CADERNOS DO MANDATO: Progressão Continuada x Promoção Automática

Page 1

Ivan Valente - Lisete Arelaro junho/2002


SUMÁRIO AGRADECIMENTOS

04

APRESENTAÇÃO

05

INTRODUÇÃO

07

O DIREITO À EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA DE QUALIDADE

08

GESTÃO DEMOCRÁTICA COMO PRESSUPOSTO DA QUALIDADE SOCIAL

10

O NEOLIBERALISMO DESTRUINDO A EDUCAÇÃO

14

FRACASSO ESCOLAR E DESIGUALDADE SOCIAL: UMA DISCUSSÃO DE LONGA DATA

18

REPROVAÇÃO GARANTE QUALIDADE DO ENSINO E DEDICAÇÃO DO ALUNO?

22

PROGRESSÃO CONTINUADA NÃO É SINÔNIMO DE PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

25

A ORGANIZAÇÃO ESCOLAR EM CICLOS FACILITA A APRENDIZAGEM?

28

PROGRESSÃO CONTINUADA SOB A TECNOCRACIA PAULISTA

32

UMA OUTRA EDUCAÇÃO É POSSÍVEL

37

BIBLIOGRAFIA

40


AGRADECIMENTOS ○

Coerente com a trajetória da educação popular no Brasil, este texto é fruto da ação-reflexão-ação pedagógica, social e histórica dos trabalhadores que lutam cotidianamente pela melhoria da escola pública, ousando discutir e experimentar alternativas de atuação políticopedagógica que tornem – um dia e cada dia! – nossa escola mais igualitária. Agradecemos especialmente a Andrea Steinvascher pelas diversas contribuições, oferecendo aportes fundamentais ao aprofundamento teórico deste texto; ao Genildo Batista, pela revisão atenta das primeiras versões e sugestões do “tom” mais vibrante do texto (nem sempre conseguido); à Violeta Marien por melhorar nosso português, tornando a leitura do texto mais prazerosa; ao Cláudio (Dongo) e a Cláudia Hernandes pela bela diagramação e programação visual e paciência com nossos atrasos na entrega do texto e ao I-Juca-Pirama Camargo Gil, amigo precioso, que ajudou a tecer o texto e deu contribuições nos impasses teóricos que questões como a escolhida sempre carregam. Não pretendemos esgotar os debates sobre o tema, mas achamos necessário elencar aspectos que considerávamos importantes para o debate educacional e ousar expor pontos de vista aparentemente contraditórios, no intuito de contribuir com as discussões e motivar outros educadores a enfrentá-las. Dedicamos este pequeno caderno às(aos) batalhadoras(es) da educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade social, na esperança de incentivá-los(as) a seguir, firmes e alegres, (o bom humor é fundamental!) no caminho de uma sociedade justa. São Paulo, junho de 2002. Ivan VValente alente e Lisete Arelaro


APRESENTAÇÃO ○

Sabemos que a escola pública paulista vem sendo desestruturada, de forma deliberada, por políticas educacionais que valorizam a implementação de propostas pedagógicas contraditoriamente de baixa qualidade educacional. Temos escutado, com freqüência cada vez maior, o depoimento de pais e professores, preocupados com o fato de termos alunos que, mesmo após 5, 6, 8 anos de escolaridade continuam, essencialmente, analfabetos. As políticas implementadas nos últimos oito anos no Estado de São Paulo e principalmente a decretação do fim da repetência escolar, de forma autoritária, sem discutir, ouvir e envolver pais, alunos, professores, especialistas; a divisão do ensino fundamental e da escola em dois “pedaços”, sem relação pedagógica entre si; a realização de cursos “mágicos” de verão, que não “recuperam” pedagogicamente os alunos, mas engrossam as estatísticas de “sucesso escolar”; a desvalorização do ensino presencial; o rebaixamento das condições de trabalho das(os) professoras(es) e o empobrecimento das grades curriculares traduzem a falácia do ensino de qualidade para todos e todas. As reflexões e os alertas que esses dois “militantes da educação” – Ivan e Lisete – nos trazem, neste texto instigante, remete-nos à responsabilidade coletiva de enfrentarmos a discussão e opção por políticas educacionais que superem a dicotomia da escola de qualidade (só) para poucos, contra o direito à educação socialmente qualificada para todos (os socialmente excluídos). Os 13 critérios sugeridos ao final do texto para se distinguir a progressão continuada, na escola cidadã, da promoção automática, na escola contábil, deveriam constituir consulta obrigatória para todos aqueles que ousem fazer da educação e da escola, estratégia de construção de direitos sociais para meninas e meninos “populares” – como desejava o mestre Paulo Freire. Boa leitura!

Mario Sergio Cortella Educador e Professor dos cursos de Pós-Graduação “Educação e Currículo” da PUC-SP. Secretário de Educação do Município de São Paulo (1991-1992).


“O problema fundamental, de natureza política e tocado por tintas ideológicas, é saber quem escolhe os conteúdos, a favor de quem e de que estará o seu ensino, contra quem, a favor de que, contra que. Qual o papel que cabe aos educandos na organização programática dos conteúdos; qual o papel, em níveis diferentes, daqueles e daquelas que, nas bases, cozinheiras, zeladores, vigias, se acham envolvidos na prática educativa da escola; qual o papel das famílias, das organizações sociais, da comunidade local? E não diga, com ranço aristocrático e elitista, que alunos, pais de alunos, mães...cozinheiras, nada têm a ver com isto. Que a questão dos conteúdos programáticos é de pura alçada ou competência de especialistas que se formaram para o desenvolvimento desta tarefa. Este discurso é irmão gêmeo de um outro – o que proclama que analfabeto não sabe votar.” Paulo Freire (Pedagogia da Esperança, pp.110-111)


INTRODUÇÃO

Da atualidade do TTema ema A capa desse material choca pelas manchetes e conteúdo dos textos divulgados em jornais de grande circulação nacional, quando diz que: “mães pedem a reprovação dos filhos alegando que eles não aprenderam a ler...”. Esse verdadeiro paradoxo, que parece revelar certa insânia, representa na verdade uma atitude consciente de proteção dos filhos contra o analfabetismo funcional e um sentimento geral por parte dos pais de que a escola se transformou num grande engodo. A “Progressão Continuada”, implementada pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo com um complexo conjunto de medidas, que analisamos neste documento, servem para alterar artificialmente dados estatísticos de evasão e repetência nas escolas, maquiando a realidade da falta de investimento público e desqualificação premeditada da escola pública. E por isso, vem sendo com razão repudiada por pais e professores. Mais do que isso, por não querer enfrentar seriamente os gravíssimos problemas da aprendizagem e da repetência, inviabiliza alternativas e políticas que, aplicadas seriamente, no contexto apropriado e com condições reais de ensino e aprendizagem, são capazes de enfrentar com sucesso, o “fracasso” escolar. Isto só pode ser uma política conseqüente a partir de um conjunto de pressupostos que tornem consistente e progressista a proposta de organização escolar em ciclos. Condenamos pois, a proposta de Progressão Continuada implantada no EsAutomática. Mas não podemos deixar de tado de São Paulo, que virou Promoção Automática tratar o tema com a complexidade que a discussão merece, e tentar apontar caminhos para a construção de uma educação pública, gratuita e de qualidade, para todos.


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

O DIREITO À EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA DE QUALIDADE Em resposta às políticas neoliberais, a repetência revelam que a escola não está luta pelo direito de todos à educação, na estruturada para garantir esse direito. atualidade brasileira, não se limita ao aces- Permeada pela cultura da exclusão, a orso à escola, nem somente à permanência ganização tradicional da escola tem servidurante os oito anos do ensino obrigató- do para selecionar e excluir os alunos das rio. O acesso e a permanência são aspectos camadas mais pobres da população, muifundamentais que precisam ser garantidos tos dos quais não conseguem sequer uma pelo Poder Público. No entanto, cursar o vaga nas escolas públicas. Não por acaso, ensino fundamental com qualidade faz os 18, 20 ou 24 milhões de brasileiros analfabetos – quem sabe parte desse direito. Por o número exato? - deisso, defender educação defender educação para nunciam esse fato. para todos implica detodos implica defender Analisando histofender educação de ricamente os dados qualidade para todos. educação de qualidade educacionais do BraEsse direito, alipara todos. sil, percebemos que a ás, está assegurado na ampliação do acesso Lei Maior, uma vez que a Constituição Federal de 1988 estabelece ao ensino fundamental foi acompanhado, como princípios da Educação, dentre ou- quase sempre, pelo aumento da repetência tros, “igualdade de condições para o aces- escolar e dos baixos índices de diplomação. so e permanência na escola, gestão demo- Ou seja, apesar de, ao longo das últimas crática do ensino público e garantia de pa- décadas, o número de alunos matriculadrão de qualidade” (art.206, incisos I, VI e dos no ensino fundamental ter aumentaVII). No entanto, os índices de evasão e do, poucos o concluem. Pior, a escola pú-

8


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

blica não consegue, também, oferecer um ensino de qualidade àqueles que insistem - e conseguem - se manter estudando. A democratização da educação é uma das lutas históricas de todos aqueles que acreditam ser possível alterar nossa realidade social injusta. Nesse sentido, ela é uma ação política, avessa a tecnicismos ou mudanças meramente burocráticas e visa enfrentar e superar dificuldades construídas ao longo dos tempos e que acabaram por se sedimentar em nossas instituições e nas relações interpessoais. Porém, a democratização possui diversos e complexos aspectos que conformam um todo indissolúvel e no qual a exclusão de um dos fatores pode inviabilizar a proposta.

Nossa concepção de Educação e de democratização da educação implica, necessariamente, ainda que de forma não hierarquizada: 1) a garantia do acesso de todos à escola; 2) o princípio de que todos devem ter condições de permanecer na escola com condições de um aprendizado efetivo; 3) a necessidade de que a educação escolar expresse o conceito de qualidade do ensino socialmente construído; 4) a definição dos rumos da educação, como fruto da ação e da vontade coletivas, através de uma gestão efetivamente democrática e plural.

9


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

GESTÃO DEMOCRÁTICA COMO PRESSUPOSTO DA QUALIDADE SOCIAL Em nossa tradição escolar, discutir as- a imposição de mudanças, anos a fio, sem pectos da gestão sempre foi algo relegado consultar os interessados sobre a a alguns iluminados, a autoridades ou a pertinência e a concordância sobre o conespecialistas. Os professores deveriam cui- teúdo das mesmas, as vítimas são agora dar apenas do “pedagógico”, os pais “culpabilizadas” pelo fracasso do sistema (despreparados) e os alunos (imaturos), educacional. Os educadores, além de serem obrigados a também deveriam se executar políticas abster de discutir a Não há razões para que a que não ajudaram a gestão, e principalmente, de exercê-la. sociedade não decida qual a construir, tiveram Não fomos acosqualidade de educação que que fazê-lo, na maioria das vezes sem tumados a exercer o ela deseja. Afinal, a escola condições físicas, direito de dizer o que materiais e pedagóachamos que deve pública é do público gicas; sem formação ser feito de nossa e não dos técnicos . especializada e sem educação e, em espedireitos trabalhistas cial, de participar das decisões referentes a ela. Fomos condici- condizentes com o que se cobrava deles. onados a interpretar como natural a im- Agora, são taxados de incompetentes, mal posição de “pacotes” de mudanças formados, descompromissados e outros advindos de gabinetes, tratando os edu- adjetivos desabonadores. Sobre as famílias recai a cobrança cadores como meros executores e a cosobre o “acompanhamento” dos estudos munidade como espectadora passiva. Difícil, também, é constatar que, após dos filhos, esquecendo-se que a elas tam-

10


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

bém foi negada educação, dificultando e decisões referentes aos rumos de sua vida até inviabilizando o apoio às crianças e e de sua comunidade. jovens sob sua responsabilidade. Os estuQualidade não é um conceito “em dantes são considerados indisciplinados, si”, ele é um conceito historicizado. Todo relapsos e desinteressados. E os professor tem sua concepção sobre qualigovernantes? Eles fizeram a parte deles, dade do ensino, que é fruto de suas opforam “criativos” e produtivos: baixaram ções e de sua visão de mundo. Não há ratodos os decretos e leis necessários. Os res- zões, portanto, para que a sociedade no ponsáveis pelos problemas de ensino- seu todo não decida qual a qualidade de aprendizagem são os incompetentes pro- educação que ela deseja. Afinal, a escola fessores, os pais ausentes e os alunos de- pública é do público e não dos “técnicos”. sinteressados. Professores, pais e alunos também A participação dos pais e da comuni- têm suas opiniões sobre como deve ser dade deve ocorrer em aspectos ou mo- uma escola de qualidade. Por vezes, as mentos específicos, quando “convida- informações e a formação que dispõem dos”. Assim, a sociepodem ser insuficidade é chamada a entes para uma entrar na escola pú- Um dos problemas básicos da compreensão mais blica para executar implantação da progressão abrangente da funções negligenciacontinuada e dos ciclos no complexidade de das pelo Estado, subsquestões teóricas Brasil é a ausência ou a tituindo profissionais ou conceituais. Poque ele não contratou rém é dever do poprecária existência da ou demitiu, como é o der público dar o gestão democrática. caso do projeto “Amisuporte necessário gos da Escola”. à superação desses Entendemos que esse é um dos prin- entraves. E mais, eles só aprenderão como cipais fatores que condicionam a má qua- fazer e discutir educação de qualidade, lidade do ensino. Nossa escola é de baixa quando participarem efetivamente das dequalidade também porque é autoritária e finições, corrigindo rumos e verificando não educa os cidadãos para viverem acertos do projeto educacional. numa sociedade democrática, onde todos Por que delegar apenas aos “técnitêm o direito e o dever de participar das cos” a possibilidade do erro ou do acerto?

11


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

Até para que os pais possam contribuir mos dúvidas que a imposição da progrespara a formação escolar dos filhos e os são continuada e dos ciclos constitui uma alunos se interessem mais pela escola, é violência pedagógica. E essa forma brusfundamental que ambos compreendam ca e desrespeitosa acaba por desvirtuar e o que está sendo feito na escola, sintam- prejudicar a própria proposta, uma vez se partícipes da construção de uma edu- que ninguém aceita o que não comprecação de qualidade. O resultado dessa ende. Além disso, provoca também uma interação vem sendo chamado de “qua- indisposição com educadores, pais e alulidade social” da educação. nos, abrindo um confronto desnecessáDessa forma entendemos que a ges- rio entre os diferentes atores da escola. tão democrática, tanto no âmbito de cada A repetência é, como já foi dito, eleescola como nos sismento chave da escotemas de ensino, é la tradicional. É ela A proposta, por sua vez, um pressuposto sem que indica quem está o qual a qualidade estará fadada ao fracasso, se indo bem e quem social não existirá. não está. E ela cencondições efetivas para as Gestão democrática, tralizou, até então, o mudanças não aqui entendida poder sobre a vida como aquela que dos alunos nas mãos forem oferecidas. abrange a existência dos educadores, já de instâncias como que cabia a eles “dar Conselhos de Educação deliberativos e as notas” e definir quem seria aprovado cujos membros sejam eleitos diretamen- ou não. Os alunos tinham como incentite pelos diversos setores da comunidade; vo ao estudo o temor à repetência e como eleição direta de dirigentes de estabeleci- objetivo do ensino, “passar de ano”. mentos de ensino e pela incorporação real Os pais, tradicionalmente, viram na de educadores, pais e alunos na definição possibilidade de reprovação escolar, um dos rumos da educação, incluindo aí as indicador de qualidade de ensino. Era asconsideradas do ‘âmbito pedagógico’. sim demonstrado a eles, de forma objetiUm dos problemas básicos da implan- va, se seus filhos estavam aprendendo ou tação da progressão continuada e dos ci- não, se era necessário alguma punição clos no Brasil é a ausência ou a precária ou incentivo. Sem a alternativa radical da existência da gestão democrática. Não te- “reprovação anual” escolar, os educado-

12


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

res, por sua vez, perderam boa parte de sua autoridade, enquanto, do outro lado, os pais ficaram sem os seus referenciais de qualidade e os alunos sem a sua razão maior para estudar. Ou seja, instalou-se um caos para todos. O Brasil precisa tanto de novas formas de fazer educação quanto de novas formas de implantar as políticas. Precisamos entender, definitivamente, que não se fazem mudanças profundas em educação sem que um dos principais agentes das alterações - o professor - esteja convencido de que suas ações gerarão benefícios educacionais consistentes aos seus alunos e que os mesmos são coerentes com sua concepção da função da escola. Superar as dificuldades inerentes a quaisquer mudanças exige uma predis-

posição à luta, que só possui quem está convicto do rumo traçado. E essa compreensão ainda precisa ser incorporada pelo poder público. Quando o professor não se identifica com o projeto de mudança, dificilmente ele conseguirá traduzir em sua prática, com coerência, a nova concepção de educação. Ele buscará diferentes maneiras de preservar sua identidade, seu projeto original e suas atribuições, seqüestradas por medidas burocráticas. A proposta, por sua vez, estará fadada ao fracasso, se condições efetivas para as mudanças não forem oferecidas. Em São Paulo, é exatamente isso que está acontecendo com a implantação da promoção automática, chamada, propositadamente, de progressão continuada.

13


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

O NEOLIBERALISMO DESTRUINDO A EDUCAÇÃO Ouvimos, diariamente, que a como o Fundo Monetário Internacional globalização vem evoluindo a todo o mo- (FMI) e o Banco Mundial, que exigem de mento e que acontecimentos nos mais países, em especial os mais frágeis em terremotos cantos do planeta influenciam o mos financeiros e políticos, submissão ao mundo, derrubam governos, alteram po- seu receituário macro-econômico e de líticas, interferem nas bolsas de valores, “enxugamento” das políticas sociais e do aparelho de Estado. transferem (ou conEsse modelo centram) fortunas. O subordina empréstiacelerado fluxo de Os competidores se mos e apoio político informações propicienfrentam em condições ao cumprimento de ado pelas novas desiguais, sendo que os mais acordos desfavorátecnologias em comunicação é outro fracos devem ser eliminados veis e ao pagameningrediente essencial ou excluídos, pois esta é a lei to de “compromissos externos” (leiapara entendermos as natural para o mercado se dívida externa) mudanças pelas que mesmo sendo quais passamos. rigorosamente honPorém, há muito se denuncia que essas alterações, mais rados, jamais diminuem. uma vez em nossa história, beneficiam O “mercado” é a principal instituição uma minoria de poderosos e ricos em de- a ser protegida e a sociedade como um trimento da maioria pobre. Essas ações todo deve funcionar sob os mesmos prinvêm sendo coordenadas, há mais de 50 cípios dele. Na lógica do “mercado”, o anos, por organismos internacionais sucesso deve ser obtido, a qualquer custo,

14


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

pela competição, onde somente poucos te- jeto a proposta de “Sistema Nacional de rão êxito. Os competidores se enfrentam Educação”, manteve a pulverização do em condições desiguais, sendo que os sistema de ensino existente, com polítimais fracos devem ser eliminados ou ex- cas desconexas entre si, e optou pela concluídos, pois esta é a lei “natural” para o solidação de um sistema nacional de mercado, onde só os “mais competentes” avaliação avaliação. Com ele, o governo mantém podem ser “vencedores”. Essa competi- o controle sobre a educação, mas não se ção, para os neoliberais, é benéfica tam- responsabiliza pela sua efetivação enbém, porque incentiva a busca da quali- quanto direito social. dade e da produtividade, “motiva” para o As avaliações nacionais, presentes desafio de melhor se preparar para se de- hoje em todos os níveis de ensino com os fender dos demais, acumulando condi- “Provões”, ENEM, SAEB/ SARESP são os ções mais propícias de ataque. instrumentos mais visíveis desse sistema. Os atuais governos, brasileiro e E por que? Porque esses instrumentos, supaulista, estão alinhados com essa políti- postamente rigorosos do ponto de vista cica de cunho indivientífico, incentivaridualista, oposta à am os diversos sisteo governo gasta cada vez construção da solimas de ensino a dariedade e do res- menos com políticas sociais, competir entre si, fipeito às diferenças. arrochando todos os setores, cando o Governo Assim, as ações no Central desrespara garantir o pagamento setor educacional, ponsabilizado de (em dia!) de banqueiros pressionadas pelos suas funções de fiContratos e Acordos nanciamento e asjá assinados com orsistência técnica. ganismos internacionais, começam a re- Além disso, as avaliações padronizadas fletir essas determinações e trazem a possibilitariam “ranquear” políticas, dramaticidade prática de suas conseqü- projetos e atividades educacionais diferenências para o cotidiano escolar. ciadas, estabelecendo-se comparações de Não é por outra razão que, quando “mérito” entre Estados, Municípios, esda aprovação da nova Lei de Diretrizes e colas, professores e alunos. Bases da Educação Nacional (LDB – Lei E como a competição intra e inter es9394/96), o Governo FHC excluiu do pro- colas levaria à disputa pela qualidade, ○

15


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

nossa educação “naturalmente” melho“a repetência constitui um perniraria, e os governos não precisariam fa- cioso “ralo” por onde são desperdiçazer nada para apoiar essa melhoria. Em dos preciosos recursos financeiros da outras palavras, não haveria novas de- educação. O custo correspondente a mandas de gastos em políticas públicas um ano de escolaridade de um alueducacionais, o que permitiria economia no reprovado é simplesmente dinheide investimentos e redução de custos com ro perdido. Desperdício financeiro que, a folha de pagamento de funcionários, sem dúvida, afeta os investimentos em reservando-se os recursos financeiros exis- educação, seja na base física (préditentes ao pagamento das dívidas interna os, salas de aula e equipamentos), e externa. seja, principalmente, nos salários dos Esse é um exemtrabalhadores do plo claro do chamaensino. Sem falar a repetência vem sendo do “ajuste fiscal”: o do custo material e diminuída por decreto e em governo gasta cada psicológico por vez menos com políparte do próprio prejuízo da qualidade do ticas sociais, arroe de sua faensino, com a implantação de aluno chando todos os semília.” (Indicação processos de promoção tores, para garantir o CEE/SP nº 08/97) pagamento (em automática, chamada em São Entendemos que dia!) de banqueiros. a redução de desperPaulo de progressão Assim, as iniciativas dício é um princípio continuada educacionais, include todo governante, sive as de cunho penão cabendo opção dagógico mais diresobre isto. O que surto, são às vezes desestimuladas, com base preende é que esses argumentos são utilina necessidade de reduzir despesas. zados a serviço de uma lógica economicista A citação abaixo faz parte de docu- e contábil, que visa subordinar a esta, tomento do Conselho Estadual de Educa- dos os outros fatores diferenciadores de poção de São Paulo, órgão submisso à Se- líticas sociais. Ou seja, a adoção da procretária de Estado da Educação, que jus- moção automática no Estado se deu não tifica a implantação da promoção auto- por razões de ordem pedagógico-educacimática, a partir dessa lógica: onais, mas motivada pela necessidade de

16


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

conter “desperdícios”, ou seja, o investimento financeiro mínimo que se fazia necessário para garantir uma escola de qualidade aos “pobres”. Mas como o FMI e o Banco Mundial conseguem justificar e até fazer propaganda de políticas tão nefastas? Os países subordinados, para manterem seus empréstimos, são incentivados a apresentar estatísticas, principalmente das áreas sociais, que demonstrem resultados favoráveis, mesmo que “maquiados”. Na educação, esses dados incluem, principalmente, os percentuais de crianças matriculadas em escolas, de analfabetismo e os respectivos níveis de evasão e repetência. Os primeiros deverão estar, sempre, em elevação e, os segundos e terceiros, sempre decrescentes. E foi isso que foi feito com a repetência no Brasil. Ela vem sendo diminuída “por decreto” e em prejuízo da qualidade do ensino, com a implantação de processos de promoção automática, chamada em São Paulo, e em alguns outros lugares, de “progressão continuada”. E o que acontece com aqueles que não vão bem nas avaliações e insistem em não aprender, apesar de políticas “tão bem in-

tencionadas”? Os alunos, professores e as escolas mal classificadas na competição são os culpados pela situação em que se encontram. O governo diz ter dado oportunidade a todos; eles é que não se esforçaram bastante ou são incapazes. Assim, justificam sua exclusão dos direitos sociais, continuando cada vez mais pobres e sem uma formação científica, literária e artística significativas. A estes caberá sempre um prêmio de consolação: o diploma, direito universalizado através da promoção automática. Não desconsideramos o valor de um número cada vez maior de brasileiros(as) obterem um diploma, porém da forma como isso vem sendo concretizado, o diploma pouco representa, perdendo seu valor simbólico, sendo-lhes tão inútil na vida, quanto um espelho sem reflexo. E o povo, mais uma vez, mantido excluído de seus direitos mínimos, é convencido de que essa situação é conseqüência de sua incompetência de classe. A competição no processo pedagógico, sendo classificatória e seletiva, definitivamente não combina com a construção da solidariedade.

17


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

FRACASSO ESCOLAR E DESIGUALDADE SOCIAL: UMA DISCUSSÃO DE LONGA DATA A preocupação com o fracasso escolar e a elaboração de propostas para reverter esse quadro não são novas. Em 1918, os Dirigentes do Ensino do Estado de São Paulo, Oscar Thompson e Sampaio Dória, já defendiam o fim da repetência, aconselhando a “promoção em massa” devido ao problema da falta de vagas. Dória foi enfático ao afirmar que a transição entre a Monarquia e a República exigia do Brasil a ousadia de romper com o elitismo, defendendo ser [é] preferível “dar um pouco de educação a muitos do que reservar muita educação a poucos”, como ocorria na época. As discussões acerca da repetência em nosso sistema educacional avançaram e somente na década de 50 surge a expressão “promoção automática” como proposta para superar o que era considerado o maior problema pedagógico-social. Nesse período, iniciou—se, no Brasil, um grande debate em relação a essa proposta, em função de pesquisas demonstran-

18

do que a repetência não exercia influência positiva sobre o desempenho dos alunos. A divulgação de experiências bem sucedidas em outros países, nesse mesmo sentido, como foi o caso da Inglaterra, ajudou a colocar essa alternativa na ordem do dia. No Brasil dos anos 50, de cada 100 alunos matriculados na primeira série, apenas 28 chegavam até a terceira série e somente 16 chegavam à quarta série, que, à época não era oferecida na zona rural – ali o “ensino primário”, como era chamado o ensino fundamental, durava apenas três anos. É importante destacar que, naquela época, não só a continuidade escolar era um problema a ser vencido pelo Estado, como também o acesso à escola primária, uma vez que não haveria escolas para todos, caso todas as crianças pudessem ser matriculadas no 1º ano do ensino primário. Constatado o problema da elevadíssima


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

reprovação escolar, educadores, psicólogos afetar de modo direto e profundo os fae sociólogos passaram a discutir e defen- tores determinantes do problema” (Luís der a “promoção automática”, mesmo sa- Pereira, 1958). lientando que não bastava apenas elimiEm termos legais, propostas como as nar a repetência, mas alertando sobre a ne- de promoção automática foram autoricessidade de modificar outros aspectos da zadas a partir de 1961, quando a primeiorganização escolar, como o currículo, a ra LDB previa a possibilidade da “organiavaliação, a formação de valores, os mate- zação de cursos ou escolas experimentais, riais didáticos, etc. com currículos, métodos e períodos escoDante Moreira Leite, psicólogo esco- lares próprios” (Lei 4024/61, art. 104). lar e professor da USP, em 1959 afirmava Mas, nossos educadores não restrinque “a introdução da giram sua intervenpromoção automática ção ao campo das Em 1918 Oscar Thompson e implica uma transforidéias, das hipóteses mação radical da esco- Sampaio Dória, já defendiam ou das leis e la, na medida em que implementaram poo fim da repetência, se transformam os líticas concretas, seus objetivos básicos, aconselhando a promoção como foi o caso, em vez que professores e 1968, do governo do em massa devido ao alunos passarão a vide São Paulo. problema da falta de vagas. Estado ver em torno de outros O ensino primário de valores e aspirações”. é preferível dar um pouco quatro anos foi Já naquela época, hade educação a muitos do reestruturado, orgavia consciência de que nizado em dois níque reservar muita as alterações não eram veis: nível I, correseducação a poucos tão simples e fáceis. pondendo aos priAlguns dos problemeiro e segundo mas que hoje denunanos, e nível II, ciamos, em especial a adoção simplista correspondendo aos terceiro e quarto de pseudo – soluções, eram alertados há anos, havendo a possibilidade de retenmais de 40 anos: “a implementação pre- ção apenas no último ano de cada nível. cipitada da promoção automática pode As séries intermediárias eram oportualterar as taxas de repetência, mas não nidades de reorganização pedagógica do ○

19


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

trabalho escolar, para o professor, os aluO Estado de São Paulo, pioneiro nesnos e a escola (Resolução SE – 306/68). sa questão, já havia implantado essa amOutras experiências no mesmo sentido fo- pliação do ensino obrigatório, ainda em ram realizadas nos “Ginásios Vocacionais”. 1969, com a criação de 98 Grupos-EscoEsses projetos pioneiros tiveram dificul- lares-Ginásio (GEGs) e essas experiêncidades de implementação e acabaram sen- as tiveram papel central nas mudanças do substituídos pelo modelo tradicional legais que ocorreriam três anos depois. O da seriação, ainda que por razões diver- município de São Paulo também experisas entre si. mentou, de forma antecipada, e com suÉ fundamental cesso, em 1970, a lembrar que até 1971, implementação de não bastava apenas quando da aprovação uma escola de 8 anos. de nossa 2ª Lei de Di- eliminar a repetência, mas Além da vitória na retrizes e Bases da questão dos oito anos alertando sobre a Educação (LDB- Lei de ensino obrigatório, 5692/71), o ensino necessidade de modificar a 2a LDB abandonou o caráter experimental e obrigatório e gratuito outros aspectos da era de apenas 4 anos, a flexibilidade educaorganização escolar, como correspondendo ao cional necessários à o currículo, a avaliação, a chamado “ensino implantação da proprimário”. A luta dos formação de valores, os gressão continuada, educadores, a organipassou a integrar materiais didáticos, etc. que zação de grupos de o rol de mudanças pais e o desenvolvipossíveis pois, sempre mento de uma socieque “verificadas as nedade industrial, com projetos tecnológicos cessárias condições, os sistemas de ensiavançados, como o da indústria automo- no poderão admitir a adoção de critérios bilística, entre outros, garantiram a con- que permitam avanços progressivos dos quista da expansão desse direito para 8 alunos pela conjugação dos elementos de anos, com o “ensino de 1º grau”, visan- idade e aproveitamento” (Art. 14, § 4º). Mais recentemente, em 1984, o goverdo superar a cisão histórica entre o “primário” e o “ginásio” e sinalizando para no Franco Montoro retomou as experiências de progressão continuada na rede esum projeto integrado de ambos.

20


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

tadual de ensino de São Paulo, com a implantação do ciclo básico. Tendo como pressuposto que o processo de alfabetização não deveria sofrer rupturas, concebeu os dois primeiros anos como um processo contínuo. O objetivo dessa medida era garantir a continuidade de todos os alunos no 2o ano do processo de alfabetização, visto que, na organização anterior, aproximadamente 40% dos alunos eram retidos logo no 1º ano de escolaridade, sem nenhuma possibilidade pedagógica de flexibilização do processo. Ao “repetir” de ano, o aluno retomava o estudo da estaca zero, como se nada tivesse aprendido. Superar essa situação era o desafio a ser enfrentado. A discussão acerca do fracasso escolar, principalmente no que tange ao problema da repetência, foi criando um movimento de repensar a escola, construindo uma proposta que ia para além do fim da repetência, mas envolvia a reestruturação de toda a organização escolar: o tempo, o currículo, a avaliação, a gestão do sistema e da escola, a relação entre professores, alunos, escola e comunidade. Na 1a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) em São Paulo (1989-1992),

com Paulo Freire à frente da Secretaria de Educação do município, retoma-se o debate da progressão continuada para todo o ensino fundamental, aprovandose nova organização do ensino fundamental, em ciclos, em número de três (33-2), tendo a interdisciplinaridade como fundamento científico e a progressão continuada como razão pedagógica. Regimento Escolar, amplamente discutido e elaborado pelos diferentes sujeitos do processo educacional, bem como Estatuto do Magistério, contendo proposta inédita de jornada de trabalho integral docente (30 horas = 20 horas com alunos + 10 horas de trabalho pedagógico), implicando em atualização salarial de 100% aos professores que a ela aderissem, são aprovados, por unanimidade, no final do 1º semestre do último ano do Governo (1992). Todos os casos citados referem-se a experiências públicas que visavam a implementação da garantia do direito à educação com qualidade e o entendimento de que o mesmo, da maneira como vinha sendo implementado, tornava relevante a discussão sobre complexidade e a importância da progressão continuada e das políticas de ciclos, para as redes públicas de ensino.

21


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

REPROVAÇÃO GARANTE QUALIDADE DO ENSINO E DEDICAÇÃO DO ALUNO? A exclusão na escola não se dá apenas pela falta de vagas, mas pela prática pedagógica, que estigmatiza parcelas da população, levando-as a abandonar a escola, por se acharem “incapazes” de nela continuar. “Meu filho tem cabeça dura”; “o conhecimento não entra na minha cabeça”; “não nasci para isto” são frases comuns entre os expulsos da escola. A exclusão se consolida também na tentativa de montar salas “homogêneas”, com alunos pretensamente com capacidades e fases de desenvolvimento ‘iguais’. Nesse sentido, a estrutura seriada de nossas escolas serve de instrumento para a lógica da exclusão no setor educacional. A organização seriada traduz uma concepção de educação, onde se acredita ser possível uma definição rígida de conteúdos para cada série, pré-requisito para as séries seguintes, concebendo-se o conhecimento de forma linear. O currículo, na organização seriada, foi baseado numa lógica ascendente do conhecimen-

22

to, indo do concreto para o abstrato, e do simples para o complexo, o que não necessariamente condiz com a realidade do aprendizado. Nessa organização, os conteúdos de cada série, supostamente obedecendo seqüências cientificamente estabelecidas pela Teoria do Conhecimento, devem ser transmitidos e assimilados no prazo limite de um ano letivo, independentemente de questões conjunturais, históricas ou pessoais. Os alunos que não cumprirem todo ou parte dos objetivos assim estabelecidos, devem ser “punidos” com a repetência. Ou seja, o aluno deverá cursar tudo outra vez, do mesmo jeito, só que, agora, mais desanimado, pois sem “novidades” .Assim, o aluno deverá repetir todos os conteúdos em que não teve desempenho satisfatório, assim como todos nos quais obteve bom aproveitamento, indistintamente. Isso nos obriga a perguntar: que lógica sádica é esta que condena uma


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

criança a repetir o que ela já sabe, mesmo que muito bem, como se fosse a 1ª vez em que ouviu falar delas? Inúmeras pesquisas revelam que a repetência não tem se constituído em alternativa pedagógica ou social para motivar ou garantir a aprendizagem dos alunos. Ao contrário, constatou-se que ao se tornarem alunos multi-repetentes, a maior probabilidade tem sido a de que os alunos pobres deixem a escola. A justificativa de alguns educadores para defender a repetição de séries idênticas, já cursadas pelos alunos que “não aprenderam” tudo o que deveriam, ou na profundidade e extensão que deveriam, é a crença de que com a repetição (daí a importância da memória, no processo ensino-aprendizagem, para esses professores) dos mesmos temas e assuntos, é dada à criança e ao jovem, uma nova oportunidade de apreensão dos conteúdos determinados. A escola, no entanto, se tratada como mera transmissora de informação, tende a deixar de ter função. A opção pela “reprovação” geralmente desconsidera as outras fontes de aprendizado dos alunos e ignora novas teorias educacionais que chamam a atenção para o aprendizado de “competências”, capacidades, habilidades, sentidos e sentimentos, tão ou mais importantes que alguns conteúdos.

Acreditamos que a reprovação foi e continuará sendo um desestímulo para a continuidade dos estudos de alunos trabalhadores pobres, já que os alunos ricos, em nenhuma escola que permaneceram, tiveram altos percentuais de reprovação. As razões desse fato estão, em 1º lugar, porque a escola ainda “fala mais” a linguagem dos ricos, pois, historicamente, foi criada para servir aos grupos privilegiados na sociedade. Ao tomar essa cultura como “oficial” e, portanto, padrão para todos, acaba considerando a cultura dos pobres e suas vivências, como “inferiores”. Paulo Freire já nos preveniu que “há uma certa incompetência da escola em trabalhar o saber que o menino traz de sua casa e de sua comunidade. Há uma certa negação da linguagem aprendida em casa e essa falta de capacitação científica e técnica dificulta alfabetização. A negação da cultura popular implica na negação da linguagem popular .” popular.” (in RRevista Rede – Secretaria Municipal de Educação e Cultura – nº 1 – setembro/95 – Betim - MG., pg. 15). Em 2º lugar, porque as famílias ricas sempre puderam pagar aulas particulares de “reforço”, quando seus filhos apresentaram “dificuldades de aprendizagem”, em relação ao ritmo da classe.. Em terceiro lugar, porque as escolas consideradas “boas” para a elite trabalham adap-

23


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

tadas à lógica da exclusão e têm formas mais ou menos sutis de ‘convidar’ o aluno ‘fraco’ a procurar outra escola, antes de fracassar – e macular a imagem da instituição. Expulso o “diferente”, e homogeneizado os grupos-classe pelo patamar mais alto dos scores alcançados, a escola propõe (na verdade, executa) a promoção automática, agora como expressão de qualidade superior de ensino. E, por último, porque os pais das famílias ricas de fato “matriculam” seus filhos “com problemas de aprendizagem e de rendimento escolar”, em escolas de menor status educacional e socio-econômico. Se defendemos uma escola de qualidade para todos, faz-se necessário repensar a estrutura escolar, resgatando o significado da escola para a população, onde as questões centrais deverão ser: para quê escola? Por que historicamente lutamos por políticas educacionais

24

que garantissem educação para todos? Numa sociedade efetivamente democrática e inclusiva, Escola de Qualidade, é aquela a que todos podem ter acesso; nesse sentido, a quantidade é um dos indicadores principais para se aferir a qualidade de uma escola pública. Uma escola excludente, por mais que consiga transmitir conhecimentos com eficiência, num ritmo estabelecido para e pelos “melhores”, por mais que utilize métodos e equipamentos avançados, sempre tenderá a prejudicar os mais pobres. Por isso mesmo, o uso da “repetência” como forma de manter a “motivação” dos alunos, não tem mais razão histórica para a escola pública fundamental brasileira, uma vez que a população que a freqüenta é majoritariamente constituída de crianças pobres e muito pobres, do ponto de vista sócioeconômico.


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

PROGRESSÃO CONTINUADA NÃO É SINÔNIMO DE PROMOÇÃO AUTOMÁTICA A atuação pedagógica e social contra dir essa política com as propostas de “proos altos índices de repetência gerou o de- gressão continuada” foi uma estratégia bate sobre a “promoção automática” e, dos neoliberais para legitimar a mais recentemente, sobre a “progressão desqualificação do ensino. Nesse sentido, continuada”. Em muitos momentos, es- a nomenclatura “promoção automática”, ses dois termos foram tratados como si- pelos equívocos que trouxe, foi excluída nônimos, já que ambos tinham como ele- até da legislação educacional, onde consta apenas a proposta de mento central a eli“progressão contiminação da repepromoção automática nuada”. tência, enquanto lóextingue a repetência, Para fins didátigica do sistema de visando exclusivamente a cos, e buscando a ensino fundamental distinção de políticas obrigatório. melhoria de índices atualmente impleComo já vimos, a estatísticos educacionais, a mentadas, tratare“promoção automática” historicamente redução de gastos financeiros mos como “promotambém estava ene o aumento da diplomação ção automática” aquelas políticas que quadrada entre as extinguem a repemedidas que visatência, visando exvam prioritariamente combater a exclusão escolar. O clusivamente a melhoria de índices estatempo passou e a “promoção automáti- tísticos educacionais (melhoria do fluxo ca” passou a responder a outros interes- escolar, baixa reprovação...), a redução de ses, por sinal, nada pedagógicos. Confun- gastos financeiros (menos “desperdício”)

25


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

e o aumento da diplomação (crescimento para todos, na permanência escolar. de número de concluintes). Fatores A progressão continuada traduz um motivacionais para alavancar investimen- posicionamento político e filosófico coetos financeiros internacionais no País. rente com uma concepção de homem e Por outro lado, chamaremos de “pro- de mundo. Como ensinava Paulo Freire gressão continuada” as políticas que têm “todo homem pensa e tem condições de por objetivo enfrentar o problema da ex- conduzir seu destino”. E todo ser humaclusão no sistema educacional por meio no, por definição, aprende todos os dias, de mudança profunda da concepção po- alguma coisa e de diversas formas, daí lítico-pedagógica implantada e que tem porque um mundo solidário e sem exclucomo pré-requisito a garantia de meca- são social, é possível e urgente. nismos eficazes para Nesse sentido, a a melhoria de qua- progressão continuada têm progressão contilidade da educação, nuada não é mera por objetivo enfrentar o propiciando uma opção técnica, ou problema da exclusão no sólida e criativa formetodológica, ou mação aos nossos sistema educacional por meio modismo pedagógiestudantes. co. Ela busca resde mudança profunda da A promoção autopeitar a diferença, e concepção políticomática desqua-lifica a não puni-la ou esescola pública e essa tigmatiza-la. Os pedagógica desqua-lificação é frumais lentos e/ou to de uma política preinábeis em determeditada, onde a manutenção de uma so- minados conteúdos tem tanto direito à educiedade desigual implica oferecer ao pobre, cação quanto os demais. Toda trajetória inuma educação pobre. O princípio da pro- dividual e de grupo pode e deve ser valorigressão continuada, enquanto política vol- zada e as disputas e ousadias educacionais tada para a superação da exclusão, é justa- jamais deverão ser descon-sideradas no mente o inverso da proposta anterior: aos processo ensino-aprendizagem. mais pobres deve-se oferecer a melhor eduUma outra confusão advém do tracação, em termos científicos, literários, ar- tamento que se dá como se progressão tísticos e tecnológicos, para poder-se afirmar continuada e ciclos fossem sinônimos. ter sido oferecido “igualdade de condições”, Apesar das políticas de ciclos terem como

26


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

pressuposto, conceitualmente, alguma forma de progressão continuada, é possível afirmar que ela pode ser implementada num modelo seriado. A nova LDB, por exemplo, indica este caminho quando prevê que “os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão conti-

nuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino” (Lei 9394/96, Art. 32 , § 2º). Entendemos também, que as mudanças conceituais da proposta político-pedagógica exigidas pela proposta da progressão continuada são mais coerentes se trabalhadas em projetos de ciclos.

27


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

A ORGANIZAÇÃO ESCOLAR EM CICLOS FACILITA A APRENDIZAGEM? A organização em ciclos implica em progressão continuada, mas visa a reorganizar a escola para a adaptação aos novos paradigmas a serem implementados. Essa proposta busca reestruturar a escola numa nova base temporal, em especial no que avaliação. diz respeito ao currículo e à avaliação O currículo perde sua rigidez para cumprimento em prazo fixo e a avaliação não pode limitar-se a definir quem deve ser aprovado ou reprovado, passando a ser um instrumento importante para o professor e a escola diagnosticarem como está sendo sua atuação e replanejar seu trabalho. A avaliação deixa de ser um instrumento para classificar e/ou selecionar os alunos, tornando-se mais um fator para o favorecimento da aprendizagem. A questão fundamental a ser equacionada passa a ser: o que fazer com o aluno que não está aprendendo? Na seriação, a solução era reprovação; nos projetos de ciclos, um novo olhar para o processo educativo é pro-

28

posto, o que exige um conjunto de medidas e condições para que se possa construir uma nova escola, onde o significado de aprender, não seja “passar de ano” ou “tirar nota”, mas realmente incorporar novos conhecimentos que nos permitam ver/ sentir/ entender o mundo de forma mais complexa. A conseqüência imediata dessa concepção é que as séries deixam de existir, por se contraporem aos princípios básicos de articulação e continuidade do processo educativo. A aprendizagem é um processo contínuo, que não pode ser truncado ano a ano ou a cada verificação de aprendizagem. A organização do ensino em ciclos exige mudanças profundas na estrutura da escola pública de ensino fundamental, para tornar a Educação, efetivamente, um direito de todos, garantindo a permanência de crianças, jovens e adultos em uma escola pública de qualidade. Nos anos 90, as experiências de orga-


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

nização do ensino por ciclos começaram sempre que o interesse do processo de a ser testadas em diferentes redes escola- aprendizagem assim o recomendar” res no país, principalmente em adminisFica claro que a “lei apenas listou trações municipais de caráter democráti- uma série de alternativas, abrindo um co – popular. Como a avaliação dessas leque de opções aos sistemas de ensino. O propostas foi positiva do ponto de vista da outro artigo da mesma lei que cita os ciampliação do acesso e da efetividade em clos é ainda mais explícito em seu objetiseu processo de ensino-aprendizagem, a vo: “Art. 32, §1º - É facultado aos sistelegislação nacional contemplou a possi- mas de ensino desdobrar o ensino fundabilidade de sua implementação. É impor- mental em ciclos”. Não há dúvidas sobre tante lembrar que nenhuma lei vigente a operacionalização desses dispositivos leobriga a adoção dos gais: a adoção de ciciclos. No entanto, clos é uma opção A avaliação deixa de ser um alguns governantes política! justificam sua im- instrumento para classificar É fundamental plantação argumenrecordar que o texto e/ou selecionar os alunos, tando haver um imfinal da LDB, no que tornando-se mais um fator diz respeito a ciclos, perativo legal, que a LDB teria determifoi uma conquista da para o favorecimento da nado sua adoção, o sociedade civil, atraaprendizagem. que não é verdade. vés do Fórum NacioA nova LDB, ao nal em Defesa da Estratar dos ciclos, o faz de forma cola Pública. A redação apresentada pelo indicativa, citando-os como uma das senador Darcy Ribeiro (PDT-RJ), coincimuitas possibilidades de organização da dente com a defendida pelo MEC, estabeeducação básica: lecia a organização do ensino fundamen“Art. 23. A educação básica poderá tal somente em dois ciclos. Essa proposorganizar-se em séries anuais, perío- ta foi derrotada. dos semestrais, ciclos, alternância reAssim, avançando para além das gular de períodos de estudos, grupos questões conceituais e legais, é interesnão-seriados, com base na idade, na sante sabermos como vem sendo feita a competência e em outros critérios, ou implantação dos ciclos no Brasil. Em por forma diversa de organização, 1999, consideradas as matrículas das re-

29


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

des públicas e privadas do ensino fun- tema é significativamente maior nas redamental, verificamos que a maioria dos des municipais do que nas estaduais. alunos ainda estudava sob o sistema se- Apenas 21% dos municípios da amostra riado (61,5%). Somente 23% freqüenta- trabalhavam exclusivamente com sérivam escolas que trabalhavam com ci- es, enquanto 55% das redes estaduais esclos e 15% estavam matriculados em ins- tão na mesma situação. tituições de ensino com ciclos e séries De outro lado, 40,5% dos municípi(INEP, 2000). os trabalhavam exclusivamente com ciÉ importante constatar também, a clos, percentual mais alto do que os pouconcentração regional da imple- cos 5% de redes estaduais que adotaram mentação dos ciclos. São Paulo e Minas o sistema. Constatou-se ainda que há Gerais, juntos, detêm 93% das matrícu- grande contingente de redes públicas, las brasileiras de tanto estaduais alunos em escolas A organização do ensino em quanto municipais, com ciclos, abranque conjugam ciclos ciclos exige mudanças gendo todo o ensicom séries em seus profundas na estrutura da sistemas. no fundamental. As regiões Norte, NorEssa combinaescola pública de ensino deste e Centro-Oesção de ciclos e séries fundamental te tinham pouco é apenas uma das mais de 1% de seus constatações que alunos em escolas apontam para a ditotalmente “cicladas” - como costumam versidade de alternativas que vêm sendo falar os educadores da região Sul. No Su- implementadas no País. A mesma pesdeste, essa proporção atinge a percenta- quisa aponta que o entendimento sobre gem dos 59% e, no Sul, chega atingir o que são os ciclos, quando começam e quase 4%. Ou seja, pode-se afirmar que terminam, ou sua abrangência em núos ciclos ainda estão longe de ser uma mero de anos, é bastante diferenciado. política generalizada no País. O quadro I, apresenta 10 (dez) formas Uma outra pesquisa, abrangendo diferentes de organização dos ciclos, nas uma amostragem de 37 redes públicas, redes públicas brasileiras. indica uma outra peculiaridade da imObserve-se no quadro II que a última plantação dos ciclos. A opção por esse sis- linha apresenta a organização de ciclos

30


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

Fonte: NEPP/UNICAMP Brasil: 2000. Dados apresentados em Seminário da Secretaria de Educação Fundamental / MEC. Brasília, 08/08/2001.

proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), abrangendo 4 ciclos de duração de 2 anos, cada um. Esse é o modelo com maior número de adesões entre as redes da amostragem, com sete citações. Outra constatação: grande parte das pro-

postas de ciclos não integra os 4 primeiros anos com os demais, ou seja, mantém, em certa medida, a tradicional divisão entre primário e ginásio, existente até 1971. Em síntese, a organização do ensino em ciclos constitui uma proposta político-

Fonte: NEPP/UNICAMP Brasil: 2000. Dados apresentados em Seminário da Secretaria de Educação Fundamental / MEC. Brasília, 08/08/2002.

31


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

pedagógica que pretende garantir o direito de todos a uma educação de qualidade através de profunda reestruturação escolar. No entanto, essa reestruturação pressupõe reorganização curricular, re-significação da avaliação da aprendizagem, redefinição do tempo e do espaço escolares, novas concepções, práticas e relações de trabalho; formação permanente dos educadores e gestão democrática. Sua implementação tem apresentado

32

grande variedade de formas na concretização da proposta, o que indica, por um lado, uma riqueza em termos de possibilidades de organização escolar e uma dificuldade não só para a análise global acerca de seu impacto, quanto para a avaliação de sua efetividade. Devido à sua importância, destacamos a gestão democrática, sem a qual a qualidade da educação fica definitivamente inviabilizada.


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

PROGRESSÃO CONTINUADA SOB A TECNOCRACIA PAULISTA A proposta de organização do ensi- prejudicar a qualidade dos serviços presno em ciclos, incluindo progressão con- tados à população. Essa deturpação fica evidente quantinuada, aponta para um horizonte ideal e um projeto complexo para uma edu- do propostas de reestruturação do ensicação pública de qualidade. No entan- no, que pressupõem mudanças na orgato, no atual contexto político de nização e dinâmica escolar - como os redefinição do papel do Estado, essas me- ciclos e a progressão continuada - são didas, muitas vezes, têm sido adotadas reduzidas à eliminação simplória da repetência, o que com objetivos edude não resolver cacionais perversos. Em São Paulo não há ciclos além o problema da nãoGovernos automas aglomerados aprendizagem, acaritários, preocupaba por agudizá-lo. dos apenas com os de séries Com essas meíndices educaciodidas burocráticonais têm implementado a progressão continuada e a administrativas, os gestores de plantão organização do ensino em ciclos como afirmam cumprir seu papel “democráestratégia de regularização do fluxo es- tico”, pois estariam garantindo acesso e colar e barateamento dos custos públi- permanência a todas as crianças de sete cos em educação. Acreditamos que aca- a catorze anos de idade. Mas, como não bar com desperdícios é um pressuposto estão preocupados com o surgimento de de toda e qualquer ação do Poder Públi- cidadãos emancipados, com consciência co, no entanto não se pode submeter e condição de reivindicar seus direitos todo o sistema social a ele, sob pena de sociais, só efetivam políticas de

33


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

desresponsabilização do poder público Cesar Callegari (PSB-SP). pela baixa qualidade dos serviços ofereciO projeto de destruição da escola púdos. Na escola são mantidos simulacros blica paulista não dá para ser subestide ciclos e progressão cidadã, que se cur- mado. Ele foi implantado em passos mevam à mesma estrutura tradicional e se- ticulosamente calculados para impactar riada. É isso o que ocorre no Estado de a rede e desarticular os trabalhadores. São Paulo, razão pela qual costuma-se caFoi realizada a chamada “reorganiracterizar, de forma irônica, a atual or- zação da rede física”, separando escolas ganização como “aglomerado de séries”, de 1a a 4a séries, das de 5a a 8a e ensino médio, com argumentos falaciosos recom progressão “automática”. Os trabalhadores de educação ferentes a uma pretensa melhoria de na rede estadual paulista sentem-se qualidade do ensino. Argumentação sem desrespeitados, com base científica, identidades perdidas preconceituosa e A tecnocracia instalada no segregacionista, e com sua competência profissional governo paulista tem abusado acusando os joe adultos de sob suspei-ção, pelo do uso da força para impor vens poder público, pelos serem má influênseu projeto educacional alunos e pelos pais. cia para as crianA tecnocracia insças pequenas. Rátalada no governo pido notamos que paulista tem abusado do uso da força a (des)organização da rede de ensino para impor seu projeto educacional. Eles servia exclusivamente como preparação jamais escutaram os profissionais da do terreno para a municipalização do rede de ensino, nunca prestaram contas ensino. Tudo foi feito sem diálogo com a ninguém do que faziam. Em especial, a sociedade; envolvendo prefeitos em no que diz respeito às verbas da educa- conchavos espúrios, para que aceitasção, havendo provas concretas de desvi- sem, com algumas vantagens financeios e malversação, conforme pode ser ras, as suas propostas. Na seqüência, o constatado no Relatório da “CPI da Edu- governo estadual desqualificou o currícação”, organizada pela Assembléia culo, reduzindo o número de horas-aula Legislativa de São Paulo, entre 1999 e e demitindo mais de 40 mil profissionais 2000, sob a Presidência do Deputado de ensino, sob a falsa alegação da exis-

34


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

tência de cerca de cem mil alunos fan- mesmo objetivo. Esses projetos são metasmas. Foi nesse contexto que a promo- canismos criados para fiscalizar se as esção automática foi instaurada. colas e universidades estão transmitinPara aplacar críticas, foi utilizada a do os conteúdos considerados relevanargumentação pedagógica progressista tes, gerando competição, selecionando referente à progressão continuada, estra- “os melhores”, premiando e punindo. O tégia que incluiu o uso da mesma nomen- fundamental aqui é que a responsabiliclatura. Porém, o dade pela qualidade que a secretária Rose de ensino é desloO que a secretária Rose Neubauer fez não foi cada do Poder Púprogressão continublico para as escoNeubauer fez não foi ada; as medidas fopara os profesprogressão continuada; as las, ram de caráter mesores e para os alumedidas foram de caráter nos. E estes não tiramente administrativos e econômicos meramente administrativos e veram espaço para visando, exclusiva e optar sobre qual econômicos visando, principalmente, a educação queriam e redução de custos e exclusiva e principalmente, a em quais condições. regular o fluxo esco- redução de custos e regular o A progressão lar, gerando índices aplicafluxo escolar, gerando índices continuada de aproveitamento da pelo governo Coartificiais. Ela aca- de aproveitamento artificiais. vas/Alckmin/ Rose bou com a repeNeubauer no Estado tência, através da de São Paulo é promoção automática, não oferecendo ne- indefensável, até porque não se trata de nhuma nova condição pedagógico-educa- progressão continuada, mas de promocional para que os profissionais trabalhas- ção automática. Nesse sentido, devemos sem na ‘proposta’ imposta. derrotar essa política, implantando proFechando o circuito desse projeto de- postas educacionais que recuperem a esliberado de desmonte da escola pública cola pública paulista e dêem um novo estão as avaliações externas. O SARESP/ sentido para sua existência, pois se nos SAEB (Sistema de Avaliação da Educa- contentarmos em apenas denunciar a ção Básica), o ENEM e o PROVÃO têm o progressão continuada pelos problemas

35


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

causados pela política irresponsável da promoção automática, cometeremos um equívoco histórico irreparável. Freqüentemente o neoliberalismo se apropria de terminologias usadas pelos setores progressistas para implantar seu projeto e tentar confundir a oposição. Eles buscam re-significar palavras que

36

tiveram eco nas lutas sociais para implementar projetos assistencialistas, paternalistas e compensatórios, embaçando e confundindo princípios e objetivos que esses termos expressavam, em especial os que envolvem propostas emancipadoras de gestão democráticoeducacional.


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

UMA OUTRA EDUCAÇÃO É POSSÍVEL

Todos que defendemos uma escola paço de discussão/ planejamento dos propara todos, de qualidade, sabemos que a fessores; possibilidade de desenvolvimenimplementação dessa proposta político- to de projetos, no decorrer do ano, para pedagógica exige uma estratégia caute- os alunos com dificuldade, e condições losa, que envolva preparação dos profes- mínimas de trabalho condizentes com sores e da comunidade de uma forma a necessidade de acompanhamento e geral. Assim, refuta-se a implementação avaliação individualizados dos estudantes, até a jornada de de mudanças brustrabalho e o salário cas, de “pacotes” a população não pode ser dos educadores. Soadvindos de gabinetes de especialistas e refém de tecnocratas que mente dentro desse contexto, defendecoloca-se em primeiexercem um poder que, numa mos a ro plano a exigência democracia real, é dela implementação de de amplo e democrápolíticas de progrestico debate acerca da são continuada, situação da escola pública. Recolocar a comunidade esco- através de ciclos, em substituição à lar como gestora principal dos rumos da repetência e ao regime seriado. Grandes mudanças não são simples educação, valorizando seus profissionais, é o primeiro passo a ser dado. nem fáceis. O papel dos educadores não é Tais mudanças aqui esboçadas pres- fazer mágica e sim construir, através do supõem formação dos professores; discus- resgate de suas atribuições profissionais, são com a comunidade; subsídios para a uma nova educação. E a população não organização da unidade escolar como es- pode ser refém de tecnocratas que exer-

37


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

cem um poder que, numa democracia real, é dela. Para explicitar melhor nossas idéias, elencamos 13 aspectos que consideramos fundamentais para a implementação da progressão continuada, tradutora de um projeto de escola democrático-popular de qualidade. São eles: 1. A decisão coletiva de cada escola, envolvendo os trabalhadores em educação, pais e alunos, sobre a necessidade e a forma de implantação da progressão continuada e dos ciclos; 2. A construção coletiva de um novo significado para as atividades escolares, incluindo o papel da avaliação e do currículo; 3. A elaboração de uma organização flexível do tempo e do conteúdo do trabalho escolar; 4. O incentivo ao companheirismo e à cooperação em oposição à competição; 5. A avaliação contínua e diversificada os trabalhos visando garantir mecanismos que viabilizem condições de efetiva aprendizagem; 6. O registro das atividades e dos fatos relativos ao desenvolvimento individual e coletivo dos alunos; 7. O estabelecimento de um número máximo de alunos por sala de aula, possibilitando o efetivo acompanhamento individualizado dos estudantes;

38

8. A garantia de condições de trabalho, em especial a jornada de trabalho, que possibilitem tranqüilidade para planejamento e avaliação por parte dos professores; 9. A garantia de condições físicas e materiais para a consecução destas mudanças; 10. A organização das classes valendo-se das diferenças dos alunos e a preocupação do professor em garantir a participação de todos; 11. O acompanhamento e a intervenção em todo o processo pedagógico por parte do professor; 12 12. Os alunos devem assumir papel ativo em seu processo de aprendizagem, sendo envolvidos no planejamento, no estabelecimento de regras, na definição e divisão de tarefas claras; 13. A valorização do saber trazido pelo aluno e a convivência entre alunos de diferentes idades; isto seria fruto de uma postura, exigindo trabalho contínuo, persistente e sistemático; Como última reflexão é necessário ponderar mais uma vez que nenhuma medida de democratização da escola pública para os excluídos sociais será feita através de atos legais, burocráticos, sem a participação direta e ativa dos próprios excluídos. Ninguém mais oportuno do que nosso mestre Florestan Fernandes que sempre nos alertou que:


IVAN VALENTE - LISETE ARELARO

“...carecemos aprender que a programação educacional autêntica só pode concretizar-se pela cooperação democrática entre as comunidades, os alunos, os professores, os funcionários, as famílias dos estudantes e com a contribuição permanente do Estado. Nessa esfera, pouco virá de cima para baixo. Dentro do modelo básico: remando contra a corrente, cabe à ação coletiva dos destituídos resolver os grandes desafios da história.” Florestan Fernandes, 1991 1991..

39


PROGRESSÃO CONTINUADA X PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

BIBLIOGRAFIA ALMEIDA JUNIOR, Antonio Ferreira. Repetência ou promoção automática? Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. XXVII, n. 65, p. 3-15, jan./mar. 1957. APEOESP. Revista de Educação Educação. Progressão continuada ou aprovação automática?, n. 13, 2001. ARELARO, Lisete Regina Gomes; TELLES, Silvia; KRUPPA, Sonia Maria. A orgaciclos. Mimeo., 1998. nização do ensino em ciclos CORTELLA, Mario Sergio. A reconstrução da escola (a Educação Municipal em São Paulo de 1989 a 1991). Em Aberto Aberto, Brasília, ano 11, n. 53, p. 54-63, jan./mar. 1992. DORIA, Antonio de Sampaio. Contra o analphabetismo. In: SÃO PAULO (Estado). Annuario do ensino do Estado de São Paulo. Directoria Geral da Instrucção Publica, 1918. p. 58-66. LEITE, Dante Moreira. Promoção automática e adequação do currículo ao desenvolvimento do aluno. Pesquisa e Planejamento Planejamento, São Paulo, ano 3, v. 3, p. 15-34, jun. 1959. _____. Promoção automática e adequação do currículo ao desenvolvimento valiação Educacional do aluno. Estudos em AAvaliação Educacional, São Paulo, n. 19, p. 5-24, jan./jun. 1999. PEREIRA, Luís. A promoção automática na escola primária. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. XXX, n. 72, p. 105-107, out./dez. 1958. SOUSA, Sandra Maria Zákia Lian. A avaliação na organização do ensino em ciclos. In: KRASILCHIK, Miriam (Org.). USP fala sobre Educação Educação. São Paulo: FEUSP, 2000c. p. 34-43. _____, ALAVARSE, Ocimar Munhoz. Ciclos: a centralidade da avaliação avaliação. Mimeo, 2002. _____; STEINVASCHER, Andrea; ALAVARSE, Ocimar Munhoz. Progressão continuada: re-significando a avaliação escolar. Revista Psicopedagogia Psicopedagogia, São Paulo, v. 19, n. 58, p. 10-14, dez. 2001. TEIXEIRA, Anísio Spinola. Bases para uma programação da educação primária no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. XXVII, n. 65, p. 28-46, jan./mar. 1957.

40


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.