A criança o brincar e a construção das regras sociais psicologia

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ISABEL SANTOS NUNES

A CRIANÇA, O BRINCAR E A CONSTRUÇÃO DAS REGRAS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL EM UM CONTEXTO COMUNITÁRIO: UMA VISÃO DA PSICOLOGIA

PALHOÇA, 2006


ISABEL SANTOS NUNES

A CRIANÇA, O BRINCAR E A CONSTRUÇÃO DAS REGRAS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL EM UM CONTEXTO COMUNITÁRIO: UMA VISÃO DA PSICOLOGIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Psicologia como requisito à obtenção do grau de Psicólogo. Universidade do Sul de Santa Catarina.

Orientadora: Profª. Ilma Borges

PALHOÇA, 2006


ISABEL SANTOS NUNES

A CRIANÇA, O BRINCAR E A CONSTRUÇÃO DAS REGRAS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL EM UM CONTEXTO COMUNITÁRIO: UMA VISÃO DA PSICOLOGIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Psicologia como requisito à obtenção do grau de Psicólogo. Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 29 de Novembro de 2006

___________________________________ Prof. Ms. Ilma Borges Universidade do Sul de Santa Catarina

___________________________________ Prof. Ms. Rosana Cunha Universidade do Sul de Santa Catarina

___________________________________ Prof. Ms. Vera Nicia Fortkamp de Araújo Universidade do Sul de Santa Catarina


AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a mim. Por ser admiravelmente determinada e capaz. Consequentemente agradeço aos amores da minha vida, que me permitiram ser assim, seja família, namorado e amigos, que estiveram ao meu redor apoiando, cada um com sua particularidade. Minha orientadora Ilma Borges, por sua persistência e paciência. A minha amiga e companheira de pesquisa Michele Brofman, por dividir comigo as duvidas e certezas, tristezas e alegrias, que permearam esta pesquisa.


RESUMO

A infância é definida como um período de crescimento, no qual a criança constrói seus comportamentos e condutas partindo dos elementos disponíveis na sociedade. É a época em que o indivíduo se desenvolve tanto no aspecto físico quanto moral. A atividade lúdica exerce influência no desenvolvimento social, cognitivo e comportamental da criança, pois é através dela que a criança aprende a construir as regras e comportar-se em sociedade, ao conviver com outras pessoas. Desde seu nascimento, ela recebe do adulto informações e exemplos de comportamentos, que a levam a construção da moral e da ética, percebendo que as regras têm valor social, e que, de certa forma, mantêm a ordem. Neste sentido, essa pesquisa se propôs a investigar a construção das regras de convivência social tendo como objetivo norteador analisar a relação entre a construção das regras de convivência social e a ludicidade, considerando a questão de gênero em um contexto comunitário. O instrumento escolhido para a coleta de dados foram oficinas dirigidas de caráter socioeducativo, no qual o lúdico foi utilizado para abordar temas relacionados à elaboração da criança sobre regras de convivência social, explorando a discussão sobre ética e moral. A coleta de dados foi realizada em um grupo de crianças, na faixa etária de 06 à 12 anos, moradoras da comunidade Morar Bem I. O registro utilizado para documentar as oficinas foi o diário de campo e através de recortes de episódios do mesmo, ocorreu a análise dos dados. Como resultado foi possível compreender que para o grupo de sujeitos dessa pesquisa, a convivência comunitária possibilita o desenvolvimento da apropriação das regras de convivência. Os dados que identificam essa assimilação a partir desse processo de interação lúdica, apontaram, nesse grupo, elementos como justiça, cooperação, direitos e responsabilidade, como articuladores da construção das regras de convivência na particularidade desse contexto comunitário. Palavras-chave: contexto comunitário, regras de convivência social, atividade lúdica, desenvolvimento infantil.


LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – As Flores................................................................................................................38 Figura 02 – A Horta da comunidade.........................................................................................41 Figura 03 – Uma das Flores......................................................................................................42 Figura 04 – A hora do Lanche. ................................................................................................42 Figura 05 – O abraço das irmãs................................................................................................43 Figura 06 – Arrumando a maquete...........................................................................................44 Figura 07 – Jogo de Memória. .................................................................................................45 Figura 08 – Confecção das camisetas. .....................................................................................45 Figura 09 – Em uma das conversas ao lado do centro. ............................................................46 Figura 10 – As Flores assinando a chamada.............................................................................47 Figura 11 – Parquinho e Jogo de Futebol. ...............................................................................48 Figura 12 – Cravo escrevendo no Passo-a-passo. ....................................................................49 Figura 13 – Confecção do painel de fotos. ...............................................................................50 Figura 14 – Mapa da comunidade e um dos textos produzidos pelas crianças. .......................51 Figura 15 – Oficina de papel reciclado. ...................................................................................52 Figura 16 – Confecção das paginas do guia turístico. ..............................................................54 Figura 17 – Grupo Amizade e Guia Turístico da Comunidade Morar Bem I...........................55


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................8 1

CAPÍTULO UM – O primeiro olhar sobre o Jardim....................................................10 1.1 JUSTIFICATIVA...........................................................................................................10 1.2 PROBLEMÁTICA.........................................................................................................12 1.3 OBJETIVOS...................................................................................................................14

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CAPÍTULO DOIS – As influências de pensamento......................................................15 2.1 A CONSTITUIÇÃO SOCIAL DA INFÂNCIA: da educação de pequenos adultos à educação de crianças...........................................................................................................15 2.2 ATIVIDADE LÚDICA: brincando de crescer..............................................................18 2.3 AS REGRAS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL: porque devo agir dessa forma?...........24

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CAPÍTULO TRÊS – A Jardinagem................................................................................31 3.1 A INVESTIGAÇÃO DO CAMPO..............................................................................31 3.2 O CAMPO DA INVESTIGAÇÃO..............................................................................34

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CAPÍTULO QUATRO – Colhendo flores......................................................................40 4.1 A LINGUAGEM DAS FLORES: Grupo Amizade ou Grupo Porrada?.....................40 4.2 ENTENDENDO AS PLANTAS EM SEU HABITAT: Passo-a-Passo......................55

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CAPÍTULO CINCO – Resultados obtidos.....................................................................64 5.1 REVENDO AS ETAPAS DA COLHEITA................................................................64 5.2 SOBRE OS OBJETIVOS DO CULTIVO...................................................................65


CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................67 REFERÊNCIAS......................................................................................................................68 APÊNDICE..............................................................................................................................72 APÊNDICE A – Guia Turístico da Comunidade Morar Bem I.........................................73


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INTRODUÇÃO

A realização desta pesquisa é uma oportunidade de entender o porquê de determinados comportamentos do ser humano, suas origens e influências. O fato do Projeto Pedagógico do curso de Psicologia da UNISUL, estabelecer a integração dos Trabalhos de Conclusão de Curso ao campo de estágio obrigatório, determinou a entrada do curso de Psicologia da UNISUL no Projeto Social HBB (Habitar Brasil BID) da comunidade Morar Bem I, através do Núcleo Orientado de Psicologia e Práticas Sociais. Desse modo, a escolha em trabalhar com um grupo composto por crianças da comunidade deve-se tanto às demandas levantadas inicialmente no local, quanto ao interesse da acadêmica em conhecer o processo de internalização das regras de convivência social em crianças de um determinado contexto comunitário. O trabalho está organizado em cinco partes: O primeiro capítulo aborda a justificativa, a problemática e os objetivos que orientaram o fluxo da pesquisa. O segundo capítulo diz respeito à fundamentação teórica. Faz-se uma breve leitura sobre a construção da infância enquanto categoria social; retrata-se a história da atribuição de valores educativos e morais aos jogos, que passaram a ser aliados no processo ensinoaprendizagem; e, ao final, a definição de regras de convivência social, ou seja, ética e moral, para diferentes autores. No terceiro capítulo é indicado o procedimento metodológico que guiou a pesquisa. Também são abordadas, as características da comunidade Morar Bem I, a história da formação do grupo das crianças dentro dessa comunidade e a apresentação dessas que se tornaram objeto da pesquisa. No quarto capítulo busca-se fazer uma análise dos episódios recortados dos diários de campo, relacionando-os aos objetivos da pesquisa e às categorias pré-definidas no projeto.


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E finalmente, o quinto capítulo faz algumas possíveis considerações quanto ao alcance dos objetivos da pesquisa, bem como dificuldades e facilidades encontradas durante o processo. Todas as informações, tanto as de cunho bibliográfico quanto as de campo, foram computadas, analisadas e transformadas em conhecimento que, por certo, contribuirão de alguma forma, senão para a vida dessas crianças, ao menos para ajudar a compreender com mais sensibilidade o delicado processo de desenvolvimento infantil.


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CAPÍTULO UM – O primeiro olhar sobre o Jardim

Após a exposição inicial do trabalho, apresenta-se agora a justificativa, na qual se situa a importância do estudo e os porquês da realização da pesquisa. Em seguida a problemática da mesma que formula a pergunta que guiará o rumo da investigação. E por fim, os objetivos indicando as ações a serem desenvolvidas para a resolução do problema de pesquisa.

1.1 DA JUSTIFICATIVA

A entrada do curso de Psicologia da UNISUL no Projeto Social HBB (Habitar Brasil BID) da comunidade Morar Bem I teve como porta de acesso o estágio obrigatório do curso, através do Núcleo Orientado de Psicologia e Práticas Sociais. A escolha em trabalhar com um grupo composto por crianças da comunidade deve-se tanto às demandas levantadas inicialmente no local, quanto ao fato dos Trabalhos de Conclusão de Curso estarem atrelados ao campo de estágio. Refletindo sobre a relevância social, a presente pesquisa possibilitará observar como as crianças conhecem seu ambiente e obtêm conhecimento a respeito dele, construindo o significado de suas vidas e sua aprendizagem acerca do mundo em que vivem e da cultura em que estão inseridas. A comunidade possui uma grande responsabilidade com relação à formação da criança, pois esta aprende com os atos dos outros. É preciso que a criança compreenda o que são valores, respeito e justiça, baseados na reciprocidade e no compromisso pessoal, para que assim construa sua formação moral e ética, a partir de sua própria visão. Para isso, faz-se necessário entender o processo de constituição do ser humano como sujeito participante ativo


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de seu desenvolvimento cognitivo e comportamental, da constituição de sua identidade e subjetividade. A escolha desse tema está relacionada com o fato de que, habitualmente essa construção se estabelece no contexto escolar e familiar. O objetivo da pesquisa é analisar o desenvolvimento infanto-juvenil e a convivência social em um contexto comunitário, ou seja, no lugar onde essas crianças moram. Para isso, a pesquisa proposta vem a contribuir com ações concretas, fazendo uma reflexão teórica sobre a aprendizagem e os processos que compõe as fases do desenvolvimento humano, buscando promover nesse processo um novo significado para a atividade lúdica, não apenas como entretenimento, mas como um lugar onde a criança recria, interpreta e se relaciona com o mundo em que vive. A atividade lúdica é um lugar privilegiado para a construção das regras de convivência social, pois é no brincar que a criança aprende a desempenhar diferentes papéis. Com esse pensamento foi traçada a linha temática do trabalho, a construção de regras de convivência social através da ludicidade, procurando desenvolver uma reflexão sobre a influência que a atividade lúdica exerce no desenvolvimento social da criança. Na visão de Cannabrava Filho (2003), o início da vida de uma criança é formado a partir da apropriação dos valores na relação com adultos, que podem ser transmitidos via família, escola e/ou ambiente em que ela vive (comunidade). Sendo assim, a moral e a ética são constituídas desde a infância, na constante convivência social. A ética e a moral fazem parte das regras que estruturam a sociedade a fim de garantir uma ordem social na qual se possa conviver, não só na comunidade como também no mundo exterior. As regras são práticas usuais que ao longo dos anos tornam-se costumes do povo. Portanto, elas organizam a cultura, as formas de dominação e também, preservam a identidade cultural. Não se pode compreender nenhuma realidade social sem conhecer o contexto sóciohistórico em que a criança se desenvolve. É relevante ter-se em conta os elementos históricos, sociais e culturais da comunidade Morar Bem I com a finalidade de atender melhor às necessidades das crianças, a partir das demandas levantadas. Quanto à relevância científica, parte-se do pressuposto de que a construção do real surge da interação com outros e que o indivíduo se constrói ativamente nas relações que estabelece com o ambiente físico e social. Portanto, a convivência com o outro mantém uma relação com as regras apropriadas culturalmente. Finalmente, a escolha do tema da pesquisa em questão pela acadêmica deve-se ao interesse da mesma em conhecer o processo de internalização das regras de convivência


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social. É uma oportunidade de entender o porquê de determinados comportamentos do ser humano, suas origens e influências. Portanto, nada mais coerente do que realizar esta pesquisa com crianças, período onde a subjetividade está se formando e o processo de socialização está começando. Depois de apontar a relevância social, científica e pessoal do tema em questão, de evidenciar a contribuição do projeto para o conhecimento científico e para a sociedade e de delimitar o espaço geográfico do qual a pesquisa faz parte, parte-se agora para a formulação do problema que conduz a pesquisadora ao longo desse processo de investigação.

1.2 DA PROBLEMÁTICA

A infância é definida como um período de crescimento, um processo pelo qual a criança se adapta para internalizar a sociedade. É a época em que o indivíduo se faz, está se desenvolvendo tanto no aspecto físico quanto moral. Representa o período normal da educação e da instrução, como afirmam Delgado e Müller (2005). Os homens criam conhecimentos através da realização de atividades práticas. A formação das funções motoras e mentais deve-se à interação do indivíduo com o mundo social. A atividade lúdica exerce grande influência no desenvolvimento social, cognitivo e comportamental da criança, além de estimular a curiosidade, a autoconfiança e a autonomia. A criança é concebida como um ser dinâmico, que a todo o momento interage com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. Segundo Kishimoto (1996), o brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas. Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los. As normas sociais prescrevem posturas, comportamentos, atitudes diferenciadas para homens e mulheres. É a construção social da cultura local, que estabelece desde muito cedo, as regras, valores, normas, crenças que refletem os papéis sociais de gênero, a serem incorporados pelas crianças. Tais atitudes são enraizadas através dos relacionamentos na família, na escola, na comunidade construindo assim valores, nem sempre explícitos, mas que sutilmente determinam nossos comportamentos. A criança aprende a comportar-se em sociedade ao conviver com outras pessoas, pois desenvolve seu senso de companheirismo. A maioria dos comportamentos infantis é


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aprendida por meio da imitação, da experimentação e da invenção. Jogando, a criança aprende a conviver com outras crianças, esperar sua vez, aceitar regras, ganhar ou perder aprende a aceitar o resultado, lidar com frustrações e insere-se no grupo. O jogo com regras formais ajuda a entender melhor como funciona um grupo em que todos se submetem às mesmas regras. De acordo com Tiba (1996), na medida em que o homem passou a organizar a sua vida socialmente, além da necessidade de superar conflitos teve que resolver a necessidade de organizar e determinar regras para a convivência social. A criança aprende a construir as regras vivendo em sociedade. Desde seu nascimento, ela recebe do adulto informações e exemplos de comportamentos, que a levam a construção da moral e da ética. Segundo Aranha e Martins (2003) a moral é um conjunto de regras de conduta existentes em uma determinada cultura, sociedade, família, admitidas em determinada época ou por um determinado grupo. E a ética é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios pelos quais o indivíduo baseia-se para seguir seus atos, sobre os quais reflete e fundamenta sua vida moral. A ética não é apenas seguir as regras colocadas pela sociedade, mas ter consciência do porquê de se estar cumprindo-as. A consciência de si mesmo confere ao ser humano a capacidade de julgar ações, e de escolher, dentre as possibilidades, seu próprio caminho, conhecendo os seus direitos e os direitos dos outros. A consciência moral é a característica que o homem tem de julgar suas próprias ações, decidindo se elas são boas ou más. A primeira compreensão que se tem do mundo baseia-se nos valores da comunidade a qual se pertence. Mesmo que varie o conteúdo das regras morais, conforme a época ou lugar, todas as comunidades têm a necessidade de regras. Portanto, a percepção do contexto comunitário é fundamental, pois é o grupo mais amplo no qual a criança está inserida e um dos primeiros representantes sócio-culturais ao qual esta terá acesso. Fazendo uma breve reflexão sobre os dados mencionados anteriormente, o brincar é um passo fundamental para entrar na cultura; a criança constrói seus comportamentos e condutas a partir dos elementos disponíveis na sociedade; e as regras têm valor social, pois, de certa forma, mantêm a ordem. Para tanto, a pesquisa traz como pergunta norteadora: Qual a função do brincar para a criança na construção das regras de convivência social em um contexto comunitário? Com a identificação do problema que focaliza o que será investigado dentro do tema da pesquisa, o qual se pretende resolver dentro desse campo teórico e prático, é possível


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iniciar a apresentação dos objetivos da pesquisa que definem os diferentes pontos a serem abordados a fim de responder a pergunta acima formulada.

1.3 DOS OBJETIVOS

Os objetivos que nortearam este trabalho foram: analisar a relação entre a construção das regras de convivência social e a ludicidade entre crianças na faixa etária de 06 à 12 anos, considerando a questão de gênero em um contexto comunitário; proceder um levantamento bibliográfico sobre a relação entre regras de convivência e ludicidade; caracterizar a construção de regras em um contexto comunitário a partir da questão de gênero; e, por último, conceituar para crianças na faixa etária de 06 à 12 anos em um contexto comunitário, o significado de regras de convivência a partir do ato de brincar. É observando então, que os objetivos definem, esclarecem e revelam os focos de interesse da pesquisa. Nesse sentido, a seguir serão apresentadas leituras de obras, que tratam do desenvolvimento infantil no qual esta pesquisa situou-se e, que foram orientadas por esses objetivos.


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CAPÍTULO DOIS – As influências de pensamento

Nesse capítulo, apresentam-se as obras científicas que dão embasamento teórico para a pesquisa. É aqui que são explicitados os principais conceitos utilizados na pesquisa, como a construção da infância enquanto categoria social, a inclusão da atividade lúdica no processo ensino-aprendizagem e a definição de regras de convivência social para diferentes autores.

2.1 A CONSTITUIÇÃO SOCIAL DA INFÂNCIA: da educação de pequenos adultos à educação de crianças

A construção da infância enquanto categoria social como se conhece hoje e da criança como sujeito, dependem do contexto no qual surgem e se desenvolvem e também é fruto da construção histórica, social e cultural das sociedades de um determinado tempo e lugar. Remetem a uma imagem de criança como essência, universal, descontextualizada, imagens que se apresentam de diferentes formas: Imagens de crianças que brincam, que trabalham, que estudam, que aprendem (ou não). Imagens de crianças amáveis e amadas; crianças bem comportadas; crianças diferenciadas; crianças confinadas ou abandonadas, subjugadas, autônomas, libertadas. Imagens de crianças que crescem e que deixam de ser crianças. Imagens de crianças quase adultas nos seus modos de ser. Imagens que participam do imaginário social de nossa época. (SMOLKA, 2002, pg. 100)

As imagens de criança pressupõem uma idéia de infância sempre influenciada pelos referenciais que buscamos como base para concebê-las, ou seja, afirmar que o ser humano se torna criança é dizer que a infância é marcada pela maneira como as mesmas são educadas em cada sociedade e em cada cultura.


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Até o fim da Idade Média não havia o sentido de “infância”, visto como parte do processo do desenvolvimento do ser humano. Na Idade Média, no início dos tempos modernos, e por muito tempo ainda nas classes populares, as crianças misturavam-se com os adultos assim que eram consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas, poucos anos depois de um desmame tardio - ou seja, aproximadamente, aos sete anos de idade. A partir desse momento, ingressavam imediatamente na grande comunidade dos homens, participando com seus amigos jovens ou velhos dos trabalhos e dos jogos de todos os dias. O movimento da vida coletiva arrastava numa mesma torrente as idades e as condições sociais, sem deixar a ninguém o tempo da solidão e da intimidade. (ARIÉS, 1981, p. 275)

O conceito de infância começou a ser constituído entre os séculos XVII para o XVIII, quando ela passou a representar o período de ingenuidade do ser humano. O processo de mudança, nos fins da Idade Média, inicia-se com o ato de mimar e paparicar as crianças e a morte também passou a ser recebida com dor e abatimento. Os valores, os conhecimentos e a sua educação eram repassados pelo adulto, através da convivência da criança ou do jovem. A criança aprendia as coisas que devia saber ajudando a fazê-las. Aos poucos a criança é afastada do convívio com os adultos, e com isto, perdeu a possibilidade de opinar sobre decisões que lhe diziam respeito, e as festas e jogos foram diferenciados. A criança torna-se, então, “um ser cuja condição social é rejeitada, pois é marginalizada econômica, social e politicamente.” (CHARLOT, 1971, apud MIRANDA, 1985, pg. 127). Ariés (1981) afirma que no século XVII a atenção começou a se voltar para o campo da moral, com forte influência de um movimento promovido por Igrejas, leis e pelo Estado, onde a educação ganhava espaço como um instrumento que surgia com objetivos de garantir adultos saudáveis, adaptados e produtivos. A idéia era a de uma infância como fato natural e não social, justificando as percepções comuns sobre a criança como um ser desprovido de meios para enfrentar o mundo, por ser naturalmente inocente e naturalmente má. Assim, a criança foi retirada da sociedade dos adultos e confinada à uma infância com um regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX resultou no enclausuramento total do internato, durante um período de formação tanto moral como intelectual, com o propósito de adestrá-las graças a uma disciplina mais autoritária. Essa posição diferenciada da infância na sociedade e o rumo que a civilização tomava se tornaram no início dos tempos modernos um meio de isolar cada vez mais as crianças e fizeram nascer uma nova sensibilidade voltada a elas. A criança passou então, a ser considerada um ser inacabado, submetida a normas e a uma hierarquia rigorosa. Portanto, era


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justificada a necessidade de se auxiliar a criança no seu processo de internalização das normas e de penalizar aquelas que as recusassem. "Passou-se a admitir que a criança não estava madura para a vida, e que era preciso submetê-la a um regime especial, a uma espécie de quarentena antes de deixá-la unir-se aos adultos." (ARIÈS, 1981, p. 277). [...] nas Leis e em várias partes da República, Platão trata a infância como um mal necessário, uma condição para tornar-se um cidadão e, para ter sucesso nessa transformação é preciso que a criança seja corrigida, guiada do abandono das paixões e encaminhada para a razão. (BARBOSA, 2006, pg. 57, grifo do autor).

Surgia então, a escolarização, onde a escola substituía a aprendizagem informal como meio de educação. A escola como instituição encarregada de iniciar a criança egressa do meio familiar na vida social adulta, levava em conta o que a sociedade esperava de seus membros, para que o ensinamento estivesse em defesa da sustentação dos interesses sociais. Ou seja, o ser humano educado segue algumas regras de conduta em suas relações com os demais, que são as regras de convivência, que começam pelo domínio do corpo, pela aprendizagem da boa compostura e da apresentação da pessoa na vida cotidiana, nos papéis que são mostrados aos outros. A partir daí a criança é considerada, então, uma pessoa em formação. O fenômeno social e psicossocial do conceito de infância é construído através das instituições às quais pertence como a escola, a família, o contexto comunitário. Nessa perspectiva, entende-se a criança somente como consumidora da cultura estabelecida pelos adultos. Espera-se sempre que ela se transforme para se adequar àquilo que é considerado bom ou ideal para o ser humano. De acordo com Miranda (1985), o destaque à natureza infantil tem seu fundamento, pois a criança é um ser em formação do ponto de vista biológico. Mas o desenvolvimento da criança não se basta apenas do aspecto biológico, pois mesmo esse sofre as determinações da condição social do indivíduo, sendo que o que caracteriza o homem é sua condição de ser social. A infância não é um momento decidido nem exclusivamente pela natureza humana, nem pela biologia, ela está vinculada aos significados dados pela cultura e pela história individual de cada um. O processo biológico em desenvolvimento depende da mediação do outro. Como nos afirma Lane (1985), desde sempre a criança já sofre um processo de socialização pela própria sociedade. Antes de nascer, e no convívio com a família, a criança internaliza padrões de comportamento, normas e valores determinados pela realidade social específica da mesma. A


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presença do outro é meio para o estabelecimento dos vínculos básicos e essenciais entre criança e mundo social. Assim, a realidade social em que a família da criança se insere irá determinar os aspectos internalizados, a forma de internalização e o processo de internalização na socialização da criança. Há, portanto, uma condição de ser criança socialmente determinada por fatores que vão do biológico ao social. Portanto, o resgate destes fatos históricos permite compreender como a idéia de infância foi determinada pela relação da criança com o adulto e a sociedade. É percebido que novos saberes sobre a criança foram constituídos ao longo dos séculos, e que possibilitaram a construção social do conceito de infância e a elaboração de métodos próprios para educá-la e cuidá-la, como a busca de espaços sociais adequados, de profissionais especializados e da definição de valores para a socialização das crianças. Essas idéias contribuíram para a valorização da infância, que passa da educação de pequenos adultos à educação de crianças com características particulares. Quando se fala em desenvolvimento infantil, é inevitável mencionar a atividade lúdica. Essa é vital para o mesmo, por ser o mais completo dos processos educativos, pois influencia o intelecto, a parte emocional e o corpo da criança na medida em que exige concentração, imaginação e interesse. Para tanto, o tema é abordado a seguir.

2.2 ATIVIDADE LÚDICA: brincando de crescer

Segundo Ramalho (2000), Platão na Grécia antiga já se preocupava com o desenvolvimento infantil, quando afirmava que a criança, em seus primeiros anos de existência, devia brincar com jogos educativos. O jogo infantil era visto como recreação associado ao relaxamento necessário às atividades escolares que exigiam esforço físico e intelectual. Devido a grande importância dada ao esporte na época, Platão atribuiu aos jogos o valor educativo e moral e os concebeu como colaboradores na formação do caráter e da personalidade. A brincadeira era uma atividade tanto de crianças como de adultos, representando para ambos um importante segmento de vida. Para os egípcios, romanos e maias, os jogos eram um meio para o aprendizado onde os conhecimentos eram passados aos mais jovens pelos mais velhos. De acordo com Almeida e Casarin (2002), a partir do Cristianismo os jogos passaram a ser considerados profanos e, enquanto uma parte da sociedade os percebia como meio de


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crescimento social, outra recriminava, pois os associava aos prazeres carnais, ao vício e ao azar. Durante um longo período o jogo infantil foi visto como atitudes de lazer, que poderia ser prejudicial à moral e à formação de um adulto íntegro. Como nos fala Brougere (1998a., p. 104):

Antes das novas formas de pensar nascidas do romantismo, nossa cultura parece ter designado como "brincar" uma atividade que se opõe a "trabalhar", caracterizada por sua futilidade e oposição ao que é sério. Foi nesse contexto que a atividade infantil pôde ser designada com o mesmo termo, mais para salientar os aspectos negativos (oposição às tarefas sérias da vida) do que por sua dimensão positiva, que só aparecerá quando a revolução romântica inverter os valores atribuídos aos termos dessa oposição. (grifos do autor).

A partir do Renascimento, Almeida e Casarin (2002) contam que foram percebidas as possibilidades educativas dos jogos. Estes começaram a ser utilizados para a disseminação dos princípios morais e éticos e a brincadeira como comportamento facilitador do desenvolvimento da inteligência e do estudo. Quando o brinquedo educativo foi considerado como um aliado no processo ensino-aprendizagem, foi colocado em prática por meio de atividades que combinavam a idade e o desenvolvimento da criança. A partir daí o pensamento da brincadeira como atividade lúdica foi deixado de lado, predominou uma preocupação com a moral, a saúde e o bem comum e as brincadeiras e os jogos passaram a assumir uma forma de preservação da moralidade das crianças. A dinâmica cultural atua sobre os jogos infantis, fazendo-se evoluir e adaptar-se a cada época, mantendo os elos tradicionais. O jogo representa o mundo de determinada cultura e cada cultura vai construir aquilo que traz em si um corte mais fiel do real. As brincadeiras são modelos em miniatura da história da humanidade. Antes consideradas como um vício, passaram a ser introduzidas na sociedade como um meio de educação e de socialização. Cada sociedade atribui um sentido ao jogo que, por ser um fato social, dependendo do lugar e da época pode aparecer com significados diferentes. Para Ramalho (2000), o brincar é uma atividade universal, pois está presente em todas as formas de organização social, das mais primitivas às mais complexas. O brincar não é visto em todas as culturas com o mesmo olhar. As brincadeiras apresentam as imagens sociais e culturais que representam o cotidiano, a forma pelas quais os adultos interagem no contexto. Nesse sentido, tanto o jogo quanto a brincadeira são culturais, como nos fala Brougere (1998a, p. 104):


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O brincar tanto é um modo de exploração da realidade quanto de domínio dela. Isso leva a dar muita importância à noção de interpretação, ao considerar uma atividade como lúdica. Quem diz interpretação supõe um contexto cultural subjacente ligado à linguagem, que permite dar sentido às atividades. Se é verdade que há a expressão de um sujeito no jogo, essa expressão insere-se num sistema de significações, em outras palavras, numa cultura que lhe dá sentido. Para que uma atividade seja um jogo é necessário então que seja tomada e interpretada como tal pelos atores sociais em função da imagem que têm dessa atividade.

Considerando que existem muitas definições a respeito da atividade lúdica, será utilizado o termo de forma mais ampla, representando os conceitos de jogo, brinquedo e brincadeira. De acordo com Ramalho (2000) a palavra jogo é de origem latina (iocus), e significa diversão, brincadeira, refere-se ao brincar, no sentido da atividade lúdica infantil, onde a criança joga e se exercita. Ferreira (1988) define a palavra jogo como atividade física ou mental organizada por um sistema de regras que definem a perda ou ganho; brinquedo, passatempo; divertimento; série de coisas que forma um todo ou uma coleção. A palavra brinquedo é conceituada como o objeto que serve para as crianças brincarem; jogo; brincadeira; divertimento; passatempo; festa e folia. E a palavra brincadeira significa ato ou efeito de brincar, divertimento, sobretudo entre crianças; brinquedo; jogo; passatempo; entretenimento; divertimento; folguedo e festa. Segundo Brougère (1998) o conceito de jogo está sempre associado aos valores e concepções do mundo de determinada cultura. Para este autor, todo jogo funciona segundo um sistema de regras explícitas ou implícitas e que pode ser materializado em objetos. O brinquedo coloca a criança em relação com as reproduções de sua sociedade, ou seja, os conteúdos do cotidiano, a natureza e as construções humanas. Para Kishimoto (1996) o jogo é um instrumento que ajuda a criança a compreender o mundo em que vive através da expressão de imagens que evocam aspectos da realidade, ou seja, tem como forte finalidade a reprodução dos objetos reais da vida e da sociedade para que possa transformá-la. Mas, diferente da palavra jogo, o termo brinquedo supõe a ausência de um sistema de regras que organizam sua utilização. Brincar é ação e o significado da expressão brinquedo se refere ao objeto de brincar, tanto os que servem para as crianças brincarem quanto para alguns tipos de jogos praticados por elas. O brinquedo é o acompanhante de todo jogo. Segundo a definição de Brougere (1998b, pg. 15): Entre o material lúdico, certos objetos são usualmente designados como jogo, outros, como brinquedo. O brinquedo supõe uma relação com a infância e uma abertura, uma indeterminação quanto ao uso, isto é, a ausência de relação direta com um sistema de regras que organize sua utilização. Por conseguinte, o brinquedo não


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é a materialização de um jogo, mas uma imagem que evoca um aspecto da realidade e que o jogador pode manipular conforme sua vontade. Os jogos enquanto material, ao contrário, implicam de maneira explícita um uso lúdico que assume freqüentemente a forma de uma regras (jogos de sociedade) ou de uma restrição interna ao material (jogo de habilidade, jogo de construção) que constituem uma estrutura preexistente ao material.

Existem fatores que influenciam o brincar e que são características próprias da criança tais como idade; inteligência; sexo; classe social e outras como diferenças culturais; tipos de brinquedos disponíveis e a companhia durante a brincadeira. Ao se pensar em atividades lúdicas, os conceitos de brincadeira, brinquedo e jogo representam a cultura de um país. Sendo assim devem ser cultivados, resgatados e apresentados à criança objetivando a preservação dos aspectos socioculturais. É importante se levar em conta o contexto cultural e sócio-histórico do uso desses termos, fornecendo a eles algum significado, pois cada contexto social constrói uma imagem de jogo conforme seus valores e modo de vida. De acordo com Ramalho (2000) as atividades lúdicas ajudam no desenvolvimento infantil, pois preservam a cultura de uma determinada região e favorecem a socialização necessária no mundo social. Se a brincadeira relaciona a realidade externa com a interna, o brincar colabora para que a criança interiorize determinadas significações que aparecem em grupos sociais diversos, transformando-as em uma particularidade da constituição infantil. O brinquedo, visto como objeto, suporte da brincadeira, permite à criança criar, imaginar e representar a realidade e as experiências por ela adquiridas, como nas dramatizações onde a criança vive personagens diferentes. Essa aprendizagem básica é importante para o seu desenvolvimento e para a compreensão dos relacionamentos humanos. Diferentes teóricos explicam a função da brincadeira de maneiras diversas. Por exemplo, para Piaget (1986) a característica principal da brincadeira é a inserção do aspecto lúdico à situação e aos objetos. Brincadeira refere-se à ação de brincar, ao comportamento espontâneo que resulta de uma atividade não estruturada. A brincadeira é considerada como atividade quando se trata do uso do meio e de instrumentos para que ela aconteça. Piaget (1975) descreve o brincar como uma necessidade do ser humano que integra o indivíduo com o ambiente onde vive, possibilita a incorporação de valores e de novos conhecimentos, bem como o desenvolvimento cultural, social, criativo e motor. Para o autor as crianças aprendem melhor quando realizam experiências concretas, pois aprendem a utilizar os objetos, a coordenar seus movimentos e integram o pensamento com as ações. O jogo é um fator relevante no desenvolvimento cognitivo infantil, pois é através de jogos e brinquedos que a criança encontra suas soluções e uma forma de se colocar em grupo.


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Piaget descreve quatro estruturas básicas de jogos infantis, que vão se sucedendo, acompanhando as etapas das estruturas cognitivas e se sobrepondo nesta ordem: Jogo de exercício, Jogo simbólico/dramático, Jogo de construção e Jogo de regras. No começo há o jogo de exercício, em que a criança repete uma determinada situação por prazer, pois o objetivo é exercitar a função em si. Em seguida, os jogos simbólicos, que satisfazem à necessidade da criança de executar a representação do acontecido, quando o indivíduo se coloca independente das características do objeto. O jogo de construção, no qual a criança cria algo, comprometendo-se com as características do objeto. Mais tarde a criança passa do exercício mais simples aos mais complexos sem finalidade e depois com finalidade. A partir daí surgem os jogos de regras, que pressupõem relações sociais ou interpessoais. Esses jogos são transmitidos socialmente de criança para criança e as regras substituem o símbolo, colocado em prática nas relações sociais. Vigotski (1998) considera que é significativa a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. A interação entre as pessoas é responsável pelo desenvolvimento, e este ocorre ao longo de toda vida. Vigotski estabelece uma teoria do desenvolvimento cognitivo, Zona de Desenvolvimento Proximal, que ele define como a diferença entre o desenvolvimento atual da criança e o nível que atinge quando resolve problemas com um mediador, resulta da interação entre a criança e as pessoas com quem mantém contatos regulares. De acordo com Vigotski (2000), o comportamento da criança tem ligação direta com as situações reais que vive. Quando as crianças realizam a atividade lúdica, em grupo ou mesmo sozinhas, procuram compreender o mundo e as atitudes nas quais estão inseridas diariamente. Essa é uma atividade com contexto cultural e social, onde a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. Uma das funções básicas do brincar é permitir que a criança se aproxime dos modos sociais de utilização dos objetos para que aprenda a resolver situações conflitantes que vivencia no seu dia a dia. O jogo possibilita o exercício da imaginação, permitindo que a criança desenvolva a capacidade de planejar, imaginar situações diversas, representar papéis e situações do cotidiano. Para o autor não existe jogo sem regras, uma vez que a situação imaginária contém em si regras de conduta. As regras relacionadas à cada situação imaginária auxiliam a criança a apreender e perceber as regras de comportamento social do seu mundo e a entender como lidar com as relações entre as pessoas. A brincadeira possui três características: a imaginação, a imitação e a regra. Como afirma Vigotski (1998) elas estão presentes nas brincadeiras infantis do tipo tradicional, faz-


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de-conta, e ainda nas que exigem regras. A idade dos sete anos, aproximadamente, é a primeira fase, onde a criança começa a se distanciar de seu primeiro meio social, representado pela mãe, começa a falar, andar e movimentar-se em volta das coisas. A segunda fase é caracterizada pela imitação, a criança copia os modelos dos adultos. A terceira fase é marcada pelas regras e convenções que surgem associadas a elas. O faz-de-conta para Vigotski (1998) equivale ao jogo simbólico para Piaget. Para Vigotski o faz-de-conta é uma construção de significados sócio-culturais que permite à criança “treinar” seu entendimento de situações e papéis culturais do meio em que se encontra, ampliando suas concepções sobre as coisas e as pessoas. A brincadeira do faz-deconta ocorre em uma situação de imaginação, onde a criança age num mundo também de imaginação. A criança através da brincadeira reproduz o discurso externo e o internaliza, construindo o seu próprio pensamento, enriquecendo sua identidade ao experimentar outra forma de ser e de pensar. Como nos mostra Melo (2005), a teoria do brincar desenvolvida por Winnicott parte da consideração de que a brincadeira é uma característica humana, uma forma básica de viver, universal que facilita o crescimento, traz a oportunidade para o desenvolvimento da capacidade de formar símbolos e encontrar formas de expressão por meio das próprias idéias no diálogo com o mundo de realidade compartilhada e conduz aos relacionamentos grupais. É através da atividade lúdica que a criança prepara-se para a vida, assimilando a cultura do meio em que vive, a ele se integrando, adaptando-se às condições que o mundo lhe oferece e aprendendo a competir, cooperar com seus semelhantes, e conviver como um ser social. Winnicott (1975) considera que o brincar é a ação mais importante no início da vida da criança. É através da brincadeira que a criança vai lidar com os conteúdos da realidade, conseguindo resolver os seus conflitos e expor a sua maneira de compreender o mundo. A atividade lúdica apresenta motivações, pois nela a criança encontra prazer, expressa suas angústias, sua agressividade, controlando a ansiedade, estabelecendo contatos sociais, realizando a integração da personalidade e comunicando-se com as pessoas. Brincando a criança pode explorar o mundo físico, desenvolver a sociabilidade e a linguagem. O ato de brincar vai além de satisfazer desejos, exercendo influência inclusive na criatividade, socialização e construção de conhecimentos. As brincadeiras servem de elo entre a relação do indivíduo com a realidade interior e a relação do indivíduo com a realidade externa ou compartilhada, ou seja, os objetos e fenômenos da realidade externa são usados a serviço de alguma manifestação da realidade interna.


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Parente (2005) afirma que para Winnicott o brincar tem relação direta com a criação da externalidade do mundo, pois considera-nos seres no mundo e é nele que nos realizamos como pessoas através da nossa forma de ser, ao aproximar o que é concebido subjetivamente (pela imaginação) e o que é objetivamente percebido na realidade externa, sendo o jogo um dos facilitadores. Através da criatividade e usando sua singularidade o indivíduo torna-se pleno e sincronizado com a vida, valorizando-a, percebendo suas potencialidades, além das trocas e interações. Segundo Melo (2005), a função dos jogos para Winnicott, é permitir a assimilação do universo circundante do mundo infantil; favorecer a expressão da personalidade infantil; e promover a criatividade. Um dos jogos segundo Winnicott é o jogo espontâneo, onde existe a livre atividade, sem regras e leis. Nesse tipo de jogo, a criança determina seus próprios procedimentos, joga para ela mesma. Outro é o jogo organizado, no qual a criança está sujeita à ordens, regras e leis. Com elas aprende a ganhar e a perder. De acordo com Parente (2005) Winnicott ressalta a importância de ser visto, reconhecido e respeitado na própria singularidade do indivíduo; de se considerar a inserção da família numa determinada cultura para compreender o tipo de relação e a atribuição de significado que a criança em desenvolvimento, atribui aos elementos que essa cultura lhe oferece; e a importância da apresentação do mundo pela mãe, pois o brincar tem, nas primeiras relações entre mãe e bebê, sua origem e desenvolvimento. O brincar é uma atividade fundamental na criação da externalidade do mundo e condição para o viver criativo, pois é brincando que se aprende a transformar e a usar os objetos do mundo para nele realizar-se e inscrever os próprios gestos, sem perder contato com a própria subjetividade. Portanto, o mundo é o lugar onde tanto criamos quanto descobrimos e que existe e funciona independentemente, e permite a realização pessoal. Nesse sentido, sabe-se que as crianças entram em contato, o tempo todo, durante a brincadeira, com signos e regras produzidos e estabelecidos pela cultura à qual pertencem. Com o conhecimento de que vivemos em uma sociedade onde há certa tentativa de organização, através de regras sociais e culturais, o tópico a seguir vem a definir o que são e para quê servem essas regras de convivência social.

2.3 AS REGRAS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL: porque devo agir dessa forma?


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Ferreira (1988) distingue as palavras ética e moral de acordo com as origens das mesmas. A Ética é definida como o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto; e a moral como o conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. De acordo com Cohen e Serge (1994) e Sugizaki (1998), ética é uma palavra de origem grega, com duas origens possíveis. A primeira é a palavra grega éthos, com e curto, que pode ser traduzida por costume, a segunda também se escreve éthos, porém com e longo, que significa propriedade do caráter. Os romanos utilizavam a palavra latina mos (mores) para designar o costume. Da primeira palavra grega, nasce a palavra portuguesa "moral". Enquanto que a segunda seria a utilizada para a palavra ética. Muitas vezes esses conceitos são confundidos. “Ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros". (CHAUÍ, 1994, apud SUGIZAKI, 1998, pg. 04). Sugizaki (1998) considera a moral como as normas de convivência social, no caso um conjunto de direitos e de deveres, apreendidos durante o processo de desenvolvimento, e o qual a pessoa não tem alternativa. E ética, como o estudo e a reflexão teórica, sobre a moral, o comportamento moral dos homens e as valorações morais de diferentes culturas e sociedade, o que seria algo mediado pela razão e a emoção, pois parte do posicionamento coerente de uma pessoa frente a uma escolha. No pensamento filosófico dos antigos, como descrevem Campos, Greik e Vale (2002), os seres humanos desejavam o bem e a felicidade, que só poderiam ser alcançados pela conduta correta, ou seja, agir em conformidade com a razão, com a natureza, com o caráter natural de cada indivíduo e com a união permanente entre a conduta do indivíduo e os valores da sociedade. A ética era uma forma de educar o caráter do sujeito, para que houvesse harmonia entre o mesmo e os valores coletivos, pois assim todos seriam corretos. De acordo com as autoras, a noção de dever e livre-arbítrio surge através do cristianismo. O homem passa a ser visto como fraco, pecador, dividido entre o bem e o mal, sendo que o primeiro impulso da liberdade dirigi-se para o mal, visto como pecado. Com isso, a ética passa a estabelecer três tipos de conduta; a moral ou a ética (baseada no dever), a imoral ou antiética e a indiferente à moral.


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Nos dias atuais, em que o homem é visto como um ser coletivo, histórico-social, a ética ganha espaço como área que avalia os valores nas relações sociais, uma ação eticamente boa contribui para o aumento da justiça. Na ética há uma responsabilidade individual a favor de uma finalidade social, que é a igualdade e a justiça entre os homens. Sabe-se que a consciência do significado dos valores, de moral e de ética não vem ao mundo com o sujeito, são introjetados a partir da experiência de vida. A pessoa não nasce ética, sua constituição ética vai ocorrendo durante seu desenvolvimento, ou seja: Todo ser humano é dotado de uma consciência moral, que o faz distinguir entre o certo ou errado, justo ou injusto, bom ou ruim, com isso é capaz de avaliar suas ações; sendo, portanto, capaz de ética. Esta vem a ser os valores, que se tornam os deveres, incorporados por cada cultura e que são expressos em ações. A ética, portanto, é a ciência do dever, da obrigatoriedade, a qual rege a conduta humana.

(CAMPOS, GREIK e VALE, 2002, p. 01). A ética é indispensável para o desenvolvimento social, pois ela é que dá fundo à organização social. Ela está relacionada à busca da perfeição na convivência social. O mundo ético é o mundo bom. Segundo as autoras, ainda podemos definir a ética como um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam as ações de um grupo em particular e orienta sobre como se deve agir. Todo povo ou coletividade humana tem sua moral ou suas morais. Isto, porém não significa que todo povo tenha uma ética, entendida como uma racionalização da moral. A existência da moral não significa a presença de uma ética, pois é preciso que o indivíduo faça uma reflexão sobre o significado dos valores morais. Em se tratando da Ética, a razão intervém para definir regras de conduta, no sentido de que na interação entre os diversos indivíduos, o cidadão ético é aquele que conhece os seus direitos e os direitos dos outros. É a nossa ética que conduz nossos atos. Para Cohen e Serge (1994), fomos educados a seguir as regras, mas não a refletir sobre elas. A moral são regras precárias, que se baseiam em princípios éticos mais gerais. É a interpretação dos códigos que têm por finalidade regulamentar o agir das pessoas e ordenar um conjunto de direitos, deveres e valores instituídos ao indivíduo e à sociedade. Os códigos da lei moral fundamentam-se na livre escolha guiada pela razão, ou seja, o que é racional para uns pode não ser para outros. Por sua fragilidade, a moral é algo que deve ser cultivado através de normas ou regras propostas como modelo de comportamento. Em relação a moral pode-se dizer que seus valores não são questionados, são impostos e a desobediência às regras pressupõe um castigo.


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A moralidade está relacionada aos costumes, pois é o sistema de valores do qual resultam as normas que são consideradas corretas por uma determinada sociedade. Os costumes dizem como cada homem deve agir em determinadas situações, em função daquilo que a comunidade considera como sendo o bem e o mal, o permitido e o proibido e vale para todos os indivíduos. Sugizaki (1998) afirma que o modo de agir e de pensar considerado "moral" é o que obedece ao costume. Há uma necessidade em desenvolver as qualidades morais relativas aos interesses da coletividade, como o de ajustar o comportamento do indivíduo considerando como bom, útil e aceito o que contribui para a união e errado aquilo que for contrário a isso. O desenvolvimento para a moralidade supõe uma interação entre o indivíduo e o mundo, ao longo de toda vida. Piaget (1977), a partir de seus experimentos e observações, propôs que a forma pela qual a criança lida com as regras, com a justiça e a moral, varia no decorrer do processo de desenvolvimento. Para compreender como a criança se torna um indivíduo socialmente competente, é preciso investigar o respeito que todo indivíduo tem pelas regras sociais e morais e saber que a moral evolui, assim como o conhecimento e o desenvolvimento cognitivo. Piaget (1977), ao tratar do desenvolvimento moral, mostra que a criança passa por duas morais, a heteronomia e a autonomia. A primeira é superada à medida que as crianças mudam de idade e evoluem em suas relações, até conquistar a autonomia. Até os 03, 04 anos, as crianças estão fora do universo moral, pois são egocêntricas e não conhecem o que é certo ou errado, e, portanto, são incapazes de seguir normas. A heteronomia é a moral externa, imposta pelas autoridades. É característica do momento que surge o respeito as regras que são impostas por pessoas mais velhas e ditadas de forma coerciva. Nessa fase as normas morais são entendidas como não-modificáveis. Por isso se desenvolve um respeito unilateral em relação ao adulto, baseado em dois sentimentos: o afeto e o medo. A criança heterônoma despreza as intenções dos atos e se apega a suas conseqüências, considerando como boa toda criança que segue às regras dos adultos. As crianças passam a considerar lei toda regra recebida dos adultos, respeitando–as pelo amor que têm em relação a eles e pelo medo da reação do adulto perante o descumprimento de uma das regras. Na fase posterior, em torno de dez, onze anos, a moral predominante é a autonomia que é a consciência individual, o autogoverno, “a submissão do indivíduo a uma disciplina que ele próprio escolhe e a constituição da qual ele elabora com sua personalidade” (PIAGET, 1998, p.154). Para La Taille (1992), as normas passam a ser entendidas como sociais, e com o


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objetivo de regular as relações entre os homens. Assim, a criança passa a perceber-se como possível agente no universo moral, com possibilidade de estabelecer e defender novas regras. A consciência e a conduta dos indivíduos evoluem graças a fatores individuais e sociais e também à cooperação e à coerção que atuam simultaneamente. Assim, segundo Piaget, é nas relações de cooperação que ocorre a evolução para a moral autônoma. De acordo com La Taille (1992), na visão de Piaget o homem é um ser social e deve ser pensado dentro de uma cultura. Segundo o autor, o papel da socialização no desenvolvimento do indivíduo deve ser analisado pelo prisma da herança cultural e das oportunidades de a ela se ter acesso, verificando através de qual relação interpessoal esse patrimônio cultural é transmitido. No caso de ser uma relação de coerção, o indivíduo será impedindo de acesso à autonomia intelectual que permite a crítica e, consequentemente, à sua liberdade. Quando nasce, o indivíduo passa a participar de vários grupos dos quais, com suas condições sociais específicas, fará parte. Avaliar a condição do indivíduo numa determinada cultura e ambiente social organizados, de significações construídas, implica em estudar este sujeito admitindo que é um ser em constituição, em relação e que o processo de desenvolvimento se realiza nas interações sociais. É na relação com o outro que o indivíduo se constitui, então, também é na relação que se encontram os processos de subjetivação. A subjetividade caracteriza o indivíduo enquanto ser singular, único, com trajetórias e experiências pessoais particulares em sua relação com o mundo e com as outras pessoas. É constituída nas relações que ele estabelece com diferentes esferas da sociedade no processo de socialização, que se caracteriza pela influência do homem na sociedade e vice-versa e se desenvolve mediado por estruturas sociais diversas como a família, os grupos, o trabalho, a escola. A criança está constantemente modificando-se, não só por estar imersa na sociedade interagindo com adultos, mas por estar com outras crianças em experiência sociais. O desenvolvimento e a elaboração das funções psicológicas superiores acontece nas relações sociais através de ações que utilizam instrumentos e signos, que fazem o papel de mediadores, ou seja, a criança é um ser social, e na interação social, utiliza-se de instrumentos mediadores, a fim de transformar-se. A mediação é a própria relação do indivíduo com o outro, que ocorre através dos signos, da palavra, que são os instrumentos da mesma. Ela possibilita e sustenta a relação social, pois é um processo de significação que permite a comunicação entre as pessoas.


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Andrade (1998) nos mostra que a criança, quando ingressa na sociedade, começa a interagir com tipos diferentes de ambientes, ritmos, objetos, ações e relações ainda desconhecidos. A sociedade ocidental pensa a vida a partir de modelos ideais, que são utilizados para explicar e sustentar comportamentos humanos, os valores de bom, mau, saúde, doença, normal, entre outros. É difícil pensar a criança como uma pessoa que possui direitos e deveres. O processo de desenvolvimento ocorre a partir da apropriação desses conhecimentos culturais, e tem como objetivo final a independência da criança, com valores, crenças, hábitos, etc. Desde pequenas as crianças aprendem conceitos e valores que as ajudam a compreender seus atos e que tem como função constituir uma subjetividade onde essas possam, mais tarde, tomar suas decisões morais com responsabilidade. A partir desse pensamento somos capazes de enfrentar diferentes situações que de acordo com o nosso entendimento poderá ser certo ou errado, bom ou ruim. A sociedade em que a criança vive e a família possuem um papel muito importante nesta construção. As crianças não nascem boas nem más, elas obtêm informações e exemplos de comportamentos dos adultos, que às levam à construção da moral e da ética. Segundo Cannabrava Filho (2003) a identidade cultural de uma sociedade se constitui através de semelhanças como a organização da vida, o espaço geográfico comum, o mesmo idioma, formas de encarar a vida, etc. Ela nasce do costume, que são práticas e usos comuns da sociedade, tornadas regras no meio social. Após organizar-se, a sociedade impõe regras para a convivência social, ou seja, o próprio homem inventa a lei, o instrumento que rege suas próprias ações, a favor da harmonia social. Essas regras de convivência são a vontade dos indivíduos que compõe essa sociedade, colocadas de forma escrita ou não, e tem por finalidade o bem comum, modificando-se com o passar dos tempos. O bairro, a cidade, a rua, a vizinhança, a casa, a escola, estão inseridos numa complexa rede de relações que envolvem as experiências cotidianas dos sujeitos no e com o lugar. Os lugares aparecem como intermediários entre o mundo e o indivíduo. Os homens são fragmentos da sociedade, são parte do todo, cada um de nós é como um ponto singular que em certa medida contém o mundo. No cotidiano da vida, os sujeitos adquirem e compartilham hábitos, atitudes e rotinas, estabelecem relações múltiplas, ao mesmo tempo em que constróem formas particulares de pensar e conhecer o mundo. As crianças estão vinculadas ao lugar, ao espaço em que vivem, às interações que estabelecem na escola, comunidade e instituições. Essas relações de pertencimento da criança com o lugar influenciam na constituição de sua subjetividade, através dos acontecimentos que


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surgem ao interagir com ele, explorá-lo, descobrí-lo e refletir sobre suas descobertas. É importante perceber a importância desses contextos mais amplos, além do familiar, como fontes de influência no comportamento do indivíduo, pois são os grupos que produzem culturas, identidades e onde se vivencia diferentes valores. Sabendo que é através de experiências vividas, de sua vida cotidiana, que os homens se apropriam deste mundo criado, desta sociedade instituída, que determina o que é significativo e o que não é, o capítulo seguinte explora como ocorreram as etapas da pesquisa dentro do contexto de vida cotidiano das crianças, que fizeram parte da pesquisa.


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CAPÍTULO TRÊS – A Jardinagem

Nesse terceiro capítulo, são apresentadas as etapas que fizeram parte da pesquisa, desde os procedimentos metodológicos que a guiaram, até a entrada da pesquisadora na comunidade Morar Bem I, com a formação do grupo das crianças e a apresentação dessas que se tornaram objeto da pesquisa.

3.1 A INVESTIGAÇÃO DO CAMPO

A pesquisa é uma atividade voltada para a solução de problemas através do emprego de processos científicos. Ao assumir que a realidade é subjetiva e socialmente construída, a metodologia escolhida para guiar esta pesquisa é de natureza qualitativa. Esta busca explicar o porquê das coisas, de entender os motivos de um indivíduo e compreender o fenômeno a partir dos próprios dados fornecidos pela população estudada e dos significados que a mesma atribuí a ele. De acordo com Minayo (2004) a pesquisa qualitativa não é projetada para coletar resultados quantificáveis. O pesquisador é um interpretador da realidade, na medida em que tenta compreender detalhadamente os significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados. Realça os valores, as crenças, as representações, as opiniões, atitudes e é empregada, também, para que o pesquisador compreenda os fenômenos. Para Rey (2000) a pesquisa qualitativa está voltada à construção de idéias, ao desenvolvimento da teoria e o fundamental é o que dá a produção de pensamento do sujeito. O contexto histórico que caracteriza o desenvolvimento do sujeito marca sua singularidade, que é a expressão do fenômeno subjetivo.


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Acredita-se que o pesquisador aprende muito das pessoas com quem interage durante a pesquisa, mas deve-se cuidar para não fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e crenças contaminem a pesquisa, pois na pesquisa qualitativa, o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas pesquisas, como nos mostra Minayo (2004). Com relação aos objetivos a pesquisa foi de caráter exploratório-descritivo, pois, de acordo com Gil (1988), esta modalidade permite que o pesquisador tenha um melhor entendimento do contexto em que o problema da pesquisa está inserido. A pesquisa exploratória proporciona maior familiaridade com o problema, maiores informações sobre determinado assunto e facilita a delimitação de uma temática de estudo. Enquanto a pesquisa descritiva tem como objeto descrever as características de determinada população, de um grupo e levantar as opiniões, atitudes e crenças dos mesmos. A escolha de um local adequado de pesquisa e a familiaridade do pesquisador com os membros do grupo são aspectos fundamentais da pesquisa qualitativa, como nos mostra Minayo (2004, pg. 54):

Além do recorte espacial, em se tratando de pesquisa social, o lugar primordial é o ocupado pelas pessoas e grupos convivendo numa dinâmica de interação social. Essas pessoas e esses grupos são sujeitos de uma determinada história a ser investigada, sendo necessária uma construção teórica para transformá-los em objetos de estudo. Partindo da construção teórica do objeto de estudo, o campo torna-se um palco de manifestações de intersubjetividades e interações entre pesquisador e grupos estudados, propiciando a criação de novos conhecimentos. (grifos do autor).

A coleta de dados foi realizada com 09 crianças, na faixa etária de 06 à 12 anos, de um grupo de, aproximadamente, 15 crianças, que se reúnem semanalmente, composto por crianças moradoras da comunidade Morar Bem I. Esse grupo tem a característica de ser aberto, portanto a escolha das crianças deveu-se a assiduidade das mesmas. O instrumento escolhido para a coleta de dados foram oficinas dirigidas de caráter socioeducativo, em que as atividades fundamentaram a relação da criança com o brincar. Nas oficinas o lúdico foi utilizado para abordar temas relacionados à elaboração da criança sobre regras de convivência social, explorando a discussão sobre ética e moral. A partir da problemática da pesquisa foram selecionados 04 (quatro) grandes temas que foram investigados: cooperação, direitos e deveres, justo e injusto e responsabilidade. Para a efetivação desses assuntos, elaborou-se um guia turístico da comunidade Morar Bem I. Esse guia foi realizado em 11 (onze) oficinas socioeducativas, com freqüência semanal e duração de 02 (duas) horas cada. Com o intuito de obter um melhor aproveitamento do


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conteúdo dos temas, optou-se por realizar cada etapa do guia em um dia, finalizando a atividade na semana seguinte, sempre que houvesse necessidade. O roteiro elaborado foi o seguinte: No primeiro dia realizou-se uma caminhada pela comunidade, a procura de outras crianças que também quisessem se juntar ao grupo. No segundo dia saímos pela comunidade para coletar as assinaturas dos pais das crianças. No terceiro dia retomamos a maquete que havíamos feito no semestre passado, para que as crianças apontassem os locais que seriam colocados no guia. Em seguida, brincamos com o jogo de memória. No quarto dia criamos camisetas feitas de tecido TNT, que identificavam o grupo Amizade em nossas caminhadas pela comunidade. No quinto dia continuamos a construção das camisetas, então com papel EVA, as crianças recortaram as letras que formavam a palavra “amizade” e as que formavam o seu apelido, colando-as em seguida nas camisetas. Depois das atividades, tiramos algumas fotos das crianças com as camisetas para colocarmos no guia. No sexto dia, com as camisetas, saímos para fotografar alguns lugares da comunidade para pôr no guia e jogamos futebol com as crianças. No sétimo dia mostramos uma cartolina, chamada passo-a-passo, na qual seria escrito por elas, a cada dia de encontro, a trajetória do guia turístico. Construímos em dois papeis pardos, dois painéis com algumas fotos que tiramos ao longo dos encontros. No oitavo dia desenhamos o mapa da comunidade e escrevemos os textos sobre os lugares da mesma para colocar no guia. No nono encontro fizemos o papel reciclado, que seria usado no guia. No décimo encontro, tiramos algumas fotos da comunidade que faltavam para completar nosso guia. Mais tarde montamos cada página do guia, com os textos e as fotos. No décimo primeiro encontro, terminamos as colagens das fotos e a decoração do guia. Construímos uma sacola feita de tecido TNT, para que as crianças pudessem levar o guia dentro, em seguida fizemos um sorteio para ver a ordem em que cada uma das crianças o levaria para casa. Finalizando as oficinas que geraram o guia turístico da comunidade Morar Bem I, fizemos um jogo de memória. Com a autorização dos responsáveis pelos participantes, durante a realização das oficinas socioeducativas, foram feitos registros fotográficos, como um instrumento auxiliar de coleta de dados, para a posterior análise, além de servir como material de uso das crianças em algumas atividades lúdicas. Para alcançar os objetivos esperados com a pesquisa usamos como instrumento o diário de campo. O processo de análise dos dados se deu a partir das categorias já especificadas anteriormente, através de um recorte dos episódios dos diários de campo, utilizados para documentar as atividades. O diário de campo é um recurso no qual o


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pesquisador anota a caminhada e o progresso do grupo no decorrer da pesquisa. É uma importante fonte de dados, pois é o instrumento no qual se anota fatos e acontecimentos observados, assim como comentários pessoais acerca dos mesmos, além de importante fonte de discussão da futura análise. Para fundamentar teoricamente, tanto a pesquisa quanto a análise dos dados, utilizouse de autoridades na área do desenvolvimento psicológico e cognitivo infantil. Dentre os autores referidos na pesquisa, destacam-se Piaget e Vigotski. O autor Jean Piaget é citado em vários momentos da pesquisa, pois seus estudos sobre o desenvolvimento moral da criança são condizentes com a intenção da presente pesquisa, que é observar a construção das regras de convivência social, da qual a moral faz parte. Em outros momentos do trabalho, Vigotski é referenciado por sua visão sócio-histórica da atividade lúdica, considerando-a social com contexto cultural, abrangendo esse tema de forma fundamentada e acessível. Tem-se consciência da diferença entre esses dois autores, a opção de usá-los foi em função de criar um dialogo entre eles, a fim de contribuir para a fundamentação da referida pesquisa. A seguir, apresenta-se o caminho percorrido, pela pesquisadora, à comunidade Morar Bem I, bem como o envolvimento com o grupo das crianças e uma breve apresentação das crianças escolhidas para participar dessa pesquisa.

3.2 O CAMPO DA INVESTIGAÇÃO

O Programa Habitacional denominado Programa Habitar Brasil/BID (HBB) da prefeitura municipal de São José, em conjunto com o Governo Federal e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem como proposta o reassentamento de seiscentas famílias provenientes das comunidades Metropolitano e Pedregal. Essas comunidades ofereciam às habitações destes moradores, risco físico, sanitário e ambiental. Por isso, as famílias foram direcionadas a uma área urbanizada designada como comunidade Morar Bem I, que também se localiza no bairro Barreiros, município de São José. Para a realização do trabalho social dentro desse programa, a UNISUL se inseriu através da consultoria junto ao Projeto Integrado Morar Bem I, sob a responsabilidade da Professora do curso de Serviço Social, Darlene de Moraes Silveira. O desenvolvimento dessas atividades efetiva-se a partir de três eixos temáticos: Organização e Mobilização Comunitária, Geração de Trabalho e Renda, essas responsáveis pela qualidade de vida e o protagonismo


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comunitário dos moradores e a Educação Sanitária e Ambiental, que traz a perspectiva sócio ambiental para dentro da comunidade. A participação do curso de Psicologia no Projeto HBB da comunidade Morar Bem I, deu-se inicialmente com apresentação do Projeto aos alunos do Núcleo de Psicologia e Práticas Sociais. Devido ao Projeto Pedagógico do curso, que determina a integração da pesquisa ao campo de estágio, o Projeto passa a se apresentar, além de campo de estágio obrigatório do curso, campo de pesquisa para os Trabalhos de Conclusão de Curso. As frentes de atuação específicas e interdisciplinares desse Projeto em que a Psicologia está inserida são a Organização e Mobilização Comunitária. Os trabalhos foram desenvolvidos em diferentes grupos: semanais no posto de saúde, visitas domiciliares e com grupos no centro comunitário. A escolha dos grupos pelos alunos, foi mediada a partir de interesses de cada um. A pesquisadora em particular teve como interesse predominante o grupo das crianças, juntamente com a outra acadêmica de Psicologia (designada como M.), por se tratar de uma experiência nova para essas, em um campo de intervenção no mínimo atraente. A partir de agora, para compor o histórico, considerou-se importante registrar a evolução das impressões da pesquisadora. Antes de irmos conhecer a comunidade, algumas impressões de colegas, que já estavam lá, não foram as melhores, eles haviam presenciado alguns meninos limpando armas, sentados na calçada. E, a pesquisadora ao chegar à Morar Bem I nas primeiras vezes, os acontecimentos não favoreciam uma boa imagem, pois ou era alguém da comunidade que acabara de ser assassinado por um parente, ou uma vitima do trafico de drogas no morro vizinho, que devido a intensidade do ocorrido, com carros de polícias e helicópteros, nos manteve por um pouco mais de tempo dentro do centro comunitário. Com a convivência, depois de longas caminhadas pela comunidade e de cada criança nos levar para conhecer sua casa, não olhávamos mais para o conjunto habitacional de pessoas que vieram das comunidades do Metropolitano e do Pedregal, mas sim, estávamos na comunidade Morar Bem I, essa que nos acolheu, e nos confiou suas instituições mais importantes. Esta pesquisa teve como contexto para seu desenvolvimento o Centro Comunitário, um espaço que se localiza entre o Posto de Saúde e o Centro de Desenvolvimento Infantil da comunidade. Vários grupos se reúnem nesse espaço. O grupo Amizade, composto por crianças, muitas vezes filhos das mulheres do outro grupo que ocupa o espaço, o Grupo Arte e


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Saber, composto por mulheres de várias idades, moradoras da Comunidade Morar Bem I, e também mulheres de comunidades vizinhas. O grupo Amizade nasceu da necessidade de algumas mulheres do grupo Arte e Saber, em cuidar de seus filhos e não tendo onde deixá-los, acabavam levando-os ao local de encontro do grupo. Inicialmente, as crianças participavam das mesmas atividades que elas. Então, foi percebida a necessidade de constituir um grupo independente cuja intervenção fosse específica para as crianças. Quando chegamos ao grupo, no primeiro semestre de 2006, essa proposta estava apenas começando, realizada pela bolsista do curso de Pedagogia da UNISUL. No início essa questão interdisciplinar deixou todos um pouco confusos, o que gerou longos e produtivos debates sobre a atuação de cada profissional no campo de intervenção. Primeiramente, nossos olhares eram curiosos, de dúvidas e expectativas. As atividades realizadas serviram para que conhecêssemos melhor as crianças, a dinâmica do grupo, a comunidade em geral e, particularmente, serviu para que elas nos conhecessem, reforçando nossos vínculos. Esses encontros com o grupo das crianças e os olhares curiosos, permitiram a identificação de demandas e necessidades sociais, para que se fizesse, no segundo semestre, a elaboração e a realização das atividades dirigidas que compõem essa pesquisa, que relacionaram as crianças aos seus contextos vividos. Conforme a metodologia apresentada, o Grupo Amizade, voltado aos pequenos moradores da Comunidade Morar Bem I, agregava também crianças da região. Ele é composto por, aproximadamente, 15 crianças, mas esse número oscila, para mais ou para menos, pois o grupo tem a característica de ser aberto, na medida em que a cada semana algumas crianças não comparecem e novas crianças passam a freqüentá-lo. É um grupo composto por meninos e meninas com faixa etária variando entre 02 e 12 anos. Com a divisão do espaço do Centro Comunitário com o grupo das mulheres que acontece no mesmo dia, foi preciso administrar as atividades que aconteciam nos grupos, com o barulho de ambos os lados. Chegamos a reivindicar um outro local para realizarmos as atividades, mas por falta de condições físicas, não foi possível. O Centro Comunitário é um lugar literalmente central para a comunidade. É lá que os moradores fazem suas festas particulares e coletivas, de algum evento comemorativo. Portanto, era muito comum não saber o que encontraríamos na semana seguinte. As janelas eram pregadas por dentro, pois se as deixassem desprotegidas, o centro comunitário seria alvo de vandalismo.


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Os materiais das oficinas socioeducativas, assim como os de todos os grupos que utilizavam o centro comunitário, eram guardados em um dos banheiros, que servia como armário. Portanto, os materiais de utilização diária das crianças, lápis de cor, colas, papéis, eram levados toda semana de carro por nós. Poucas vezes havia água e quando usávamos tintas, as crianças não tinham como lavar as mãos, ou até mesmo para a hora do lanche. A assiduidade no grupo, das crianças que fizeram parte da pesquisa, foi o fator mais importante na hora da escolha. São crianças que, como as outras do grupo, nos deixaram entrar em suas vidas e que, de formas muito particulares, destacaram-se no grupo, através de suas espontaneidades. Nessa pesquisa, para manter o sigilo das crianças, a pesquisadora escolheu nome de flores para representar cada uma delas. A escolha das flores está relacionada, tanto ao fato das ruas da comunidade terem nomes de flores, quanto pelas crianças serem as flores que colorem aquela comunidade. A seguir, o Jardim da Morar Bem I: Apresento-lhes primeiro a Flor do Campo, menina, protagonista da maior parte de nossos episódios, tem 10 anos e está na 2ª série do Colégio Marista e Municipal de São José. Ela é uma das crianças que mais compareceu ao grupo, uma das primeiras a chegar, sempre carinhosa e receptiva, era a primeira a se oferecer na hora de realizar as atividades. A irmã de Flor do Campo é Tulipa, 08 anos e está na 1ª série, também do Colégio Marista. Ela sempre acompanhou sua irmã no grupo, mas agora no segundo semestre, faltava quando tinha que revezar com sua irmã o cuidado do irmão mais novo de 02 anos, quando sua mãe tinha que trabalhar. No grupo também tem as filhas de uma das mulheres freqüentadora do grupo Arte e Saber. São elas, Margarida, de 09 anos, freqüentadora da 2ª série do Colégio Marista e Jasmim, de 08 anos, que estuda na sala da irmã. Fomos trazendo elas para perto aos poucos, incluindo-as em algumas atividades mais dinâmicas. As duas são crianças que demonstram vaidade e são bem cuidadas pela mãe. Margarida é um pouco mais reservada, mas nem por isso deixa de ser carinhosa e participativa nas atividades. Jasmim adora conversar, contar suas historias e procura sempre ficar de mãos dadas com a pesquisadora nas caminhadas. As irmãs Onze-Horas, de 07 anos e Begônia, de 06 anos, são outra dupla inesquecível. A primeira está na 1ª série do Colégio Marista e a segunda no Pré do Centro de Desenvolvimento Infantil que fica ao lado do centro comunitário. As duas também têm uma irmã pequena, mas diferente de Flor do Campo e Tulipa, quando precisam cuidar dela, trazem-na para o grupo. Onze-Horas e Begônia são muito sorridentes e ativas, aparentemente, se divertiam com todas as atividades que propúnhamos.


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Já Rosa, é a menina mais velha do grupo, ela tem 12 anos e está na 2ª série do Colégio Marista. Rosa mora no Jardim Zanelato, vem toda terça-feira e é uma das primeiras a chegar, considerando a distância que ela percorre, cerca de 20 minutos caminhando. A conhecemos no semestre passado, quando ela e seus irmãos estavam entrando pela janela do centro comunitário, sem que fizéssemos uma repreensão sobre o ato, contamos sobre nosso grupo e a partir de então ela passou a freqüentá-lo semanalmente. Não podemos esquecer os meninos do grupo. Cravo tem 08 anos e estuda na 2ª série do Colégio Marista e Lírio tem 12 anos e também esta na 2ª série do mesmo colégio. Cravo é muito afetuoso, sempre que chegávamos de carro ele estava esperando para retirar os materiais e bastante envolvido nas questões democráticas do grupo, quanto à divisão de grupos e realização das tarefas. Já em relação a Lírio, somente conseguíamos sua atenção solicitando ajuda em alguma atividade que lhe era familiar.

Figura 01 – As Flores.

A presença constante dessas crianças somente se efetivou, quando fomos a casa delas pedir a autorização dos pais e comprometer-nos de que toda terça-feira estaríamos no centro comunitário esperando por elas. Observa-se que a participação da maioria das crianças concretizou-se realmente depois das visitas as casas, inclusive o grupo ficou mais estável,


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coeso e as crianças puderam se expressar de forma mais espontânea, pois conheciam os freqüentadores do grupo agora mais do que nunca, mesmo alguns estudando juntos no Colégio Marista. Outras crianças também fizeram parte da historia do grupo Amizade, mas infelizmente não pudemos trazer todas ao relato da pesquisa, seja por não conseguirmos a autorização dos pais ou pela baixa freqüência, que não permitiu uma melhor aproximação e intimidade. Contudo, acreditamos que de uma forma ou de outra, essas crianças com certeza contribuíram com a dinâmica do grupo. Com a apresentação do local da pesquisa e dos protagonistas, parte-se agora para o capítulo seguinte, em que se apresentam os dados registrados e as análises desses dados, feitas à luz da fundamentação teórica já apresentada.


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CAPÍTULO QUATRO – Colhendo Flores

Essa segunda etapa da pesquisa trata da análise dos dados, onde abordaremos a experiência do diário de campo e da pesquisa participante. A partir desse momento, será apresentada através de relatos fidedignos, a descrição das atividades ocorridas, bem como as impressões da autora em relação a essa vivência. Devido ao contrato assinado anteriormente com os pais, procuraremos manter o sigilo das crianças que participaram do período da pesquisa na comunidade Morar Bem I. Iniciaremos então, a exposição dos dados obtidos, que nos permitiram refletir teoricamente sobre os objetivos da pesquisa.

4.1 A LINGUAGEM DAS FLORES: Grupo Amizade ou Grupo Porrada?

Nesse início de semestre ficamos um pouco ansiosas para ver como seria, já que ficamos longe por um tempo, e não sabíamos qual a recepção que nos esperava. Para isso, preparamos para nossas oficinas, nesse primeiro dia, uma conversa com as crianças sobre nosso retorno, nossa pesquisa e a proposta de uma caminhada pela comunidade, a procura de outras crianças que também quisessem se juntar ao grupo das terças-feiras. Chegamos ao centro comunitário (a partir de agora denominado centro) e nosso receio desapareceu, as crianças nos receberam com muito carinho, perguntaram onde estávamos durante aquele tempo que ficamos fora e disseram que sentiram saudades. Com a ajuda das crianças, pegamos algumas cadeiras de plástico e conversamos sobre as férias. Flor do Campo, Jasmim e Rosa contaram sobre sua viagem de ônibus para a escola do Mar. No último encontro, a estudante de pedagogia havia passado um filme e pediu que cada criança escrevesse e fizesse um desenho sobre ele, para entregar na semana seguinte, no caso hoje. Algumas crianças quiseram ler seus textos sobre o filme. Rosa e Flor do Campo


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são as que mais se dispõe a escrever ou a ler quando a atividade requer, elas disputaram a vez entre pulos e gritos na cadeira. Depois das leituras, contamos sobre nossa pesquisa na comunidade, a duração do nosso estágio e que nós faríamos um guia turístico da comunidade. Nesse momento, as crianças demonstraram tristeza em saber que nossa presença ali teria um prazo, para as pesquisadoras também não foi fácil ver aquilo como verdade, mas contamos como seria cada atividade e que teríamos muita diversão ainda pela frente. Falamos que iríamos à casa de cada uma delas pedir a autorização de seus pais, para realizar essas atividades. Saímos do centro para começar nossa caminhada pela comunidade. Logo no começo da rua encontramos as primeiras crianças que convidamos para fazer parte do grupo. Estavam com um besouro na mão, então perguntamos sobre os bichos da comunidade, falaram sobre a cobra do mato e aranhas. Nesse momento surgiram muitas histórias sobre experiências vividas com esses bichos. Paramos em frente à horta e observamos que as verduras que tínhamos plantado estavam morrendo, pois a pedido da Prefeitura Municipal de São José, a CASAM (Companhia de Água e Saneamento) colocou relógios medidores de água nas casas vizinhas, que emprestavam a água.

Figura 02 – A Horta da comunidade.

Por cada rua que passávamos encontrávamos mais crianças que se juntavam ao nosso grupo. Chamamos a atenção das crianças para os números das quadras e das casas, escritos na frente das mesmas. Observamos que o nome das ruas eram nomes de flores, algumas crianças não tinham percebido. Andamos mais adiante e entramos em ruas com casas mais novas, com cores mais vivas, algumas ainda em construção. As crianças mostraram o lugar onde será construída uma escola para a comunidade. As caminhadas pela comunidade sempre foram muito ricas, as crianças se mostravam em sua forma mais espontânea, de tal maneira que acabava sendo os melhores momentos para


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observar suas opiniões. No episódio a seguir, uma das crianças avistou um adesivo com o símbolo da prefeitura. A partir daí surgiram comentários, um deles sobre o prefeito de São José. Flor do Campo diz que queria dar uma “porrada” na cara dele porque prometeu pintar sua casa, e não cumpriu. Perguntamos qual a função do Prefeito, muitos responderam que era ajudar, que ele comanda.

Figura 03 – Uma das Flores.

Retornamos ao centro e M. leu um livro. O episódio adiante, ocorreu com uma das crianças que pouco comparecem ao grupo, mas que certamente interferiu na dinâmica do mesmo. Durante a leitura pedi que as crianças não andassem descalças, pois havia cacos de vidro pelo chão, e elas poderiam se machucar, então uma das crianças tirou suas sandálias e começou a pisar no chão. Ao final da história as crianças fizeram desenhos, dobraduras e pinturas para representar o livro. Na hora do bolo, alguns comeram mais de uma vez, então uma das senhoras participantes do grupo das mulheres chamou a atenção de Flor do Campo que já havia lanchado uma vez, para deixar bolo para os outros que ainda não haviam lanchado. Era a Senhora quem distribuía o lanche e fez questão de chamar todos para comer.

Figura 04 – A hora do Lanche.


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No segundo dia, como combinado, saímos para coletar as assinaturas dos pais das crianças. A primeira casa era de Rosa que fica no Jdim. Zanelato. No caminho passamos pela escola onde as crianças estudam, posto, igrejas de vários tipos de religião, centro comunitário do Jdim. Zanelato e logo as crianças notaram que o ambiente começou a ficar diferente, através de comentários sobre as casas, que eram mais simples do que as do Morar Bem I e mais próximas umas das outras. Subíamos o morro e algumas crianças lembravam de onde eram suas casas antes de “descerem” para à Morar Bem I. Chegamos à casa de Rosa, mas sua mãe não estava, então voltamos. No caminho, chamou a atenção da pesquisadora quando Begônia e Onze-Horas correndo uma atrás da outra e Begônia, a mais nova, coloca a mão no pescoço de Onze-Horas, essa imediatamente coloca sua mão, também no pescoço de Begônia e diz: “Se tu me estrangula, eu te estrangulo”.

Figura 05 – O abraço das irmãs.

A partir desse episódio percebe-se que a espontaneidade estava presente em todos os momentos. Um carro da polícia passou por nós e trouxe às crianças lembranças de suas experiências. Então é travada uma discussão mediada pela pesquisadora: Begônia: Meu pai já foi preso porque roubou um carro. Rosa: Meu pai também já foi preso. Por que vocês acham que eles roubaram? Não podiam comprar o que roubaram? Rosa: Podiam. Begônia: Eu já fui roubada pela minha prima. M.: E como tu se sentiu? Begônia: Fiquei triste, porque roubar é feio. Rosa: Feio é roubar dos outros.


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Depois desse diálogo, retornamos ao centro. A estudante de Pedagogia leu uma história sobre medo. Depois cada criança contou um pouco sobre seus medos, a maioria deles relacionados à violência. Uns tinham medo de levar tiro, outros de morrer enforcado, também contaram histórias de conhecidos que tinham passado por essas situações. Fizeram desenhos sobre seus medos e depois combinamos com elas de que no dia seguinte, iríamos às casas delas falar com seus pais sobre as assinaturas e, portanto elas deveriam avisá-los naquele dia. No dia seguinte, todas estavam na frente do centro como combinado e haviam avisado seus pais. Esse dia foi especial, pois fomos à comunidade apenas para colher as assinaturas dos pais e as crianças nos esperaram muito ansiosas por estarmos indo conhecer suas casas. Combinamos com elas, que deveriam ficar do lado de fora da casa enquanto conversávamos com seus pais. Explicamos nossa pesquisa e nosso interesse no grupo das crianças para cada pai, e fomos muito bem recebidas por todas as famílias. No terceiro dia, retomamos a maquete que havíamos feito no semestre passado. Em comum acordo as crianças decidiram arrumá-la, pois esta estava com as casas descoladas do isopor e o lugar onde antes era a horta em argila, não existia mais. Alguns ficaram responsáveis pela colagem dos telhados e das casas, outros em desenhar a horta e outros faziam as placas da comunidade (nome das ruas, placa de transito, nome dos lugares).

Figura 06 – Arrumando a maquete.

A pesquisadora precisou se retirar por alguns instantes do grupo, pois nossa supervisora do estágio precisou de ajuda com algumas questões técnicas. Na volta, as crianças estavam com dobraduras nas mãos e contando histórias na maquete. Em seguida, pegamos um joguinho de memória de flores, que as pesquisadoras haviam feito com a intenção de associar, junto com as crianças, os nomes das ruas. O jogo começou e as cartas estavam aleatoriamente dispostas. Logo no começo Lírio virou as cartas para olhar antes da sua vez, M. chamou a atenção para que quem olhasse as cartas perderia a vez, foi o que aconteceu com Lírio. Ele continuou a olhar, então nas rodadas seguintes o grupo regulou sua vez no jogo. Tulipa olhou uma vez e todos apontaram o dedo para ela


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gritando que não podia olhar e que ela perdera a vez de jogar. O jogo era muito grande e acabou antes de virarem todas as cartas.

Figura 07 – Jogo de Memória.

Na hora de ir embora, algumas crianças seguraram nossos braços e disseram que não nos deixariam ir embora. Tentamos convencê-las partindo de uma experiência delas “Como seria se elas não voltassem para casa”, o que não causou muito efeito. Entramos no carro e elas se posicionaram em frente ao mesmo, o que nos causou certo receio em machucá-las, então pedimos que ajudassem a fazer o carro andar e só assim nos deixaram ir. Como de costume, no quarto dia, as crianças rodearam o carro. Tulipa diz que hoje elas não nos deixariam ir embora, M. afirma que então teríamos que conversar sobre isso, então Tulipa calou-se. Mostramos um guia de Florianópolis, para que elas conhecessem o que um guia oferece, para que depois pudéssemos fazer o guia da comunidade. Trouxemos a idéia da criação de camisetas que identificassem o grupo Amizade, para usarmos em nossas caminhadas pela comunidade.

Figura 08 – Confecção das camisetas.

Para começarmos os trabalhos as crianças faziam fila para que M. tirasse o molde para cortar as camisetas no TNT, e na medida em que estes ficavam prontos, as crianças me


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ajudavam a cortar as letras coloridas no EVA. Como os materiais eram escassos para que as crianças ajudassem, estas dispersavam com facilidade e preferiam jogar bola, bater umas nas outras e desenhar, o que atrapalhou o andamento do trabalho. Pedimos para uma ou outra criança ajudar a coletar os nomes e apelidos das outras, o que as distraiu por alguns momentos. Na hora de arrumar os materiais, havia muitas canetinhas sem tampa e giz de cera quebrado. Como de costume, Rosa pegou a vassoura e varreu os restos de letras do chão. No quinto dia estava muito quente e as portas do centro ainda estavam fechadas, então fomos para a sombra. Nesse momento acontece uma situação interessante. Ao lado do centro, havia uma pilha de tijolos, a maioria quebrados, Flor do Campo e Cravo falaram para M. que tinham uma coisa pra contar, mas ela brigaria com eles se soubesse, contaram que foram eles que quebraram os tijolos, pois não era de ninguém, e que algumas pessoas da comunidade tinham feito churrasco com os tijolos naquele fim de semana. Pegamos alguns dos tijolos inteiros e sentamos à sombra para conversar. Perguntamos se sabiam o que estava combinado para este dia, alguns disseram que faltava terminar as camisetas e tirar fotos. Enquanto M. falava as crianças pegaram canetinhas da caixa de materiais e ficaram desenhando nas mãos. Lembramo-os de que os materiais eram do grupo e que seriam usados até o final das atividades, portanto deveriam ser cuidados. As crianças entendem quando as responsabilizamos de algo que pertence a todos, no caso, quando chamamos a atenção delas para o cuidado com os materiais que eram do grupo, a cada vez que os usavam, sempre guardavam.

Figura 09 – Em uma das conversas ao lado do centro.

Retomamos a questão das crianças que estavam batendo em outras, então uma delas disse: É, o nome do grupo não é Amizade? (diz uma das crianças) Cravo - É, senão vai ser grupo porrada.


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A porta do centro foi aberta e na atividade do dia, as crianças deveriam pegar, em um amontoado de letras que estava no chão, as letras que formavam a palavra “amizade” e as letras que formavam o seu apelido, nessa hora algumas crianças se desentenderam por causa das cores das letras. Não conseguimos sair para tirar fotos nesse dia, pois estava muito tarde. No momento da chamada, algumas crianças pegaram uma folha para assinar, mas não perceberam que nesta estava escrito “Grupo Porrada” na parte de cima, e assinaram. Esta folha estava entre os materiais da pesquisadora e o comentário do nome “Grupo Porrada”, era uma nota para lembrarmos do que as crianças haviam dito anteriormente. Pessoal, vocês observaram que alguns de vocês assinaram em uma folha onde estava escrito “Grupo Porrada”? Todos riram. Qual deles vocês preferem? Grupo Porrada ou Grupo Amizade? Todos: Grupo Amizade! Então passamos a folha da chamada com o nome do grupo correto, mas algumas crianças pegaram a folha do “Grupo Porrada” e assinaram seus nomes. Depois da chamada, tiramos algumas fotos deles para o guia, individuais, em grupos e ao final fomos todos para frente do centro com as camisetas para tirar uma grande foto.

Figura 10 – As Flores assinando a chamada.

Novamente, já no sexto dia, tivemos que esperar a porta do centro ser aberta. No começo havia poucas crianças e, ainda assim, muito dispersas, pois nesse dia, devido às eleições, estavam ocorrendo vários comícios políticos na comunidade, com carros de sons e panfletagens. As crianças colocaram as camisetas e saímos para fotografar alguns lugares da comunidade para colocar no guia. O combinado era que elas diriam o que seria fotografado.


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Passamos pelo local onde será construído o parque e as máquinas estavam trabalhando, tiramos algumas fotos e continuamos a andar. Uma das crianças apareceu com duas armas de plástico e um capacete de soldado, apontando para nós. As crianças sugeriram fotografar as casas novas. Ao virarmos em uma rua, nos deparamos com a construção de uma rua que não existia antes, ela liga as comunidades Morar Bem e José Nitro. Logo à frente encontramos, em um grande terreno já limpo pelas máquinas, uma placa indicando que ali seria o novo colégio do Morar Bem. Chegamos ao parquinho da comunidade José Nitro. Cada criança foi para um brinquedo, então sugerimos um jogo de futebol. Como vamos fazer para dividir os times? Cravo: Vocês escolhem cada um. (referindo-se as pesquisadoras) Mas não tem outro jeito de formar um time? Flor do Campo: Então, vocês escolhem um pra cada time de vocês duas. Que outro jeito, sem ser escolher os jogadores, existe? Flor do Campo: Coca-cola, assim, canta a música e em quem for parando, vai ficando em um time. Como estávamos em número impar de participantes, a solução foi jogarmos “par ou impar” para ver quem ficava com mais pessoas no time. Mas apareceu uma menina da José Nitro e então os times se completaram. Combinamos algumas regras, de que não poderia chutar na canela e nem puxar o cabelo.

Figura 11 – Parquinho e Jogo de Futebol.


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Passado algum tempo, as crianças ficaram cansadas e saíram do jogo para brincar no parquinho. Mais tarde pediram para voltar ao centro, então combinamos que tiraríamos mais algumas fotos e então voltaríamos para fazer os desenhos dos lugares visitados. Tiramos algumas fotos da horta, do centro comunitário, do Posto de Saúde e do Centro de Desenvolvimento Infantil e continuamos a caminhada. Ao entrarmos no centro, pedimos que fizessem um desenho das coisas que tínhamos visto no dia. Ao final o lugar que a maioria desenhou foi o parquinho. No sétimo dia, havia aproximadamente vinte crianças nos esperando, então fomos ao lado do centro onde havia sombra para conversarmos melhor. Elas começaram a conversar sobre namoros na escola e pessoas que gostavam. Durante a conversa, outras crianças pegaram as canetinhas da caixa e fizeram desenhos nos braços e pernas. Depois de aberto o centro, mostramos uma cartolina com a trajetória do guia turístico, que se chamava passo-a-passo, que estava em branco para que a cada dia de encontro elas preenchessem com as atividades realizadas, começando pelas que já havíamos feito até hoje.

Figura 12 – Cravo escrevendo no Passo-a-passo.

À medida que as crianças escreviam, surgiam dúvidas em relação à escrita das palavras, então criamos um grupo de pesquisadores, que tinham a missão de perguntar para o grupo das mulheres (que simultaneamente acontecia no centro comunitário), como se escrevia determinada palavra. Durante a atividade de escrever no passo-a-passo, Flor do Campo escreveu na caixa dos materiais e M. perguntou se ela havia solicitado se todos queriam que ela escrevesse, ela não respondeu e continuou a escrever, então M. continuou a dar atenção ao grupo. No começo as únicas a escreverem na cartolina eram Flor do Campo e Rosa, mas aos poucos outras crianças foram se candidatando. Outra criança escreveu uma das frases e logo em seguida, Flor do Campo pegou outra caneta e corrigiu a escrita da menina, novamente M. intervém por ela não ter perguntado se esta queria que seu texto fosse corrigido.


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Havia muito barulho, mostramos duas folhas de papel pardo, pedimos que se dividissem em dois grupos. Explicamos que em cada painel colaríamos algumas fotos, que tiramos ao longo dos encontros. Essas seriam distribuídas entre os grupos e em seguida faríamos a decoração das mesmas. Flor do Campo ficou chateada encostada na parede. M. perguntou se ela sabia por que tinha sido chamada a atenção, ela nada respondeu. Depois que M. saiu de perto, Flor do Campo dirigiu-se a um dos grupos e colou as fotos com as outras crianças. Depois da colagem, as crianças começaram as pinturas e os desenhos no painel. Flor do Campo estava fazendo um desenho e uma menina fez alguns riscos em cima, ela disse: Flor do Campo: Oh, professora ela riscou em cima do que eu tô fazendo. Tu perguntou se as outras crianças queriam que tu riscasse em cima do nome do grupo? (M. se dirigiu a menina que havia riscado) A menina parou de desenhar. Mais adiante, Flor do Campo pintou a mão para colorir em um local onde pegaria no desenho de outra colega: Flor do Campo: Posso pintar aqui? (Pergunta ela para a colega)

Figura 13 – Confecção do painel de fotos.

Com o painel pronto, colocamos fora do centro pra secar, as crianças, em votação, escolheram quais fotos seriam colocadas no guia. Enquanto secava, completamos o passo-apasso com as atividades que tinham ocorrido no dia. Pedimos que um grupo ficasse responsável por chamar as mulheres do Grupo Arte e Saber para mostrar os painéis lá fora. Depois voltamos para o centro e comemos pipoca. A tarefa do oitavo dia era desenhar o mapa da comunidade e escrever os textos sobre os lugares da mesma para colocar no guia. Dividimos as crianças em dois grupos, cada qual


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faria uma dessas atividades. A maioria quis fazer o mapa, mas limitamos o número de participantes, para equilibrar com o grupo dos escritores. O mapa era para ser feito em conjunto, mas os meninos não conseguiram entrar em acordo com as meninas para desenharem juntos na cartolina, então as meninas pediram folhas separadas para desenhar o mapa também. No grupo dos escritores, era escolhido um lugar da comunidade para ser escrito, alguns diziam o que achavam sobre aquele lugar, enquanto outros escreviam o que estava sendo dito.

Figura 14 – Mapa da comunidade e um dos textos produzidos pelas crianças.

Durante o processo de construção do mapa, as crianças não se mostraram muito interessadas pela atividade escrita e começaram a pedir para ir ao parque. Como o mapa já estava pronto, deixamos os textos parcialmente acabados e saímos. Combinamos com eles que seriam apenas alguns minutos depois voltaríamos ao centro. Encontramos um menino, que também participa do grupo, no meio do caminho. Ele e algumas crianças começaram a correr na frente do grupo e quando chegamos ao parquinho do José Nitro, havia uma grande poça de água dentro do campinho de futebol e essas crianças já estavam dentro brincando. Perguntamos como seria a reação de seus pais ao verem eles molhados chegando em casa e chamamos a atenção para a responsabilidade deles de estarem dentro da poça. Nesse momento Rosa e Cravo, saem da poça e Begônia e Onze-Horas, que estavam brincando no balanço com as outras crianças, entram. Algumas meninas que estavam do lado de fora, comentaram que suas mães não gostariam se elas chegassem a suas casas molhadas. Na hora de ir embora pedimos que as crianças que se molharam fossem para suas casas tomar banho, pois a água não era limpa. Algumas crianças foram para casa e não voltaram para o centro, comemos algumas bolachas, lemos os textos escritos no começo da


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tarde, mas elas já estavam muito dispersas, então preenchemos o passo-apasso com as atividades do dia e combinamos o que seria feito na semana seguinte. O nono encontro era dia de fazer o papel reciclado. Solicitamos às crianças apoio para retirar o material do carro, entramos no centro, mostramos os materiais necessários para fazer a reciclagem de papel e contamos sobre as etapas do processo. Começamos triturando o papel que virou polpa, fizemos apenas uma vez, em seguida elas fizeram sozinhas e ajudaram as outras crianças. Depois da polpa pronta, as crianças ajudaram a colocar a mesa fora do centro e a bacia com a água e a polpa em cima. Cada uma pegou um molde de madeira para a produção do papel, e se posicionou ao redor da mesa para observar como se fazia o papel. Depois fizeram uma fila para o início do processo. Enquanto eu auxiliava as crianças com os moldes na bacia, M. cuidava da secagem do papel, que era feito com um pano e cada um que era molhado, a criança estendia em cima do banco. À medida que os papéis ficavam prontos, eram colocados no banco para secar, alguns tivemos que por no chão. Margarida e Begônia perceberam que o banco estava cheio, então pegaram os panos e estenderam no muro ao lado do centro.

Figura 15 – Oficina de papel reciclado.

Acabamos de fazer os papéis e nos reunimos ao lado do centro, para terminarmos os textos que faltavam da semana passada. Enquanto algumas crianças escreviam, outros preenchiam o passo-a-passo com as atividades do dia, algumas crianças recolhiam uns moldes que tinham virado em função do vento forte no dia. Ao final combinamos a semana seguinte e todos ajudaram a guardar os materiais utilizados. No décimo encontro, conversamos sobre a possibilidade de uma visita à UNISUL, que estava sendo programada pela coordenadora geral do projeto, passamos as folhas de papel reciclado, que havíamos feito no outro encontro, para que elas apreciassem. Muitas não


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conseguiram identificar qual era a sua. Por uma reivindicação delas em levar os papéis para casa, combinamos, então, de fazer outra oficina de papel reciclado, para que assim pudessem levar os papéis, pois esses que já havíamos feito serviriam para o guia. Ainda faltavam algumas fotos da comunidade para completar nosso guia, então saímos com as crianças, primeiro em direção ao Colégio Marista onde elas estudam. Tiramos as fotos do colégio e voltamos. Cravo e outros meninos foram por outro caminho, por dentro de um matagal. Depois, fomos em direção as casas coloridas, tiramos as fotos, novamente os meninos acharam um atalho por entre matos, para voltar. Chegamos ao centro e entregamos papel em branco e giz colorido para as crianças menores que vieram acompanhando seus irmãos, as mães do grupo das mulheres, que haviam trazido seus filhos pequenos, também os colocaram para desenhar, ficou um pouco tumultuado. Pedimos que as crianças se dividissem em dois grupos. Mais tarde os meninos chegaram e formaram um terceiro. Cada grupo ficou responsável por uma folha do guia e os integrantes, por se organizarem nas tarefas do mesmo. À medida que terminavam uma página, entregávamos outra, assim evitava que as folhas estragassem. O acontecimento a seguir chamou a atenção da pesquisadora. Em certo momento, o grupo responsável pela capa do guia turístico, desentendeu-se. Uma menina nova que tinha vindo no grupo apenas duas vezes, fez alguns rabiscos na capa e Jasmim e as outras meninas do grupo, não gostaram. Jasmim: Olha só, a gente não queria que ela tivesse feito isso. Tentem conversar entre vocês para ver como pode ser resolvido isso. Pouco depois, Jasmim estava chorando. Jasmim: Ela estragou tudo. Como a gente pode resolver isso? Alguém tem alguma idéia? Margarida, Jasmim e Rosa: Vamos fazer outro. E o que a gente faz com esse? Jasmim: A gente pode colocar no final do guia.


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Figura 16 – Confecção das paginas do guia turístico.

Depois de todas as páginas feitas, algumas crianças pediram para continuar a decorar na semana seguinte. Elas ajudaram a recolher o material e preenchemos o passo-a-passo, enquanto comíamos uma torta fria, que o grupo das mulheres haviam feito no dia. Como toda pesquisa depende de fatores externos, essa está sujeita às situações que favoreçam ou não as previsões feitas no início da mesma. A presente pesquisa não foi diferente. O término das oficinas estava programado para a semana que passou, mas devido a imprevistos que foram surgindo ao longo do processo, houve a necessidade de acrescentar mais um dia. Portanto, o relato que segue, efetiva o fechamento das oficinas. Nesse dia extra, o décimo primeiro encontro, estava chovendo muito e havia poucas crianças. Faltavam apenas alguns detalhes para acabarmos o guia. Dividimos em dois grupos para que eles terminassem de colar as fotos e fizessem a decoração. Enquanto as crianças desenhavam, M. preparava um saco feito de TNT, para que as crianças pudessem levar o guia dentro, e eu recortava algumas letras no EVA. Logo as crianças foram terminando suas decorações. Rosa pediu para escrever no passo-a-passo o que estávamos fazendo, mas como não tínhamos deixado espaço na cartolina para colocar mais um dia, pedi que ela escrevesse em um papel branco o dia de hoje e as atividades que estavam acontecendo, para depois nós colarmos na cartolina. Havíamos pensado em andar com eles pela comunidade ou ir até o parquinho, já que as atividades de hoje eram mais tranqüilas de fazer e sobraria tempo, mas como estava chovendo, reunimos todos para um jogo de memória. Dessa vez, diminuímos o numero de cartas para que eles conseguissem chegar até o fim do jogo, já que no terceiro encontro, quando jogamos pela primeira vez, eles não conseguiram. Pegamos uma mesa comprida e um deles embaralhou as cartas e colocou na mesa de forma que cada carta ficou ao lado da outra, diferente do ultimo jogo que fizemos. Combinamos as regras e todos ajudaram a lembrar de que: só poderia olhar duas cartas por


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vez, quem acertasse, jogava de novo, não poderia espiar as cartas sem ser sua vez, e que quem o fizesse perderia a vez. Dessa vez, em nenhum momento elas quebraram essas regras. Acabamos o jogo e as crianças ajudaram a arrumar os materiais que estavam no chão. Ao final do dia, fizemos um sorteio, sugerido por elas, em que papeizinhos com números de 1 a 35, indicariam a ordem em que cada uma das crianças levaria para casa o guia. Quem tirasse o maior numero seria o primeiro da fila.

Figura 17 – Grupo Amizade e Guia turístico da comunidade Morar Bem I

Finalizado o relato das oficinas que geraram o guia turístico da comunidade Morar Bem I, parte-se agora para a analise dos episódios que marcaram essa pesquisa.

4.2 ENTENDENDO AS PLANTAS EM SEU HABITAT: Passo-a-Passo

Para iniciarmos a análise dos dados, remete-se ao primeiro dia de relato, no episódio em que Flor do Campo diz que queria dar uma “porrada” no Prefeito, por esse não ter cumprido a promessa de pintar sua casa. Neste ocorrido, é possível perceber a busca da justiça, quando o não cumprimento da promessa (pintar sua casa) pelo adulto, faz com que Flor do Campo pense em uma punição (“dar uma porrada nele”). Esse fato faz a pesquisadora questionar, se, mesmo que sua justiça seja feita pela violência, essa seria a forma de punição que ela reconhece como efetiva a partir da visão de seu contexto. Ou seja, frente à quebra do respeito mútuo esperado, Flor do Campo busca uma punição, que parece ter sido vivenciada pela mesma quando era mais nova e estava na fase do respeito unilateral, onde nada era questionado, onde o adulto estava sempre certo. Para caracterizar este episódio traz-se a noção de justiça para Piaget. Essa surge relacionada às concepções da criança sobre as regras, os tipos de respeito (unilateral ou


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mútuo) e as sanções ou recompensas associadas aos comportamentos. De acordo com Sales (2000), Piaget divide a noção de justiça em dois aspectos. A justiça retributiva, baseada na idéia de proporcionalidade entre o ato e a sanção atribuída e a justiça distributiva, que se define pela igualdade (de direitos ou de tratamentos). A autora afirma ainda, que para Piaget há uma evolução entre essas duas justiças e é caracterizada por três períodos. O primeiro período se estende até sete/oito anos e caracterizase pela indiferenciação das noções do justo e injusto com as noções de dever e desobediência. O episódio em questão é caracterizado pelo segundo período entre sete/oito a onze anos há o desenvolvimento progressivo em direção a autonomia. Há preferência da igualdade sobre a autoridade, onde igualitarismo desenvolve-se e domina sobre qualquer situação e o respeito mútuo prevalece sobre o respeito unilateral. O terceiro período corresponde à autonomia, que se inicia por volta de onze/doze anos, onde há um desenvolvimento do igualitarismo e da valorização da eqüidade dos indivíduos. À noção de justiça desenvolvida nesses dois estágios corresponde à busca do direito observando a gravidade do crime. As punições são pensadas, visando à reparação da parte prejudicada. O sujeito avalia e julga os atos segundo seus próprios critérios, independente da opinião ou pressão do grupo. Flor do Campo se sentiu prejudicada, quando da quebra de uma promessa e não demonstrou arrependimento, nem preocupação com o que o grupo diria, inclusive provocou risos, que para a pesquisadora pareceram risos coniventes, com a aparente injustiça cometida. Também é observada a questão da justiça no segundo dia, na situação em que Begônia coloca a mão no pescoço de Onze-Horas, essa também coloca sua mão no pescoço de Begônia e diz: “Se tu me estrangula, eu te estrangulo”. Para a pesquisadora o fato ocorrido, pode estar indicando a reivindicação de justiça por parte de Onze-Horas. Na evolução da noção de justiça para Piaget, por ser a mais velha, Onze-Horas se encontra nos estágios mais avançados que correspondem a prevalência da igualdade e do respeito mútuo sobre qualquer situação. Então, se Begônia coloca a mão sobre seu pescoço, prontamente Onze-Horas percebe que também tem direito de fazer o mesmo, por mais que seja uma solução baseada na violência, foi a forma mais coerente que ela encontrou no momento. Outro episódio significativo relacionado à justiça, foi a hora do lanche, no primeiro dia de encontro, em que Flor do Campo pega mais de um pedaço de bolo e é repreendida. Nesse acontecimento, a mediação do adulto aparece quando a senhora do grupo Arte e Saber chama a atenção de Flor do Campo, se ela havia percebido que outras crianças não tinham comido,


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com a intenção de fazê-la pensar sobre a solidariedade e a justiça em que todos são iguais. Segundo La Taille (1992), Piaget estudou a solidariedade infantil e a autoridade adulta por acreditar que a noção de justiça ocorre diretamente da cooperação. O sentimento de justiça se desenvolve graças ao respeito mútuo e solidariedade entre crianças, podendo ser reforçado pelas ordens e ações do adulto. Sob o ponto de vista das relações interpessoais, a cooperação atinge uma abrangência maior para a conquista da moral autônoma. O autor acredita que para Piaget, a cooperação é fruto do sentimento de respeito mútuo, só possível em posições de igualdade entre os sujeitos. Ao propor o respeito mútuo, Piaget se referia também às relações com os adultos, que deixa de ser uma relação de submissão, para atingir seu lado afetivo, o caráter de confiança, pois essa é fundamental na formação de julgamentos por solidariedade, que por sua vez, somente em um ambiente cooperativo poderá garantir o respeito ao outro. A pesquisadora refletiu sobre o caso em que o lanche coletivo no centro comunitário, foi o ambiente cooperativo aceitável para que Flor do Campo confiasse no julgamento do adulto sobre deixar comida para outros porque esses ainda não haviam comido. Em relação ao processo de mediação com a ajuda de adultos, foi possível observá-lo em um dos episódios do segundo dia, em que as crianças comentam sobre roubos, em uma discussão mediada pela pesquisadora. Para este fato, foram observadas as anotações de Espíndola e Lyra (2006) sobre Kohlberg, onde este parte do pressuposto de que o desenvolvimento moral resulta da atividade estruturante do sujeito na sua relação com o meio. Um raciocínio moral novo só surge quando o indivíduo dominou completamente o anterior. De acordo com essa perspectiva do autor, o sujeito constrói gradativamente seus esquemas de julgamento moral a partir de suas experiências de vida. A aprendizagem da moral passa a ser vista como um processo realizado pelo próprio indivíduo que aprende. No que diz respeito a julgamentos morais a partir de experiências de vida, a pesquisadora concorda com o que as autoras apontam sobre Kohlberg, pois mostra que quando Begônia afirma ter sido vitima de roubo, mostra tristeza, por acreditar que roubar é feio. Mas a pesquisadora não observa a aprendizagem moral como algo apenas individual, pois para que Begônia chegasse a essa conclusão foi preciso a mediação do adulto, para que ela tomasse consciência dos fatos, portanto, não foi apenas a partir de um raciocínio moral individual. Até porque este se constrói na relação com o outro. Durante as oficinas aconteceram episódios onde as crianças utilizaram formas de se colocar no grupo, conversando, gritando, batendo nos colegas ou correndo pelo centro. Pelos episódios que relatamos ao longo do diário de campo, como os que vêm a seguir, observa-se


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que a transgressão é a forma possível e mais utilizada pelas crianças para manterem sua condição de sujeitos, afirmarem sua identidade e que serve, também, de pilar para a construção de sua autonomia. Isso foi o que ocorreu no quinto dia, na situação em que as crianças assinaram seus nomes em uma folha escrito “Grupo Porrada”. Também foi observado no primeiro dia, o episódio em que uma das crianças andou descalça nos cacos de vidro que havia no chão, mesmo depois de ser avisada. Isso chamou a atenção da pesquisadora, pois é possível observar nessa cena, o que Vigotski (2003) discute sobre o tema transgressão, em que toda vez que observamos algo, nossa consciência inicia um movimento que gera uma série de representações na mente. Então, descrever, prevenir ou chamar atenção para um ato que não devem fazer, cria ao mesmo tempo o impulso e a tendência a cometê-los, pois estamos dando valor a essa falha e, assim, instigando-os a cometê-la. Diz Vigotski (2003, Pg.215) “(...) não há forma mais segura de impulsionar uma criança a qualquer ato imoral do que descrevê-lo em todos os detalhes”. Vale observar o caso dessa criança, em que a transgressão vai um pouco mais além, pelo pouco que se sabe da história de vida dela, o que leva a pesquisadora a entender essa transgressão como combate à invisibilidade, no que diz respeito à forma de colocar-se em grupo, para chamar atenção e muitas vezes da agressividade, caracterizando uma história de abandono. Além da questão da transgressão, Vigotski também é apontado nos episódios dos jogos de memória e futebol, através da afirmação de que em nenhum outro contexto do comportamento da criança está tão regulamentado por normas quanto no jogo e em nenhuma parte ele assume uma forma educativa tão livre e moral quanto nesta. Nos episódios em questão, do jogo de memória de flores, que gerou alguns conflitos em relação à organização do mesmo e do jogo de futebol sobre a divisão dos times, a situação foi a de coordenação social do próprio comportamento, com o comportamento da coletividade. É possível que o comportamento da criança, em algum momento, não coincida com os interesses da coletividade. Então pode surgir um conflito que lhe mostra o valor de mudar seu comportamento para que ele concorde com o interesse do grupo. Na situação do primeiro jogo de memória no terceiro dia, Lírio em vários momentos do jogo perdeu sua vez de jogar por quebrar a regra de não espiar as cartas, até que parou de olhar, para que pudesse participar como todos. De acordo com Vigotski (2003), a criança se submete as regras do jogo pela satisfação interna que o jogo lhe proporciona, porque a criança age como parte de um mecanismo comum composto por uma coletividade que joga. A regra que provem de todos e que também se destina a todos, é o mecanismo mais eficaz de organização e ordenamento do grupo que joga. Tulipa, mesmo depois de observar as


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intervenções feitas a Lírio, comete o mesmo delito de olhar as cartas, imediatamente é repreendida pelo grupo que tira sua vez de jogar. No ultimo dia quando fizemos novamente o jogo de memória, o episódio mostrou o que Kohlberg, segundo Espíndola e Lyra (2006), nos fala sobre a resposta moral ser fruto de nossas próprias experiências. No terceiro encontro, fizemos o jogo de memória e, comparando os dois dias, pode-se observar que as crianças acataram as regras, pois não era a primeira vez que jogavam e dessa vez elas participaram da criação das mesmas. Ou seja, elas não apenas introjetaram as regras, elas criaram junto e agiram de acordo com as mesmas. Quando se entendeu as regras e se sabe por que foram aceitas, é expressão de uma escolha moral, o que remete ao homem a possibilidade de assumir-se como sujeito de seu acontecer, como nos afirmam as autoras. Esses fatos puderam ser observados nesse episódio que foi relatado, também no primeiro dia do jogo de memória e no jogo de futebol. Que pode observar-se as regras lúdicas mediando as questões de democracia e igualdade nesse grupo, seja para que a divisão do grupo fique justa ou para ver quem começa com a bola. A criança passa a viver relações de troca de pontos de vista entre iguais e, ao colaborar na elaboração das regras, compreende seus significados, além de ajudar no controle dos seus cumprimentos. Em se tratando de pontos de vista entre iguais, o episódio em que Flor do Campo altera seu comportamento durante a construção do painel de fotos, a seguir analisado do ponto de vista do desenvolvimento moral segundo Piaget e Kohlberg. Nesse episódio podemos observar as etapas de desenvolvimento moral, tanto de Piaget quanto de Kohlberg. Para falar de Piaget, retoma-se Sales (2000), ao perceber a passagem da heteronomia para a autonomia, que é a moral da solidariedade entre iguais, onde o respeito unilateral é substituído pelo mútuo, há noção de igualdade e as normas aplicam-se de uma forma rígida. Já falar de Kohlberg, Espíndola e Lyra (2006) afirmam que este propôs três níveis de desenvolvimento do raciocínio moral, cada qual com dois estágios, o episódio em análise, diz respeito ao estágio três do nível convencional, que Kohlberg chama de estágio do “bom garoto”, em que a criança procura uma aprovação social e interpessoal. Nesse nível, o indivíduo identifica-se com as regras e expectativas dos outros, principalmente das autoridades. A criança faz o que os outros esperam, com o intuito de obter aprovação. Portanto, conserva seus comportamentos socialmente aprovados, para merecer estima, respeito e consideração, respeitando a ordem estabelecida. No caso, ao final do episódio, Flor do Campo, para manter a ordem e respeitando a autoridade e as regras do grupo, solicita espaço para que seu desenho ocupasse parte do espaço do outro.


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De acordo com Espíndola e Lyra (2006), nesse estágio o indivíduo já se considera um membro da sociedade, como um sistema com um conjunto de regras e procedimentos, aplicados a todos os membros. Este é o estágio que Kohlberg denominou regra de ouro: “aja com os outros como gostaria que eles agissem com você” (ESPÍNDOLA e LYRA, 2006, pg. 07). Quando Flor do Campo é prejudicada pela colega que riscou seu desenho, ela imediatamente reivindica a mesma intervenção feita a ela anteriormente. Com a criação do passo-a-passo (cartolina que descreve os dias que compõem a trajetória do guia turístico), no qual as crianças participavam do preenchimento e acompanhavam a evolução dos passos dados em direção ao objetivo maior que era o guia turístico, havia uma implicação no processo do “fazer acontecer”. Quando em um episódio no último dia, Rosa pergunta se poderia escrever no passo-a-passo o que estávamos fazendo, mostra o sentimento de pertencer a algo, de ter a responsabilidade sobre o que estava sendo criado, a participação, solidariedade, confiança, justiça, que se não fossem desenvolvidas nas crianças do grupo Amizade, tornaria o mesmo em um aglomerado de crianças, cada qual interessada em suas individualidades. Observando o episódio do décimo encontro, em que Jasmim se desentende com uma menina do grupo, a questão da cooperação fica evidente. A relação de cooperação implica em respeito mútuo, reciprocidade, liberdade e autonomia entre os interagentes. É interessante pensarmos que em uma sociedade, o homem convive com outros homens, portanto, cooperação, respeito, justiça, solidariedade são virtudes necessárias à convivência humana. La Taille (1992) afirma que para Piaget, as relações entre crianças promovem a cooperação, justamente por se configurarem como relações a serem constituídas entre seres iguais. Ainda La Taille (1992) citando Piaget, fala que as relações de cooperação são constituintes, ou seja, as regras são estabelecidas entre os participantes, necessitando, assim, mútuos acordos entre eles. No episódio foi dito que o grupo deveria se organizar e dividir as tarefas entre si. Através de atividades cooperativas, as crianças compreendem que as regras ligam as pessoas por um elo de reciprocidade e transgredir tais regras rompe o elo e traz conseqüências ao culpado. A criança toma consciência da necessidade da regra como instrumento regulador das relações sociais. Quando a menina nova desenhou sozinha a capa que deveria ser feita em conjunto, de acordo com as regras estabelecidas pelo grupo, gerou um conflito entre os colegas. Piaget, segundo La Taille (1992), considera que pensar sobre os conflitos e coordenar as variáveis que os compõem só é possível quando esse pensar é realizado pelos sujeitos envolvidos. No caso, depois de falhar na tentativa de resolver o ocorrido entre si, foi preciso a


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mediação do adulto, mas a solução definitiva do conflito partiu das crianças, em colocar a folha riscada no fim do guia. Na relação de cooperação, a qual nos fala o autor, o respeito unilateral dá lugar ao respeito mútuo, que significa os indivíduos se atribuírem, reciprocamente, um valor pessoal equivalente, ou seja, não se pode ao mesmo tempo valorizar o seu parceiro e agir de maneira a ser desvalorizado por ele. Nesse sentido, existe a possibilidade de trocas, de acordos, de construção, de fazer junto. Portanto, quando as crianças em comum acordo, decidiram como fariam as atividades, a menina nova anulou o respeito mútuo, pois não perguntou se as meninas do grupo queriam que ela desenhasse daquela forma na capa que seria de todos. As principais atividades de cada dia, como o desenho do mapa, mais adiante a oficina de papel reciclado e a colagem das fotos do guia nas folhas de papel reciclado, levam a pesquisadora a trazer o conceito de autonomia de Piaget, que está ligado à relação de cooperação e à responsabilidade subjetiva. Essa relação dá à criança a responsabilidade consciente de passar por uma relação social a ser constituída, e na qual deverá colocar-se do ponto de vista alheio para garantir o acordo e respeito mútuo. Quando o guia turístico foi criado, o objetivo dessa proposta era observar o desenvolvimento moral utilizando-se de um local privilegiado por sua dimensão social, a comunidade. Local este onde tanto as crianças como toda a comunidade faz uso da vida comum. Cada atividade combinada para a semana seguinte, por mais que fossem dirigidas, havia o envolvimento das crianças nas tomadas de decisões, no estabelecimento de normas e regras, na própria distribuição, entre elas, de quem ficaria responsável por determinada atividade, assim, elas tiveram maior possibilidade de desenvolver habilidades racionais e de julgamento moral, o que conseqüentemente remeteria a autonomia moral de Piaget. Nos encontros de terça-feira, todas as questões de regras, de objetivos do dia, de distribuição das tarefas, organização das atividades e ao final a arrumação dos materiais eram apontadas por meio de discussões no grupo. Sempre ao final do dia combinávamos o que seria feito no próximo encontro e todos ajudavam a arrumar os materiais. Espíndola e Lyra (2006) comentam que Kohlberg defende que dessa forma, o poder e a responsabilidade das decisões, assim como as conseqüências das mesmas, estariam nas mãos dos diretamente envolvidos. Mas, para que isso aconteça é preciso que sejam oferecidas condições favoráveis para que a pessoa tome iniciativas próprias e decisões adequadas, responsabilize-se pelas decisões assumidas, saiba criticar a si e aos outros, avaliando adequadamente os aspectos que o levaram a tomar sua decisão. A pesquisadora reflete, então, sobre quando isso não é possível, pois muitas vezes temos que tomar decisões que influenciam o caminho de nossa vida. Essas


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decisões tomadas pelo indivíduo o definem, mesmo que sejam direcionadas por situações eventuais do meio em que vivem, como a coerção incomum dos pais ou da cultura, a qual resulta em uma falta muito grande de experiências de interação social mútua. No quinto dia com a situação dos tijolos, a pesquisadora passou a questionar a relação da comunidade com aquilo, que depois de entregue pela prefeitura, vira seu. De quem eram aqueles tijolos? Era de alguma casa a ser construída? Estão sobrando materiais de construção nessa comunidade? Eram culpadas aquelas crianças que quebraram os tijolos? Dizem: “Não era de ninguém mesmo”. Como podemos julgar o ato delas se ninguém sabia o propósito deles estarem ali, afinal eram tijolos com mil e uma utilidades, serviam tanto para fazer churrasco, como para construir casas, como mais adiante para nos servir de bancos na falta dos mesmos. Ao final das atividades do dia, todos os tijolos haviam sido quebrados pelas crianças. Essas questões com a comunidade sempre permearam as idas e vindas da pesquisadora. No terceiro dia em particular, ao final de uma atividade, algumas crianças tentaram nos impedir de ir embora. Acredita-se que seja comum, durante o período de pesquisa de campo, que a condição de pesquisador leve a enfrentar uma dificuldade de encontrar um papel no grupo a ser estudado. Em parte, o pesquisador define o seu próprio papel e, em outros momentos, o seu papel é definido pela situação e pela perspectiva do grupo. Nesse caso os papéis tiveram que ser restabelecidos. As pesquisadoras tiveram que levantar a questão da diferença das pessoas, do trabalho que fazíamos ali, em um movimento de delimitação de território, “nós não somos daqui”. Segundo Maffesoli (1998) é importante que exista confiança e receptividade por parte do grupo estudado com relação ao pesquisador, para que haja esse tipo de conversa e discussão, e isso era exatamente o que tínhamos. Encontramos em toda sociedade a existência da solidariedade, comunicação, sentimentos, proximidade, familiaridade, cotidianidade e o experimentar-se em comum. Sabendo que toda convivência tem um modo próprio de estar-junto que é, ao mesmo tempo, simbólico e material, criamos camisetas que identificavam o grupo Amizade e as pesquisadoras nas caminhadas pela comunidade. Essa atitude diz respeito, segundo Maffesoli (1998), àquilo que nos une ao lugar que é vivido em conjunto com outros, por se tratar de um lugar onde muitos grupos se encontram, é importante que cada um se reconheça. É saber-se diferente nesse território, nesse espaço em que se é e se está junto, e onde é permitido compartilhar com o outro os valores vividos nesse presente. Portanto, favorecer a aproximação entre as pessoas, é ao mesmo tempo participar do lugar, mas saber que não fazer parte dele.


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A partir dessa análise dos dados, faz-se, a seguir, algumas possíveis conclusões acerca da compreensão dos objetivos iniciais do trabalho, quais foram, o geral: analisar a relação entre a construção das regras de convivência social e a ludicidade entre crianças, considerando a questão de gênero em um contexto comunitário; e os específicos: proceder um levantamento bibliográfico sobre a relação entre regras de convivência e ludicidade; caracterizar a construção de regras em um contexto comunitário a partir da questão de gênero; por último, conceituar para crianças na faixa etária de 06 à 12 anos em um contexto comunitário, o significado de regras de convivência a partir do ato de brincar. Também se retoma as categorias definidas anteriormente nos procedimentos metodológicos, sendo elas justiça, cooperação, direitos e responsabilidade, para, enfim, finalizar a pesquisa.


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CAPÍTULO CINCO – Resultados obtidos

5.1 REVENDO AS ETAPAS DA COLHEITA

Ao final desse diário de campo e observando os episódios que fizeram parte dessa investigação, a título de conclusões, faz-se necessário retomar as categorias que foram mencionadas anteriormente na metodologia. A pesquisadora lembra de sua apreensão antes de iniciar a coleta dos dados, se seria possível encontrar situações que ilustrassem o alvo da pesquisa. Mas desde o começo houve temas que apontavam na direção certa. As questões de justiça permeadas pela violência do cotidiano, quando Flor do Campo quer resolver a quebra de uma promessa pelo prefeito através da agressão ao mesmo, ou quando Onze-Horas, por um ato de violência de sua irmã que a tentava estrangular, reivindica seus direitos de igualdade: “se tu me estrangula, eu te estrangulo”. E sempre pudemos contar com os autores fluindo com os acontecimentos expostos, como Vigotski e suas idéias sobre a transgressão que fizeram sentido nas situações do menino que pisava nos cacos de vidro, ou então quando as crianças assinaram uma folha com o nome “Grupo porrada”, mesmo depois de saber que aquela não era a folha verdadeira da chamada. Kohlberg e Piaget também trabalharam para fundamentar os casos de cooperação e solidariedade, o primeiro em relação à responsabilização pelas decisões tomadas e o segundo quanto ao respeito mútuo e o julgamento moral das crianças. Observamos bem esses temas nas situações da partilha do lanche com Flor do Campo e uma das senhoras do Grupo Arte e Saber que distribuía a comida, na construção em conjunto do passo-a-passo, nas grandes atividades de cada dia, como o desenho do mapa, a oficina de papel reciclado e a colagem das fotos do guia nas folhas de papel reciclado. Mais adiante, os combinados sobre as tarefas a serem realizadas e a situação em que o grupo de Jasmim, responsável pela capa do guia


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turístico se desentendeu, quando a quebra das regras elaboradas pelo grupo, invalidou o respeito mutuo. Falando em regras, esse foi um tema que apareceu repetidamente ao longo dos relatos, quer seja no jogo de memória, quando essas foram quebradas, ou no jogo de futebol, onde foram criadas e respeitadas. Além dos acontecimentos acima mencionados, presenciamos, também, o desenvolvimento moral segundo Kohlberg na construção do painel, quando Flor do Campo, a partir de uma situação começa a respeitar a ordem estabelecida no grupo. E observamos o raciocínio moral mediado pelo adulto, quando Begônia percebe através de uma experiência, que roubar é feio. Todos esses relatos tiveram importância na construção da presente pesquisa, uma vez que o objetivo era a construção das regras de convivência social. A seguir é analisado o desenvolvimento dos objetivos propostos nessa pesquisa, complementado com as reflexões da pesquisadora sobre o processo.

5.2 SOBRE OS OBJETIVOS DO CULTIVO

Nesse momento retoma-se o objetivo geral da pesquisa, o qual se propunha a analisar a relação entre a construção das regras de convivência social e a ludicidade entre crianças na faixa etária de 06 à 12 anos, considerando a questão de gênero em um contexto comunitário. Essas questões são desmembradas a seguir com os objetivos específicos. Quanto ao primeiro objetivo específico, que diz respeito à fundamentação teórica sobre a relação entre regras de convivência e ludicidade, foi de fundamental importância, pois deu base para guiar o olhar da pesquisadora, no sentido de analisar, explicar e inferir sobre esse processo específico de desenvolvimento infantil. A caracterização da construção de regras em um contexto comunitário a partir da questão de gênero, a que se refere o segundo objetivo, não foi observada com significância nesse trabalho, pois nenhum episódio problematizou a diferença ou semelhança, devido ao caráter diretivo das oficinas socioeducativas. É inegável a diferença entre feminino e masculino, pois as construções que se processam e a forma como se processam são biológicas, simbólicas, sociais e situacionais, como no caso da presente pesquisa. Além das contribuições teóricas e metodológicas, mencionadas anteriormente, para investigar a construção das regras de convivência social, a análise do material de campo


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permitiu perceber que a questão da ludicidade permeava, desde o início, os questionamentos deste estudo com as crianças. É o que pode ser observado quanto ao alcance do terceiro e último objetivo, a conceituação do significado de regras de convivência a partir do ato de brincar para crianças. Esse teve grande influência na pesquisa, pois os dados obtidos do processo de interação lúdica apontaram, nesse grupo, elementos articuladores da construção das regras de convivência como a justiça, cooperação, direitos e responsabilidade, na particularidade desse contexto comunitário. Foi reconhecido, também, que para o grupo de sujeitos dessa pesquisa, a convivência comunitária possibilita o desenvolvimento da apropriação das regras de convivência. O contexto comunitário foi um mediador, pois ali existia a heterogeneidade do ambiente, a interação entre crianças e adultos e a convivência com a comunidade. Assim, o contexto comunitário foi classificado como positivo, à medida que estabeleceu uma relação íntima com o processo de desenvolvimento moral. A expectativa da pesquisadora foi superada devido ao número de informações que surgiram ao longo do processo, que ultrapassaram os objetivos iniciais. Alguns aspectos dificultadores da investigação desse processo de constituição da subjetividade, que é a construção das regras de convivência social em crianças em um contexto comunitário, foi o pouco tempo disponível para coletar os dados no campo, observando essa relação apenas um dia por semana e o fato da pesquisadora transitar temporariamente pelo mundo do sujeito que ela pesquisa, por se tratar de um estudo de campo com prazo determinado. Então, chega-se ao final da pesquisa com a visão de que é necessário continuar os estudos e aprofundar debates sobre a temática em questão, considerando-se que os dados apontados e os referenciais propostos para esse tipo de análise ainda são insuficientes para uma conclusão acerca da construção das regras de convivência social em um contexto comunitário. As categorias evidenciadas nesse trabalho como as questões de justiça permeadas muitas vezes pela violência do cotidiano, os casos de cooperação, direitos e responsabilidade das crianças em relação às decisões tomadas, o respeito mútuo, o julgamento moral e o respeito à ordem estabelecida no grupo, apontam a necessidade de continuidade e procura por mais material etnográfico e pesquisas comparativas, para dar conta da complexidade desse recorte no processo de desenvolvimento infantil, que envolve diferentes atores, relações e mediações.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalmente chega-se ao término dessa pesquisa que trouxe sentimentos a todos os envolvidos. Viveu-se este trabalho de forma que para a pesquisadora representou uma mistura de prática e afeto, pois além do aspecto metodológico desse trabalho, com a coleta e a análise dos dados coletados em campo, a pesquisa ocasionou importância pessoal à pesquisadora, em valorizar a evolução das fases da vida. Essa evolução diz respeito ao tema da pesquisa, a construção das regras de convivência social em crianças, pois atravessou a trajetória de vida da autora por fazer parte do desenvolvimento de todo ser humano. Isso possibilitou conhecer a experiência de estar em relação com uma realidade de acontecimentos fora do contexto familiar de outros cotidianos da pesquisadora, o que certamente modificou o presente e a preparou para o futuro. Uma experiência intensa e significativa, que não tem como medir a exata extensão na vida dos participantes. Fez-se uma intervenção na história destas crianças e através dessa experiência pode-se experimentar a interdisciplinaridade com profissionais da área do Serviço Social, que tangenciaram a pesquisa de forma acolhedora. Permitiu ainda, vivenciar a realidade dessa área social, muitas vezes abandonada, da qual a psicologia também faz parte.


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REFERÊNCIAS

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