Introdução A história dos concílios, ou sínodos eclesiásticos é uma área do conhecimento pouco explorado pelos evangélicos de forma geral, mesmo se tratando das chamadas denominações históricas. Neste mundo evangélico-protestante a impressão é que a história e a própria teologia surgiram apenas após a denominada Reforma Protestante ocorrida no século XVI. Ao jogar quinze séculos de história e teologia fora se corre o velho risco de jogar a água e a criança juntas. Desde os dias dos apóstolos (Atos) até o século XVI (Reforma) a Igreja Cristã construiu todos os seus fundamentos e na verdade o que os reformadores desejavam unanimemente era resgatar as verdades bíblico-teológica-eclesiástica que haviam sido amalgamadas com toda sorte de erros, desvios e equívocos muitas vezes por razões às mais espúrias imagináveis. Por está razão o movimento foi denominado Reforma e a ruptura com a Igreja Católica Romana ocorre pela razão de não haver possibilidade de se realizar as mudanças necessárias. Assim sendo, não se deve desprezar os quinze séculos iniciais do cristianismo, mas ao contrário, temos o dever de estuda-los com afinco e acuidade e extrairmos tudo quanto de bom e coerência bíblica. Esses séculos se constituem em um enorme e caudaloso rio com suas tranquilas, suas corredeiras turbulentas e perigosas, suas cachoeiras magnificas e que precisa ser navegado continuamente para se explorar todas as suas riquezas. Uma parte importante desta vasta historiologia são os chamados Concílios Ecumênicos ou Sínodos Eclesiásticos. Ainda que Lucas registre a realização de um Concílio em Jerusalém (Atos 15), para se discutir a questões da entrada dos gentios na Igreja, cujas teses de Paulo e Barnabé prevaleceram sobre as teses do grupo denominado judaizantes e posteriormente Tertuliano mencionem algo semelhante para discutir a permanência ou não do escrito “Pastor de Hermas” no cânon das Escrituras cristãs, no século III (HESS, 2002, p. 15), o primeiro nos moldes mais modernos do termo e dos quais suas resoluções foram registradas e preservadas é o de Elvira (306) atual cidade de Granada no Sul da Espanha. Somente a partir de Constantino, com sua politica fortemente benéfica ao cristianismo, tem inicio por iniciativa dele mesmo a série de Concílios da Igreja Cristã com representantes das igrejas do Ocidente e do Oriente, por está razão chamados de Ecumênicos. O primeiro convocado pelo Imperador é o de Nicéia (325) que tem como objetivo uniformizar os dogmas e práticas dentro da multiplicidade de grupos religiosos que se classificavam como cristãos (YOUNG, 2007). Nesse século IV o cristianismo precisa urgentemente forjar sua identidade pois terá que buscar sua integração no império e na sociedade não mais na condição de conflito e perseguidos, mas de parte integrante deste novo processo histórico. E será na bigorna dos Concílios ou Sínodos que se forjara com muita lagrima, suor e sangue a homogeneização dos dogmas de fé e prática que se constituíram nas muralhas do que vira a se constituir no grande império cristão.
Os Concílios são assembleias amplas em que se fazem presentes os bispos representantes de suas igrejas, ainda que seja possível a presença de outros clérigos e leigos, porém sem direito a voto. A convocação poderia ser feita por um bispo de grande prestígio, por uma autoridade política, mormente pelo imperador de plantão. Uma vez cumprido os requisitos legais eclesiásticos o concílio estava legitimado. A partir de então seus participantes iniciavam os debates de ordem teológica ou disciplinar, que geralmente se conclui em uma norma, sentença ou esclarecimento doutrinal que assume a forma de um cânone pronunciado ao final da reunião, que tem força de decisão colegiada ou conciliar, a qual se sobrepõe a autoridade individual ou local. Na leitura das discussões e resoluções tomadas nesses Concílios é possível reconstruirmos a configuração que a Igreja Cristã foi tomando na medida em que se configurava a sua identidade assumindo cada vez mais seu aspecto institucional e normativo dos comportamentos dos seus fieis e sua relação com o Estado e a Sociedade na busca de sua legitimidade e hegemonia, o que veio a ocorrer no período final do Império Romano e inicio do que veio a ser denominado de Sacro Império Romano, onde a Igreja Cristã coroava imperadores e reis.
Quadro Sintético dos Sete Concílios Cristão Ecumênicos Concílio/Ano
Tema Central
NICÉIA – 325
A Natureza de Cristo dentro da Trindade
Personagens Principais Ário, de Alexandria; Alexandre, de Alexandria; Eusébio de Nicomédia.
Resolução
CONSTANTINOPLA - 381
De que forma a humanidade e a divindade se relacionam em Jesus Cristo. Conflito entre a hermenêutica da escola de Alexandria
Apolinário de Laodicéia; Houve vários sínodos que se Damário de Roma; pronunciaram contra o Gregório de Nazianzo. apolinarismo (Jesus tinha corpo e alma humana, mas o espírito era o Logos) defendia a unicidade de Jesus; e Damário e Gregório defendia a dualidade de Jesus, pois ao se encarnar Ele era plenamente
O imperador Constantino, chamou os bispos para Nicéia. Mais de 300 bispos se fizeram presentes. O credo oferecido por Eusébio de Cesaréia foi rejeitado. Escreveu-se o credo de Nicéia, com as declarações “geradas, não feitas... consubstancial com o Pai (homo-úsios)”. Foram rejeitadas frases arianas, tais como “havia tempo quando ele não era”, e “feito do que não era”. Foram exilados os poucos que não aceitaram a fórmula nicena. A unidade eclesiástica foi o grande objetivo do imperador.
(alegorista) e a de Antioquia (literalista). ÉFESO - 431
CALCEDÔNIA - 451
CONSTANTINOPLA (2º) 553
humano e plenamente divino. Este concílio também reafirmou as decisões de Nicéia contra o arianismo. Qual a maneira que a Nestor e Anastácio de Concílio ecumênico, humanidade e a Constantinopla, convocado pelo imperador divindade de Jesus se Diodoro de Tarso, Teodósio II. Foi um dos mais relacionam. A grande Teodoro de tumultuados e politizados. Em sessão (junho) liderada por polêmica foi sobre o Mopsuéstia (escola de Cirilo (Roma), e dominada termo “theótokos” Antioquia); Cirilo de (mãe de Alexandria, Celestino I, pelos bispos do Egito, condenou e depôs a Nestor Deus/genitora de bispo de Roma (Constantinopla). Em no mês Deus) e como deveria levantaram os seguinte (julho), com a ser aplicado à pessoa contrapontos. Realçachegada da comissão liderado de Maria. se a rivalidade por João de Antioquia efetuacrescente entre Roma se a condenação e deposição e Constantinopla pela de Cirilo e seus seguidores. primazia cristã. Em agosto, os legados papais (também chegados atrasados) juntaram-se a Cirilo e seus bispos, e declararam depostos não somente Nestor, mas também a João. Ao mesmo tempo condenaram o nestorianismo, o pelagianismo, o messalianismo, assim como mantiveram a condenação do arianismo e do sabelianismo.. Posteriormente Cirilo (Roma) e João (Antioquia) fizeram um acordo (fórmula da unidade), mas Nestor (Constantinopla) não foi convidado a participar e ficou exilado até a morte. Continua a discussão Dióscoro, bispo de Em 449 havia sido realizado o sobre a humanidade e Alexandria, Êutico, segundo Concílio em Éfeso. Um a divindade de Jesus abade de total fracasso. Após a morte do Cristo. Há uma Constantinopla, imperador (Teodósio II) Pulquéria natureza ou duas? Crisápio, capelão do e seu marido Marciano fizeram imperador em nova convocação conciliar, agora Constantinopla (Escola em Calcedônia. São condenados Alexandria); do outro Êutico e Dióscoro (monofisismo), lado Flaviano, bispo de aprovando a tese de Leão Constantinopla, (diofisismo) definindo que Pulquéria, irmão do existem em Jesus Cristo “duas imperador e Marciano, naturezas em uma só pessoa esposo de Pulquéria [hipostática]”. Este concílio (escola Antioquia), encerrou as discussões apoiados por Leão, o cristológicas que permearam os Grande, bispo de Roma. três concílios ecumênicos. O modo em que a Egito e Síria Reafirmação do Concílio de humanidade de Cristo (monofisitas – uma só Calcedônia; condenação dos se relaciona com a natureza); Basílisco, escritos dos monofisitas: divindade. Os imperador (475-476); Teodoro de Mopsuéstia, “monofisitas” Zenon, imperador (476- Teodoreto de Ciro, e Ibas de afirmavam que Cristo 491); Acácio, bispo de Edessa, conhecida como a tinha uma só Constantinopla; Félix III, “Condenação dos Três natureza. bispo de Roma (483Capítulos”. 492); Justino, imperador e Hormisdas, bispo de Roma; Justiniano, imperador (527-565).
CONSTANTINOPLA (3º) 680/81
NICÉIA (2º) – 787 - Último dos chamados Concílios Universais e/ou Ecumênicos.
Discussão sobre a proposição do monotelismo afirmava que Cristo tinha duas naturezas, mas uma só vontade.
Sérgio, bispo de Foi lida uma carta do papa Ágato, Constantinopla, apoiado que explicava a crença por Honório, de Roma. tradicional da Igreja de que Cristo tinha duas vontades, divina e humana e os conciliares concordaram. Macário de Antioquia e o papa Honório, que haviam defendido o monotelismo foram condenados, assim como todos os seus partidários. O concílio, em acordo com a carta de Ágato, definiu que Jesus Cristo possuía duas energias e duas vontades, de modo que a vontade humana de Cristo segue a vontade divina, sem estar em resistência nem, oposição em relação a ela, mas antes sendo subordinada a esta vontade todo-poderosa. Também foi condenado o monoenergismo. Quando o Concílio terminou, os decretos foram enviados à Roma, onde o sucessor de Ágato, o papa Leão II também concordou com eles[2]. O uso de imagens nas Os iconoclastas, O Concílio (2º de Nicéia, aceito igrejas e no culto. destruidores de como o 7º Concílio Ecumênico) imagens X os fez duas coisas: restaurou o iconodulos, uso de imagens nas igrejas e adoradores de nos cultos, e, diferenciou entre imagens; imperatriz “latria”, a adoração que se Irene, Tarásio, bispo deve a Deus, e “dulia”, a de Constantinopola e veneração inferior que se Adriano, bispo de presta a imagens. Todavia, no Roma. Ocidente o latim não possuía duas palavras distintas para adoração (latria e dulia) de maneira que houve muita confusão.
Utilização livre desde que citando a fonte Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião. Universidade Presbiteriana Mackenzie me.ivanguedes@gmail.com Outro Blog Reflexão Bíblica http://reflexaoipg.blogspot.com.br/
Artigos Relacionados Glossário da Patrística (Patrologia) http://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/07/glossario-da-patristica-eoupatristico.html?spref=tw
Síntese da História da Igreja Cristã - 2º Século http://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/07/sintese-da-historia-da-igreja-crista2.html?spref=tw História Igreja Cristã - Contexto Inicial http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2016/10/historia-da-igreja-crista-pode.html Atos o Primeiro Documento Histórico da Igreja Cristã http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/2016/10/historia-da-igreja-crista-atos-o.html Perseguições Império Romano à Igreja: Severo ao Edito de Tolerância http://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/01/perseguicoes-imperio-romanoigreja.html?spref=tw História da Igreja Cristã - Imperador Constantino: Herói ou Vilão http://historiologiaprotestante.blogspot.com/2017/02/historia-da-igreja-cristaimperador.html?spref=tw Referências Bibliográficas ALBERIGO, G. Conciles Oecumenics: L’Histoire. Paris: Éditions du Cerf, 1994. BERKHOF, L. História das doutrinas cristãs. Tradudotores João Marques Bentes e Gordon Chown. São Paulo: PES, 1992. CASIDAY, A.; NORRIS, F. W. Constantine to C.600. Cambridge; Nova York: Cambridge University Press, 2007. CHRISTIE-MURRAY, D. A history of heresy. Oxford; Nova York: Oxford University Press, 1989. GONZALEZ, Justo L. Historia del pensamiento cristiano. Buenos Aires: Methopress, 1965 [v. 1]; La Aurora, 1972 [v. 2]. 2 v. (Biblioteca de Estudios Teologicos). HÄGGLUND, Bengt. História da teologia. Trad. de Mário L. Rehfeldt e Gládis Knak Rehfeldt. Porto Alegre: Concórdia, 1981. HALL, S. G. Ecclesiology forged in the wake of persecution. In: MITCHELL, M. M.; YOUNG, F. M. (Ed.). Origins to Constantine. Cambridge; Nova York: Cambridge University Press, 2006 HEFELE, C.J e LECLERCQ, H. Histoire des conciles d’après les documents originaux. Paris: Letouzey et Ané, 1907. HUGHES, P. The Church in crisis; a history of the twenty great councils. Londres: Burns & Oates, 1960. LOHSE, Bernhard. A fé cristã através dos tempos. Trad. de Sílvio Schneider, rev. de Fausto de Borba Borges. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1981. LOUTH. A. Conciliar records and canons in YOUNG, F. (Ed.). The Cambridge History of Early Christian Literature. New York: The Cambridge University Press, 2007. MATOS, Alderi Souza de. A caminhada cristã na história – a Bíblia, a igreja e a sociedade ontem e hoje. Viçosa, MG: Ultimato, 2005. TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. Trad. de Jaci C. Maraschin. São Paulo: ASTE, 1988. SCHAFF, P. History of the Christian Church: apostolic christianity A.D. 1-100. Grand Rapids: Eerdmans, 1950. _________. History of the Christian Church: nicene and post-nicene Christianity. Grand Rapids: Eerdmans, 1950. THE ENCYCLOPEDIA of Christianity. Grand Rapids: Eerdmans, 1999. VON HEFELE, K. J. A history of the councils of the church, from the original documents: to the close of the council of Nicaea A.D. 325. Edimburgo: T. & T. Clark, 1883. (A History of the Councils of the Church, 1).
_______________. A history of the councils of the Church, from the original documents Ad 326 to Ad 429. Edimburgo: T. & T. Clark, 1896. (A History of the Councils of the Church, 2).