deixando à margem numerosos segmentos da população; ou se, pelo contrario, repudiando as práticas de exclusão, o povo brasileiro dará uma demonstração memorável de que chegou a vez e a hora de assumir seu próprio destino, e de que é possível construir um país melhor, mais solidário, 31


mais fraterno, onde homens, mulheres, velhos e crianças não precisem mendigar os direitos básicos da cidadania. Nesta perspectiva, muito há que ser feito na área da saúde. É imperativo que seja consolidado o Sistema Único de Saúde, de caráter público, com atendimento universal, igualitário, integral e resolutivo. Em nenhum momento podemos aceitar medidas destinadas a implantar uma medicina pobre para pobres. Somente com maciços investimentos no setor saúde reverteremos o perverso modelo que faz com que milhares de pessoas morram de doenças que podem ser prevenidas ou tratadas. A ocorrência de patologias que, há muito, deveriam estar erradicadas, ao lado da superlotação dos serviços públicos de saúde, com dezenas de pacientes graves sendo atendidos em macas nos corredores dos hospitais, configura um quadro que penaliza os pacientes, angustia os profissionais de saúde e envergonha a nação. No que tange à saúde mental, impõe-se a ampliação dos serviços ambulatoriais e centros de atenção psicossocial, possibilitando que os pacientes sejam atendidos em locais próximos às suas residências, assim mantendo os vínculos com seu meio familiar e social, e que os pacientes internados em razão de crises agudas do seu quadro psiquiátrico tenham continuidade do seu tratamento após a alta hospitalar. Em toda e qualquer circunstância, há que serem respeitados os direitos de cidadania das pessoas acometidas de transtornos mentais. Dignas autoridades; Senhoras e Senhores. Em minhas reflexões, às vezes me indago: Qual o sentido da vida? O que estamos fazendo neste planeta? E a única resposta que encontrei até agora foi a seguinte: a existência de um ser humano se justifica na medida em que ele se dispuser a fazer alguma coisa em benefício dos outros. Penso que este é o verdadeiro distintivo do cidadão, ou seja, aquele que faz parte de uma comunidade, de um conjunto humano, de uma 32


cidade. E considero que esta disposição de servir tem caracterizado de forma indelével os médicos ao longo da história desta profissão. Assim, por ter a convicção de que a essência da Medicina é o humanismo, a solidariedade, o compromisso com a vida, defendo uma prática médica pautada nos princípios firmados por ocasião da aprovação do Código de Ética Médica, em histórica Conferência Nacional da qual participaram alguns dos que estão aqui presentes, como Lino Antonio Cavalcanti Holanda, Dalgimar Beserra de Menezes, Orlando Bezerra Monteiro, José Roosevelt Norões Luna e Rita de Cássia Mota Moura Fé. Tais princípios servem de introdução à norma ética básica de nossa profissão e enfatizam um conceito mais abrangente de saúde e o compromisso do médico com a sociedade, ao afirmar: ** “Todo ser humano, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, religião, ideologia, idade, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou condição sócio-econômica, nascimento ou qualquer outra condição, tem direito a um padrão de vida que lhe assegure saúde e cuidados médicos. Entende-se por saúde não a ausência de doença, mas a resultante das adequadas condições de alimentação, habitação, saneamento, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. E deste conceito amplo implica a garantia pelo Estado dos direitos sociais fundamentais de cidadania. A Medicina, enquanto profissão, tem por fim a promoção, preservação e recuperação da saúde, e seu exercício é uma atividade eminentemente humanitária e social. É missão do médico zelar pela saúde das pessoas e da coletividade, aliviar e atenuar o sofrimento de seus pacientes, mantendo o máximo de respeito pela vida humana, não usando os seus conhecimentos contrariamente aos princípios humanitários.” É este o ideário que tenho procurado seguir ao longo dos meus 30 anos de prática da Medicina. 33


Nesta caminhada, foram fundamentais a amizade, o apoio, os ensinamentos de numerosos companheiros com os quais tive a honra de conviver, procurando, todos os dias, com eles aprender alguma coisa para a profissão e para a vida. A palavra mais afetuosa, porém, reservo para minha mulher, Rita, e meus filhos, Ivan, Daniel e Mariana, razão e sentido da minha vida, fonte de inspiração, estímulo para a jornada. Sem eles eu não teria como chegar até aqui. Quero também fazer uma referência muito comovida a meu pai, Nelson de Moura Fé, exemplo para toda a minha vida de um homem que nunca se omitiu diante dos problemas e nunca permitiu que outros decidissem por ele. Dele e de minha mãe, Hilda Araújo de Moura, recebi, ainda, o gosto pelo trabalho, a correção nas atitudes, a valorização da amizade. Para concluir, quero mais uma vez expressar meu contentamento por estar sendo, agora formalmente, acolhido por esta cidade. Moro em Fortaleza desde o ano de 1966. Nesta cidade fiz o Curso de Medicina, me casei, vi nascerem meus filhos Aqui desempenho minha profissão, cuido dos meus doentes. De forma que fico muito feliz em juntar ao meu registro de nascimento na cidade de Simplício Mendes, no Estado do Piauí, o título de cidadão de Fortaleza. Por fim, quero agradecer a todos os que compareceram a esta solenidade para dividir comigo e com os meus familiares este momento de alegria.

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Muito obrigado. *Discurso proferido pelo Dr. Ivan de Araújo Moura Fé no dia 12/09/02, na Câmara Municipal de Fortaleza, por ocasião da outorga do Título de Cidadão de Fortaleza ** Citado pelo Dr. Francisco Álvaro Barbosa Costa, Presidente do Conselho Federal de Medicina, na apresentação do Código de Ética Médica aprovado pela Resolução CFM 1.246/88.

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DIA DO MÉDICO* Na oportunidade em que estamos reunidos para comemorar o Dia do Médico, queremos reafirmar que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade. Neste sentido, deve ser exercida sem qualquer discriminação, buscando garantir o atendimento a todos os pacientes, independentemente de condição social ou econômica, raça, sexo, religião ou partido político. A marca mais característica da Medicina através de milênios tem sido a vocação humanista, a solidariedade com os que sofrem, a disposição de sempre lutar para trazer alívio aos que padecem. A dedicação dos médicos, o estudo constante, o esforço para descobrir novas formas de tratamento que possam beneficiar a saúde dos pacientes, têm resultado em extraordinárias conquistas científicas. As realizações da Medicina ao longo da história, curando doenças, aliviando a dor e o sofrimento, fazendo a prevenção das enfermidades e imunizando contra diversas afecções, foram e são motivo de justo orgulho para os médicos e para toda a humanidade. Neste sentido, alguns médicos se destacaram por saber perscrutar de forma mais acurada os fatos biológicos, considerando, ao mesmo tempo, as influências dos fatores psicológicos e sociais na gênese e na evolução das doenças. Outros grangearam a admiração das comunidades e particularmente dos pacientes pela habilidade no atender e estabelecer uma boa relação médico-paciente, transmitindo, de imediato, tranquilidade e confiança para aqueles que se vêem acometidos de enfermidades e se encontram, muitas vezes, extremamente ansiosos e inseguros. O Estado do Ceará, Senhoras e Senhores, tem muitos desses médicos, que dignificam a profissão e contribuem para que o nome da Medicina se inscreva, de forma perene, no panteão da imortalidade. Agora mesmo, para citar um grande médico que partiu precocemente, tivemos a perda do Dr. Eduardo Régis Monte Jucá, e pudemos 37


constatar que seu desaparecimento foi lamentado por segmentos os mais diversos da sociedade cearense. Entre os que continuam exercendo a profissão, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará se sente orgulhoso de poder homenagear aqueles que se distinguiram como exemplos para os seus pares, pela conduta ética e a excelência técnico-científica. Assim é que nesse 18 de outubro, data maior dos médicos brasileiros, será concedida a Medalha de Honra ao Mérito Profissional a três médicos, os doutores: Carlos Augusto Alencar Francisco de Paiva Freitas Glaura Férrer Dias Martins Igualmente, será entregue o Diploma de Mérito Ético-Científico aos médicos: Antonio Mota Pontes José Sarto Chaves Saraiva Juraci Vieira de Magalhães Leiria de Andrade Júnior Luiz Carlos Ribeiro Saraiva Pio Francisco Barros Pereira Roque Muratori Terezinha de Jesus Rodrigues Sales Santos Faremos também a aposição do retrato do ex-presidente do CREMEC, Dr. Lino Antonio Cavalcanti Holanda, médico e ser humano admirável, cujas raras qualidades fizeram com que conquistasse a admiração de todos os que o conhecem, particularmente os pacientes que têm a boa sorte de serem atendidos por este que é um médico na verdadeira acepção da palavra. Como presidente do Conselho, o Dr. Lino imprimiu à instituição um dinamismo difícil de ser igualado, bastando citar os Congressos ético-científicos, que se constituíram numa iniciativa pioneira no Brasil, sendo hoje adotados por diversos outros Conselhos Regionais. 38


O Presidente Lino Antonio Cavalcanti Holanda e os ilustres homenageados são profissionais que servem de exemplo e estímulo para os mais jovens, ao mesmo tempo em que nos ajudam a manter a motivação e o alento, mesmo nos momentos mais árduos da atividade médica. E são muitas as dificuldades para o exercício da Medicina nos tempos atuais. A sobrecarga de trabalho nos serviços de urgência e emergência, a angústia da falta de leitos nas Unidades de Terapia Intensiva, o desempenho do mister médico em serviços nos quais, por falta de vagas, temos que conviver com “o doente do corredor” e até com “o leito-chão”, são algumas das fontes de angústia para muitos profissionais da Medicina. Diante de tudo isto, e com a convicção de que “saúde é direito de todos e dever do Estado”, queremos aqui reafirmar nossa firme posição em favor do fortalecimento do Sistema Único de Saúde, dentro dos princípios do acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde, com gestão transparente e participativa e controle social através dos Conselhos de Saúde. Nesta perspectiva, o Programa Saúde da Família há que ser consolidado, pela ampliação do número de profissionais de saúde, assim como pela garantia de que os serviços serão bem equipados e disporão de medicamentos para as necessidades da população. Não podemos aceitar a condenável atitude de alguns gestores, os quais, após os períodos eleitorais, fazem verdadeiros desmontes nas equipes de saúde, demitindo sem explicações e sem motivo os profissionais de saúde e, com isto, agravando ainda mais o sofrimento da população. Tais condutas, se ocorrerem – e, infelizmente, já estão ocorrendo –, serão energicamente denunciadas pelo Conselho Regional de Medicina. Somos, ademais, pela realização de Concurso Público para médicos e demais profissionais da saúde. É necessário que se faça, com urgência, a correção de um modelo que, ao longo dos últimos anos, se voltou para a terceirização dos serviços de saúde, gerando distorções que estão comprometendo seriamente o funcionamento desses servi39


ços. Há, como é sobejamente conhecido, carência de profissionais em muitos dos serviços de saúde em nosso meio. E ninguém ignora que um hospital ou posto de saúde público bem estruturado é, geralmente, a única possibilidade de que milhares e milhares de pessoas dispõem para o atendimento aos agravos à saúde. Defendemos, igualmente, a melhoria das condições de trabalho e remuneração digna para os médicos. Não há como justificar os salários irrisórios que por vezes são pagos aos profissionais que têm a nobre incumbência de cuidar de um dos maiores bens do ser humano, que é a saúde. Quanto à remuneração profissional, a CBHPM, a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos, foi, ao longo dos últimos meses, o referencial das lutas médicas no que se refere aos Planos de Saúde, Cooperativas Médicas e Seguro Saúde, devendo ser apoiada por todos os médicos, os quais, como diz o Código de Ética Médica, têm direito a boas condições de trabalho e a uma remuneração justa. Um tema que também nos preocupa é a qualidade do ensino médico. Vemos as iniciativas voltadas para a abertura de novos Cursos de Medicina e temos, neste momento, que pontuar ser indispensável para o funcionamento de um curso médico que o mesmo esteja estruturado de modo a garantir que aos profissionais ali formados será oferecida toda a condição de se prepararem bem, de modo a adquirirem a necessária competência para lidar com a saúde e a doença em todas as suas dimensões. Aproveitamos a oportunidade para esclarecer um tema que está, surpreendentemente, suscitando incompreensões e polêmicas. Referimo-nos ao projeto de lei do Ato Médico. Dito projeto apenas propõe, de forma muito clara, o que é do conhecimento da humanidade pelo menos desde Hipócrates, há 2.400 anos, ou seja, que “diagnosticar e tratar doenças são atos médicos”. Qualquer cidadão, do menos esclarecido ao mais culto, sabe que quem adoece procura um médico. No entanto, semelhantes conceitos estão provocando animosidade 40


entre profissionais das diversas áreas da saúde, o que é extremamente lamentável. O Conselho Regional de Medicina defende um relacionamento respeitoso entre os diversos profissionais, levando-se em conta, naturalmente, a especificidade do trabalho de cada um deles. Por fim, queremos dizer que os médicos cearenses honrarão o Juramento que fizeram ao abraçar a profissão médica, continuando a empenhar o melhor de sua capacidade no atendimento aos pacientes e contribuindo para melhorar os índices de saúde do Estado. Ao mesmo tempo, como cidadãos, saberão também estes médicos lutar de maneira vigorosa pela afirmação da cidadania do povo cearense. Muito obrigado. *Discurso proferido pelo Presidente do CREMEC, Dr. Ivan de Araújo Moura Fé, no dia do médico, 18/10/2003 Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2003

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O CONSELHO E A EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente. É o que diz o artigo 5° do Código de Etica Médica. E é a mensagem que o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará tem procurado transmitir aos médicos cearenses. Existem 2 linhas básicas de atuação do CREMEC: fiscalizar a profissão médica e promover o perfeito desempenho ético, técnico e moral da Medicina. Tais ações se somam para assegurar o exercicio da Medicina por médicos bem preparados técnica e cientificamente e com uma sólida base ética e humanista. Com qual objetivo? O de tornar realidade uma prática médica comprometida com a saúde do ser humano e da coletividade. O que está sendo feito neste sentido? E que outras iniciativas devem ser implementadas para que seja alcançada esta meta? O Conselho Regional de Medicina tem realizado, em Fortaleza e nas cidades do interior do Estado, vários Fóruns de Ética Médica. colocando em discussão temas da maior relevância para o trabalho dos médicos, tais como atestados médicos, segredo médico, relação médico-paciente, responsabilidade profissional, direitos dos médicos, remuneração profissional, corpo clínico, comissões de ética, o Programa Saúde da Família e interface profissional. Estes assuntos foram debatidos, por exemplo, no XLVI Fórum de Ética do Interior, na cidade de Itapipoca, nos dias 7 e 8 de novembro deste ano. A realização de mais de 40 fóruns de ética no interior do Estado e de dezenas de outros em Fortaleza é, sem dúvida, uma importante forma de fazer educação médica continuada. Temos recebido, no entanto, frequentes cobranças no sentido de o Conselho contribuir de maneira mais efetiva para a preparação estritamente científica dos médicos, ampliando as oportunidades de obtenção de uma melhor qualificação profissional de colegas que, 43


muitas vezes, têm dificuldade de comparecer aos grandes congressos das várias especialidades médicas. Ante a justeza do pleito dos médicos, e com a convicção de que, para o médico agir eticamente, é necessário que tenha um sólido preparo científico, o CREMEC resolveu elaborar um Programa de Educação Médica Continuada, centrado nas áreas básicas, com o intuito de possibilitar que os médicos, com uma formação generalista mais sólida, possam trabalhar com um maior grau de resolutividade e com a tranquilidade de estarem fazendo o melhor pelos seus pacientes. O Programa está em fase de discussão e análise e deverá ser iniciado no ano de 2004. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2003

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CONCURSO PUBLICO Por diversas vezes, nos últimos anos, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará levou às autoridades de saúde, particularmente ao Secretário de Saúde do Estado do Ceará, alguns temas para análise e discussão, destacando-se os seguintes: I) O Programa Saúde da Família, com suas virtudes e distorções. 2) A necessidade de implantação de Serviços de Verificação de Óbitos nas grandes cidades do Estado, em especial na cidade de Fortaleza. 3) O Concurso Público. É este último tema que pretendemos abordar em mais detalhes, no momento. É sabido que nos últimos tempos, tem havido um extenso processo de terceirização dos serviços de saúde no Ceará. Os males desta opção são sobejamente conhecidos: precarização das relações de trabalho, possibilidades de manipulação política na contratação de pessoas ou empresas, falta de continuidade na prestação dos serviços, entre outros. Essas já seriam razões suficientes para defendermos o concurso como a forma correta, adequada de admissão ao serviço público. Assim, a Diretoria do CREMEC propôs, vezes seguidas, a última já no presente ano, a realização de um amplo concurso para a saúde, que tivesse por objetivo preencher todas as carências do setor em nosso Estado. Indo mais além, apresentamos a ideia de um concurso para o Programa Saúde da Família, que teria a vantagem adicional de contribuir para fixar os médicos às cidades para as quais fossem contratados, evitando-se a rotatividade observada nos diversos municípios visitados pelo Conselho e que é tão prejudicial ao estabelecimento de um sólido vínculo dos profissionais de saúde com as coletividades assistidas. Parece que, finalmente, tais concursos serão realizados. Figuras de proa do governo estadual, inclusive o Secretário de Saúde, Dr. Jurandi Frutuoso, anunciaram que o Edital do Concurso Público para o Estado deverá ser publicado brevemente. O que prenuncia a feitura do concurso talvez ainda em 2004. Falamos em "talvez" porque receamos 45


que ocorra com este o que vem ocorrendo com o concurso do IML, o qual, planejado para ocorrer em cinco etapas, agora que ultrapassou a segunda, apesar de ter-se iniciado há mais de um ano. Preocupa-nos, ademais, o regramento a ser estabelecido no Edital; esperamos que as regras do concurso estejam dentro do que é previsto em lei, de forma que não se dê margem a contestações judiciais. Por fim, é preciso uma especial atenção das autoridades do setor quando forem fixar os salários a serem pagos aos médicos. Não é concebível que continuemos tendo concursos que oferecem salários de R$ 500,00 ou R$ 600,00 (quinhentos ou seiscentos reais), como vimos há pouco tempo (O concurso para o Hospital São José, do Estado, e o Concurso recentemente realizado pela Prefeitura de Fortaleza). Considerando que a sociedade brasileira luta pelo aumento do salário mínimo, não demora muito e poderemos ter médicos concursados, tendo tido antes a obrigação de comprovar títulos de Residência Médica, e com remuneração próxima ao salário mínimo do país. Esperamos, sinceramente, que este não seja o objetivo dos nossos governantes. No que tange ao Concurso para o Programa Saúde da Família, as informações que nos chegam dão conta de que o Estado organizaria o concurso para as cidades que aderissem à ideia. O contrato dos médicos continuaria a ser feito com as Prefeituras. Achamos que este pode ser um avanço no sentido de tentar estabilizar os médicos, evitando-se a famosa "passeata das malas", a que costuma aludir o Professor Dalgimar Beserra de Menezes. De fato, já constatamos situações em que, em periodo eleitoral - e estamos às vésperas das eleições municipais -, equipes inteiras do PSF foram "desmontadas", sendo seus integrantes demitidos pelo fato de não terem concordado em participar ativamente da campanha política em prol dos candidatos do poder local. O que foi mais uma triste façanha de mandatários politicos que ainda consideram a Medicina um mero instrumento a ser manipulado com a finalidade de obter vantagens politico-eleitorais. Entretanto, o referido episódio 46


também foi a oportunidade para que vários médicos demonstrassem, de forma inequivoca, que não estavam dispostos a renegar seus compromissos éticos. De qualquer modo, consideramos que o concurso poderia, por este ângulo, fazer com que a vulnerabilidade dos médicos aos humores provincianos dos politiqueiros fosse minimizada. Queremos deixar claro, no entanto, que não temos ilusões de que o concurso seja a panacéia, a solução para todos os males. Achamos que, mesmo com o concurso, continuará sendo grande a rotatividade dos médicos do PSF, principalmente porque vários deles, na realidade, estão decididos a cursar Residência Médica. Estamos, porém, convencidos de que o concurso, por garantir os direitos trabalhistas, é, sim, um fator de estabilização e um estímulo aos médicos, muitos dos quais ficarão nas cidades para as quais foram aprovados. Impõe-se, contudo, a adoção de outras iniciativas, entre as quais a que se volta decididamente para a Educação Médica Continuada, em que sejam criados mecanismos permanentes de reciclagem dos médicos do PSF. Deste modo, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará acompanhará atentamente todas as etapas de preparação e execução do Concurso do Estado para médicos e do Concurso para o PSF, por entender que, mesmo com limitações, são passos importantes para a ampliação da assistência à saúde do povo cearense e para a melhoria das condições de trabalho dos médicos. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2004

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O ATO MÉDICO Tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei para regulamentar o Ato Médico, ou melhor, para regulamentar a profissão médica. Trata-se de uma proposta simples e sucinta que, no essencial, diz o seguinte: 1. Diagnosticar e tratar doenças são atos exclusivos dos médicos (ressalvado o campo de atuação dos odontólogos). 2. Os serviços médicos devem ser chefiados por médicos. Não obstante a singeleza e a obviedade de sua formulação, o projeto de lei do ato médico despertou, entre os membros de outras profissões da área da saúde, uma reação sem precedentes, marcada pela animosidade e pela realização de atos de protesto que incluíram passeatas, até mesmo aqui em Fortaleza. Listas são enviadas pelo correio eletrônico, ou passam de mão em mão visando colher milhares de assinaturas contra o projeto. E, o que é pior, a oposição a uma ideia acaba por se transformar em um verdadeiro movimento contra os médicos. Parece que a aprovação do projeto trará como consequência uma hecatombe, o final dos tempos, o Armagedon. A luta contra o ato médico tornou-se uma bandeira nacional de pessoas mal informadas e outras mal-intencionadas que dizem, em alto e bom som, que após a aprovação da nova lei os outros profissionais (enfermeiros, psicólogos, odontólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, etc.) só poderão exercer seu trabalho se os pacientes forem a eles encaminhados pelos médicos. Afirmam, ainda, que os médicos querem ser chefes de tudo e se apoderar do campo profissional dos outros integrantes da área da saúde. É preciso que as coisas sejam postas nos seus devidos lugares. O projeto de lei do ato médico não contém qualquer dispositivo que restrinja o campo de trabalho dos outros profissionais de saúde. Diz apenas o que é do conhecimento de toda a humanidade há pelo menos 49


2.400 anos, ou seja, que diagnosticar enfermidades e fazer o respectivo tratamento dos doentes são atividades realizadas pelo médico. Postula, ainda, que quem deve chefiar, por exemplo, um serviço de clínica médica, ou de cirurgia, ou de cardiologia é um médico. Em que parte dessas afirmações podemos encontrar algo que seja prejudicial, desrespeitoso ou ofensivo aos componentes das outras profissões? As demais profissões da saúde têm suas leis especificas, definindo, inclusive, os atos privativos de cada uma delas. Por que só a Medicina não teria direito a uma lei regulamentando sua atividade? A quem interessa manter uma sítuação em que pacientes, independentemente da gravidade de suas manifestações clínicas, são encaminhados a qualquer profissional de saúde, indistintamente? Afinal, a formação acadêmica e técnico-científica é igual para todos os profissionais de saúde? Existe uma única profissão, um só profissional de saúde? Ou, o que é evidente, vários profissionais, com diversa competência e distinta forma de atuar? Temos o maior respeito pelos outros profissionais de saúde e reconhecemos a importáncia do trabalho em equipe, tendo sempre como objetivo maior proporcionar a melhor atenção à saúde dos pacientes. Contudo, é imprescindível que respeitemos o principio da especificidade das profissões, de forma que nenhum profíssional esteja realizando o que é da competência do outro. Ademais, consideramos inaceitável que se queira fazer atendimento à saúde da população sem a participação do médico. Vemos como absurdo que haja Casa de Parto sem médico; ou a existência de equipe do PSF sem médico; ou, ainda no Programa Saúde da Família - esta importantíssima estratégia de ampliação da atenção à saúde, de consolidação do Sistema Único de Saúde, mas cujas distorções devem ser corrigidas -, que as crianças sejam destinadas ao atendimento por parte de profissionais não médicos, sob a justificativa de que se trata de “casos mais simples”. Estas, sim, são situações que contrariam o bom senso e violam o preceito constitucional de que saúde (de boa qualidade) é 50


direito de todos. Não aceitamos que seja estabelecida uma Medicina pobre para pobres. Por tudo isto, concluímos: devemos ser favoráveis à Regulamentação da Profissão Médica; devemos dizer Sim ao Ato Médico. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2004

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BALANÇO DE 2004 Terminado o ano de 2004, devemos fazer um balanço do que foi realizado e planejar as atividades de 2005. As principais linhas de trabalho do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, no ano que passou, abrangeram as seguintes atividades: 1) Fiscalização da atividade médica. 2) Realização de Fóruns de Ética Médica. 3) Apuração das denúncias de possível infração à ética médica. 4) Luta pela melhoria dos Honorários Médicos. 5) Defesa da regulamentação da profissão médica, pela aprovação da Lei do Médico. 6) Defesa do Sistema Único de Saúde e do fortalecimento do Programa Saúde da Família. 7) Luta por Concurso Público na área da saúde. O trabalho de fiscalização incluiu visitas a 52 municípios do Estado do Ceará, onde foram examinadas as condições de trabalho dos médicos do PSF e dos hospitais e postos de saúde existentes. Ademais, diversos serviços de saúde também foram vistoriados em Fortaleza. Em todos os casos, o relatório de fiscalização, apontando as deficiências encontradas e as correções a serem postas em prática, foi encaminhado ao Secretário de Saúde do Município, ao Secretário de Saúde do Estado e à Promotoria de Defesa da Saúde Pública. No que diz respeito às discussões de temas de Ética Médica, foram organizados Fóruns de Ética Médica em 13 municípios do interior do Estado, além de diversos encontros de mesmo teor efetivados nos hospitais de Fortaleza. Nesses conclaves, os assuntos mais discutidos foram Relação com Pacientes e Familiares, Responsabilidade Profissional, Prontuário Médico, Plantão Médico, Transferência Interhospitalar, Segredo Médico, Atestados Médicos, Perícia Médica, Corpo Clínico, Diretor Clínico, Diretor Técnico e Comissões de Ética Médica. Convém destacar a promoção, pelo Conselho, de dois grandes Congressos Científicos e Éticos, respectivamente nas cidades de Juazeiro do Norte e Sobral, com grande participação de médicos, estudantes e 53


professores dos cursos de medicina. Por sinal, na ocasião do Congresso de Juazeiro, foi inaugurada, naquela briosa cidade, a nova sede da Seccional do CREMEC no Cariri. No tocante às denúncias recebidas pelo Conselho, 216 Sindicâncias foram concluídas em 2004, resultando na instauração de cinquenta e um (51) Processos Ético-Profissionais. Em todos os casos, o médico denunciado teve a oportunidade de se defender, relatando sua visão dos fatos ocorridos e apontando as testemunhas que a pudessem corroborar, o que, naturalmente, também foi prerrogativa da parte denunciante. Quanto aos Honorários Médicos, houve avanços significativos, com a adoção da CBHPM (Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos) pelo grupo UNIDAS e pela UNIMED de Fortaleza, entre outros. É evidente, porém, que esta é uma luta permanente, em que teremos muito a evoluir para que os médicos sejam remunerados de forma justa. Por seu turno, participamos de reuniões e debates de esclarecimento sobre a iniciativa de regulamentação da profissão médica, mostrando que em nada a medida é prejudicial às outras profissões da área da saúde. Com todas elas os médicos querem trabalhar em harmonia, em benefício dos pacientes, mas é necessário que seja definido, de maneira clara, qual a área de atuação de cada profissional. Por fim, o CREMEC, em conjunto com as outras entidades médicas, tem envidado esforços no sentido de que ocorram dois grandes concursos públicos na área da saúde, um no Programa Saúde da Família, envolvendo a maioria dos municípios do Estado, e outro no Estado do Ceará, como um todo, para reverter o equivocado processo de terceirização da saúde, ocorrido no Ceará nos últimos anos. É fundamental que os profissionais de saúde sejam contratados nos termos exigidos pela Constituição Federal. Em 2005, deverão ser intensificadas as ações do Conselho, ampliando o trabalho efetuado no ano precedente, e já anunciando um 54


novo esforço em prol da Educação Médica Continuada: o CREMEC patrocinará um Curso de Especialização em Medicina de Família e Comunidade, com duração de um (1) ano e atividades a serem desenvolvidas em quatro (4) núcleos: Grande Fortaleza, Cariri, Crateús e Sobral. As aulas terão início no mês de março deste ano. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2005

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CURSO DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE É com muita alegria que o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará inicia, hoje, o Curso de Medicina de Família e Comunidade. Alegria, porque estamos convencidos de que haverá, com este curso, um real aprimoramento técnico, científico e ético dos médicos inscritos, resultando numa melhoria da qualidade do atendimento prestado à saúde dos pacientes. É sabido de todos que o conhecimento médico evolui de forma constante. Descobertas novas surgem a cada dia, as medidas preventivas das enfermidades se tornam mais eficazes, aprimoram-se os métodos de diagnóstico e tratamento das doenças. Para acompanhar todo este progresso, os médicos têm o dever ético de estudar sempre e sempre. Foi isto o que fizeram os médicos ilustres de todos os tempos, os quais, com dedicação, busca constante do saber e zelo pela saúde dos pacientes, honraram, ao longo dos séculos, a profissão médica, fazendo com que esta atividade humana, a Medicina, se tornasse merecedora da gratidão dos povos. É isto também o que teremos que fazer nós, lembrando que o próprio Código de Ética Médica diz ser dever do médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente. Estas são as razões pelas quais a Diretoria do Conselho Regional de Medicina resolveu investir em prol da qualificação dos médicos. Assim, além de realizar a fiscalização da prática médica e a avaliação e julgamento das denúncias de possível infração à ética da profissão, entendeu o Conselho ser de sua obrigação prestar este serviço aos médicos cearenses, elaborando um curso cuja programação dá ênfase à preparação do médico nas áreas básicas de clínica médica, ginecologia e obstetrícia, cirurgia geral, pediatria e saúde mental. Ademais, conceitos de epidemiologia e de saúde pública foram incluídos, buscando 57


fortalecer no médico a motivação para fazer também um trabalho de educação em saúde. Como não poderia deixar de ser, temas de ética médica também serão debatidos, objetivando sedimentar os princípios humanistas de respeito ao paciente e de conceituação da medicina como uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, devendo ser exercida sem qualquer discriminação. O Curso de Medicina de Saúde e Comunidade terá a duração de um (1) ano, carga horária de 384 horas e ocorrerá em 4 áreas do Estado, Crateús, Juazeiro do Norte, Sobral e a Grande Fortaleza, oferecendo um total de 180 vagas. Está orçado em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e será integralmente financiado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, com o apoio do Conselho Federal de Medicina. Será totalmente gratuito para os médicos. No que se refere às atividades didáticas, o Conselho terá a indispensável parceria da Universidade Federal do Ceará, através da Faculdade de Medicina, e da Escola de Saúde Pública. Por fim, queremos dizer a todos os presentes que o Conselho de Medicina do Ceará tem a convicção de que o Curso de Medicina de Saúde e Comunidade será um importante marco na Medicina Cearense e significará um inegável benefício para os pacientes alencarinos. Um abraço fraterno Ivan de Araújo Moura Fé *Mensagem do Presidente do CREMEC, Dr. Ivan de Araújo Moura Fé, na abertura do curso de Medicina de Família e Comunidade, Fortaleza, 18 de março de 2005 Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2005

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SERVIÇO DE VERIFICAÇÃO DE ÓBITOS Há mais de vinte anos que o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará luta pela implantação de Serviços de Verificação de Óbitos no Estado, particularmente na cidade de Fortaleza. Por ocasião da aprovação da Constituição do Estado do Ceará, foi inserido no texto constitucional, por iniciativa do CREMEC e das outras entidades médicas, dispositivo específico sobre a matéria, como se segue: Capítulo VI – Da Saúde Artigo 248 – Compete ao sistema único estadual de saúde, além de outras atribuições: XIV – estruturar e controlar os serviços de verificação de óbitos; Já naquela época, procurávamos sensibilizar as autoridades para a importância da criação do SVO como instituição capaz de desempenhar um papel fundamental na identificação das causas de morte natural, podendo, assim, subsidiar os gestores de saúde com informações epidemiológicas relevantes para o planejamento das ações sanitárias. Ademais, o SVO também contribuiria para fazer desaparecer o triste espetáculo das interações entre médicos e funerárias no fornecimento de declarações de óbito, prática antiética que leva ao falseamento das estatísticas de mortalidade. Ao longo dos anos, o Conselho sempre colocou estas questões em discussão. Certa feita, ao cobrarmos mais uma vez providências no tocante ao assunto, um Secretário de Saúde chegou a nos afirmar que estava mais preocupado com os vivos... Agora, porém, temos finalmente, em Fortaleza, o Serviço de Verificação de Óbitos, o qual recebeu o nome do Dr. Rocha Furtado, médico e ex-secretário de saúde do Estado do Ceará; a sala de necrópsias foi designada com o nome do Dr. Helio Abreu, primeiro “verificador de óbito” do Estado e criador do “gabinete médico-legal”, estrutura precursora do Instituto Médico Legal. Destaque para o Governador do Estado, Dr. Lúcio Alcântara, 59


e para o Secretário de Saúde, Dr. Jurandi Frutuoso, sob cuja égide se deu a implantação de tão importante serviço. Ressaltamos também o esforço do Conselheiro Dalgimar Beserra de Menezes, o qual emprestou seu tempo e sua experiência assessorando o planejamento e a criação do SVO, tendo, inclusive, visitado outras instituições semelhantes (Serviços de Verificação de Óbitos de Natal – RN, São Paulo – SP e Ribeirão Preto – SP). Numa justa homenagem, o Laboratório de Anatomia Patológica do SVO recebeu o nome do Professor Dalgimar Beserra de Menezes. Agora, ocupa-nos uma outra questão: como serão admitidos os que vão trabalhar no SVO de Fortaleza? Através de Cooperativas? É preciso que evitemos a via tortuosa da terceirização na admissão dos trabalhadores do setor saúde. O SVO é, por vocação e essência, um serviço público, de forma que seus servidores deverão ser contratados por meio de concurso público. Por fim, queremos insistir que se torna imperativa a criação de Serviços de Verificação de Óbitos em outras cidades do Estado, particularmente aquelas de maior porte. Seria de bom tom que o multi-anunciado concurso para a área da saúde do Estado do Ceará incluísse vagas para esses serviços e fosse realizado antes do final do ano em curso. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2005

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A CONSULTA MÉDICA O que um paciente espera no momento em que procura os cuidados do médico? Certamente, espera ser atendido por um profissional competente, atualizado, bem qualificado cientificamente, capaz de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento em benefício dos pacientes que estão sob seus cuidados. Mas conta, também, com alguém que demonstre zelo, dedicação, interesse pela saúde do enfermo, ouvindo suas queixas com atenção e transmitindo segurança e a convicção de que tudo será feito para que o doente melhore e, se possível, fique curado. Um relacionamento terapêutico satisfatório pressupõe que o médico explique ao paciente, em linguagem compreensível, o significado dos sintomas, os riscos e objetivos do tratamento, sabendo avaliar o momento e a maneira de fornecer as informações mais graves. E que se disponha a compartilhar com o doente as decisões sobre o tratamento, respeitando a autonomia do paciente até mesmo para recusar as medidas propostas pelo esculápio. Estes são alguns dos princípios a serem seguidos por todos os médicos e que, segundo tudo indica, foram observados por muitos dos nossos colegas de antanho. Com efeito, poderíamos indagar: o que distinguiu os médicos ao longo de mais de dois milênios de atividade, fazendo com que esta profissão grangeasse o respeito e a gratidão da humanidade? Como profissionais que nem de longe dispunham dos recursos diagnósticos e terapêuticos atuais conseguiram, em seu tempo e circunstância, fazer o melhor por seus pacientes? Parece indiscutível que a atitude de plena dedicação ao doente, a realização integral do lema “que a saúde do paciente seja a minha maior preocupação” foi a marca consagradora da Medicina como a profissão humanista e solidária por excelência. Assim agindo, os médicos que nos antecederam acumularam um patrimônio ético que nos foi legado como a 61


mais extraordinária herança que alguém poderia receber. Preservar este patrimônio é um dever dos que atualmente exercem a profissão médica. Por sua vez, é pertinente considerar que, ao longo dos séculos, os médicos foram aprimorando os meios de identificar as manifestações das enfermidades, ao mesmo tempo em que laboravam no sentido de obter e utilizar as melhores medidas a favor da saúde dos pacientes. Neste aprendizado e acúmulo de experiência, foram os médicos reconhecendo a enorme importância da consulta, que inicia uma relação médico-paciente, com implicações que superam em muito os aspectos puramente científicos. No período de 4 a 6 de agosto de 2005, foi realizado na sede do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará o I Seminário sobre Consulta Médica. Com aulas de excelente nível científico, o encontro possibilitou a abordagem de temas altamente importantes para a prática médica cotidiana. Abriu espaço, também, para a reflexão sobre a conduta do médico no atendimento do paciente visto como um ser biopsicossocial. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará deverá intensificar, nos próximos meses, ações voltadas para a Educação Médica Continuada, entendida esta em sentido amplo, compreendendo a formação técnico-científica e o aprimoramento ético dos médicos cearenses. Para bem realizar este projeto, o CREMEC está aberto às sugestões dos colegas sobre quais os temas mais importantes, cujo estudo possa contribuir para suprir carências em nossa prática médica. Pretendemos, ademais, promover em 2005 o II Curso de Medicina de Família e Comunidade. Colega! Contamos com sua participação e colaboração. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2005

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OS MÉDICOS E A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA Vez por outra, ouve-se entre os médicos um comentário acerca de certos fatos da relação com os representantes da indústria farmacêutica. Ao mesmo tempo em que estes muitas vezes se mostram dispostos a prover ajuda financeira para a realização de seminários, simpósios e congressos das associações médicas, também costumam oferecer brindes e formular convites para jantares, seguidos ou não de palestra sobre algum tema científico. Não é rara a oferta de passagem para o comparecimento a algum congresso médico, nacional ou mesmo internacional. Tais ocorrências terminam por despertar certo incômodo, ou mesmo dúvidas de ordem ética. Seria correto, por exemplo, um médico, patrocinado por um laboratório, comparecer a um congresso da sua especialidade, tendo aí participação em alguma atividade científica em que aponte as vantagens da utilização de um medicamento do laboratório que o patrocina? Usufruir determinadas “gentilezas” poderia, imperceptivelmente, ir levando o profissional a privilegiar os produtos do “laboratório amigo”? Ou, ao contrário, estaria esse peculiar tipo de relação imune a distorções? Preocupado com o tema, o American College of Phisicians formulou, em 1990, algumas diretrizes para o relacionamento dos médicos com a indústria. Entre estas, firmou que, ao receber brindes da indústria, o médico deveria interrogar-se sobre a seguinte questão, para ter clareza se a prática é eticamente aceitável: “Eu aceitaria este brinde se o fato fosse do conhecimento dos meus pacientes, meus colegas de profissão ou o público em geral?” Entre nós, o Código de Ética Médica diz, em seu artigo 98, ser vedado ao médico exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, laboratório farmacêutico, ótica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação ou comercialização de produtos de prescrição médica de qualquer natureza. 63


Como se o assunto não fosse suficientemente complexo, fomos surpreendidos por reportagem publicada na imprensa local (Diário do Nordeste de 6 de setembro de 2005 – página 9), dando detalhes sobre a maneira como a indústria farmacêutica tem conhecimento de quais são os médicos que prescrevem os seus produtos e quais os que não o fazem. Referida matéria informava que vários laboratórios farmacêuticos têm contrato com uma empresa de coleta de dados junto às farmácias, e por esta via ficam sabendo não apenas o quanto determinado produto está sendo vendido, mas quais são os médicos que o prescrevem. O procedimento, se confirmado, parece configurar uma invasão de privacidade, o que demonstra quanto caminho temos que palmilhar para alcançarmos a verdadeira cidadania. Parece-nos claro que uma parceria sadia entre os médicos e a indústria farmacêutica é perfeitamente possível, tendo por objetivo o progresso do conhecimento técnico-científico e o benefício da saúde dos pacientes. Contudo, para que isto se dê, é imprescindível que temas como os agora abordados, embora gerem constrangimento, sejam amplamente debatidos, para que tenhamos condição de construir uma aliança produtiva, responsável, ética, e não uma relação perigosa. Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2005

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MENSAGEM* Saudações Tenho a satisfação de cumprimentar os participantes da XIV Jornada Médica de Aracati, lamentando não estar presente aos debates, pelo fato de ter que presidir o III Congresso Científico e Ético do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, no período de 3 a 5 de novembro de 2005, em Fortaleza. Gostaria de ressaltar alguns pontos básicos da Ética Médica, discutidos aí, em Aracati, na semana passada, quando da realização do LXXI Fórum de Ética Médica do Interior. O primeiro deles se refere à atitude do médico diante do seu paciente, quando devem prevalecer o zelo, a dedicação, o interesse em tudo fazer em benefício da saúde do doente. Este esforço para conhecer e compreender a enfermidade, esta disposição à solidariedade, este desejo de aliviar o sofrimento são marcas indeléveis da Medicina ao longo de toda a sua história, já sendo pontos cardeais dos ensinamentos hipocráticos há mais de 2.400 anos. Estas características tão peculiares à atividade do médico talvez expliquem o extraordinário grau de confiança que os povos de todas as nações depositaram nos esculápios. Como ilustração, lembramos que recentemente o IBOPE realizou uma pesquisa, na qual 81% dos entrevistados declararam que confiam nos médicos, colocando a profissão médica como a instituição de maior credibilidade junto à população brasileira. Partindo dessas premissas básicas que definem o humanismo da profissão médica, teremos amplas condições para exercer a Medicina de forma digna, sentindo-nos gratos pelo trabalho que abraçamos, que nos permite prover o sustento da nossa família numa atividade em que, na essência, estamos continuamente tendo a oportunidade de fazer o bem às outras pessoas. 65


Assim, haveremos que exercitar constantemente esses valores, aplicando os princípios que nos foram legados pelos Pais da Medicina e engrandecendo cada vez mais nossa profissão. Ao mesmo tempo, teremos que envidar esforços para melhorar nossas condições de trabalho, conseguir uma remuneração justa e viabilizar a contratação de pessoal qualificado tecnicamente e em número suficiente para evitar a sobrecarga excessiva de atendimentos, prejudicial aos pacientes e aos médicos. De tal forma que se caracteriza a necessidade do engajamento dos médicos também na luta por uma política de saúde voltada para os reais e legítimos interesses da população, dentro da concepção de que saúde é um direito de todos os cidadãos. No que diz respeito especificamente ao Programa “Saúde mais perto de Você”, é nosso entendimento que se trata de uma iniciativa promissora, que tem o objetivo imediato de aumentar a resolutividade dos hospitais-polo do interior do Estado do Ceará, garantindo a presença, nesses serviços, de especialistas em clínica médica, ginecologia/ obstetrícia, traumato/ortopedia, pediatria/neonatologia e cirurgia geral. Significa, portanto, segundo anunciam os gestores estaduais da saúde, oferecer “atendimento à população mais próximo da sua residência, o mais rápido possível e com a melhor qualidade, evitando, ao máximo, as transferências desnecessárias para a capital”. No entanto, algumas distorções surgiram e merecem reparos. Várias vezes constatamos que faltam alguns profissionais previstos pelo Programa, seja pela não contratação dos mesmos em número suficiente, seja por haver atraso de pagamento dos médicos, o que gera insatisfação e leva alguns deles a se desfiliarem do Programa. O resultado previsível é o comprometimento da eficácia do serviço, em prejuízo da saúde da população. A responsabilidade dos gestores estaduais e municipais de saúde deve, portanto, ser cobrada. Quanto à saúde da mulher, causam grande preocupação os inaceitáveis números concernentes à mortalidade materna em nosso 66


Estado. É imperativo que sejam adotadas medidas no sentido de identificar as principais causas da mortalidade materna em nosso meio, fundamentando a adoção de providências dirigidas ao atendimento integral à saúde da mulher e da criança, tudo dentro dos parâmetros recomendados pelos médicos especialistas do setor. Por fim, na certeza de que todos esses temas serão intensamente debatidos no conclave, formulamos votos de que a XIV Jornada Médica de Aracati se revista de pleno êxito, contribuindo para o aprimoramento técnico e científico dos médicos da região e suscitando reflexões que aprofundem o compromisso moral e social dos que exercem a Medicina. Minhas cordiais saudações a todos os participantes da Jornada. *Mensagem do Dr. Ivan de Araújo Moura Fé, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, aos participantes da XIV Jornada Médica de Aracati

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III CONGRESSO CIENTÍFICO E ÉTICO DO CREMEC* O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará inicia, no dia de hoje, o III Congresso Científico e Ético do CREMEC, conclave que se associa ao III Congresso das Câmaras Técnicas e Comissões de Ética do CREMEC e à I Jornada de Medicina de Família e Comunidade. O evento se destina a oferecer aos médicos e estudantes de Medicina os conhecimentos mais atuais nas grandes áreas básicas da atividade médica, discutindo questões da maior relevância em Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral e Clínica Médica, além de pôr em destaque os temas cada vez mais relevantes da Medicina de Família e Comunidade. Por sua vez, questões fundamentais da Ética Médica e da Bioética serão abordadas por professores e mestres de renome da Medicina do Ceará e de outros Estados da Federação. Temas como maus-tratos na infância, mortalidade materna, doenças cérebro-vasculares e transtornos do humor darão oportunidade a que os congressistas se debrucem sobre alguns dos mais preocupantes problemas de saúde em nosso meio. A precarização do trabalho médico, a remuneração profissional, as causas mais frequentes de denúncias contra médicos, os médicos e os Planos de Saúde também estarão em discussão. Além das reflexões sobre os dilemas éticos relacionados com o princípio e o fim da vida, incluindo a reprodução assistida, a clonagem terapêutica e a utilização de células-tronco, o abortamento, o transplante de órgãos e os cuidados paliativos. A rica programação do Congresso é parte do Programa de Educação Médica Continuada do Conselho Regional de Medicina, que hoje abrange Fortaleza e as cidades do interior do Estado, com a realização de congressos científicos e fóruns de ética médica, tendo ocorrido, na semana passada, na cidade de Aracati, o LXXI Fórum de Ética Médica do Interior. É a reafirmação do compromisso do Conselho com a qualificação ética e científica dos médicos cearenses. Por outro lado, ressalta a preocupação do 69


CREMEC com o atendimento médico à população carente, levando-nos a destacar, em todos os nossos eventos, a dimensão social da Medicina, como uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, devendo ser exercida com zelo, solidariedade, buscando utilizar todos os meios para promover a saúde, aliviar a dor e, quando possível, curar as enfermidades. O estímulo do Conselho ao aprimoramento ético e científico dos médicos cearenses é uma das principais linhas de trabalho da instituição, ao lado da fiscalização do exercício da medicina, da luta por boas condições de trabalho e remuneração digna. Afirmamos aqui, mais uma vez, a posição do CREMEC a favor do fortalecimento do Sistema Único de Saúde e pelo Concurso Público em todos os níveis, como a forma correta, legal e ética de acesso ao serviço público. Neste sentido, ao mesmo tempo em que nos regozijamos com o recente anúncio de Concurso para o Programa Saúde da Família em 118 Municípios do Estado do Ceará, voltamos a cobrar a realização do Concurso do Estado para a Saúde, na busca de corrigir a distorção ora observada com a terceirização do setor. Com tantas frentes de luta e de trabalho, é para nós motivo de grande satisfação conceder, neste momento, distinções a alguns médicos que se revelaram, ao longo de sua vida profissional, como exemplos para os seus pares no desempenho ético da atividade médica. Assim, o Plenário do CREMEC escolheu, por unanimidade, três médicos para receberem a Medalha de Honra ao Mérito Profissional. São eles os Doutores: Geraldo Wilson da Silveira Gonçalves Evandro Salgado Studart da Fonseca Pedro Sátiro Por sua vez, será entregue o Diploma de Mérito Ético-Profissional aos médicos que completaram 50 (cinquenta) anos de exercício da profissão médica sem jamais terem sofrido sanção ético-profissional de qualquer natureza. Os agraciados são: 70


Djacir Gurgel de Figueirêdo Edna de Castro Picanço Edvaldo Cordeiro Costa Elígio Figueirêdo Abath Francisco Braga Montenegro Filho Francisco Mansuêto de Sousa Joacillo Miranda Ponte José Péricles Maia Chaves José Ulisses Peixoto Neto Maria Nogueira Machado Arcanjo Roberto Caminha Juaçaba Sebastião Barros de Almeida. Os ilustres médicos homenageados honram a Medicina Cearense e marcam, com o seu exemplo, a trilha a ser seguida pelos novos esculápios, para que a profissão médica continue a ser merecedora da confiança e da gratidão de quantos sofrem agravos à saúde. Neste sentido, foi muito alentadora a pesquisa recentemente realizada pelo IBOPE, na qual 81% dos entrevistados declararam que confiam na classe médica, colocando a profissão médica como a instituição de maior credibilidade junto à população brasileira. Faremos, ainda, nesta solenidade, a premiação dos vencedores do Concurso de Monografias Professor Dalgimar Beserra de Menezes, certame instituído para estimular, entre os médicos e estudantes de Medicina, a produção de trabalhos de ética e bioética. Por fim, nesta sessão solene de abertura do Congresso, temos que fazer alguns agradecimentos: ao Conselho Federal de Medicina, na pessoa do seu Presidente, Dr. Edson de Oliveira Andrade, que sempre se mostrou sensível às iniciativas do CREMEC; aos representantes dos Conselhos Regionais de Medicina, que compareceram ao III Congresso munidos de vasto saber nos campos técnico, ético e jurídico; aos Professores convidados para as conferências e mesas-redondas do conclave, vários dos quais vieram 71


de outros Estados, pela presteza com que acolheram o convite do Conselho e se dispuseram a trazer seu conhecimento e sua experiência para dar maior brilhantismo ao Congresso; aos Conselheiros do CREMEC, que colaboraram nas etapas preparatórias do encontro e agora se mostram presentes em sua execução; de um modo todo especial, ao Dr. Helvécio Neves Feitosa, Presidente da Comissão Científica do conclave, e ao Dr. Lino Antonio Cavalcanti Holanda, da Comissão Executiva, os quais coordenaram as reuniões de elaboração da programação científica e de implementação das medidas administrativas do evento, não poupando esforços para o êxito do mesmo, tendo, nesse mister, a companhia operosa do Dr. Vladimir Távora Fontoura Cruz. Agradecemos, ainda, a contribuição fundamental dos membros das Câmaras Técnicas do CREMEC, particularmente os de Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia e Medicina de Família e Comunidade, que são responsáveis pela maior parte das sugestões de temas científicos e de professores convidados. E o empenho imprescindível dos funcionários do CREMEC, representados aqui na pessoa da Sra. Fátima Maria Sampaio de Barros. Nossas boas vindas a todos os participantes do Congresso. Muito obrigado *Obs.: Discurso proferido por ocasião da abertura do III Congresso Científico e Ético do CREMEC, em 03/11/2005. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2005

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O CONCURSO DO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA Causou pasmo e indignação o ocorrido no Concurso do Programa Saúde da Família. Resultado de uma luta das entidades médicas (Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, Sindicato dos Médicos e Associação Médica Cearense), o concurso sempre foi proposto pelo CREMEC como a forma legal e ética de admissão dos médicos ao serviço público. Ademais, é entendimento do Conselho que a regularização da situação dos médicos, com observância dos direitos trabalhistas, pode contribuir para fixar os esculápios aos municípios para os quais foram aprovados, aprofundando o vínculo com as comunidades atendidas, com melhoria da qualidade da atenção à saúde dos pacientes. O fato é que, após muitas idas e vindas, foi marcado o concurso para o dia 18 de dezembro de 2005, tendo sido oferecidas 1.585 vagas para médicos. Surpreendentemente, na data aprazada, quando os candidatos começaram a ler os itens da prova, perceberam que várias questões estavam fora do programa do concurso, algumas tinham mais de uma resposta certa, enquanto outras não apresentavam qualquer alternativa correta. O número excessivo de falhas levou as autoridades ao anúncio da anulação da prova, sendo marcada nova data para o certame, agora no dia 5 de fevereiro de 2006. É evidente que o transtorno representado pelo acontecimento trouxe frustração e revolta para todos os participantes do concurso. Afinal, além do tempo despendido na etapa preparatória, houve despesas e deslocamentos de vários candidatos, dos quais mais de duas centenas vivem em outros estados do país; acrescente-se a isto que mais de seiscentos inscritos vieram de cidades do interior do estado do Ceará prestar concurso em Fortaleza, sendo que muitos deles tiveram que trocar plantões, e alguns manifestaram receio com a situação dos pacientes de suas cidades, os quais poderiam ter prejudicada sua saúde com a ausência, ainda que temporária, de tantos profissionais. 73


Acontece que o pior ainda estava por vir. Em 5 de fevereiro de 2006, os médicos se dirigiram para os locais da prova. Logo nos primeiros minutos após o início do exame, ao compulsarem os tópicos da prova, a reação dos médicos foi de perplexidade, quando não de revolta. Deparavam-se eles com questões sobre a Lei e o Código de Ética de Enfermagem... Com os primeiros protestos, logo generalizados, a coordenação do concurso determinou que a prova seria anulada, uma vez que, por equívoco, fora distribuído aos médicos o mesmo texto aplicado aos enfermeiros. A empresa encarregada do exame não teria feito imprimir a prova dos médicos. Que fazer? A Secretaria de Saúde do Estado divulgou ao distinto público que em 12 de fevereiro de 2006 aconteceria nova prova, a terceira. Não sabemos quantos colegas acabaram por desistir dessa corrida de obstáculos em que se transformou o concurso do PSF. O fato é que tanta trapalhada faz lembrar o saudoso Stanislaw Ponte Preta e o Festival de Besteira que assola o país. Voltamos a insistir na importância da realização de concursos públicos para o fortalecimento dos serviços de saúde, com a ampliação dos recursos humanos, aumentando o acesso da população a uma atenção de qualidade à sua saúde. Mas temos o direito de exigir um pouco mais de competência na organização desses concursos. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2006

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A LETRA DOS MÉDICOS Caligrafia, como todos sabem, significa bela escrita. Em priscas eras, copistas fizeram fama pela rapidez dos seus registros e a perfeição com que desenharam, nos mais variados estilos, as letras e as palavras. Nos tempos modernos, com os teclados digitais, os textos são impressos com os tipos arial, times new roman, bookman old style e outros. No entanto, mesmo com a introdução do prontuário eletrônico, a grande maioria dos médicos ainda redige à mão suas prescrições. É aí que nos deparamos com o célebre problema da letra do médico, ou melhor, com a frequentemente ilegível escrita dos esculápios. Todos conhecem exemplos de receitas que depois se tornaram indecifráveis até para os médicos que as redigiram. No Conselho de Medicina do Ceará, já tivemos uma sessão de julgamento em que um médico, chamado a ler o que escrevera no prontuário do paciente, passou maus bocados para conseguir entender e ler a própria letra... Em outro processo, recentemente julgado no Conselho, tivemos uma situação em que o paciente preencheu o atestado médico, após o que o médico assistente o assinou. Justificando tal atitude, o paciente explicou que procurou garantir a legibilidade do atestado, ante a notória má letra dos médicos. Casos assim nos fazem lembrar de Champollion e seu trabalho para elucidar os hieróglifos... Fica uma interrogação: por que os médicos escrevem de maneira a propiciar tão dificil leitura? Será por pressa? Excesso de trabalho? É a letra uma característica pessoal imutável? Ou estariam certas prescrições tentando ocultar, mas revelando, possíveis inseguranças do prescritor, dúvidas quanto ao conteúdo da receita, quanto à correção do que está sendo prescrito? Ou têm algo a ver com as origens misteriosas e meio mágicas da arte de curar? O assunto poderia render uma tese acadêmica ... A matéria que estamos abordando já foi discutida quando estava sendo elaborado o atual Código de Ética Médica, dando origem ao artigo 75


39, que veda ao médico receitar ou atestar de forma secreta ou ilegível. O problema está posto e requer solução. Dificilmente teremos a volta dos velhos cadernos de caligrafia. Será que precisaremos digitar todos os documentos médicos, inclusive as receitas e os atestados? O fato é que não podemos continuar a correr o risco de uma receita ser erroneamente interpretada, dando margem à troca dos medicamentos prescritos, com possíveis danos para os pacientes. Já tivemos conhecimento de caso de troca de clorpropamida por clorpromazina... Além de procurar fazer suas prescrições de forma legível, é de todo recomendado que o médico, antes de concluir o atendimento, peça ao paciente para ler a receita, oportunidade em que podem ser detectados erros de compreensão que darão ao médico a chance de formular explicações adicionais importantes para que o paciente leve a bom termo o tratamento. A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade. Em benefício da saúde do paciente, tem o médico o dever de envidar todos os seus esforços, com zelo, interesse, dedicação e competência. Tão elevada missão tem que ser preservada, não podendo ser comprometida pelo desaparecimento da "caligrafia". Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2006

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A FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DA MEDICINA Fiscalizar a prática médica é uma das principais atribuições do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. De fato, a lei 3.268, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, diz, em seu artigo 15, que cabe aos Conselhos de Medicina “fiscalizar o exercício da profissão de médico”. É o que tem feito o CREMEC, ao vistoriar 52 municípios em 2005 e outros tantos no ano anterior. Neste trabalho, o Conselho tem identificado, desde casos de exercício ilegal da Medicina, até serviços que não têm direção médica, ou que funcionam de forma extremamente precária, com os médicos desempenhando seu trabalho em condições inaceitáveis, com risco para eles próprios e para os pacientes. Já tivemos a oportunidade, em ida a cidade do interior do Estado, de visitar um serviço de saúde que se intitulava “PSF 24 horas”. No dito serviço, encontramos um colega médico, o qual se esfalfava para atender de 80 a 100 pacientes em um turno de 12 horas de plantão... O referido colega relatou que, em certa feita, medicou um paciente, o qual, após passar por várias farmácias, retornou dizendo que não encontrara a medicação prescrita. Para surpresa do colega, constava, em receita por ele assinada, a seguinte prescrição: “Amigdalite 500, de 8 em 8 horas”... É este o resultado de semelhante sobrecarga de trabalho, o que, por sinal, não se restringe ao interior do Estado, sendo constatado em vários hospitais de Fortaleza. Por essas e outras é que alguns colegas acabam delegando a profissionais não-médicos a realização de atos médicos. Ressalte-se que todos os relatórios da comissão de fiscalização são encaminhados para a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública e para o secretário de saúde da cidade visitada. Além de terem que mourejar em seu trabalho, não são incomuns os casos em que os médicos recorrem ao CREMEC para se queixar da falta de pagamento dos seus salários ou honorários. Tal situação se torna mais aguda após as eleições municipais, principalmente se há mudança do grupo político dominante, ocasião em que o novo prefeito eleito resiste a honrar 77


os compromissos financeiros da gestão anterior. O Conselho de Medicina tem levado essas denúncias à Promotoria do Trabalho, numa parceria que tem resultado no bom encaminhamento de vários desses pleitos. Um dos problemas mais frequentemente encontrados na fiscalização do CREMEC é a falta de preenchimento dos formulários de referência e contra-referência, os quais são fundamentais para a continuidade do tratamento dos pacientes. O Conselho já fez várias comunicações aos secretários de saúde e aos diretores médicos dos serviços de referência, no sentido de que os médicos sejam alertados para a obrigatoriedade do preenchimento dos documentos citados. Por sinal, o Código de Ética Médica prescreve, em seu artigo 71, que é vedado ao médico deixar de fornecer laudo médico ao paciente, quando do encaminhamento ou transferência para fins de continuidade do tratamento, ou na alta, se solicitado. No que diz respeito ao Programa Saúde da Família, identificamos diversos municípios que colocam sob a responsabilidade de cada médico um número excessivo de famílias, dificultando o desenvolvimento de uma atenção básica de saúde de boa qualidade, que envolve, além do diagnóstico e tratamento das enfermidades, um trabalho de educação em saúde, no sentido de desenvolver hábitos saudáveis e de prevenir a ocorrência das doenças. Por outro lado, temos orientado os secretários de saúde para que confiram a documentação profissional dos médicos contratados e assim evitem ter em sua equipe falsos médicos ou médicos em situação irregular ou até mesmo suspensos do exercício da profissão. O fato é que a intensificação da fiscalização por parte do Conselho tem ajudado a diagnosticar e corrigir distorções da atividade médica, contribuindo ainda para melhorar as condições de trabalho dos médicos, na busca de assegurar a dignidade da profissão médica. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2006

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A TERMINALIDADE DA VIDA Como deve agir um médico ante um paciente com o diagnóstico de morte encefálica, quando a família do paciente não aceita a realidade da morte e insiste que o médico deve manter todos os procedimentos técnicos, tais como hidratação, nutrição enteral, antibioticoterapia, fisioterapia, uso de drogas vasopressoras e solicitação de exames complementares? Ainda mais quando os familiares do paciente ameaçam processar o médico caso este suspenda as medidas supracitadas? Esta é uma das questões que o Conselho Federal de Medicina (CFM) pretende regulamentar de forma mais clara, de modo que os médicos tenham uma norma orientadora da conduta a adotar. O CFM já promulgou, em 1997, a Resolução CFM nº 1.480, em que são estabelecidos critérios para o diagnóstico de morte encefálica, considerada esta como equivalente à morte clínica. No entanto, ainda hoje muitos médicos ficam em dúvida, indagando se podem ou não desligar os aparelhos de prolongamento artificial da vida, uma vez constatada a parada total e irreversível das funções encefálicas do paciente. A linha adotada nos pareceres do CFM sobre a matéria tem sido no sentido de que cabe, sim, ao médico explicar à família a real situação clínica do paciente, a impossibilidade de reverter um quadro de morte encefálica, após o que deve suspender os procedimentos médicos. Mas também é dito que o médico deve ter a sensibilidade de não agir de forma a se tornar um fator adicional de sofrimento para a família que acabou de perder um ente querido. Outros dilemas éticos surgiram nas últimas décadas, associados ao desenvolvimento científico e tecnológico. É fato que atualmente a Medicina tem recursos para manter artificialmente a vida de pessoas em estado clínico extremamente grave. No entanto, em determinadas circunstâncias, fica claro que o paciente, embora vivo, não tem possibilidade de recuperação. É o caso, por exemplo, do paciente em 79


estado vegetativo persistente. Caracterizada tal situação, qual seria o papel do médico? Poderia ele, médico, interromper ou deixar de adotar procedimentos de manutenção artificial da vida, embora dando continuidade aos cuidados paliativos? Haverá situações em que o médico está ética e legalmente amparado para anotar em prontuário que, em caso de parada cardíaca, não devem ser feitas tentativas de reanimação do paciente? Estas são algumas das angustiantes perguntas que pesam sobre os ombros dos médicos que lidam com os pacientes mais graves. Lembrando, ademais, que o artigo 66 do Código de Ética Médica veda ao médico utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste. Na discussão desses temas, o CFM enviou aos Conselhos Regionais de Medicina, solicitando sugestões, uma minuta de Resolução em que há a proposta de que seja permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. Entretanto, o doente deve continuar a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual. A matéria está sendo debatida nacionalmente e põe em destaque o direito de viver e de morrer com dignidade. Ao mesmo tempo em que nos lembra que cabe ao médico tratar os doentes, buscando a cura ou a melhora, mas também ministrar cuidados, mesmo quando a recuperação não é mais possível. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2006

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ERRO MÉDICO É antiga a discussão sobre erro médico. O Código de Hamurábi já estabelecia normas sobre o assunto, dizendo que “se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de bronze e o mata, ou lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze e o olho fica perdido, se lhe deverão cortar as mãos”. Entretanto, se o médico trata o escravo de um liberto de uma ferida grave e o mata, deverá dar escravo por escravo... Regras que criavam uma distinção entre pessoas, hoje absolutamente inaceitável. Em suas Vidas Paralelas, Plutarco relata que Alexandre mandou crucificar Glauco, o médico de Heféstion, pois a morte deste teria ocorrido por negligência do médico, o qual estava numa sessão de teatro quando o paciente piorou e morreu. Houve erro médico ou excesso de um governante atrabiliário e todo-poderoso? Os romanos, com a Lei Aquília, previam punições para os médicos que causassem danos aos pacientes, o que também ficou expresso no Código de Napoleão (1804). Por muito tempo, deu-se a seguinte discussão: deveriam os médicos ser responsabilizados pelo insucesso no tratamento dos seus pacientes? Ou haveria que predominar a visão de que os médicos, “ao agirem de boa fé”, estariam isentos de qualquer recriminação, mesmo que não obtivessem êxito no tratamento? Hodiernamente, os conceitos seguintes são amplamente aceitos. A Medicina é uma profissão de meios e não de fins. O que significa que o médico tem o dever de utilizar todos os recursos de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente. No entanto, não pode o médico garantir resultados, nem estes lhe podem ser exigidos, sendo exigíveis, sim, a atitude prudente, o zelo, a dedicação ao paciente, a competência profissional, a busca contínua do aprimoramento técnico e científico. Por sua vez, comete falta ética o médico que pratica atos profissionais danosos ao paciente, que possam 81


ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência. E são estas as mais frequentes razões para as denúncias formuladas contra médicos no Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. Em número significativo delas (93 citações nos processos ético-profissionais instaurados no CREMEC no período de 2003 a 2005), a queixa do paciente se centra na afirmação de que o médico não fez pelo doente tudo o que poderia e deveria ter feito. É, por exemplo, acusado de negligência o médico que, sem motivo de força maior, falta ou chega atrasado ao plantão; ou o que retarda, injustificadamente, o encaminhamento para a cirurgia de um paciente clínico que está entrando em abdome agudo. Já o médico que realiza anestesias simultâneas, ou que, sozinho, fora da situação de urgência, anestesia e opera o paciente, ou o que não se cerca das cautelas já consagradas no atendimento do enfermo, estão sujeitos à acusação de imprudência. E, embora não queiram alguns doutrinadores, é perfeitamente admissível a acusação de imperícia no caso de um médico que causa prejuízo à saúde de um paciente por agir contrariamente aos conhecimentos mais comezinhos da profissão. Muitas vezes teremos condutas que contêm, simultaneamente, elementos de imprudência e de negligência. É evidente, ainda, que o médico tem o direito de alegar seus motivos, os porquês do seu procedimento, conseguindo, muitas vezes, provar que agiu acertadamente. É o que constatamos no levantamento das denúncias apreciadas no CREMEC, pois, em aproximadamente 80% das sindicâncias instauradas, o Conselho concluiu pelo arquivamento, por não identificar indícios de infração ao Código de Ética Médica. Têm sido apontadas como causas de erro médico, entre outras, a relação médico-paciente insatisfatória, a formação técnico-científica deficiente do médico e as más condições de trabalho do profissional da Medicina. Deste modo, é necessário aprimorar a qualidade das escolas 82


médicas, investir na educação médica continuada, pautar a relação médico-paciente pelo humanismo, dedicação e zelo do médico e buscar melhorar as condições da atividade profissional do esculápio. Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2006

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MORTALIDADE MATERNA Por que o Estado do Ceará não consegue reduzir os índices de mortalidade materna? Por qual razão morrem no Ceará tantas mulheres de causas evitáveis, em número várias vezes maior que nos países do primeiro mundo? Quais os motivos dessa situação em tudo por tudo inaceitável? Há indicações de que as falhas ocorrem no pré-natal e na assistência ao parto e ao puerpério. Tais dados, que são repetidamente apontados pelos especialistas em Ginecologia e Obstetrícia e têm sido publicamente reconhecidos pelos gestores públicos de saúde trazem para cada um de nós uma preocupação e uma grande responsabilidade. E nos obrigam à tomada de atitude. Que medidas devem ser adotadas para garantir uma maternidade saudável? Em tese de mestrado sobre o perfil da mortalidade materna no Ceará, apresentada em março de 2006, o Dr. Arnaldo Afonso Alves de Carvalho, membro da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do CREMEC, expõe dados mostrando que, no período de 2000 a 2003, a razão da mortalidade materna (RMM) no Ceará foi, em média, de 80,6 por 100.000 nascidos vivos. Lembrando, ademais, que o sub-registro faz com que seja necessária a utilização de um fator de correção de 2,2. Convém assinalar que, nos países mais desenvolvidos, a RMM chega a ficar abaixo de 10. As principais causas de óbito materno em nosso meio, segundo o estudo supracitado, são a eclâmpsia, as infecções e as hemorragias, ou seja, com amplo predomínio das chamadas causas obstétricas diretas, em sua maioria evitáveis. Um outro dado revelador foi a constatação da deficiente assistência de pré-natal, com 67,6% das pacientes tendo comparecido a menos de 6 (seis) consultas, que constituem o mínimo estabelecido pela Organização Mundial de Saúde para se ter uma adequada assistência pré-natal. O próprio Ministério da Saúde reconhece que a redução da mortalidade materna e neonatal no Brasil é ainda um desafio para os serviços 85


de saúde e a sociedade como um todo, sendo o elevado número de óbitos uma violação dos direitos humanos das mulheres e das crianças e um grave problema de saúde pública. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, imbuído de sua responsabilidade ética e social, se sente no dever de contribuir para dar visibilidade a esta magna questão, no intuito de incentivar os médicos a se mobilizarem para o esforço de redução da mortalidade materna. Deste modo, cumprindo suas atribuições de fiscalizar a prática médica e promover o perfeito desempenho ético e científico da Medicina, e consciente, ademais, de que a Medicina é uma profissão a serviço do ser humano e da coletividade, inicia o CREMEC, neste momento, uma campanha pela maternidade segura e pela redução dos índices de mortalidade materna. Contando com a participação de instituições tais como a Sociedade Cearense de Ginecologia e Obstetrícia, as Secretarias estadual e municipais de saúde, os Comitês de Prevenção da Mortalidade Materna e a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública, pretende o CREMEC catalisar um amplo processo de identificação e correção das causas evitáveis de óbitos maternos. Dentro desta linha de trabalho, propomos a implantação de cursos na área de atendimento integral à saúde da mulher, os quais devem fazer parte indispensável da formação dos médicos do Programa Saúde da Família. Ampla campanha de divulgação deve ser feita junto à população, ressaltando a importância do pré-natal. Por sua vez, deve ser aprimorado o sistema de referência e contrarreferência, assim como se impõe que os serviços de atenção terciária estejam bem equipados e com pessoal qualificado, viabilizando o atendimento rápido das pacientes em quadro clínico mais grave. Afinal, não podemos aceitar que, em pleno século XXI, “mulheres continuem a morrer de parto”. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2006

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A SAÚDE EM PERSPECTIVA Causaram muita preocupação as primeiras medidas adotadas pelo novo governo estadual em relação à saúde. O corte nos recursos do Programa Saúde Mais Perto de Você, da ordem de 40% para os hospitais públicos e 50% para os privados e filantrópicos, significa, na visão de muitos, praticamente inviabilizar o funcionamento dos referidos hospitais, ou pelo menos reduzir drasticamente sua capacidade de resolução dos problemas de saúde. Como é sabido, o aludido programa destina recursos para a contratação de médicos especialistas em vários hospitais do interior do Estado, o que resulta no atendimento de muitos pacientes que, em caso contrário, virão para Fortaleza. E não há dúvida que é muito mais benéfico para os doentes terem suas necessidades de saúde solucionadas na localidade onde vivem. Por outro lado, ocorreram numerosas dispensas de pessoas que trabalhavam como terceirizadas em diversas instituições de saúde do Estado. É fato notório que o Governo do Estado, durante muitos anos, praticou largamente a terceirização dos serviços de saúde, em detrimento da admissão de pessoal de acordo com as normas legais, ou seja, através do concurso público. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará sempre defendeu o concurso público como a forma correta, legal e ética de contratação de servidores públicos. Durante muitos anos a reivindicação por concurso para a área da saúde foi ponto de pauta do CREMEC junto aos Secretários Estaduais e Municipais de Saúde. Por fim, foi realizado um grande concurso para o Programa Saúde da Família, abrangendo cerca de 118 municípios. Posteriormente, ocorreu a primeira fase do concurso para os hospitais e outros serviços da rede do Estado, com a oferta de cerca de 1.100 vagas para médicos, número este considerado como capaz de suprir apenas parte da carência de profissionais médicos na rede estadual. No entanto, o segundo concurso não se concluiu. E não há, até o momento, um pronunciamento oficial sobre quando isto vai ocorrer. 87


A matéria que estamos enfocando constituiu parte da agenda da audiência que os médicos Ivan Moura Fé, Lino Antonio Cavalcanti e Dalgimar Menezes, diretores do CREMEC, tiveram, em 06/02/07, com o representante do Governo do Estado, Deputado Ivo Gomes. Ademais, foram tratados os seguintes temas: o Plano de Cargos, Carreiras e Salários para a saúde, a difícil situação do Instituto Médico Legal e do Serviço de Verificação de Óbitos de Fortaleza e a designação dos novos Diretores dos Hospitais do Estado. Quanto ao Plano de Cargos, foi levada a reivindicação de que o processo de discussão seja reaberto, possibilitando a inclusão de médicos em todas as fases de análise da questão. Por fim, manifestaram os dirigentes do CREMEC preocupação com a demora na designação dos novos Diretores dos hospitais do Estado e com a instabilidade administrativa que isto gera. Expressaram, ademais, o entendimento de que as direções devem ser ocupadas por médicos comprometidos com o serviço público e não com qualquer interesse menor de cunho político-partidário. O ilustre representante do governo estadual afirmou que considerava todos os itens discutidos como relevantes e asseverou que não haverá retrocesso na área da saúde. E, realmente, retrocesso é algo que não se pode de forma alguma aceitar, até porque bastam as dificuldades com que já lidamos diariamente para atender bem nossos pacientes e exercer com dignidade a profissão médica. Naturalmente, cabe às entidades médicas, entre as quais o Conselho Regional de Medicina, a luta permanente e vigilante para que a população cearense usufrua o direito à saúde. E para que os médicos disponham de todos os meios que a moderna ciência oferece no que toca à prevenção e ao tratamento das enfermidades. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2007

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SAÚDE X VIOLÊNCIA A morte de dois estudantes de Medicina, os irmãos Marcelo e Leonardo, recentemente assassinados por um capitão da Polícia Militar, na cidade de Iguatu, causou espanto e consternação na população cearense e, particularmente, no meio médico. A brutalidade do crime e o caráter fútil dos motivos apontados para o homicídio demonstraram, mais uma vez, a situação de extrema insegurança em que vivemos atualmente, com a banalização da violência e a ocorrência cada vez mais frequente de atentados à saúde e à vida. A tal ponto chegamos, que um dos responsáveis pela segurança pública mata pessoas que se dedicam a salvar vidas. O Conselho Regional de Medicina do Ceará, o Sindicato dos Médicos e a Associação Médica Cearense publicaram nota oficial expressando pesar e indignação diante do acontecido, manifestando solidariedade à família enlutada e exigindo providências das autoridades competentes, com a devida punição por tão hediondo crime. Na realidade, é mais do que chegada a hora da adoção de amplas medidas visando coibir a violência, que já se tornou um problema social e de saúde pública em todo o mundo, e mais ainda no Brasil. Os assaltos, os sequestros, as balas perdidas, as mortes por pistolagem fazem parte quase rotineira do noticiário e acabam, infelizmente, por se incorporar ao nosso cotidiano. Mas destroem existências, deixam sequelas, geram medo, mudam a vida das pessoas. A estes males somam-se os acidentes automobilísticos, as eloquentes estatísticas de mortes ou lesões graves por acidentes com motos, de que dão testemunho os registros de atendimentos realizados, por exemplo, no Instituto Dr. José Frota. Esta vertente do problema levou vários dos nossos colegas, entre os quais o Dr. Lineu Jucá, a apresentarem a ideia de uma campanha do Conselho de Medicina com as Secretarias Municipais e Estadual de Saúde, 89


a Secretaria de Segurança e o Departamento Estadual de Trânsito, no sentido de abordar os vários aspectos do problema e apontar soluções. É matéria que deve merecer cuidadosa atenção. Outro ângulo do nosso tema diz respeito a uma forma específica de violência que é sofrida por médicos no exercício da sua atividade profissional. Já por diversas vezes o Conselho Regional de Medicina foi procurado por médicos, os quais relataram que sofreram ameaças ou mesmo agressões físicas em seu trabalho. Algumas circunstâncias parecem contribuir para fazer eclodir a animosidade e a irritação de pacientes e familiares contra médicos. É o caso do trabalho em serviços de urgência e emergência ou qualquer outra situação em que haja um número excessivo de pacientes aguardando atendimento médico. O que sinaliza claramente que medidas de racionalização do trabalho médico, com a garantia de boas condições para o desempenho profissional, se impõem de forma imprescindível e urgente. Ao lado da criação de mecanismos de acolhimento dos pacientes, com orientação preliminar e classificação de risco, é preciso que haja a contratação de pessoal técnico qualificado e em número suficiente, para que se garanta a dignidade do trabalho médico e se possibilite satisfatória atenção à saúde da comunidade cearense. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2007

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REPERCUTINDO O ENEM No período de 4 a 6 de junho de 2007, foi realizado na cidade de Brasília o XI Encontro Nacional das Entidades Médicas (ENEM), com a participação de delegados dos Conselhos Regionais de Medicina, Sindicatos Médicos e Associações Médicas. A pauta do certame incluiu temas da maior relevância. Na abertura do evento, o Presidente da Câmara Federal, o médico e deputado federal Arlindo Chinaglia, garantiu publicamente que colocará em votação, ainda em 2007, a Emenda Constitucional 29, que dispõe sobre o financiamento do setor saúde, prevendo o mínimo de recursos que União, Estados e Municípios se obrigam a aplicar no setor. A Emenda 29 é considerada instrumento importantíssimo para amenizar a situação de crônica carência de recursos para as ações e os serviços de saúde. Outro assunto muito discutido foi a necessidade de regulamentação da abertura de novas escolas médicas. Pelos dados apresentados, o Brasil (com 167 Faculdades de Medicina) já tem mais cursos médicos do que a China (150) e os Estados Unidos (125), países com população bem maior que a nossa. Ademais, há em tramitação 78 pedidos de abertura de novas escolas de Medicina. A posição do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, exposta reiteradamente, é contrária à criação indiscriminada de novas Faculdades de Medicina; ao mesmo tempo, luta o Conselho pela melhoria dos cursos médicos já existentes. O tema que talvez tenha despertado maior interesse foi o que abordou a proposta de criação da carreira de Estado para o médico. É pensamento unânime que se tornou inaceitável que os médicos continuem reféns dos humores de prefeitos e governadores, os quais, em geral, pagam salários irrisórios aos médicos, não elaboram planos de cargos para a categoria médica e, muitas vezes, ignoram solenemente as exigências legais de realização de concursos para a admissão ao serviço público. Em suma, agem em completo desapreço à profissão médica, em 91


contraste com a indiscutível importância social e humana do trabalho desenvolvido pelos esculápios. As entidades médicas, entre as quais o CREMEC, vão contribuir para a elaboração de projeto que firme a carreira médica no âmbito do Estado, à semelhança do que ocorre no Judiciário e no Ministério Público. Convém ainda destacar as preocupações manifestadas pelos participantes do ENEM no que respeita às propostas governamentais envolvendo Organizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e Fundações Estatais de Direito Privado. Estas últimas foram alvo de projeto elaborado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com o intuito de criar uma nova forma de administração dos serviços públicos, já que, nas palavras do próprio Ministro da Saúde, Dr. José Gomes Temporão, a gestão dos hospitais públicos, através da administração direta, tem-se demonstrado inviável. Por meio deste novo equipamento jurídico-institucional, seriam alcançadas maior agilidade e eficiência dos serviços públicos de saúde. Há, no entanto, alguns aspectos que merecem cuidadoso exame. O principal deles talvez seja o fato de que, na Fundação Estatal de Direito Privado, os servidores, embora admitidos através de concurso público, não terão estabilidade. Os médicos devem ficar atentos a todas essas questões, mantendose articulados com o Conselho Regional de Medicina, o Sindicato dos Médicos e a Associação Médica Cearense, além de debaterem os temas de interesse da categoria nas várias sociedades médicas das especialidades. Só com mobilização poderemos fazer com que prevaleçam os legítimos interesses dos médicos e os projetos em prol da saúde da coletividade. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2007

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PCCS Nas últimas semanas, ocorreram protestos, paralisações e greves na área da saúde, em diversos Estados do Nordeste. A característica comum a estes movimentos é a queixa em relação às más condições de trabalho e à péssima remuneração dos médicos. De fato, o que se observou, ao longo do tempo, foi uma piora acentuada das condições de trabalho dos médicos, com número excessivo de pacientes para cada profissional e insuficiência de recursos, equipamentos e medicamentos para o atendimento digno às reais necessidades da saúde da população. Quanto às condições da prática médica nos hospitais de urgência e emergência, a situação é, muitas vezes, tão dramática, que lembra verdadeiros campos de guerra. No mesmo diapasão, houve progressiva deterioração dos salários e honorários dos médicos, particularmente no serviço público. De tal forma que, aparentemente, os governantes passaram a achar que o normal é o atual padrão de remuneração dos médicos. E que são anormais as reivindicações por melhoria salarial. Tal evolução foi produzindo, entre os médicos, crescente insatisfação, daí surgindo indignação e revolta. Em Pernambuco, os médicos do Estado entraram em greve e, após intensa luta, conquistaram um piso salarial de R$ 1.900,00 (um mil e novecentos reais). Em Alagoas, a intransigência do Governo estadual fez com que a greve se estendesse por 88 dias, com grande sofrimento para pacientes e médicos. Na Paraíba, pugnam os cirurgiões cardiovasculares por reajuste dos valores pagos pelas cirurgias, algumas das quais, segundo se noticia, são remuneradas por R$ 70,00 (setenta reais)! É neste cenário que os médicos da Prefeitura de Fortaleza lutam pela aprovação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários. E pleiteiam um PCCS exclusivo para a categoria médica, com regras bem definidas de progressão por tempo de serviço e promoção por capacitação, e com dispositivos que assegurem tranquilidade na aposentadoria dos 93


profissionais da Medicina que dedicam toda uma vida ao atendimento dos pacientes – a grande maioria da nossa população – que dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde. Neste contexto, o fortalecimento do piso salarial, atualmente abaixo de dois salários mínimos, é uma bandeira da maior importância para os médicos. A reivindicação do nosso movimento é pelo piso salarial fixado pela FENAM (Federação Nacional dos Médicos), ou seja, R$ 3.481,76 por 20 horas semanais de trabalho, sendo aceitável a concessão imediata de metade do piso (R$ 1.740,88), e a outra metade ao longo dos próximos quatro anos. Por outro lado, não mais aceitamos trabalhar em condições indignas para médicos e pacientes. Queremos dispor do tempo e dos recursos necessários para atender com zelo, dedicação e competência cada um dos pacientes sob nossos cuidados. Esta é uma exigência ética. A negociação com a Prefeitura de Fortaleza acerca de todas estas questões vem sendo conduzida pelo Sindicato dos Médicos, juntamente com o Conselho Regional de Medicina do Ceará e a Associação Médica Cearense, com a participação decisiva dos médicos da Prefeitura (IJF, Frotinhas, hospitais e postos de saúde, SAMU, IPM e Programa Saúde da Família). Estão sendo realizadas assembleias semanalmente, com engajamento crescente dos médicos, fortalecendo o justo pleito reivindicatório. Não vamos deixar que a inabilidade dos interlocutores da prefeitura acirre perigosamente os ânimos. A clara compreensão dos direitos e da importância social da Medicina e a mobilização dos médicos são nossas armas mais importantes. Com firmeza, determinação e sensatez, conseguiremos a vitória. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2007

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LUTAS MÉDICAS Após quatro meses de muita luta, os médicos da Prefeitura de Fortaleza, sob a coordenação do Sindicato dos Médicos do Ceará, Conselho Regional de Medicina e Associação Médica Cearense, chegaram a um acordo com a administração municipal. Pela proposta aprovada, o Vencimento Básico (VB) dos médicos, que era de pouco mais de setecentos reais, passa a R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais), além de estar previsto mecanismo de aumento percentual na incidência das gratificações sobre o VB, nos anos de 2008 a 2010. O acordo coroou um processo de muito esforço, incontáveis reuniões e assembleias e até mesmo momentos de irritação e debates acalorados. Terá, porém, que ser complementado por dispositivos que devem constar do PCCS (Plano de Cargos, Carreiras e Salários), assegurando os legítimos direitos dos médicos em sua progressão funcional ao longo do tempo. Ademais, não se pode aceitar que certos direitos básicos previstos em lei (citamos o caso específico da insalubridade) fiquem por meses e meses sem ser implantados, como vem ocorrendo com vários dos nossos colegas. Este é um dos pontos fundamentais do nosso diálogo com a Prefeitura de Fortaleza e, particularmente, com o Secretário de Saúde, Dr. Luiz Odorico. Nos termos do documento encaminhado ao Sindicato dos Médicos pela Secretaria de Administração de Fortaleza, será feito, depois da discussão do PCCS, “um calendário para pagamento das gratificações da saúde em geral”. Estando nesta etapa de todo o processo, cabem algumas reflexões e análises, voltadas para a avaliação do movimento. Primeiro, temos de reconhecer que há muitos anos os médicos cearenses não faziam uma mobilização de tamanha envergadura. E foi, certamente, a amplitude da mobilização que nos levou às conquistas já referidas. Entendemos, ainda, que não podemos desperdiçar o que aprendemos em termos de amadurecimento político e compreensão da complexa e dinâmica 95


relação dos gestores com os médicos. Pelo contrário, o processo deve continuar, visando, no momento seguinte, a construção do PCCS para os médicos do Estado do Ceará. Apontando, ao mesmo tempo, no sentido da estruturação de uma carreira de Estado para os médicos. Voltando, agora, ao PCCS da Prefeitura de Fortaleza, não podemos negar que houve, ao longo da nossa empreitada, alguns senões que merecem particular atenção. O primeiro deles diz respeito aos médicos do Programa Saúde da Família, os quais reivindicam, com razão, ganho real em seus vencimentos e regulamentação de suas gratificações, de modo que estas sejam estabelecidas consistentemente, dando a segurança aos profissionais médicos de que não ficarão à mercê dos humores das autoridades atuais ou futuras. Em compromisso assumido publicamente pelo gestor municipal, foi afirmado que todos estes temas serão discutidos, com a participação dos médicos do PSF, a partir de abril de 2008. De outro lado, há os médicos que têm isonomia, os quais se vêem ameaçados de perda do complemento que conquistaram por via judicial. Por diversas vezes, tanto nas assembleias médicas como nas reuniões com os gestores, tivemos a oportunidade de argumentar que a entrada no Plano de Cargos deveria dar-se por adesão, não de forma impositiva. E, ainda, que as pendências judiciais deveriam ser resolvidas no fórum adequado, ou seja, no âmbito da Justiça. Mantemos este entendimento e somos contrários a qualquer ruptura ou divisão entre os colegas. Achamos que a força do movimento médico reside precisamente na sua unidade, ao lado, é claro, da justeza das reivindicações. Seguindo estes princípios, temos chances de conquistar condições dignas de trabalho e remuneração justa. Podendo, assim, ter tranquilidade para dar o melhor do nosso conhecimento em benefício da saúde dos pacientes. Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2007

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IV CONGRESSO CIENTÍFICO E ÉTICO DO CREMEC* O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará inicia, no dia de hoje, o IV Congresso Científico e Ético do CREMEC, conclave que se associa ao IV Congresso das Câmaras Técnicas e Comissões de Ética da instituição. Como nos anos anteriores, o evento consta de ampla programação, abrangendo as grandes áreas básicas da atividade médica, como Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral e Clínica Médica. Simultaneamente, questões fundamentais da Ética Médica e da Bioética serão abordadas por vultos ilustres da Medicina do Ceará e de outros Estados da Federação. Temas como iatrogenia, terminalidade da vida, ortotanásia, aborto, anencefalia, células-tronco, responsabilidade médica, estarão ao lado do estudo e discussão das enfermidades mais importantes em nosso meio. Dá, o Conselho de Medicina, prosseguimento ao seu Programa de Educação Médica Continuada, que inclui atividades em Fortaleza e nas cidades do interior do Estado, com a realização de congressos científicos e fóruns de ética médica, buscando levar a todos os médicos cearenses a preocupação com o exercício de uma medicina ética, competente e socialmente comprometida com as necessidades de saúde da população. O que se traduz pelo engajamento decidido do CREMEC na defesa do Sistema Único de Saúde. E na exigência de concurso público em todos os níveis. E nos leva, de imediato, à cobrança para que sejam chamados os médicos aprovados no concurso para o Estado do Ceará, ocorrido há um ano. Mas esta é também a oportunidade para juntarmos forças em prol da estruturação de uma carreira de Estado para o médico, que expresse o reconhecimento da importância dos profissionais da Medicina para a saúde da coletividade. Ao mesmo tempo, nos juntamos aos que lutam pela implementação da emenda constitucional nº 29, no sentido 97


de que haja os necessários avanços no financiamento do setor saúde. Queremos, também, neste momento, destacar a recente luta que os médicos da Prefeitura de Fortaleza desenvolveram pelo Plano de Cargos, Carreiras e Salários, que teve momentos de grande tensão nos últimos quatro meses. A deterioração da remuneração profissional e a falta de garantia mínima no que se refere aos direitos trabalhistas culminaram por levar os médicos a uma situação de indignação e revolta. Em decorrência disto, em vários momentos foi aventada a possibilidade de decretação de greve, inclusive nos serviços de emergência. Porém, no dia de ontem, os médicos deram uma grande demonstração de maturidade. Assim, na véspera do “Dia do Médico”, os esculápios disseram não à greve e reafirmaram o compromisso histórico da Medicina com a saúde dos pacientes. A próxima etapa desta importante luta será a construção do Plano de Cargos, Carreiras e Salários para os médicos do Estado do Ceará. Projeto em que certamente terão participação decisiva o Presidente do Sindicato dos Médicos, Dr. José Tarcísio da Fonseca Dias, a Presidente da Associação Médica Cearense, Dra. Marjorie Mota e o médico e vereador Dr. José Maria Pontes, aos quais rendo homenagem neste momento. E há outras homenagens que, com muita alegria, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará presta, na data de hoje. O Plenário do CREMEC escolheu, por unanimidade, três médicos para receberem a MEDALHA DE HONRA AO MÉRITO PROFISSIONAL. São eles os Doutores: João Martins de Sousa Torres José Aluizio da Silva Soares Maria Auxiliadora de Souza Por sua vez, será entregue o DIPLOMA DE MÉRITO ÉTICO-PROFISSIONAL aos médicos que completaram 50 (cinquenta) anos de exercício da profissão médica sem jamais terem sofrido sanção ético-profissional de qualquer natureza. Os agraciados são: 98


Abner Cavalcante Brasil Antero Coelho Neto Antonio Carlos dos Santos Oliveira Edmar Teixeira Vieira Ernani Holanda Barreira Francisco de Paiva Freitas João Paiva Freitas Jonathas Nunes de Barros José Ernani Maciel de Lima José Iran dos Santos José Maria Primo de Carvalho Viliberto Cavalcante Porto Os médicos homenageados, ilustres praticantes da arte hipocrática, se tornaram exemplos para todos os médicos cearenses, merecendo o respeito e a admiração de todos os que vêem a saúde como um dos maiores bens do ser humano. Por ser de justiça, queremos fazer alguns agradecimentos nesta sessão solene de abertura do Congresso; ao Conselho Federal de Medicina, na pessoa do seu Presidente, Dr. Edson de Oliveira Andrade; aos representantes dos Conselhos Regionais de Medicina; aos Professores convidados para as conferências e mesas-redondas do conclave, vários dos quais vieram de outros Estados; aos Conselheiros e membros das Câmaras Técnicas do CREMEC, particularmente os de Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral e Ginecologia e Obstetrícia. Estes profissionais, mestres da Medicina e da Ética Médica, enriquecem nosso congresso e merecem toda a nossa gratidão. Cabe, ainda, uma referência especial ao Dr. José Eduilton Girão, Presidente da Comissão Científica do conclave, e ao Dr. Lino Antonio Cavalcanti Holanda, da Comissão Executiva, pela enorme dedicação em todas as etapas do congresso. Por fim, destacamos o trabalho operoso do Dr. Vladimir Távora Fontoura Cruz, com a sua equipe, e dos funcionários 99


do CREMEC, representados aqui na pessoa da Sra. Fátima Maria Sampaio de Barros. Nossas boas vindas a todos os participantes do Congresso. E parabéns pelo Dia do Médico. Muito obrigado. t*Discurso de abertura do IV Congresso Científico e Ético do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, no dia 18/10/07

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E LA NAVE VA O ano de 2007 foi prolífico em realizações, avanços e impasses. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará trabalhou intensamente na fiscalização do exercício da Medicina, na apuração das denúncias de possíveis infrações às normas éticas da profissão, na organização de cursos, fóruns, congressos e seminários voltados para o aprimoramento científico e ético dos médicos, e na luta por melhores condições de trabalho e de remuneração para os profissionais da Medicina. O CREMEC deu prosseguimento ao Programa de Educação Médica, com a realização do IV Congresso Científico e Ético do CREMEC, junto com o IV Congresso das Câmaras Técnicas e Comissões de Ética, em Fortaleza, e do II Curso de Medicina de Família e Comunidade, nas cidades de Fortaleza e Juazeiro do Norte. Também foram realizados Cursos de Emergências Médicas Traumáticas e Não Traumáticas nas cidades de Tauá e Jaguaribe. Fóruns de Ética Médica ocorreram nas cidades de Tauá, Limoeiro do Norte, Camocim, Aracati, Jaguaribe, Horizonte, Maracanaú e Quixadá, abordando o Programa Saúde da Família, Responsabilidade Profissional, Relação Médico-Paciente, Perícia Médica, Segredo Médico, Atestados Médicos, Comissões de Ética e Corpo Clínico dos hospitais. Os Fóruns de Ética dos Hospitais de Fortaleza foram organizados pelo Conselheiro José Roosevelt Norões Luna, tendo sido realizados no Hospital Monte Klinikum, Hospital das Clínicas Walter Cantidio, Hospital da Polícia Militar e Hospital São Carlos, com a discussão de temas como Plantão Médico, Prontuário Médico, Auditoria, Publicidade, Relação Médico-Paciente, Relação entre Médicos, Atestados Médicos, Segredo Médico e Responsabilidade Profissional.

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A atividade de fiscalização da Medicina, comandada pelos Conselheiros José Málbio Oliveira Rolim, Maria Neodan Tavares Rodrigues e Lino Antonio Cavalcanti Holanda, foi intensificada, tendo sido visitados cerca de 60 municípios do interior do Estado e vários hospitais e postos de saúde em Fortaleza. Na vistoria dos hospitais e do PSF dos municípios, feita sempre em articulação com a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública, foram detectados e corrigidos alguns problemas, tais como a falta de prontuários médicos em alguns serviços, a carência de equipamentos indispensáveis ao trabalho médico, ou a ocorrência de prescrições por profissionais não médicos; houve, ainda, a identificação de casos de exercício ilegal da Medicina. Em alguns hospitais, foi constatado que não havia Diretor Técnico; ou este cargo, privativo de médicos, era exercido por profissional não médico. Todas essas irregularidades foram corrigidas ou denunciadas às autoridades competentes. No caso específico do PSF, advertências foram feitas em alguns municípios, no sentido da adequação do número de famílias a serem atendidas por cada médico, evitando-se, assim, que o excesso de trabalho comprometa o bom atendimento à saúde da população. Algumas reivindicações setoriais tiveram encaminhamento satisfatório. Foi o que aconteceu com os Cirurgiões Cardiovasculares, que chegaram a um acordo com as Secretarias de Saúde de Fortaleza e do Estado do Ceará, com a adoção da CBHPM, com redutor de 22%, para o pagamento dos procedimentos da especialidade. Nas reuniões que levaram à solução da pendência, teve participação ativa o membro da Câmara Técnica do CREMEC, Dr. João Martins de Souza Torres. Da mesma forma, o Conselho contribuiu para resolver parcialmente o impasse com os Anestesiologistas da região do Cariri, os quais voltaram a atender os pacientes. Gestões também foram realizadas para melhorar o setor de Cirurgia do HGF, no que se refere aos cirurgiões ligados à Cooperativa de Cirurgiões Gerais, resultando no aumento do número de cirurgiões de cada equipe de plantão, aumento da remuneração do 102


plantão e melhoria do funcionamento da sala de recuperação pós-anestésica. Indiscutivelmente, porém, o movimento mais aguerrido foi o dos médicos da Prefeitura de Fortaleza, que culminou em conquista salarial para muitos colegas, mas deixou insatisfação nos médicos do IJF. Possivelmente, será elaborado um Plano de Cargos, Carreiras e Salários específico para os esculápios dessa instituição. Certamente, o labor continuará em 2008, ano em que pretendemos iniciar a construção da nova sede do Conselho de Medicina, dotando o órgão de instalações mais adequadas para o atendimento à comunidade e aos quase oito mil médicos em atividade em nosso Estado. Os integrantes do Conselho de Medicina desejam que todos os médicos do Estado do Ceará tenham um Ano Novo pleno de realizações, paz e alegria. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2007

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D. JOÃO VI E A CIDADE DE QUIXADÁ Nos últimos meses, diversos livros e reportagens foram publicados relembrando a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, fato ocorrido em 1808, há 200 anos, portanto. E há motivos para que o singular acontecimento seja posto em destaque. Com efeito, há quem considere que a História do Brasil só começou, verdadeiramente, com D. João VI, cuja figura passa, atualmente, por uma espécie de revisão histórica. Mas, o que o dito personagem tem a ver com a Medicina brasileira? Certamente não é a circunstância de terem as ilustres damas da comitiva real sido acometidas de vergonhosa e incômoda praga de piolhos, obrigando-as à adoção de práticas higiênicas vexatórias, aí se incluindo jogar fora as perucas e raspar os cabelos da cabeça... Não é, decerto, a parte burlesca da odisseia da Família Real que nos interessa. Queremos assinalar, isto sim, que o Príncipe D. João VI, logo após chegar ao Brasil, desembarcando na Bahia, determinou a “abertura dos portos às nações amigas”, mas também ordenou a abertura da primeira Faculdade de Medicina do Brasil, a ser instalada na cidade de Salvador. Convém lembrar que, apesar de o Brasil Colônia já contar, então, com 300 anos de existência – período caracterizado, é verdade, por uma exploração predatória no mais alto grau – as condições de saúde da população eram reconhecidamente precárias. Mesmo nas cidades mais importantes, dificilmente se poderia encontrar um profissional formado em Medicina. Na prática, ficava a cargo dos barbeiros boa parte dos procedimentos hoje tidos como atos médicos. A iniciativa de D. João VI foi, por conseguinte, altamente benéfica, iniciando um processo de criação de cursos médicos e de formação de esculápios em nossa própria terra. Embora, é claro, ainda necessitássemos esperar muito para termos médicos nas diversas regiões do país. O que é relatado por Lira Neto (O Poder e a Peste - A vida de Rodolfo Teófilo, Edições Fundação Demócrito Rocha, 1999), o qual afirma que no Estado do Ceará, nos 105


anos de 1852 e 1853, quando eclodiu uma epidemia de febre amarela – enfermidade que volta a nos ameaçar atualmente -, só havia três médicos, o Dr. Marcos José, pai do grande Rodolfo Teófilo, o Dr. José Lourenço e o Dr. Marcos Carreira. É fato notório, porém, que nas últimas décadas o Brasil passou a viver um extraordinário e rápido crescimento do número de cursos médicos. Já ultrapassamos, de muito, uma centena de Faculdades de Medicina no país, sete das quais no Estado do Ceará (recordemos que, há 10 anos, tínhamos apenas a combativa e resistente Faculdade de Medicina da UFC, fundada em 1948). E há, tramitando no Ministério da Educação, dezenas de requerimentos de criação de novos cursos de Medicina. Parece que, em futuro próximo, não mais sofreremos a falta de médicos. Outros serão os problemas de saúde... Mas, voltando a 1808, é com justa razão que o Estado da Bahia, com a participação ativa do CRM daquela jurisdição, está comemorando, com pompa e circunstância, o ato de abertura da primeira Faculdade de Medicina do Brasil. Enquanto isto, a cidade de Quixadá, aqui nas valorosas plagas alencarinas, apresenta o projeto psicopedagógico da Faculdade de Medicina que está prevista para a região dos monólitos. Resta-nos o direito e o dever de cobrar boa qualidade dos cursos médicos antigos e novos, corpo docente qualificado e com adequadas condições para o desempenho do seu mister, hospital universitário em condições de proporcionar boa assistência à saúde da população e preparação adequada aos futuros médicos. E que não deixem morrer a venerável Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2008

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CÓDIGO DE ÉTICA EM DEBATE Em 1988, foi aprovada a Constituição da República Federativa do Brasil, chamada “Constituição Cidadã”. Já em seu primeiro artigo, a carta magna consagra a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República e, por extensão, da ordem jurídica brasileira. O Código de Ética Médica, também aprovado em 1988, resultou de uma ampla discussão, para a qual foram convidados os médicos de todo o país, os Conselhos de Medicina, os Sindicatos Médicos e as Associações Médicas, além de outras entidades da sociedade civil organizada. O fruto deste trabalho coletivo foi um código de ética identificado com a defesa dos direitos humanos, contemplando os princípios tradicionais da ética médica, a exemplo do compromisso básico do médico com a vida e a saúde do ser humano, devendo sempre agir em benefício dos pacientes e da saúde da coletividade. Porém, outros temas menos ressaltados em normas éticas anteriores também foram incluídos. Surgiu, por exemplo, um capítulo sobre a pesquisa médica, incorporando os conceitos emanados das declarações internacionais, como o Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinki, e afirmando a prioridade da saúde e da vida do indivíduo em relação aos interesses da Ciência e da sociedade. Tal formulação, fundamental em significado e simbolismo, se tornou imperativa a partir do conhecimento de pesquisas realizadas sem o menor respeito aos direitos das pessoas envolvidas, particularmente com as denúncias acerca de experimentos feitos por médicos nazistas. Ademais, um capítulo do Código foi dedicado aos Direitos Humanos, e aqui, como em várias outras passagens da norma, ficou expresso que, em regra, todo e qualquer procedimento médico só pode ser efetuado após o consentimento livre e esclarecido do paciente. Uma outra novidade foi o capítulo sobre os Direitos dos Médicos, entre os quais figura a prerrogativa do médico de se insurgir contra as condições de trabalho que sejam indignas para a prática da Medicina ou prejudiciais aos pacientes. 107


Nos anos seguintes, foi ficando patente a necessidade de elaboração de normas éticas complementares ao Código. Como exemplo, tivemos a Resolução do Conselho Federal de Medicina sobre morte encefálica, definida como equivalente à morte clínica. E também a Resolução sobre Reprodução Assistida (Res. CFM 1.358/92), que aborda temas delicados e complexos, como a vedação do descarte dos pré-embriões, a criopreservação de gametas ou pré-embriões e a doação temporária do útero (barriga de aluguel). Novas vertentes da prática médica foram surgindo, com a formação de complexas organizações prestadoras de serviços médicos, a expansão dos Planos de Saúde, das Cooperativas Médicas e das empresas de seguro saúde, colocando novos desafios e indagações sobre a forma ética de exercer “a arte de curar”. Por sua vez, o progresso tecnológico e científico trouxe para o cotidiano médico realidades antes pertencentes ao domínio da ficção, suscitando inusitadas questões éticas e jurídicas. Uma ilustração disto é o debate que vem ocorrendo no Brasil – e também em vários outros países – sobre a clonagem e a utilização de células-tronco em pesquisas, matéria que ocupa, neste instante, os ministros do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, o surgimento da ovelha Dolly, demonstrando que era possível clonar um mamífero, desencadeou todo um processo que está longe de se esgotar, abrangendo desde a possibilidade de clonagem de um ser humano até a utilização da tecnologia de transferência nuclear para a produção de células-tronco, descortinando todo um universo de enormes benefícios para os doentes. E aqui, mais uma vez, o princípio da dignidade humana volta à pauta, como o valor primacial a ser levado em conta na abordagem de todas essas questões. Não podemos concordar que a pesquisa científica se faça ao arrepio do respeito à vida, à liberdade e à dignidade do ser humano. No entanto, com igual ênfase, consideramos inaceitável que posturas facciosas travem o progresso da ciência, como tantas vezes já ocorreu na história da humanidade. 108


Concluímos esta reflexão solicitando que os médicos cearenses contribuam para o encaminhamento da seguinte questão: o Código de Ética Médica deve sofrer acréscimos, modificações? Ou deve ser substituído por um novo Código? Que novas vertentes éticas devem ser necessariamente incorporadas à carta magna dos médicos brasileiros? O Conselho de Medicina do Ceará fica aguardando as manifestações dos colegas. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2008

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ELEIÇÕES No próximo mês de outubro, teremos eleições para prefeitos e vereadores em mais de cinco mil municípios brasileiros. O evento cívico é uma oportunidade para que os cidadãos exerçam a prerrogativa fundamental de escolher os representantes municipais que ficarão ã frente das ações administrativas e legislativas nas diversas urbes do país. É, portanto, necessário que os eleitores analisem quais candidatos assumem verdadeiro compromisso com a melhoria da qualidade de vida dos munícipes e o aprimoramento do sistema democrático. Quais dentre eles têm histórico de engajamento nas lutas pela saúde pública e por educação ao alcance de todos. Ao mesmo tempo, teremos no ano de 2008, precisamente no mês de agosto, as eleições para os Conselhos de Medicina de todo o país (no Ceará, o pleito ocorrerá no dia 7 de agosto de 2008). Como é amplamente conhecido, os Conselhos de Medicina têm, por determinação legal, atribuições voltadas para a fiscalização do exercício da Medicina, a promoção do perfeito desempenho ético, técnico e científico da prática médica e a apuração das possíveis infrações às normas éticas da profissão médica, particularmente as contidas no Código de Ética Médica. Código que, por sinal, passa por ampla discussão, no momento em que completa vinte anos de vigência, possibilitando, talvez, a incorporação das novas realidades trazidas pelo progresso científico - a exemplo da clonagem, com a utilização de células-tronco, e da Medicina Preditiva - e pelas mudanças relacionadas com a terceirização dos serviços médicos e o crescimento gigantesco do complexo médico-industrial. Além de trabalharem ativamente em torno dos temas referidos, os Conselhos de Medicina também se juntam aos Sindicatos Médicos e às Associações Médicas na luta por melhores condições de trabalho e remuneração digna para os médicos. Foi o que fez o Conselho de Medicina do Estado do Ceará, no tormentoso processo que resultou na conquista do Plano 111


de Cargos, Carreiras e Salários dos médicos da Prefeitura de Fortaleza, no ano de 2007. E é o que continua realizando em 2008, agora visando conseguir o PCCS dos médicos do Estado, aí embutida uma significativa melhoria dos parâmetros de remuneração. Realmente, somos sabedores de que muitos dos mais de setecentos médicos que estão sendo chamados para integrar os quadros de especialistas da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, aprovados que foram em concurso público realizado ainda em 2006, dificilmente permanecerão no serviço público, se os salários pagos pelo Governo do Estado continuarem nos patamares atuais. Foi isto que as entidades médicas cearenses transmitiram ao Governador do Estado, em audiência realizada no mês de maio próximo passado, ocasião em que o Presidente do CREMEC expressou preocupação com a deterioração dos serviços públicos de saúde, diante do desalento dos médicos com as más condições de trabalho e a remuneração extremamente baixa, tendo ainda alertado Sua Excelência de que, pelas razões apontadas, muitos médicos aprovados no concurso pensam em não assumir o emprego. Sendo assim, é fundamental que os médicos do Estado, os antigos e os novos, participem do esforço reivindicatório que vem sendo conduzido pelo SIMEC, junto com a AMC e o CREMEC. É essencial que os médicos compareçam às Assembleias da categoria, reforçando a luta pelo reconhecimento da dignidade da profissão médica, por condições de trabalho que possibilitem um melhor atendimento à saúde da população e por uma remuneração compatível com a importância social e científica da Medicina. Mas, redirecionando o foco de nossa análise para as eleições do Conselho de Medicina, enfatizamos que, com este leque de atividades, e sendo constantemente solicitado a agir em relação aos vários problemas da Medicina e da saúde como um todo, o CRM necessita ter em seus quadros médicos que se disponham a contribuir, não só com seu trabalho no atendimento aos pacientes, mas também dedicando 112


parte do seu tempo à tarefa de transmitir aos colegas a mensagem de que a Medicina deve continuar sendo exercida com zelo, dedicação, solidariedade e espírito humanista. É com base nesta concepção que pretendemos chegar às eleições do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, em 7 de agosto de 2008. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2008

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AS ELEIÇÕES E A FUTURA GESTÃO DO CRM No dia 7 de agosto passado, ocorreu a eleição para o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. Apesar da lamentável falha do não recebimento, pelos médicos, da correspondência enviada pelos membros da única chapa concorrente ao pleito, o que aconteceu, esclareça-se, por descumprimento de obrigação contratual por parte da firma encarregada da entrega da missiva – em decorrência, estamos preparando ação na justiça contra os agentes (ir)responsáveis pela indesculpável negligência –, houve amplo comparecimento dos médicos ao evento cívico, o que deu margem a várias cenas de confraternização dos médicos com amigos e colegas de turma. Um deles chegou a sugerir que as eleições do Conselho fossem realizadas anualmente, pois assim poderia rever com mais frequência os companheiros de profissão. Ao final, foram computados 4.829 votos, dos quais 4.094 foram dados à chapa “Ética e Cidadania”, perfazendo 84,7% dos médicos votantes. Muitos outros médicos deram entrada em justificativa para a ausência às eleições, por motivos relevantes (doença, plantão, viagem, comparecimento a congressos, etc.). É bom que se diga, ademais, que a Comissão Eleitoral, presidida pelo digno e competente colega Dr. João Adolfo de Carvalho Nogueira, que teve a companhia dos médicos Delano Gurgel Silveira e Edilson Lucas de Morais, como Secretários, agiu com dedicação e diligência, providenciando todos os atos administrativos da eleição e se assegurando de que os editais sobre as eleições fossem publicados com a devida antecedência no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação em nossa terra. Fez ainda chegar aos médicos comunicação sobre a data, os locais e horário da eleição. Os quarenta (40) médicos eleitos, entre os quais se incluem doze (12) novos Conselheiros, agradecem a todos os médicos cearenses pela manifestação de apoio e assumem o compromisso de aplicação e zelo no trabalho de fiscalização da profissão médica, promoção do perfeito 115


desempenho ético e científico da Medicina e luta pela melhoria da assistência prestada à saúde da população cearense. Haverá também um grande esforço da futura gestão para a construção da nova sede do CREMEC. Congressos, cursos, seminários e fóruns científicos e de ética médica serão empreendidos, dando continuidade ao Programa de Educação Continuada do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, uma iniciativa fundamental para o aprimoramento dos médicos cearenses, além de relevante ação preventiva de faltas técnicas e éticas. Os grandes temas de bioética estarão, igualmente, na pauta da próxima gestão. Entre eles, a recente discussão sobre a Declaração de Helsinki, o documento da Associação Médica Mundial sobre ética em pesquisa. Aqui, destacamos três tópicos: a pesquisa em crianças, o uso de placebo em pesquisa de novos fármacos e a garantia de que os sujeitos das pesquisas terão assegurado o respectivo tratamento após o término da investigação. Prosseguirá, outrossim, o esforço em prol de melhores condições de trabalho e de uma remuneração decente para todos os médicos do Estado do Ceará. Em conclusão, e falando em nome de todos os conselheiros escolhidos para o próximo mandato do CRM, queremos expressar nosso reconhecimento e nossa alegria pela deferência de que fomos alvo da parte dos médicos de todo o Estado. Ao mesmo tempo, convidamos os colegas a se manterem próximos do Conselho de Medicina, oferecendo suas sugestões e críticas, exercitando a construção coletiva de uma proposta digna, ética e com sólida base científica para a prática da Medicina no Estado do Ceará. Sintam-se todos convidados para a posse do novo Corpo de Conselheiros do CREMEC, a ocorrer no início de outubro de 2008. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2008

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DISCURSO DE POSSE* Senhoras e Senhores Estamos iniciando um novo mandato no Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. E também concluindo o mandato anterior. O que nos leva a fazer um balanço das atividades desenvolvidas nos últimos cinco anos, sopesando erros e acertos, para melhor fundamentar o planejamento do novo período à frente da entidade. Contabilizando o trabalho realizado, tivemos um intenso esforço de fiscalização da profissão médica, alcançando a totalidade dos municípios cearenses. O que nos permitiu identificar carências nos hospitais e no Programa Saúde da Família de algumas cidades, que repercutiam nas condições de trabalho dos médicos, dificultando a prestação de um adequado atendimento à saúde da população. Todos os problemas constatados foram alvo de cobrança junto às autoridades de saúde dos respectivos municípios, além de comunicação à Secretaria Estadual de Saúde e à Promotoria de Defesa da Saúde Pública, órgãos com os quais o Conselho Regional de Medicina mantém parceria, somando esforços para a solução dos problemas de saúde do Estado do Ceará. Ademais, foram verificados alguns casos de exercício ilegal da Medicina, o que levou o Conselho a cobrar um maior cuidado por parte dos gestores de saúde quando da contratação de novos médicos. Ressalte-se o trabalho pedagógico e de prevenção das faltas éticas, desenvolvido sob a forma de seminários, fóruns e congressos científicos e éticos. O Conselho promoveu 47 fóruns de ética médica no interior do Estado e cerca de 20 fóruns na cidade de Fortaleza, sempre com a discussão de temas como relação médico-paciente, responsabilidade profissional, atestados médicos, perícia médica, direitos dos médicos e outros assuntos considerados relevantes para a situação específica vivida por cada hospital ou serviço visitado. Com frequência, são utilizadas 117


situações que foram objeto de investigação ou estudo pelo Conselho, para ilustrar dilemas com os quais os médicos podem se deparar no exercício de sua atividade profissional. O Programa de Educação Médica Continuada, levado a efeito pelo Conselho de Medicina, incluiu, ademais, diversos cursos, em atendimento às solicitações dos médicos. Assim, foi realizado o Curso de Medicina de Família e Comunidade, com um ano de duração e abrangendo, em sua primeira edição, turmas nas cidades de Fortaleza, Juazeiro do Norte, Sobral e Crateús. Um ano depois, o curso teve uma segunda edição, nas cidades de Fortaleza e Juazeiro do Norte. Por seu turno, ocorreram cursos de Perícia Médica e de Urgência e Emergência. Sem esquecer o Congresso Científico e Ético do CREMEC, realizado por duas vezes na cidade de Fortaleza, e por três vezes em Sobral e Juazeiro do Norte. Ressalte-se que todas estas atividades científicas e éticas promovidas pelo CREMEC foram efetivadas com inscrições gratuitas para os médicos, dentro da concepção de que correspondiam a uma contrapartida da entidade para com os seus médicos inscritos. O trabalho de apuração de possíveis infrações às normas éticas da profissão médica também mereceu uma especial atenção. Todas as denúncias chegadas ao Conselho foram analisadas, resultando na instauração dos procedimentos administrativos pertinentes. Traduzindo isto em números, no mandato que ora se encerra foram recebidas 821 denúncias e julgadas 821 sindicâncias e 144 processos ético-profissionais. Uma atuação laboriosa e coroada de êxito teve o Conselho de Medicina, ao lado do Sindicato dos Médicos do Ceará e da Associação Médica Cearense, na luta pelo Plano de Cargos, Carreiras e Salários, tanto para os médicos da Prefeitura de Fortaleza, em processo vitorioso levado a efeito em 2007, como para os do Estado do Ceará, cujas negociações se encontram em etapa bastante avançada. De fato, ao longo do tempo vinha ocorrendo uma verdadeira deterioração na remuneração médica, 118


levando os esculápios ao desalento e à desesperança. Muitos médicos já falavam em abandonar o serviço público, e numerosos profissionais aprovados no último concurso para médicos do Estado relutavam em assumir as novas funções tendo em vista os salários irrisórios. De forma alvissareira, porém, estamos vivendo um momento que parece traduzir um processo de revitalização do emprego e da remuneração médica. E nada mais pertinente que a participação do Conselho de Medicina nesta empreitada, tendo em vista a formulação do Código de Ética Médica, onde se lê que “a fim de que possa exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico deve ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa”. É tendo por parâmetro este conjunto de realizações do último mandato que os novos conselheiros assumem agora uma nova etapa de trabalho e de lutas, com a responsabilidade do empenho e da dedicação no sentido de que seja ampliado e enriquecido o que foi construído nos períodos anteriores. Muito há que ser feito, não só nas linhas de trabalho anteriormente apontadas, ou seja, na fiscalização, na ação judicante e na educação médica continuada, como na contribuição da entidade para as conquistas sociais e da cidadania, entre as quais ocupa um lugar de destaque a luta pela efetivação do direito universal à saúde. O fortalecimento do Sistema Único de Saúde, voltado para o atendimento universal, equânime e resolutivo à saúde de todos os cidadãos do país, é e continuará sendo bandeira histórica do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. A chapa eleita, com o sugestivo nome “Ética e Cidadania”, tem o compromisso de contribuir para a afirmação dos princípios de humanismo, solidariedade, zelo e dedicação à saúde do ser humano que caracterizam a profissão médica. Torna-se patente, outrossim, que uma especial atenção deve ser dedicada aos 7 cursos de Medicina atualmente existentes em nosso Estado, sempre com a preocupação de que os futuros médicos recebam uma formação técnico-científica condizente com as atuais necessidades 119


de saúde da população alencarina; do mesmo modo, que os temas ético-morais tenham um lugar de destaque na grade curricular das nossas Faculdades de Medicina. E nesta matéria, o Conselho de Medicina tem condições de dar importante contribuição. Por sinal, com o aumento mais rápido do número de médicos no Estado do Ceará, vai ficando evidente a necessidade de o CRM ter uma nova sede, mais ampla e bem equipada, que melhor atenda às necessidades de todos os que buscam a entidade. A construção da nova sede do CREMEC é uma das metas da gestão que ora se inicia. Uma importante discussão que se dá atualmente se refere a novos temas de ética e bioética, surgidos com o avanço científico e tecnológico. Destaco 2 deles, a reprodução assistida e a clonagem, ambos tornando reais possibilidades antes insuspeitadas, porém trazendo dilemas éticos relevantes. Ao mesmo tempo em que podem contribuir para ultrapassar problemas de infertilidade e resultar no tratamento eficaz para enfermidades até agora incuráveis, colocam em pauta o direito das próximas gerações, o que abrange o direito do nascituro a conhecer a própria origem e a ter um futuro aberto. Questões outras, como a preocupação com a preservação do meio ambiente e com a biodiversidade, em respeito não só às populações atuais, mas também às dos séculos vindouros, frequentam as inquietações dos bioeticistas e devem merecer a nossa atenção. Enfim, há um vasto campo de matérias para reflexão e elaboração, sem perder de vista a marca humanista da Medicina através de toda a sua história. E neste momento, em que se fala em pluralismo democrático, vem à baila a questão do pluralismo moral em um mundo tão diversificado ao ponto em que um pensador como Engelhardt disse que somos “estranhos morais”. É um desafio, portanto, identificar pontos de encontro que possibilitem aos estranhos morais uma convivência salutar e construtiva. Numa aplicação prática do conceito, precisamos trabalhar a relação médico-paciente de forma que nela o doente não se sinta “como um estranho em terra estranha”. Para concluir, quero agradecer a todos os médicos que apoiaram 120


a eleição da chapa “Ética e Cidadania” e a todos os que vêm participar da nossa alegria nesta solenidade de posse. Ao mesmo tempo, quero conclamar os eleitos, entre os quais se incluem 12 novos Conselheiros, ao trabalho dedicado e contínuo em prol do aprimoramento científico e ético dos médicos cearenses e da melhoria da atenção à saúde da população do nosso Estado. É para nós muito claro que, para termos bom êxito, precisaremos continuar contando com o apoio do Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará, da Associação Médica Cearense e suas filiadas, das Associações de Especialidades e da Academia Cearense de Medicina. E desde já agradecemos a dedicação e o empenho dos membros das Câmaras Técnicas e das Seccionais, dos Representantes municipais do Conselho e dos funcionários do CREMEC. Por fim, de um modo todo especial, o meu agradecimento à minha família: minha mulher, Rita, e meus filhos, Mariana, Daniel e Ivan, pelo apoio e a solidariedade em toda a minha caminhada. Muito obrigado. *Discurso de Posse do Dr. Ivan de Araújo Moura Fé na Presidência do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, no dia O3/10/08

Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2008

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REVISÃO DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA Em 1987, o Brasil vivia um momento particular de sua trajetória. Recém-saído de um período de vinte e um anos de ditadura militar, o país e seus cidadãos ainda traziam as marcas das violações dos direitos humanos e do cerceamento do exercício da cidadania. Havia um natural anseio de liberdade e um desejo de reconquista dos valores caros à dignidade humana. Tal clima se refletia no debate político, com os partidos se organizando, líderes cassados retornando do exílio, as populações das grandes metrópoles se preparando para, finalmente, poder influir na escolha dos seus governantes. A longa noite democrática tinha chegado ao fim, e as pessoas sentiam um grande desejo de participar das decisões acerca do presente e do futuro; enfim, queriam reassumir a direção do seu próprio destino. Foi nesse cenário que os médicos brasileiros discutiram as novas regras éticas da profissão. E os debates estiveram à altura da fase histórica que o país vivia. O Código de Ética foi aprovado em novembro de 1987, na I Conferência Nacional de Ética Médica, e homologado pelo Conselho Federal de Medicina em janeiro de 1988, mantendo a concepção humanista que tradicionalmente distinguiu a Medicina ao longo de toda a sua história. Assim, o compromisso dos médicos com a vida humana, a valorização da autonomia dos pacientes, o conceito de que a pesquisa tem que ser realizada tendo como premissa que o ser humano está acima dos interesses da ciência e da sociedade foram expressos de forma clara no novo Código. Saliente-se que as circunstâncias políticas vividas pelo Brasil influíram fortemente para fixar aquela que talvez seja a característica mais marcante do Código de Ética: o compromisso com a defesa dos direitos humanos. O tema mereceu um capítulo inteiro, no qual há artigos específicos sobre tortura (artigos 49 e 50) e greve de fome (art. 51). Além da enfática afirmação de que 123


o médico jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade (art. 6º). Hoje, estamos novamente discutindo os aspectos éticos da profissão, com vistas a fazer uma revisão no Código de Ética Médica. Os avanços do conhecimento e da tecnologia na área médica e as mudanças na prática profissional, com o surgimento de Planos de Saúde, cooperativas médicas e empresas de seguro-saúde, fizeram com que novos desafios e dilemas surgissem na vida e no trabalho dos esculápios. As pesquisas sobre genoma humano, clonagem (terapêutica e reprodutiva), reprodução assistida, morte encefálica e prolongamento artificial da vida acenam com possíveis benefícios para a humanidade, mas despertam profundas preocupações. O Professor Dalgimar Menezes, um estudioso da matéria, tem chamado a atenção para estes e vários outros pontos que devem ser levados em consideração na análise para uma eventual reformulação do Código de Ética Médica, lembrando, por exemplo, que a bioética - um assunto de importância crescente - ainda era pouco discutida em 1988. E se reportando à implantação do Sistema Único de Saúde e ao surgimento de novas escolas de medicina, com todos os seus problemas e consequências. Enfim, são vários os ângulos de abordagem do tema ora discutido. Por isso, é necessário que haja ampla participação de médicos e segmentos da sociedade na feitura das alterações do nosso código. Todos os médicos cearenses estão convidados para o trabalho de análise e aprimoramento do código de ética. A participação pode ocorrer pela apresentação de propostas de alteração, inclusão ou supressão de artigos ou capítulos do código, o que pode ser feito acessando o endereço eletrônico http://www.portalmedico.org.br/modificacaocem/index.asp Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2008 124


CONFLITOS ÉTICOS A Itália foi palco, há poucas semanas, de dois acontecimentos que põem em discussão temas éticos da maior relevância. O caso da jovem Eluana Englaro, em coma desde que sofreu um acidente de carro, em 1992, suscitou acirrada polêmica. Os pais da paciente recorreram ao Judiciário italiano, com o intuito de conseguirem autorização para a suspensão da alimentação e hidratação da paciente. Após vários recursos, finalmente houve a decisão do Tribunal de Cassação, instância máxima do Judiciário italiano, acolhendo o que fora requerido pelos pais de Eluana. Em 9 de fevereiro último, poucos dias após a retirada da hidratação e da alimentação da enferma, ocorreu o óbito. O fato causou reações que incluíram desde a discussão sobre o direito de morrer, sob o fundamento de que viver é um direito e não uma obrigação, até a acusação de homicídio, dirigida aos pais da paciente e aos médicos que a atenderam em seus momentos finais. E trouxe à baila, entre nós, a Resolução nº 1.805/2006, do Conselho Federal de Medicina, que trata da ortotanásia. Tal diploma legal, que, aliás, está suspenso por decisão liminar, dispõe que “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.” Prevê, ademais, que “o doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.” O que levanta sérias dúvidas é se a hidratação e a alimentação de uma doente, mesmo nas condições especiais relatadas, ou seja, um quadro de coma há vários anos, podem ser definidas como medidas extraordinárias ou se, pelo contrário, são procedimentos ordinários e, portanto, de utilização imperiosa. O que faria uma importante diferença entre ortotanásia e eutanásia, a última considerada ilegal no Brasil. 125


A outra situação, igualmente conflituosa, diz respeito aos imigrantes. Segundo foi amplamente noticiado, o senado italiano aprovou um projeto de lei autorizando médicos a denunciarem imigrantes que estiverem em situação ilegal. Na hipótese de tal dispositivo ser seguido, o imigrante que vá em busca de atendimento médico poderá sair do consultório diretamente para a cadeia. Assim, o doente terá acrescido à angústia relacionada com os agravos à saúde o medo de que o médico o entregue às autoridades policiais. Organizações representativas dos médicos protestaram com veemência, incitando os médicos a desconsiderarem a proposta senatorial e afirmando que os profissionais da Medicina são médicos e não espiões. Além da clara afronta ao princípio milenar do segredo médico, um dos aspectos cardeais da ética profissional, a estapafúrdia proposta, caso seja posta em prática, poderá levar o imigrante doente a fugir do atendimento médico regular e procurar, talvez, assistência clandestina para as suas necessidades de saúde. Nos fóruns de ética médica realizados pelo CREMEC nos hospitais de Fortaleza e no interior do Estado, por vezes surgem dúvidas que guardam alguma analogia com a questão dos imigrantes italianos. Assim, é feita a pergunta: como devo agir se estou de plantão no hospital e atendo um paciente ferido que é conhecido como um perigoso assaltante? E no caso de uma paciente que provocou aborto? Devo chamar a polícia? A orientação dada tem sido no sentido de que o papel do médico é atender bem o paciente, com zelo, dedicação e interesse em aliviar a dor, o sofrimento, não lhe cabendo tarefas relacionadas com a eventual detenção de criminosos. Concluindo, convém lembrar o que deve, realmente, balizar a conduta médica, conforme expressa a Declaração de Genebra, aprovada pela Associação Médica Mundial, em 1948: “a saúde do meu paciente será minha primeira consideração”. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2009 126


ELEIÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA No início de julho de 2009, ocorrerão eleições, em todo o Brasil, para a escolha dos conselheiros efetivos e suplentes (um efetivo e um suplente para cada Estado da Federação e para o Distrito Federal) que passarão a compor o órgão máximo da ética médica no país, o Conselho Federal de Medicina (CFM). O período de inscrição de chapas vai de 13 de maio/2009 a 1º de junho/2009. A proximidade do pleito torna oportuna a reflexão sobre o papel do CFM, sua importância como órgão supervisor da ética profissional em toda a República, julgador e disciplinador da classe médica, cabendo-lhe ainda zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente, tarefas que desempenha em conjunto com os Conselhos Regionais de Medicina. Certamente, existem alguns temas que se destacam como prioridades dentro do vasto espectro de ação dos Conselhos de Medicina. O Ensino Médico é uma preocupação permanente, uma vez que o valor essencial da saúde de cada cidadão e a complexidade da formação médica exigem que seja dada especial atenção à preparação dos futuros esculápios. Por isso, a abertura indiscriminada de Faculdades de Medicina faz com que aumentem grandemente nossas inquietações e receios quanto à qualidade do preparo técnico-científico dos novos médicos. Apreensão que se intensifica com a constatação de que Faculdades de Medicina tradicionais, com grande reputação, se encontram em meio a enormes dificuldades, com recursos escassos e professores que denunciam, reiterada porém infrutiferamente, o que aparenta ser um processo de desmonte do ensino médico de boa qualidade. É imprescindível que esta questão ocupe as atenções dos futuros membros do CFM. Em outra perspectiva, temos diante de nós um complexo e diversificado sistema de saúde, crescendo em abrangência, mas ainda longe de propiciar atendimento adequado à população. Iniciativas como a 127


implantação do Programa Saúde da Família (PSF), indiscutivelmente uma estratégia que criou para milhões de pessoas pelo menos uma possibilidade de acesso aos cuidados e serviços de saúde, devem ser objeto de cuidadosa avaliação, no sentido de maximizar seus pontos positivos e de corrigir as distorções. A falta de médicos em várias equipes do PSF, inclusive na cidade de Fortaleza, precisa ser alvo de urgentes medidas, entre as quais a realização de um novo concurso público. Por seu turno, são cada vez mais frequentes as situações que envolvem conflitos éticos, demandando análise e tomada de decisão por parte dos médicos. O caso acontecido recentemente em Pernambuco, quando os médicos atenderam uma garota de 9 anos, com gravidez gemelar, provocou apaixonadas discussões, envolvendo aspectos legais, éticos e religiosos relacionados com a prática do aborto. Este foi mais um exemplo de uma situação em que a abordagem ética sai do plano teórico para a vida cotidiana, com todos os seus conflitos e desafios. Enfim, no setor saúde há muita matéria para estudo e muitos problemas carecendo de soluções. E, seguramente, os médicos e suas entidades representativas têm condição de dar uma contribuição fundamental neste processo. Lembramos que a eleição para o Conselho Federal de Medicina é universal, ou seja, abrange todos os médicos; além do que, o voto é obrigatório. Entendemos, porém, que o comparecimento de cada um de nós para bem escolher nossos representantes no CFM deverá ocorrer não por imposição legal, mas pela compreensão de que a participação coletiva é a melhor forma de viabilizar escolhas acertadas e respostas para os impasses e as dificuldades que permeiam o exercício da Medicina. A eleição é também uma grande festa de encontro e confraternização entre colegas de profissão. Esperamos contar com a presença de todos os médicos e médicas cearenses. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2009 128


O SUS E AS POLICLÍNICAS Há pouco mais de 20 anos, ocorreram fatos de grande relevância em nosso país. Foi aprovada a Constituição Federal, consagrando a saúde como um direito de todos os cidadãos brasileiros. Estavam traçadas as linhas centrais do Sistema Único de Saúde, o SUS, o qual resultou de um pujante movimento ético e político que tinha por meta universalizar o acesso à saúde, corrigindo uma marcante iniquidade social caracterizada pela circunstância de que milhões de pessoas não tinham qualquer possibilidade de socorro ou alívio para as suas enfermidades. Os anos seguintes mostraram o extraordinário alcance da proposta do SUS, com a melhoria dos indicadores de saúde em nosso país, como, por exemplo, a redução da mortalidade infantil e o aumento da vida média da população. Neste processo, teve papel importante o Programa Saúde da Família (PSF), estratégia determinante para a ampliação e consolidação do SUS. É claro, porém, que algumas distorções foram sendo identificadas, ficando evidente que ainda havia muito a fazer para a concretização de um sistema de saúde condizente com as legítimas aspirações do povo brasileiro. No Ceará, houve inegáveis avanços nos cuidados de saúde, destacando-se o crescimento da atenção primária, sendo inquestionável que a Medicina de Família e Comunidade se tornou, em poucos anos, uma das áreas mais ativas e promissoras da atividade médica em nosso Estado. De igual modo, “a Medicina de ponta”, com os transplantes, as próteses e outros procedimentos médicos tecnologicamente sofisticados, alcançou grande projeção em terra alencarina. Há um bom tempo, contudo, que são apontadas as inegáveis carências do nosso atendimento médico no que diz respeito à atenção secundária, que permanece como o calcanhar de Aquiles de todo este edifício médico-sanitário. As intermináveis e angustiantes filas de pacientes à espera de um exame decisivo para o diagnóstico da doença, ou aguardando uma cirurgia cujo adiamento pode ser fatal, são ocorrências que aumentam o sofrimento dos pacientes 129


e inquietam os médicos, configurando uma situação que não pode ser aceita. Uma das tentativas para minorar o problema se deu no governo passado, quando foi criado o Programa “Saúde mais perto de Você”, que possibilitou a ida de cirurgiões, anestesiologistas e traumatologistas, entre outros profissionais, a várias cidades do interior do Estado, resultando na redução das transferências de pacientes para Fortaleza, conforme levantamento feito pelo então Superintendente do Instituto Dr. José Frota (IJF), Dr. Francisco Wandemberg. Agora, o Secretário de Saúde, Dr. João Ananias, em recente pronunciamento no Conselho Regional de Medicina, expôs o plano do governo atual, que prevê a construção de 2 grandes hospitais – em Juazeiro do Norte e Sobral – e 22 policlínicas, uma em cada microrregião de saúde do Estado do Ceará. O projeto é alvissareiro, pois aponta no sentido de tornar bem mais resolutivo o atendimento secundário à saúde. Sinaliza, ademais, que serão criados 1.249 novos postos de trabalho para médicos de 29 especialidades. Poderá tornar-se, por conseguinte, uma das mais importantes medidas já adotadas em prol da saúde dos cearenses. Suscita, no entanto, algumas preocupações, no que diz respeito à qualificação dos médicos que irão trabalhar nesses serviços. De onde virão tantos especialistas para o desempenho de tão magna tarefa? Torna-se imperioso que o Estado invista fortemente na formação médica, o que pressupõe, entre outras medidas, uma substantiva ampliação das vagas dos Programas de Residência Médica, indiscutivelmente o melhor caminho para a qualificação de médicos especialistas. Ao lado das outras entidades médicas (SIMEC, AMC e Sociedades de Especialidades), o Conselho de Medicina acompanhará atentamente o processo de criação das Policlínicas, sempre com o intuito de colaborar para a melhoria da atenção à saúde dos cearenses, sem perder de vista a defesa da dignidade do trabalho médico. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2009 130


TÍTULO DE CIDADÃO CEARENSE* Senhoras e Senhores Em primeiro lugar, quero expressar meu agradecimento pela honraria que me é concedida na data de hoje. O agradecimento se dirige a esta augusta casa e ao Deputado Lula Morais, autor do projeto de concessão do Título de Cidadão Cearense. Parlamentar atuante, o Deputado Lula Morais tem toda uma história de engajamento nas causas sociais, na luta pela afirmação dos direitos da cidadania. O que adquire particular importância nos dias de hoje, quando há uma clara tendência para desqualificar a atividade política, reduzindo-a em sua relevância ou fazendo pesadas e maldosas insinuações sobre a integridade dos seus participantes. O que não é nada bom para a democracia e interessa, isto sim, aos que desejam a manutenção do status quo, da situação de exclusão, que é a marca vergonhosa da sociedade em que vivemos. Daí, que ganha em magnitude o papel dos que, aqui nesta Casa ou em outros setores da sociedade, empregam sua energia e seu saber propondo e procurando concretizar iniciativas que contribuam para combater as mazelas sociais e amenizar a injusta e inaceitável desigualdade vigente em nosso meio. E é aos que acreditam numa sociedade melhor e lutam para que os avanços sociais verificados nos últimos anos se intensifiquem e aprofundem que nos filiamos. Como Martin Luther King, eu também tenho um sonho: ver todas as pessoas do meu país tendo acesso imediato e resolutivo aos cuidados de saúde. Ver o nosso país dar passos largos no sentido de superar a condição de ser uma sociedade excludente e evoluir para o respeito à dignidade das pessoas. Neste sentido, no que se refere ao setor saúde, é imperativo que seja consolidado o Sistema Único de Saúde, única alternativa a que podem recorrer milhões de brasileiros para a vacinação, para os exames de prevenção de enfermidades, para o tratamento das doenças. O SUS, 131


portanto, tem que estar bem estruturado, abrangente, com pessoal bem preparado e motivado para propiciar atendimento digno aos que demandam seus serviços. Não há como aceitarmos a demora de meses, e até anos, de pacientes aguardando a realização de um exame por vezes decisivo para o diagnóstico da afecção de que estão acometidos. Ou realizando verdadeira via crucis em busca de uma vaga em UTI. Ou, ainda, sendo humilhados e desrespeitados em sua intimidade, por terem que permanecer dias e dias em macas nos corredores dos hospitais, já que, mais uma vez, não há vagas nas enfermarias. Estas são algumas das situações que angustiam os médicos e os pacientes e se constituem em verdadeiras denúncias de desrespeito aos direitos humanos. No campo da saúde mental, também há algo a ser dito. Durante toda a minha vida profissional – e já são quase 37 anos de atividade – exerci a psiquiatria. A experiência de trabalhar em hospitais psiquiátricos, vendo, portanto, os pacientes mais graves, e, simultaneamente, atendendo em ambulatórios públicos, tendo contato quase diário com o sofrimento das pessoas mais humildes e carentes, me sensibilizou, desde muito cedo, para a questão dos direitos dos pacientes acometidos de enfermidades mentais. Levando-me a refletir sobre o papel do médico e das instituições de saúde. Entendo a psiquiatria como uma prática que só se justifica se tiver um intuito libertador. Como tive a oportunidade de escrever certa vez, impõe-se que a Psiquiatria se desvincule de qualquer ação repressiva ou de limitação da liberdade dos pacientes, e contribua para a recuperação emocional dos enfermos, de modo que estes possam exercer sua autonomia e trilhar o caminho do crescimento e da realização pessoal. É indispensável que sejam ampliados os recursos para a estruturação de serviços de saúde mental – os CAPS (Centros de Reabilitação Psicossocial) e as Residências Terapêuticas, entre eles – de forma que os doentes mentais possam ser tratados mantendo-se o mais próximo possível do seu meio familiar e social. Mas também há que se garantir aos 132


doentes mais graves, que necessitam de internamento, um tratamento digno, humano, competente, fundamentado nos preceitos éticos e no melhor conhecimento científico. De forma que nenhuma instituição médica possa ser outra vez comparada a um “cemitério de vivos”, como se referiu Lima Barreto ao hospital onde esteve internado. As algemas da segregação e as cadeias da discriminação de que o grande pacifista de Atlanta queria libertar os negros são análogas às que oprimem os pacientes com transtornos mentais ou outras enfermidades estigmatizantes, como a hanseníase ou a SIDA. É um dever ético darmos nossa colaboração para a humanização não só do tratamento dos doentes, mas também construindo uma mudança de atitude da coletividade em relação a eles. Diante deste quadro, como não nos preocuparmos com a formação médica, com a festiva e indiscriminada abertura de cursos de medicina, muitas vezes sem qualquer condição para que ali se qualifiquem adequadamente os futuros médicos? Abrir escolas médicas tornou-se um negócio, a busca de lucros. O sentido social, que deve ser uma das vigas mestras de qualquer proposta de um novo curso, acaba ficando esquecido. Talvez estejamos próximos do momento em que a conta por esses desacertos seja cobrada, e se imponha uma profunda reformulação no sistema educacional brasileiro. Por seu turno, com as dificuldades crescentes para o exercício da profissão, com os médicos vivendo conflitos e angústias junto aos pacientes e sem condições de encaminhar as mudanças estruturais necessárias à organização dos serviços, é bom que comecemos a prestar atenção à saúde dos próprios médicos, iniciativa que já se esboça em alguns outros Estados, com a elaboração de propostas de atuação neste sentido. Ilustres Deputados, Dignas Autoridades, Senhoras e Senhores. Vejo a Medicina como uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, como está expresso, de forma tão eloquente, no Código de Ética Médica. A atitude humana, solidária e zelosa dos médicos para com os doentes, ao longo de milênios, fez com que a 133


Medicina granjeasse a gratidão da humanidade. Temos, portanto, que preservar a melhor tradição hipocrática. Contudo, sentimo-nos no dever de alçar a nossa voz para além do cenário de consultórios, postos de saúde ou hospitais, cobrando medidas que caminhem no sentido de um atendimento mais digno aos pacientes e de uma vida social mais justa e mais fraterna. Quero concluir referindo-me, de forma particularmente carinhosa, à minha mulher, Rita, e aos meus fi lhos, Mariana, Daniel e Ivan, fontes de minha alegria e da minha vontade de viver. E aos meus pais, Nelson de Moura Fé e Hilda Araújo de Moura, profundas influências na minha formação pessoal e moral, presenças permanentes em minhas lembranças e no meu afeto. Entre todas as pessoas que muito contribuíram para meu trabalho profissional, destaco o Dr. Nílson de Moura Fé, sob a orientação do qual dei os primeiros passos na Psiquiatria. Meus agradecimentos aos conselheiros e funcionários do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, com os quais tenho compartilhado, ao longo de anos, aspirações, projetos, dificuldades e alegrias. Para concluir, quero dizer que este dia, em que sou recebido como Cidadão Cearense, ficará gravado em letras especiais na minha memória afetiva. Por fim, agradeço a todos os que compareceram a esta solenidade para viver comigo e com os meus familiares este momento de alegria. Muito obrigado. Título de Cidadão Cearense aprovado pela Lei 14.352, de 19 de maio de 2009, de autoria do Deputado Lula Morais, publicada no Diário Oficial do Estado de 25 de maio de 2009. *Discurso proferido pelo Dr. Ivan de Araújo Moura Fé no dia 02/10/09, na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, por ocasião da recepção do Título de Cidadão Cearense Arquivo original de 02/10/09 134


CREMEC: 50 ANOS Foi na sede do Centro Médico Cearense, no dia 9 de setembro de 1959, que ocorreu a sessão histórica de instalação do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. O Dr. Joaquim Eduardo de Alencar, então Presidente do Centro Médico Cearense, comandou a reunião que escolheu a primeira diretoria do Conselho de Medicina, a qual ficou assim constituída: Presidente: Dr. José Carlos Ribeiro; Vice-presidente: Dr. Licinio Nunes de Miranda; 1º Secretário: Dr. Washington Carneiro Baratta Monteiro; 2º Secretário: Dr. Roberto Cabral Ferreira; 1º Tesoureiro: Dr. Pedro de Morais Borges; 2º Tesoureiro: Dr. João Luiz de Oliveira Pombo. É preciso lembrar que a Lei 3.268, de 30 de setembro de 1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, foi sancionada por um médico, o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Anteriormente, já existiam as associações médicas e os sindicatos médicos. Os Conselhos de Medicina, criados sob a forma de autarquia, nasciam com forte vinculação com o aparelho estatal, tendo por finalidade fiscalizar a atividade médica, apurar as possíveis infrações à ética da profissão e promover por todos os meios ao seu alcance o perfeito desempenho ético, técnico e científico da Medicina. Os primeiros tempos de existência do Conselho foram de organização e de sensibilização dos médicos, alguns dos quais resistiam ao chamamento para inscrição na nova instituição. Ao final do ano de 1959, estava inscrito no Conselho apenas o seu Presidente, Dr. José Carlos Ribeiro, CRM nº 1. Desde então, muitas mudanças ocorreram na realidade do país e da prática médica. Quando o CREMEC foi fundado, existia no Ceará apenas uma Faculdade de Medicina; hoje, dispomos de 7 cursos médicos, 4 dos quais da área pública e 3 de caráter privado. No momento, estamos próximos dos 12.000 médicos inscritos no CREMEC, 8.400 dos quais encontram-se em pleno exercício da profissão. 135


Por outro lado, houve profundas modificações no cenário da atividade médica. De prática eminentemente liberal, em consultórios, ou com visitas dos médicos às residências dos doentes, passou o trabalho médico a ser feito em grandes organizações, quer estatais, quer sob a forma de planos de saúde, cooperativas médicas e seguro-saúde. O que trouxe aspectos novos que merecem atenção e análise. Um deles diz respeito à autonomia do médico. De fato, vemos atualmente uma interferência cada vez maior na relação médico-paciente, limitando o direito do médico de, em diálogo com o seu paciente, decidir quais os meios diagnósticos e terapêuticos que devem ser adotados em benefício da saúde do doente. Ademais, observa-se que os médicos muitas vezes são submetidos a um regime de trabalho extenuante, tendo que atender um número de doentes bem superior ao que seria razoável. O que traz, inevitavelmente, maiores riscos de erro profissional, além de poder causar danos à própria saúde dos esculápios. Tal situação, verificada principalmente nos serviços públicos de saúde, faz com que seja indispensável a adoção de medidas para a melhoria do Sistema Único de Saúde, com providências quanto à organização dos serviços e à ampliação dos recursos humanos, o que passa, necessariamente, por modificações no financiamento do setor saúde. Neste sentido, o CREMEC, juntamente com o Sindicato dos Médicos e a Associação Médica Cearense, sempre se empenhou para que houvesse concurso público, com a admissão de novos médicos, e que a remuneração médica fosse compatível com a importância social e científica da Medicina. No que se refere à regulamentação ética da profissão médica, os Conselhos de Medicina adotaram primeiramente o Código de Ética Médica que fora aprovado pela Associação Médica Brasileira, em 1953. Posteriormente, seguiram-se os códigos de ética de 1965, 1984 e 1988, o último ainda em vigor, embora em processo de revisão, com a possibilidade de que seja editado um novo código ainda no ano em curso. Em todos estes diplomas éticos da profissão médica, destaca-se 136


a afirmação dos valores humanistas e de respeito à dignidade humana que devem ser a base de toda a vida profissional dos esculápios. O que se pode afirmar é que o Conselho de Medicina do Estado do Ceará, ao completar meio século de funcionamento, tem toda uma história de trabalho e realizações, porém muitos desafios pela frente, suscitando de cada um de nós dedicação, zelo com a saúde dos pacientes e com a boa prática da Medicina, compromisso com a dignidade humana. Publicado originalmente no Jornal Conselho em jul/ago/2009

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CINQUENTENÁRIO DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA* Hoje é um dia especial para o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. Há exatos cinquenta anos, no dia 9 de setembro de 1959, ocorria a sessão de instalação do CREMEC, na sede do Centro Médico Cearense, na cidade de Fortaleza. Sob a presidência do saudoso Professor Joaquim Eduardo de Alencar, dirigente maior do Centro Médico Cearense, desenvolveram-se os trabalhos para a escolha da primeira Diretoria do Conselho de Medicina, a qual ficou assim constituída: Presidente: Dr. José Carlos Ribeiro; Vice-presidente: Dr. Licinio Nunes de Miranda; 1º Secretário: Dr. Washington Carneiro Baratta Monteiro; 2º Secretário: Dr. Roberto Cabral Ferreira; 1º Tesoureiro: Dr. Pedro de Morais Borges; 2º Tesoureiro: Dr. João Luiz de Oliveira Pombo. Desde então, muito foi feito pelo CREMEC, em termos de fiscalização da profissão médica, apuração das possíveis infrações à ética médica, defesa do ensino médico de qualidade, luta por trabalho digno e remuneração justa para os médicos e em prol de uma boa assistência à saúde da população e atividades de educação médica continuada. Sendo assim, nada melhor do que marcar esta data festiva de forma a demonstrar o esforço do Conselho pela promoção do perfeito desempenho ético, técnico e científico da Medicina. Esforço este que fez com que a entidade realizasse 102 (cento e dois) Fóruns de Ética Médica no Interior do Estado, além de Fóruns de Ética em Fortaleza, Congressos Científicos e Éticos em Fortaleza e nas Seccionais do Cariri e da Zona Norte, Cursos de Medicina de Família e Comunidade, de Urgência e Emergência, de Perícia Médica e de Saúde do Idoso, entre outros. Deste modo, a comemoração do cinquentenário também é o início do V Congresso Científico e Ético do CREMEC, conclave que se associa ao V Congresso das Câmaras Técnicas e Comissões de 139


Ética da instituição e à IV Jornada Cearense de Medicina de Família e Comunidade. O evento consta de ampla programação, abrangendo as grandes áreas básicas da atividade médica, como Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Medicina de Família e Comunidade, Cirurgia Geral e Clínica Médica. Simultaneamente, questões fundamentais da Ética Médica e da Bioética serão abordadas por vultos ilustres da Medicina do Ceará e do Brasil. Temas como perspectivas da bioética, aspectos éticos no final da vida, conflitos éticos na AIDS, a humanização e os doentes crônicos serão objeto de estudo e discussão. Numa das sessões, será realizado um julgamento simulado de um caso de abortamento de anencéfalo. No último dia do congresso, teremos debates sobre políticas de saúde, condições de trabalho e de remuneração dos médicos e O Sistema Único de Saúde. Por sinal, a defesa do SUS tem sido uma das mais caras bandeiras do Conselho de Medicina do Ceará, pela compreensão de que somente um substancial fortalecimento dos serviços públicos de saúde poderá conduzir à concretização do lema constitucional de que “saúde é direito de todos”. Defendemos, portanto, mais uma vez, a aprovação da emenda constitucional nº 29, para que um maior aporte de recursos possibilite a ampliação das ações em benefício da saúde da população. Assim como postulamos que haja concursos públicos para a admissão de mais profissionais para o setor, no sentido de que seja superada a dificuldade de acesso da população aos serviços de saúde. No âmbito da fiscalização da prática médica, a ação do Conselho alcançou todos os municípios cearenses, o que permitiu, em muitos casos, a identificação e correção de carências e distorções nos hospitais, postos de saúde e no Programa Saúde da Família, assim como a cobrança de medidas que assegurassem a dignidade do trabalho médico e um bom atendimento à saúde da comunidade. Uma das linhas de trabalho do Conselho de Medicina tem sido a defesa de boas condições de trabalho e de remuneração dos médicos. 140


Nesta vertente, destacam-se as lutas que, nos últimos dois anos, resultaram na conquista do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) para os médicos da Prefeitura de Fortaleza, para os médicos do Estado do Ceará e para os médicos do Instituto Médico Legal (IML), este último, em significativa coincidência, tendo sido aprovado pela Assembleia Legislativa na manhã de hoje. Em todas estas vitórias, tiveram participação ativa o Conselho de Medicina, o Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará e a Associação Médica Cearense, devendo ser assinalado o trabalho incansável realizado por uma de nossas homenageadas, a Dra. Teresinha Braga Monte. E é justamente às homenagens que agora nos referimos. O Plenário do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará escolheu, por unanimidade, três médicos, os quais, por terem pautado o exercício de sua profissão por ilibada conduta ética, irão agora receber a Medalha de Honra ao Mérito Profissional. São eles: Geraldo De Sousa Tomé Renan Magalhães Montenegro Teresinha Braga Monte Por sua vez, será entregue o Diploma de Mérito Ético-Profissional aos médicos que completaram 50 (cinquenta) anos de exercício da profissão médica sem jamais terem sofrido sanção ético-profissional de qualquer natureza. Os agraciados são: Airton Fontenele Sampaio Xavier Arlindo de Almeida Simões Francisco de Assis Barroso Hiran dos Santos Monteiro José de Aguiar Ramos Orlando Jorge Cavalcante Raimundo Adjafre de Souza Roriz Severino de Medeiros Filho Wilcar Cavalcante Gondim 141


Todos os homenageados escreveram páginas de dedicação à atividade médica e ao cuidado dos pacientes, honrando os ideais mais elevados da nossa profissão. Tornaram-se, portanto, merecedores de nossa admiração e gratidão. Fazemos questão, nesta solenidade, de registrar alguns agradecimentos; ao Conselho Federal de Medicina, na pessoa do seu Presidente, Dr. Edson de Oliveira Andrade, pelo apoio que sempre deu às iniciativas do CREMEC; aos representantes dos Conselhos Regionais de Medicina; aos Professores convidados para as conferências e mesas-redondas do conclave, vários dos quais vieram de outros Estados; aos conselheiros e membros das Câmaras Técnicas do CREMEC, particularmente os de Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia e Medicina de Família e Comunidade. Estes profissionais, expoentes da Medicina e da Ética Médica, dão brilho e elevado conteúdo ao nosso congresso. Uma referência toda especial cabe à Dra. Valeria Goes Ferreira Pinheiro, Presidente da Comissão Científica do conclave, e ao Dr. Lino Antonio Cavalcanti Holanda, da Comissão Executiva, que se desdobraram em trabalho e dedicação em todas as etapas do congresso. É necessário ainda citar a operosidade do Dr. Vladimir Távora Fontoura Cruz, com a sua equipe, e dos funcionários do CREMEC, representados aqui na pessoa da Sra. Fátima Maria Sampaio de Barros. É, portanto, com muita alegria, que iniciamos a presente solenidade, que comemora cinquenta anos de serviços prestados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará à saúde da população cearense. Nossas boas vindas a todos os participantes desta solenidade e deste Congresso. Muito obrigado 142


*Discurso de abertura da Solenidade de Comemoração do Cinquentenário do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará e do V Congresso Científico e Ético do CREMEC, no dia 09/09/09, em Fortaleza, Ceará

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O NOVO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA No dia 24 de setembro de 2009, foi publicado no Diário Oficial da União o novo Código de Ética Médica. O documento mantém, em sua quase totalidade, a linha conceitual contida no código de ética anterior. Assim, lemos entre os princípios fundamentais que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza; que o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional; que o médico guardará absoluto respeito pela vida humana e jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade. Formulações que refletem as linhas mestras do caráter solidário e humanista da Medicina ao longo da história. Ademais, o novo código reafirma a posição dos médicos brasileiros contra a pena de morte, a tortura e os procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis. Valoriza a autonomia do paciente e firma o dever do médico de obter o consentimento deste para a realização de qualquer ato médico, com exceção das situações de risco iminente de morte. Postula que o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência, além de que não poderá renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho. O médico tem o direito de se recusar a exercer a profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais, devendo, nesse caso, comunicar imediatamente sua decisão à Comissão de Ética e ao Conselho Regional de Medicina. 145


Sendo assim, o que traz de novo o código de ética médica recentemente publicado? Afora algumas modificações menores, podemos assinalar os seguintes pontos: 1) O princípio XXII pontua que, nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados. Evitará, assim, empreender ações inúteis ou obstinadas, mas levará sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal, nos termos do artigo 41 do novo código. Nessas circunstâncias, o médico tem o dever de continuar dando assistência ao paciente, no sentido de mitigar a dor, a dispneia, a angústia ou outros sintomas presentes, de forma a confortar o enfermo em seus últimos momentos. Lembrando, ademais, que um dos grandes temores dos pacientes é o de ser abandonado, de ter que enfrentar, além da doença, a solidão e o desamparo. 2) O artigo 15 aborda a questão da procriação medicamente assistida e explicita que esta técnica não pode ser utilizada para criar embriões geneticamente modificados, nem para criar embriões para investigação ou para finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbridos ou quimeras. 3) O artigo 16 veda ao médico intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto na terapia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na modificação genética da descendência. 4) É dada uma ênfase toda especial ao prontuário médico, o qual deve ser legível e conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no CRM, conforme se lê no artigo 87. Por sua vez, continua assegurado o direito de acesso do paciente ao prontuário, do qual pode solicitar cópia, e que lhe sejam dadas explicações necessárias à sua compreensão, como preceitua o artigo 88. 146


O novo Código de Ética Médica é composto de 25 princípios fundamentais do exercício da Medicina, 10 normas diceológicas (os Direitos dos Médicos), 118 normas deontológicas (as vedações, proibições cujo desrespeito dará margem à instauração de processo ético-profissional contra o médico acusado) e entra em vigor cento e oitenta dias após a data de sua publicação, ou seja, no final de março de 2010. Seu texto completo está disponível no endereço eletrônico do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, www.cremec.com.br. Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2009

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COMENDA SINDICAL MÉDICA* Senhoras e Senhores Antes de tudo, quero agradecer aos membros do Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará pela distinção que me é concedida no dia de hoje. Receber a Comenda Sindical Médica, passando assim a fazer parte da galeria onde se encontram expoentes da Medicina cearense, é algo que muito me dignifica e honra. Quando ocorre um acontecimento de tal relevância, somos naturalmente induzidos a uma reflexão sobre o papel que vimos desempenhando no drama à nossa volta, tentando identificar o que merece ser destacado e o que cabe corrigir. O que nos leva a um rápido mergulho no passado. Tendo o ideal de ser médico, e não existindo, ainda, Faculdade de Medicina no Estado do Piauí, vim para Fortaleza em 1966, para fazer o 3º ano científico no Colégio Castelo. Em 1967, ingressei no curso médico. Meu interesse pela Psiquiatria surgiu ainda na primeira metade do curso de graduação, sem dúvida a partir da convivência com o Dr. Nilson de Moura Fé, meu tio e ilustre psiquiatra desta terra. A formatura em 1972, os primeiros pacientes sob meus cuidados profissionais, o casamento em 1975, a obtenção, através de concurso, do Título de Especialista em Psiquiatria em 1975, a eleição como membro do Conselho Regional de Medicina em 1978 e de Presidente do CREMEC em 1983, o nascimento dos meus filhos passam pela memória em ritmo caleidoscópico. Ao mesmo tempo, esses marcantes eventos davam ensejo a que, vez por outra, fosse feita uma avaliação. Ocasião em que se fortalecia a convicção de que, tendo eu estudado em escola pública, portanto custeada pelo conjunto da população, contraíra uma dívida social e o dever moral de empenhar todos os meus esforços para de algum modo retribuir o que recebera. O que poderia dar-se através de um trabalho médico dedicado e zeloso e do exercício da solidariedade em relação aos menos aquinhoados pela fortuna. E a fixação, de forma indelével, da compreensão de que 149


a medicina só encontra justificativa moral se estiver a serviço da saúde do ser humano e da coletividade. Prosseguindo nesse fluxo de consciência, recordo que há um bom tempo, ao refletir sobre meu trabalho como médico, concluí que o período de dez anos, em que atuei como preceptor do Programa de Residência Médica de Psiquiatria do Hospital de Saúde Mental de Messejana, e a atividade como membro do Conselho Federal de Medicina estavam entre as experiências mais marcantes e enriquecedoras de minha vida profissional. Já participara de campanhas pela melhoria da qualidade do ensino médico e pelo fortalecimento da Residência Médica. Lutara em defesa da saúde pública, pelo reconhecimento dos direitos dos pacientes com doença mental, contra a discriminação e os preconceitos de que são vítimas esses enfermos. Atuara por longo tempo no Conselho Regional e no Federal de Medicina, na discussão e elaboração das normas éticas, tendo sido, inclusive, membro da Comissão de Sistematização do Código de Ética Médica que ainda se encontra em vigor no Brasil. Parece, no entanto, que algo estava faltando: precisava eu ter uma vivência eminentemente “sindical”. E foi o que se deu nos últimos anos, nos movimentos reivindicatórios dos médicos por melhores condições de trabalho e de remuneração. Há uma passagem no Eclesiastes que diz: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças”. Procurei aplicar tal máxima ao longo de minha atividade como dirigente de entidades médicas. Se minhas forças pareciam, em vários momentos, frágeis diante da grandeza dos obstáculos, a convicção da justeza da causa e a soma de esforços com os parceiros de luta fizeram com que a vitória coroasse empreitadas que por vezes foram longas e penosas. Foi o que aconteceu, por exemplo, na mobilização pela conquista do Plano de Cargos, Carreiras e Salários para os médicos do município de Fortaleza, em 2007. Naquela oportunidade, tamanha era a insatisfação dos médicos do município, e de tal magnitude foram os conflitos surgidos nas assembleias da categoria médica, que o Conselho Regional de Medicina, o Sindicato dos Médicos e a Associação Médica Cearense tiveram que 150


demonstrar extraordinária capacidade de equilíbrio entre a necessidade de manter a luta de forma permanente e tenaz e a obrigação de evitar que o movimento radicalizasse em paralisações prejudiciais aos pacientes. Ou seja, ao pugnar em defesa das legítimas reivindicações dos médicos, não podíamos perder de vista o dever ético e a responsabilidade social de continuar proporcionando a melhor atenção à saúde dos doentes. Ao final, após numerosas assembleias médicas e incontáveis reuniões, com a participação inclusive da Sra. Prefeita Luiziane Lins, estávamos em condição de comemorar, com centenas de outros médicos, uma conquista realmente significativa, embora ainda aquém do que entendemos ser justo para a categoria médica. Em 2008, foi a vez da mobilização dos médicos do Estado com vistas à implantação de um PCCS minimamente satisfatório. Tínhamos, então, um quadro preocupante: dezenas de médicos aprovados no Concurso para o Estado não mostravam o menor interesse em assumir o emprego. Outros, tinham tomado posse, mas afirmavam nas assembleias médicas que esperariam, por alguns meses, que ocorresse uma mudança substancial nos padrões remuneratórios; em caso contrário, pediriam demissão, pois tinham boas propostas para atuação na área privada. Percebia-se um profundo desalento dos médicos em relação ao serviço público. Na oportunidade, o Sindicato dos Médicos, o Conselho de Medicina e a Associação Médica, em mais uma demonstração de unidade e compromisso de luta, levaram ao Governador do Estado, Dr. Cid Gomes, a pauta reivindicatória dos médicos, ocasião em que lhe foi informado que havia possibilidades concretas de que dezenas e talvez centenas de médicos se demitissem. O que era um fato extremamente preocupante para os que, como nós, defendemos o fortalecimento dos serviços públicos de saúde. Sua Excelência demonstrou sensibilidade e participou dos entendimentos que resultaram no estabelecimento do PCCS nos termos aprovados em assembleia dos médicos. Por fim, em 2009, outra vitória iria acontecer, agora beneficiando os médicos do Instituto Médico Legal, em mais uma negociação das entidades médicas com o Governador do Estado. 151


Hoje, novos desafios estão aí postos. Vemos centenas de pacientes sem conseguir com a necessária presteza acesso aos serviços de saúde. Presenciamos a multiplicação desenfreada dos cursos de Medicina, sem qualquer consideração quanto à necessidade social de tais cursos e pondo em plano secundário a qualidade do ensino oferecido aos futuros médicos. Ficamos angustiados com a injustiça social e a situação de iniquidade em que vivem milhões de brasileiros. Mas o ânimo não arrefece, e a luta continua. Em minha caminhada, tive a honra de dirigir a Sociedade Cearense de Psiquiatria, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará e o órgão máximo da Medicina brasileira, o Conselho Federal de Medicina. E se algo do que realizei nessa trajetória foi considerado pelos meus pares como digno de encômios, procurarei fazê-lo ainda melhor de ora em diante. Concluo minhas palavras, agradecendo mais uma vez ao Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará, na pessoa do seu Presidente, D. José Maria Pontes, e aos amigos e familiares que dividem comigo a alegria deste momento. Quero, por fim, reconhecer que, sem a presença carinhosa de minha mulher, Rita de Cássia Mota Moura Fé, e de meus filhos, Mariana, Daniel e Ivan, ser-me-ia impossível alcançar as realizações aqui mencionadas. Um abraço a todos e muito obrigado.

*Discurso proferido pelo Dr. Ivan de Araújo Moura Fé no dia 04/12/09, por ocasião da recepção da Comenda Sindical Médica conferida pelo Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará

Arquivo original - 04 de dezembro de 2009

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REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO MÉDICA Os últimos meses de 2009 deram margem a acontecimentos da maior importância para os médicos brasileiros. Em setembro, tivemos a aprovação do novo Código de Ética Médica (o qual entrará em vigor em abril de 2010). Menos de um mês depois, em 21 de outubro de 2009, foi a vez de se ferirem debates acalorados na Câmara Federal, de que resultou a aprovação do Projeto de Lei 7.703/06, que dispõe sobre o exercício da Medicina (projeto anteriormente designado por lei do ato médico e que despertou intensas polêmicas envolvendo membros de outras profissões da área da saúde). É verdade que o projeto de lei, que já tramita há sete anos, ainda precisa ser aprovado pelo Senado Federal e sancionado pelo Presidente da República. No entanto, é indiscutível que os médicos têm vivido momentos históricos no corrente ano. A aprovação da carta magna da ética médica reafirma em todos nós a consciência de que a prática humana, zelosa e competente da arte hipocrática é um dever de cada esculápio. Com o reconhecimento do respeito à dignidade humana como princípio fundamental que deve pautar todos os atos dos profissionais da Medicina. E a clareza de que a responsabilidade ética e social do médico deve abranger a preocupação com outros aspectos que extrapolam o âmbito da clínica, incluindo ações voltadas para a adequação do trabalho ao ser humano e para evitar a deterioração do ecossistema, além de esforços em prol da saúde pública e da educação sanitária. Sem olvidar que, sempre que participar de pesquisas envolvendo seres humanos ou qualquer animal, o médico respeitará as normas éticas nacionais, bem como protegerá a vulnerabilidade dos sujeitos da pesquisa. Cabe agora, porém, fazer algumas considerações sobre o texto que visa regulamentar o exercício da Medicina. O cerne da proposição é a concepção de que o diagnóstico e o tratamento das enfermidades 153


são privativos dos médicos; ou, para usar a linguagem do projeto, “a formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica”; e, ainda, “a indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios”. Além, é claro, de vários outros tópicos distinguindo o que é exclusivo dos médicos e o que pode ser compartilhado com outros profissionais. O item que gerou momentos de maior tensão nos debates na Câmara Federal, na sessão que culminou na aprovação do projeto, afirma ser atividade privativa dos médicos “a emissão dos diagnósticos anatomopatológicos e citopatológicos”; ressalte-se que há no corpo do texto outro tópico que excetua do rol das práticas exclusivas dos médicos “a realização dos exames citopatológicos e seus respectivos laudos”. O que, em nossa observação, respeita o que já se verifica na divisão de trabalho entre os diversos profissionais de saúde. No entanto, não foi este o entendimento dos opositores da matéria, os quais peroravam que os médicos pretendiam colocar sob sua tutela os outros profissionais. Excessos à parte, o fato é que, após mais de sete horas de permanência de dezenas de médicos na Câmara alta, dali saímos com a sensação de que um importante passo tinha sido dado para estabelecer o que cabe a cada um, mantendo-se o reconhecimento de que todos têm um papel relevante em prol da saúde da população. Em nenhum momento queremos causar prejuízo às outras profissões da área da saúde, pelas quais temos o maior respeito. Entretanto, há que se compreender que as atribuições e a esfera de competência dos diversos segmentos profissionais guardam diferenças e especificidades. E é isto que deve ser posto, de forma clara, no texto da lei. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2009

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SOLIDARIEDADE Há momentos em que um povo é atingido por uma catástrofe de amplas proporções. Então, o sofrimento usual, cotidiano, perde importância diante da imensidão da nova tragédia. E as carências se multiplicam, os problemas se agigantam, o drama supera a capacidade doméstica de encontrar soluções. Foi o que aconteceu recentemente com o povo do Haiti. Surpreendido por um terremoto de grande potencial destrutivo, que já causou, segundo declarações oficiais, mais de duzentas mil mortes, além de deixar mais de trezentos mil feridos, aquela pobre nação vive dias de extrema dor e grande penúria. É em situações semelhantes, que se põe à prova o sentimento de solidariedade humana. E, de fato, iniciativas do mundo inteiro se dirigem no sentido de ajudar as vítimas do desastre. Entre nós, no dia 18 de janeiro de 2010, foi formado na Secretaria de Saúde do Estado do Ceará o Comitê Cearense de Solidariedade ao Povo do Haiti, com a participação do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, do Sindicato dos Médicos e de outras entidades médicas. Além da campanha, em articulação com a Cruz Vermelha, no intuito de obter doações de água, alimentos e roupas, para envio ao país atingido, o Comitê fez um chamamento por voluntários, particularmente da área da saúde, o que levou à inscrição de centenas de profissionais, inclusive médicos, todos dispostos a se deslocarem até o Haiti para o atendimento às vítimas. Um desses voluntários, o Dr. Frederico Arnaud, membro da Câmara Técnica de Medicina de Urgência do CREMEC, já se encontra naquele país, prestando assistência médica. Tais atitudes expressam o sentimento de solidariedade, que é marca inata da Medicina e engrandece o povo cearense. É claro que continuamos tendo nossos próprios problemas, os quais são imensos e sem solução à vista. Persistem as filas dos doentes necessitando de atendimento médico, os quais sofrem em condições inaceitáveis nas macas dos sobrecarregados serviços de urgência. Isto, porém, não nos impede de contribuir para amenizar as dores de outros 155


povos. Ao mesmo tempo em que prossegue o trabalho para ampliar a capacidade de atendimento à saúde da população alencarina. No âmbito do Governo do Estado, a construção de 2 grandes hospitais, um no Cariri e outro em Sobral, e de 22 Policlínicas constitui um projeto de grande envergadura na área da saúde, podendo garantir o atendimento especializado dos pacientes em locais mais próximos de onde moram, reduzindo as transferências desses doentes para Fortaleza. O CREMEC tem participado ativamente das discussões acerca destas iniciativas, opinando, criticando e oferecendo sugestões. No que respeita à disponibilização de especialistas para as Policlínicas, por exemplo, constata-se que há carência desses profissionais em várias especialidades, tornando-se indispensável um projeto para sanar tal deficiência. Pois é fundamental que os novos serviços tenham grande capacidade resolutiva. Nos debates destas momentosas questões, nossa ênfase sempre foi no sentido de valorizar a Residência Médica como o caminho mais consistente para a preparação de médicos especialistas. E, nesta seara, há um fato novo. O Governo Federal se dispôs a oferecer mil novas bolsas para a Residência Médica no Brasil, privilegiando as regiões norte e nordeste do país. A Secretaria de Saúde do Estado do Ceará se prontificou a absorver um número significativo dessas bolsas. E aí surgiu o outro lado da questão: alguns serviços se manifestaram dizendo que não têm estrutura para incorporar e treinar adequadamente os novos residentes. A preocupação é relevante. Estamos de pleno acordo que os Programas de Residência Médica têm que estar estruturados de modo a oferecer todas as condições para um treinamento pós-graduado de excelência. No entanto, não é interessante que bolsas de residência sejam perdidas. Assim, impõe-se um esforço adicional para a solução do impasse. Investindo no aprimoramento técnico e científico e cultivando a atitude ética e solidária dos médicos cearenses, estaremos preparados para bem atender os doentes de nossa comunidade e, quando for o caso, os enfermos de outros países. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2010 156


CARREIRA DE MÉDICO DE ESTADO No dia 16 de dezembro de 2009, deu entrada na Câmara Federal uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 454/2009 (texto acessível no sítio http://www.camara.gov.br/sileg/integras/727136.pdf ), que estabelece diretrizes para a organização da carreira de médico de Estado. Alguns aspectos da proposta devem ser assinalados: 1. No serviço público federal, estadual e municipal a medicina passa a ser privativa dos membros da carreira única de medico de Estado, organizada e mantida pela União. 2. O ingresso na carreira de médico de Estado dar-se-á através de concurso público de provas e títulos, com a participação do respectivo órgão de fiscalização profissional (o Conselho de Medicina). 3. O médico de Estado exercerá seu cargo em regime de dedicação exclusiva e não poderá exercer outro cargo ou função pública, salvo no magistério, na forma da Constituição Federal. 4. Para a ascensão funcional do médico, por merecimento, serão levados em conta critérios de aperfeiçoamento profissional do médico, conforme normas estabelecidas pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina. 5. O médico federal admitido por concurso antes da promulgação da emenda tem o direito de migrar para a carreira de médico de Estado. 6. Serão fixados, por lei, critérios objetivos de lotação e remoção dos médicos de Estado, segundo a necessidade do serviço e considerando, para a elaboração dos requisitos de remoção, a pontuação por lotação em localidades remotas ou de difícil ou perigoso acesso. 7. O médico de Estado não poderá receber honorários, tarifas ou taxas, auxílio ou contribuições de pessoas naturais ou jurídicas, públicas ou privadas, nem participar do produto da sua arrecadação, ressalvadas as exceções previstas em lei. 8. A remuneração inicial da carreira de médico de Estado será fixada, 157


por lei específica, em R$ 15.187,00 (quinze mil e cento e oitenta e sete reais) e será reajustada anualmente. A matéria é instigante e suscita reflexões e indagações: a criação de uma carreira de Estado, com as características apontadas, é do interesse dos médicos brasileiros? Poderá contribuir para garantir a presença de médicos em todas as localidades do país? Trará benefícios para a assistência à saúde da população? Será importante para melhorar o SUS? Estes são pontos centrais que devem ocupar nossa atenção. Há muita estrada pela frente antes que uma emenda constitucional como esta seja votada pelo Congresso Nacional. Estamos convencidos, porém, que devem ser buscados mecanismos e caminhos que permitam uma evolução mais rápida no sentido de garantir acesso universal da população a uma saúde de boa qualidade. É evidente que as medidas neste sentido passam por uma melhor organização e gestão do sistema de saúde e por aporte mais substancial de recursos para o setor. O que nos remete, ainda uma vez, à Emenda 29, cuja regulamentação foi tantas vezes agendada para votação no Congresso Nacional, mas que parece enfrentar poderosas resistências à sua aprovação. É hora de intensificarmos a mobilização de todos os que defendem a saúde como um direito fundamental da cidadania. Urge que nos articulemos em defesa da saúde pública e que busquemos sensibilizar os parlamentares, particularmente os deputados federais e senadores cearenses, no intuito de que estes contribuam para que seja regulamentada a Emenda Constitucional nº 29, possibilitando, assim, recursos para dar mais abrangência ao SUS, ampliar o Programa Saúde da Família e estruturar outros serviços que amenizem a superlotação dos hospitais públicos. E que nossos parlamentares também analisem, discutam e votem a criação da carreira de médico de Estado, viabilizando a presença de médicos em todos os municípios do Brasil. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2010 158


MEDICAMENTOS FRACIONADOS No dia 17 de junho de 2010, foi realizada na sede do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará uma conferência sobre o tema “Medicamentos Fracionados: como prescrever”, ministrada pela Dra. Cristina Marinho, da ANVISA. A iniciativa, para cuja concretização houve a importante colaboração da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, teve por objetivo desencadear um processo de sensibilização dos prescritores, particularmente os médicos, para a importância e as vantagens do fracionamento dos medicamentos, medida que traria benefícios para os usuários dos produtos farmacêuticos e ganhos para a saúde pública. Estiveram presentes à discussão médicos, farmacêuticos e odontólogos. Do ponto de vista prático, o processo de fracionamento é proposto assim: os medicamentos já serão produzidos pela indústria sob a forma fracionável, ou seja, em embalagens especiais que permitam a venda dos produtos de modo individualizado, mantendo-se a integridade das formas farmacêuticas. Por sua vez, as farmácias disporão de um local para fracionamento identificado e visível ao público. O médico, então, faz uma prescrição que permita a dispensação na forma fracionada, contendo a indicação da quantidade exata de unidades posológicas. Deste modo, teremos, por exemplo, um paciente indo ao médico e recebendo uma receita com a prescrição: Tomar 2 comprimidos duas vezes ao dia por sete dias. Neste caso, serão entregues ao paciente 28 comprimidos, em embalagem própria e com a respectiva bula. O fracionamento do medicamento deverá ser feito sob supervisão e responsabilidade do farmacêutico. Alguns dos pontos positivos ressaltados na adoção da venda fracionada de medicamentos foram os seguintes: 1) Torna-se possível a individualização da terapia medicamentosa, o que constitui um direito do consumidor e usuário de medicamentos. 159


2) Ocorre redução das despesas com medicamentos e, portanto, ampliação das possibilidades de acesso ao tratamento. 3) Evita-se a ocorrência de sobra de medicamentos, uma vez que só é prescrita a quantidade a ser utilizada para a boa condução do respectivo quadro clínico. Sabe-se que o uso acidental ou inadequado de medicamentos está entre as principais causas de intoxicações, o que se busca evitar ou pelo menos reduzir com o fracionamento. Ressalte-se que os medicamentos sujeitos a controle especial (Portaria 344/98, da ANVISA) não podem ser fracionados. Um aspecto importante que foi discutido diz respeito às alegações que podem ser levantadas pela indústria no sentido de que a nova modalidade de produção dos remédios traria aumento de custos, o qual teria inevitavelmente que ser repassado aos usuários. O entendimento da ANVISA é o de que não serão aceitas majorações dos preços dos medicamentos com base no fracionamento. Há vários fatores que influem de forma importante para que haja ou não uma boa condição de saúde da população. Certamente, os medicamentos estão entre eles. Assim, ao mesmo tempo em que lutamos para que os serviços de saúde sejam bem organizados, com pessoal competente e comprometido com a saúde dos pacientes, com remuneração digna e boas condições de trabalho, temos a clareza de que o direito à utilização das ações de saúde passa pelo acesso e o uso racional de medicamentos, com segurança e qualidade dos produtos prescritos, o que está dentro dos propósitos da Política Nacional de Medicamentos. Adotando-se, aqui, o conceito da Organização Mundial de Saúde de que há uso racional quando pacientes recebem medicamentos apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, pelo período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade. Consideramos, portanto, bem-vinda a proposta de fracionamento dos medicamentos. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2010 160


VALORIZAÇÃO DO MÉDICO E DOS PACIENTES Tem sido frequente a veiculação pela imprensa de notícias sobre as dificuldades encontradas pelos pacientes para a obtenção de atendimento satisfatório para seus problemas de saúde. Embora o direito à saúde esteja insculpido na Constituição Federal como uma conquista da cidadania, são inúmeros os obstáculos com os quais se deparam os que precisam de atendimento médico. Continuam as longas e demoradas filas para a realização de cirurgias ou de exames complementares mais complexos. Em algumas especialidades médicas, o acesso aos cuidados de saúde é extremamente difícil, conforme tem sido observado pelo Conselho de Medicina do Ceará nas fiscalizações que vem efetuando em todo o Estado. Tudo isto ocorre, não obstante o reconhecido esforço de alguns gestores públicos para a ampliação dos serviços de saúde, tornando-os mais resolutivos. Afinal, nos últimos anos substanciais recursos têm sido aplicados no setor saúde. Houve a realização de concursos públicos; hospitais e policlínicas estão sendo construídos; deu-se o aumento de vagas para os Programas de Residência Médica. No entanto, embora constatando que avanços consideráveis vêm ocorrendo, não há como escapar da percepção de que estamos longe de alcançar um nível de atenção à saúde condizente com o que merece a população. O Programa Saúde da Família continua com várias equipes desfalcadas de médicos. Os serviços de emergência apresentam, com incômoda assiduidade, o espetáculo dos corredores prenhes de macas com enfermos em condições inóspitas. É claro que a situação referida oprime os pacientes e angustia os médicos, os quais acabam, em alguns momentos, sendo apontados como culpados pelas mazelas do setor saúde. Nestas circunstâncias, o profissional médico, que está na linha de frente da luta pela saúde, é alvo de uma dupla injustiça, já que muitas vezes labora em péssimas 161


condições, é sobrecarregado por uma jornada excessiva de trabalho e ainda lhe é atribuída uma responsabilidade que não é sua. No entanto, temos que compreender que um doente em estado grave, que procura um serviço de emergência, não vai aceitar placidamente não ser atendido, ou ter o socorro retardado, porque o médico está ocupado no cuidado de muitos outros enfermos, ou porque o serviço não dispõe de profissionais de saúde em número suficiente. Como também não vai nem deve se conformar em ser privado de recursos tecnológicos e medicamentosos que sabe estarem disponíveis em nosso meio. E é de todo conveniente que se insurja contra o adiamento de uma cirurgia que só será salvadora se realizada em prazo curto. O salto de cidadania talvez ocorra quando os médicos e os pacientes, conhecendo em mais profundidade as causas das deficiências do setor saúde, somarem forças na luta por maiores recursos para o financiamento da saúde e se sentirem motivados para o exercício da fiscalização dos serviços que são estruturados com o dinheiro público e, portanto, se destinam ao bom atendimento da coletividade. A aliança dos pacientes com os médicos, tão necessária e importante para a boa condução do tratamento das enfermidades, se revelará decisiva para a consecução de conquistas sociais da maior relevância, entre as quais se inclui uma saúde de boa qualidade. Temos o dever de continuar ressaltando a responsabilidade ética e social da Medicina. Prosseguiremos conclamando os médicos a se empenharem de forma contínua, buscando o alívio da dor e do sofrimento dos pacientes. De igual modo, entendemos ser justo o pleito dos médicos por reconhecimento, respeito e condições dignas de trabalho, para que possam, com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional, utilizar o que de mais avançado a tecnologia e o conhecimento científico oferecem em benefício da saúde dos pacientes. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2010 162


DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE Em recente passagem pelo Brasil, o renomado bioeticista espanhol, Diego Gracia, proferiu conferência sobre as manifestações prévias de vontade dos pacientes acerca, particularmente, do que desejam e autorizam que seja feito com eles se vierem a se encontrar em situação que lhes dificulte ou impeça a expressão do próprio arbítrio. Exemplificando, alguns pacientes querem deixar estabelecido que, no caso de terem uma parada cardíaca, não gostariam de receber atendimento sob a forma de tentativas de reanimação; ou que, se forem submetidos a cirurgia, não aceitam transfusão de sangue. O tema tem frequentado alguns debates em nosso meio, nomeadamente quando são analisados os conflitos éticos relacionados com o tratamento dos pacientes em fase terminal de doença grave e incurável. O que o ilustre conferencista trouxe a mais na reflexão sobre a matéria foi a observação de que, ao longo da história da Medicina, desde os tempos de Hipócrates, os médicos foram treinados para a identificação dos sinais clínicos que caracterizam as diferentes enfermidades, porém não desenvolveram igual atenção no que se refere aos valores dos pacientes. Em outras palavras, os esculápios sempre se mostraram empenhados na aquisição, da forma mais completa possível, do conhecimento das manifestações objetivas das afecções, entendendo ser este o caminho para a feitura precisa do diagnóstico e a prescrição da terapêutica. As manifestações subjetivas, caso se verificassem, deveriam ser decodificadas e identificadas em termos de correspondentes objetivos, isto é, sob a forma de sinais clínicos. Ocorre, no entanto, que nas últimas décadas esta concepção foi perdendo força diante da nova atitude dos doentes, os quais querem cada vez mais ter voz ativa nas decisões sobre as medidas propedêuticas ou terapêuticas propostas pelos médicos. Pleiteiam, ademais, que seu modo de ver a saúde, a doença e o tratamento seja devidamente considerado. De tal modo que as expectativas dos pacientes no caso, digamos, de uma doença grave, 163


ou na iminência de morte, se incorporaram definitivamente à discussão dessas matérias. E possivelmente tenhamos que ir mais além. Já não é incomum encontrarmos um enfermo que se arroga o direito de definir o que para ele é saúde e o que é doença. Invertendo, dessa maneira, toda uma concepção milenar segundo a qual era a Medicina que fazia tal definição. E enfatizando que consideram essa prerrogativa um direito fundamental. E é em tais situações que se nota, primeiramente, certo desconforto e perplexidade dos médicos ante a demanda dos doentes por um diálogo mais aprofundado a respeito de aspectos vistos até então pelos profissionais da Medicina como sendo de caráter exclusivamente técnico, científico; portanto, da esfera de competência dos doutores. Em segundo lugar, fica mais ou menos patente o despreparo dos médicos para incorporarem à sua prática clínica a avaliação dos valores dos pacientes. Até mesmo porque não receberam o necessário adestramento quanto a esta nova e surpreendente face do exercício profissional. Os médicos foram formados para conhecer os fatos clínicos. Necessitam agora dar a devida importância aos valores e crenças, desejos e emoções dos doentes, aspectos fundamentais para que sejam tomadas decisões clínicas apropriadas. Neste contexto, entram as diretivas antecipadas de vontade, também chamadas de testamento vital. Que podem incluir a designação de um representante do enfermo, investido da prerrogativa de falar por ele, fazendo prevalecer o que expresse da forma mais fiel possível a tábua de valores do paciente. Naturalmente, sem que haja agressões ao ordenamento jurídico nem à arte médica. Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2010

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ANTIBIÓTICOS É fato amplamente conhecido que os medicamentos são vendidos de forma indiscriminada no Brasil, podendo ser adquiridos em cantinas, bodegas e até em farmácias... Frequentemente, os médicos têm conhecimento de casos em que o doente toma determinado antibiótico por três, dois, ou até um único dia, em posologia livremente estabelecida ao sabor de palpites e opiniões de leigos, com grande probabilidade de estar utilizando a medicação errada, em dose incorreta e por tempo inadequado. Naturalmente, é fácil vislumbrar as consequências prejudiciais que tal situação pode acarretar, aí incluída a possibilidade de aumento da resistência bacteriana. Por estas e outras razões, é bem-vinda a medida recentemente adotada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), pondo em vigor a Resolução nº 44, que “dispõe sobre o controle de medicamentos à base de substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição médica, isoladas ou em associação e dá outras providências” (acessível no sítio http://www.cremec.com. br/). Por sinal, há rumores de que medidas assemelhadas estão sendo estudadas em relação aos anti-inflamatórios. Destaquemos alguns dos pontos mais importantes da norma referida: 1. A dispensação de medicamentos à base de antimicrobianos de venda sob prescrição somente poderá ser efetuada mediante receita de controle especial, sendo a 1ª via retida no estabelecimento farmacêutico; a 2ª via será devolvida ao paciente, atestada, como comprovante do atendimento. Obs.: não significa necessariamente o modelo de receituário usado para prescrever psicotrópicos; pode ser usado o receituário comum, em 2 (duas) vias, desde que contenha os dados listados abaixo.

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2. As prescrições somente poderão ser dispensadas quando apresentadas de forma legível e sem rasuras, por profissionais devidamente habilitados e contendo as seguintes informações: I - nome do medicamento ou da substância prescrita, dosagem ou concentração, forma farmacêutica, quantidade (em algarismos arábicos e por extenso) e posologia; II - identificação do emitente: nome do profissional com sua inscrição no Conselho Regional ou nome da instituição, endereço completo, telefone, assinatura e marcação gráfica (carimbo); III - identificação do usuário: nome completo; IV - data da emissão. Obs.: por ocasião da compra do medicamento, será feita a identificação do comprador. 3. As receitas de antimicrobianos terão validade de 10 (dez) dias a contar da data de sua emissão. 4. A supracitada Resolução tem um anexo com a lista dos 93 antimicrobianos registrados na ANVISA, e a observação que “não se aplica aos antimicrobianos de uso exclusivo hospitalar”. Entendemos que a determinação da ANVISA, embora possa inicialmente trazer algum transtorno para médicos e pacientes, tem o intuito de proteger a saúde da população, racionalizando a utilização dos antibióticos, além de fortalecer a prescrição médica. Cabe, porém, uma observação: é mais que pertinente a preocupação de todos os cidadãos com a preservação ecológica do planeta. Assim, considerando que vivemos um momento de efervescência da tecnologia da informação, um mundo virtual em expansão, com emprego crescente da “computação em nuvem”, é razoável supor que possam ser adotadas outras formas de controle da utilização de medicamentos que não aumentem, mas sim reduzam o consumo de papel. É esta a ponderação que levaremos à consideração da ANVISA. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2010 166


SER MÉDICO Em recente reunião de término de uma turma do Programa de Residência de Clínica Médica do Hospital Geral Dr. César Cals, foram ouvidos dos novos especialistas pronunciamentos reveladores. Assim, uma médica falou do entusiasmo com que foi adquirindo cada vez mais conhecimentos de medicina, em sua atividade cotidiana no hospital, nas visitas aos pacientes de enfermaria, na luta incessante para viabilizar a realização de um exame decisivo para o esclarecimento diagnóstico do quadro clinico do enfermo que acompanhava, podendo, então, estabelecer a melhor conduta terapêutica. Empregou por diversas vezes a palavra “paixão”, para expressar o sentimento que a motivava no cuidado dos doentes e dizia: “eu sinto, no meu trabalho, paixão pelo que faço, o desejo de aprender cada vez mais, a motivação de correr aos livros em busca de esclarecer as dúvidas, de saber mais”. Um residente discorreu sobre a inquietude que o acometia quando ia para casa e não via a hora de consultar os livros e acessar a internet para tentar obter esclarecimentos sobre as incertezas clínicas que o incomodavam. Todos os concludentes faziam rasgados elogios à dedicação dos preceptores e supervisores dos programas de residência médica, considerando tal fator de fundamental importância para o crescimento científico de cada um deles. Tantos e tão eloquentes depoimentos daqueles médicos e médicas resgatavam o que parece ser um dos sentidos originais da expressão “ter entusiasmo”, ou seja, conter em si algo de divino. Suscitando, por sua vez, uma reflexão sobre a atitude que se espera do verdadeiro médico. Pois, se é, sem dúvida, com seriedade, dedicação e zelo que a Medicina deve ser exercida, a alegria, a paixão e o entusiasmo também são bem-vindos. E é salutar o anseio do médico por crescer em conhecimentos, não por orgulho intelectual, não pela vaidade de ostentar saber ante os pares e se colocar em posição de inatingível superioridade perante os enfermos, mas pelo propósito de empenhar esforços para ter condição de utilizar o 167


que de melhor pode oferecer a ciência médica para o alívio das doenças. A valorização do conhecimento e a ênfase na atitude ética diante dos pacientes são princípios basilares da atividade médica que devem ser incentivados durante todo o período de formação dos futuros esculápios, desde a fase dos bancos escolares, prolongando-se nas atividades teóricas e práticas da Residência Médica e, assim, consolidando um modo de agir para todo o período de exercício da profissão médica. É estabelecendo tais parâmetros de conduta profissional que o médico vai evitar as acusações por imperícia, imprudência ou negligência, fazendo com que não ocorram situações como as que têm dado margem às denúncias que chegam ao Conselho de Medicina. Denúncias que falam que o médico foi descuidado, desatento, não examinou bem o paciente, deixou de solicitar exames fundamentais para a elucidação diagnóstica. Ou que o doutor foi grosseiro, desrespeitoso com pacientes ou familiares destes. Ou, ainda, que não levou em consideração os valores do doente, suas crenças e razões de consciência; ou seja, que deixou de tratar como devidamente relevante a autonomia do paciente, isto é, o direito do enfermo de participar ativamente das decisões sobre o tratamento que vai receber, após devidamente esclarecido sobre as alternativas existentes e os benefícios e os riscos de cada uma delas. Avulta, portanto, o papel das instituições formadoras dos médicos, entre as quais estão as Faculdades de Medicina e os serviços que mantêm Programas de Residência Médica, que se obrigam a diligenciar para que a preparação científica e ética dos médicos seja planejada de forma a possibilitar que a ciência e a ética se aliem em prol do exercício digno e humanista da Medicina. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2011

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BIOÉTICA: RECORTES, DÚVIDAS E INQUIETAÇÕES Recentemente, foi noticiado pelos meios de comunicação um fato, ocorrido em Curitiba, que dá o que pensar. Um casal, em busca de ter filhos, recorreu à inseminação artificial. Como resultado, nasceram três crianças. Ao vir à maternidade, o pai dos bebês mostrou-se insatisfeito e se dispôs a levar para casa apenas duas filhas, o que estaria mais de acordo com o planejamento familiar por ele estabelecido. Quanto à terceira criança, o doutor que a criasse... O caso foi parar no Conselho Tutelar. As técnicas de reprodução assistida, normatizadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) através da Resolução 1.957/2010, “têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas”. Sua utilização deve ser precedida do consentimento informado dos interessados, após a devida explicação sobre os aspectos técnicos, biológicos, éticos, econômicos e jurídicos do procedimento. Em caso de gravidez múltipla, não pode ser feita a redução embrionária. Leitores da matéria jornalística supracitada comentaram o tema dizendo que não viam muita diferença entre a atitude do pai, que queria “descartar” a terceira criança, e o descarte de pré-embriões. Em sessão clínica ocorrida há poucos dias, o debate centrou-se nas circunstâncias que cercaram o tratamento de uma mulher jovem, internada em hospital público de Fortaleza com um grave quadro de leucemia. Acrescente-se que a enferma era Testemunha de Jeová e, em decorrência, não aceitava receber transfusão de sangue. Com a paciente piorando muito e passando a correr risco de vida, o médico assistente se viu mais uma vez ante um impasse: respeitar a vontade da doente, ou utilizar medidas que poderiam ser salvadoras (com destaque para a transfusão de sangue), fazendo prevalecer o arbítrio do médico sobre a autonomia da pessoa hospitalizada? Socorrer a paciente, e assim poder 169


sofrer a acusação de desrespeitar o direito à crença da enferma, ou não agir e ser passível de acusação por omissão de socorro? Estas situações, que ocorrem com certa frequência, suscitam dúvidas que estão longe de uma solução pacífica. Entretanto, existe norma promulgada pelo Conselho Federal de Medicina, a Resolução CFM nº 1.021/1980, que disciplina, em síntese: 1) Se não houver iminente perigo de vida, a vontade do paciente ou de seu responsável deve ser acatada; 2) Caso se verifique iminente perigo de vida, o médico deve realizar a transfusão, independentemente de consentimento. Noutro importante hospital da capital alencarina, um paciente jovem, não doador de órgãos, teve diagnóstico clínico de morte encefálica. Em circunstâncias assemelhadas, uma pergunta que surge é se os equipamentos que vinham mantendo artificialmente a vida do paciente podem ser de pronto desligados. Não havendo naquele nosocômio a possibilidade imediata de utilização de exames complementares que confirmassem a morte, houve certa hesitação dos médicos sobre o que fazer. Foi aí que os familiares pressionaram a equipe de saúde, no sentido de que fossem desligados os aparelhos. Atitude diametralmente oposta se deu em outro caso, acontecido há alguns anos (e estamos sempre falando de vivências em hospitais de referência de Fortaleza), em que o médico assistente de um paciente em morte encefálica se viu obrigado a prescrever para o de cujus drogas vasoativas e antibióticos. As matérias citadas acima são ilustrativas de que se multiplicam os contextos em que talvez o maior desafio seja o de exercitar a capacidade de convivência entre opiniões, crenças e cosmovisões bastante diferentes. O mundo é cada vez mais diversificado e plural. Conceitos há muito sedimentados são postos em xeque. Neste cenário, a bioética tem importante contribuição a dar, ampliando os horizontes da reflexão e estimulando a revisão desapaixonada de teorias e práticas no campo da saúde e da vida. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2011 170


AUDITORIA MÉDICA Têm sido frequentes as reclamações de médicos, pacientes e hospitais contra auditores de planos de saúde e cooperativas médicas. As queixas mais comuns se referem a supostas interferências dos auditores na autonomia dos médicos assistentes dos pacientes, quer vetando, quer modificando procedimentos médicos. Ademais, em alguns casos ocorreriam exigências consideradas descabidas, como solicitações de exames complementares a que teriam de se submeter os pacientes para que os auditores dessem a autorização para o ato médico indicado. Na Bahia, planos de saúde fizeram a proposta de ter sistematicamente um auditor presente durante os procedimentos cirúrgicos. Em debate acontecido recentemente no Conselho Regional de Medicina do Ceará, noticiou-se determinada situação na qual a auditoria impôs a realização de RX para que fosse aferido se de fato tinha sido colocada uma prótese no enfermo. Em outras circunstâncias, ficavam o doente e o médico frustrados não apenas por não conseguirem concretizar a conduta clínica proposta, mas também pelo insucesso na tentativa de identificar quem realmente estava desautorizando o exame ou a cirurgia considerada necessária para o paciente. Era como se, nestes casos, a auditoria fosse invisível, agindo na sombra. A auditoria médica, como a conhecemos, ganhou relevância nas últimas três décadas. Inicialmente, tínhamos as solicitações no sentido de que os serviços médicos enviassem para a auditoria do INAMPS os prontuários dos pacientes, para a respectiva análise. O que deu margem a manifestação do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelecendo que os auditores, caso tivessem necessidade de consultar dados do prontuário de pacientes, deveriam fazê-lo no próprio hospital ou clínica onde ocorria o atendimento médico, de onde os prontuários não poderiam ser retirados. Afirmava o CFM, no entanto, ser perfeitamente aceitável que as organizações contratantes de serviços médicos fizessem 171


uso, respeitando os princípios éticos da prática médica, de mecanismos de averiguação da realização dos referidos serviços e que estivessem atentas à qualidade da assistência médica ofertada. Por este lado, não se identificavam quaisquer problemas de ordem ética. No entanto, com o passar dos anos, quando ocorreu, entre outras coisas, a grande expansão da medicina suplementar e a surpreendente pujança das operadoras de planos privados de assistência à saúde, os conflitos foram ganhando forma e se tornando mais complexos. As acusações de que os planos de saúde queriam reduzir custos a qualquer preço, mesmo em detrimento da saúde dos enfermos, passaram a ser confrontadas com alegações de que muitas vezes se verificavam procedimentos médicos desnecessários e onerosos, afetando a saúde dos pacientes e o equilíbrio financeiro das empresas do setor. Fazia-se necessária uma regra ética clara, no sentido de garantir o exercício autônomo da medicina em benefício da saúde dos pacientes. Tal normatização encontra-se bem delineada no Código de Ética Médica, particularmente em seu artigo 97, que diz ser vedado ao auditor autorizar, vetar, bem como modificar procedimentos propedêuticos ou terapêuticos instituídos. Há uma ressalva quanto à possibilidade de modificação da conduta médica em situações de urgência, emergência ou iminente perigo de morte do paciente, circunstância que deve ser comunicada, por escrito, ao médico assistente. Diante disto, alguém poderia perguntar: se é assim, o que o auditor pode fazer? É certo que não compete ao auditor fazer anotações no prontuário do paciente, nem formular críticas à conduta do médico assistente para os enfermos ou familiares deste, mas reservará suas observações para o relatório de auditoria. Não é aceitável que o auditor adote uma atitude policialesca, ou queira repreender o médico assistente. Pode, no entanto, solicitar deste esclarecimentos sobre o exame ou o tratamento em curso, uma vez que tais informações sejam relevantes para as conclusões da auditoria. É-lhe permitido, ainda, consultar o 172


prontuário do paciente e até mesmo examinar o doente; neste último caso, há necessidade de autorização do enfermo, e o médico assistente deve ser antecipadamente cientificado, sendo-lhe facultado estar presente durante o exame. Se o auditor constatar indícios de ilícito ético no atendimento ao paciente, obriga-se a fazer a devida comunicação ao Conselho Regional de Medicina, conforme normatizado na Resolução CFM nº 1.614/2001. Objetivando contribuir para uma melhor compreensão de todas estas questões, a Câmara Técnica de Auditoria do Conselho Regional de Medicina do Ceará vai realizar um curso que brevemente será oferecido a todos os médicos interessados no assunto e que buscará pelo menos reduzir os conflitos anteriormente citados entre auditores, médicos assistentes e pacientes. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2011

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O MONTE SINAI E O SUS Há quem diga que na célebre audiência que concedeu a Moisés, no Monte Sinai, Javé entregou-lhe as Tábuas da Lei, contendo um único Mandamento; no máximo seriam dois... Era o que o Todo Poderoso considerava suficiente para manter o povo escolhido nos caminhos da fé, da retidão e da justiça. Imbuído da séria responsabilidade de transmitir e fazer cumprir pelos hebreus os ditames do Altíssimo, descia Moisés do monte, quando, ainda à distância, percebeu a esbórnia a que estavam entregues seus comandados. Libações etílicas, orgias, excessos sexuais, agressões e atos de idolatria eram algumas das amenidades que ocupavam aquelas ovelhas. Estarrecido, parou Moisés e pensou: “Um único Mandamento!? Para essa turminha aí? Não vai funcionar...” Decidiu, então, ampliar a Lei Magna dos Hebreus, tornando-a um dispositivo normativo-penal, e acrescentando a proibição de matar, de roubar, de desejar a mulher do próximo, e assim por diante, até completar os Dez Mandamentos que chegaram aos nossos dias. Entre nós, Capistrano de Abreu (Maranguape, 1853 – Rio de Janeiro, 1927) pretendeu trilhar caminho diverso. Propôs que todos os artigos da Constituição do Brasil fossem substituídos por um só, que adotaria a seguinte redação: “Todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara. Revogam-se as disposições em contrário.” No entanto, mais uma vez, a formulação foi considerada incompleta. Entenderam os legisladores que o mundo real, imperfeito, exigia um maior detalhamento dos princípios, preceitos e vedações. O resultado foi uma Constituição extensa, cujo conhecimento mais profundo fica para especialistas. Em sua essência, no entanto, a carta magna, na versão aprovada em 1988, foi elaborada com a clara intenção de propiciar avanços no sentido da consolidação da cidadania. Reconheceram os constituintes que a enorme dívida social precisava, pelo menos em parte, ser resgatada. Direitos sociais secularmente menosprezados tinham que ser afirmados. Entre estes, estava o direito à saúde. 175


Por que tais e tão momentosos acontecimentos são agora lembrados? Para ajudar a reflexão sobre as mais recentes ocorrências no mundo político. Parece que a maior extensão e a minudência dos textos legais não têm trazido tranquilidade ao erário. Encontramo-nos outra vez em meio a relatos de uso indevido do dinheiro público, em que somos surpreendidos por acusações envolvendo obras, estradas, transportes e banheiros de existência duvidosa. É neste contexto que outra vez é posta em discussão a regulamentação da Emenda 29, que disciplina o quanto União, Estados e Municípios devem gastar com a saúde dos brasileiros. Desde a sua criação, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta graves dificuldades de financiamento. Existem, é claro, outras questões a considerar, como a necessidade de que sejam aprimorados os processos de gestão e a política de recursos humanos do SUS. No entanto, não parece haver dúvidas de que o gargalo maior reside na carência de recursos para ampliar as ações e os serviços de saúde à disposição da população. E para que seja contratado pessoal qualificado e em número suficiente, possibilitando o atendimento universal, igualitário e resolutivo a todos os cidadãos do país, como rezam as regras constitucionais e legais que disciplinam a matéria. Para que o orçamento da saúde seja condizente com as necessidades da população, impõe-se a adoção de medidas mais eficazes na fiscalização do emprego do dinheiro público. Entretanto, também é imprescindível definir de forma clara quais são verdadeiramente as ações de saúde, de modo a evitar que os recursos do setor sejam desviados para outras finalidades. O olhar atento da sociedade não permitirá a utilização de artifícios para desconstruir a Emenda 29, tornando-a anódina, inócua. Mas vai garantir, isto sim, que a saúde seja tratada como a sociedade brasileira exige, e a legislação pátria prescreve. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2011 176


AS (MÁS) CONDIÇÕES DO TRABALHO MÉDICO O movimento reivindicatório dos médicos da Prefeitura de Fortaleza, em andamento desde o mês de maio de 2011, tem algumas características que merecem uma análise mais acurada. Desta vez, a questão central a balizar a mobilização não é o pleito salarial, mas sim as condições de trabalho. Isto não significa que não haja empenho em levar a Prefeitura a honrar os débitos que tem com os médicos, dos quais só as gratificações atrasadas, ou seja, devidas e não pagas, superam a importância dos R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais). Nem que a categoria médica tenha desistido de alcançar parâmetros remuneratórios dignos, cuja referência é o Piso Nacional da FENAM. Há, porém, uma grande preocupação com as condições extremamente precárias nas quais é exercida a Medicina em alguns serviços da rede municipal, particularmente nas emergências. Médicos relatam que, com grande frequência, ocorrem situações em que, por exemplo, só há um cirurgião de plantão, enquanto vários pacientes necessitam de cirurgia, e outros mais chegam ao serviço solicitando atendimento. Noutras vezes, há cirurgiões, mas faltam anestesiologistas. Ou, ainda, é visto um único clínico tendo que prestar atendimento a cerca de 80 a 100 pacientes em um turno de 12 horas de trabalho. O que gera grande ansiedade nos esculápios, pois surgem dilemas quanto a quem atender primeiro e o que fazer com os que ficam à espera, além da percepção de que tal cenário é propício à ocorrência de atitudes hostis e até mesmo agressões em relação aos profissionais de saúde. Ademais, o retardo no atendimento a alguns pacientes pode resultar em prejuízos graves para a saúde dos mesmos. Portanto, trata-se de um conjunto de circunstâncias que abrangem aspectos científicos, éticos e legais, não sendo aceitável que semelhante estado de coisas persista. Daí a justeza do movimento que expõe a insatisfação e não aceitação dos médicos com a forma pela qual vêm sendo tratados pacientes e profissionais da Medicina. 177


Para tentar reverter semelhante quadro, impõe-se a contratação imediata, pelo poder público, de mais médicos e outros profissionais de saúde, além da adoção de providências consistentes no sentido de que os serviços de saúde estejam devidamente aparelhados com os equipamentos e insumos indispensáveis ao atendimento rápido e resolutivo às carências de saúde dos munícipes. Ademais, a regulação médica e a transferência inter-hospitalar de pacientes estão a exigir uma atenção especial, de forma que haja uma melhor integração dos vários serviços da rede, permitindo uma mais razoável distribuição das ações em prol da saúde da população. Numa outra vertente do trabalho médico, constata-se que se acentuou a inquietação dos médicos que prestam serviços aos Planos de Saúde, o que se expressou em paralisações do atendimento aos pacientes nos dias 7 de abril e 21 de setembro de 2011, com significativa participação dos profissionais da Medicina, os quais reivindicam melhoria na remuneração e boas condições de trabalho. É fato notório que os vultosos lucros percebidos pelos planos de saúde estão bem acima do que essas organizações se dispõem a repassar para a remuneração dos médicos, embora sejam estes os profissionais que efetivamente atendem os doentes em suas várias enfermidades. Esses fatos reafirmam a compreensão de que os convênios são uma forma atrasada de prestação de serviços médicos, uma vez que se caracterizam pela não concessão sequer dos mais elementares e consagrados direitos dos trabalhadores, efetivados há décadas mesmo nas condições mais inóspitas do capitalismo. Em tal modalidade de trabalho, conquistas como férias, 13º mês, manutenção da remuneração durante o período em que o trabalhador está doente, fundo de garantia por tempo de serviço e outras que tais estão distantes do horizonte das chamadas operadoras dos planos de saúde. É importante não omitir, ainda, o constante mal-estar na relação médico-paciente em decorrência das limitações quanto à realização de exames complementares e às dificuldades para que o enfermo consiga 178


ser hospitalizado. Deste modo, conclui-se que também na área da saúde complementar há muito que ser mudado para que os médicos possam exercer o melhor do seu saber em benefício dos pacientes. O Conselho Regional de Medicina do Ceará continuará atento e participativo na luta para que os médicos tenham condições de trabalhar de forma ética, competente e humanista, dentro dos princípios consagrados na tradição milenar da Medicina. Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2011

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REVALIDAÇÃO DO DIPLOMA DE MÉDICO Nos dias 1 e 2 de dezembro de 2011, realizou-se em Brasília o II Fórum Nacional de Ensino Médico. Na oportunidade, foram postas em discussão algumas das questões mais candentes relacionadas com o ensino da medicina, com particular destaque para as vicissitudes da revalidação do diploma de médicos formados no exterior. Certas informações causaram preocupação. Noticiou-se (de fato, o informe foi dado publicamente pelo Dr. Aníbal Cruz Senzano, Secretário Geral do Colégio Médico Departamental de Cochabamba) que há 25.000 brasileiros estudantes de medicina na Bolívia, em sua quase totalidade em faculdades privadas. E que os antecedentes mostram que quase todos esses estudantes, uma vez concluído o curso, voltam para seu país de origem. Não foi posta em dúvida a prerrogativa de alguém decidir estudar medicina em faculdade de outro país. Ficaram no ar, entretanto, grandes interrogações sobre a qualidade da formação ministrada por algumas das faculdades privadas de medicina da Bolívia. Se considerarmos, ademais, que muitos brasileiros estão atualmente fazendo curso médico em Cuba, na Argentina e em outros países, afigura-se mais do que necessária a criação de mecanismos bem elaborados de avaliação curricular e da formação científica, técnica e ética dos graduados em medicina, de forma a assegurar que apenas médicos bem formados serão autorizados a exercer a profissão em nosso país. Não é de hoje que se discute a qualidade da formação dos médicos do Brasil. É senso comum que todo cidadão tem o direito de ser atendido por um médico competente, ético e comprometido com a saúde da população. O que torna imprescindível que o curso de medicina seja comprovadamente capaz de propiciar aos alunos a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos da ciência médica e de bem aferir a conduta ético-moral dos seus formandos. Adotando, ademais, processos eficazes que mensurem a progressiva evolução dos alunos, ao longo de todo o 181


curso, e implementando medidas voltadas para a correção de eventuais lacunas em áreas do conhecimento de algum graduando, ou de desvios de conduta do futuro esculápio. É claro que estamos falando de um processo trabalhoso, árduo, que deve estar sujeito a frequentes reavaliações. E se é assim, que dizer da atenção a ser dispensada aos médicos formados no exterior? Que providências devem ser tomadas e que exigências devem ser cumpridas antes que eles sejam autorizados à prática da medicina em nosso meio? As entidades médicas têm abordado exaustivamente toda essa problemática com as universidades e com o governo. Na esteira da reflexão sobre essas matérias, os Ministérios da Educação e da Saúde, através da Portaria Interministerial n° 278, de 17 de março de 2011, instituíram o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por universidades estrangeiras, que ficou conhecido como REVALIDA. O exame, constando de questões teóricas e situações práticas, parece trazer um importante aprimoramento se comparado aos formatos anteriormente adotados pelas universidades brasileiras para a revalidação dos diplomas, e foi aplicado recentemente, tendo sido aprovados 65 médicos dos 536 que se submeteram à prova escrita (com 110 questões objetivas do tipo múltipla escolha e cinco questões discursivas). Os médicos cujos diplomas podem agora ser revalidados passaram também por uma prova de habilidades clínicas. Convém esclarecer que o REVALIDA ainda não é obrigatório, não está disciplinado em lei. Transcorreu por meio de adesão de várias universidades, entre estas a Universidade Federal do Ceará. Mas talvez se consolide como o modo mais indicado para garantir e dar segurança ao país de que, independentemente da escola médica que cursaram, os autorizados a laborar na ciência hipocrática estão efetivamente em condições de fazê-lo. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2011 182


PREMIAÇÕES Nos primeiros dias do ano em curso, dezenas de médicos com atuação no Estado do Ceará receberam correspondência com a informação de que eles iriam receber o 13° Prêmio Brasil, categoria medicina, passando a integrar a lista dos profissionais altamente qualificados como “Os Mais Admirados e Prestigiados do País”. Cautelosos, muitos desses médicos se dirigiram ao Conselho Regional de Medicina, em busca de esclarecimento. Queriam saber a pertinência de receberem tal prêmio, qual a representatividade da entidade promotora do evento e se não havia alguma impropriedade ética na participação de médico em semelhante premiação. Alguns até se sentiram lisonjeados com a distinção. Afinal, não é de estranhar que quem trabalhou, por anos e anos, com zelo, dedicação e competência, dando o melhor de si em benefício da saúde dos doentes, entenda que faz jus ao respectivo reconhecimento. Outros chegaram a comentar que não sabiam o que tinham feito além do comum a muitos outros médicos, ou seja, buscar sempre atender bem os pacientes. O que, é certo, lhes assegurava a gratidão e o respeito de numerosos enfermos e respectivas famílias. Não obstante isto, porém, lhes parecia inusual o teor da missiva recebida, originária, ademais, de uma fonte que não conheciam. Assim, não atinavam com as verdadeiras razões de serem considerados merecedores de galardão do porte do que lhes fora anunciado, ainda mais partindo de instituição sediada a muitos quilômetros de distância dos verdes e bravios mares alencarinos. Tomando conhecimento de que fato semelhante ocorrera em muitos outros Estados da Federação, este Conselho diligenciou junto ao Conselho Federal de Medicina no sentido de obter segura orientação. Em resposta, aquela autarquia encaminhou ao CREMEC a Circular CFM n° 30/2012 – PRESI, na qual é informado que “o CFM se posiciona contrariamente a esse tipo de premiação, uma vez que ela viola a Resolução CFM n° 1.974/2011, que estabelece os critérios norteadores 183


da propaganda em Medicina. A citada Resolução diz em seu artigo 12 que “O médico não deve permitir que seu nome seja incluído em concursos ou similares, cuja finalidade seja escolher “o médico do ano”, “destaque”, “melhor médico” ou outras denominações que visam ao objetivo promocional ou de propaganda, individual ou coletivo”. Para os Conselhos de Medicina, portanto, persiste a compreensão de que o trabalho médico tem seu ápice e maior realização no contexto da relação médico-paciente, cenário em que são vivenciadas as maiores satisfações profissionais, e se constrói e se reafirma o prestígio e o bom conceito da Medicina, hoje e sempre. É neste âmbito que ocorre a mais autêntica premiação, concretizada nas palavras de agradecimento dos pacientes e dos seus familiares. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2012

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DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA CEARENSE DE MEDICINA* Senhoras e Senhores Em primeiro lugar, quero expressar meu agradecimento pela honraria que me é concedida na data de hoje, fruto da generosidade dos integrantes da Academia Cearense de Medicina. Tenho a responsabilidade de assumir a cadeira nº 63, cujo patrono é o ilustre médico Vinicius Antonius Holanda de Barros Leal. Nascido em Baturité, em 16 de outubro de 1922, o Dr. Vinicius Barros Leal formou-se em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1948. Teve um período de atividade política, sendo vereador de Fortaleza, de 1951 a 1954. Especializou-se em Pediatria, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, em 1959, e obteve o Título de Especialista em Pediatria pela Associação Médica Brasileira. Inscreveu-se no Conselho Regional de Medicina do Ceará, com o CRM nº 63. Casou-se com Dona Idilva de Castro Alves, com quem teve sete filhos. Presidiu o Centro Médico Cearense, no período 1963-1964. Desenvolveu atividade docente, sendo Professor de Clínica Pediátrica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, e foi um dos fundadores da Sociedade Cearense de Pediatria, da qual foi Presidente, no período 1970-1971. Publicou vários livros, dentre os quais destacamos “A colonização portuguesa no Ceará – O povoamento” e “História da Medicina no Ceará”. Este último merece um registro adicional: em 1978, o Governador do Estado do Ceará, o médico Waldemar Alcântara, assinou um Decreto instituindo prêmio para a melhor monografia que versasse sobre o tema “História da Medicina no Ceará”, com o intuito de comemorar o 30º aniversário de fundação da Faculdade de Medicina do Estado. Inscrevendo-se no dito certame, com o pseudônimo Galeno de Monte-Mor, o Dr. Vinicius Barros Leal obteve o 1º lugar. A monografia vencedora deu origem ao livro referido. O 185


autor trabalhou, ainda, como médico da Legião Brasileira de Assistência e foi Diretor do Asilo de Menores Juvenal de Carvalho. Foi membro do Instituto do Ceará, da Academia Cearense de Medicina e da Academia Cearense de Letras. O ilustre médico, após uma vida laboriosa e plena de realizações, faleceu em 13 de abril de 2010. No momento em que vou ocupar a cadeira de tão insigne mestre da Medicina e da cultura cearense, permito-me algumas lembranças e reflexões. Em minha formação médica, dei os primeiros passos sob a competente orientação dos Doutores Nilson de Moura Fé e Orgmar Marques Monteiro Filho. Ainda no curso médico, era incentivado a ler Freud, para começar a entender a psicodinâmica das emoções e dos comportamentos, a valorizar todas as manifestações sintomáticas dos doentes e apreender o significado da afirmação de Terêncio: “Nada do que é humano me é estranho.” Foi também a época de estudar “O Eu dividido”, notável obra de Ronald Laing, para tentar compreender o profundo processo de cisão do pensamento, da afetividade, da personalidade do paciente esquizofrênico. Sem dispensar a leitura dos grandes escritores, os quais muitas vezes vislumbram com notável agudeza os aspectos mais recônditos da imaginação e do sentir humano. Assim é que encontramos no Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, o Coro das Ninfas indagando: “Que remédio deste aos humanos contra o desespero?” Ao que Prometeu responde: “Dei-lhes uma esperança infinita no futuro.” Em contrapartida, Nietzsche entende que, somente aceitando a finitude, o homem vai superar o desespero. Já nos Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, de Maquiavel, lemos que “todos os homens são maus, estando dispostos a agir com perversidade sempre que haja ocasião”. E em Shakespeare, Hamlet afirma que, se formos tratar as pessoas como merecem, ninguém escapará do chicote. Em tom jocoso, Erasmo de Roterdam celebra a insensatez como a marca registrada do 186


Homo sapiens. Outros autores exemplificam situações em que alguém sente certo prazer com o sofrimento alheio. Enfim, mostram algumas das faces ocultas que ilustram de que barro os humanos somos feitos, sem faltar o relato de demonstrações de solidariedade, desprendimento, generosidade, heroísmo. A compreensão de que essas são características humanas universais talvez ajude o médico a ter um olhar mais tranquilo para as numerosas facetas da personalidade e do comportamento das pessoas, facilitando-lhe o viver e o clinicar. Tais incursões pelas várias formas de pensar a vida e descrever a aventura humana são uma importante fase preparatória para a prática clínica, que é, na psiquiatria, um exercício de relacionamento humano, de auscultar e buscar detectar a dor psíquica, o mal-estar, a angústia, a tristeza, os dramas familiares. Destacando-se aí o grande significado do encontro terapêutico, em que uma das metas mais relevantes é conseguir evitar que, segundo a expressão de Tristam Engelhardt, o paciente se sinta “como um estranho em uma terra estranha”. Convém ter em mente, ademais, que durante uma consulta, o médico examina o paciente e, ao mesmo tempo, o paciente examina o médico. A impressão que o doente tem do médico é fundamental para que haja um bom vínculo terapêutico e o tratamento tenha chance de chegar a um bom resultado. Podemos mesmo afirmar que, em muitos casos, quando a primeira consulta é bem-sucedida o paciente já começa a melhorar. Atenção especial deve ser dada ao relato do paciente, às manifestações clínicas e também às emoções do enfermo. Saber ouvir é um dos requisitos essenciais para a atividade médica. Recordemos o aforismo de Sir William Osler: “Médico, escute o paciente. Ele está dizendo o diagnóstico para você.” Ao mesmo tempo, jamais poderemos olvidar o alerta de Hipócrates, ao afirmar que a experiência é enganosa e o julgamento difícil, sendo a vida breve para tão longa arte. Já o médico e notável escritor, Guimarães Rosa, diz: 187


“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.” E é esta atitude aberta a observar, ouvir, perscrutar, aprender, indagar, rever conceitos, comparar experiências, eventualmente ensinar, que poderá ser útil a quem pretende tornar-se um verdadeiro médico. Aprender com os mestres da Medicina, com os pacientes, com os artistas, com os grandes escritores. A relação médico-paciente, chave do sucesso profissional, envolve muitas vezes situações extremamente delicadas e complexas. A literatura pode vir em nosso auxílio na ilustração do tema. Tomemos por exemplo a obra “A Morte de Ivan Ilitch”. Nesta famosa novela de Tólstoi, é relatada a evolução e o agravamento do quadro clínico de um enfermo. Após um acidente doméstico, em que se machucou um pouco, Ivan Ilitch começou a sentir mal-estar, uma sensação de peso, com prenúncio de dor, e um contínuo mau humor, o que acabou decidindo-o a procurar o médico. Chama a atenção a forma como se deu a consulta. A certa altura do exame, já o atendimento marchando para o fim, o paciente quis se esclarecer acerca do seu caso, saber qual a seriedade de suas manifestações clínicas, entender o que realmente estava acontecendo, por que seu corpo reagia de forma tão pouco usual. Após algumas palavras, quase como se pedisse desculpas pela impertinência, fez ele a famosa pergunta: “Doutor, a minha doença é grave?” A atitude severa do médico ante a curiosidade do enfermo causou neste tal impressão que ele, um juiz de instrução, portanto habituado aos tribunais, se imaginou como se fosse o réu numa sala de julgamento em que o magistrado estivesse prestes a dizer: “Acusado, limite-se a responder às perguntas formuladas, pois, em caso contrário, serei obrigado a ordenar que o ponham para fora da sala”. O quadro, fruto da imaginação criadora de um grande escritor, abre linhas de reflexão sobre a relação médico-paciente, o direito do 188


paciente de saber a afecção que o acomete, a evolução esperada, qual o tratamento indicado, as razões dos exames solicitados e o que pode acontecer se o paciente não fizer o tratamento. Temas estes caros à esfera da ética médica. O direito do paciente à informação é hoje considerado inquestionável. E traz consigo o dever do médico de informar, em linguagem compreensível, todos os aspectos relacionados à doença e ao respectivo tratamento. Esta é a regra. O Código de Ética Médica prevê, no entanto, a exceção, para o caso em que o médico tem boas e sólidas razões para concluir que a informação pode ser danosa ao paciente. Cabe lembrar outra possibilidade: a do paciente não querer saber, ou seja, de ele exprimir de forma inequívoca que não deseja receber determinadas explicações. Afinal, estamos falando do direito ao conhecimento e não da obrigação de saber. Acrescente-se que o paciente, devidamente informado e esclarecido, tem a prerrogativa de decidir se aceita ou não o auxílio médico. Tem o médico o dever de utilizar todos os meios a seu alcance em benefício da saúde do paciente, mas compete a este deliberar se quer ou não ser tratado. Faz exceção a esta regra geral a situação de urgência ou emergência, ou o risco iminente de morte, quando o socorro médico pode eventualmente ser prestado independentemente do consentimento do enfermo. A experiência de Ivan Ilitch traz à memória o relato de uma paciente, a qual estava em tratamento fazia algum tempo e ainda não apresentava sinais de recuperação. Ao dizer ao médico assistente que continuava sentindo-se mal, percebeu um claro ar de censura e desagrado no esculápio, como se o Doutor considerasse que a paciente, pelo fato de não estar melhorando, lhe estava faltando com o respeito... É instrutivo lembrar as observações feitas por Balint em seu instigante livro, “O médico, seu paciente e a doença”, em que o autor postula que o medicamento mais frequentemente utilizado na clínica é o próprio médico. No entanto, assim como os medicamentos, o médico 189


também pode produzir reações desfavoráveis. O médico tem indicações, posologia, e também tem efeitos colaterais e contra-indicações. E é muito pouco estudado quanto a todos estes aspectos. Danilo Perestrello, médico brasileiro que desenvolveu o conceito de Medicina da Pessoa, entende que o grande desafio da Medicina é conseguir que o médico não seja ele próprio iatrogênico. Que não aconteça com ele o que se dá com determinados medicamentos, os quais, se administrados de forma incorreta, podem transformar-se em venenos. Quanto ao diagnóstico da enfermidade, Perestrello afirma que a maioria dos doentes quer e precisa sabê-lo. Ainda que os pacientes pouco entendam da linguagem técnica da Medicina, sentem-se mais calmos com as informações do médico, como se tal conhecimento significasse que o inimigo já foi localizado e, portanto, pode ser combatido adequadamente. É claro que esta passagem nos lembra mais uma vez a enorme importância de o médico se expressar de maneira a ser entendido pelos pacientes. Uma vez ultrapassada esta etapa que envolve o primeiro atendimento e a adoção das medidas terapêuticas iniciais, há que lidar com atenção, zelo e sensibilidade com as várias manifestações do paciente, o que nem sempre é fácil. Se o médico consegue inspirar confiança e deixa o paciente à vontade, este vai expressar queixas, temores, fantasias, aspirações, visão de mundo. Uma paciente com depressão dizia: “Doutor, eu tenho raiva de quem ri”. Dificilmente a enferma encontraria uma forma mais eloquente para expressar o sofrimento, a dor, o ressentimento, o desencanto com o mundo e a vida. Ao mesmo tempo, tais palavras fazem recordar os belos versos de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito: “Tire o seu sorriso do caminho Que eu quero passar com a minha dor.” 190


Outra paciente deprimida, ao ser aconselhada a se conformar com os seus problemas, pois podia facilmente encontrar pessoas em condição muito pior que a dela, foi amarga e verdadeira: “Eu sei. Não tenho a menor dúvida de que há pessoas em situação mais desgraçada que a minha. Porém, isto não me traz o menor consolo.” Será que esta pessoa não poderia ser auxiliada a ver as coisas de outra forma? Em magnífico poema, Camões, cantando as dores d’amor, faz um apelo e uma sugestão: “Ouçam a longa história de meus males e curem sua dor com minha dor, que grandes mágoas podem curar mágoas”. Outras manifestações extremamente reveladoras poderão vir à tona. Uma paciente que já fora internada em hospital psiquiátrico fez certa vez o seguinte comentário: “Doutor, depois que uma pessoa passa por um hospital psiquiátrico e é classificada como doida, não pode nem rir um pouco mais alto, que aparece logo alguém para dizer: “O que é isto? Você já está piorando? Parece que vai ter uma crise? Está precisando voltar para o hospital.” A observação expõe um dos aspectos mais marcantes das vivências daqueles que são acometidos por transtornos mentais. Os doentes mentais se encontram talvez na condição do mais profundo desamparo em que pode se achar um ser humano, uma vez que se vêem acometidos justamente na esfera da razão, ou seja, na capacidade de compreender e discernir a realidade, e assim poder lidar de forma mais adequada com os desafios da vida. Como se isto fosse pouco, o adoecer psíquico costuma ser acompanhado por toda sorte de discriminação, preconceito, estigmatização. Não será raridade que os pacientes psiquiátricos sejam olhados como verdadeiros párias pelos que se consideram sadios. E um dos preconceitos mais comuns é o de julgar que esses enfermos não têm qualquer possibilidade de recuperação. A prática clínica, no entanto, demonstra o contrário. Muitos doentes obtêm melhora considerável e se reintegram às suas atividades profissionais e sociais. Outro equívoco 191


em relação aos doentes mentais consiste em afirmar que eles em nenhum momento têm o direito de opinar sobre o tratamento a que se submetem; que não têm, portanto, o direito de consentir. A capacidade de consentir pode, sim, estar comprometida nos quadros psiquiátricos mais graves. Porém, na maioria das situações clínicas, o doente mental está em plena condição de tomar, de forma livre e consciente, as decisões acerca do seu tratamento. O tema do consentimento livre e esclarecido nos remete às questões éticas relacionadas à pesquisa médica. Muitos trabalhos já foram publicados sobre ética em pesquisa, mostrando alguns casos de graves violações dos direitos humanos. Costumeiramente, são citados os crimes dos médicos nazistas nos campos de concentração, durante a 2ª Guerra Mundial. Houve, porém, um estudo que se desenvolveu em sua maior parte em período de paz e que merece ser divulgado e jamais esquecido. Durante quatro décadas, de 1932 a 1972, o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, juntamente com o Tuskegee Institute, levou a cabo no Alabama uma investigação, na qual foram incluídos 399 homens afro-americanos, que sofriam de sífilis e nunca tinham recebido tratamento para a doença, e outro grupo de 200 indivíduos não afetados pela enfermidade. O projeto tinha por objetivo estudar a história natural da sífilis, ou seja, observar qual seria a evolução da sífilis sem tratamento. Assim, os médicos apenas registravam os sintomas da doença, solicitavam alguns exames, mas não informavam aos enfermos qual a real natureza do problema clínico, nem quais os verdadeiros motivos para a realização dos exames. Em vez disto, diziam que os sujeitos da pesquisa sofriam de “sangue ruim”. Em suma, os doentes não sabiam que sofriam de sífilis. Era-lhes assegurado, em caso de óbito, o custeio das despesas com o enterro. Durante a 2ª Guerra Mundial, houve o cuidado dos investigadores de diligenciar juntos às autoridades, no sentido de que os participantes da pesquisa não fossem mobilizados, pois nesse caso algum deles poderia receber tratamento 192


para sífilis nas Forças Armadas. Mesmo com o advento da penicilina, nenhum dos pacientes do estudo foi tratado. Somente em 1972, o fato foi amplamente divulgado e denunciado. O caso Tuskegee mostra os caminhos tortuosos pelos quais pode se desenvolver a pesquisa médica, quando realizada sem algum tipo de controle social. A ânsia faustiana pelo saber envolve riscos terríveis. O conhecimento, tão importante para a humanidade, não deve ser buscado por meio de um pacto com o diabo. E falando em participação social, é alentador que nos últimos anos a sociedade brasileira venha dando mais atenção a algumas matérias do campo da bioética. Um exemplo de anos recentes foi a interessante polêmica em torno da votação, pelo Supremo Tribunal Federal, do item da lei de biossegurança que trata da utilização de células-tronco, que acabou despertando o interesse de diversos segmentos sociais, motivando acirradas discussões. Por sinal, recentemente, foi noticiado que nasceria no Brasil uma criança destinada a fornecer células-tronco para uma irmã com grave doença hematológica. O fato suscita polêmicas no âmbito da ética e da bioética. Reconhecendo, embora, como legítimo o desejo dos pais da enferma de buscar um meio que permita recuperar a saúde da filha doente, não podemos fugir de algumas reflexões. A criança doadora, uma vez alcançada a idade do entendimento, como reagirá ao tomar conhecimento de qual foi a principal motivação para sua vinda ao mundo? No centro do debate, coloca-se o princípio kantiano de que o ser humano deve ser tratado como um fim em si mesmo e não unicamente como um meio. É claro que os pais da futura doadora jamais vão admitir que a nova filha seja para eles tão somente um meio para salvar a vida da filha enferma. Uma coisa, no entanto, é indubitável. É imperioso que a utilização dos extraordinários avanços da ciência e da tecnologia se dê dentro de princípios éticos, de forma a garantir que o saber esteja sempre a serviço da saúde, da dignidade e da liberdade dos seres humanos. 193


Senhoras e Senhores, já é tempo de concluir este fluxo de consciência. Antes, porém, dirijo um olhar muito especial aos meus familiares, minha mulher Rita, meus filhos Mariana, Daniel e Ivan, meu genro Fabrício e minhas noras Anaih e Joamara, nos quais sempre encontro afeto, solidariedade e inspiração. E reservo um carinho todo particular para minha neta Alice e meus netos Vinícius e João Gabriel, cujo desabrochar para a existência me fez entender melhor uma passagem de Guimarães Rosa, em Grande Sertão, Veredas, onde lemos: “Um menino nasceu: o mundo tornou a começar!” Renovo o preito de reconhecimento aos que aprovaram meu ingresso na Academia Cearense de Medicina. E agradeço a todos os que compareceram a este momento tão grato para mim. Muito obrigado Ivan de Araújo Moura Fé

*Discurso do Dr. Ivan de Araújo Moura Fé no dia 09/03/2012, na Solenidade de Posse como Membro Titular da Academia Cearense de Medicina.

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FILAS, MACAS E... Heródoto descreve (História – Livro I – Clio – CXCVII) o curioso expediente que os Babilônios utilizavam para lidar com a falta de médicos no país. Quem adoecia era levado para a praça pública, onde dialogava com as pessoas que passavam pelo local, as quais tinham o dever de indagar do doente qual era o seu mal. Aqueles que já haviam contraído igual enfermidade, ou que conheciam alguém com o mesmo problema, auxiliavam o doente com exortações e conselhos, “prescrevendo” medidas idênticas às que haviam adotado, ou tinham visto outros enfermos empregarem em circunstância semelhante. Com isto, buscavam aumentar a chance do doente de alcançar a cura. Convém recordar que o Pai da História viveu no século V antes da era cristã. Muitos médicos surgiram desde então, inúmeras faculdades de medicina foram abertas, mais de uma centena das quais no Brasil, sete delas no Ceará. Assim, parece razoável supor que não será exatamente a falta de médicos a dificuldade principal a enfrentar para garantir atendimento integral e resolutivo à saúde das pessoas. É verdade que, há poucos anos, em fiscalização realizada pelo Conselho Regional de Medicina do Ceará, foi identificada uma pequena cidade do interior do Estado, em que havia um único médico, já com setenta anos de idade. Mas, certamente tratava-se de uma exceção. Dados atuais mostram que 9.784 médicos estão inscritos no CREMEC, na condição de ativos. Destes, 7.438 informaram que residem em Fortaleza. O que sinaliza a primeira distorção, em termos da distribuição dos médicos pelos 184 municípios cearenses. E, ao mesmo tempo, aumenta a surpresa ante a notória carência de esculápios para o atendimento de centenas e centenas de enfermos que procuram os serviços médicos da capital, particularmente as emergências médicas. O fato concreto é que a visita aos hospitais que atendem urgências e emergências leva à constatação de cenários em que são vistos inúmeros doentes em macas, nos corre195


dores, sem a mínima privacidade, longe da condição satisfatória para um cuidado ético à saúde daqueles cidadãos. Na notável obra Enfermaria nº 6, Tchékhov, médico e escritor russo, visualiza um hospital de pequena cidade do interior, em que um médico, o Dr. Andriéi Efímitch, é tomado pelo desalento, e por fim chega ao desespero, ao ter que atender trinta, depois quarenta pacientes por dia, ano após ano, e ainda perceber que, não obstante seu esforço, a mortalidade não diminuía (talvez até aumentasse, dadas as condições insalubres em que eram atendidos os enfermos), e os doentes não paravam de chegar... Registre-se que o relato é de 1892. Se não fosse citado o autor, possivelmente alguém iria deduzir que a matéria se referia aos dias de hoje, numa metrópole como, digamos, Fortaleza, com o agravante de que o número de pacientes entre nós é bem maior. E, de fato, os doentes não param de chegar, e têm, sim, o direito de recorrer aos serviços de saúde em busca de remédio para os seus males. O que não está certo é o modo como o sistema de saúde está estruturado, deficiente na atenção primária, congestionado na atenção secundária, angustiando pacientes e seus familiares e superlotando os hospitais e postos de saúde. Muito tem ainda que ser feito para que os serviços de saúde se tornem mais organizados e eficientes. No entanto, parece indiscutível que, sem um acréscimo importante de recursos para o setor, os profissionais de saúde continuarão a mourejar numa situação que todos consideram inaceitável, mas que tende a se tornar perene e só fará com que aumentem as filas, as macas e os “piscinões”. Em vez disto, o CREMEC defende peremptoriamente o fortalecimento do SUS, o atendimento digno à saúde da população e melhores condições de trabalho para os médicos. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2012

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MEDIDA PROVISÓRIA 568/2012 Recentemente, o meio médico brasileiro foi surpreendido pela publicação, no Diário Oficial da União, da Medida Provisória 568. De acordo com o referido documento, particularmente nos artigos 42 a 47, os médicos do serviço público federal terão sérios prejuízos em sua remuneração, além de reduções quanto à insalubridade e à periculosidade. A primeira reação dos que tomaram conhecimento do assunto foi de incredulidade. Como seria possível uma atitude tão estapafúrdia? Qual seria a lógica de uma iniciativa governamental que, na prática, condenava médicos funcionários públicos federais – aí incluídos os da ativa e os aposentados – a ficarem cerca de 10 anos sem qualquer reajuste em sua remuneração? Certamente tratava-se de um equívoco, de um engano que logo seria percebido e corrigido. Com o passar dos dias, porém, e as novas informações a respeito do tema, foi verificado que, por incrível que pudesse parecer, a proposta tinha sido gestada no Ministério do Planejamento, após estudos acerca da carga horária dos funcionários federais, muitos dos quais cumprindo 40 horas semanais de trabalho. Se os médicos só cumpriam 20 horas, que se dispusessem a fazê-lo por mais 20, mantendo os mesmos proventos; ou, então, teriam congelados seus vencimentos – talvez aqui, alguns dos ideólogos da matéria lamentassem o fato de que a Constituição Federal não permite a pura e simples redução dos ganhos – até que ficassem nos patamares imaginados pelos “inteligentes” burocratas do Planalto. Os quais, de passagem, queriam fazer tabula rasa do fato notório e inconteste segundo o qual o contrato de vinte horas semanais de trabalho para os médicos existe legalmente no Brasil há várias décadas. Sem qualquer catastrofismo, porém mantendo os olhos na realidade, entendemos que, se a Medida Provisória for mantida com a redação original, trará evidentes prejuízos para o SUS, este sistema de saúde tão importante para o povo brasileiro e, ao mesmo tempo, tão menosprezado por alguns gestores. De fato, onde encontrar estímulo para prosseguir 197


trabalhando em condições já precárias e, para piorar, sofrendo uma evidente agressão aos direitos dos médicos? O que querem os senhores do Ministério do Planejamento? De imediato, no entanto, ficou evidente que os médicos não se curvariam, não aceitariam sem luta tal desrespeito. Mobilizações da categoria passaram a ocorrer em todo o país, multiplicando-se as propostas de paralisações e greves, além dos pronunciamentos de parlamentares que percebiam a desrazão da medida. Em todos os Estados do Brasil, ganharam volume os movimentos de sensibilização de setores da opinião pública, no sentido de que restasse amplamente demonstrado o grau de insensatez do ato que estava atingindo os médicos do serviço público federal. No Ceará, foi realizada audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado, no dia 12 de junho de 2012, com a participação do Conselho Regional de Medicina, do Sindicato dos Médicos do Ceará e da Associação Médica Cearense. Muitos médicos compareceram ao evento e externaram inconformismo e revolta com a medida. Os deputados e vereadores presentes ao evento mostraram-se unanimemente solidários aos médicos e se comprometeram a envidar esforços no sentido da reversão dos itens da MP 568 que são danosos aos profissionais da Medicina. Como o Congresso Nacional será o palco em que se dará a apreciação e votação da Medida Provisória, foi deliberado que mensagens devem ser enviadas pelos médicos aos parlamentares do Estado, particularmente aos que integram a comissão designada para a formulação de parecer sobre o tema. Os médicos exigem ser tratados com mais respeito e não aceitam agressões à dignidade do seu trabalho, nem medidas que atinjam o SUS, prejudicando os pacientes. A mobilização da categoria médica deverá continuar, para a preservação dos direitos dos esculápios e a defesa do Sistema Único de Saúde. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2012 198


ELEIÇÕES Aproximam-se as eleições municipais, que serão realizadas em outubro de 2012, para a escolha de prefeitos e vereadores em cidades de todo o país. Em meio ao entusiasmo e à agitação que costumam caracterizar os pleitos democráticos, os órgãos de comunicação noticiam sondagens de opinião pública mostrando estar a saúde entre as primeiras preocupações dos munícipes. E motivos há de sobra para isto. Persistem as dificuldades para que os pacientes sejam atendidos nos angustiantes momentos de dor e doença. A superlotação dos postos, hospitais e serviços médicos de emergência é uma dura realidade que frequenta as páginas dos jornais e o noticiário de rádio e TV. E, mais que isto, intensifica o sofrimento dos enfermos. As filas para a realização de exames e cirurgias têm merecido denominações pesadas. “Fila da morte” foi a terminologia empregada por uma paciente cuja mãe falecera à espera da marcação de um procedimento cirúrgico. A cobertura do Programa Saúde da Família é claramente insuficiente. Em suma, conseguir consulta com um médico especialista, um exame mais sofisticado, ou uma cirurgia passou a ser um imenso desafio, uma verdadeira corrida de obstáculos. É fácil compreender que tal cenário leva ao desenvolvimento de um forte sentimento de revolta e indignação por parte de pacientes e seus familiares. Com o risco adicional de tal irritação se voltar contra os profissionais de saúde, ou seja, justamente as pessoas que estão empenhadas em minorar as angústias dos enfermos. E, lamentavelmente, já ocorreram várias agressões contra médicos. Paralelamente, é patente o aumento da violência em nosso país, o que fica bem evidente no cotidiano das grandes cidades. O Instituto Médico Legal de Fortaleza é testemunha e registro do grande número de homicídios à bala em nossa capital e na região metropolitana, não sendo incomuns os plantões do IML iniciarem com mais de três dezenas de corpos à espera de necrópsia. Por seu turno, os acidentes de trânsito, em escalada crescente nos últimos anos, são responsáveis por 199


numerosas hospitalizações nos serviços de emergência, traduzindo-se em internações prolongadas, graus variados de incapacitação dos pacientes e, muitas vezes, mortes. Enquanto isto, a eleição de Fortaleza conta com 10 candidatos a Prefeito, e a população acompanha as discussões entre os postulantes. Um dos primeiros debates entre os concorrentes, os quais se esmeraram em críticas, sugestões, propostas e promessas, deu margem a que um eleitor desavisado fizesse a seguinte observação: “pelo que ouvi, qualquer um deles que seja eleito fará com que a situação de nossa capital melhore muito...”. No entanto, os céticos, pois também os há, se mostram reticentes, quando não tomados pelo desalento. Vislumbram pouca perspectiva de melhora do setor saúde. No entanto, talvez seja este um momento privilegiado para ampliar a discussão em torno dessas questões, convocando para o debate os que se apresentam como candidatos, ou seja, aqueles que disputam a honra de bem servir à coletividade. É mais do que claro que a rede de serviços de saúde de Fortaleza, construída em sua maior parte há muitos anos, quando a população do município era bem menor, precisa ser profundamente ampliada, o que certamente torna necessária a contratação, através de concurso público, de mais médicos e demais trabalhadores da saúde, para que sejam aumentadas as possibilidades de assistência integral e resolutiva aos enfermos. O PSF tem que marcar a presença dos seus profissionais nas diversas áreas da capital alencarina. A gestão dos serviços de saúde necessita dar saltos de qualidade e eficiência. É imperativo que sejam aumentados os recursos para o setor saúde. Tudo no sentido de ajudar a população a reduzir os seus reveses em relação ao serviço público, particularmente no que respeita aos cuidados com a saúde. Estes são temas que exigem compromissos insofismáveis por parte dos que desejam ocupar a liderança da municipalidade. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2012 200


DIGNIDADE NO FINAL DA VIDA No exercício da arte hipocrática, o médico frequentemente tem que lidar com o fim da vida. Não apenas com a morte, mas com as etapas que a precedem e que podem trazer enorme angústia, além de conflitos e dúvidas sobre como deve agir o descendente de Asclépio. Qual é a maneira ética, respeitosa, humana de dizer, por exemplo, que o filho da pessoa que busca orientação e cuidados profissionais não mais tem chance de sobrevivência? Ou que devem ser suspensas certas medidas terapêuticas, que determinados aparelhos serão desligados? Esta é a situação que pode surgir nos casos de pacientes em fase terminal de enfermidade grave e incurável, quando o médico, o paciente e seus familiares se deparam com os limites do saber e da própria vida humana. Qual o papel do médico quando já não há medida que salve a vida do paciente? Encerra-se aí o trabalho do esculápio? Decididamente, não. Nessa hora, crescem em importância os cuidados paliativos, a presteza em minorar a dor, a dispneia, a angústia do paciente. Cabendo também especial atenção aos familiares do enfermo. Outro aspecto a considerar diz respeito à posição adotada pelo paciente ante o difícil momento que está vivendo. Quais são suas demandas, o que ele deseja que seja feito, ou seja evitado, e também se o paciente quer deixar estabelecida previamente sua deliberação para o caso de ficar sem condição de falar. Ou, ainda, se pretende designar um representante para se pronunciar por ele em tal circunstância. Está em análise o tema das vontades antecipadas do doente, às vezes chamadas de testamento vital. Em agosto de 2012, o Conselho Federal de Medicina decidiu estabelecer um guia a ser seguido pelos médicos brasileiros acerca dessa questão, ao promulgar a Resolução CFM n° 1.995/2012. A norma citada define diretivas antecipadas de vontade como “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver inca201


pacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. A Resolução deixa claro que a vontade do paciente prevalece sobre a dos seus familiares; que a manifestação prévia do paciente deve ser registrada no respectivo prontuário; e que, naturalmente, o médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou do seu representante que estejam em desacordo com os preceitos do Código de Ética Médica (CEM). Aqui, é conveniente salientar que o médico está eticamente impedido de adotar procedimentos para abreviar a vida do enfermo, mesmo que este o solicite, devendo, ao mesmo tempo, evitar a implementação de medidas inúteis e obstinadas, consoante o que prescreve o artigo 41 do CEM. É necessário lembrar, ademais, que o paciente pode a qualquer tempo modificar os termos do que antecipou ao médico. A valorização da autonomia do paciente que vive seus últimos momentos é coerente com a evolução ocorrida em anos recentes nos princípios de ética e bioética. A beneficência, que continua a caracterizar o ato médico, adquire nova conotação ao conviver com a postura de protagonista que o paciente se sente no direito de adotar de forma cada vez mais enfática na relação com seu médico assistente. Hodiernamente, os pacientes querem ter voz ativa na condução das diversas medidas voltadas para a preservação ou recuperação de sua saúde. Os enfermos reivindicam ser bem informados sobre o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento de sua afecção. O Código de Ética Médica em vigor no Brasil valorizou esta linha de concepção, ao normatizar que o médico tem a prerrogativa de indicar o procedimento adequado ao paciente (Direitos do Médico, Princípio II), mas deve respeitar as escolhas do paciente quanto aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas (Princípio Fundamental XXI); e que o médico não deve realizar tratamento sem o consentimento do paciente, exceto quando há risco iminente de morte (artigos 22 e 31). 202


A dignidade da pessoa humana, inscrita na Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, encontra plena guarida nas normas éticas que disciplinam a atenção médica aos doentes desde o nascimento até os instantes finais da existência. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2012

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FALTAM MÉDICOS NO BRASIL? Rumores dão conta de que o governo brasileiro planeja trazer do exterior, em regime de urgência, médicos para resolver o grave problema da carência desses profissionais em áreas atualmente desassistidas. Em outros momentos, e com o mesmo sentido, é anunciada a abertura de novas Faculdades de Medicina, já que o Brasil estaria com um número insuficiente de médicos, o que resultaria em grandes angústias para as pessoas que precisam recorrer aos serviços de saúde. Em torno do assunto, surgem notícias e pronunciamentos referindo uma suposta resistência dos profissionais da Medicina a exercer seu trabalho em cidades distantes, mais pobres, e nos subúrbios dos grandes centros urbanos. Que numerosos pacientes encontram grandes dificuldades para conseguir um atendimento digno e resolutivo – seja a demanda por uma consulta, um exame complementar ou uma cirurgia – é uma realidade que o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará tem denunciado seguidamente. Que há localidades com vários médicos e outras com muito poucos é também uma constatação inelutável. E mais, são quase diárias as notícias de hospitais superlotados, com os doentes sendo atendidos em ambientes precaríssimos, e os médicos tendo que trabalhar em péssimas condições. Dizer, porém, que há falta de médicos no país, ou que, ao contrário, há excesso de esculápios, é pura especulação ou exercício de retórica. E acusar os médicos de falta de sensibilidade social é cometer tremenda injustiça e negar toda uma história de solidariedade e comprometimento com a saúde da população, demonstrada diariamente pelos discípulos de Hipócrates. A dificuldade de acesso dos pacientes aos cuidados médicos é muito complexa e não pode ser tratada de forma simplista. Estudo de fôlego e consistência, intitulado “Demografia Médica no Brasil – Volume 2 – Cenários e indicadores de distribuição”, foi realizado pelo Conselho Federal de Medicina, em parceria com o Conselho Regional de Medicina 205


de São Paulo, com o intuito de fazer um levantamento completo da população médica em atividade no Brasil, locais e vínculos de trabalho, migração médica, especialidades exercidas. Um dos tópicos mais significativos do estudo diz respeito aos fatores de fixação dos médicos. A análise dos dados referentes à movimentação dos médicos ao longo dos anos mostra que o significativo aumento do número de cursos médicos nas últimas décadas não reduziu as desigualdades existentes, ou seja, as grandes cidades aumentaram continuamente a quantidade de médicos, e os locais mais distantes permaneceram com carência desses profissionais. Temos presentemente 198 cursos de medicina no Brasil. Projeções indicam que terminaremos o ano de 2013 dispondo de 400.000 médicos no país, isto é, dois médicos por mil habitantes. No Ceará, já se encontram em atividade 10.000 médicos. No entanto, persistem as diferenças de acesso ao médico entre as várias regiões do país, e entre a capital e o interior de cada Estado. Por que isto acontece? É possível redistribuir os médicos de forma mais racional e equânime entre os mais diversos rincões da pátria? Esta é a questão. É fato que o incremento acelerado da população médica – de 1970 a 2010, a população brasileira cresceu 101,84%, enquanto o número de médicos aumentou 557,72% (dados: CFM/IBGE, 2013) – nem de longe amenizou o problema. Evidenciou, sim, ser improvável que uma maior oferta de médicos, por si só, vá solucionar a questão da ausência desses profissionais nas regiões desassistidas. Não é com decisões imediatistas e jogadas pirotécnicas que as autoridades governamentais vão alcançar os avanços que possibilitem uma atenção digna à saúde da população. É preciso enfrentar, com decisão e vontade de acertar, os vários entraves que fazem com que médicos e outros profissionais de saúde não queiram trabalhar em todas as localidades. Algo mais inteligente deve ser formulado, além de meros cálculos quantitativos. Políticas indutoras da fixação de médicos têm que ser bem estudadas e implantadas com determinação e conhecimento da matéria. A proposta 206


de emenda constitucional criando a Carreira de Estado para os médicos, com tempo integral e admissão por concurso público, parece uma ideia promissora. Ademais, há dados sugestivos de que os centros que dispõem de programas de Residência Médica ou outras modalidades de aprimoramento profissional, bem como oferecem melhores condições de vida para a família dos médicos, têm maior chance de fixar estes profissionais. De igual forma, serviços bem equipados, com estrutura e condições que permitam ao médico exercer a profissão com eficiência, além de remuneração digna, são fatores que certamente desempenham um papel cardeal, podendo contribuir para assegurar uma adequada presença médica em todos os municípios do país, de forma a garantir o acesso aos cuidados com prevenção, manutenção e recuperação da saúde de todos os habitantes deste grande país. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2013

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ÓRTESES, PRÓTESES E MATERIAIS ESPECIAIS IMPLANTÁVEIS São notórios os benefícios que a utilização adequada de órteses, próteses e materiais especiais implantáveis traz para a saúde dos enfermos. E tais vantagens tendem a ser cada vez mais patentes com os avanços da tecnologia aplicada à medicina. O emprego crescente desses recursos, porém, dá margem a situações em que a ética da profissão médica assume o centro do debate. Temas como autonomia profissional, racionalização dos recursos médicos diagnósticos e terapêuticos, os custos com a saúde, as relações dos médicos com a indústria e a mercantilização da medicina são postos em discussão. Trava-se um embate em que, de um lado, médicos se sentem pressionados no sentido de que pautem sua ação por uma ótica que supervalorize a redução dos custos, mesmo que em alguns casos isto signifique riscos importantes para a saúde dos doentes. Por seu turno, operadoras de planos de saúde e alguns gestores públicos insinuam que certos médicos recebem vantagens econômicas indevidas para que privilegiem determinados fornecedores de órteses, próteses e materiais especiais implantáveis. Ou seja, que têm ligações perigosas com empresas que comercializam produtos médicos. Tentando por ordem numa matéria sabidamente espinhosa, o Conselho Federal de Medicina promulgou, em 2010, a Resolução 1.956. Consta do referido instrumento normativo que cabe ao médico assistente determinar as características (tipo, matéria-prima, dimensões) das órteses, próteses e dos materiais implantáveis, bem como definir o instrumental necessário e adequado à execução do procedimento (artigo 1º). Ao mesmo tempo, dispõe a citada Resolução que o médico assistente requisitante deve justificar clinicamente a sua indicação, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e as legislações vigentes no país (artigo 2º), sendo-lhe vedado exigir fornecedor ou marca comercial 209


exclusivos (artigo 3º). É bom considerar, por outro lado, que o material fornecido para o procedimento pode eventualmente ser de qualidade ruim ou duvidosa, o que torna imperativa a ação médica para contornar o problema. Neste sentido, a Resolução CFM 1.956/2010 prevê que, quando o médico assistente requisitante julgar inadequado ou deficiente o material implantável, bem como o instrumental disponibilizado, pode recusá-los e oferecer à operadora ou instituição pública pelo menos três marcas de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis, regularizados junto à ANVISA e que atendam às características previamente especificadas (artigo 5º). Se persistir a divergência entre as partes, está prevista a arbitragem, através da escolha, de comum acordo, de um médico especialista na área, para a decisão (artigo 6º). O Código de Ética Médica veda ao médico exercer a profissão com interação ou dependência quanto a qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica (artigo 68). Proíbe ainda, de forma taxativa, que o médico obtenha vantagens pela comercialização de órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional (artigo 69). É oportuno lembrar, ainda, o disposto no Código de Ética Médica, no capítulo dos Princípios Fundamentais, em que está prescrito que o médico exercerá sua profissão com autonomia, não podendo renunciar à sua liberdade profissional nem permitir quaisquer restrições ou imposições que prejudiquem a eficiência e a correção de seu trabalho (itens VII e VIII). No entanto, a leitura histórico-sistemática da carta ética dos médicos torna indubitável que a autonomia profissional se destina a alcançar o melhor para a saúde do paciente. É uma autonomia a favor da saúde dos pacientes. Se exercida de outra forma, perde a sustentação ética. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2013 210


ELEIÇÕES, MÉDICOS ESTRANGEIROS E REVALIDA Em todo o Brasil, ocorrerão eleições para os Conselhos de Medicina, em agosto próximo. No Ceará, as eleições se darão no dia 05/08/2013, para os médicos que votam em Fortaleza. No caso das demais cidades do Estado, a votação será por correspondência. O evento eleitoral acontece ao mesmo tempo em que se verificam discussões acirradas acerca da situação da saúde no Brasil e no Ceará. Entre nós, nos últimos meses, os médicos do Estado e os do Município de Fortaleza têm comparecido a assembleias, em movimentos reivindicatórios por melhores condições de trabalho e de remuneração. Volta a crescer entre os médicos um sentimento de desencanto com o exercício da profissão no serviço público. Acrescente-se que só tem piorado a situação dos hospitais e serviços de emergência. Persiste o triste cenário de dezenas de pacientes graves em macas, nos corredores das instituições hospitalares, configurando-se uma situação desumana, indigna, degradante. O quadro seria, talvez, menos desolador se diferisse do que se verifica em outros Estados da federação. Infelizmente, contudo, o inaceitável espetáculo é uma constante nas diversas regiões do país, segundo é noticiado pelos órgãos de comunicação das entidades médicas e pela imprensa em geral. Levantamento feito recentemente pelo Conselho de Medicina de São Paulo, em 71 Serviços de Emergência do Estado, mostrou que em mais da metade daquelas instituições as equipes médicas estavam incompletas, e havia doentes em macas nos corredores. E trouxe uma conclusão preocupante: os médicos estão migrando do serviço público para a área privada, por não mais suportarem a tensão, a insegurança e a falta de condições de atendimento aos enfermos. No entanto, em pronunciamento em que joga para a plateia, o governo brasileiro anuncia que faltam médicos no Brasil e tira da cartola a mais nova panaceia: a vinda de médicos estrangeiros – que 211


seriam em número de seis mil – iria garantir a indispensável presença de esculápios nas localidades e condições mais inóspitas. Isto porque os médicos brasileiros estariam se recusando a trabalhar nos pequenos e mais distantes lugarejos, bem como nas periferias dos grandes centros. Pelo “desprendimento” de aceitar atender em tais locais, os médicos formados no exterior estariam dispensados de maiores formalidades. Não precisariam, por exemplo, realizar a revalidação dos diplomas, embora tal exigência faça parte da lei brasileira, como, aliás, da legislação de muitos outros países, nos quais o médico formado no exterior tem que ultrapassar longo e difícil processo de aferição de sua qualificação e competência médica. Afinal, convém lembrar, os médicos irão tratar da saúde, um dos mais preciosos bens do ser humano. Optam, porém, algumas autoridades pelo discurso fácil de atribuir as mazelas do sistema público de saúde à carência de médicos no Brasil. Omitem, entretanto, a inércia governamental ante a reconhecida insuficiência de recursos para a saúde pública, constatada no fato de ser o Brasil um dos países que menos gastam com o setor saúde, mesmo comparando-o com as nações de igual nível de desenvolvimento. Esquivam-se, ainda, do enfrentamento das precaríssimas condições em que funcionam muitos serviços de saúde, com profissionais médicos sendo ameaçados e alguns sofrendo agressões físicas. Há outro fato relevante: após vários anos de discussões entre o governo federal e as entidades médicas, foi instituído em março de 2011, por Portaria Interministerial dos Ministérios da Educação e da Saúde, o REVALIDA, Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por universidades estrangeiras, com o objetivo de “verificar a aquisição de conhecimentos, habilidades e competências requeridas para o exercício profissional adequado aos princípios e necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), em nível equivalente ao exigido dos médicos formados no Brasil.” O aludido exame, constando de uma prova teórica e uma prova de habilidades clínicas, tem o sentido de unificar a sistemática 212


de revalidação de diplomas médicos, com critérios bem estabelecidos do ponto de vista técnico e conceitual e calendário previamente divulgado. Causa pasmo que, a serem verdadeiros os rumores, na vinda “emergencial” de médicos estrangeiros, estes não seriam submetidos ao REVALIDA. A tudo isto respondemos reiterando nossa disposição de trabalhar pelo atendimento digno à população, ao tempo em que reafirmamos algumas de nossas propostas e bandeiras de luta: 1) Respeito à dignidade de todos os pacientes, inclusive os atendidos nos serviços de emergência. 2) Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). 3) Carreira de Estado para médicos. 4) Melhoria das condições de trabalho e remuneração dos médicos. 5) Revalidação dos diplomas de médicos formados no exterior, através do REVALIDA. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2013

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SERVIÇO CIVIL OBRIGATÓRIO Não é recente o desejo do governo federal de instituir alguma forma de serviço civil obrigatório na área médica. Rumores surgiram acerca do tema, e balões de ensaio foram lançados ao longo de gestões governamentais sucessivas, independentemente da coloração ideológica ou filiação partidária dos mandatários da nação. No entanto, ninguém esperava que o atual governo federal fosse agir de maneira tão truculenta e desrespeitosa como o fez ao promulgar a Medida Provisória 621/2013, que institui o Programa Mais Médicos. Com uma canetada só, foi atropelada a autonomia universitária e a independência dos Conselhos de Medicina. Sem qualquer diálogo prévio, e ao mesmo tempo em que era afirmado que faltam médicos no Brasil, foi determinado que o curso médico passasse a ter a duração de oito anos. Assinale-se que, nos últimos dois anos do curso, o estudante terá “permissão para o exercício profissional da medicina”, porém sem receber o diploma de médico. E desenvolverá atividades exclusivamente na atenção básica à saúde no âmbito do SUS. Na mesma ação de ataque da MP 621, ficou clara a intenção de subjugar os Conselhos de Medicina, quando estes órgãos foram instados a inscrever os médicos formados no exterior, mesmo sem a revalidação de diploma, que é exigida pela lei de diretrizes e bases da educação nacional (Lei 9.394/1996). É verdade que, na percepção da população, faltam médicos no Brasil, o que se torna explícito quando os doentes procuram atendimento, quer nos serviços públicos de emergência, cronicamente superlotados, quer na peregrinação por uma consulta especializada, um exame complementar mais sofisticado, ou um procedimento cirúrgico. Os gestores públicos, por seu turno, têm boa dose de razão quando solicitam mais médicos para os seus municípios. O equívoco está em tratar uma questão tão complexa de forma simplória. Será que, nos dias de hoje, alguém ainda acredita que a simples presença de um médico vai resolver os 215


problemas de saúde da população? É mais do que hora de serem postas em prática medidas consistentes e duradouras que assegurem saúde para todos. E isto passa pela criação da carreira de estado para médicos e pela solução do grave problema de subfinanciamento do setor saúde. É sumamente importante que seja aprovado pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei de iniciativa popular que propõe a destinação de 10% das receitas correntes brutas da União para a Saúde Pública. Há outros pontos a considerar na crise atual. O discurso do governo de que a participação compulsória dos estudantes de medicina no SUS é imprescindível para a humanização dos futuros médicos parece estranho, ou mesmo falacioso. Que outra profissão cultiva mais o humanismo que a medicina? Foi justamente a atitude solidária, humana e competente dos médicos para com os doentes que fez com que os esculápios conquistassem o respeito e a gratidão da população, o que, entre nós, se expressou por diversas pesquisas de opinião já realizadas, nas quais a medicina apareceu em primeiro lugar no conceito dos cidadãos. Ademais, durante todo o curso médico o estudante tem contato frequente com pacientes dos serviços públicos. O Conselho de Medicina do Ceará luta pela entrada de mais médicos no serviço público, porém postula que eles sejam admitidos através de concurso público, como, aliás, se impõe pelas leis do país. Deste modo, os médicos assumirão suas responsabilidades, mas também irão usufruir os respectivos direitos trabalhistas. E não ficarão à mercê de uma “bolsa-médico”, um arremedo de contrato que agudiza ainda mais a precariedade das relações de trabalho entre os médicos e os empregadores. Quanto aos médicos formados no exterior, todos serão bem-vindos, desde que revalidem o diploma de médico e demonstrem proficiência na língua portuguesa. O CREMEC apoia as ações voltadas para um melhor atendimento à saúde da população, tendo como parâmetros a legalidade, a justiça social e a dignidade do ser humano. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2013 216


PRESIDÊNCIA DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO CEARÁ* Senhoras e Senhores Estamos aqui, perante os médicos e a sociedade, para tomar posse como Conselheiros do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará. É o momento de reafirmar as concepções cardeais do Código de Ética Médica de que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem qualquer discriminação, devendo o médico, no atendimento dos pacientes, agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. Com o intuito de concretizar estes princípios basilares da carta magna da profissão e bem cumprir seu papel ético, científico, social e político, o CREMEC tem que assumir compromissos de ação em várias vertentes: seja contribuindo na formulação de políticas de saúde voltadas para o atendimento digno à população, seja lutando pelo aprimoramento científico e ético dos médicos, seja exercendo com diligência a fiscalização do trabalho médico, seja, ainda, apurando as denúncias de possíveis infrações às normas que regulam a profissão médica e adotando as medidas disciplinares pertinentes. Ressalte-se a importância de que o médico tenha boas condições de trabalho e remuneração justa, de forma que possa exercer a Medicina com honra e dignidade. A chapa “Ética e Cidadania”, ao se dirigir aos médicos cearenses, pleiteando apoio na eleição do Corpo de Conselheiros do CRM, comprometeu-se a defender a ética e a dignidade do trabalho médico, lutando pelas seguintes bandeiras: - Defesa do SUS - Concursos públicos para Médicos Há que ser fortalecido o Sistema Único de Saúde, com caráter universal, equânime, resolutivo, capaz de atender bem todos os pacientes. Não é justo que as pessoas peregrinem por dias e meses em busca 217


de atendimento às suas necessidades de saúde, que fiquem amontoadas em filas, macas ou “piscinões”. Isto quando conseguem chegar a alguma fila ou maca. A dificuldade de acesso à saúde é uma realidade constatada diariamente e foi tema de destaque nas mobilizações populares ocorridas no Brasil nos últimos meses. No entanto, a urgente mudança de uma situação que é moralmente indefensável não se dará com medidas pirotécnicas ou manobras publicitárias por parte de autoridades governamentais. Exige, isto sim, aprimoramento na gestão e uma substancial melhoria do financiamento do SUS, possibilitando construir e equipar mais serviços de saúde e contratar pessoal em número adequado para melhor atender à coletividade. Repetiremos sempre: a admissão ao serviço público deve ocorrer através de concursos públicos em todos os níveis, federal, estadual e municipal. Outros temas da plataforma do novo corpo de conselheiros foram: - Defesa do Ensino Médico de Qualidade - Posicionamento contra a abertura indiscriminada de novas escolas médicas - Contribuição para a formação ética do estudante de Medicina É imprescindível que haja maior rigor nos critérios de abertura de novos cursos médicos e na avaliação de funcionamento dos cursos existentes. É também vital que sejam aperfeiçoados os mecanismos de avaliação do progresso do aprendizado dos estudantes de medicina, ao longo de todo o curso, possibilitando, assim, medidas corretivas que assegurem uma boa formação aos futuros médicos, o que significa aquisição de conhecimento técnico-científico, habilidades psicomotoras específicas e atitudes ético-morais consentâneas com o exercício humanista da Medicina. Vários Conselheiros são professores de algum dos 7 cursos de medicina existentes no Ceará e poderão contribuir para estreitar as relações do Conselho de Medicina com os estudantes, fazendo com que estes, desde cedo, 218


se sensibilizem para os aspectos éticos da profissão médica. Uma articulação mais efetiva do Conselho com os professores e estudantes de medicina será uma das tarefas prioritárias da atual gestão do CRM. - Defesa da Residência Médica A universalização da Residência Médica é uma meta a ser almejada. Naturalmente, a ampliação das vagas de RM deve dar-se em serviços devidamente preparados em termos de equipamentos e recursos humanos, com especial ênfase no corpo de preceptores e supervisores, objetivando sempre a boa qualidade da formação dos médicos residentes. Não esqueçamos que a RM dá novo dinamismo e vitalidade aos serviços e não pode, de nenhuma forma, ser encarada como mão-de-obra barata. Considerando que os médicos residentes trabalham 60 horas por semana, nada mais justo do que a luta para que tenham melhor remuneração, pelo menos nos valores pagos pelo governo federal aos integrantes do Programa Mais Médicos, ou seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês. - Expansão da educação Médica continuada - Realização dos Fóruns de Ética Médica na capital e no interior do Estado - Realização do Congresso Científico e Ético do CREMEC O Código de Ética Médica dispõe, em seus Princípios Fundamentais, que compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente. Visando contribuir para a atualização científica dos médicos, o CREMEC tem realizado diversos cursos, seminários e fóruns, alguns com duração de vários meses. Temas como Medicina de Família e Comunidade, Perícia Médica, Urgência e Emergência, Saúde Mental, Saúde do Idoso e Pediatria foram abordados em cursos de longa duração, sob a coordenação de renomados professores e contando com a participação ativa e interessada de vários médicos. Esta tem sido uma das mais promissoras iniciativas do CREMEC, que deve ser continuada e ampliada. 219


De igual modo, os Fóruns de Ética Médica em Fortaleza e nas cidades do interior do Estado, assim como o Congresso Científico e Ético do CREMEC, são atividades que possibilitam a divulgação de conhecimentos, a troca de experiências e, de forma expressiva, a exemplificação de situações conflituosas da vida profissional que podem servir de balizamento para orientar a boa conduta dos esculápios, ajudando-os a evitar as frequentes armadilhas que surgem no dia-a-dia da prática clínica. - Manutenção do REVALIDA Que continue a prevalecer o que dispõe a Lei 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da educação nacional, com a exigência de que os graduados por universidades estrangeiras tenham que revalidar seus diplomas por universidade pública brasileira. Trata-se de uma medida de precaução, com o sentido de proteger a sociedade, garantindo a qualificação dos que se dispõem a trabalhar no Brasil. É bom lembrar que os médicos brasileiros que vão trabalhar em outros países também se submetem a árduos processos de avaliação antes de terem autorização para a prática profissional. O que sempre foi considerado natural e necessário, dentro da responsabilidade que cada país tem de preservar a qualidade do atendimento à saúde dos seus habitantes. É o que, em nosso entendimento, o Brasil também deve continuar seguindo. - Luta por boas condições de trabalho e remuneração digna - Implantação da Carreira de Estado para Médicos Um dos grandes problemas vividos pelos médicos tem sido trabalhar muitas vezes em péssimas condições, com risco de comprometer a qualidade do atendimento prestado aos enfermos. Ademais, frequentemente a remuneração é insatisfatória, há atrasos nos pagamentos, os vínculos trabalhistas são precários. Na luta das entidades médicas para avançar nestas questões, o piso da FENAM é a bandeira em termos de parâmetros de remuneração. E a carreira de estado para médicos, a exemplo do que já ocorre com outras profissões, se afigura como o caminho 220


para de fato assegurar a presença de médicos em todas as localidades do país. Aliás, já tramita no Congresso Nacional proposta de emenda constitucional criando a carreira de médico de estado. Algo, porém, ainda precisa ser dito sobre a polêmica maior que vivemos recentemente, envolvendo duas matérias. Há mais de uma década, os médicos lutavam pela aprovação de uma lei que regulamentasse a profissão. Por fim, o texto do que seria a Lei 12.842 foi aprovado nas duas casas do Congresso nacional. Mas vieram os vetos presidenciais, atingindo de forma danosa a essência da proposta da categoria médica, principalmente ao ser eliminado o item que considerava como atividades privativas dos médicos a formulação do diagnóstico nosológico e a respectiva prescrição terapêutica. Dando margem a que, de repente, qualquer um se sentisse no direito de desempenhar o papel milenarmente destinado aos médicos. Quase que ao mesmo tempo, o governo federal promulgou a Medida Provisória 621, que instituiu o Programa Mais Médicos (PMM). Seguiu-se um festival de incompreensões. A solicitação dos Conselhos de Medicina de que o registro dos médicos formados no exterior fosse antecedido da respectiva revalidação dos diplomas, como sempre ocorreu e continuará sendo exigido dos não participantes do PMM, foi alvo de acusações de obstrução e falta de patriotismo. A Advocacia Geral da União afirmou publicamente que já preparava processos por improbidade contra os dirigentes dos Conselhos de Medicina. De repente, ter o devido zelo no sentido de garantir que a autorização para o exercício da medicina no Brasil seja precedida de exame acurado da qualificação dos requerentes, da verificação de que realmente são médicos, e bem formados, de repente, repito, tal zelo foi transformado quase em crime. Ao mesmo tempo, a poderosa máquina publicitária federal conseguiu incutir na população a visão de que os médicos brasileiros são elitistas, corporativistas, xenófobos, que por orgulho e comodidade não querem ir para as periferias das grandes cidades nem para os distantes rincões da pátria; nem permitem que 221


médicos estrangeiros o façam. É claro que, em tal campanha de manipulação, em nenhum momento se falou das péssimas condições de trabalho em tais locais, ou das constantes ocorrências de violências de toda ordem verificadas nas ditas periferias, demandando providências do poder público – providências que quase nunca vêm – para garantir tranquilidade às populações e condições de trabalho aos que querem exercer seu mister profissional. E se, por acaso, algum promotor alegasse que os chamados intercambistas estavam sendo contratados pelo governo ao arrepio da legislação trabalhista brasileira, em claro desrespeito a direitos consagrados em nossa pátria, a impressão que se tinha é que isto estava sendo dito para surdos. Senhoras e senhores, tudo que falei sobre estes infaustos acontecimentos é do conhecimento público. O governo aprovou a MP 621, da forma que quis. Não importa. Continuaremos lutando para que todas as localidades do Estado e do país tenham médicos preparados para bem atender a população. Reiteramos, porém, a convicção de que a criação da carreira de estado para médicos é o caminho para a interiorização da medicina de forma consistente e duradoura. Afirmamos que nada temos contra estrangeiros ou contra médicos formados no exterior. Nossa pátria sempre acolheu bem os que vêm de outros países. Em mensagem final a todos os companheiros de profissão, penso que é hora de os médicos se dedicarem como nunca àquilo que sabem fazer melhor: atender bem os pacientes, com dedicação, zelo, solidariedade, compromisso. Encerrando minhas palavras, quero agradecer aos médicos que apoiaram a eleição da chapa “Ética e Cidadania” e a todos os que estão prestigiando esta solenidade de posse. Destaco que a equipe eleita conta com 18 novos Conselheiros, de diversas especialidades médicas, o que significa o influxo de novas ideias em prol do trabalho do Conselho de Medicina do Ceará pela dignidade da profissão médica e pelo bom atendimento à saúde dos pacientes. 222


O CREMEC continuará somando esforços com o Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará, a Associação Médica Cearense e a Academia Cearense de Medicina, na construção de uma medicina pautada pela busca da excelência científica, do perfeito desempenho ético e pelo engajamento social. Assim como dará continuidade à parceria com a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública, no esforço comum pela garantia de saúde para todos. E desde já agradecemos a dedicação e o empenho dos membros das Câmaras Técnicas e das Seccionais, dos Representantes municipais do Conselho e dos funcionários do CREMEC. Por fim, de um modo todo especial, o agradecimento aos meus familiares, pelo apoio e solidariedade nesta caminhada. Muito obrigado. Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2013 *Discurso de posse do Dr. Ivan de Araújo Moura Fé na presidência do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, no dia 17/10/13, em Fortaleza – Ceará.

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PROGRAMA MAIS MÉDICOS Poucas vezes os médicos brasileiros se sentiram tão atingidos como nos últimos três meses, com os vetos da Presidência da República a diversos artigos da lei 12.842, “que dispõe sobre o exercício da Medicina”, e a promulgação da Medida Provisória 621, que instituiu o Programa Mais Médicos. A não aprovação do artigo que assegurava exclusivamente aos esculápios o direito de firmar o diagnóstico das doenças e estabelecer o respectivo tratamento não só causou nos médicos perplexidade e indignação como gerou diversos subprodutos: alguns interessados, apressadamente, concluíram que qualquer profissional de saúde poderia montar consultório e oferecer atendimento à saúde das pessoas enfermas. Houve quem se adiantasse propondo que a prescrição de medicamentos estava dentro das competências de outras profissões. Naturalmente, poderíamos argumentar que a lei brasileira em nenhum momento delegou tais atribuições a profissionais não médicos. Pelo contrário. A citada lei 12.842 diz que o médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças. O texto legal não alargou o campo de atuação de nenhuma outra profissão. De fato, desde que o mundo é mundo, quando alguém se sente doente logo pensa em ir a um médico. E tudo indica que as coisas continuarão assim. É claro que os médicos reconhecem a importância do trabalho dos outros profissionais de saúde, da ação conjugada de pessoas detentoras de diferentes saberes. O que se quer, no entanto, é que não fiquem dúvidas quanto ao que é específico de cada profissão, o que de forma alguma impede que todos trabalhem em prol de uma melhor saúde para a coletividade. No que diz respeito à MP 621, com a justificativa de que faltam médicos em vários municípios brasileiros, o governo federal desencadeou a maior campanha publicitária contra médicos brasileiros, apontados 225


como xenófobos e elitistas, tudo para justificar a importação de médicos estrangeiros sem a obediência aos trâmites que a legislação brasileira estabeleceu há décadas. Com efeito, a Lei 3.268, “que dispõe sobre os Conselhos de Medicina”, foi aprovada em 1957, sendo sancionada por um médico, o Presidente Juscelino Kubitschek, recebendo também, entre outras, a assinatura de um cearense, Parsifal Barroso, na época Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Desde então, todos os médicos têm que se registrar no CRM, como condição sine qua non para o exercício da Medicina em nosso país. Esta regra de ouro foi duramente atingida pelas disposições da MP 621. De início, pela determinação de que os médicos formados no exterior estavam dispensados da revalidação do diploma, o que afrontava não só a lei dos conselhos, mas também a lei de diretrizes e bases da educação nacional. Depois, como represália à legítima reação dos Conselhos de Medicina, os quais continuaram exigindo documentos que comprovassem a qualificação médica dos chamados intercambistas, além da necessária demonstração de fluência no idioma de Camões e Machado de Assis. Neste item, aconteceu um fato risível: um médico formado no exterior firmou documento asseverando que falava bem a língua portuguesa. O curioso é que tal documento foi escrito em espanhol... Em outros casos, pairaram dúvidas sobre a originalidade e a autenticidade das cópias de diplomas médicos apresentadas aos Conselhos, o que suscitou cobranças de providências corretivas. Estranhamente, o zelo demonstrado pelos Conselhos de Medicina foi traduzido pelo governo como obstrução e falta de patriotismo. Ameaças foram feitas aos dirigentes dos Conselhos de Medicina, os quais poderiam ser processados por improbidade. E, por fim, veio a decisão do Olimpo planaltino de que os médicos intercambistas não mais se registrariam no CRM e sim no Ministério da Saúde. E assim, no acirrado debate desenvolvido no Congresso Nacional sobre a matéria, o governo fez questão de se impor pela força e aprovou o que quis. Teve, porém, que fazer algumas concessões. A carreira de estado para 226


médicos, proposta que as entidades médica vêm defendendo há tempo, deverá ser implementada nos próximos três anos. O financiamento da saúde dificilmente poderá sair da pauta do Congresso, tantas foram as demonstrações de que, no atual estado de coisas, nem Padilha, nem cubanos, nem marcianos trarão avanços significativos para o setor saúde. Pelo menos enquanto alguma Medida Provisória não extinguir os Conselhos de Medicina, o CREMEC continuará desempenhando seu papel de promover o desempenho técnico, científico e ético da medicina. O que lhe é assegurado pela citada lei 3.268, mutilada, porém ainda em vigor... Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2013

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PRONTUÁRIO MÉDICO O prontuário é um documento fundamental no trabalho médico, destinando-se ao registro preciso e detalhado da história clínica do paciente, além de evolução, tratamento, exames realizados e todas as intercorrências. Para cada paciente atendido, o médico deve elaborar um prontuário, o qual tem que ser completo e compreensível, contendo a sequência das diversas etapas do atendimento. Eis o que diz sobre a matéria o Código de Ética Médica (CEM): Artigo 87. É vedado ao médico – Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente. § 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina. § 2º O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente. A obediência a tais regras é importante para o bom acompanhamento clínico, inclusive quando outros médicos participam do tratamento ou têm que fazer alguma intervenção de urgência em benefício da saúde do paciente, circunstância que patenteia a necessidade de o prontuário ser legível. Ademais, a anotação cuidadosa do histórico e do tratamento da pessoa enferma poderá ser extremamente útil para demonstrar o zelo do médico na adoção tempestiva das condutas clínicas que a condição do paciente requer, especialmente quando ocorrem denúncias contra o esculápio. No Conselho Regional de Medicina do Ceará, já houve situação em que o prontuário foi decisivo na defesa do médico acusado, possibilitando que este, de maneira tranquila, evidenciasse que tinha agido, em todas as fases do tratamento do doente, dentro do que preceitua a boa prática clínica. No entanto, o contrário também já aconteceu. Numa pendência entre médico e paciente junto ao órgão de defesa do consumidor, que incluía solicitação de indeni229


zação, o CREMEC, convidado a acompanhar o caso, constatou que, naquela circunstância específica, o prontuário era tão pobre em dados, tão mal preenchido, que passou a ser uma peça de acusação contra o médico, deixando-o em situação extremamente vulnerável e forçando-o aceitar um acordo em que se obrigou a ceder às exigências financeiras da paciente que o acionava. Há, no que tange ao prontuário, outros dispositivos éticos de grande relevância. Como repositório de dados do paciente, o prontuário é alcançado pelas normas referentes ao segredo médico. E as informações sobre o tratamento do enfermo são de propriedade deste, cabendo ao médico a sua guarda. Deste modo, o paciente tem direito de acesso ao prontuário (artigo 88 do CEM), assim como pode solicitar ao médico “explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros”. Com a ressalva citada, se o paciente requerer cópia do seu prontuário, o médico ou a instituição responsável pela guarda deste documento médico tem o dever de fornecê-la. No pólo oposto, anote-se que os dados do prontuário não devem ficar ao alcance de pessoas outras, a não ser com a autorização escrita do doente. A restrição alcança inclusive os familiares do paciente, ainda que sejam médicos, os quais só têm a prerrogativa de manusear o prontuário após autorização do enfermo. Já os médicos auditores de planos de saúde podem examinar o prontuário nas dependências da instituição em que ocorre a assistência médica. É conveniente, ainda, esclarecer qual a conduta ética a ser adotada quando chega ao médico ou ao hospital requisição judicial de prontuário. Neste caso, o prontuário não deve ser encaminhado, mas sim disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz (§ 1º do artigo 89 do CEM). Tudo isto visa preservar a intimidade, a privacidade e a honra das pessoas, conforme previsto na Constituição Federal do Brasil, artigo 5º, inciso X. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2013 230


LUTAS PARA 2014 Em andamento o ano de 2014. Grandes acontecimentos estão agendados, como a Copa do Mundo de Futebol e as eleições para Deputados Estaduais e Federais, Senadores, Governadores e Presidente da República. Outros eventos certamente ocorrerão, tenham ou não analogia com a grande mobilização de rua acontecida em meados de junho do ano passado ou com os “rolezinhos” verificados mais recentemente. Como sempre, algumas intercorrências não previstas darão o devido colorido ao horizonte dos próximos meses, queiram ou não os mais conservadores ou os ansiosos. A capacidade humana de antevisão dos fatos tem limites e é constantemente desafiada pelos imprevistos. Resta, assim, planejar as ações, a partir das necessidades evidentes e de uma averiguação o mais possível acurada da realidade atual, sopesando possibilidades, desafios e dificuldades, o que não significa abdicar dos sonhos e das utopias. É isto que o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (CREMEC) se dispõe a fazer, até mesmo por estar distante uma situação minimamente aceitável no que diz respeito à qualidade da atenção ministrada à saúde da população e às condições de trabalho e de remuneração dos médicos cearenses. Recentemente, em 29 de janeiro de 2014, foi realizada uma Assembleia dos médicos alencarinos no auditório do CREMEC. Sob a coordenação do Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará (SIMEC), foi deflagrada a Campanha Salarial 2014, movimento que alcança os demais Estados do país e que tem por bandeira principal a luta pela aplicação do teto da Federação Nacional dos Médicos (FENAM), o que significa pagar aos médicos, por 20 horas semanais de trabalho, a importância mensal de R$ 10.991,00. Tal proposta já foi apresentada ao Secretário Estadual de Saúde e ao Prefeito de Fortaleza. Outra matéria importante é a luta por concurso público para médicos. Uma vez que os gestores públicos afirmam a carência de médicos, o que resultou na 231


contratação de milhares de profissionais estrangeiros, os intercambistas, parece mais lógico abrir concurso para suprir a carência de esculápios no serviço público. Este foi, convém lembrar, um compromisso assumido pelo atual Prefeito de Fortaleza, em 18 de outubro de 2012, Dia do Médico, conforme ficou documentado no Jornal Conselho nº 95, de setembro/outubro de 2012, acessível no endereço eletrônico http:// www.cremec.com.br/jornal/jornais.htm. A formação médica é outra linha prioritária de trabalho do Conselho de Medicina. Neste aspecto, o CRM organiza cursos científicos para os médicos, estando em início o Curso de Psiquiatria Básica para Médicos Clínicos, com 182 horas de aulas e duração de 7 meses, contribuindo para que seja cumprido o que preceitua o Código de Ética Médica, no item V dos Princípios Fundamentais, segundo o qual “compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente”. Igualmente, promove o CREMEC congressos científicos e éticos e, numa vertente mais concentrada nas normas éticas da profissão, realiza Fóruns de Ética Médica em hospitais de Fortaleza e nas cidades do interior do Estado. Por sinal, no dia 30/01/14, ocorreu na cidade de Beberibe o CXVII Fórum de Ética Médica do Interior, tendo sido ali discutidos temas como Relação com Pacientes e Familiares, Atestados Médicos e Atestado de Óbito, Responsabilidade Profissional e Direitos dos Médicos, além de Programa Saúde da Família, Transferência de Pacientes e A Situação da Saúde no Município. Por fim, porém certamente de grande relevância, as ações de fiscalização do Conselho de Medicina estão sendo intensificadas, sendo vistoriados os serviços de saúde de pelo menos dois municípios cearenses por semana, além da verificação das condições da assistência médica no Programa Saúde da Família e nos Postos de Saúde e hospitais de Fortaleza. Cada fiscalização resulta em relatório encaminhado às autoridades de saúde e à Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública, além da 232


cobrança no sentido de que sejam corrigidas as distorções encontradas. É pela dedicação continuada às atividades referidas que o CRM do Ceará continuará honrando o compromisso de lutar com denodo pela melhoria da saúde da população cearense e pela dignidade e o bom conceito da Medicina e dos que a exercem. Publicado originalmente no jornal Conselho em jan/fev/2014

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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA - ELEIÇÕES O Conselho Federal de Medicina, órgão máximo de normatização da ética da profissão médica, realizará em agosto próximo eleições para renovação do seu corpo de conselheiros, em processo eleitoral que abrangerá todos os Estados do país e o Distrito Federal. As regras da eleição foram divulgadas ainda em 2013, constando da Resolução CFM nº 2.024/2013, publicada no Diário Oficial da União de 28/08/13. Com a proximidade do pleito, e visando estimular o interesse e a participação dos médicos na escolha dos representantes cearenses para a futura equipe do CFM, estão listadas abaixo algumas das informações principais sobre a matéria: 1. Período de inscrição de chapas: de 26/05/14 a 24/06/14. 2. Data da eleição: 25 de agosto de 2014. 3. Os médicos de Fortaleza votarão por comparecimento pessoal. Os do interior votarão por correspondência. 4. O mandato dos conselheiros eleitos irá de 01/10/14 a 30/09/19. Cabe, neste instante, avaliar a importância do Conselho Federal de Medicina para a saúde brasileira e para o exercício da medicina e buscar o meio de fazer boas indicações dos representantes alencarinos no CFM. Em vários momentos da vida nacional, o CFM liderou os Conselhos Regionais de Medicina em lutas de reconhecida importância em prol da saúde da população brasileira. Para exemplificar, pode ser feita referência a um período decisivo da história do Brasil – os idos de 19871988 – ocasião em que o CFM participou, de forma destacada, ao lado de outros segmentos da população civil organizada, da elaboração do texto que se tornou a Seção “Da Saúde”, da Constituição Federal de 1988, consagrando de forma memorável o princípio de que “A Saúde é direito de todos e dever do Estado”, garantido através da implantação 235


de um sistema público de saúde, com caráter universal, resolutivo e igualitário, capaz de bem atender a todos os brasileiros. Tal bandeira, de inegável valor ético e social, tornou-se motivo de orgulho para todos os brasileiros, habitantes de um país com enormes dificuldades sociais e econômicas, porém dotados de ousadia e sentido humanitário de defender o melhor para todos. Em anos mais recentes, o Conselho Federal de Medicina prosseguiu no esforço pela melhoria do ensino médico, com o intuito de contribuir para formar médicos bem preparados do ponto de vista ético, técnico e científico. É verdade que tal pugna não conseguiu barrar a abertura desenfreada de novas escolas médicas, várias das quais não possuidoras das condições minimamente exigíveis para a gestação de esculápios exemplares. O que, entretanto, não invalida a tenacidade com que os Conselhos de Medicina defendem a criação de mecanismos permanentes de avaliação da qualidade dos cursos de medicina, que permitam a manutenção, com louvor, das boas escolas médicas, mas também possibilitem a aplicação de sanções àquelas desprovidas dos requisitos indispensáveis para a boa formação médica, as quais poderiam vir a sofrer punições, desde a redução das vagas ofertadas até a suspensão do funcionamento do curso comprovadamente precário. É claro que este trabalho do CFM tem sido levado a cabo em articulação com os Conselhos Regionais de Medicina. Em todas essas linhas da ação capitaneada pelo Conselho Federal de Medicina, aí incluída a fiscalização constante de hospitais, postos de saúde, policlínicas e todas as demais organizações em que se verifica a prática médica, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará teve atuação destacada. Enfatize-se, por fim, que os representantes do Ceará no Conselho Federal de Medicina, entre os quais foram Conselheiros Efetivos os médicos Lino Antonio Cavalcanti Holanda, Francisco das Chagas Dias Monteiro, Rafael Dias Marques Nogueira e José Albertino Souza, 236


desempenharam com dignidade e competência as elevadas tarefas inerentes aos cargos que ocuparam. É o que tambÊm se espera de quem for eleito em 25 de agosto de 2014. Publicado originalmente no jornal Conselho em mar/abr/2014

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AUTONOMIA: CONTROVÉRSIAS Há algumas semanas, foi veiculada pela imprensa uma notícia que mais uma vez suscitou polêmica acerca dos limites da autonomia de pacientes e médicos. Uma mulher da cidade de Torres – RS, na 42ª semana de gravidez e antecedentes de duas cesáreas, insistia em ser submetida a um parto por via normal e acompanhamento de uma doula. Estava, no entanto, internada em hospital, e a obstetra que a assistia, convencida de que havia riscos para a mãe e a criança se não fosse feito o procedimento cirúrgico, e após se revelarem infrutíferas as tentativas de persuasão da gestante, acionou o Ministério Público, indo a pendência à apreciação do Judiciário. Uma juíza determinou que fosse realizado o parto cesariano, sendo acionada a polícia para reconduzir a paciente ao hospital, do qual ela se ausentara após assinar termo de responsabilidade. Todos estes fatos provocaram fortes protestos da parturiente e ameaças de ação judicial contra a obstetra e o hospital em que, ao final, pelo menos do ponto de vista clínico, chegou a bom termo aquela acidentada gestação... O tema foi objeto de artigo na Folha de São Paulo de 04/04/14, em que o jornalista Hélio Schwartsman definiu a ocorrência como um fracasso da medicina e da justiça brasileiras e classificou a atitude médica como “empáfia hipocrática”. Certamente, foi pelo menos inusitado o que ocorreu. E talvez dê margem a uma reflexão, de preferência isenta de passionalismo, acerca da liberdade, do direito ao próprio corpo e do papel do Estado na proteção das pessoas. Sem omitir que o risco apontado alcançava não só a reclamante, mas também a criança prestes a nascer. Desperta, por sua vez, acalorados debates a situação em que o médico atende pacientes Testemunhas de Jeová e se evidencia a necessidade de transfusão de sangue. Dizem esses pacientes que, para eles, receber sangue significa sofrer agressão em suas mais profundas convicções religiosas. Chegam a comparar a transfusão de sangue a um estupro e são peremptórios na afirmação de que preferem morrer a violentar a própria 239


fé. Por diversas vezes, o Conselho Regional de Medicina se pronunciou sobre a matéria, lembrando que cabe ao médico respeitar a vontade e as convicções religiosas dos enfermos – registre-se que a liberdade de consciência e de crença está prevista constitucionalmente, incluindo-se entre os direitos e garantias fundamentais –, mas que deve agir, adotando o procedimento cientificamente indicado para o paciente, nos casos em que há risco iminente de morte, mesmo que isto contrarie o doente. A complicação aumenta, no entanto, quando se trata de paciente menor de idade, cujos pais, respondendo pelo filho, proíbem o uso de sangue. Surge aqui uma perspectiva nova, ou seja, a circunstância em que os genitores de um enfermo tomam uma deliberação que pode contribuir para a morte do doente. Como ficam as análises sobre a liberdade de agir, a autonomia de médico e de paciente, o direito de decidir por outras pessoas, o dever do médico de utilizar todos os meios a seu alcance em benefício da saúde do paciente? O recurso ao Conselho Tutelar pode tornar-se necessário, nos termos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. A Medicina surgiu e se desenvolveu tendo por meta e razão de ser alcançar o melhor para a saúde dos doentes. Com este intuito, muitas vezes os médicos se conduzem de forma que pode parecer oposta aos valores e direitos dos pacientes. É então que surgem os conflitos entre os princípios da beneficência e da autonomia. Primeiro que tudo, agir em prol da saúde e não causar dano. Esta é uma das leituras do famoso postulado hipocrático. Equilibrar o respeito ao direito do paciente de decidir acerca do que aceita ou não no tratamento de sua saúde e o dever intrínseco do médico de envidar todos os esforços para salvar a vida do enfermo sob seus cuidados é muitas vezes um grande desafio para os esculápios, em que devem ser sopesados e levados em consideração o valor fundamental da dignidade humana e os princípios cardeais da prática médica. Publicado originalmente no jornal Conselho em mai/jun/2014 240


ÉTICA E GENÉTICA Há alguns meses, a atriz Angelina Jolie anunciou que se submetera a uma mastectomia bilateral após descobrir que tinha uma mutação no gene BRCA1, condição que implica em previsível aumento do risco de desenvolvimento de câncer de mama, até mesmo pelo fato de que a famosa estrela apresentava um histórico familiar com relato de que, além de sua mãe, a tia e a avó maternas teriam morrido com câncer de mama. No caso, a partir da anamnese e de um diagnóstico genético, uma intervenção médica ocorreu com o objetivo de prevenir futura doença. Um dos grandes anseios humanos sempre foi conseguir visualizar o futuro, tentando antecipar e, se possível, evitar acontecimentos funestos, enfermidades, pragas e outros males. Os resultados precários de tal tentativa sempre estiveram entre as causas geradoras de grande carga de ansiedade em homens e mulheres. Pelo menos até agora, não há como garantir saúde, vida longa, paz e prosperidade. Caminhos diversos foram e continuam sendo trilhados pelos humanos com o intuito de alcançar alguma serenidade e segurança. Na história da humanidade, conviveram frequentemente os rituais místicos em busca da proteção divina, com esforços pela aquisição de conhecimento. Na perspectiva científica, descobrir meios de assegurar saúde e longevidade foi tarefa a que se dedicaram muitos dos homens de ciência. Mas também ocupou ficcionistas e escritores de talento. Assim é que, em Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley imagina uma sociedade futura em que, em laboratórios, a geração de pessoas se daria por meio de um processo em que medidas seriam previamente adotadas para excluir futuras doenças. Algo como uma vacinação antes do nascimento. Atento, porém, às possibilidades de erro, uma peculiaridade inafastável da condição humana, o autor registra que a distração de um funcionário do laboratório, enganando-se na administração da substância que evitaria a doença do sono, acabou resultando no surgimento e morte, tempos depois, de um paciente com tripanossomíase, o primeiro caso em cinquenta anos... 241


O fato é que o diagnóstico genético vem despertando crescente interesse como ferramenta apta a identificar possibilidades mórbidas futuras, propiciando a análise da conveniência ou não da adoção de determinadas medidas terapêuticas, sejam cirúrgicas ou de outra ordem. Pode, no entanto, suscitar outras consequências. É possível que o diagnóstico genético se preste à discriminação por parte de empregadores ou de planos de saúde. Imaginemos que o empregador exija, dentro dos requisitos para admissão ao emprego, que o candidato se submeta a um rastreamento para genes relacionados com câncer. A informação genética sobre o indivíduo passaria a fazer parte do curriculum vitae? Tornaria mais caro o plano de saúde? Poderia ser utilizada pela operadora de planos de saúde como argumento para rejeitar ou excluir usuários? O Código de Ética Médica diz, em seu Princípio Fundamental I, que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza. Por sua vez, a UNESCO proclama, através da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, que “a todo indivíduo é devido respeito à sua dignidade e aos seus direitos, independentemente de suas características genéticas” (artigo 2); e que “nenhum indivíduo deve ser submetido a discriminação com base em suas características genéticas, que vise violar ou que tenha como efeito a violação de direitos humanos, de liberdades fundamentais e da dignidade humana” (artigo 6). Assim, é necessário que a sociedade esteja preparada para usufruir os reais benefícios que a genética vem conquistando para a saúde, sem aceitar, contudo, que o conhecimento adquirido seja utilizado para discriminar pessoas e agredir direitos. Publicado originalmente no jornal Conselho em jul/ago/2014

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DEBATES ELEITORAIS As eleições de outubro de 2014, para escolha, entre outros, do Presidente da República e do Governador do Estado do Ceará, possibilitaram a realização de debates de que participaram o Conselho Regional de Medicina do Ceará, o Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará e a Associação Médica Cearense. Os objetivos das entidades médicas cearenses com a iniciativa incluíam a apresentação aos candidatos ao cargo máximo do executivo estadual de algumas das propostas mais caras ao movimento médico alencarino, a exemplo da realização de concurso público para médicos e da adoção de medidas concretas que garantissem o acesso da população aos serviços públicos de saúde, acabando com as intermináveis filas para consultas, cirurgias e exames complementares, vistas pelas lideranças médicas locais como um acinte aos enfermos e um desrespeito à cidadania. Em uma das discussões, foi defendida a ideia de que o hospital público a ser construído em Fortaleza deveria sê-lo no campus da Universidade Estadual do Ceará, tornando-se hospital-escola dos cursos da área da saúde da UECE, com indiscutíveis vantagens para a formação técnica e científica dos alunos daquela instituição. Naturalmente, também foram abordadas as condições de trabalho dos médicos nos hospitais públicos, a sobrecarga do atendimento, a carência de recursos humanos e equipamentos, fatores determinantes da sobredita precariedade de acesso dos enfermos aos cuidados de saúde que a medicina moderna recomenda e a solidariedade humana postula. Sendo uma matéria bem atual, também foi indagado aos candidatos qual era seu entendimento acerca da carreira de Estado para médicos. A ideia, que é uma das bandeiras de luta do movimento médico brasileiro, tem analogia com o que se verifica na magistratura, de tal modo que com sua implantação teríamos o médico concursado, com estabilidade e possibilidade de ascensão, remuneração digna e garantia de boas con243


dições de trabalho, o que seria o verdadeiro caminho para concretizar a presença de médicos em todas as cidades do país. Por sinal, chamou a atenção durante o processo eleitoral a frequência com que diversos candidatos ao legislativo defenderam como coisa pacífica essa tese dos esculápios, tendo-a como uma formulação bem mais elaborada e consistente do que o atual Programa Mais Médicos que, como se sabe, padece de defeitos de monta, como o fato de médicos estrangeiros não terem seus diplomas devidamente aferidos e revalidados pelas universidades públicas brasileiras, o que, aliás, era até então obrigatório, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal 9.394/96, artigo 48, § 2º). Nos encontros acima citados, foi lembrada recente fiscalização realizada pelo Conselho Regional de Medicina do Ceará na estrutura e no instrumental organizado para o que se chamou “Saúde na Copa”, por ocasião da recente – e traumática – competição futebolística. Como poucas semanas antes tinham sido mais uma vez verificadas pelo CRM as vexatórias condições de vários serviços de saúde de nosso meio, e tendo em vista as excelentes instalações e os equipamentos de última geração postos à disposição dos participantes do evento esportivo, houve a surpresa do contraste e ficou a conclusão de que, querendo, é possível fazer algo bem melhor, desde que haja a necessária confluência de esforços e interesses em benefício da coletividade e não apenas de alguns. É sabido de todos que o período eleitoral é propício a surtos de generosidade e de civismo, quando não de outras coisas mais... Multiplicam-se as promessas e os planos ditos inovadores para a solução das crônicas mazelas sociais. Há sinalizações de que ocorrerão melhorias na situação sanitária do Estado em futuro próximo. De repente, parece que os “verdes mares bravios” podem tornar-se mais belos. Entusiasmos sazonais à parte, no entanto, os profissionais da Medicina devem continuar engajados na construção de uma sociedade mais humana, na qual os doentes recebam uma atenção à altura das suas necessidades e dignidade. Nesta tarefa coletiva, importante papel está reservado 244


aos médicos. Não só exercendo a profissão com zelo e dedicação, mas também cobrando dos governantes medidas que amenizem as graves carências do setor saúde. Este é um dever da cidadania. Publicado originalmente no jornal Conselho em set/out/2014

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AS BASES DO RACIOCÍNIO MÉDICO APRESENTAÇÃO Ainda bem que esta obra, “As bases do raciocínio médico”, escrita há 30 anos pelo Dr. Fernando Monte, não ficou inédita, como chegou a pensar o autor ante as dificuldades de publicação. Embora, como ele diz, o só ato de escrevê-la tenha sido prazeroso, seria lamentável se as reflexões desenvolvidas pelo ilustre médico não viessem a lume. Foi bem melhor dar prosseguimento à “ilusão de poder colaborar com a sociedade, ao colocar um pequeno grão no majestoso edifício do conhecimento humano”. Nos capítulos iniciais do livro, vamos encontrar a inevitável e pertinente citação dos gregos, de Hipócrates e seus estudos sobre a natureza do homem e a sistematização da doença como um fenômeno natural, e oportunas referências a Platão, que escreveu sobre quase tudo, a tal ponto que já foi dito que toda a filosofia posterior se resume a notas de rodapé a Platão. Saltando alguns séculos e, portanto, diversos capítulos, chegamos a Claude Bernard e sua formulação de que a doença deveria ser entendida a partir da saúde. O que, numa dessas ginásticas da memória, me fez lembrar episódio ocorrido quando eu era estudante de medicina, e um conhecido meu se queixou de dor de ouvido. Foi ao médico e, ao retornar da consulta, mostrava-se decepcionado. Ao ser indagado sobre as razões do seu desapontamento, revelou: “Eu disse que estava com dor no ouvido direito, e o médico examinou primeiro meu ouvido esquerdo. Concluí que ele precisava ver como era o ouvido bom para só assim ter condição de asseverar que o outro ouvido estava enfermo”.

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Hoje, penso que o Doutor que atendeu meu amigo talvez estivesse redescobrindo Claude Bernard. Ou não. Poderia apenas estar dando sequência às várias etapas do exame do paciente, da forma que aprendera na faculdade de medicina. Manifesta o autor a preocupação de que “em nossa sociedade a saúde tornou-se um bem de consumo”, algo que pode ser vendido ou comprado. Ademais, “o mercado consumidor é ampliado com a transformação de um incômodo em uma doença”. De maneira que a classificação das doenças se ampliou ao ponto em que a CID virou um cartapácio que lembra os antigos catálogos telefônicos. São tantas as doenças indexadas, tão numerosos os transtornos, que dificilmente encontraremos alguém que não seja enquadrado em pelo menos duas ou três das categorias definidas como mórbidas. Daí a necessidade de estudar a saúde como normalidade e o conceito de doença. Por seu turno, pode ser útil recordar o que já foi expresso, com variada mescla de seriedade e gracejo, por alguns expoentes da Medicina: “Médico não entende de saúde. Médico entende de doença”. A constatação de que a indústria capitalista empurra o médico para o combate à doença e a utilização nem sempre bem indicada dos últimos recursos tecnológicos suscita a conveniência de lembrar as críticas e diatribes de pensadores e comediógrafos contra a Medicina ao longo do tempo. Algum personagem (seria de Molière?) já teria afirmado que não era dotado de saúde suficiente para aguentar simultaneamente a doença e o tratamento, achando-se capaz de sofrer apenas a enfermidade... Por sua vez, já houve quem fizesse o alerta: “Cuidado! Você pode estar normal!” 248


Não se trata de ignorar e negar a ciência e a tecnologia. Refere-se o autor à utilização racional dos avanços do conhecimento e da técnica, em benefício da saúde do ser humano. Por sua vez, ao abordar as condutas terapêuticas, e considerando quantas delas foram adotadas e depois consideradas impróprias ou até danosas, faz uma chamada à prudência, lembrando o lema hipocrático de “antes de tudo não prejudicar”. Não poderia faltar em tão qualificada obra a abordagem da questão da equidade no atendimento aos enfermos, um problema antigo – já referido por Platão em “As Leis”, em que temos a figura do médico dos senhores e a do médico de escravos –, cuja solução poderá dar-se menos pela via dos códigos, juramentos e leis que através da superação das desigualdades sociais. E é adequadamente valorizada a autonomia do paciente, matéria que ganha relevância nos dias atuais e envolve conflitos éticos e decisões difíceis. E em que o médico vai precisar cultivar mais o diálogo com o enfermo, ouvindo as razões deste e evoluindo para aceitar que “a melhor solução para o paciente não é necessariamente a solução técnica”. Reafirmando, ademais a concepção do indivíduo como um fim em si mesmo e não apenas como um meio, famosa formulação kantiana. Acrescente-se que o respeito à autonomia inclui a solicitação do consentimento livre e esclarecido do doente. E mais uma vez temos que expressar admiração ao anotar que Platão já falava do tema, na obra supracitada, relatando um diálogo no qual é dito que o médico nascido livre nada prescrevia antes de conquistar a autorização do paciente, claro que se referindo, no caso, às enfermidades de pessoas livres. Se o doente era um escravo, a conduta era outra... Há muito mais a ser visto no livro. Um capítulo, “Erro médico socialmente aceito”, é particularmente instigante ao abordar as possibilidades de erro mesmo quando o ato médico é executado “com as mais honestas intenções de acertar”. 249


Concluindo esta sinopse, diria eu que o Dr. Fernando Monte é um daqueles pensadores incômodos, no sentido de que não permite que seu leitor ou ouvinte prossiga placidamente a caminhada, sem dúvidas ou inquietações. Pelo contrário, levanta com frequência questões, põe em cheque conceitos estabelecidos, enfim, incita à reflexão. O resultado é enriquecedor, com ampliação dos horizontes conceituais e um aprofundamento da compreensão deste universo da saúde e da doença, em que transitam os médicos e os pacientes. Fortaleza, 13 de novembro de 2014

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PRONTUÁRIO ELETRÔNICO “Doutor, o senhor ainda é do tempo da fichinha?” Este foi o comentário, feito com ar de espanto e desagrado por um paciente que estava sendo atendido pela primeira vez por um médico, ao observar que o esculápio fazia as anotações da história clínica no tradicional formato de registro em papel. O doente parecia não entender como é que, com toda a tecnologia da informação atualmente existente, ainda houvesse alguém que se pusesse a utilizar recursos, a seu ver, da era das cavernas... Buscando ampliar o conhecimento do assunto, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (CREMEC) organizou nos dias 28 e 29 de novembro de 2014, para os médicos em atividade no Estado, um Curso de Atualização em Prontuário Eletrônico, que foi ministrado pelo Dr. Claudio Giulliano, membro da Câmara Técnica de Informática em Saúde do Conselho Federal de Medicina. Já faz alguns anos que o CREMEC debate o tema prontuário eletrônico (PEP). Desde o início das discussões, as preocupações principais com o PEP abrangiam: 1) A manutenção dos dados, ou seja, garantir que não ocorrerá a perda das informações; afinal, não queremos que os prontuários tenham existência efêmera. 2) A não adulteração dos dados, quer dizer, não permitir que haja alterações de evoluções, prescrições, resultados de exames, etc. 3) A manutenção do sigilo, isto é, que os registros dos pacientes não sejam acessados senão por pessoas autorizadas. Em outra vertente, a questão do arquivamento dos prontuários tem preocupado sobremaneira os responsáveis pelos documentos médicos, mormente no caso dos grandes hospitais ou clínicas de maior porte, que com o passar do tempo identificam a necessidade de alocação de um espaço cada vez mais amplo para o armazenamento dos prontuários dos pacientes. Em alguns casos, ocorre a terceirização da guarda e conservação dos prontuários, que inclusive vem ocorrendo em locais 251


diversos daqueles em que se dão os atendimentos médicos, às vezes a quilômetros de distância. O que torna impositiva a adoção de mecanismos que permitam a consulta rápida ao prontuário do paciente que está outra vez sendo atendido, consulta esta que pode ser decisiva para a compreensão da evolução clínica do enfermo, colaborando para que seja estabelecida a melhor conduta terapêutica. Hoje, os especialistas na matéria asseveram que já há tecnologia capaz de tranquilizar o médico e o paciente quanto aos tópicos supracitados. Para isto, porém, é necessário que sejam obedecidos alguns requisitos. A necessidade de sistematização do assunto levou o Conselho Federal de Medicina (CFM), em associação com a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), à elaboração de normas que regulamentassem o tema. Atualmente, está em vigor a Resolução CFM 1.821/2007, que “Aprova as normas técnicas concernentes à digitalização e uso dos sistemas informatizados para a guarda e manuseio dos documentos dos prontuários dos pacientes, autorizando a eliminação do papel e a troca de informação identificada em saúde”, cuja consulta é indispensável para quem tenciona migrar dos registros em papel para os eletrônicos. Não há que olvidar, no processo de implementação das regras da citada Resolução, a relevância da Comissão de Revisão de Prontuários da instituição prestadora de serviços médicos. E que é permanente a guarda dos prontuários arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado. Foi, ainda, estabelecido o prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último registro, para a preservação dos prontuários dos pacientes em suporte de papel, que não foram arquivados eletronicamente pelos meios acima listados. Para que seja adotado o PEP, o médico precisa ter certificado digital e utilizar um software certificado pela SBIS. Algumas vantagens da nova ferramenta parecem evidentes: a localização de informações dentro de um prontuário volumoso é uma dificuldade quando se utiliza o prontuário em papel. Com o formato eletrônico, o dado pode ser encontrado 252


rapidamente. Por sua vez, a organização dos dados permite a emissão de relatórios, o que poderá ser útil para levantamento estatístico e epidemiológico. Acrescente-se que o PEP pode ser acoplado a um banco de dados com informações sobre medicamentos, o que possibilita, inclusive, que sejam acionados alertas acerca, por exemplo, de interações medicamentosas e possíveis efeitos adversos dos remédios prescritos. Em tese, portanto, o prontuário eletrônico pode contribuir para melhorar a assistência aos pacientes, encontrando aí uma sólida justificativa ética. Ademais, levaria a uma redução significativa no consumo de papel, tendo também, por conseguinte, uma função ecológica relevante. Estando, assim, entre os instrumentos que os humanos se obrigam a adotar para a preservação do planeta, em respeito às gerações futuras. Publicado originalmente no jornal Conselho em nov/dez/2014

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Edições CREMEC-2014


Edições CREMEC-2014


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PERFIL IVAN MOURA FÉ

Discurso proferido pelo presidente do CREMEC conselheiro Lino Antonio Cavalcanti Holanda, por ocasião da inauguração do auditório Conselheiro Ivan de Araújo Moura Fé 18 de outubro de 1996.

Administrar bem a cousa pública é tarefa difícil. As pressões internas e externas, paralelas, são tantas que aquela tarefa só será alcançada, com muito suporte moral, sentimental e político, por parte do administrador.

Administrar bem a cousa pública é tarefa difícil. As pressões internas e externas, paralelas, são tantas que aquela tarefa só será alcançada, com muito suporte moral, sentimental e político, por parte do administrador.

SAUDE E CIDADANIA

HOMENAGEM Hoje, é dia de festa, para o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará: inauguramos o auditório conselheiro Ivan de Araújo Moura Fé, que estará à disposição dos médicos para eventos de que necessitarem. Por que este nome? Foi consensual entre todos os conselheiros, senão aplaudido. Jovem dinâmico, ex-presidente e iniciador da atual sede cujo término ficou sob a responsabilidade do professor Dalgimar Beserra. Dr. Ivan galgou com mérito, reconhecido por todos que lidam com a ética, devido à sua conduta sóbria, cavalheiresca. Essas qualidades o alçaram à mais alta postulação hipocrática: presidente do Conselho Federal de Medicina. Em sua gestão no CFM predominaram o respeito à sociedade e a valorização da excelência da prática médica; uma revolução na atuação do Conselho Federal de Medicina. Conselho esse reconhecido em todos os rincões, do Oiapoque ao Chuí, quando altruisticamente, durante cinco anos renunciou à convivência familiar, aos lazeres e à sua clientela, e como paladino da ética tornou-se um Ivanhoé, nos moldes modernos. Dr. Ivan, a classe médica cearense tem muito a lhe agradecer, não pelas páginas sociais, pela propaganda encomendada, mas pelo trabalho impagável, pela missão que a poucos é confiada, pela honestidade cotidiana dentro do humilde papel em que todo humanista se sente bem.

Há, no Brasil, o conceito, abraçado por muitos, de que a cousa pública é res nullius e por isso deva ser menosprezada, não merecendo um tratamento honesto e fiel às regras ditadas para a boa administração. Não se pretende, com tais conceitos, generalizar o insucesso, contra os interesses da coletividade, de todas as administrações da cousa pública. Há exceções. E, por falar em exceções, veja-se o gerenciamento da autarquia administrativa dos médicos nos últimos anos. Quase tudo, ali, mudou: há uma transparência total dos atos praticados pelo Conselho Federal de Medicina, na gestão do Dr. Ivan Moura Fé, à prova do mais exigente auditor. A lisura da mesma é fruto da filosofia impregnada pelo Dr. Ivan Moura Fé, respaldada na moral, na honestidade, na consciência política de destemido patriota. Substituindo a rotina imposta pelos administradores indicados, para o Conselho, pelo eixo São Paulo – Rio, surgiu o Comando de um nordestino, filho do Piauí e ofertado pelo Ceará para que se implantasse uma boa administração. Assim, aconteceu. Hoje, graças ao espírito empreendedor do Dr. Ivan Moura Fé, com a ajuda dos seus pares, o Conselho Federal de Medicina é um órgão auscultado em todas as questões relacionadas com a política de saúde do País. A figura do seu Presidente é sempre requisitada quando se trata de defesa do interesse da coletividade, por sua retidão moral, cultura e elevado grau de politização, a par de comprovado sentimento de brasilidade. Por tudo que tem feito em prol da categoria médica e do povo, o Dr. Ivan Moura Fé se tornou credor da administração geral. Evandro Carneiro Martins - Advogado Publicado originalmente no jornal Conselho em set/1995


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