UMA ABORDAGEM SOBRE ORIGEM DOS BOVINOS, RAÇA, ZEBU E GIR Ivan Luz Ledić Assessor FICEBU RAÇA VISANDO ACLARAR DEFINIÇÕES E BUSCAR RESPOSTAS DO QUE SÃO RAÇAS E PUREZA RACIAL, consultamos a literatura, onde geneticistas e biólogos discutem esse assunto. As divisões da taxonomia dos seres vivos tentam descrever através da filogenia o princípio darwiniano de ascendência comum, para se chegar até a espécie animal. Segundo a teoria da evolução, nas espécies sexuadas, um conjunto de indivíduos geneticamente idênticos, que poderiam ser considerados raças puras, não existe e nunca existiram. Em uma espécie animal sempre ocorreu migração de genes por acasalamentos entre grupos, famílias e variedades em seu habitat natural. No passado, alguns grupamentos ou manadas, por isolamento geográfico e adaptação ao meio ambiente, desenvolveram aparência ou tipo definido, mas ainda assim com variação individual e com genes advindos de diversos tipos da população da espécie que lhe deu origem. Confirmando isso, dentro da teoria monofilética e dos estudos recentes de DNA mitocondrial, utilizando fósseis e animais viventes, indicam que o extinto Auroque ou Uru (Bos primigenius) é considerado o ancestral silvestre ou o precursor de todo o gado doméstico, tanto taurino como zebuíno. Os fósseis mais antigos de Auroques têm cerca de 2 milhões de anos e foram encontrados na Índia, na região do deserto de Thar, mas existiam também em Gujarat, área de Ganges e Karnataka. Portanto, as subespécies indianas foram as primeiras originadas do Bos primigenius. Durante o Pleistoceno e começo do Holoceno os Auroques migraram para o Oriente Médio, para a Ásia e Europa à cerca de 270 mil anos atrás, quando ocorreu a diversificação entre o Bos primigenius primigenius (taurus) e o Bos primigenius namandicus (indicus), interpretada como evidência de dois eventos de domesticação separados, à cerca de 10 mil anos atrás (no período Neolítico). Um dos eventos deu origem aos taurinos e aconteceu no Oriente ou Sudoeste da Ásia, na região da Turquia, Síria, Líbano, Jordânia, Chipre, Israel, Iraque e Palestina, entre o mar Mediterrâneo e o Irã. O outro evento ocorreu no Baluquistão (hoje Paquistão), dando origem aos zebuínos. O Auroque foi descrito na Bíblia e era usado pelos romanos como um bovino de batalha em arenas. O Auroque foi extinto em 1627, quando uma fêmea morreu na reserva florestal de Jaktorów, Polônia. Seu esqueleto é propriedade do Museu Livrustkammaren em Estocolmo, Suécia (Figura 1).
Figura 1 – Esqueleto do último Auroque (Bos primigenius) Assim, em biologia, os zoólogos geralmente consideram ‘raça’ um sinônimo das subespécies, caracterizada pela comprovada existência de linhagens distintas dentro das espécies. Segundo a FAO, é um termo mais cultural que técnico. Em seus primeiros estágios, todas as raças têm um centro geográfico de origem onde 'determinados animais se assemelham' e, após a domesticação, os criadores desenvolveram seleção e comercialização desse chamado agrupamento biológico. Através de meticuloso
registro de pedigrees se tenta isolar esses animais e evitar a migração de genes de outros animais da população. Isso posto, para fins práticos, uma população é uma ‘raça’ quando: 1. Tem características que a identifique e/ou; 2. Tem uma associação formal de criadores e/ou; 3. Quando uma entidade ou governo afirma que ela é. Dessa forma, podemos dizer que ‘raça puro sangue' é aquela que tenha uma história antiga, com documentação de seus pedigrees em livros genealógicos. Mesmo quando consideradas raças, podem ocorrer desacordos sobre o tipo ou sobre a finalidade dessas. Esse desentendimento pode transformar-se em uma nova divisão sobre padrões da raça e a população, então, pode subdividir-se novamente em dois ou mais subgrupos com coesão própria. Nem por isso, eles deixarão de ser a mesma 'raça' e de serem considerados 'puros' na visão de inventário das descrições de pedigrees. DESSA FORMA, A CONCEITUAÇÃO DE RECURSO GENÉTICO nos conduz a uma reflexão mais profunda DO QUE FALAR EM RAÇA. Recurso sim, em todas suas formas linguísticas, seja como alternativa, auxílio, remédio ou mesmo, patrimônio. O BERÇO DO ZEBU - A ÍNDIA A história do povo indiano é das mais antigas do mundo. Remonta 8.000 anos. Dentre as muitas coisas que se falava naquela época, a religião era uma delas. A crença em algo superior. O Hinduísmo tem preceitos que foram transmitidos de forma oral entre gerações e depois descrito, em 1.500 A.C., em 4 obras sagradas do Vedas (Rig, Sama, Yajur, Atharva), CONSIDERADO A MAIS ANTIGA DAS ESCRITURAS DA HUMANIDADE COMO COLETÂNEA DE TEXTOS RELIGIOSOS. No hinduísmo, por não ter um fundador exclusivo ou comum, não existe um sistema único de salvação, sendo uma das religiões das mais complexas e talvez fosse melhor falar em conjunto de concepções do que propriamente dogmática. A fé dos hinduístas tem uma base filosófica dividida em Dharshanas (pontos de vistas) e a determinação de onde termina a lógica e começa o imaginário é difícil. São normas de vida bastante diversas e não raro contrastantes umas com as outras. Portanto, não se pode falar em uma teologia sistematizada. Não tem uma só forma de crenças ou mesmo uma instituição que zele pela ortodoxia. Cada guru ensina à sua maneira. Talvez um ponto em comum seja o fato de todas as escolas hinduístas crerem na reencarnação. Apesar da inegável multiplicidade, O HINDUÍSMO NÃO É TÃO POLITEÍSTA QUANTO APARENTA. Muitos ocidentais pensam assim sobre o assunto, e isso é tão leviano como concluir, olhando para o santoral cristão, que o cristianismo é uma religião com vários deuses. ADHINATHA É DIVINDADE MÁXIMA E SE MANIFESTA NA TRINDADE BRAHMA, VISHNU E SHIVA. Os Vedas comentam a fertilidade dos animais como parte integrante da vida e tem raízes tradicionais profundas associadas a várias divindades. Outra escritura hinduísta fundamental, o Manusmriti, compilado por volta do século I A.C., enfatiza a importância da vaca para o homem. Nos séculos seguintes, foram criadas leis elevando gradualmente o status religioso bovino.
Então, dentro do nosso tema, uma primeira evocação à Kamadhenu, descrita na religião hindu como a mãe de todas as vacas. É considerada um animal perfeito, pois existe desde a época do paraíso (chamado de Satyuga). INCRIVELMENTE ISSO CONSTATA COM OS ESTUDOS ATUAIS DA ORIGEM BOS TER OCORRIDO NESSE CONTINENTE, CONFORME JÁ DESCRITO SOBRE O AUROQUE. Kamadhenu é a "vaca da abundância" milagrosa, que fornece ao seu proprietário tudo o que ele deseja, e é, muitas vezes, retratada como a mãe de todos bovinos. Na iconografia, uma vaca branca com uma cabeça e tronco de mulher sobre um corpo bovino ou como uma vaca branca contendo várias divindades dentro de seu corpo (Figura 2). Todas as vacas são veneradas no hinduísmo como a encarnação terrena de Kamadhenu.
Figura 2 – A mãe de todas as vacas – Kamadhenu Embora a maior parte dos hindus venere a vaca como o último estágio de reencarnação do ser humano antes de chegar à divindade, não existe templos para sua adoração, como ocorre com os ratos, serpentes, elefantes e macacos, também considerados encarnações de humanos. Segundo seus preceitos é nesses animais que a divindade costuma se manifestar. Embora a vaca seja sagrada para os hindus, ela não é exatamente adorada por todos como uma divindade, entretanto no 12º dia do 12º mês do calendário hindu, um ritual à vaca é realizado no palácio de Jodhpur, no estado de Rajastão. A vaca possui um papel importante na sociedade hindu como melhor representação da benevolência de todos os animais perante o homem e a religião hindu proíbe a matança e maltrato desses animais. Isto aconteceu provavelmente porque o povo Védico e as subsequentes gerações de hindus ao longo dos séculos dependiam tanto da vaca para todo o tipo de produtos lácteos, aragem dos campos, fezes e urina para combustível e fertilizante, que o seu status de "cuidadora" espontânea da humanidade cresceu ao ponto de ser identificada como uma figura quase maternal. De outro lado a vaca é associada a Krishna (um avatar da manifestação de Brahma, Vishnu e Shiva), o qual era um vaqueiro. O touro Nandi é descrito como seu meio de transporte e é símbolo de todos bovinos machos. Nandi é o touro branco que o acompanha, é sua montaria e seu mais fiel servo. Nandi está associado às forças telúricas e à virilidade (FIGURA 3). Os locais sagrados de Nandi, em Madurai e o templo de Shiva em Mahabalipuram, no estado de Tamil Nadu, são os mais venerados santuários bovinos. O Templo Vishwanath de Jhansi, construído em 1002, em Khajuraho, estado de Madhya Pradesh, também tem uma grande estátua do touro Nandi.
Figura 3 – Krishna e seu touro Nandi
UM FATO: Os grandes responsáveis para que o mundo conhecesse o gado Zebu e dos búfalos indianos foram os ingleses, durante o tempo que colonizaram a Índia. Enviaram exemplares das duas espécies para zoológicos e fazendeiros em várias partes do mundo e esses animais mostraram que não eram espécies puramente curiosas, mas produtivas. Entretanto, desde a colonização inglesa, principalmente o Gir na Índia tem sido cruzado com raças exóticas através do programa executado pelo Coordinated Research Project Cattle. O grande objetivo desse mega programa é desenvolver mestiços apropriados para produzir leite naquelas condições de ambiente. Mas é preciso manter os grupos raciais que a natureza fez evoluir na Índia. O problema, entretanto, é que na Índia não existe criação pura de bovino, por não haver Sociedades de Criadores com Herd Book. Os bovinos na Índia ficam perambulando pelas ruas e estradas, sem controle zootécnico de suas genealogias, duvidoso quanto à qualidade por falta de provas de desempenho. Os Rabaris, Bharwads, Maldharis, Ahirs e Charans, em suas tribos, também estão envolvidos na criação de gado Gir. Eles partem com os seus animais de um lugar para outro em busca de pasto que está disponível em pastagens de julho a dezembro - depois migram novamente para os bairros adjacentes às cidades (FIGURA 4). Desta forma, o Brasil pode ser considerado atualmente o guardião de toda essa genética Zebuína que se encontrava na Índia.
Figura 4 – Animais Gir na Índia Alguns animais Gir na Índia se encontram isolados nas Gaushalas, a maioria no estado de Gujarat e alguns em Rajastan, onde monges têm cuidado da raça como entidade sagrada e alguns Marajás mantiveram seus plantéis, alguns selecionados desde 1660. Existem também algumas Instituições Filantrópicas tradicionais que foram criadas nos idos de 1800 para abrigar e cuidar de animais velhos e doentes, muitos deles da raça Gir. Atualmente desenvolvem atividades de distribuição gratuita de leite e animais nas aldeias. O Indian Council of Agricultural Research (ICAR), por sua vez, iniciou dois projetos com rebanhos Gir, um coordenado pelo National Bureau of Animal Genetic Resources (NBAGR) para conservação da raça e o outro pelo Project Directorate on Cattle (PDC) para melhoramento genético da raça. O Animal Husbandry Department iniciou também um programa de melhoramento genético de animais Gir, onde tourinhos são testados pela progênie. O Institute for Research and Development of Dairy Cattle Breeding Farm, em Kadivali, Bombay, fundado em 1887, além de diversas cooperativas espalhadas por toda Índia, coordenadas pela Milk Produce Union Ltd. - Uttan Dairy, em Gomtipur, Ahmedabad, estão também criando animais da raça Gir.
Em Junagadh o governo indiano também mantém um rebanho Gir com controle leiteiro em ordenha mecânica. O Instituto Panchavati & Panjrapol, em Nasik, estado de Maharastra, fundado em 1879 para preservação da vaca sagrada, possui um rebanho Gir selecionado para produção de leite desde 1920. Em Sabarmati Ashram Gaushala, administrada pelo National Dairy Development Board (NDDB), também tem uma central com laboratórios para congelamento de sêmen e trabalhos em embriões, para distribuição em massa aos sócios das grandes cooperativas. O catalogo da entidade oferece 90 reprodutores, os quais 36 touros (40%) são búfalos de diferentes raças e/composições; 23 touros (26%) são Bos taurus (12 Holstein e 11 Jersey); 26 (29%) são touros mestiços F1 ou compostos (indicus x taurus); os indicus são 5% do total (2 touros Gyr; 1 touro Rede Sindi; 1 touro Sahiwal e 1 touro Kankrej). Ou seja, observa-se no catalogo o enorme desinteresse pelas raças nativas indicus onde o Gyr participa com tão só 2 touros. Observa-se ademais, que o indicador para a seleção, por parte do produtor, não é uma prova, senão a lactação da mãe e em alguns casos as lactação das avós.
A Índia tem o maior rebanho bovino e bubalino e é o país maior produtor de leite no mundo, com um esquema cooperativo (National Cooperative Dairy Federation of India), com 76 pequenas cooperativas interligadas e 11 milhões de produtores membros, estabelecida nos anos 30. Esses animais estão em Centros do governo indiano ligados ao NDDB. Na cidade de Anand, no estado de Gujarat, existe uma cooperativa de nome AMUL (Anand Milk Union Ltd.), no distrito de Kaira. Nessa cooperativa de AMUL micro produtores levam, desde uma, duas, três ou mais garrafas de leite para vender e recebem no mesmo dia o dinheiro para auxiliar no sustento da família. Algo fantástico, extraordinário e admirável (FIGURA 5).
Figura 5 – Cooperativa de AMUL, onde milhares de micro de produtores levam leite todos os dias (foto: Ivan Ledic no escritório de Alvaro Restrepo, na Colômbia) AS COMPARAÇÕES E AFIRMAÇÕES ANTERIORES NÃO DESQUALIFICAM O GIR DA ÍNDIA. AO CONTRÁRIO, SÃO CONSIDERADOS COMO UM RECURSO PRIMÁRIO DA PECUÁRIA TROPICAL, COMO FONTE DE “LINHAGENS”. Na Índia existem sim alguns “indivíduos de cúpula”, mas o grande problema é identificá-los com confiabilidade. Nos últimos anos controles leiteiros têm sido efetuados em alguns desses locais e atualmente existem informações mais consistentes quanto ao potencial de produção dos animais, permitindo identificação das genealogias quanto aos índices de produção. Indiscutivelmente se identificam indivíduos, vacas e touros Gir, que poderiam ser considerados como de qualidade zootécnica superior, mas não rebanhos provados sobre sistemas modernos de avaliação confiáveis, em comparação ao material Gir Leiteiro brasileiro provado. As diversas comitivas de criadores e técnicos brasileiros que estiveram na Índia identificaram alguns animais Gir com potencial leiteiro, existindo pedigrees de mais de 200 anos, todavia sem nenhuma pressão de seleção para leite. A maioria desses animais está em Templos com certas prescrições religiosas que revestem de cunho divino descendentes de certas famílias de Zebu. Alguns criadores brasileiros têm selecionado animais Gir nessas localidades para coleta de sêmen e embriões visando importação para o Brasil com a finalidade de aumentar a variabilidade de nossa população de Gir Leiteiro. O líder espiritual de Gondal, Acharya Ganshyamji, além do técnico indiano, Pradipsing, executam compras de animais Gir para criadores brasileiros, criando-os e executando coleta de sêmen e embriões. CABE DESTACAR QUE ATUALMENTE A ÍNDIA ESTÁ IMPORTANDO O GIR LEITEIRO DO BRASIL OFICIALMENTE, VISANDO ADIANTAR O PROCESSO DE MELHORAMENTO DA RAÇA EM SEU PAÍS.
Como uma previsão, num artigo titulado Losing Native Breeds (InfoChange News & Features, Nov. 2007), sobre biodiversidade e recursos genéticos da Índia, o autor Devinder Sharma, expressa sua grande preocupação pela extinção das raças nativas em seu país por cruzamentos indiscriminados com raças taurinas. Em sua conclusão expressa, como interrogante: Será que a Índia vai terminar importando do Brasil suas mesmas raças nativas (Gir, Guzerá, Nelore) que uma vez, faz anos, exportou a esse país de Sul América? E mais, como me relatou o criador indiano Pushpendra Prasad: Agora é um orgulho brasileiro a raça Gir que não é mais indiana. Ao olhar essas fotos dá para sentir-me orgulhoso – esse gado leiteiro brasileiro carrega genes da Índia. Estamos orgulhosos de que vocês, Mr. Ivan e outros, conservaram estas pedras preciosas. ZEBU NO BRASIL Antes da descoberta, em 1500, o Brasil nunca teve nenhuma raça bovina ou bubalina nativa, as quais foram trazidas pelos portugueses, a maioria de origem ibérica. Os primeiros zebuínos chegaram ao Brasil há pouco mais de 100 anos e contribuiu para o País ter o maior rebanho comercial do mundo. O Brasil atualmente é o grande exportador de tal genética para todas as partes do mundo e o maior divulgador dos benefícios do uso de um gado dito “abençoado” em sua origem. É também o maior exportador de carne do mundo e proprietário do maior rebanho comercial, com mais de 200 milhões de cabeças, cujo efetivo tem mais de 80% de composição zebuína. A ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu) é uma associação que congrega criadores das raças zebuínas no Brasil, considerada a maior entidade do gênero no planeta, tendo mais de 20.000 sócios. É atualmente uma referência no programa de melhoramento genético das raças zebuínas. Quase duas centenas de técnicos estão nas fazendas e escritórios por todo território nacional fazendo registros, coletando dados e participando de provas zootécnicas. O GIR NO BRASIL A raça Gir criada no Brasil corresponde à raça do mesmo nome da Índia, que é incluída no Grupo III da classificação de Joshi e Phillips (1953). Os primeiros exemplares da raça Gir introduzidos a Brasil chegaram provavelmente ao redor de 1898 e 1903, pelas importações efetuadas por Teófilo de Godoy. Outras importações da Índia foram sumamente importantes para a formação do Gir brasileiro. Em 1918 Francisco José de Carvalho, João Martins Borges, Virmondes Borges e Octaviano Borges Jr foram à Índia e compraram animais de várias raças. Em 1930 Manoel de Oliveira Prata e Ravísio Lemos também importaram animais da Índia. Em 1956, o criador Joaquim Machado Borges importou junto com Paulo Roberto Cunha 114 cabeças. Posteriormente, em 1958, Celso Garcia Cid conseguiu licença do governo federal para introduzir o Zebu indiano. A última importação da Índia se deu também em 1962, pelos criadores Celso Garcia Cid, Torres Homem Rodrigues da Cunha, Rubens de Carvalho, Nenem costa e Jacinto Honório da Silva. Em 1919 foi fundada a Sociedade Herd Book Zebu para registrar os animais. Em 1934 se fundou a Sociedade Rural do Triângulo e em 1967 fundada a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Ainda que o maior interesse pela raça Gir tenha surgido depois do auge da formação do Indubrasil, sua difusão no Brasil foi bastante rápida e atingiu todo o Brasil, onde é criado na maioria dos estados. A hegemonia do Gir se manteve até o final dos anos sessenta, mas a partir de então perdeu espaço ante os outros Zebus, os quais demonstraram excelente aptidão para a produção de carne nas mais diferentes condições de manejo extensivo. Muitos países de América Latina importaram Gir do Brasil (FIGURA 6). Através do México e posteriormente por importações oficiais, o Gir brasileiro teve grande influência na formação do Brahman americano, principalmente da variedade vermelha.
Figura 6 – Gir nas Américas Quando ao padrão racial do Gir no Brasil, alguns criadores formaram ‘seus biótipos ou linhagens’ próximos daquilo que gostariam de fixar em seus animais e/ou rebanhos, sendo originado aquilo que se poderia dizer - o tipo de GIR BRASILEIRO, inclusive não sendo permitido a pelagem negra. CONFIRMANDO ISSO, SOBRE O PADRÃO RACIAL DO GADO GIR NO BRASIL EM RELAÇÃO AO DO GIR INDIANO, ESSA É A REALIDADE: “Com relação ao padrão racial brasileiro do Gir em referência ao indiano, a literatura relata que tudo teve seu início com Rodolfo Machado Borges, em 1940, quando um aluno de um internato, Jarbas Pereira Maia, trouxe para o Rodolfo, um recorte do Jornal Diário de São Paulo, onde estava reproduzida uma reportagem sobre o gado Gir com o relato de um jurado inglês que havia julgado em Calcutá. Esse jurado teceu comentários sobre o Gir e suas variedades de tipos em consonância com as regiões que provinham. Para cada tipo analisado identificava diferenças visuais entre um e outro. Afirmam os biógrafos de Rodolfo, que ao ler o artigo disse: "Menino, você acaba de me dar mais de 10 mil contos de réis. Vou agora mesmo para a fazenda e fazer a separação do gado de acordo com esses tipos e traçar um novo rumo para a seleção". Observou então que havia vários tipos diferentes entre si, notadamente nos machos. E dentre estes, identificou o touro Bey como o mais próximo do ideal da raça Gir, como um animal de tração: pernas altas, passos largos, índole viva e um autêntico animal de tiro. Para a realidade brasileira, observou que esse animal precisava de peito, chanfro e cobertura de carne na paleta sendo que o touro Martelo possuía essas características. A orelha ideal era a do touro Indu e o gavião era de Banjo - desta forma estava definido o tipo da cabeça ideal. Com Evaristo Soares de Paula foi diferente. Identificou todas as qualidades da raça no touro White e com ele trabalhou a consanguinidade na marca EVA. Outro genearca que fez história foi o touro Krishna (Priyatan x Sakina 44) importado por Celso Garcia. A partir desses animais (Bey, White, Krishna importado) multiplicaram-se pelo país os escultores da raça. Outros criadores também fizeram o mesmo em seus rebanhos. Um animal JZ (José Zacharias Junqueira) era inconfundível; o mesmo diria com relação ao Zeid, Ene Sab, Aderbal Góes, dentre tantos. Esse padrão de beleza, adorado por uns e criticado por outros, é uma construção brasileira. E esses criadores/selecionadores tiveram seus admiradores, diria mais, seguidores.”
DE OUTRO LADO, NA PRÓPRIA ÍNDIA O GIR TAMBÉM TEM 4 DESIGNAÇÕES OU ‘TIPOS’, conforme o Institute for Research and Development of Dairy Cattle Breeding Farm, em Kadivali, Bombay: MORVI; BHAVNAGAR; JUNAGHAR E GONDAL, com diferenças nas pelagens (inclusive de cor preta, conhecido como vacas Kapila, conforme me escreveu o criador indiano Saradananda Mishra), espessura da pele, forma dos chifres, tamanho da cabeça, tamanho e forma da orelha, estrutura das pernas, mas também na capacidade de
ordenha, a origem e os hábitos. O tipo mais leiteiro é o Junaghar, seguido do Bhavnagar, Morvi e Gondal. OBS.: Cabe destacar que na própria Índia, pelo falta de troca de material genético entre os que criam Gir nos conventos e palácios, cada um tem um biótipo diferenciado do outro, pois não há intercâmbio de animais, nem sêmen e embriões, o que torna os animais diferentes em pelagem, tamanho, caracterização racial, etc de acordo com a região ou local de criação. Citando outros dois exemplos de diversidade de padrão ou biótipo: 1. O Gir dos USA tem um biótipo próprio, diferente do nosso, porque os animais foram selecionados à maneira deles com o parco material originalmente importado do Brasil, em 1854 a 1946, com base naqueles que melhor se adequaram ao seu sistema de criação. 2. O México também tem um Gir com um biótipo que desassemelha do nosso, porque somente nos últimos anos é que estão utilizando sêmen e embriões brasileiros. Antes fizeram sua seleção com base nos animais importados em 1927-30 e 1947. Por seleção dirigida, inclusive criaram a raça zebu mexicana Sardo Negro, origem do Gir de pelagem moura. No Brasil não foi diferente e posteriormente a divisão foi pelo critério de seleção, Leite ou Carne ou ainda Padrão ou Dupla Aptidão, com biótipos diferentes. Isso em nada altera o fato de serem Gir, apenas os dividiram em categorias de produção distintas. REALMENTE O NOME PADRÃO NÃO SIGNIFICA NADA E É UM ERRO QUE DEVE SER CORRIGIDO, porque todos estão com o registro efetuado pela ABCZ, portando dentro dos critérios estabelecidos para a raça. Os animais Gir Leiteiro estão mais próximos dos indianos quanto à caracterização. A seleção feita por esses criadores não se ateve tanto aos aspectos raciais que foi sendo originado, imprimido e ‘criado’ em muitos rebanhos Gir. O GIR LEITEIRO Na década de 1930, quando a raça Gir teve grande valorização no Brasil, alguns criadores vasculharam pacientemente as fazendas desta raça dispersas por todo o país e selecionaram muitos dos exemplares que se distinguiam pela capacidade leiteira. A preocupação de todos era com o leite e para isso foram utilizadas algumas linhagens de touros importados e/ou descendentes desses, que demonstraram maior capacidade para esse atributo de melhor lactação em suas filhas. Algumas vacas que sobressaíram na produção de leite também deram origem a esses rebanhos que iniciavam sua seleção para leite. O Gir Leiteiro é resultado da seleção efetuada tanto por entidades governamentais (Estação Experimental de Umbuzeiro, no estado de Paraíba, e Fazenda Experimental Getúlio Vargas em Uberaba, Minas Gerais), como por criadores dos estados de São Paulo (João Batista Figueiredo Costa, de Casa Branca; Francisco Figueiredo Barreto, de Mococa; Continentino Jacinto, de Franca; José Fernandes de Carvalho, de Caçapava, e José Francisco Junqueira Reis, de Lins); Minas Gerais (Rubens Resende Peres, de São Pedro dois Ferros; Gabriel Donato de Andrade, de Arcos e Randolpho de Melo Resende, de Uberaba e Rio de Janeiro (Manoel e José João Salgado dois Reis, de Rio das Flores). Eles começaram seus rebanhos Gir Leiteiro a partir desse gado Gir comprado, originários das importações efetuadas da Índia em 1906, 1919, 1955, 1960 e 1962. O Controle Leiteiro Oficial nesses rebanhos de Gir foi implantado já em 1960, depois de uma reunião de criadores que já queriam aferir a produção de seus animais. A ABCGIL (Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro) foi fundada por 18 criadores em 1980 e já em 1985 tinha seu Programa de Teste de Progênie de Touros e Avaliação Genética de Vacas.
Se não fossem os criadores de Gir Leiteiro, provavelmente o Gir estaria predestinado à extinção no Brasil, como se verifica com os dados apresentados do pequeno número de registros nos anos de 1997 até 2001 (Gráfico 1). Hoje, no entanto, a raça Gir voltou ao mercado brasileiro e contribui com a pecuária nacional, sobretudo por sua aptidão leiteira, que a faz preferida para cruzamento com gado europeu para a obtenção de híbridos com boa produção de leite e rusticidade. É a base para formação do Girolando brasileiro. Para isso foi fundamental a implantação das provas zootécnicas e julgamento em pista, o que permitiu disponibilizar informações consistentes quanto à qualidade dos animais. A partir de então o Gir voltou ao cenário para ocupar lugar de destaque na pecuária leiteira nacional.
Gráfico 1 – Número de animais registrados da raça Gir E mais, o Gir Leiteiro é mantido como Gir dentro da visão de “raça pura” em termos de inventários de pedigree, mas diferenciado justamente por ter um perfil de informações que o distingue de outros animais da raça que não possuem informações de performance. Outras linhagens poderiam ter surgido se não tivesse existido um processo seletivo antagônico à produção de leite em muitos rebanhos de Gir, nos quais se procurou o melhoramento orientado à produção de carne. O Gir melhorado para leite tem estado durante várias gerações em processo contínuo de aperfeiçoamento, com produções leiteiras aferidas que permitem distinguir os animais pelo desempenho e não por indicativos subjetivos do que poderão ser ou produzir. Temos Gir com o “adjetivo leiteiro” como recurso genético dinâmico que evoluiu no tempo conforme as necessidades circunstanciais do mundo tropical. A aplicação do conhecimento aconteceu e o melhoramento ocorreu. Faz muitos anos que estamos dando “Olé!” com a seleção e melhoramento do Gir para produção de leite. Esse é o único destino do Gir, produzir leite, como ‘O Milagre Zootécnico da Pecuária Leiteira Tropical do Século XX’. COMO DISTINGUIR O GIR Vou evitar aqui expressar minha opinião particular e tentar ser o mais imparcial possível. Nenhuma das Associações do Gir no Brasil (ABCGIL ou ASSOGIR) desrespeita os padrões raciais, que são estabelecidos pela ABCZ, que é a Entidade credenciada pelo MAPA a executar o RGN e RGD. No Estatuto da ABCGIL inclusive existe um item específico sobre isso, o padrão racial, descrito em seu Capítulo 1, Artigo 2, Parágrafo 1, letra f: “Empreender estudos e determinações para as modificações necessárias ao aprimoramento do padrão do gado Gir
Leiteiro, bem como a identificação do comportamento e características das diversas linhagens e famílias do gado Gir Leiteiro, para o que poderá contratar, mediante remuneração, técnicos especializados, a fim de que estes efetivem mencionados estudos, os quais objetivam a apresentação de diretrizes de uniformização de critérios da seleção.” Assim sendo, seus associados é que tentam propor alguma alteração no Regulamento de Registro por reivindicações junto à ABCZ, através do Conselho Deliberativo Técnico da Raça Gir e que deverá ser aprovado por todos durante a reunião dos Conselheiros de todas as raças, na Assembleia da ABCZ. No caso da ABCGIL, em seu estatuto, APENAS UM ITEM LIMITA ALGUNS CRIADORES DE GIR DE PERTENCEREM AO SEU QUADRO (item 2 do parágrafo único do Artigo 4°), o de possuir vacas com produção mínima em regime de ordenhas diárias. A própria ABCZ sempre teve também uma classificação para o Gir submetido ao Controle Leiteiro Oficial, de no mínimo, 2.100 kg em 305 dias de lactação ou 2.500 kg em 365 dias de lactação. Diante do exposto, qualquer criador que tenha Gir com RGD está apto a participar das duas Associações, e, democraticamente, através de solicitação, poderá propor algo que julgue ser pertinente à raça, inclusive ao quesito padrão racial, que será votado em Assembleia Geral. OS REGULAMENTOS SÃO ESSES E O NORTE CADA CRIADOR DEVE BUSCAR DENTRO DAQUILO QUE PRETENDE PARA SEU REBANHO. Gostaria de terminar dizendo que não cabe mais ficar criando polêmicas ou críticas a favor de um ou de outro "grupo" ou ter facções que foram criados pelos próprios criadores do Gir. Que cada criador tenha seu marketing, Leiteiro, Carne ou Dupla Aptidão, OU CRIAM OUTRA IDENTIDADE QUALQUER classificando seus animais para o mercado, conforme a demanda e seus critérios de seleção. Qualquer um pode inclusive ter em um único rebanho da raça Gir, várias categorias: um grupo com seleção leiteira (que atenda as premissas mínimas para se enquadrar, conforme estatuto da ABCZ), outro de dupla aptidão e ainda um só para carne, dentro da multifuncionalidade da raça. Pode ainda existir criadores que queiram ter Gir para hobby ou para seleção da beleza estética com refinamento, para participar de pista de julgamento ou para imprimir isso em rebanhos que o queiram, até como animais com uniformidade de pelagem para serem usados para trabalho (Figura 7).
Figura 7 – Gir utilizado para tração TODAVIA ACREDITO E INSISTO QUE O GIR É UMA RAÇA "INDICUS" ESPECIALIZA PARA LEITE E ESSA É SUA FUNÇÃO PRIMORDIAL PARA A PECUÁRIA TROPICAL Os animais dos rebanhos Gir Leiteiro possuem vacas ordenhas sistematicamente, com controle leiteiro oficial, manejadas em sistemas de produção adequados, com vacas e touros registrados na ABCZ e avaliados por provas funcionais (FIGURA 8). Agradeço mais uma vez a oportunidade de poder expressar de modo mais tranquilo, em alto nível, sem rancores, meus conceitos, vivência e credibilidade que alguns me têm dado, principalmente em outros países, visando colaborar para que o Gir Leiteiro e criadores encontrem seu espaço na pecuária.
Figura 8 – Animais Gir Leiteiro CONCLUSÕES Nenhuma raça é perfeita e por esta razão ‘EXISTEM MUITAS’, tanto primogênitas como sintéticas. O que é necessário na pecuária é ter ‘foco’ naquilo que se deseja e no sistema de produção que se quer. Uma raça é escolhida em relação a outras por apresentar um conjunto de qualidades superior. Nenhuma raça se tornou numerosa ou foi adotada por imposição ou propaganda. A mídia por vezes, afeta momentaneamente o comportamento do mercado. Todavia, a consolidação e fixação de uma raça só ocorrem se ela oferecer atrativos adicionais, com ganhos de produtividade que impliquem em ganhos econômicos, diminuição de custos de produção e dos inúmeros riscos que envolvem a atividade pecuária. Neste contexto, o Gir Leiteiro esta em destaque por apresentar virtudes adequadas, oportunas e peculiares para alcançar crescentes níveis de progresso na pecuária leiteira tropical. Apesar de anteriormente terem sido marginalizados por todas as pessoas ligadas à pecuária (talvez por superstição e convencionalismo), hoje os criadores de Gir Leiteiro no Brasil se consagram como referência mundial de rebanho Zebu submetido às mais modernas análises estatísticas e de testes de avaliação zootécnica do desempenho funcional, o que norteou e valorizou, com critérios objetivos, o trabalho de seleção que efetuam. Ganharam em precisão, credibilidade e confiança, com reconhecimento internacional, possibilitando aumento das divisas brasileiras com abertura de mercado na pecuária leiteira tropical. Como temos dito: -“O GIR LEITEIRO NÃO É A ÚNICA SOLUÇÃO PARA A PECUÁRIA NO TRÓPICO, MAS SIM UMA GRANDE ALTERNATIVA NECESSÁRIA PARA PRODUÇÃO LEITEIRA, COMO RAÇA PURA E PARA UTILIZAÇÃO EM CRUZAMENTOS”.